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Nº 366 Fevereiro de 2020 Órgão Oficial do Corecon-RJ e Sindecon-RJ

Impactos da redução da Selic

Adhemar S. Mineiro, Carlos Pinkusfeld Bastos, Gabriel Aidar, Marcio Pochmann, Maria Lucia
Fattorelli, Marcelo Dias Carcanholo e Ladislau Dowbor avaliam as consequências na economia
da fixação da taxa básica de juros em seu menor patamar histórico

Fórum continua a análise da PEC do Pacto Federativo


2 Editorial Sumário

Impactos da redução da Selic Selic.................................................................................................... 3


A calibragem da taxa de juros em uma economia
O JE sempre criticou a fixação da Selic em altos patamares. Por uma que não sabe para onde vai
questão de coerência, esta edição é dedicada a discutir os impactos da re- Adhemar S. Mineiro
dução da taxa para o seu menor nível na história até o momento.
Adhemar Mineiro, da UFRRJ, alerta para a possibilidade de uma cri- Selic.................................................................................................... 4
se cambial, com a saída de investimentos em carteira, devido à redução As limitações da política monetária
da taxa. A evolução negativa do balanço de pagamentos e os movimen- Carlos Pinkusfeld Bastos
tos agudos do câmbio passam a chamar a atenção dos especuladores in- Gabriel Aidar
ternacionais.
Carlos Pinkusfeld e Gabriel Aidar, do IE/UFRJ, avaliam que, apesar Selic.................................................................................................... 6
da redução dos juros básicos ter um impacto distributivo, é frágil a con- Resgatando a teoria furtadiana da estagnação
fiança de que a política monetária será o instrumento que isoladamente Marcio Pochmann
poderá gerar a retomada sustentada da economia.
Marcio Pochmann, da Unicamp, pergunta se a economia pode vol- Selic.................................................................................................... 8
tar a crescer de forma sustentável com a queda da Selic, desvalorização Porque os juros de mercado seguem altíssimos
cambial e redução dos custos internos. A resposta passa pela capacidade apesar da Selic em queda
de capturar efeitos positivos da economia internacional. O Brasil erra ao Maria Lucia Fattorelli
apostar nos EUA, e não na China.
Maria Lucia Fattorelli, da Auditoria Cidadã da Dívida, detalha como Selic.................................................................................................. 10
são definidas as taxas de juros praticadas pelo mercado financeiro para ex- A redução das taxas de juros: está tudo resolvido?
plicar porque, apesar da Selic em queda, ainda pagamos juros elevadíssi-
Marcelo Dias Carcanholo
mos. Ela atribui as elevadas taxas de juros para a sociedade em geral ao fa-
to de o BC remunerar o depósito voluntário da sobra no caixa dos bancos.
Selic.................................................................................................. 12
Marcelo Carcanholo, da UFF, considera que a redução da Selic não é
Para onde está indo o nosso dinheiro?
uma garantia de novos ares para a economia brasileira. O rentismo con-
Ladislau Dowbor
tinua a imperar com o elevado spread bancário e a possibilidade de com-
pra de ativos baratos para revenda no futuro.
Ladislau Dowbor, da PUC-SP, aponta que a Selic baixou, mas é co- Fórum Popular do Orçamento......................................................... 14
brada sobre um estoque da dívida muito maior. Na lista da Forbes com Pacto Federativo: financeirização e precarização
os bilionários brasileiros, cuja fortuna cresceu nos últimos anos, é difícil
encontrar alguém que produza: são gigantes da intermediação, que dre-
nam recursos das atividades produtivas. O Corecon-RJ apóia e divulga o programa Faixa Livre, apresentado por Paulo Passa-
rinho, às segundas de 9h às 10h e de terça a sexta de 8h às 10h, na Rádio Bandei-
O artigo do Fórum continua a análise da PEC do Pacto Federativo, cujo rantes, AM, do Rio, 1360 kHz ou na internet: www.aepet.org.br.
objetivo é reduzir gastos obrigatórios, sob o pretexto de um ajuste fiscal.

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Selic 3

A calibragem da taxa de juros em uma


economia que não sabe para onde vai
Adhemar S. Mineiro* Na balança comercial, as ex- sa saída de capitais se explica pelo públicas. Estima-se em cerca de
portações caíram quase 9%, as ambiente internacional de aversão 25% a redução do gasto financei-

O ano de 2019 tinha tudo pa-


ra ser mais um ano de uma
longa estagnação que se arrasta
importações também caíram
(cerca de 3%), a corrente de co-
mércio caiu cerca de 6%, en-
ao risco em países emergentes, e
parte pela redução da remunera-
ção mais importante para esses ca-
ro no ano que vem, com uma ta-
xa SELIC de 5%.
Os desdobramentos da con-
desde 2017, depois da aguda re- quanto que o saldo da balan- pitais que entram, a taxa de juros. juntura recente no Brasil colo-
cessão de 2015 e 2016. Entretan- ça comercial para a comparação Essas movimentações da taxa cam elementos de continuidade
to, corremos o risco de enfren- dos mesmos períodos de janeiro de câmbio representam impactos – um cenário internacional ad-
tar um debate do qual estávamos a novembro do ano em curso e reais na taxa de inflação, que ten- verso, a estagnação da produção
afastados fazia algum tempo: o da do anterior recuou quase 27%. e do emprego e renda, a crise das
possibilidade de uma crise cam- Evidente que parte disso tem re- finanças públicas – mas acendem
bial. O desenho da conjuntu- lação com a queda dos preços das um sinal até aqui amarelo para
ra internacional, em particular a commodities – o que mais do que uma nova dimensão que não es-
latino-americana (com crise eco- tudo evidencia os riscos de confi- tava presente até aqui.
nômica e política que se espalha gurar uma integração no comér- A evolução negativa do balan-
por quase toda região), e o acir- cio internacional centrada em ço de pagamentos e os movimen-
ramento da aversão ao risco entre commodities. Além disso, temos tos agudos da taxa de câmbio pas-
os investidores internacionais são a crise econômica no principal sam a chamar a atenção. Assim
dois elementos que vêm se com- parceiro econômico do Brasil no como os predadores que esperam
binando com a redução do saldo caso da exportação de bens ma- sinais para identificar os elemen-
comercial e as saídas dos chama- nufaturados, a Argentina. tos frágeis de uma manada e es-
dos “investimentos de portfólio” De todo modo, os números colher a presa, os especuladores
(aplicações financeiras, algumas do comércio internacional têm internacionais começaram a iden-
de curto prazo) e demais remessas mostrado um ambiente hostil e tificar dificuldades do Brasil com
para o exterior, contribuindo pa- preocupante, para os que apos- o seu setor externo. Até aqui, di-
ra uma evolução rápida – e nega- tam neste como estratégia de ficuldades parecem ser adminis-
tiva – do saldo de transações cor- crescimento. De acordo com a tráveis por conta das reservas acu-
rentes do país. OMC, as perspectivas de cres- de a subir em função dos preços muladas entre 2006 e 2012, mas
Vale uma observação rápida cimento do comércio interna- dos componentes importados na esse nível de reservas nunca foi
da evolução do saldo de transa- cional em 2019 caíram de 2,6% produção interna, da “indexação” testado por um ataque especula-
ções correntes do Brasil, e uma em abril desse ano para cerca de que o dólar estadunidense acaba tivo mais forte.
observação relevante é a do dé- 1,2% em outubro (queda a me- representando na economia bra- Quanto à calibragem das taxas
ficit como percentual do PIB. A nos da metade, informações em sileira e pelos preços dos bens co- de juros, tomando em considera-
partir de dezembro de 2017, o https://www.wto.org/english/ tados no mercado internacional, ção a especulação com o câmbio,
déficit como percentual do PIB news_e/pres19_e/pr840_e.htm). como carnes, óleo de soja, petró- a estagnação econômica, as taxas
cresce quase que continuamente Finalmente, vale observar a sa- leo e outros. Esses mecanismos de inflação ou o gasto financeiro,
de -0,73% até alcançar -3,00% ída de investimentos em cartei- fazem com que variações para ci- o governo parece seguir sem saber
em outubro de 2019. Essa evolu- ra (“portfólio”). De acordo com o ma do valor do dólar tendam a exatamente o que quer com a fi-
ção negativa é resultado em espe- Banco Central, entre janeiro e ou- pressionar os preços, o que acaba xação dos juros.
cial da queda do resultado da ba- tubro de 2019 teriam saído cerca influindo na discussão sobre a ta-
lança comercial em 2019, e das de US$ 6,25 bilhões (de acordo xa de juros interna. * É economista e doutorando do PPG-
remessas para o exterior no perí- com a já citada Nota para a im- A redução das taxas de ju- CTIA/Universidade Federal Rural do
odo anterior. prensa - 25/11/2019). Parte des- ros influencia ainda as finanças Rio de Janeiro.

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4 Selic

As limitações da política monetária


Carlos Pinkusfeld Bastos* ros como uma variável exógena de- com o relaxamento da restrição ex- explicadas pela política de metas de
Gabriel Aidar** terminada pelo Banco Central. Se, terna. Este valor tem uma nova que- inflação adotada desde 1999. Nes-
por um lado, as evidências para uma da expressiva para 4,5% entre 2007 se caso, existe um “mandato” sob o

O debate sobre taxa de juros é


bastante amplo e complexo,
contemplando aspectos relativos
suposta dependência da taxa básica
de juros de indicadores fiscais ou ex-
pectacionais são, no mínimo, ques-
e 2015, sofrendo uma elevação para
6,4% no governo Temer, entre 2016
e 2018, para cair de forma persisten-
qual o Banco Central é obrigado a
reagir com elevações das taxas de ju-
ros frente a uma elevação da inflação,
tanto à sua determinação quanto a tionáveis, a restrição externa e a ne- te até chegar ao valor corrente de me- ou quando esta se afasta do centro da
impactos no conjunto da economia, cessidade de se atrair capitais para nos de 3,3%. Vale registar que apesar meta. Esse é o caso, por exemplo,
sendo que as interpretações sobre compensar a conta corrente brasi- de todo hype em torno do historica- do ano mencionado anteriormente,
ambos divergem radicalmente de- leira, historicamente negativa, são mente baixo valor nominal, em ter- 2013, quando a taxa de juros real se
pendendo das abordagens teóricas importantes parâmetros para os ju- mos reais, durante todo o ano de situou numa faixa de 1,4%, cerca de
utilizadas. Além dessas duas ques- ros brasileiros. Vale anotar que a re- 2013, registaram-se taxas mais bai- 1% abaixo da taxa média recente.
tões gerais, no caso brasileiro, as lação entre juros e determinação dos xas que as atuais, em decorrência da Contudo, devido a uma inflação
elevadas taxas de juros nos anos re- preços, no Brasil, passa, primordial- forte e rápida queda promovida pelo que se afastava da meta, foi necessário
centes ainda suscitaram um debate mente, por um canal do câmbio, via governo Dilma Rousseff, em 2012. um novo ciclo de elevação dos juros.
particular sobre a sua “originalida- choque de oferta e não da demanda. O exame dessa série de juros Vale mencionar que nesse período,
de” frente à experiência internacio- Dessa forma, a elevação do diferen- deixa claro que há duas questões houve repique inflacionário motiva-
nal. Apesar da quantidade e com- cial entre os juros domésticos e os in- que devem ser compreendidas: o do por choques de custos, principal-
plexidade dos temas, buscaremos ternacionais ao atrair dólares valoriza nível dos juros e as oscilações que mente em decorrência da desvalori-
neste artigo cobri-los brevemente, o câmbio, com um impacto de re- a série apresenta. Quanto ao nível, zação cambial no período e do maior
começando pela originalidade dos dução de custos e, consequentemen- inicialmente é importante registrar repasse desses custos para ganhos sala-
juros extremamente elevados. te, da inflação. O gráfico 2 mostra que os juros domésticos possuem, riais – permitidos devido a um maior
Inicialmente pode-se ver no grá- como os choques externos de com- como já dissemos, um piso deter- poder de barganha dos trabalhado-
fico 1 que, apesar de elevados, os ju- modities, já levando em conta o efei- minado por fatores exógenos: a ta- res e pela própria institucionalidade
ros reais ex-post são tendencialmen- to do câmbio, ajudam a explicar as xa básica de juros internacionais, de aumentos reais do salário mínimo.
te cadentes desde 1999. Há diversas variações da taxa de inflação. somada ao risco país e à expectati- Em 2015, um novo choque de preços
explicações concorrentes para expli- Entretanto, mesmo dentro des- va de desvalorização cambial. Pode- monitorados (gasolina e eletricidade)
car tal redução, mas uma explicação ta tendência de queda de juros, po- -se ver, então, como a trajetória dos e a manutenção de uma pressão de
direta para tal fato é o abandono da de-se identificar alguns subperíodos juros domésticos está diretamen- desvalorização do câmbio exigem no-
âncora cambial adotada no Plano com características peculiares. A ele- te relacionada à dos juros interna- vo aumento nominal dos juros.
Real, que permitiu uma maior fle- vadíssima taxa de taxa de juros básica cionais e risco. Assim, uma redução A forte elevação dos juros nomi-
xibilidade na política de juros pós- real, que era de 20% em média entre dos juros externos e/ou do risco pa- nal a partir de 2013 é então segui-
1999. Aqui é importante destacar 1995 e 2000, se reduz, no período de ís abre a possibilidade para redução da por um aumento dos juros reais
que se entende essa taxa básica de ju- 2000 a 2010, para 8,5% em média, dos juros. Outro ponto importan- em 2016, quando a inflação desace-
te diz respeito à dinâmica própria lera rapidamente. Esse recuo esteve
do risco-país, o qual depende, for- principalmente associado à valoriza-
Gráfico 1 temente, da evolução das condições ção do câmbio e ao comportamento
externas de liquidez internacional, dos preços monitorados após o cho-
incluindo aí o próprio juro básico que de 2015. Isso possibilitou ao
internacional. Assim, a queda dos Bacen realizar uma persistente re-
juros de 2003 em diante, que se vê dução dos juros num padrão cíclico
no primeiro gráfico, em boa parte consistente com o passado histórico
se explica por fatores externos de deste século. Ademais, com os juros
melhora das contas externas do pa- mundiais muito baixos e o risco país
ís e redução de juros internacionais. em torno de 300 pontos, o chama-
Ainda assim, mesmo havendo do piso dos juros permitiu essa forte
uma tendência declinante, há osci- queda. A partir do final de 2016, o
lações nos juros domésticos que são Bacen volta a reduzir a taxa de juros

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balanço de pagamentos. Entretanto, sa da economia. O provável repique


Gráfico 2 o quanto essa possível rodada de ele- inflacionário com impacto negativo
vação nominal aumentará os juros sobre o salário real e as medidas de
reais é uma questão que mais uma fragilização do emprego certamente
vez trará à baila o debate sobre a eco- comprometerão a renda dos traba-
nomia política dos juros, ou seja, a lhadores, o que, somado à limitada
capacidade de pressão política das geração de empregos formais, terá
classes proprietárias por uma trans- um impacto negativo sobre o consu-
ferência regressiva de renda por par- mo e a demanda por crédito.
te do estado via pagamento de juros. Haveria ainda a possibilidade de
A despeito da discussão sobre o a taxa de juros afetar positiva e sig-
nível dos juros, a eventual pressão nificativamente o investimento pri-
para a taxa de juros face à deteriora- vado. Contudo, essa ideia esbarra
ção das contas externas fragiliza ain- em uma série de limitações de diver-
da mais a estratégia do governo de sas naturezas: desde a crítica teórica
colocar o peso da recuperação da e empírica a uma relação sistemáti-
economia na política monetária. A ca inversa entre juros e investimen-
Gráfico 3 primeira questão relacionada a essa to, passando pela existência de uma
fragilidade diz respeito ao elevadís- capacidade ociosa significativa que
simo spread dos empréstimos cobra- certamente inibe a disposição do
dos pelos bancos. No último ciclo de empresário em aumentar ainda mais
oscilação dos juros, os spreads acom- sua capacidade produtiva.
panharam o ciclo de elevação e re- Apesar da redução dos juros bá-
dução da Selic, ou seja, a elevação sicos ter um impacto distributivo fa-
do custo do crédito resultou da so- vorável, a confiança que a política
ma do aumento do custo básico e do monetária será o instrumento que
spread bancário, assim como o bara- isoladamente poderá gerar a retoma-
teamento foi decorrente da queda da sustentada da economia é frágil do
dos dois componentes. Essa queda ponto de vista teórico e empírico e se
do spread, no entanto, não foi nem confronta com a discussão que ocor-
de longe proporcional à queda dos re nos países desenvolvidos, que jus-
juros básicos. Por exemplo, a que- tamente sublinha a limitação dessas
nominal (a taxa real só começa a cair co Central deixará de cumprir seu da da média do spread sobre recur- políticas, enfatizando a necessidade
em meados de 2017). mandato de combate à inflação den- sos livres foi de cerca de 35% (de da utilização de políticas fiscais ex-
Como dito anteriormente, não tro do regime de metas e mesmo, 42,4 para 27,8%) enquanto a taxa pansionistas. Além disso, tendo em
batemos ainda valores reais obser- é de se perguntar, se o nível de ju- Selic foi cortada a menos de sua me- vista a deterioração do resultado re-
vados anteriormente; entretanto, a ros doméstico é compatível com um tade pelo Banco Central (de 13,75 a cente das transações correntes, pare-
partir de julho deste ano, vem sen- fluxo cambial capaz de “fechar” o 5%). Ademais, o ciclo de redução de ce-nos que o Bacen pode ser confron-
do registrado um resultado negati- balanço de pagamentos, dado o va- spread parece encerrado, ou seja, há tado com a necessidade de aumento
vo diário no fluxo de dólares, com o lor do déficit de transações corren- uma elevação média em 2019 frente dos juros nominais caso a rápida des-
Banco Central gastando dólares pa- tes. Ou seja, assim como ocorreu a 2018. Há, assim, uma certa ambi- valorização cambial comece a ter re-
ra tentar conter, sem sucesso, a tra- em 2013, é improvável que o Ban- guidade nos dados recentes de crédi- flexo nos preços. Dessa forma, o ce-
jetória de desvalorização cambial. co Central fique inerte frente a uma to para consumo (pessoa física): em- nário de juros nominais e reais baixos
As consequências inflacionárias des- situação de deterioração cambial/in- bora se identifique um crescimento pode ser extremamente instável face à
se repique cambial certamente serão flacionária. Até aqui a formulação de real, puxado principalmente pelo fi- situação das contas externas do país.
amortecidas por um mercado de tra- um cenário para uma provável eleva- nanciamento para aquisição de au-
balho bastante fragilizado e um efei- ção nominal dos juros segue o script tomóveis, a perspectiva de que os * É PhD pela New School for Social Rese-
to menor da indexação dos preços de um banco central que está cons- juros não cairão mais de forma ex- arch e professor do IE/UFRJ.
administrados. Mesmo assim, e de- trangido tanto pela política de metas pressiva não fornece uma expectati- ** É doutorando em Economia pelo IE/
pendendo do valor desse repique, de inflação quanto pela necessidade va de que o crédito teria capacidade UFRJ e pesquisador visitante da Universi-
será interessante observar se o Ban- de atração de dólares para fechar o de puxar uma recuperação vigoro- dade de Columbia, NY.

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6 Selic

Resgatando a teoria
furtadiana da estagnação
Marcio Pochmann* assim, a solução arbitrária para o geral dos mecanismos de financia-
impeachment de Dilma não per- mento a médio e longo prazo da

A economia brasileira, decorri-


dos mais de três anos do gol-
pe de Estado que retirou a presi-
mitiria negar a existência de dois
projetos distintos de país, sendo,
por um lado, o igualitário, a com-
economia, do sistema nacional de
invovação tecnológica e do deslo-
camento do padrão de consumo
denta democraticamente eleita, binar democracia com crescimen- dos endinheirados da produção
em 2016, segue estagnada em pa- to econômico e inclusão social e, nacional, associado à importação e
tamar levemente acima do estabe- por outro, o desigualitário, que turismo externo.
lecido pela mais grave recessão já comprometeria a democracia e en- Nesses termos, o país estaria re-
experimentada no país. Esta cons- cadearia o decrescimento econô- gredindo à condição da procissão
tatação, guardada a devida propor- mico e a exclusão social. de milagres, descrita por Sérgio
ção, estabeleceria alguma conexão Nessa perspectiva, o Golpe de Buarque de Holanda no seu livro
com a Teoria da Estagnação Eco- 2016 também poderia ser com- A Visão do Paraíso, que teria pre-
nômica de Celso Furtado proposi- preendido como uma espécie de dominado desde o início da colo-
tada diante do avanço da ditadura segunda desistência histórica das nização lusitana (1500) até o final
civil-militar a partir de 1964, mas classes dominantes ao projeto de- da República Velha (1889-1930).
que terminou sendo criticada, pos- senvolvimentista conduzido pe- O avanço da dependência externa
teriormente, por Serra e Tavares1? la liderança dos governos petistas terminaria por determinar o tipo cialmente a China, o que o recolo-
Para tanto, cabe destacar que, (2003-2015). Ou seja, a aceitação de produção interna a ser fomen- cou, fundamentalmente, na depen-
na turbulência dos anos 1960, a por parte dos dominantes da teo- tado para a exportação, confor- dência extrema do centro capitalista
saída autoritária na época expres- ria do realismo periférico, a identi- me demonstraram os ciclos econô- mundial. Acontece que o centro do
sou a desistência burguesa à alian- ficar o país como incapaz de exer- micos anteriores do açúcar, ouro, capitalismo tem perdido dinamis-
ça democrático-popular pela re- cer qualquer protagonismo no borracha, café e agora, cada vez mo econômico, conforme atesta a
alização das necessárias reformas plano internacional, comprometi- mais, dos bens do agronegócio. literatura especializada através da re-
estruturais para superar o subde- do com a valorização da vantagem Diante do movimento atual de ferência à estagnação secular2.
senvolvimento que encharcava o comparativa de produzir com mão queda nominal e real na taxa bási- Os Estados Unidos, em espe-
capitalismo brasileiro. A prefe- de obra mais barata possível e ex- ca de juros, combinado com a des- cial, expressam os dilemas capita-
rência pela submissão do que ha- portar mercadorias assentadas em valorização cambial e a redução listas em melhor plano em decor-
via de burguesia interna ao posto recursos naturais. nos custos internos, especialmen- rência dos sinais crescentes de sua
rebaixado de sócio menor do ca- Assim, a nova dependência ex- te do trabalho, haveria possibili- própria decadência. A política ex-
pitalismo internacional permitiu terna brasileira estaria instalada dade da economia brasileira alçar terna norte-americana da domina-
que a expansão acelerada da eco- desde 2016, com o curso da des- novamente uma trajetória de cres- ção global por acordos comerciais,
nomia brasileira, transcorrida na truição interna das condições ob- cimento sustentável? Para chegar em maior ou menor medida des-
época, pudesse ser tratada enquan- jetivas para a escolha própria tan- à resposta almejada, caberia con- de Bill Clinton (1993-2001), foi
to contraposição ao risco de avan- to da possibilidade do crescimento siderar previamente a respeito das rompida por Donald Trump ao
ço possível da Revolução Cubana econômico sustentado como da premissas pelas quais o Brasil po- adotar formas mais sofisticadas pa-
no continente americano, em ple- capacidade de retomada ampla do deria capturar efeitos positivos da ra evitar a decadência econômica,
na Guerra Fria (1947-1991). desenvolvimento. O esvaziamen- economia internacional, sobretu- comercial e tecnológica perante a
Meio século depois, o país se to da autonomia nacional para o do dos Estados Unidos. ascensão chinesa.
defrontaria novamente com as evi- estabelecimento de um ciclo pro- Isso porque o distanciamento Para tanto, a difusão, não so-
dências de novo golpe de Estado, dutivo expansivo decorreria do fim nacional a qualquer protagonismo mente estadunidense, dos diver-
validado, de certa forma, por votos da industrialização, considerada na política externa, cultivado desde sos esquemas associados às “guer-
nas eleições municipais de 2016 a coluna vertebral do desenvolvi- o Golpe de 2016, afastou o Brasil da ras híbridas”, do uso do lawfare e de
e presidenciais de 2018. Mesmo mento da nação, e da degradação América Latina e dos BRICS, espe- outros mecanismos voltados à de-

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Selic 7

sestabilização das nações. No caso Diferentemente disso, a Chi- petitividade estabelecido na eco- resolveu acompanhar a decadência
chinês, ademais, a guerra se apresen- na aproveitou, inicialmente, a on- nomia mundial movida pelas cor- inglesa, ao contrário do Brasil, que
ta publicamente pelos Estados Uni- da da globalização desde a década porações transnacionais em busca soube abandonar a Inglaterra para
dos como comercial, embora pare- de 1980 para capturar investimen- acirrada das vantagens competiti- surfar com os EUA da época. Tal-
ça funcionar como mero pano de tos produtivos e absorver tecnolo- vas, a China montou o seu arca- vez por isso que a teoria furtadia-
fundo da disputa extremada em tor- gia externa na forma de joint-ven- bouço industrial-financeiro-insti- na da estagnação econômica ga-
no da emergência do novo paradig- tures. Na sequência, realizou ampla tucional organizador de estrutura nhe mais atualidade contributiva
ma tecnológico, cuja posição norte- e profunda reforma em suas empre- produtiva alavancado no seu pró- na análise sobre o Brasil submeti-
-americana aponta decrescente. sas estatais para elevar e melhorar a prio sistema nacional de inovação do aos governos neoliberais desde
Acontece que em quase qua- coordenação socialista dos investi- tecnológica (introdução do sis- o golpe de 2016.
tro décadas de globalização, o cen- mentos, antecipando-se à dinâmi- tema da “destruição criativa” de
tro capitalista se mostrou cada vez ca dependente da demanda interna. Schumpeter, ausente no modelo * É professor do Instituto de Economia e
mais contaminado pelo proces- Dessa forma, a China se es- da URSS). pesquisador do Centro de Estudos Sindi-
cais e de Economia do Trabalho, ambos da
so de financerização da riqueza, o truturou distintamente do mode- Em síntese, percebe-se que ao Universidade Estadual de Campinas.
que tornou os donos do dinheiro lo soviético, por constituir proces- final do primeiro quartel do século
com crescente aversão ao risco de so de fusão e aquisição intraestatal 21, a articulação financeira, tecno- 1 Sobre isso, ver: FURTADO, C. Subde-
investir produtivamente. A domi- que resultou na formação de me- lógica, produtiva e distributiva do senvolvimento e estagnação na América La-
tina. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira,
nância financeira da acumulação nos de 100 grandes conglomera- socialismo de mercado chinês pa-
1968; SERRA, J. ; TAVARES, M. Além
capitalista não apenas gerou a per- dos estatais em postos estratégi- rece deter o sentido de superiorida- da estagnação. In: Da substituição de im-
formance de estagnação secular co- cos, todos dotados de gigantescos de relativa às iniciativas privadas das portações ao capitalismo financeiro. Rio de
mo a preferência do consumo as- bancos com ampla capacidade de corporações capitalistas demasiada- Janeiro: Zahar, 1977.
sociada à lógica do endividamento financiamento de médio e longo mente contaminadas pela financei- 2 Mais detalhes em: GORDON, R.
e da desigualdade social extrema. prazo3. Perante o padrão de com- rização da riqueza e pela aversão ao The rise and fall of American growth.
risco de investir produtivamente. Princeton: PUP, 2016; SUMMERS,
Com o projeto da Rota da Se- L. US economic prospect: secular stag-
nation, hysteresis, and the zero lower
da, a China constitui o seu Plano
bound. Business Economics, 49 (2):
Marshall, definindo seus parceiros,
65-73, 2014.
ademais de estabelecer, pelo pla- 3 |Mais aprofundamento em: NO-
nejamento de longo prazo (Made LAN, P. Is China Buying the World?
in China, 2025), a candidatura à Cambridge: Polity Press, 2012;
liderança mundial. Neste caso, o JABBOUR, E. China: Socialismo e de-
Brasil estará fora, como ficou a ri- senvolvimento, sete décadas depois. São
ca Argentina dos anos de 1930 que Paulo: A. Garibaldi, 2019.

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8 Selic

Porque os juros de mercado seguem


altíssimos apesar da Selic em queda
Maria Lucia Fattorelli* pósito voluntário (atualmente de vilégio de participar dos leilões de
cerca de R$1,1 trilhão) de todo o títulos da dívida pública emitidos

N o momento em que os jor-


nais estampam que os juros
atingem o menor nível da história,
dinheiro que sobra no caixa dos
bancos, e remunera diariamente
essa montanha de dinheiro.
pelo Tesouro Nacional e leiloados
pelo Banco Central.
Na prática, os títulos têm sido
é fundamental conhecer como são Diante dessa benesse, por que vendidos a taxas bem superiores à
definidas as distintas taxas de juros razão os bancos iriam correr riscos Selic, pois os dealers só compram
praticadas pelo mercado financeiro para emprestar para o público em os títulos quando as taxas alcan-
para empresas, pessoas e para o setor geral, se podem receber remunera- çam o patamar que desejam. Ge-
público, a fim de entender porque, ção diária e garantida pelo BC? Só nerosamente, o BC atende e lhes
apesar da Selic em queda, ainda pa- emprestam a juros exorbitantes! oferece elevadas taxas de juros.
gamos juros elevadíssimos e somos Não é difícil imaginar o que Para citar apenas um exem-
o país que mais gasta com juros. ocorreria se o BC interrompesse esse plo, quando a Taxa Básica (Selic)
Enquanto toda a economia privilégio de remunerar diariamente se encontrava no patamar absurdo
brasileira fica emperrada e defi- toda a sobra de caixa dos bancos: é de 14,25%, títulos da dívida in-
nha, principalmente devido ao evidente que eles passariam a se es- terna chegaram a ser negociados
elevado custo do dinheiro, o úni- forçar mais para emprestar à socie- a 16,4% em 29/09/2015, as quais
co beneficiário desse gasto exces- dade em geral e as taxas de juros de continuarão a ser pagas até 2023, rização legal para isso, uma vez que o
sivo com juros são os bancos, que mercado cairiam para patamares ci- quando vencem tais títulos! PLP 459/2017 e a PEC 438/2018,
batem recordes de lucros a cada vilizados, como ocorre em todos os Atualmente, apesar da Selic que visam “legalizar” esse esquema
trimestre. E o maior responsável é demais países do mundo. em 4,5%, o custo médio da dívi- absurdo, ainda não foram aprovados
o Banco Central do Brasil (BC). De forma bem simplificada, da pública federal nos últimos 12 no Congresso Nacional.
É necessário modificar a políti- poderíamos distinguir 4 grupos de meses está próximo de 9% ao ano, Essa nova forma de geração de
ca monetária do país e retirar o po- taxa de juros: ou seja, o dobro da Selic! dívida pública com juros exorbi-
der supremo dos bancos de decidir à Taxa Selic: Taxa básica divulga- Juros exorbitantes sobre dívida tantes segue uma engenharia finan-
vontade sobre as taxas de juros prati- da pelo Copom, após reuniões tri- pública gerada ilegalmente: Trata- ceira complexa e não transparente,
cadas, além de proibir o alastramen- mestrais que o Banco Central reali- -se das taxas de juros que incidem para esconder o grave fato de que
to do esquema fraudulento deno- za com representantes do mercado sobre a nova modalidade de geração essa dívida ilegal é paga por fora
minado “Securitização de Créditos financeiro, em flagrante conflito de dívida pública ilegal, por meio dos controles orçamentários, me-
Públicos”, que tem se mostrado co- de interesses, pois a recomendação do esquema da chamada “Securiti- diante a entrega do fluxo de arre-
mo uma forma de rentismo ainda desses especialistas é adotada sem zação de Créditos Públicos”. cadação tributária aos investidores.
mais privilegiada e indecente. qualquer crivo ou sequer debate Esse esquema usa uma empresa Esse escândalo está virando
por parte do Congresso Nacional. estatal (Sociedade de Propósito Es- um modelo de negócios aplicado
Por que os juros são Conforme informado pelo BC à pecífico – SPE – a exemplo da PBH a diversos ativos públicos relevan-
tão elevados no Brasil? CPI da Dívida Pública1, a determi- Ativos S/A em Belo Horizonte, a tes (royalties do petróleo e partici-
Os juros são elevadíssimos no nação da Selic não obedece a uma CPSEC S/A em São Paulo, entre pações especiais do pré-sal no Rio
Brasil principalmente por dois fórmula matemática, mas sim às outras) que emite papéis financeiros de Janeiro2 e extração de nióbio
motivos: primeiro, porque o Ban- mencionadas “apresentações técni- (debêntures), com garantia estatal, e em Minas Gerais3).
co Central (BC) gera escassez de cas”. Ao final, é o próprio mercado oferece juros estratosféricos. A instituição financeira que
moeda na economia e segundo, que define a taxa Selic. No caso da PBH Ativos S/A, es- faz a estruturação desses negócios
porque o próprio mercado finan- Taxa de Juros sobre os títu- ses papéis pagaram juros de 23% ao é que indica a taxa de juros que in-
ceiro detém o poder de decidir so- los da dívida pública: Esta tam- ano em 2015, calculados com base cidirá sobre os papéis (debêntures
bre as taxas praticadas. bém acaba sendo definida pelos no IPCA + 11%! Esse esquema vem sênior) emitidos pela empresa (ou
A escassez de moeda se dá na dealers – seleto grupo de institui- se alastrando por diversos estados e fundo) estatal criado para operar
medida em que o BC aceita o de- ções financeiras que detêm o pri- municípios, embora não exista auto- o esquema.

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Selic 9

Juros de mercado: O mercado fi- corre do abusivo aumento do pre- em que abre a possibilidade de pa- 459/2017 como a PEC 438/2018.
nanceiro cobra à vontade os juros ço de tarifas e de alguns alimentos. gamentos por fora do orçamento, Adicionalmente, é preciso acabar
que bem entende sobre emprés- A inflação que existe no Bra- por meio do esquema da Securiti- com o poder supremo dos bancos
timos, cheque especial, cartão de sil não reduz com o aumento dos zação de Créditos. para decidir à vontade sobre as taxas
crédito etc. Primeiro porque não juros. O controle inflacionário É por isso que denunciamos o de juros praticadas, além de modifi-
há regulamentação alguma que li- somente via altas taxas de juros Sistema da Dívida e exigimos a rea- car a política monetária do país, pa-
mite os juros: cabe ressaltar que consta do Decreto 3.088/1999, lização da auditoria. Esse poderoso ra que o Banco Central regule a co-
desde 2003 foi revogada a parte editado a mando do FMI, braço esquema está provocando enorme brança dos juros e pare de remunerar
do Art. 192 da Constituição que do BIS, em evidente conflito com lesão aos cofres públicos e à socie- a sobra de caixa dos bancos.
limitava os juros reais ao patamar o disposto na Lei 4.595/64 (art. dade, além de aumentar de forma
de 12%, acima do qual se configu- 3º inciso II), que o PLP 112/2019 exponencial a própria dívida, com- * É Coordenadora Nacional da Auditoria
raria a prática da usura. quer revogar para “legalizar” o prometendo o nosso futuro. Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada.
org.br e https://www.facebook.com/audi-
Em segundo lugar, a escassez procedimento adotado pelo BC. toriacidada.pagina). Membro da Comissão
de moeda gerada pelas “Opera- Vivemos uma verdadeira ciran- Conclusão de Auditoria Oficial da Dívida Equatoria-
ções Compromissadas”, que têm si- da financeira no Brasil. Nada de dis- Longe de nos aproximarmos na, nomeada pelo Presidente Rafael Cor-
do usadas de forma abusiva no Bra- cussão se existem recursos orçamen- de uma política monetária que fa- rea (2007/2008). Assessora da CPI da Dí-
vida Pública na Câmara dos Deputados
sil para remunerar a sobra de caixa tários para pagar os elevados juros voreça a economia do país, o que
(2009/2010). Convidada pela Presiden-
dos bancos, provoca elevação brutal incidentes sobre os títulos da dívida observamos é o impressionante te do Parlamento Helênico, deputada Zoe
das taxas de juros de mercado. Por pública; ou sequer preocupação de aumento do poder do mercado fi- Konstantopoulos, para integrar a Comissão
isso, o Brasil tem o maior volume de onde virão os recursos. nanceiro, que já não quer “apenas” de Auditoria da Dívida da Grécia em 2015.
Compromissadas e a maior taxa de As limitações da “Lei de Respon- os elevados juros da dívida públi-
1 Ofício 1007/2009-BCB-Secre, de
juros de mercado do planeta. sabilidade Fiscal” não se aplicam à ca e o que cobra do público em
09.12.2009 e Ofício 999/2009-BCB-
Em todos os quatro casos “política monetária”. Ou seja, se os geral, mas quer se apoderar dire- -Diret.
exemplificados acima, é o próprio recursos orçamentários existentes no tamente da arrecadação tributária 2 Ver artigo Desvio de recurso vira mo-
mercado financeiro que define as orçamento federal não são suficien- e de outros ativos públicos (petró- delo de negócios: securitização e Riopre-
taxas de juros, com a colaboração tes para pagar juros, são emitidos no- leo, nióbio e outros minerais, etc.) vidência. Disponível em https://bit.
ly/36ps5Yc
da política monetária suicida pra- vos títulos da dívida e esses são utili- por meio do novo esquema frau-
3 Apresentação em audiência pública
ticada pelo BC. Também são os zados para pagar juros. Isso mesmo. dulento da chamada Securitiza- realizada pela ALMG em 25/11/2019.
bancos os que mais lucram com os Estamos emitindo títulos para pa- ção de Créditos Públicos, que es- Disponível em https://auditoriacidada.
juros, em todas as situações. Por gar grande parte dos juros nominais cancara o desvio de recursos para org.br/video/fattorelli-denuncia-esque-
isso, no momento, apesar da Selic incidentes sobre a dívida pública, o bancos privilegiados a juros exor- ma-de-securitizacao-em-minas-gerais/
em queda, seguimos sendo o país que fere a Constituição Federal, art. bitantes. Por isso, é urgente inter-
que mais gasta com juros. 167, III, que proíbe a contratação de romper o alastramento dessa aber-
A justificativa que tem si- dívida para pagar despesas corren- ração, arquivando-se tanto o PLP
do dada para a utilização abusi- tes, como temos denunciado desde a
va das “Operações Compromissa- CPI da Dívida em 2010.
das” (que gera escassez de moeda A PEC 438/2018, em trami-
na economia), aliada à aplicação tação na Câmara dos Deputa-
de altas taxas de juros no Brasil, dos, busca revogar esse dispositivo
tem sido o “combate à inflação”, constitucional, ao mesmo tempo
o que não se aplica, pois o tipo de
inflação que temos no Brasil de-

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10 Selic

A redução das taxas de juros:


está tudo resolvido?
Marcelo Dias Carcanholo* os agentes econômicos que se en- boa vontade com o atual governo,
dividaram no período anterior de pode argumentar que, indepen-

E m outubro de 2016, o Ban-


co Central iniciou uma traje-
tória de redução das taxas de ju-
crescimento ainda precisam saldar
seus débitos, em um momento em
que suas receitas se reduziram. As-
dente de tudo isso, os impactos
internos dos juros domésticos re-
duzidos são uma boa notícia. Afi-
ros, que chegou ao final de 2019 sim, esses agentes continuam pres- nal, juros menores incentivam os
ao patamar de 4,5% anuais. Esse sionando pela demanda o mercado investimentos privados, que au-
patamar inédito dos juros básicos de crédito, fazendo com que as ta- mentam o crescimento econômi-
de nossa economia leva os defen- xas de juros ainda subam nesse cur- co e a demanda por mão de obra,
sores históricos da redução das ta- to prazo. Passado esse efeito defa- além de reduzirem o déficit públi-
xas de juros a se perguntarem se sado, o comportamento pró-cíclico co no que se refere às despesas fi-
a política econômica não estaria, das taxas de juros se impõe. Assim, nanceiras e, com isso, a própria
agora, no rumo correto. taxas baixas de juros são, normal- dívida pública. Adicionalmente,
À primeira vista, deve-se res- mente, sinais de recessão econômi- juros menores tendem a desvalo-
saltar que os juros básicos da eco- ca. A economia brasileira tem vis- rizar a taxa de câmbio, incentivan-
nomia brasileira poderiam estar to esses baixos juros básicos porque do exportações e propulsionando
em patamares ainda menores. Da- está em recessão! outro componente da demanda
do o comportamento da inflação, Em segundo lugar, é preciso agregada que reforçaria o cenário
o Banco Central poderia reduzir sempre lembrar que os juros do- de crescimento econômico.
ainda mais os juros básicos, sem mésticos de uma economia depen- Esse argumento sem “viés ide-
comprometimento de sua regra de dente da economia mundial se de- ológico”, com “boa vontade” com
política monetária com base em finem por outra variável. As taxas o atual governo, até seria verda-
metas inflacionárias. Já daí pode- domésticas de juros têm que ser deiro, em abstrato. Ou seja, des-
ria advir uma primeira crítica. A superiores às taxas internacionais considerando todas as outras vari-
política monetária ainda é arro- para manter uma paridade no ris- áveis da economia, juros menores
chada, pois poderia ser mais folga- co de inversão por parte dos capi- tendem, de fato, a apresentar es-
da. Mas, mesmo assim, parece que tais internacionais. Neste sentido, sas consequências. Entretanto, des-
ao menos a direção dessa política nossos juros só puderam baixar considerar as outras variáveis é, no
apontaria para o “caminho cor- porque os juros mundiais também mínimo, um equívoco. Firmas só
reto”. Como sempre, a economia foram reduzidos. E estes últimos ampliam seus planos de produção,
não é fielmente retratada em suas se encontram em patamares bai- incluindo investimentos e deman-
aparências mais explícitas. xos porque a economia mundial da por mão de obra, se esperarem
Em primeiro lugar, as taxas ainda teima em sair da crise que uma retomada da demanda por su-
de juros tendem a apresentar um vivencia desde 2007. No momen- as produções. No cenário recessivo
comportamento pró-cíclico. Is- to em que a economia mundial que vivenciamos, isso não passaria
to significa que elas tendem a su- se recuperar, o que tende a aliviar de um wishful thinking. No que diz
bir em momentos de crescimento nosso cenário externo, ao menos respeito ao impacto sobre a dívida
da economia, em função da forte do ponto de vista da demanda por pública, desconsidera-se completa-
elevação da demanda por crédito, nossas exportações, os juros inter- mente seus outros determinantes,
tanto de capital como de consumo, nacionais tenderão a subir, e como como a variação cambial, a esteri-
e a cair em períodos de crise, justa- somos uma economia dependen- lização monetária feita pelo Banco
mente porque aquela demanda se te, os nossos também. Central para compensar os efeitos
reduz. É verdade que existe certa Alguém que considere estes ar- da entrada de moeda externa, den-
defasagem temporal, uma vez que, gumentos próprios de um ranzin- tre outros. Quanto à taxa de câm-
por exemplo, no imediato pós-crise za, ou com “viés ideológico”, sem bio, por sua vez, desconsidera-se

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Selic 11

que ela é determinada pelo diferen- destes últimos ainda possuem ou- oligarquias brasileiras e transna- sileira, é justamente em momen-
cial dos juros domésticos frente aos tros determinantes. Como a estru- cionais, a redução dessas taxas não tos como esses que os preços dos
internacionais. De nada adianta os tura do mercado bancário brasilei- seria um sinal de fim/diminuição ativos se encontram em menores
primeiros se reduzirem se isso ape- ro é extremamente concentrada, do rentismo no Brasil? Evidente- patamares. É precisamente apos-
nas expressa a redução dos segun- as reduções dos juros básicos da mente que não. Em primeiro lu- tando em valorizações futuras que
dos. Além disso, a taxa de câmbio economia, basicamente o custo gar, justamente pelo argumen- os capitais especulativos tendem a
é determinada também pela varia- de captação desses bancos, termi- tado no parágrafo anterior. Em comprar esses ativos no presente,
ção esperada dos ativos domésticos nam por não serem repassadas para segundo lugar, os ganhos finan- para revendê-los posteriormente.
e pelos indicadores de vulnerabili- o outro lado de atuação dos mes- ceiros não se limitam às taxas de É o momento onde se acentua a
dade externa. Mesmo com tudo is- mos, os juros cobrados de quem juros que incidem sobre os distin- concentração/centralização de ca-
so em consideração, desvaloriza- toma empréstimos bancários. A di- tos títulos de dívida. Outra forma pital, assim como a desnacionali-
ções cambiais não trazem apenas o ferença entre a taxa média de juros de elevar o retorno do investimen- zação e novas privatizações.
efeito benéfico da expansão das ex- do ativo bancário e a taxa média to é a valorização propiciada pelo Por tudo isso, a atual redução
portações. Elas também impactam de juros de seu passivo é o conhe- diferencial entre o preço de com- da taxa básica de juros está longe de
no crescimento das dívidas indexa- cido spread bancário, e este, dada a pra de um ativo e sua revenda. As- ser uma garantia de novos ares para
das em dólar, elevando a fragilidade estrutura concentrada do mercado sim, quando se espera que o pre- a economia brasileira. Em abstrato,
financeira da economia, e no cres- bancário, é o principal responsável ço de um ativo vá subir no futuro, juros menores sinalizariam um me-
cimento do nível geral de preços, pela não chegada da redução dos os investidores compram esse ati- lhor cenário que juros maiores. No
uma vez que alguns preços básicos juros básicos para o demandante vo pelo valor presente, esperando plano concreto, os sinais não apon-
refletem as variações cambiais. final de crédito. Discursos como o revendê-lo mais adiante com a va- tam melhores perspectivas.
Outra questão importante é da elevada inadimplência não pas- lorização esperada de capital. Co-
que a redução dos juros básicos sam de tergiversações comprome- mo vivenciamos uma forte reces- * É professor associado da Faculdade de
não leva, necessariamente, à dimi- tidas com o interesse nos ganhos são, segundo alguns a maior de Economia da Universidade Federal Flu-
nuição dos juros na outra ponta, nesse mercado. toda a história da economia bra- minense (UFF).
no crédito final para consumido- Esta última desmistificação
res e firmas. A taxa Selic é taxa de nos leva para um terreno ainda
juros que incide sobre títulos pú- mais importante. Se os elevados
blicos federais em operações com- juros foram interpretados como
promissadas e, portanto, diz mais a definição do caráter rentista das
respeito à relação entre o gover-
no que emite esses títulos e os ato-
res do mercado financeiro que os
compram. Ainda que sejam taxas
de juros de referência para os ou-
tros mercados, as taxas de juros

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12 Selic

Para onde está indo o nosso dinheiro?


Ladislau Dowbor* toque da dívida muito maior. Em vídeos e em plataformas de discus-
2018 o Estado foi desfalcado em são. É aritmética, só não vê quem

P rimeiro, a coisa óbvia: nos-


so problema não é falta de di-
nheiro. Com um PIB de 6,8 tri-
R$ 320 bilhões. São lucros e divi-
dendos que, uma vez distribuídos,
desde 1995 sequer pagam impos-
não quer. Aliás, a capacidade de
não ver pode ser impressionante.
Os americanos nos ajudam a
lhões de reais, e uma população tos. É um dreno poderoso. ver. A revista Forbes, em edição es-
de 210 milhões, o que produzi- Piketty abriu a caixa do capita- pecial de 2019, traz em detalhe
mos hoje representa 11 mil reais lismo moderno para constatar que quem são os 206 bilionários brasi-
por mês por família de 4 pesso- no século 21 rende mais fazer apli- leiros. A importância deste levan-
as. Com o que produzimos hoje, cações financeiras do que investir na tamento é óbvia. Primeiro, porque
mesmo sem procurar uma igual- produção. E o dinheiro segue natu- é confiável, a revista é americana e
dade opressiva, apenas uma desi- ralmente para onde rende mais. O entende de bilionário, a impren-
gualdade menos obscena, dá para capitalismo do século passado, que sa brasileira não faz levantamentos
todos viverem de maneira digna e tanto criticávamos por explorar os deste tipo. Segundo, é um artigo
confortável. Nosso problema não trabalhadores, pelo menos investia, em que os donos das fortunas, fe-
é pobreza, e sim desgoverno. Ou, produzia bens e serviços de razoá- lizes em aparecer na Forbes, em vez
para dizê-lo de maneira hoje atua- vel utilidade, gerava empregos e pa- de se esconder e de esconder como
lizada, é falta de governança, de fa- gava impostos. O do século 21 não chegam às fortunas, aparecem sorri- tado pela antiga United Fruit, que
zer o conjunto funcionar. investe, não produz e sequer paga dentes e orgulhosos. Afinal, é uma a de tantos crimes, golpes e mortes –
Na minha modesta aritmética impostos. Harvey diz corretamente revista que já explicita para quem é é a empresa de bananas que apare-
econômica – sou avesso à econo- que não se trata de “capital no sécu- escrita: acima das manchetes se re- ce no Cem Anos de Solidão – deci-
metria – faço as contas, follow the lo 21” e sim de patrimônio, porque comenda aderir à “Forbeslife - car- diu mudar de nome. Mas o essencial
money por assim dizer, apresentan- não retorna ao processo produtivo ros, jatos e iates: chegou a hora de para nós é que o patrimônio do Jo-
do o fluxo financeiro integrado. senão marginalmente. escolher o seu”. Sim, caro leitor, o seph Safra é de R$95,04 bilhões, e
Calculando o quanto se tira da ca- Sem entrar em excessivos deta- artigo que aqui analiso não foi es- que nos meses entre março de 2018
pacidade de compra das famílias lhes, lembremos que a tributação crito para você, foi escrito para eles e março de 2019 aumentou em
por meio do absurdo nível de juros no Brasil não só não corrige os de- mesmos, os bilionários. A nós inte- R$19,31 bilhões. Sem precisar pro-
sobre o cheque especial, do rotati- sequilíbrios, como os agrava, pe- ressa muito, pois este grupinho de duzir nada, apenas amealhando di-
vo do cartão, dos crediários e do la estrutura regressiva na cobran- bilionários constitui o lastro do po- videndos. É o que Marjorie Kelly (e
empréstimo bancário, somando os ça dos impostos e favorecimento der real, o deep power do país. E re- tantos outros) hoje chamam de “ca-
juros sobre os créditos concedidos dos mais ricos na alocação. E tam- presenta um poder impressionante pitalismo extrativo”. São 19 bilhões,
às empresas, chegamos a 1 trilhão bém que, segundo o Tax Justice de sucção dos recursos financeiros. dois terços do Bolsa Família, em 12
de reais. Dado que coincide com Network, o Brasil tem cerca de 520 Tomemos o número 2 da lista, meses, para uma pessoa.
os cálculos das financeiras, apre- bilhões de dólares em paraísos fis- Joseph Safra. Hoje, Joseph “tem um O artigo apresenta a imagem
sentados na manchete dominical cais, mais de 2 trilhões de reais que império bancário que leva seu nome: de conjunto: em 2012, tínhamos
do Estadão de 18 de dezembro de nem produzem nem pagam im- é dono do Banco Safra (Brasil), do J. no Brasil 74 bilionários, que dis-
2016: “Crise de crédito tira R$1 postos. Acrescentem o vazamento Safra Sarasin (Suíça) e do Safra Na- punham de uma fortuna total de
tri da economia e piora recessão”. que representam as seguradoras, as tional Bank (EUA). É dono, ao lado 346 bilhões de reais. Em 2019,
São 15% do PIB esterilizados, pensões complementares e os pla- do bilionário José Cutrale, da gigan- são 206 bilionários, com uma for-
transformados em lucros financei- nos de saúde – fundos que “apli- te Chiquita Brands, maior produto- tuna total de R$ 1.205,8 bilhões
ros. Acrescentem a isso os R$ 300 cam” em vez de investir, e temos ra de bananas do mundo”. Ter um (17,7% do PIB brasileiro). Como
a R$ 400 bilhões transferidos para aqui mais uma obviedade: a nos- pé na Suíça é ótimo para um ban- se acelerou de maneira tão dramá-
os que aplicam as suas fortunas em sa economia está vazando por to- co, todos eles hoje têm pés em pa- tica o enriquecimento dos bilioná-
títulos da dívida pública, e chega- dos os lados. Apresentamos esses raísos fiscais. Outro pé nos Estados rios no Brasil? Implicaria, imagi-
mos a 20% do PIB, alimentando dados, com detalhes e fontes, no Unidos ajuda, faz parte da articula- namos, um crescimento dinâmico
fortunas. A taxa Selic baixou, real- nosso A Era do Capital Improduti- ção com a nossa economia. E Chi- da economia? Sabemos, na realida-
mente, mas é cobrada sobre um es- vo, em texto impresso, online, em quita é o nome simpático hoje ado- de, que desde 2013, que é quan-

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Selic 13

do, com manifestações e boicote, Na realidade, estão drenando. anunciou um salto de 56% no lu- imenso dreno econômico que re-
começa o ataque generalizado ao Analisando um por um os bilio- cro líquido, para R$971 milhões. presenta o Itaú pelo menos 13 das
modelo distributivo, o PIB do Bra- nários, é impressionante a dificulda- Sallouti é membro do conselho grandes fortunas apresentadas no
sil não só não cresceu como, de- de de se encontrar alguém que pro- de administração do Mercado Li- relatório. No conjunto, são poucas
pois de dois anos de recessão em duza algo. Seguindo as classificações vre.” (fortuna 116) Associar este famílias, muito interligadas, e cons-
2015 e 2016, continua paralisado. do próprio artigo, basicamente, tra- pequeno clube de magnatas finan- tituindo um poderoso cluster de po-
Estão, para dizê-lo claramente, se ta se de donos de bancos, de holdin- ceiros que drenam as capacidades der financeiro e político. Drenam as
entupindo de dinheiro, e não ver gs financeiras, de acionistas e con- produtivas do país ao conceito de capacidades econômicas da popula-
a relação entre o enriquecimento troladores acionários, de fundos de “mercado livre” é de causar arre- ção, das empresas produtivas e do
dos mais ricos e a paralisia da eco- investimento (no sentido virtual de pios a quem já leu Adam Smith. próprio Estado. A leitura deixa cla-
nomia sugere analfabetismo eco- “investimento”, naturalmente), de Aliás, vários bilionários aumenta- ro porque este país com tantos ricos
nômico. O dinheiro não pode si- donos de cotas acionárias, de hol- ram as suas fortunas na esfera do está paralisado.
multaneamente alimentar ganhos dings familiares, de “investidores”, e BTG Pactual. É bom lembrar que Frente ao dreno geral deste ca-
especulativos e evasão fiscal e fi- aparece até um “proprietário de ter- o banco tem 38 filiais em paraísos pital improdutivo, atribuir os nos-
nanciar investimentos produtivos. ras cultivadas” (fortuna 118). Natu- fiscais, e tem como atividade prin- sos problemas aos velhinhos que
Entre março 2018 e março 2019, ralmente não se trata de Jorge Luiz cipal gestão de fortunas, tecnica- envelhecem demais e criariam pro-
os bilionários brasileiros aumenta- Silva Logemann, dono desta fortuna mente asset management. blemas no orçamento é franca-
ram a sua fortuna em R$230,2 bi- de R$ 2,68 bilhões, de efetivamen- A análise detalhada das 206 fi- mente um insulto à inteligência
lhões, 8 vezes o Bolsa Família. A te se aproximar das terras cultivadas. chas que este dossiê da Forbes apre- elementar. Lembrando que temos
economia brasileira cresce menos Já vimos acima como em 12 senta é muito produtiva, pois cons- apenas 33 milhões de pessoas for-
de 1%, sequer acompanha a pro- meses Joseph Safra aumentou a tatamos que não só se tratam de malmente empregadas no país, pa-
gressão demográfica, implicando sua fortuna em R$ 19 bilhões. gigantes de intermediação, na rea- ra uma força de trabalho de 105
uma queda do PIB per capita do Mas a instituição de Roberto Balls lidade atravessadores das atividades milhões, ou seja, só 31% do to-
país. Há seis anos disseram que es- Sallouti, a BTG Pactual Holding, produtivas, como estão intensamen- tal. E temos 37 milhões em ativi-
tariam “consertando” a economia. “só no segundo trimestre de 2019, te interligados. Vamos encontrar no dades informais, o que somado aos
13 milhões de desempregados, sig-
nifica que 50 milhões de trabalha-
dores estão fora do sistema. A so-
lução não está no apertar o cinto,
austeridade para os que já estão na
austeridade, mas cobrar os impos-
tos devidos dos que ganham sem
produzir, pois talvez, ao ver as suas
fortunas tributadas, se interessem
por fazer algo de útil. No essen-
cial, o que precisamos é produzir.
O empresário efetivamente produ-
tor não precisa de discurso ideoló-
gico ou de “confiança”: precisa de
famílias com poder de compra, pa-
ra ter para quem vender, e de juros
baixos para poder investir. Neste
Brasil de grandes parasitas, ele não
tem nem uma coisa nem outra.

* É economista, professor na pós-gradua-


ção da PUC-SP e consultor de várias agên-
cias da ONU. Os seus estudos estão dispo-
níveis em http://dowbor.org, em particular
A Era do capital improdutivo e O pão nosso
de cada dia, além do artigo A burrice no po-
der. Contato ldowbor@gmail.com

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14 Fórum Popular do Orçamento

Pacto Federativo:
financeirização e precarização
N a atual política econômi-
ca brasileira, há um objetivo
que parece prevalecer acima de to-
ção orçamentária por meio da de-
sobrigação, da desvinculação e da
desindexação.
gurem sua sustentabilidade”.
Mas a mudança que chama
mais atenção é aquela proposta pe-
União (DRU)1 no sentido de pre-
judicar a seguridade social, mas, na
prática, extingue o Orçamento da
do o resto: o equilíbrio fiscal. Atre- lo art. 7º da PEC, que define que Seguridade Social (OSS). Isso por-
lada a isso está a noção de que é A priorização da “o excesso de arrecadação e o su- que, ao destinar qualquer poten-
necessário um maior controle dos dívida em detrimento perávit financeiro das fontes de re- cial superávit para o pagamento
gastos públicos, com a diminuição da Seguridade Social cursos, apurados nos Orçamen- da dívida, a PEC 188 acaba com a
e/ou precarização do papel do Es- A Proposta de Emenda à Cons- tos Fiscal e da Seguridade Social razão de ser do OSS, criado justa-
tado como provedor de serviços. tituição (PEC) 188/2019 preten- da União, com exceção daqueles mente para que determinados re-
Nesta edição, daremos continui- de adicionar o art. 164-A à Cons- decorrentes de vinculação consti- cursos (as chamadas contribuições
dade ao tema abordado em janei- tituição Federal (CF), para garantir tucional e de repartição de recei- sociais) estivessem vinculados a de-
ro no Jornal dos Economistas: o o controle de gastos e o pagamento tas com Estados, Distrito Federal terminadas despesas (saúde, assis-
Pacto Federativo. Nosso enfoque da dívida como prioridade na con- e Municípios, serão destinados à tência social e previdência). Atu-
será justamente o paradigma neo- dução da política econômica: “A amortização da dívida pública fe- almente, o superávit do OSS deve
liberal do equilíbrio fiscal e, mais União, os Estados, o Distrito Fede- deral”. Essa determinação destrói ter as seguintes destinações: maio-
especificamente, o ataque à segu- ral e os Municípios conduzirão suas as bases da estrutura orçamentá- res gastos com a seguridade social
ridade social e ao funcionalismo políticas fiscais de forma a manter a ria brasileira e não apenas se so- e/ou o acúmulo de reservas que ga-
público, bem como a flexibiliza- dívida pública em níveis que asse- ma à Desvinculação de Receitas da rantam a sustentação dessas despe-

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Fórum Popular do Orçamento 15

sas em momentos de déficit, sem vidores em até 25%, com redução mente, um parágrafo semelhante pressa de modo exemplar em inú-
prejuízo da utilização de recursos proporcional dos subsídios e ven- seria incluído ao art. 212, referen- meros dispositivos: “fica vedada a
complementares do Orçamento cimentos, assim como a suspensão te à educação. Portanto, na práti- vinculação de quaisquer parcelas
Fiscal, já que a lógica estabelecida de seu direito constitucional à re- ca, seria feita uma unificação dos de receitas públicas” (art. 116, a
pela CF2, que a PEC 188 pretende visão geral anual da remuneração gastos mínimos nas duas áreas: a ser incluído pela PEC ao Ato das
reverter, é a prioridade das despe- (art. 37, X, CF). Em caso de di- União, os estados e os municípios Disposições Constitucionais Tran-
sas do OSS. ficuldade no cumprimento do li- seriam obrigados a destinar 33%, sitórias - ADCT); “Lei ou ato que
Ao contrário do que se pode mite de Pessoal7, as despesas com 37% e 40% da sua RLI, respecti- implique despesa somente produ-
pensar, a ideia da existência de su- cargos em comissão e funções de vamente, para saúde e educação de zirá efeitos enquanto houver a res-
perávit no OSS não é algo distan- confiança devem ser reduzidas em forma agregada. pectiva e suficiente dotação orça-
te. Segundo a Anfip (Associação pelo menos 20%. Isso se agrava Segundo a justificativa da PEC, mentária, não gerando obrigação
Nacional dos Auditores Fiscais da com a inclusão, pela PEC, das des- os governos teriam maior liberda- de pagamento futuro por parte do
Receita Federal do Brasil), entre pesas com pensionistas neste limi- de para alocar recursos na área que erário (art. 167, § 8°, CF, a ser mo-
2008 e 2015, o superávit total do te, o que exigirá uma compressão mais necessite. Contudo, a ideia dificado pela PEC); “Os disposi-
OSS atingiu R$ 471 bilhões3. Nas ainda maior dos gastos com pesso- dos limites mínimos é que eles se- tivos infraconstitucionais (...) que
palavras do seu presidente: “A par- al. Dessa forma, é evidente o foco jam, justamente, um mínimo. Os vinculem receitas públicas a ór-
tir de 2016, a Seguridade apresen- em medidas de ataque ao funcio- recursos despendidos que superem gão ou despesa serão revogados”
tou necessidade de financiamento nalismo público, considerado res- o percentual estabelecido são mui- (art. 9°, § 5°, PEC 188). Ademais,
(...). Essa necessidade de financia- ponsável pelo aumento da despe- to bem-vindos, e não devem fun- a vinculação de parcela das recei-
mento tem pontos que devem ser sa corrente. cionar como um mecanismo de tas provenientes de royalties de pe-
reconsiderados, que são as renún- compensação. tróleo às áreas da saúde e da educa-
cias fiscais, ausência de um cres- Os três D’s A PEC 188 também desobriga ção seria abolida com a revogação
cimento econômico, desemprego Outro enfoque da PEC é a fle- o poder público no que diz respei- expressa da Lei 12.858/2013 pela
alarmante, decréscimo do Produto xibilização do orçamento através to a um gasto específico com edu- PEC 188.
Interno Bruto (PIB)”4. Ou seja, até dos “três Ds”: desobrigação, desin- cação, que deve ser mencionado Argumenta-se que a vinculação
2015, o OSS foi superavitário e o dexação e desvinculação. pela relevância de seu impacto so- tira a liberdade de gestão dos recur-
déficit atual é conjuntural. Assim, cial. Atualmente, o art. 213, II, § sos e dificulta a ação dos governan-
uma recuperação na economia po- Desobrigação 1º, CF exige que, na falta de vagas tes. Assim, pretende-se vedar a vin-
deria resultar em novos resultados Em relação à desobrigação de e cursos regulares na rede pública culação da receita pública a órgãos,
superavitários, que deixariam de despesas, uma das medidas mais de ensino fundamental e médio, fundos ou despesas. São observadas
ser aplicados em saúde, assistência alarmantes é a soma dos percen- em uma determinada localidade, algumas exceções, como as receitas
social e previdência. tuais mínimos para saúde e edu- devem ser ofertadas bolsas de estu- oriundas de taxas, contribuições e
cação. Atualmente, a CF estipula do em colégios particulares para os doações, os Fundos de Participação
Estado de Emergência que os estados devem destinar pe- alunos que comprovarem insufici- dos Estados e Municípios e as vin-
Fiscal lo menos 12% de sua receita líqui- ência de recursos. Com a mudan- culações constitucionais8.
A PEC 188 também cria o es- da de impostos (RLI) à saúde, en- ça trazida pela PEC, as bolsas se Entretanto, estudos mostram a
tado de “Emergência Fiscal”5: no quanto a União e os municípios, tornam restritas ao ensino básico, importância da vinculação de gas-
caso dos estados e municípios, 15% (art. 198, CF). No caso da e sua oferta estará condicionada: tos como forma de garantir um
quando a despesa corrente exceder educação, o percentual mínimo de (i) à aprovação em concurso; (ii) maior alcance e a qualidade de de-
95% da receita corrente, e no caso gastos com Manutenção e Desen- à existência, no local de residên- terminada despesa. No ano passa-
da União, quando as operações de volvimento do Ensino (MDE) é cia do estudante, de instituições de do, por exemplo, elaboramos um
crédito excederem as despesas de de 25% para estados e municípios ensino privadas que estejam cadas- artigo que analisava o cumprimen-
capital por meio da autorização do e 18% para a União (art. 212, CF). tradas neste sistema. Com isso, há to da vinculação orçamentária de
Congresso6. Nessas situações, fica- Com a PEC, seria adicionado uma transferência da responsabi- MDE no Estado e no Município
ria vedada a criação de qualquer um novo parágrafo ao art. 198 que lidade sobre a suficiência de vagas do Rio de Janeiro e que verificou
despesa obrigatória, como a rea- autorizaria, na elaboração e execu- do Estado para os estudantes. sua eficácia na prática9.
lização de concursos públicos e a ção do orçamento, a dedução do
criação de cargos que impliquem montante aplicado em MDE que Desvinculação Desindexação
aumento de despesa. Também se- exceder o limite constitucional pa- A maior flexibilização do or- Por fim, a desindexação de
ria permitida a redução temporá- ra fins do cumprimento do percen- çamento também seria viabilizada despesas obrigatórias seria aplica-
ria da jornada de trabalho dos ser- tual mínimo para saúde. Paralela- pela desvinculação de receitas, ex- da no estado de “emergência fis-

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16 Fórum Popular do Orçamento

cal” previamente mencionado. to, diversas experiências históricas No caso brasileiro, um estu- trica entre brancos e não brancos,
Uma grande parcela dos gastos demonstram que a contenção de do feito por professores universi- homens e mulheres. Democrati-
públicos tem regras próprias de gastos é incapaz de tirar uma eco- tários13 demonstrou que o excesso zar as relações de poder, com uma
crescimento: aumentam de acor- nomia da recessão ou reequilibrar de gastos primários não explica a maior participação popular e a
do com indexadores que podem as contas públicas. Em Portugal, evolução da dívida, mas sim as des- consequente redução de desigual-
ser o Índice Nacional de Preços por exemplo, medidas austeras fo- pesas com juros nominais e a re- dades. Desmercantilizar a vida, de
ao Consumidor Amplo (IPCA), o ram adotadas entre 2011 e 2014, cessão econômica, que não apenas modo que bens essenciais como
salário mínimo, a receita corrente porém, a relação dívida/PIB conti- reduz a contribuição do PIB para a saúde, educação e previdência se-
líquida, entre outros. A PEC 188 nuou crescendo. Em 2015, o Par- queda do indicador, como impac- jam acessíveis a todos, e as relações
propõe que essas despesas10 sejam tido Socialista assumiu o governo e ta fortemente a arrecadação e afe- entre pessoas estejam acima das re-
desindexadas, ou seja, que deixem botou fim às políticas de austerida- ta o resultado primário. Ademais, lações com mercadorias14.
de ser corrigidas nesses momen- de. Dois anos depois, a dívida co- em contraste com a ideia de que há
tos de dificuldade fiscal, com ex- meçou a cair e a tendência de que- um crescimento acelerado dos gas-
1 A DRU permite que o governo desvin-
ceção dos benefícios previdenci- da continua até hoje11. tos públicos obrigatórios, os dados cule até 30% das receitas do OSS, com a
ários e do benefício de prestação No mesmo sentido, a recupe- mostram que, desde 2011, a taxa justificativa de que isso confere maior fle-
continuada, que continuariam a ração econômica islandesa, após de crescimento das despesas públi- xibilidade ao orçamento.
ser ajustados pela inflação. a crise financeira de 2008, se deu cas, tanto discricionárias quanto 2 Arts. 195, 198, § 1º, 204.
Também no âmbito da desin- justamente pela recusa governa- obrigatórias, caiu. 3 https://www.anfip.org.br/assuntos-tri-
butarios-e-previdenciarios/manifesto-re-
dexação, o art. 116, a ser incluí- mental em implementar as polí- Dessa forma, a política de aus- sultado-da-seguridade-social/.
do no ADCT pela PEC, vedaria “a ticas de austeridade exigidas pelo teridade fiscal revela o compro- 4 https://www.anfip.org.br/assuntos-tri-
obrigação de gastos referenciados a FMI. Os gastos sociais foram ex- metimento da política econômi- butarios-e-previdenciarios/previdencia/
valores nominais, reais ou percen- pandidos, a renda redistribuída e ca com a valorização do capital na analise-da-seguridade-social-e-lancada-na-
tuais de quaisquer agregados fiscais o país voltou a crescer rapidamen- esfera financeira, através da prio- -camara/.
5 Ficariam inclusos os arts. 167-A e 167-
e ainda de percentuais de qualquer te, com quedas na taxa de desem- rização do pagamento do serviço B à CF.
parcela da produção, do produto prego12. No Brasil, essas políticas da dívida em detrimento das des- 6 Assim, a PEC 188 torna possível o des-
e da renda apurados pelas estatís- redistributivas seriam ainda mais pesas sociais. Além disso, a pre- cumprimento da “Regra de Ouro”.
ticas de Contas Nacionais do Bra- eficazes, tendo em vista o tamanho carização e a redução do alcance 7 O limite de gasto com despesas de Pesso-
al é de 60% da Receita Corrente Líquida.
sil, na consecução de quaisquer de nosso mercado interno, preju- dos serviços públicos, principal-
8 Conforme mencionado, as vinculações
objetivos e metas estabelecidos”. dicado pela baixa renda média do mente nas áreas de saúde e edu- constitucionais da saúde e da educação
Em outras palavras, não seria mais país, mas potencializado pela alta cação, ampliam o espaço de atua- não foram extintas, mas precarizadas com
possível atrelar qualquer despesa à propensão a consumir da parce- ção da iniciativa privada na oferta a soma dos percentuais mínimos.
dinâmica da economia. Nesta li- la mais pobre da população. Nes- desses serviços. Portanto, existem 9 Jornal dos Economistas, edição de 07/19
– “Educação não se vende, se defende”.
nha, a PEC 188 revoga o art. 5° se sentido, transferências de ren- interesses de classe por trás dessa
10 A medida tem como principais alvos o
da Lei Complementar 141/2012, da estimulariam o consumo, com política, que serão transformados abono salarial, o seguro desemprego e as
que exige que a União aplique em efeitos sobre o crescimento econô- em preceitos constitucionais pela emendas parlamentares.
ações e serviços públicos de saúde mico e o investimento privado. PEC 188. 11 https://exame.abril.com.br/economia/
o montante empenhado no exercí- Por outra perspectiva, pode- Nesse sentido, em contrapo- como-portugal-virou-o-jogo-da-recessao-
-ao-crescimento-economico/
cio anterior acrescido de, no míni- mos citar a recessão grega após a sição aos três Ds defendidos pela
12 http://brasildebate.com.br/mitos-da-
mo, o percentual de variação no- crise de 2011 e as atuais manifes- proposta (desobrigação, desvincu- -austeridade-o-caso-da-islandia/.
minal do PIB. tações chilenas como exemplos do lação e desindexação), considera- 13 https://www1.folha.uol.com.br/merca-
completo fracasso das políticas de mos que os três Ds propostos pe- do/2019/09/por-que-cortar-gastos-nao-e-
Conclusão austeridade fiscal e da insatisfação lo sociólogo Boaventura de Souza -a-solucao-para-o-brasil-ter-crescimento-
-vigoroso.shtm.
Fica evidente que o objetivo da popular gerada pela redução dos Santos são a melhor resposta para a
14 https://diplomatique.org.br/tv/os-tres-
PEC do Pacto Federativo é redu- gastos sociais, com o consequente crise atual. Descolonizar o conhe- -ds-de-boaventura-descolonizar-desmer-
zir gastos obrigatórios, sob o pre- aumento da desigualdade social e cimento e as relações sociais, mar- cantilizar-e-democratizar-entrevista-com-
texto de um ajuste fiscal. Entretan- da pobreza. cados por uma hierarquia eurocên- pleta/

FÓRUM POPULAR DO ORÇAMENTO – RJ (21 2103-0121). Para mais informações acesse www.corecon-rj.org.br/fpo-rj e www.facebook.com/FPO.Corecon.
Rj. Coordenação: Econ. Bernardo Isidio, Bruno Lins, Econ. Luiz Mario Behnken e Econ. Thiago Marques. Assistentes: Est. Amanda Resende, Est. Juliana
Medeiros e Est. Laura Muniz

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