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Nova recessão?

Por que o Brasil não consegue retomar


o crescimento econômico?
Maria Lucia Fattorelli* Diante disso, o que explica a fa- passamos a ter déficits primá-
lência de inúmeras empresas de to- rios (Gráfico 2):

O Brasil entrou em forte crise a


partir de 2014. Empresas de
todos os ramos quebraram; o de-
dos os ramos, o desemprego recor-
de, a queda de mais de 7% do PIB
em apenas 2 anos (2015-2016), e
4) Apesar do superávit primário de
mais de R$ 1 trilhão no período
de 1995 a 2015, a dívida inter-
semprego bateu recorde; o PIB es- queda do PIB per capita em cerca na aumentou de R$86 bilhões
tacionou em 2014, caiu mais de de 10%? Como justificar a explo- para quase R$4 trilhões no mes-
7% em 2015-2016 e segue estag- são do estoque da dívida pública mo período, e seguiu crescendo,
nado; as privatizações de patrimô- interna federal se os investimentos principalmente devido aos me-
nio público aceleraram, e o estoque estão completamente estagnados? canismos de política monetária
da dívida pública interna explodiu. Afinal, o que produziu essa cri- do Banco Central, responsáveis
Em meio a tudo isso, o lucro se, se possuímos cerca de R$ 4 tri- por déficit nominal brutal, co-
dos bancos atingiu recorde de R$ lhões líquidos em caixa? Em de- mo mostra o gráfico, e pela fa-
96 bilhões em 2015, além de provi- zembro/2018, possuíamos1: bricação da “crise” (Gráfico 3).
são exorbitante de R$ 187 bilhões. • R$ 1,27 trilhão no caixa do Te-
Em 2018 bateram novo recorde de souro Nacional; Como a política
lucros próximos a R$ 100 bilhões, • R$ 1,13 trilhão no caixa do monetária do Banco tral foi elevando o volume das Opera-
enquanto toda a economia patina. Banco Central, e Central produziu ções Compromissadas, que simples-
As medidas encaminhadas para • US$ 375 bilhões (R$ 1,453 a crise no Brasil? mente dobraram de 2013 a 2016,
contornar essa crise – EC 95/2016, trilhão) em Reservas Interna- quando atingiram R$ 1 trilhão!
Reforma Trabalhista, da Previdên- cionais! Em 2013, a taxa básica de ju- Na prática, as Operações Com-
cia, Privatizações etc. – têm agrava- Importantes fundamentos eco- ros Selic era de 7,25% ao ano, en- promissadas têm funcionado como
do ainda mais os problemas econô- nômicos passaram por brusca mu- quanto o mundo todo vinha prati- um mecanismo de remuneração
micos e sociais do Brasil. Além de dança: cando, desde 2008, taxas próximas diária da sobra de caixa dos bancos,
não enfrentarem a real causa da cri- 1) Até 2013 o PIB cresceu, em de zero ou até negativas. provocando diversos danos às con-
se, tais medidas têm aprofundado a média, quase 4% ao ano. Em Após abril/2013, o Banco Cen- tas públicas e à economia do país,
inanição da economia, ao mesmo 2014 crescemos apenas 0,5% e, tral elevou continuamente a taxa pois, ao mesmo tempo, geram:
tempo em que aumentam os privi- de repente, encolhemos quase Selic até chegar ao absurdo pata- • aumento da Dívida Pública,
légios do setor financeiro. 4% em 2015 e mais de 3% em mar de 14,25% em julho/2015, tendo em vista que o BC rece-
Neste artigo, apresento estu- 2016, estagnamos em 2017 e no qual permaneceu por mais de be a sobra de caixa dos bancos
dos sobre a principal causa da crise 2018 e novamente estamos en- um ano, até outubro/2016, quan- (cerca de R$ 1,2 trilhão atual-
brasileira, a qual decorre da polí- colhendo em 2019. do começou a reduzir lentamente, mente) e entrega títulos da dí-
tica monetária do Banco Central. 2) As contribuições sociais e previ- apesar da recessão e queda do PIB. vida pública interna como ga-
Para voltar a crescer, teremos que denciárias destinadas ao finan- Simultaneamente, o Banco Cen- rantia de remuneração;
enfrentá-la. ciamento da Seguridade Social
cobriam todos os gastos com
Gráfico 1
O que produziu a crise Previdência, Assistência e Saú-
no Brasil? de e ainda sobravam, todo ano,
Não tivemos aqui nenhum dos dezenas de bilhões de reais. Em
principais fatores que produzem 2015 a sobra caiu para cerca
crise no capitalismo. Não tivemos de R$ 13 bilhões e a partir de
quebra de bancos, que foi inclu- 2016 o orçamento fiscal preci-
sive a principal causa da crise nos sou complementar os recursos,
EUA a partir de 2007. Não sofre- como previsto no Art. 195 da
mos pestes ou adoecimento que Constituição (Gráfico 1).
impedissem a nossa população de 3) De 1995 a 2015 produzimos
trabalhar. Não tivemos quebra de mais de R$ 1 trilhão de supe-
safra, ao contrário, temos batido rávit primário, ou seja, gasta-
sucessivos recordes de safra. Tam- mos bem menos do que arreca- FONTE: ANFIP - https://www.anfip.org.br/wpcontent/uploads/2018/12/
Livros_28_11_2018_14_51_18.pdf , pág 187
bém não tivemos guerra. damos. De repente, em 2015,

www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Julho 2019


10 Nova recessão?

O economista Thomas Piketty3 para a Capitalização. No Chile,


Gráfico 2 afirmou que seria um suicídio, em foi de 136% do PIB. Aqui no
tempos de crise, o Banco Central não Brasil isso representaria quase
reduzir os juros e abrir mão de emitir R$ 10 trilhões e quebraria o país.
moeda para irrigar a economia. • Fim da arrecadação das Con-
A desculpa de que as Opera- tribuições ao INSS (de empre-
ções Compromissadas serviriam pa- gados e empregadores) devido
ra “controlar a inflação” foi desmasca- à migração para o regime de
rada em 2017, quando a inflação foi Capitalização.
quase zero e o IGP-M negativo. Con-
traditoriamente, naquele ano, o volu- Conclusão
me das Operações Compromissadas Para voltar a crescer, o Brasil
atingiu recorde de R$ 1,23 trilhão4. precisa reformar completamente
Diante dessa flagrante incon- a política monetária suicida pra-
sistência, o Banco Central en- ticada pelo Banco Central. Além
viou ao Congresso o projeto de disso, precisa impedir a aprova-
lei 9.248/2017, que visa legalizar ção da nociva PEC 6/2019, e re-
Fonte: Tesouro Nacional https://www.tesourotransparente.gov.br/historias/entenden-
do-os-graficos-resultado-primario-e-estoque-da-divida-publica-federal o “Depósito Voluntário Remune- vogar o conjunto de medidas que
rado”, de tal forma que os bancos foram aprovadas sob a justificati-
depositarão sua sobra de caixa no va de combater a crise, mas que na
Gráfico 3 Banco Central e este continuará verdade aprofundam o cenário de
remunerando diariamente. Temos escassez, a exemplo da EC 95 e a
dinheiro sobrando para isso? Reforma Trabalhista, que não ge-
rou nenhum emprego.
A PEC 6/2019
quebra o Brasil * É coordenadora nacional da Auditoria
O cenário de crise fabrica- Cidadã da Dívida (www.auditoriacidada.
org.br e www.facebook.com/auditoriaci-
da tem sido propício para medi- dada.pagina) e foi membro da Comissão
das insanas como privatizações em de Auditoria Oficial da Dívida Equatoria-
massa e desfiguração completa da na, nomeada pelo Presidente Rafael Cor-
Seguridade Social. rea (2007/2008), assessora da CPI da Dí-
Ao contrário de resolver qual- vida Pública na Câmara dos Deputados
Federais no Brasil (2009/2010) e membro
quer problema fiscal e tirar o Bra- da comissão criada pelo parlamento Helê-
Fontes: Banco Central – Séries Temporais nº 16953 e 16962; Tabela – Necessidades
sil da crise, como diz a propagan- nico para realizar a Auditoria da Dívida da
de Financiamento do Setor Público – https://www.bcb.gov.br/content/estatisticas/ da, a PEC 6/2019 quebra o Brasil, Grécia (2015).
Documents/Tabelas_especiais/Nfspp.xls haja vista os danos que ela provo-
ca, por exemplo: 1 Fonte: dados Op. Compromissadas no
• geração de rombo às contas riam os juros para conseguir em- Banco Central e Conta única do Tesouro
1) danos às pessoas: Nacional https://bit.ly/2ZepGfY e Reser-
públicas no valor de R$ 754 prestar para empresas e pessoas. • A “economia” que Guedes vas Internacionais https://bit.ly/2XDj5L4
bilhões em 10 anos (sem atu- Empresas não tiveram acesso quer fazer corta R$ 1 trilhão 2 Tema tratado em audiência pública no
alização), pago com recursos a crédito, que se tornou excessi- em aposentadorias, pensões e Senado Federal em 29/11/2016, confor-
públicos, conforme balanços vamente caro e raro. Quebraram, benefícios da Seguridade So- me telas de Power Point disponíveis em
do Banco Central. Se atuali- provocando desemprego recorde. (https://auditoriacidada.org.br/conteudo/
cial, atingindo principalmente palestras-da-auditoria-cidada-2016/) e ví-
zarmos, chegamos próximos O governo tentou incentivá-las os mais pobres. deo disponível em https://www.youtube.
de R$ 1 trilhão; com desonerações fiscais e provo- • Sujeição a regime de Capitali- com/watch?v=_TMogIGWxKI
• escassez de moeda na econo- cou queda de arrecadação. A aus- zação de alto risco e alto custo5. 3 PIKETTY, Thomas. É possível salvar a
mia, pois a moeda que deveria teridade fiscal impediu a realiza- 2) Danos à economia do país: Europa? Rio de Janeiro: Editora Intrínse-
estar nos bancos fica esteriliza- ção de investimentos essenciais, ca, 2015.
* O corte de R$ 1 trilhão deixará 4 Notícia disponível em http://www.va-
da no BC; enquanto uma fortuna era desti- de irrigar as economias locais, lor.com.br/financas/5145488/concentra-
• elevação brutal dos juros de mer- nada a remunerar a sobra de caixa prejudicando mais de 80% dos cao-de-aplicacoes-no-bc-alcanca-inedito-
cado, porque bancos têm garan- dos bancos e cobrir prejuízos com municípios, com reflexos para -r-123-trilhao
tia de remuneração diária pa- questionáveis contratos de swap a arrecadação de tributos inci- 5 Capitalização só favorece o setor fi-
ga pelo BC. É evidente que se o cambial2. Fabricaram a “crise”, o nanceiro https://auditoriacidada.org.br/
dentes sobre o consumo. conteudo/folha-de-s-paulo-capitaliza-
volume de R$1,2 trilhão perma- PIB caiu, mas os bancos continu- 3) danos às finanças públicas: cao-so-favorece-o-setor-financeiro-por-
necesse nos bancos, esses reduzi- aram batendo recordes de lucros. • Elevadíssimo custo de transição -maria-lucia-fattorelli/

www.corecon-rj.org.br Jornal dos Economistas / Julho 2019

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