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Muito se tem falado sobre a situação econômica brasileira. Casos de corrupção D ia na Helena de
e notícias sobre a crise assumem as manchetes de jornal, basta ligar a televisão ou aces- Benedet to Pozzi ,
sar a internet para encontrar algo sobre o assunto. Mas a crise econômica realmente Bruno R oberto
existe nessa intensidade? Quais são as consequências e desdobramentos dela? Pa d ova no, Pr imaver a
Leda Maria Paulani é economista e professora da Faculdade de Economia, Admi- B or elli, Suz a na
nistração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Foi também Helena de Avel ar
secretária municipal de planejamento, orçamento e gestão da Prefeitura de São Paulo G om e s, Wa ldenyr
entre janeiro de 2013 e fevereiro deste ano. Em entrevista para a Revista de Cultura e Ca lda s e Is a d or a
Extensão USP, ela traça um panorama sobre a atual situação econômica do Brasil, a Vit t i
atitude da mídia frente à crise e o impacto da corrupção, além de apontar algumas Universidade de São Paulo.
perspectivas para o futuro. Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária, São
Paulo, Brasil
L eda Ma r ia Paul an i
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade,
São Paulo, Brasil
“O crescimento é importante por causa do nível de emprego. E creio que essa política está impon-
do um ritmo econômico de desaceleração que não será fácil nem rápido reverter.” Foto: Marcos
Santos/USP Imagens
Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 13, Supl., p. 11-22, set. 2015 11
DOI: 0.11606/issn.2316-9060.v13isupl.p11-22
Primavera Borelli – A crise mundial em 2008 não o Banco Central ou para seus parceiros. Quando
atingiu o Brasil, no período, de forma drástica. Em- ocorre uma crise desse tamanho, congela-se esse
bora soubéssemos que em algum momento teríamos o negócio, porque ninguém tem confiança de em-
reflexo dela, me surpreende que a mídia propale uma prestar para ninguém. O governo inicialmente re-
piora das condições da economia, dizendo que ela está duziu a exigência de depósito compulsório, por-
falida. A crise existe nessa intensidade ou está sendo que de cada depósito que entra nos bancos, uma
“fabricada” pela imprensa midiática? parte deve ser depositada no Banco Central, que é
Leda Maria Paulani – Essa crise tem vários o que dá segurança para o sistema bancário como
desdobramentos, ela não aconteceu apenas na um todo. Isso chama-se “depósito compulsório”. O
quebra dos bancos e depois que isso foi resolvido governo logo de imediato reduziu o compulsório
a crise terminou. Era e é uma crise estrutural, ela para aumentar a liquidez dos bancos, para ver se
tem causas que vêm se constituindo há décadas, os bancos voltavam a emprestar uns para os ou-
então não vai acabar de hoje para amanhã. tros. Não adiantou. A incerteza foi tão grande que
A economia brasileira vinha crescendo em um o dinheiro liberado do compulsório foi aplicado
ritmo bem acelerado naquele momento. E então em títulos públicos. Esse problema só se resol-
veio a crise e ela caiu, tan- veu quando o governo usou
to é que o nosso PIB em ESSE DESDOBRAMENTO NEGATIVO os bancos públicos para co-
2009 praticamente empa- DA CRISE SÓ COMEÇOU A FICAR VI - meçar a emprestar. O Banco
tou, foi -0,3 (houve uma SÍVEL EM 2012, 2013. E O GOVERNO do Brasil saiu emprestando, e
mudança agora na meto- TOMOU NOVAS MEDIDAS PARA EN- também a Caixa Econômica,
dologia do cálculo do PIB, FRENTAR ISSO E EVITAR QUE O NÚ - o BNDES... E então os bancos
mas era alguma coisa dessa MERO DO DESEMPREGO VOLTASSE privados foram atrás e o inter-
ordem). Mas quando che- A SUBIR, COMO, POR EXEMPLO, A bancário descongelou. Então
gou em 2010, cresceu sete e D E S O N E R A Ç Ã O D A F O L H A D E PA- foi uma medida que permitiu
tantos por cento. Na reali- GAMENTO. MAS ISSO NÃO FOI SU- que o país saísse daquela situ-
dade, se somarmos os dois F I C I E N T E PA R A I M P E D I R O R I T M O ação estagnada de momento
anos, em média a economia MAIS LENTO DA ECONOMIA. e aos poucos aquelas medidas
continuou crescendo o que de redução de tributo, de sub-
ela vinha crescendo. Então, o que aconteceu? O sídio permitiram que o ritmo em que a economia
governo tomou basicamente duas medidas: a pri- vinha crescendo até então naqueles três ou quatro
meira foi o subsídio do IPI dos automóveis e dos últimos anos fosse retomado.
eletrodomésticos da chamada “linha branca” (ge- Só que a crise não acabou lá fora, e ela foi ten-
ladeiras, máquina de lavar roupa, fogão), porque do desdobramentos que foram muito piores para
com isso se reduz o preço dos bens, e isso aumen- nós. O principal desdobramento negativo que ela
ta a demanda por eles, o consumo se mantém e a teve foi reduzir o crescimento da China e da Índia.
economia mantém seu ritmo. Outra medida im- Com relação a esse crescimento reduzido, dizemos
portante que o governo tomou foi utilizar os ban- que eles “puxaram o freio de mão”. A China hoje
cos públicos pra descongelar o crédito interban- é um “elefante”, ela é muito grande. Então faz uma
cário. A crise fica muito grave quando se congela diferença brutal para o ritmo de crescimento da
o crédito interbancário porque os bancos se so- economia mundial se a China cresce a 11% ou se ela
correm mutuamente. Se um banco em um dia fe- cresce a 6%. Isso fez com que não só o volume de
cha em negativo, porque ele teve mais saques con- demanda pelas chamadas commodities que o Brasil
tra ele do que depósitos nele, seja por pagamento exporta – como minério de ferro, soja etc. – fosse
ou conta corrente, ele pode pedir dinheiro para reduzido, mas principalmente seu preço. A redução
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isso está sendo feito, com o peso todo sendo jo- importam com isso. Então a Dilma está fazendo a
gado nas costas dos trabalhadores e das políticas política deles e acredito que devem estar gostando,
públicas, e a pessoa que ela chamou, que é o Levy, mas isso não vai se transformar em apoio político.
indicam que a intenção foi justamente fazer uma
média com esse setor que tem essa “ojeriza” a ela, Bruno Roberto Padovano – Entre suas propostas,
mas que evidentemente não funcionou. Eles não a professora cita, além do controle do fluxo de capitais
deram o respiro a ela que ela imaginou que teria. e a redução da taxa de juros, a “necessidade de mudar
De outro lado, tenho a impressão de que a es- a estrutura tributária do país, porque ela, hoje, per-
tratégia escolhida foi uma tentativa de repetir o mite que se perpetue a desigualdade”. O que deveria
que foi feito em 2003, porque quando Lula ganhou ser mudado nesta estrutura para que a economia vol-
as eleições também havia essa incerteza toda, e o te a crescer com mais igualdade? Que bons exemplos,
dólar tinha subido. O Lula fez essa política orto- no mundo, você citaria?
doxa, a mesma coisa: corte de gastos do gover- LMP – O sistema tributário brasileiro tem dois
no, subida de taxa de juros, controle da liquidez. problemas. O primeiro e principal problema é que
E depois a economia começou a crescer. Na rea- a estrutura tributária é muito regressiva, ou seja,
lidade, a economia começou a crescer por causa por meio do sistema tributário, ao invés de se re-
da situação externa. Nós já estávamos engatando duzir a desigualdade, você a acaba aprofundan-
a economia brasileira na lo- do. Isso acontece porque no
comotiva do crescimento Q U A I S S Ã O O S T R I B U T O S D I R E- nosso sistema tributário, os
mundial e principalmente T O S ? A Í E S TÁ O N O S S O S E G U N D O tributos que têm maior peso
no vagão chinês, e o cresci- PROBLEMA. SÃO OS TRIBUTOS SO - são os chamados “tributos in-
mento veio estimulado por B R E A R E N D A E S O B R E O PAT R I - diretos”, que são aqueles que
essa demanda externa que MÔNIO, SÃO AQUELES TRIBUTOS você não vê, pagos embutidos
crescia loucamente, não Q U E V O C Ê PA G A C O M O T R I B U T O S no preço das coisas. E sendo
como resultado do ajuste E NÃO DISFARÇADOS NOS PREÇOS assim, se compro, por exem-
ortodoxo promovido por DAS COISAS. plo, um quilo de carne, eu,
Lula-Palloci-Meirelles. Eu que ganho 40, estarei pagan-
acho que o Lula teve muita influência nessa deci- do o mesmo tributo que uma pessoa que ganha
são da Dilma de chamar o Levy e fazer esse tipo de quatro. Isso é regressivo porque não tem como fa-
ajuste, mas o que se esperava era isso: "A casa está zer um tributo de forma indireta progressivamen-
bagunçada, eu arrumo a casa e volto a crescer”. Só te, já que o tributo é embutido no preço, indepen-
que a situação externa é totalmente diferente, não dente de quem compra. Então é óbvio que isso,
é a mesma situação que se tinha em 2003. A situ- em um país que já é extremamente desigual, apro-
ação interna também é diferente porque os inves- funda a desigualdade. O primeiro problema é esse:
timentos públicos foram muito penalizados nos é um sistema tributário em que os tributos indi-
últimos anos e a economia está bem desacelerada retos têm maior peso, e deveria ser o contrário: os
desde pelo menos 2013. tributos diretos são os que deveriam pesar mais.
Efetivamente o setor financeiro deve estar Quais são os tributos diretos? Aí está o nosso
achando muito boa a política da Dilma porque é segundo problema. São os tributos sobre a renda e
a política que eles defendem (da austeridade, ajus- sobre o patrimônio, são aqueles tributos que você
te fiscal, taxa de juros elevada, corte de gastos do paga como tributos e não disfarçados nos preços
governo, corte de direitos sociais). Não importa das coisas. Dentro desses tributos diretos, os tri-
o que aconteça com o produto, com o emprego, butos sobre o patrimônio têm um peso ridículo e
com a renda, com as políticas públicas, eles não se o maior peso é dos tributos sobre a renda. Isso é
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Isadora Vitti –Você vê perspectivas de crescimento temos mais isso. Nesse ambiente externo nós não
econômico nos próximos anos? temos a ajuda da alavanca externa, então depen-
LMP – Eu acho que o Brasil tem, estrutural- demos do mercado interno para ter dinamismo
mente, todas as condições necessárias para cres- para crescer. E com esses ajustes, com esses cortes,
cer. Ele tem um mercado interno potencial muito com essa política que está sendo feita, com os ju-
grande, e por isso todos os grandes grupos eco- ros tão elevados – temos a maior taxa real de juros
nômicos do mundo estão de olho no Brasil. É um do mundo de novo – fica muito difícil.
país grande e de renda média: hoje, a renda per Quando se derruba a economia no chão des-
capita brasileira está muito próxima da renda mé- se jeito, tendo um cenário externo adverso, como
dia mundial. Então não é desprezível pra qualquer temos agora, não é em um estalo que se erguerá
grupo quer seja nacional, internacional ou multi- a economia. Além disso, a economia vai ficando
nacional, um país desse tamanho com 200 milhões sem investimento. O investimento, do ponto de
de pessoas e com um nível de renda média subs- vista real – não estou falando do investimento fi-
tantivo. Além do mercado interno grande, você nanceiro –, aumenta a capacidade futura de pro-
tem recursos naturais insondáveis no Brasil. Do dução de bens e serviços, e se a economia está no
ponto de vista capitalista, ele possui tudo pra ser chão, sem investir, sua capacidade de crescimento
um país muito rico e muito influente e com uma fica afetada. O investimento do brasileiro já é bai-
economia muito vigorosa. xo há algumas décadas, e agora ficará mais baixo
Pensando a longo prazo, eu diria que o Brasil ainda. E como é que se cresce se não foram criadas
também tem todas as condições de crescer. Po- as condições reais para isso acontecer? São coisas
rém, a curto e médio prazos eu acho a situação que precisam ser resolvidas antes da retomada do
complicada, porque primeiro: nós dependemos, crescimento.
sim, do que acontece na economia mundial para Portanto, apesar de achar que no longo prazo as
o nosso equilíbrio das contas externas; e a econo- coisas não são ruins, no curto e no médio prazos é
mia mundial não vai bem, ela está muito instável, complicado por causa disso: a situação externa é
vide a confusão em que está toda a região europeia ruim e, para usar uma metáfora, a política interna
por conta da Grécia e do euro, que é uma moeda está jogando do outro lado.
que ainda tem muitos problemas pra se firmar. A
economia americana está retomando o crescimen- Isadora Vitti – Quais as consequências de um maior
to, mas com problemas (bolhas de ativos se for- investimento público na economia, à frente do investi-
mando, em ações por exemplo) e num ritmo infe- mento privado? Quais políticas deveriam ser tomadas
rior ao do período pré-crise. Os países chamados para que isso aconteça?
“emergentes” também estão crescendo menos, por LMP – Investimento é investimento, não im-
decisão de seus próprios governos. Então a situa- porta se é público ou privado (investimento real,
ção externa não é muito favorável para nós. estamos falando aqui mais uma vez). Ele tem sem-
E internamente esse tipo de política que está pre esse papel de aumentar as possibilidades futu-
sendo feita agora, com esse cenário externo como ras da produção de bens e serviços. Normalmente
pano de fundo, pode colocar a economia num rit- os investimentos públicos são em infraestrutura,
mo recessivo do qual demore a se recuperar. Por- como portuária, de estrada, sistema de telecomuni-
que, diferentemente do que aconteceu em 2003, cações e energia, e o investimento privado, nos ou-
não haverá o setor externo para alavancar o cres- tros setores da economia. Historicamente, o inves-
cimento. Em 2003, como o setor externo estava timento público sempre foi importante para o Bra-
“bombando”, a demanda externa foi suficiente sil. Nunca o investimento privado teve a iniciativa
pra dinamizar o resto da economia, mas agora não de investir no país. Nossa burguesia não é assim.
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Hoje, nosso Índice de Gini é muito menor do ilegal e o que é imoral.
que era, e quanto maior, mais desigual. Nós che- O que acontece é que a mídia faz muito esse
gamos a ter 0,60 em 1994, hoje temos 0,53. Caiu jogo de embolar tudo. Por exemplo, no final do
substantivamente, ou seja, a desigualdade dimi- ano, depois da vitória da Dilma, muitas vezes ví-
nuiu muito e em um curto espaço de tempo (es- amos na mídia uma passagem direta entre a "rou-
sas mudanças são em geral muito mais demora- balheira" na Petrobras e a necessidade de cortar
das). Só que a base de dados do Índice de Gini é gastos do governo. A narrativa que se cria é assim:
a PNAD, que é a Pesquisa Nacional por Amostra “O governo rouba. Então tem que cortar gastos
de Domicílios, do IBGE. E 90% das rendas que a do governo”. Mas assim misturam-se duas coisas
PNAD captura são rendas do trabalho. Então, na completamente diferentes! Uma coisa é defender
realidade, tem-se o crescimento real do salário mí- o combate à corrupção por uma questão de dever,
nimo e o próprio crescimento do volume do Bolsa de respeito à coisa pública, aos recursos públicos;
Família, do valor e do volume, que produziu essa outra, bem diferente, é defender uma política eco-
queda. Portanto há redução da desigualdade neste nômica que implica a redução dos gastos do gover-
nível. Mas a PNAD quase não pega as rendas sobre no, o emagrecimento das políticas públicas; mas é
o capital, apenas algo em torno de 10%. Então ela justamente pra quem defende esse tipo de política
não pega rendas de juros, rendas de aluguel, renda (de austeridade), que interessa fazer essa confusão.
de dividendo, renda de lucro...
Há um pesquisador, que faz mestrado na UnB, Suzana Avelar – Nesse sentido, qual o impacto da
chamado Marcelo Medeiros, que conseguiu entrar corrupção para a economia brasileira?
nos dados da Receita Federal, porque ele é funcio- LMP – Alguns estudos tentaram mensurar isso,
nário, e conseguiu mostrar que apesar da queda do mas é difícil. Qualquer metodologia que seja utili-
Índice de Gini de renda nos últimos anos, quando zada está sujeita a críticas. E não é simples chegar
você tenta fazer um Índice de Gini de riqueza você a um número, até porque quando falamos de cor-
vê que houve uma concentração da riqueza. Uma rupção, falamos sempre da conhecida. E aquela
das razões dessa concentração é, sem dúvida, o ní- que não se conhece? Peguemos, por exemplo, a
vel das taxas de juros. Então, se entendermos agio- prefeitura de São Paulo. Eu fui secretária de plane-
tagem como taxas de juros elevadas, tem a ver, sim, jamento do Fernando Haddad de janeiro de 2013
com o crescimento das desigualdades. até março de 2015. Desbaratamos – porque o Fer-
Agora, sobre paraísos fiscais, há uma grande nando insistiu nisso e criou uma Controladoria
diferença. Porque até aqui temos falado nos limi- que não existia – uma das maiores quadrilhas de
tes da legalidade do sistema. Tudo isso é legal, é o auditores tributários que reduziam o tributo a ser
próprio Banco Central que, fazendo política mo- pago pelas empreiteiras.
netária, sobe a taxa de juros. Paraíso fiscal é fraude, Estou usando isso apenas como exemplo pra
já entramos em outro ramo. Tudo isso contribui dizer que, por mais que exista corrupção e ela
para aumentar a desigualdade, sem dúvida. Nin- tenha que ser combatida, isso não vai resolver o
guém vai roubar pra distribuir! É claro que todo problema do Brasil. Se amanhã acabarmos com a
mundo tem que combater a corrupção, mas mes- corrupção, ainda assim não resolveremos 99% dos
mo com zero de corrupção no país não se resol- nossos problemas. Essa quadrilha atuou de 8 a 10
verão todos os problemas. É imperativo resolver anos, se não me engano. A própria Controladoria
os problemas de corrupção, mas por uma questão estimou que eles roubaram alguma coisa em tor-
moral, por uma questão de que o Estado deve ser no de 500 milhões de reais nesse período. Agora,
respeitado, o que é público tem que ser respeitado. o orçamento anual da prefeitura é de R$50 bilhões
Assim, é preciso combater o que é fraude, o que é ao ano. Eles roubaram e roubaram muito, mas
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Diana Helena de Benedetto Pozzi – Atualmente, objetivo desses “doadores” é se beneficiar desse “efeito
muito se tem discutido sobre a prática assistencialista auréola”?
de pessoas e mesmo estados, de doar bolsas a pessoas LMP – Acho que há um problema aqui com a
com menos condições financeiras. Como se sentirão questão. Se pessoas físicas ou jurídicas recebem
essas pessoas que recebem essa assistência e qual a benefícios como, por exemplo, dedução em seu
alternativa para que elas se sintam de fato cidadãs? imposto de renda, por aplicarem recursos em de-
LMP – A preocupação é se aqueles que rece- terminadas atividades que o poder público quer
bem as bolsas, como o Bolsa Família, não se sen- estimular, então não tem como o Estado receber
tem cidadãos porque não estão de fato inseridos mais impostos. Nesse caso, ele vai receber menos
no sistema, só estão recebendo uma doação do go- impostos. Isto posto, o que se pode dizer é que, em
verno. E aí é o que eu digo: não sou contra o Bolsa boa parte dos casos, esse tipo de arranjo mostra-
Família, mas eu gostaria muito que ele acabasse -se um bom negócio para os contribuintes. Veja-
pela falta de necessidade. mos o caso da aplicação de recursos em atividades
As políticas compensatórias não podem se fe- culturais. Veja que todos os bancos têm Institutos
char em si mesmas. Elas precisam ter abertura para Culturais. Aqui o que está acontecendo é que eles
acoplar políticas de inserção no mercado, para as estão gastando com tributos o mesmo que gas-
pessoas que são beneficiadas por elas. Porque a tariam antes, contudo como uma parte deles, ao
política de renda compensatória resolve a curtíssi- invés de ir para o Estado, vai para a manutenção
mo prazo: a pessoa tem zero de renda e se concede de um instituto cultural com o nome da empre-
uma renda para que não morra de fome. Mas qual sa supostamente patrocinadora (na realidade é o
a perspectiva de vida dessas pessoas: vão viver de Estado quem está patrocinando), a instituição em
bolsa do Estado o tempo todo? Então como é que questão passa de mecenas, de incentivadora das
o estado pode intervir pra criar uma perspectiva artes e de promotora da cultura. Eles têm então
de vida digna para essas pessoas? Acoplando nes- esse ganho adicional, que o pagamento puro e sim-
sas políticas de renda compensatórias outros tipos ples dos tributos não lhes traria.
de política, como geração de renda. Em algumas
capitais que foram governadas pelo PT mesmo an- Diana Helena de Benedetto Pozzi – Bancos e ou-
tes do Lula ser presidente, foram feitas políticas tras agências financeiras são os sucessores formais e
fortes de distribuição de renda com esse diferen- legais da agiotagem?
cial da conexão ulterior de programas de geração LMP – Depende do que se entende por agiota-
de renda. Parece que o espírito era esse logo no iní- gem. Se entendermos agiotagem como o emprés-
cio do governo Lula, mas acabou se inviabilizando timo de dinheiro a juros excessivos, e se entender-
por razões políticas. Uma coisa é a pessoa receber mos estes últimos como aqueles que se colocam
o Bolsa Família do governo, outra coisa é ter seu acima do nível empregado nos empréstimos reali-
pequeno negócio próprio. A pessoa se sente fa- zados pelos bancos regulares, então, por definição,
zendo parte do processo de reprodução material não se pode dizer que os bancos e as financeiras
da sociedade. E quando ela só recebe um dinheiro sejam agiotas ou que pratiquem a agiotagem. Con-
“caído do céu”, isso não acontece. tudo, é evidente que a existência dos bancos legali-
za e formaliza a prática da usura, que é tão ou mais
Diana Helena de Benedetto Pozzi – Pessoas físi- velha que o próprio capitalismo, e que é uma outra
cas ou jurídicas que investem em ações filantrópicas forma de nomear a agiotagem. Daí porque sempre
ou doações de bolsas a pessoas carentes com isso re- há a tentativa de limitar os juros legalmente, o que
cebem alguns benefícios, inclusive no seu IR, enquan- nem sempre acontece. Desde o advento das prá-
to os estados receberão mais impostos. O principal ticas neoliberais, controlar os bancos e o sistema
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que o PSDB percebe, que é a de destronar o PT. DIANA HELENA DE BENEDETTO POZZI professo-
Impedir que a Dilma conclua o mandato será uma ra associada da Faculdade de Medicina da Universidade de
vitória pra eles, primeiro porque tira o PT do go- São Paulo (FM-USP) e editora responsável da Revista de
verno federal, e segundo, por aquilo que isso sim- Cultura e Extensão USP – e-mail: revistacultext@usp.br
bolizaria. Qual a narrativa que eles vão construir
em cima disso pra afastar qualquer possibilidade B R U N O R O B E R T O PA D O VA N Oprofessor titular da
de que o PT volte ao governo federal durante os Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
próximos 50 anos? Isso é uma questão importan- São Paulo (FAU-USP) e editor associado da Revista de
te do ponto de vista da direita para mostrar a es- Cultura e Extensão USP
querda como inviável e irresponsável no governo.
economista e professora da Fa-
L E D A M A R I A PA U L A N I
Isadora Vitti – E a regulação da mídia é importante culdade de Economia, Administração e Contabilidade da
nessa perspectiva? Universidade de São Paulo (FEA-USP) – e-mail: paula-
LMP – Sem dúvida alguma. O estratagema que ni@usp.br
tem sido usado para impedir isso é imediatamente
interpretar essa necessidade de regulação da mí- professor titular da Faculdade
P R I M AV E R A B O R E L L I
dia como censura ou como tolhimento da liberda- de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
de de expressão. E não é nada disso. É uma coisa (FCF-USP) e editora associada da Revista de Cultura e
que existe em todos os países, mas no Brasil virou Extensão USP
mito, não se pode tocar nesse assunto.
Isso foi um grande erro estratégico do PT, que professora
S U Z A N A H E L E N A D E AV E L A R G O M E S
podia ter enfrentado ou indiretamente ter dado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universi-
forças para as mídias alternativas, e não foi feito dade de São Paulo (EACH-USP) e editora associada da
nada disso. Pelo contrário, o que foi feito foi uma Revista de Cultura e Extensão USP
política de distribuição de verba como sempre foi
feito, privilegiando aquela meia dúzia de sempre professor titular da Escola de Co-
WA L D E N Y R C A L D A S
e deu no que deu. municações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
-USP) e editor associado da Revista de Cultura e Exten-
Glossário: são USP
Índice de Gini: criado pelo matemático italiano ISADORA VITTI graduanda em Jornalismo da Escola de
Conrado Gini, é um instrumento usado para me- Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
dir o grau de concentração em qualquer tipo de -USP) e repórter da Revista de Cultura e Extensão USP
distribuição. Numericamente, ele varia de zero a
um, sendo que quanto mais próximo de zero, mais
igualitária é a distribuição e quanto mais distante
dele, mais desigual ela é. Aplicado à distribuição
de renda, significa que se hipoteticamente ele fos-
se zero, todos deteriam rigorosamente a mesma
parcela da renda, e se ele fosse um (ou 100), a ren-
da estaria toda concentrada nas mãos de uma úni-
ca pessoa. Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada – IPEA. (Nota da Entrevistada)