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A ascensão da Ásia
Bruno De Conti, Isabela Nogueira,
Elias Jabbour, Alexis Dantas, Carlos Eduardo
Martins e Gilberto Maringoni debatem
a ascensão econômica da Ásia. O eixo principal
do dinamismo econômico mundial transferiu-se
do Ocidente para o Oriente?
Fórum analisa política de segurança do Rio de Janeiro com base nos orçamentos
2 Editorial Sumário
Órgão Oficial do CORECON - RJ Conselheiros Efetivos: 1º TERÇO: (2017-2019) Arthur Camara Cardozo, João Manoel Gon-
E SINDECON - RJ çalves Barbosa, Regina Lúcia Gadioli dos Santos - 2º TERÇO: (2018-2020) Antônio dos Santos
Issn 1519-7387 Magalhães, Flávia Vinhaes Santos, Jorge de Oliveira Camargo - 3º TERÇO: (2019-2021) Carlos
Henrique Tibiriçá Miranda, Thiago Leone Mitidieri, José Antônio Lutterbach Soares. Conselheiros
Conselho Editorial: Sidney Pascoutto da Rocha, João Manoel Gonçalves Barbosa, Carlos Henrique Suplentes: 1º TERÇO: (2017-2019) Andréa Bastos da Silva Guimarães, Gisele Mello Senra Rodri-
Tibiriçá Miranda, Marcelo Pereira Fernandes, Gisele Rodrigues, Wellington Leonardo da Silva, Pau- gues, Marcelo Pereira Fernandes - 2º TERÇO: (2018-2020) André Luiz Rodrigues Osório, Gilberto
lo Passarinho, Sergio Carvalho C. da Motta, José Ricardo de Moraes Lopes e Gilberto Caputo San- Caputo Santos, Miguel Antônio Pinho Bruno - 3º TERÇO: (2019-2021) José Ricardo de Moraes
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A costumamo-nos a pensar na
Europa e nos Estados Unidos
(EUA) como as regiões mais ricas
tradicionais manufaturas chinesas
e indianas foram totalmente de-
vastadas, ao longo do século XIX,
terceira economia do globo.
De forma análoga, depois de
uma participação ativa na Guerra
do mundo. No entanto, historia- pela invasão de produtos europeus da Coreia, os EUA ofereceram um
dores econômicos (por exemplo, (principalmente britânicos). forte apoio para o desenvolvimen-
Paul Bairoch) indicam que, até o No século XX, EUA e Euro- to econômico da Coreia do Sul,
início do século XVIII, China e pa Ocidental consolidaram-se co- importante para que o país ini-
Índia ocupavam esse posto. Foi mo os grandes centros da econo- ciasse a escalada pela – usualmen-
apenas com a Revolução Indus- mia global, a despeito da – sob a te inacessível – escada que con-
trial que a Inglaterra e, posterior- sua perspectiva – incômoda dispu- duz ao status de país desenvolvido,
mente, outros países da Europa ta com a União Soviética (URSS). em um processo que muitos eco-
continental e os Estados Unidos Na esteira dessas disputas, tornou- nomistas chamam de “desenvolvi-
passaram por um desenvolvimen- -se conveniente, para essas potên- mento a convite”.
to acelerado de suas forças produ- cias ocidentais, que alguns países Igualmente pelo vínculo polí-
tivas, tornando-se os principais vizinhos à URSS desenvolvessem tico-econômico com o Ocidente,
centros econômicos do mundo. uma economia (capitalista, é cla- mas também por se beneficiarem da ASEAN (Filipinas, Indonésia,
Essa nova fase do capitalismo ro) pujante, alinhando-se politi- do dinamismo regional gerado Tailândia e Malásia).
global engendrou uma corrida im- camente ao Ocidente. Assim, os justamente pela economia japone- Em paralelo, a China apre-
perialista entre essas nações indus- EUA, depois de terem jogado sa, outros países asiáticos passaram senta médias de crescimento eco-
trializadas, destinada à busca por bombas atômicas sobre Hiroshi- a crescer com mais vigor a partir nômico elevadas desde a Revolu-
fontes de matérias-primas e, pri- ma e Nagasaki, matando milha- dos anos 1970, com destaque para ção, em 1949. Durante o governo
mordialmente, por acesso a mer- res de civis, decidem prestar “aju- Hong Kong, Cingapura e Taiwan. Mao, o crescimento foi instável,
cados. Com isso, reforçaram-se os da humanitária” ao Japão. A partir Juntos com a Coreia do Sul, es- mas criaram-se bases importantes
laços de dominação colonial (ou desse apoio, mas também de uma ses países configuram o grupo dos para que, a partir das reformas de
semicolonial) de alguns poucos eficiente política industrial, o país chamados Tigres Asiáticos, que re- Deng, em 1978-9, o país apresen-
úne economias que lograram um tasse taxas de expansão econômi-
desenvolvimento econômico asso- ca absolutamente extraordinárias.
ciado a um bem-sucedido proces- Como resultado de todo es-
so de industrialização. se processo, o grupo denominado
Na sequência, o desenvolvi- pelo Fundo Monetário Interna-
mento dos países supramencio- cional (FMI) como emerging and
nados gerou ainda outra onda de developing Asia é aquele que mais
irradiação de dinamismo para a cresce no mundo desde o início do
região, sobretudo em função do século XXI. Como mostra o gráfi-
deslocamento de partes da produ- co abaixo, houve apenas dois anos
ção. Nesse processo, descrito co- nos quais o crescimento dessa re-
mo um Modelo de Gansos Voa- gião foi superado (em 2003-4, por
dores – no qual as aves que vêm Oriente Médio e Norte da África).
à frente beneficiam aquelas que as É claro que esse valor é inflado
seguem –, outros países asiáticos pelas extraordinárias taxas de cres-
passaram a crescer de forma ace- cimento chinesas, mas não só, já
Fonte: FMI
lerada, com destaque para aqueles que há inúmeros outros países da
região crescendo aceleradamente. nário de elevadas taxas de inves- aquelas de menor valor agregado gião esquecida do mundo, ela tor-
Conforme dados do FMI, Índia, timento, fundamentais para a e o mercado de trabalho é marca- nou-se, em algumas décadas, uma
Indonésia, Filipinas, Cingapura, manutenção de um crescimen- do por baixos salários, postos de engrenagem importante da eco-
Vietnã, Sri Lanka, Laos, Bangla- to sustentado. Enquanto na Ásia trabalho precários, informalidade, nomia global, seja pelo lado da
desh e Myanmar – além da China emergente a relação entre investi- superexploração e às vezes até tra- oferta, seja pelo lado da deman-
– apresentam, neste século, cresci- mento e PIB é superior a 40%, a balho em condições análogas à es- da. O que não pode, no entanto,
mento médio superior a 5% anu- média mundial é de pouco mais cravidão. levar a uma conclusão precipita-
ais. Se considerarmos uma taxa de de 25%. Ademais, reproduz-se nesses da de que essa região se consti-
crescimento médio superior a 3% Discutidos os motivos princi- últimos países o problema clássi- tui, atualmente, como o motor da
anuais, agregam-se ainda Coreia pais para esse elevado crescimen- co da periferia capitalista, qual se- economia global, já que os EUA
do Sul, Hong Kong, Malásia, Pa- to, a outra pergunta importante ja, a especialização em determi- continuam sendo o “consumidor
quistão, Nepal e Tailândia. Extra- é: esse alto dinamismo significa o nado produto (ou, em tempos em última instância” da economia
polando a análise para outras re- bem-estar da população local? E a atuais, em determinadas etapas do mundial.
giões da Ásia, que não apenas o triste resposta é que não necessa- processo produtivo), mas com ne- De toda maneira, é muito cla-
sul e o sudeste do continente, se- ro o intuito do governo chinês
ria necessário incluir ainda mui- de mudar essa realidade, seja por
tos dos países centro-asiáticos que meio de suas políticas internas,
pertenciam à URSS (e.g. Caza- seja daquelas externas. A iniciati-
quistão), além de alguns países do va chinesa da “Nova Rota da Se-
Oriente Médio. da” tem objetivos variados, mas
A pergunta óbvia, sobretudo não há dúvidas de que o maior de-
em um contexto em que o resto do les é trazer o centro de gravidade
mundo apresenta baixo dinamismo, da economia global de volta para
é: de onde vem esse elevado cresci- a Eurásia. Tido por alguns analis-
mento do sudeste e sul asiático? tas como o maior plano de investi-
Em primeiro lugar, do pró- mento em infraestrutura da histó-
prio crescimento chinês. Ao con- ria da humanidade, ele passa pela
trário do Brasil, que tem superá- construção de ferrovias, rodovias,
vits comerciais com seus vizinhos oleodutos e portos que conectem
sul-americanos, a China habi- Ásia, África e Europa, já envolven-
tualmente apresenta déficits co- do mais de 70 países e com gastos
merciais com os países do sudes- estimados em US$ 1 trilhão.
te asiático, o que significa que seu Isso nos leva à pergunta final do
crescimento alavanca o crescimen- artigo, ainda impossível de se res-
to regional. ponder: passados alguns séculos, o
Em segundo lugar, de uma re- riamente. Nos países que primeiro cessidade extrema de importações, eixo econômico do globo voltará à
configuração da indústria global surfaram nessa onda industriali- sobretudo de bens com maior Eurásia? O dinamismo asiático é
nas Cadeias Globais de Valor. Co- zante – Japão e os Tigres Asiáti- conteúdo tecnológico – e, portan- evidente. As ambições chinesas são
mo aventado acima, houve nas úl- cos – as condições materiais de vi- to, maior valor agregado. Não por claras. Mas as reações dos EUA de
timas décadas um processo intenso da são hoje boas para a maioria acaso, o maior dinamismo econô- Trump, da Alemanha e de outros
de deslocamento de determinadas da população. Na China, notam- mico faz que essa região seja tam- países centrais são igualmente evi-
etapas da produção manufatureira -se elevações dos salários médios bém aquela com as maiores taxas dentes. As tensões aumentam. Não
para países nos quais os custos pro- e alguns avanços sociais conju- de crescimento das importações – só econômica, mas também geopo-
dutivos são mais baixos. Assim, os gados com todas as – inúmeras e sobretudo nos últimos anos. liticamente, os tempos duros estão
produtos que hoje inundam o co- profundas – contradições criadas Ou seja, o crescimento eco- só começando.
mércio global não são mais exclu- pelo avanço de uma economia de nômico desses países e sua estru-
* É professor do Instituto de Economia da
sivamente “Made in China”, mas mercado. Nos demais países aqui tura produtiva integrada a outras
Unicamp e pesquisador do Centro de Es-
também “Made in Vietnan”, “Ban- discutidos, o quadro é bem me- economias faz que essa região ge- tudos de Conjuntura e Política Econômi-
gladesh” ou “Sri Lanka”. nos animador, já que as etapas re importante demanda para o ca (Cecon) e do Centro de Estudos Brasil-
Em terceiro lugar, por um ce- produtivas a eles direcionadas são restante do mundo. De uma re- -China (CEBC) da mesma universidade.
tura e urbanização. E, ao mesmo Grande fatia oleodutos, linhas de telecomunica- A questão agrária
tempo, abriu canais para a penetra- da propriedade estatal ções, geração e transmissão de ener-
ção do capital privado doméstico na acumulação gia, mas também no desenvolvi- As enormes transformações
nos circuitos financeiros e especu- mento de tecnologias de fronteira nos últimos 40 anos não se restrin-
lativos, o que está na causa da atu- Tal dinâmica só é possível em em termos globais. O papel da pro- gem às zonas urbanas. A economia
al bolha imobiliária. No entanto, a função do segundo pilar do regi- priedade estatal para um sistema na- política agrária da China – abran-
expansão chinesa ocorreu com uma me de acumulação chinês: a gran- cional de inovação bem-sucedido gendo a estrutura de propriedade
limitação intensa nas conexões do de participação das empresas esta- ficou bem claro no caso da tecno- da terra, formação de classes, in-
sistema financeiro doméstico com tais na economia, o que garante a logia ferroviária de alta velocidade. tervenções estatais e a dinâmica
os atores internacionais. capacidade do Estado de conduzir A China deixou de ser um país im- atual de crescente capitalização da
No sistema financeiro chinês, políticas de desenvolvimento in- portador de tecnologia em trens de agricultura – assumiu formas mui-
temos uma mistura de Schumpe- dustrial, tecnológico e regional. A alta velocidade até 2004 para se tor- to diferentes de outros países peri-
ter com Minsky na forma de um participação da propriedade públi- nar líder no mercado mundial a par- féricos desde que as reformas co-
Estado empresarial robusto. É um ca na China, em 2015, seguia em tir de 2011. Isso foi possível devido: meçaram. O sucesso da China em
Estado que combina duas funções: torno de 30%, um nível que pare- i. a uma política industrial baseada comparação com Índia ou Amé-
a de emprestador de última instân- ce ter se estabilizado desde meados na antecipação da enorme deman- rica Latina em termos da questão
cia e de investidor de ponta. Tendo de 2000. Nos Estados Unidos, Ja- da doméstica; ii. ao amplo financia- agrária esteve em evitar a formação
os bancos sob seu controle, o Es- pão, França, Alemanha e Grã-Bre- mento controlado pelos agentes fi- de uma massa de população rural
tado chinês pôde elaborar e finan- tanha, o Estado possuía entre 15% nanceiros estatais; iii. à influência de sem-terra ou miserável no campo.
ciar políticas industriais, inova- e 25% da riqueza nacional em me- empresas estatais e oligopolistas de Em vez disso, a agricultura chine-
ções tecnológicas e infraestrutura. ados da década de 1970, ao final grande escala como transportadoras sa foi estabelecida em torno da pe-
É um sistema revigorado de inter- da era de ouro do capitalismo. imediatas; e iv. aos acordos de trans- quena escala e da agricultura fami-
mediação financeira: formado por As empresas estatais têm sido ferência de tecnologia garantidos liar, com compras públicas para
grandes bancos controlados pelo fundamentais não apenas na de- pelo governo nacional ao negociar assegurar demanda e controle per-
Estado, intimamente ligados à in- finição do ritmo e direção da acu- com empresas transnacionais. manente de preços.
dústria, e orientados para financiar mulação de capital como grandes O sucesso é inconteste, e a
o processo de desenvolvimento. investidores em ferrovias, portos, China, mesmo com uma das me-
nores áreas agricultáveis per capi-
ta do mundo, alcançou autossufi-
ciência em arroz, trigo e milho. O
caso chinês desafia o discurso de
modernização agrária de que so-
mente a agricultura em larga esca-
la é eficiente. A produtividade to-
tal dos fatores agrícolas cresceu a
uma média de 2,86% ao ano, en-
tre 1978 e 2013, o que representa
mais de três vezes a média global
de 0,95%.
Em resumo: pegue o exemplo
da China, vire do avesso, e você
chegará a muitas das políticas que
orientam o Brasil de hoje.
O fenômeno do surgimen-
to dos chamados latecomers,
notadamente, as experiências de
catching up no Leste Asiático do
pós-Segunda Guerra Mundial, co-
locou em evidência noções/catego-
rias como desenvolvimentismo e
Estado Desenvolvimentista, sendo
o último elaborado por Chalmers
Johnson em seu estudo clássico so-
bre o Japão lançado em 19821. Ali-
ce Amsden2 aponta na direção da
experiência coreana, encetando tal
como o “próximo gigante”. Ou-
tros autores, fora e dentro do Bra-
sil, produziram ótimos estudos so-
bre o tema.
Apesar do frenesi pelo “mode-
lo” japonês e de seus congêneres do
Leste Asiático, poucas considera-
ções foram levadas em conta acer-
ca dos limites destas dinâmicas de
desenvolvimento, a começar pelo
limite político e geopolítico, no-
tadamente o fato de tais processos
terem ocorrido, em grande medi-
da, sob o patrocínio norte-ameri-
cano e em países ocupados mili-
tarmente. A Endaka japonesa de
1985 e o reenquadramento corea-
no no final da década de 1990 fize-
ram dissipar determinadas ilusões. ção tanto da longevidade quanto me volume de comércio externo
O que não significa que em tais no seu alcance interno e externo: o (35,9% do PIB).
países instituições de tipo desen- crescimento médio do PIB nos úl- É na história por detrás des-
volvimentista deixaram de existir. timos 40 anos foi de 9,5% a.a., ao tes dados que reside tanto a for-
Ao contrário, continuam sendo ca- mesmo tempo em que a renda per mação, na China, de uma “tripla
sos (os únicos) bem-sucedidos de capita no período passou de US$ condição” de potência comercial,
catching up do século XX. 250 em 1980 para US$ 8.800 em industrial e financeira, quanto a
Atenção semelhante tem sido 2018. Por detrás deste processo, há privilegiada posição política e ge-
reservada ao caso chinês. Não à de se destacar a alta relação inves- opolítica de maior credora líquida
toa. O processo de desenvolvimen- timento/PIB (acima dos 40% des- do mundo e comandante em che-
to econômico chinês é um dos fe- de a década de 2000), suas imen- fe do maior projeto de integração
nômenos mais impressionantes do sas reservas cambiais (US$ 3,08 física da história da humanida-
mundo em que vivemos, em fun- trilhões em janeiro último) e enor- de. Lançada em 2013, a Iniciativa
“Um Cinturão, Uma Rota”, atual- Internamente, programas in- lações de produção tem passado planificado e de Estado.
mente sintetiza o alcance e a capa- ternos de conexão econômica es- pela elevação do grau de policia- Ao lado do crescente aumen-
cidade chinesa de se fazer presen- tão se ampliando, com dois fe- mento da sociedade e da dispen- to qualitativo do poder do Estado
te nos quatro cantos do planeta via nômenos já tratados por nós em sa via encarceramento dos cha- sobre a economia, percebe-se que
investimentos de trilhões de dóla- oportunidades anteriores sendo mados “indesejáveis”. Por outro a estrutura de propriedade chinesa
res em infraestruturas que já en- provados: a relação entre o surgi- lado, o socialismo também gesta ainda é muito diferente de outras
volvia, no final de 2017, mais de mento de novas e superiores for- não somente sua reinvenção, mas partes do mundo. Esse processo
70 países, 65% da população do mas de planificação econômica uma real alternativa. reflete-se diretamente em um au-
mundo e 40% do PIB mundial. com avanço na especialização e Esta alternativa em construção mento contínuo, desde a segun-
Não obstante, apesar da reação a elevação do grau de divisão so- e desenvolvimento não abre mão da metade da década de 1990,
norte-americana a esta iniciativa – cial do trabalho. Por exemplo, em de um sistema político próprio e do controle governamental sobre
muito clara em tentativas de de- 2018 um Programa de Desen- peculiar nascido nos marcos da os fluxos da renda nacional: de
sestabilização de países envolvidos volvimento do Cinturão do Rio Revolução Nacional e Popular de 13,5% do PIB em 1996 a 37,3%
no projeto, além da própria Chi- Yang-Tsé foi lançado, com investi- 1949. Desde 1978, partindo das em 20153. A construção dessa al-
na – ao que tudo indica o país está mentos da ordem de US$ 500 bi- bases lançadas pela industrializa- ternativa não prescinde da neces-
disposto, sob o acicate deste pro- lhões em dez anos pelo China De- ção pesada, investimentos maciços sidade de superação de profundas
jeto, a lançar as vigas mestras da velopment Bank. em saúde e educação – e a sobera- contradições surgidas ao longo do
proposta chinesa de construir “um A “guerra comercial” declara- nia política e militar que faltou às processo e que podem colocar em
mundo de desenvolvimento com- da por Trump é, em essência, vol- experiências japonesa e coreana – questão a própria experiência. Re-
partilhado”. Algo em clara oposi- tada contra a possibilidade real o mundo se estatela diante de uma ferimo-nos a questões relaciona-
ção a noções reacionárias de “des- de a China alcançar não somente dinâmica de crescimento e desen- das à concentração de renda, ele-
tino manifesto” e as famigeradas autonomia tecnológica completa, volvimento baseado na fusão en- vado papel do investimento em
“guerras humanitárias” patrocina- mas também o “estado da arte” tre mais de uma centena de con- detrimento do consumo e da ex-
das por Washington. em matéria de sofisticação tecno- glomerados empresariais e estatais plosiva questão ambiental.
Voltando à China, dados lógica (com a famosa plataforma com toda uma complexa e sofis- Do dito, ainda insistimos em
apontam que, entre 1978 e 2018, 5G, domínio amplo do Big Da- ticada rede de financiamento de afirmar que essa alternativa sur-
os chineses foram responsáveis ta). Trata-se de investimentos de longo prazo e em todos os níveis, ge sob o acicate do socialismo de
pela retirada da linha da pobre- bilhões de dólares no desenvolvi- do nacional ao subnacional (pro- mercado. Não mais como uma
za de 840 milhões de pessoas. Pa- mento de mecanismos de inteli- víncias e capitais de províncias). mera abstração. E sim, já como
ra o centenário de fundação do gência artificial capazes de abrir Desde as reformas econômi- uma nova e distinta formação eco-
Partido Comunista da China, em mais relevo e possibilidades de cas forma cíclica o papel do Esta- nômico-social.
2021, o plano é zerar a extrema planificação econômica e social do vem ganhando papel qualitati-
pobreza no país. Um feito que jamais sonhadas pela primeira le- vo. Desde investidor (via sistema * É professor do Programa de Pós-Gra-
deveria ser visto de forma estra- va de cientistas da Gosplan sovié- financeiro estatal) e executor (via duação em Ciências Econômicas da Uerj
tégica, dada a tendência de o ca- tica ou do MITI japonês. conglomerados estatais) em pri- (PPGCE-FCE-Uerj).
pitalismo, via substituição do tra- Qual a alternativa? De onde meira instância, passando pela for-
balho vivo por trabalho morto ao ela vem? Qual seu modus operan- mação de instituições que trans- ** É professor do Programa de Pós-Gra-
duação em Ciências Econômicas da Uerj
mesmo tempo em que cria uma di? O exposto até aqui sugere que formam o Estado também em um (PPGCE-FCE-UERJ), coordenador do
camada de centenas de milhões a busca do capitalismo por alter- gerenciador tanto de grandes po- Núcleo de Estudo das Américas e dire-
de “indesejáveis,” alimentar alter- nativas à já insolúvel (nos novos líticas fiscais como de políticas de tor em exercício da Faculdade de Ciências
nativas autoritárias e fascistizan- marcos tecnológicos) contradi- socialização do investimento. A Econômicas da Uerj.
tes à sua própria decadência. ção entre forças produtivas e re- fetiche da lei das vantagens com-
1 JOHNSON, C. Miti and the Japanese
parativas não somente foi suplan- Miracle: The Growth of Industrial Policy:
tada pelo meio de uma revolução 1925-1975. Stanford: Stanford Universi-
(1949). A formação de um policy ty Press, 1982.
space capaz de proteger a política 2 AMSDEN, A. Asia’s next giant: Sou-
monetária das frequentes crises fi- th Korea and late industrialization. New
York: Oxford University Press, 1989.
nanceiras que acometem o mundo 3 NAUGHTON, B. Is China Socialist?
passou pela transformação do co- Journal of Economic Perspectives, (31) 1,
mércio exterior em bem público, pp. 3-24, 2017.
ções geopolíticas nas relações en- controlada pelo Estado em seto- dutos de alta tecnologia, sendo a ceiras e diplomáticas com os países
tre capital e trabalho e impulsio- res como telecomunicações, cons- China o principal país superavitá- latino-americanos, em particular
nou a elevação das taxas de lucro, trução civil, petróleo e gás, avia- rio. A renda per capita dos Estados com aqueles considerados “mal-
o que permitiu estabelecer a nova ção civil, geração e distribuição de Unidos caiu de 458% para 390% ditos” pelos Estados Unidos, co-
fase do ciclo expansivo. Se entre energia; e de uma política de joint- da média da economia mundial e mo Venezuela e Cuba. O 13º pla-
1974-93, o PIB per capita cresceu -ventures que impôs transferência a do noroeste da Europa e a Itália no quinquenal e o Made in China
1,2% a.a, entre 1994-2010 se ex- de tecnologia a partir da forte pre- de 329% para 278%, ambas en- buscam a transição para uma eco-
pandiu em 2,4% a.a, aproximan- sença estatal nos conselhos decisó- tre 1994-2010. A desigualdade se nomia de serviços e uma indús-
do-se da era de ouro do capita- rios, na participação acionária, no acelerou enormemente e a partici- tria de alta tecnologia, priorizam
lismo, quando se expandiu 2,9% controle do crédito e nos encade- pação dos 10% mais ricos saltou a energia limpa, a redução das de-
a.a, entre 1950-73. A taxa de lu- amentos tecnológicos em setores nos Estados Unidos de 33,4% em sigualdades, a saúde e o bem-estar,
cro nos Estados Unidos saltou de como P&D, tecnologias da infor- 1970 para 47,9% em 2010 e na a defesa militar de sua soberania e
1991-94, mas para esse processo mação, automóveis, maquinarias, Europa de 27,6% a 37,4% entre de seus interesses globais, que se
se mundializar foi necessária a en- química e exploração geológica. O 1979-2010. Com o desmonte do vinculam ao princípio da autode-
trada em cena de um país socia- êxito deste processo atraiu o capi- crescimento econômico, as políti- terminação dos povos.
lista como forte ator global. Se a tal da diáspora chinesa em Taiwan cas de contenção da pobreza de- Acuados por esta expansão ge-
URSS foi fundamental para viabi- e posteriormente o capital estadu- monstraram sua ineficiência e en- opolítica que se materializou no
lizar a saída do caos sistêmico dos nidense e europeu. No processo trou em crise o centrismo liberal, BRICS e penetrou na América
anos 1940 para a hegemonia dos de expansão da China, as relações atingindo os partidos de centro- Latina, formando laços de coope-
Estados Unidos, a China foi cru- entre Oriente e Ocidente se inver- -esquerda e centro-direita, posi- ração internacionais, os Estados
cial para generalizar o novo Kon- teram e é ela quem vem fazendo o cionando competitivamente o po- Unidos articularam-se com as oli-
dratiev expansivo, impulsionando convite ao desenvolvimento. pulismo de direita neofascista nas garquias dependentes para impul-
o crescimento na América Latina De 1978-1986, o PIB chinês velhas potências imperialistas e su- sionar guerras híbridas que provo-
e na África. saltou de 5,1% a 7,2%% do PIB as periferias dependentes. caram golpes de Estado, como os
A escala e o alcance de atuação mundial, iniciando a reversão da Diante desse cenário, a Chi- do Paraguai e Brasil, e uma onda
da China são mais vastos e poten- longa queda de 1830-1950, alcan- na vem mudando a sua estratégia neoconservadora como a que es-
tes. Aproveitando-se da exigência çando, em 2008, 17,5%, e conti- de inserção internacional. Preocu- tá vigorando na Argentina, Equa-
dos Estados Unidos de valorizar nuando a crescer. O impacto desse pada com a desigualdade acumu- dor, Chile, Peru e Colômbia.
o iene e o marco para diminuir processo sobre os Estados Unidos lada durante o período em que as Abandonaram a elegância da po-
o seu déficit comercial, a Chi- e as potências europeias tem sido exportações para o mercado esta- lítica de boa vizinhança e buscam
na desvalorizou sua moeda a par- impressionante. O déficit comer- dunidense foram o eixo dinâmico retomar a teoria do Destino Ma-
tir de 1994, estabeleceu paridade cial e a dívida pública estaduni- de sua economia e com a diminui- nifesto através do America First,
fixa com o dólar e ocupou gran- dense cresceram aceleradamente. ção das suas taxas de crescimen- pelo qual pretendem se apropriar
de parte do mercado interno esta- O primeiro saltou de 0,6% em to, que pode revelá-la como uma do que consideram ser o seu espa-
dunidense. Para isso, tirou partido 1991 a 5,6% em 2006, e a segun- questão explosiva capaz de mobi- ço vital, onde estão as maiores re-
da revolução industriosa socialista, da de 33%, em 1979, para 62%, lizar uma gigantesca classe traba- servas de petróleo do planeta e as
que criou um padrão de acumula- em 2006, ultrapassando os 100% lhadora de um país com tradições principais fontes de biodiversida-
ção intensivo em força de trabalho após a crise de 2008. O dólar se revolucionárias, o governo chinês de, para se relançarem na econo-
com baixa despossessão, muito desvalorizou e os Estados Unidos deixou de expandir seu estoque de mia mundial. Todavia há impor-
mais adequado à revolução cien- e os países europeus tiveram que títulos da dívida pública dos Esta- tantes obstáculos: Rússia e China
tífico-técnica; da descentralização arrefecer as suas políticas de mo- dos Unidos. Reorientou-se para o já não são apenas potências regio-
administrativa estabelecida na era eda forte. Embora tenha se redu- mercado interno e para o Sul Glo- nais, possuem somadas quase a
Deng Xiaoping, que forjou as cha- zido após a crise, sobretudo pela bal, impulsionando os gastos so- metade do orçamento militar dos
madas towership and village enter- transformação dos Estados Uni- ciais, a Iniciativa Cinturão, o pro- Estados Unidos, e os povos lati-
prises como resposta às pressões da dos em grande produtor de petró- jeto da Rota da Seda e o BRICS, no-americanos nada têm a ganhar
revolução cultural, impulsionan- leo e derivados, o déficit comer- aproximando-se da Rússia para com a imposição do imperialismo
do a industrialização rural atra- cial voltou a crescer e atingiu o seu garantir suprimentos de petróleo unilateral de Trump.
vés de pequenas e médias empre- recorde em valores absolutos em fora do campo de ação da mari-
sas com enorme eficiência; de uma 2018, apesar do protecionismo de nha estadunidense, estabelecendo * É professor-associado do Irid/UFRJ e do
política de industrialização pesada Trump, concentrando-se em pro- fortes relações comerciais, finan- Pepi/UFRJ
visto na lei e 38% da dotação auto- tar: quem é o grande alvo deste an-
rizada, o que diminui a eficácia do tigo e fracassado projeto de segu-
fundo no seu objetivo de melhorar rança pública? As estatísticas não Gráfico 5 – Mortes por intervenção
a situação da segurança no Estado. deixam dúvidas: de acordo com o de policiais no ERJ:
Em 2019, possui dotação atual de Atlas da Violência6, em 2016, a ta-
R$ 435 milhões e nada realizado xa de homicídios por 100 mil ha-
até o momento. bitantes no ERJ foi de 36,4. Se
considerarmos apenas homens jo-
Considerações vens, esta taxa sobe para 87,7. Por
Finais outro lado, no mesmo ano, a ta-
xa de homicídios de pessoas pre-
Ao investigarmos o orçamen- tas e pardas foi de 47,6, enquanto
to de segurança pública do ERJ a de brancos, amarelos e indíge-
Fonte: ISP-RJ
em conjunto com seus indicado- nas foi de 20,5. Estes dados espe-
res sociais, percebemos que a ve- lham a realidade de toda a década
lha aposta em uma política de anterior (2006-2016), o que re- gurança sem levar em conta sua políticas públicas que visem à me-
puro enfrentamento não só é ine- força a urgência de uma mudan- inseparável correlação com os pro- lhoria do acesso à educação, saúde,
ficaz no que tange aos seus obje- ça de posicionamento do poder blemas sociais e econômicos. Re- moradia, entre outros direitos fun-
tivos, mas também intensifica a estatal. Com efeito, embora o es- duzir o debate a uma questão de damentais para o desenvolvimen-
violência. Em oposição a esta es- tereótipo de bandido esteja vincu- polícia dificulta sobremaneira a to humano.
colha ostensiva e imediatista, veri- lado à figura de jovens negros fave- compreensão das causas da violên-
ficamos que a estratégia que privi- lados, é significativo o fato de que cia: a extrema desigualdade, asso- 1 Instituto Sou da Paz.
2 Fogo Cruzado. referência incompleta.
legia uma formação de qualidade a maior apreensão de fuzis da his- ciada a uma tradição policial mi-
3 A Guerra Urbana do RJ e seus efeitos.
para os policiais e o investimento tória do Rio esteja conectada a um litarista e pautada pelo racismo e Disponível no site: http://www.pmerj.
em inteligência e tecnologia seria homem branco morador de con- pela repressão, os quais, por sua rj.gov.br/wp-content/uploads/2017/03/A-
mais adequada para o combate à domínio de luxo na Barra da Tiju- vez, são incentivados pela guerra às -Guerra-Urbana-do-RJ-e-seus-efeitos-na-
criminalidade. ca, acusado pelo assassinato da ve- drogas. Dessa forma, são impres- -PMERJ-1.pdf
4 Anuário Brasileiro de Segurança Pública
Segundo o relatório Você ma- readora Marielle Franco. cindíveis a mudança na orientação referência incompleta.
tou meu filho, da Anistia Interna- Sob outra perspectiva, não po- política a respeito da criminaliza- 5 O termo técnico é empenhado.
cional, a Polícia Militar do Rio demos pensar sobre o tema se- ção das drogas e a formulação de 6 Ipea, 2018.
FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (21 2103-0121). Para mais informações acesse www.corecon-rj.org.br/fpo-rj e www.facebook.com/FPO.Corecon.RJ.
Coordenação: Luiz Mario Behnken e Thiago Marques. Assistentes: Amanda Resende, Daniel Nadai, Hellen Machado e Laura Muniz.
Agenda de cursos
Economia brasileira
2/4 a 6/8/2019
Carga horária: 60 horas
18h30 às 21h30 | terças e alguns sábados
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Perícia econômica
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18h30 às 21h30 | terças
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BALANÇO PATRIMONIAL
ATIVO (EM R$) PASSIVO (EM R$)
REFERÊNCIAS JAN A DEZ/17 JAN A DEZ/18 REFERÊNCIAS JAN A DEZ/17 JAN A DEZ/18
ATIVO FINANCEIRO 6.588.177,09 5.970.086,04 PASSIVO FINANCEIRO 15.137,59 40.274,56
DISPONÍVEL 55.211,80 145.379,86 RESTOS A PAGAR 9.156,07 10.033,90
DISPONÍVEL VINCULADO A C/C BANCARIA 6.465.177,76 5.730.129,01 DEPÓSITOS DE DIVERSAS ORIGENS 49,90 29.356,96
REALIZÁVEL 25.638,68 52.694,59 CONSIGNAÇÕES - 139,74
RESULTADO PENDENTE 42.148,85 41.882,58 CREDORES DA ENTIDADE -
ATIVO PERMANENTE 26.593.581,87 26.188.918,40 ENTIDADES PÚBLICAS CREDORAS 5.931,62 743,96
BENS PATRIMONIAIS 1.761.188,69 1.786.315,37 RESULTADO PENDENTE 247.462,72 260.815,93
VALORES 55.752,77 54.883,16
CRÉDITOS 24.776.640,41 24.347.719,87 PATRIMÔNIO(ATIVO REAL LÍQUIDO) 32.919.158,65 31.857.913,95
TOTAL GERAL 33.181.758,96 32.159.004,44 TOTAL GERAL 33.181.758,96 32.159.004,44