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Os Rumos da Situação Econômica do Brasil

The Course of Brazil's Economic Situation

Muito se tem falado sobre a situação econômica brasileira. Casos de corrupção D ia na Helena de
e notícias sobre a crise assumem as manchetes de jornal, basta ligar a televisão ou aces- Benedet to Pozzi ,
sar a internet para encontrar algo sobre o assunto. Mas a crise econômica realmente Bruno R oberto
existe nessa intensidade? Quais são as consequências e desdobramentos dela? Pa d ova no, Pr imaver a
Leda Maria Paulani é economista e professora da Faculdade de Economia, Admi- B or elli, Suz a na
nistração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP). Foi também Helena de Avel ar
secretária municipal de planejamento, orçamento e gestão da Prefeitura de São Paulo G om e s, Wa ldenyr
entre janeiro de 2013 e fevereiro deste ano. Em entrevista para a Revista de Cultura e Ca lda s e Is a d or a
Extensão USP, ela traça um panorama sobre a atual situação econômica do Brasil, a Vit t i
atitude da mídia frente à crise e o impacto da corrupção, além de apontar algumas Universidade de São Paulo.
perspectivas para o futuro. Pró-Reitoria de Cultura e
Extensão Universitária, São
Paulo, Brasil

L eda Ma r ia Paul an i
Universidade de São Paulo.
Faculdade de Economia,
Administração e Contabilidade,
São Paulo, Brasil

“O crescimento é importante por causa do nível de emprego. E creio que essa política está impon-
do um ritmo econômico de desaceleração que não será fácil nem rápido reverter.” Foto: Marcos
Santos/USP Imagens

Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 13, Supl., p. 11-22, set. 2015 11
DOI: 0.11606/issn.2316-9060.v13isupl.p11-22
Primavera Borelli – A crise mundial em 2008 não o Banco Central ou para seus parceiros. Quando
atingiu o Brasil, no período, de forma drástica. Em- ocorre uma crise desse tamanho, congela-se esse
bora soubéssemos que em algum momento teríamos o negócio, porque ninguém tem confiança de em-
reflexo dela, me surpreende que a mídia propale uma prestar para ninguém. O governo inicialmente re-
piora das condições da economia, dizendo que ela está duziu a exigência de depósito compulsório, por-
falida. A crise existe nessa intensidade ou está sendo que de cada depósito que entra nos bancos, uma
“fabricada” pela imprensa midiática? parte deve ser depositada no Banco Central, que é
Leda Maria Paulani – Essa crise tem vários o que dá segurança para o sistema bancário como
desdobramentos, ela não aconteceu apenas na um todo. Isso chama-se “depósito compulsório”. O
quebra dos bancos e depois que isso foi resolvido governo logo de imediato reduziu o compulsório
a crise terminou. Era e é uma crise estrutural, ela para aumentar a liquidez dos bancos, para ver se
tem causas que vêm se constituindo há décadas, os bancos voltavam a emprestar uns para os ou-
então não vai acabar de hoje para amanhã. tros. Não adiantou. A incerteza foi tão grande que
A economia brasileira vinha crescendo em um o dinheiro liberado do compulsório foi aplicado
ritmo bem acelerado naquele momento. E então em títulos públicos. Esse problema só se resol-
veio a crise e ela caiu, tan- veu quando o governo usou
to é que o nosso PIB em ESSE DESDOBRAMENTO NEGATIVO os bancos públicos para co-
2009 praticamente empa- DA CRISE SÓ COMEÇOU A FICAR VI - meçar a emprestar. O Banco
tou, foi -0,3 (houve uma SÍVEL EM 2012, 2013. E O GOVERNO do Brasil saiu emprestando, e
mudança agora na meto- TOMOU NOVAS MEDIDAS PARA EN- também a Caixa Econômica,
dologia do cálculo do PIB, FRENTAR ISSO E EVITAR QUE O NÚ - o BNDES... E então os bancos
mas era alguma coisa dessa MERO DO DESEMPREGO VOLTASSE privados foram atrás e o inter-
ordem). Mas quando che- A SUBIR, COMO, POR EXEMPLO, A bancário descongelou. Então
gou em 2010, cresceu sete e D E S O N E R A Ç Ã O D A F O L H A D E PA- foi uma medida que permitiu
tantos por cento. Na reali- GAMENTO. MAS ISSO NÃO FOI SU- que o país saísse daquela situ-
dade, se somarmos os dois F I C I E N T E PA R A I M P E D I R O R I T M O ação estagnada de momento
anos, em média a economia MAIS LENTO DA ECONOMIA. e aos poucos aquelas medidas
continuou crescendo o que de redução de tributo, de sub-
ela vinha crescendo. Então, o que aconteceu? O sídio permitiram que o ritmo em que a economia
governo tomou basicamente duas medidas: a pri- vinha crescendo até então naqueles três ou quatro
meira foi o subsídio do IPI dos automóveis e dos últimos anos fosse retomado.
eletrodomésticos da chamada “linha branca” (ge- Só que a crise não acabou lá fora, e ela foi ten-
ladeiras, máquina de lavar roupa, fogão), porque do desdobramentos que foram muito piores para
com isso se reduz o preço dos bens, e isso aumen- nós. O principal desdobramento negativo que ela
ta a demanda por eles, o consumo se mantém e a teve foi reduzir o crescimento da China e da Índia.
economia mantém seu ritmo. Outra medida im- Com relação a esse crescimento reduzido, dizemos
portante que o governo tomou foi utilizar os ban- que eles “puxaram o freio de mão”. A China hoje
cos públicos pra descongelar o crédito interban- é um “elefante”, ela é muito grande. Então faz uma
cário. A crise fica muito grave quando se congela diferença brutal para o ritmo de crescimento da
o crédito interbancário porque os bancos se so- economia mundial se a China cresce a 11% ou se ela
correm mutuamente. Se um banco em um dia fe- cresce a 6%. Isso fez com que não só o volume de
cha em negativo, porque ele teve mais saques con- demanda pelas chamadas commodities que o Brasil
tra ele do que depósitos nele, seja por pagamento exporta – como minério de ferro, soja etc. – fosse
ou conta corrente, ele pode pedir dinheiro para reduzido, mas principalmente seu preço. A redução

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começou a complicar muito as nossas contas exter- se for o caso, o que isso pode significar para o futuro
nas, porque esses setores têm um grande impacto político do PT na direção do país?
dentro da economia. Então, se eles vinham cres- LMP – Acredito que o mercado financeiro pro-
cendo a um ritmo e precisaram “puxar o freio de priamente dito criou uma “ojeriza” à Dilma por-
mão”, teve-se um efeito multiplicador ao contrário, que a política que ela fez em seu primeiro gover-
que foi afetando o resto da economia. no foi “anti-mercado financeiro”. Porque, primeiro,
Esse desdobramento negativo da crise só co- ela tirou o Henrique Meirelles da presidência do
meçou a ficar visível em 2012, 2013. E o governo Banco Central e colocou um funcionário de car-
tomou novas medidas para enfrentar isso e evi- reira na presidência do Banco. Segundo, ela en-
tar que o número do desemprego voltasse a subir, frentou os interesses financeiros quando criou um
como, por exemplo, a desoneração da folha de pa- forte processo de redução das taxas de juros na
gamento. Mas isso não foi suficiente para impedir metade de 2011, até maio, abril de 2013. Foram qua-
o ritmo mais lento da economia. se dois anos de queda contínua da taxa de juros,
Não é uma crise de puxar os cabelos. Tem mui- e essa queda prejudica imensamente ao mercado
to terrorismo na mídia. O que aconteceu de fato, financeiro. E também porque ela usou os bancos
portanto, foi uma piora das públicos para forçar a redu-
contas externas, em função N Ó S J Á E S TÁVA M O S E N G ATA N - ção dos spreads bancários,
dos desdobramentos da cri- DO A ECONOMIA BRASILEIRA em empréstimos normais
se internacional e uma piora NA L O C O M O T I VA DO CRESCI- de crédito pessoal, capital
das contas públicas, em fun- M E N T O M U N D I A L E , P R I N C I PA L - de giro e etc. Ela obrigou os
ção dos subsídios e alívio fis- M E N T E , N O VA G Ã O C H I N Ê S . E O bancos públicos a empres-
cal concedidos ao setor priva- CRESCIMENTO VEIO ESTIMULA- tarem com um spread me-
do na esperança de sustentar D O P O R E S S A D E M A N D A E X T E R- nor, e os privados mais uma
o nível de emprego. As contas NA QUE CRESCIA LOUCAMENTE, vez tiveram que ir atrás pra
públicas vinham produzindo N Ã O C O M O R E S U LTA D O D O A J U S - não perder mercado.
um resultado primário posi- T E O RT O D O X O P R O M O V I D O P O R Então ela fez uma polí-
tivo desde 2002. E de repen- LULA-PALLOCI-MEIRELLES. tica de enfrentamento com
te, em 2014, foi negativo, em o mercado financeiro, que
0,6% do PIB, algo nessa ordem. E então a mídia desde o governo FHC (desde o governo Collor
fez um escarcéu e toda a análise científica de pes- na verdade, mas considerando o período “pós-es-
quisadores das universidades acabou colaboran- tabilização monetária”, pós Plano Real) nunca ti-
do pra isso também, transformando isso em um nha sido feita, nem o Lula tinha enfrentado o mer-
problema gigantesco, que de meu ponto de vista cado financeiro. Por isso ela se tornou alvo de um
não é. Não é que a crise não exista, ela existe, ela ódio gigantesco do mercado financeiro. Eu tenho
existe interna e externamente, mas há uma dispo- amigos do mercado financeiro que dizem que ela
sição da mídia em demonstrar as coisas piores do é odiada.
que estão de fato. Essa política que está sendo feita agora é uma
coisa que me surpreendeu e me decepcionou. Não
Bruno Roberto Padovano – Na sua visão, parece que eu achasse que ela não fosse fazer alguma coi-
que o mercado se posiciona “em bloco” contra a Dil- sa nessa linha do ajuste, da retomada do equilíbrio,
ma, apesar de ela estar tentando agradá-lo com a atu- até porque, dado o escândalo que a mídia fez com
al política de austeridade nos gastos públicos. Existem o resultado primário negativo de 2014, algum sinal
setores dentro do mercado que são menos hostis ou até nessa direção ela teria que dar para a população
favoráveis à atual política econômica da Dilma? E, como um todo. Mas a forma dura e brutal como

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isso está sendo feito, com o peso todo sendo jo- importam com isso. Então a Dilma está fazendo a
gado nas costas dos trabalhadores e das políticas política deles e acredito que devem estar gostando,
públicas, e a pessoa que ela chamou, que é o Levy, mas isso não vai se transformar em apoio político.
indicam que a intenção foi justamente fazer uma
média com esse setor que tem essa “ojeriza” a ela, Bruno Roberto Padovano – Entre suas propostas,
mas que evidentemente não funcionou. Eles não a professora cita, além do controle do fluxo de capitais
deram o respiro a ela que ela imaginou que teria. e a redução da taxa de juros, a “necessidade de mudar
De outro lado, tenho a impressão de que a es- a estrutura tributária do país, porque ela, hoje, per-
tratégia escolhida foi uma tentativa de repetir o mite que se perpetue a desigualdade”. O que deveria
que foi feito em 2003, porque quando Lula ganhou ser mudado nesta estrutura para que a economia vol-
as eleições também havia essa incerteza toda, e o te a crescer com mais igualdade? Que bons exemplos,
dólar tinha subido. O Lula fez essa política orto- no mundo, você citaria?
doxa, a mesma coisa: corte de gastos do gover- LMP – O sistema tributário brasileiro tem dois
no, subida de taxa de juros, controle da liquidez. problemas. O primeiro e principal problema é que
E depois a economia começou a crescer. Na rea- a estrutura tributária é muito regressiva, ou seja,
lidade, a economia começou a crescer por causa por meio do sistema tributário, ao invés de se re-
da situação externa. Nós já estávamos engatando duzir a desigualdade, você a acaba aprofundan-
a economia brasileira na lo- do. Isso acontece porque no
comotiva do crescimento Q U A I S S Ã O O S T R I B U T O S D I R E- nosso sistema tributário, os
mundial e principalmente T O S ? A Í E S TÁ O N O S S O S E G U N D O tributos que têm maior peso
no vagão chinês, e o cresci- PROBLEMA. SÃO OS TRIBUTOS SO - são os chamados “tributos in-
mento veio estimulado por B R E A R E N D A E S O B R E O PAT R I - diretos”, que são aqueles que
essa demanda externa que MÔNIO, SÃO AQUELES TRIBUTOS você não vê, pagos embutidos
crescia loucamente, não Q U E V O C Ê PA G A C O M O T R I B U T O S no preço das coisas. E sendo
como resultado do ajuste E NÃO DISFARÇADOS NOS PREÇOS assim, se compro, por exem-
ortodoxo promovido por DAS COISAS. plo, um quilo de carne, eu,
Lula-Palloci-Meirelles. Eu que ganho 40, estarei pagan-
acho que o Lula teve muita influência nessa deci- do o mesmo tributo que uma pessoa que ganha
são da Dilma de chamar o Levy e fazer esse tipo de quatro. Isso é regressivo porque não tem como fa-
ajuste, mas o que se esperava era isso: "A casa está zer um tributo de forma indireta progressivamen-
bagunçada, eu arrumo a casa e volto a crescer”. Só te, já que o tributo é embutido no preço, indepen-
que a situação externa é totalmente diferente, não dente de quem compra. Então é óbvio que isso,
é a mesma situação que se tinha em 2003. A situ- em um país que já é extremamente desigual, apro-
ação interna também é diferente porque os inves- funda a desigualdade. O primeiro problema é esse:
timentos públicos foram muito penalizados nos é um sistema tributário em que os tributos indi-
últimos anos e a economia está bem desacelerada retos têm maior peso, e deveria ser o contrário: os
desde pelo menos 2013. tributos diretos são os que deveriam pesar mais.
Efetivamente o setor financeiro deve estar Quais são os tributos diretos? Aí está o nosso
achando muito boa a política da Dilma porque é segundo problema. São os tributos sobre a renda e
a política que eles defendem (da austeridade, ajus- sobre o patrimônio, são aqueles tributos que você
te fiscal, taxa de juros elevada, corte de gastos do paga como tributos e não disfarçados nos preços
governo, corte de direitos sociais). Não importa das coisas. Dentro desses tributos diretos, os tri-
o que aconteça com o produto, com o emprego, butos sobre o patrimônio têm um peso ridículo e
com a renda, com as políticas públicas, eles não se o maior peso é dos tributos sobre a renda. Isso é

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outra das causas do aprofundamento da desigual- impostos sobre patrimônio muito mais elevados
dade. O patrimônio é muito mais mal distribuído que os nossos e uma estrutura tributária que é fo-
do que a renda. Se temos uma desigualdade de cada nos tributos diretos e não nos indiretos. Os
renda brutal no Brasil, a desigualdade de riqueza, indiretos existem em qualquer local do mundo,
ou seja, de estoque de riqueza, é maior ainda. E o mas eles são muito menos importantes do que o
sistema tributário dá maior peso à renda do que são aqui. No caso do Brasil, a forma como se tri-
ao patrimônio. O melhor seria ter um imposto so- buta acaba por aprofundar a desigualdade.
bre herança muito maior – principalmente sobre
grandes heranças –, um imposto progressivo, e a Suzana Avelar – A senhora falou, numa entrevista
partir de um determinado limite isentar esse tribu- para o Brasil de Fato, que “Muitos falaram que o país
to. Isso porque para uma pessoa que morre e deixa tinha perdido a credibilidade no mundo, só que isso
uma casinha que vale R$100 mil e uma poupan- não bate com o dado da entrada de capitais externos
ça de R$20 mil, é injusto que seja tributado. Mas na economia brasileira. São R$65 bilhões esse ano,
para alguém que morre e deixa milhões, às vezes a média no período Dilma é de R$64 bilhões”. Que
bilhões, para seus herdeiros, o Estado deveria tri- tipo de capital externo houve nessa entrada? Ele é
butar muito mais fortemente. mais ligado a investimentos a curto ou longo prazos?
O IPTU, por exemplo, é um imposto sobre pa- LMP – Eu me referi aí aos chamados investi-
trimônio. Se você tem um imóvel, você paga um mentos externos diretos, que por definição são de
tributo, neste caso à Prefeitura do município em longo prazo, porque são investimentos na produ-
que o imóvel se localiza. O prefeito Fernando Ha- ção. Os investimentos que podem ser de curto pra-
ddad tentou aumentar o IPTU e deu essa confu- zo são investimentos financeiros, principalmente
são toda. Mas o IPTU de São Paulo, comparado às os chamados “investimentos de portfólio” ou “in-
outras capitais do mundo é ridiculamente baixo, vestimentos em carteira”. Esses sim configuram
porque o Brasil não tributa patrimônio. O imposto capital de curto prazo, porque como todos esses
territorial rural é ridiculamente baixo e assim por ativos financeiros têm mercados secundários, po-
diante. Então, dentro do grupo dos tributos dire- de-se comprar hoje e vender amanhã, ou até no
tos, os impostos sobre patrimônio são marginais, mesmo dia. Quando entra esse dinheiro cria-se
o grande peso é do imposto sobre a renda. um passivo externo que pode ser cobrado com
Mesmo no imposto sobre a renda, deveria ha- muita rapidez, porque é esse tipo de capital.
ver faixas mais altas para rendas mais elevadas o Agora, investimento direto não. Não é de cur-
que não há. Em alguns lugares do mundo a última to prazo, porque normalmente trata-se de inves-
faixa de tributação é 60%, a nossa é 27%. Em qual- timento em produção, em estrutura produtiva. É
quer país mais avançado do mundo, os impostos verdade que temos dentro dessa rubrica de inves-
sobre patrimônio são muito maiores do que são timentos externos diretos os chamados “emprésti-
aqui. Então, se isso fosse feito: aumentassem as mo entre filiais”. Por exemplo, se a Volkswagen ale-
faixas do imposto de renda, fizessem os impostos mã emprestar dinheiro para a Volkswagen brasi-
sobre patrimônio para valer e criassem um impos- leira, isso não vai aparecer como empréstimo, mas
to sobre grandes fortunas, se aumentaria a carga sim como investimento direto, porque tudo se passa
tributária com um espaço muito maior e poderiam como se a Volkswagen quisesse aumentar seu in-
ser reduzidos os tributos indiretos. Aí sim você fa- vestimento no Brasil e está emprestando pra filial
ria o sistema tributário jogar pela redução da desi- dela aqui. E como havia uma diferença grande na
gualdade e não pelo aprofundamento dela. taxa de juros, isso também influenciava esse tipo
Todos os países desenvolvidos fazem isso: a Es- de operação. Mas isso não quer dizer que seja a
candinávia, os países da Europa... Todos eles têm curto prazo. É nesse sentido que eu estava falando.

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Isadora Vitti –Você vê perspectivas de crescimento temos mais isso. Nesse ambiente externo nós não
econômico nos próximos anos? temos a ajuda da alavanca externa, então depen-
LMP – Eu acho que o Brasil tem, estrutural- demos do mercado interno para ter dinamismo
mente, todas as condições necessárias para cres- para crescer. E com esses ajustes, com esses cortes,
cer. Ele tem um mercado interno potencial muito com essa política que está sendo feita, com os ju-
grande, e por isso todos os grandes grupos eco- ros tão elevados – temos a maior taxa real de juros
nômicos do mundo estão de olho no Brasil. É um do mundo de novo – fica muito difícil.
país grande e de renda média: hoje, a renda per Quando se derruba a economia no chão des-
capita brasileira está muito próxima da renda mé- se jeito, tendo um cenário externo adverso, como
dia mundial. Então não é desprezível pra qualquer temos agora, não é em um estalo que se erguerá
grupo quer seja nacional, internacional ou multi- a economia. Além disso, a economia vai ficando
nacional, um país desse tamanho com 200 milhões sem investimento. O investimento, do ponto de
de pessoas e com um nível de renda média subs- vista real – não estou falando do investimento fi-
tantivo. Além do mercado interno grande, você nanceiro –, aumenta a capacidade futura de pro-
tem recursos naturais insondáveis no Brasil. Do dução de bens e serviços, e se a economia está no
ponto de vista capitalista, ele possui tudo pra ser chão, sem investir, sua capacidade de crescimento
um país muito rico e muito influente e com uma fica afetada. O investimento do brasileiro já é bai-
economia muito vigorosa. xo há algumas décadas, e agora ficará mais baixo
Pensando a longo prazo, eu diria que o Brasil ainda. E como é que se cresce se não foram criadas
também tem todas as condições de crescer. Po- as condições reais para isso acontecer? São coisas
rém, a curto e médio prazos eu acho a situação que precisam ser resolvidas antes da retomada do
complicada, porque primeiro: nós dependemos, crescimento.
sim, do que acontece na economia mundial para Portanto, apesar de achar que no longo prazo as
o nosso equilíbrio das contas externas; e a econo- coisas não são ruins, no curto e no médio prazos é
mia mundial não vai bem, ela está muito instável, complicado por causa disso: a situação externa é
vide a confusão em que está toda a região europeia ruim e, para usar uma metáfora, a política interna
por conta da Grécia e do euro, que é uma moeda está jogando do outro lado.
que ainda tem muitos problemas pra se firmar. A
economia americana está retomando o crescimen- Isadora Vitti – Quais as consequências de um maior
to, mas com problemas (bolhas de ativos se for- investimento público na economia, à frente do investi-
mando, em ações por exemplo) e num ritmo infe- mento privado? Quais políticas deveriam ser tomadas
rior ao do período pré-crise. Os países chamados para que isso aconteça?
“emergentes” também estão crescendo menos, por LMP – Investimento é investimento, não im-
decisão de seus próprios governos. Então a situa- porta se é público ou privado (investimento real,
ção externa não é muito favorável para nós. estamos falando aqui mais uma vez). Ele tem sem-
E internamente esse tipo de política que está pre esse papel de aumentar as possibilidades futu-
sendo feita agora, com esse cenário externo como ras da produção de bens e serviços. Normalmente
pano de fundo, pode colocar a economia num rit- os investimentos públicos são em infraestrutura,
mo recessivo do qual demore a se recuperar. Por- como portuária, de estrada, sistema de telecomuni-
que, diferentemente do que aconteceu em 2003, cações e energia, e o investimento privado, nos ou-
não haverá o setor externo para alavancar o cres- tros setores da economia. Historicamente, o inves-
cimento. Em 2003, como o setor externo estava timento público sempre foi importante para o Bra-
“bombando”, a demanda externa foi suficiente sil. Nunca o investimento privado teve a iniciativa
pra dinamizar o resto da economia, mas agora não de investir no país. Nossa burguesia não é assim.

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Todas as vezes em que o país cresceu muito foi por- política de ajuste fiscal fica complicado. Como o
que o governo estava puxando. Então o governo sai gasto corrente é muito difícil de ser comprimido,
na frente com um pacote de investimentos grande em geral o que acaba acontecendo é que se com-
e isso acaba alavancando o setor privado. O inves- prime o investimento. Então, na realidade estamos
timento público tem essa importância. Agora, do diminuindo ainda mais o investimento público,
ponto de vista substantivo, é tudo investimento. num momento em que ele deveria estar sendo
No Brasil, em particular, o investimento públi- aumentado.
co tem esse papel também de puxar o investimen-
to privado, por isso muita gente critica a política Diana Helena de Benedetto Pozzi – Existe algu-
que foi feita no primeiro governo Dilma princi- ma relação entre agiotagem, paraísos fiscais e o cres-
palmente a de desoneração, que começou seleti- cimento das desigualdades?
vamente em alguns setores e depois vigorou indis- LMP – Consideremos o termo “agiotagem”
criminadamente. Eu concordo plenamente com como “taxa de juros”. Há uma discussão sobre o
essas críticas. Há um custo alto para esse tipo de fato de que as taxas de juros são muito elevadas,
política econômica: gastou-se uma enormidade de em termos reais, há vinte anos. Tirando esse pe-
recursos, porque são tributos queno período do governo
que o Estado deixou de rece- HISTORICAMENTE, O INVESTIMEN- Dilma em que ela reduziu
ber (é como se aquilo que foi TO PÚBLICO SEMPRE FOI IMPOR- as taxas de juros (de mea-
recebido fosse devolvido para TA N T E PA R A O B R A S I L . N U N C A O dos de 2011 até os primei-
o setor) e com resultados pí- I N V E S T I M E N T O P R I VA D O T E V E A ros meses de 2013), de 1994
fios. Muita gente diz que se I N I C I AT I VA D E I N V E S T I R N O PA Í S . para cá, desde que come-
esses recursos todos tivessem NOSSA BURGUESIA NÃO É ASSIM. çou o Plano Real, as taxas
se tornado investimentos pú- T O D A S A S V E Z E S E M Q U E O PA Í S de juros são injustificada-
blicos, o resultado, do ponto CRESCEU MUITO FOI PORQUE O GO- mente elevadas. E eu acre-
de vista da dinâmica da eco- V E R N O E S TAVA P U X A N D O . E N TÃ O dito – eu e o Piketty*– que
nomia, teria sido muito me- O GOVERNO SAI NA FRENTE COM isso contribua para o au-
lhor. Porque o que foi feito U M PA C O T E D E I N V E S T I M E N T O S mento da desigualdade. A
foi o contrário, foram redu- G R A N D E E I S S O A C A B A A L AVA N - taxa de juros é a remune-
zidos tributos, depois se exo- CANDO O SETOR PRIVADO. ração do capital financeiro,
nerou a folha na esperança de então, quando se põe a re-
que o setor privado investisse, e o setor privado muneração do capital lá em cima, e ela é garantida,
não investiu! Apenas aumentou sua margem de porque é via títulos públicos, aumenta-se todas as
lucro. Então muita gente, e eu me incluo aí, criti- outras taxas de juros da economia. Mas outros ti-
ca a política feita pelo governo Dilma nesse ponto pos de rendas não estão crescendo desse jeito, o
em particular porque acha que, se esse dinheiro salário não está crescendo desse jeito. E isso é uma
tivesse sido investido em toda a parte de infraes- coisa que o Índice de Gini [ver glossário ao final da
trutura que o país precisa, isso teria dinamizado entrevista] não pega.
a economia. Os recursos teriam sido muito mais
bem gastos, porque o investimento nesses seto-
res de base, além de configurarem demanda para *Thomas Piketty é um economista francês autor do best-seller
*Thomas Piketty é um economista francês autor do best-seller
internacional O capital no século 21 (2013), que estuda a dinâ-
a economia imediatamente, têm um efeito multi- internacional O capital no século 21 (2013), que estuda a dinâ-
mica da repartição dos rendimentos e da riqueza nos países
plicador muito alto. mica da repartição dos rendimentos e da riqueza nos países
desenvolvidos desde o século XVIII.
desenvolvidos desde o século XVIII.
Então o que precisa ser feito para que o inves- PIKETTY, T. O Capital no Século XXI. Trad.: Monica Baumgar-
PIKETTY, T. O Capital no Século XXI. Trad.: Monica Baumgar-
ten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.
timento retorne é mudar a política. Com essa ten de Bolle. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2014.

Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 13, Supl., p. 11-22, set. 2015 17
Hoje, nosso Índice de Gini é muito menor do ilegal e o que é imoral.
que era, e quanto maior, mais desigual. Nós che- O que acontece é que a mídia faz muito esse
gamos a ter 0,60 em 1994, hoje temos 0,53. Caiu jogo de embolar tudo. Por exemplo, no final do
substantivamente, ou seja, a desigualdade dimi- ano, depois da vitória da Dilma, muitas vezes ví-
nuiu muito e em um curto espaço de tempo (es- amos na mídia uma passagem direta entre a "rou-
sas mudanças são em geral muito mais demora- balheira" na Petrobras e a necessidade de cortar
das). Só que a base de dados do Índice de Gini é gastos do governo. A narrativa que se cria é assim:
a PNAD, que é a Pesquisa Nacional por Amostra “O governo rouba. Então tem que cortar gastos
de Domicílios, do IBGE. E 90% das rendas que a do governo”. Mas assim misturam-se duas coisas
PNAD captura são rendas do trabalho. Então, na completamente diferentes! Uma coisa é defender
realidade, tem-se o crescimento real do salário mí- o combate à corrupção por uma questão de dever,
nimo e o próprio crescimento do volume do Bolsa de respeito à coisa pública, aos recursos públicos;
Família, do valor e do volume, que produziu essa outra, bem diferente, é defender uma política eco-
queda. Portanto há redução da desigualdade neste nômica que implica a redução dos gastos do gover-
nível. Mas a PNAD quase não pega as rendas sobre no, o emagrecimento das políticas públicas; mas é
o capital, apenas algo em torno de 10%. Então ela justamente pra quem defende esse tipo de política
não pega rendas de juros, rendas de aluguel, renda (de austeridade), que interessa fazer essa confusão.
de dividendo, renda de lucro...
Há um pesquisador, que faz mestrado na UnB, Suzana Avelar – Nesse sentido, qual o impacto da
chamado Marcelo Medeiros, que conseguiu entrar corrupção para a economia brasileira?
nos dados da Receita Federal, porque ele é funcio- LMP – Alguns estudos tentaram mensurar isso,
nário, e conseguiu mostrar que apesar da queda do mas é difícil. Qualquer metodologia que seja utili-
Índice de Gini de renda nos últimos anos, quando zada está sujeita a críticas. E não é simples chegar
você tenta fazer um Índice de Gini de riqueza você a um número, até porque quando falamos de cor-
vê que houve uma concentração da riqueza. Uma rupção, falamos sempre da conhecida. E aquela
das razões dessa concentração é, sem dúvida, o ní- que não se conhece? Peguemos, por exemplo, a
vel das taxas de juros. Então, se entendermos agio- prefeitura de São Paulo. Eu fui secretária de plane-
tagem como taxas de juros elevadas, tem a ver, sim, jamento do Fernando Haddad de janeiro de 2013
com o crescimento das desigualdades. até março de 2015. Desbaratamos – porque o Fer-
Agora, sobre paraísos fiscais, há uma grande nando insistiu nisso e criou uma Controladoria
diferença. Porque até aqui temos falado nos limi- que não existia – uma das maiores quadrilhas de
tes da legalidade do sistema. Tudo isso é legal, é o auditores tributários que reduziam o tributo a ser
próprio Banco Central que, fazendo política mo- pago pelas empreiteiras.
netária, sobe a taxa de juros. Paraíso fiscal é fraude, Estou usando isso apenas como exemplo pra
já entramos em outro ramo. Tudo isso contribui dizer que, por mais que exista corrupção e ela
para aumentar a desigualdade, sem dúvida. Nin- tenha que ser combatida, isso não vai resolver o
guém vai roubar pra distribuir! É claro que todo problema do Brasil. Se amanhã acabarmos com a
mundo tem que combater a corrupção, mas mes- corrupção, ainda assim não resolveremos 99% dos
mo com zero de corrupção no país não se resol- nossos problemas. Essa quadrilha atuou de 8 a 10
verão todos os problemas. É imperativo resolver anos, se não me engano. A própria Controladoria
os problemas de corrupção, mas por uma questão estimou que eles roubaram alguma coisa em tor-
moral, por uma questão de que o Estado deve ser no de 500 milhões de reais nesse período. Agora,
respeitado, o que é público tem que ser respeitado. o orçamento anual da prefeitura é de R$50 bilhões
Assim, é preciso combater o que é fraude, o que é ao ano. Eles roubaram e roubaram muito, mas

18 Os Rumos da Situação Econômica no Brasil


representa, em média anual, 0,1% do orçamento Há outras variáveis, claro: a produtividade, a
da cidade. Isto posto, dá para dizer que o proble- própria estrutura de cada mercado, a fatia de mer-
ma da cidade de São Paulo é só a corrupção? Claro cado que o Brasil tem, entre outras. Mas a variável
que ela é um problema e os culpados devem ser primeira e principal é a taxa de câmbio. Por exem-
exemplarmente punidos, mas o problema de São plo, se fabricamos um grampeador e queremos ex-
Paulo é estrutural, é o problema da dívida, da falta portá-lo para a Europa, a depender da taxa de câm-
de investimentos, da estrutura tributária, da enor- bio, ele pode custar lá, vamos supor, dez, 20 ou 15
me demanda por infraestrutura e por políticas pú- dólares. É evidente que se isso custar dez dólares
blicas. A corrupção não é a responsável por todos ele estará em melhores condições pra competir
esses problemas e seu combate não vai resolvê-los. com seus concorrentes de outros países do que se
ele custar $20. Então a taxa de câmbio é a variável
Waldenyr Caldas – A indústria brasileira, e grande mais importante. E o resto da política econômi-
parte dos nossos produtos destinados à exportação, ca, principalmente a política monetária com taxas
não têm qualidade suficiente para competir no mer- de juros elevadas, jogou esse tempo todo contra a
cado internacional, ou mesmo com países emergentes possibilidade de termos uma taxa de câmbio com-
do grupo BRICS. Os preços dos nossos produtos são petitiva, ou seja, deixando nossa moeda apreciada
muito altos e sempre perdem em concorrência com os e fazendo nosso grampeador custar $20 e não dez.
de outros países. O que o governo poderia fazer para Isso é que produziu aquilo que alguns autores es-
nos tornar mais competitivos no mercado internacio- tão chamando de “desindustrialização do país”. Ou
nal, como o faz hoje a China, por exemplo, sem que seja, a indústria foi inviabilizada. Quando aconte-
pese a qualidade duvidosa de seus produtos? ce isso, não se inviabiliza a indústria só no merca-
LMP – O mercado internacional tem uma va- do externo, mas no mercado interno também, por-
riável que é chave, chama-se taxa de câmbio. Uma que aqui também o nosso grampeador, produzido
das razões pelas quais os nossos produtos come- por uma empresa nacional, vai custar mais do que
çaram a ficar inviáveis economicamente é que o o produzido pela China, ou por qualquer outro
nosso câmbio ficou muito apreciado, ele está apre- país. Porque nós estamos com o preço errado do
ciado há 20 anos. Isso significa preços em dólar câmbio. Então essa empresa perderá mercado ex-
de nossos produtos muito elevados. Em alguns terno e também interno, e chegará um momento
momentos ao longo desse período o câmbio se em que ela quebrará. Há várias empresas da cha-
desvalorizou. Um momento foi em 2002, com mada “indústria de transformação”, que é o cora-
aquele “terrorismo econômico” por conta da pos- ção da indústria, que se inviabilizaram.
sibilidade de Lula ganhar a eleição presidencial. Então a primeira coisa é a taxa de câmbio. Fora
Isso permaneceu em 2002, 2003 e depois de alguns ela, seria preciso melhorar a qualidade dos traba-
anos a apreciação do câmbio foi retomada. Outro lhadores das indústrias e o nível de estudo deles,
momento de desvalorização do câmbio é agora, pra melhorar a produtividade, porque ela influen-
quando o real voltou a se desvalorizar com a ree- cia no preço. Agora, com uma política monetária
leição de Dilma e o aprofundamento da crise polí- que está sempre jogando o câmbio pra cima e apre-
tica. Fora esses períodos muito curtos, a regra tem ciando a moeda, não é possível viabilizar produtos
sido a apreciação do câmbio. Isso quer dizer que competitivos lá fora, por mais que cresça a produ-
a nossa moeda está valendo mais do que deveria. tividade. Estando isso no lugar, será preciso pensar
Assim, os nossos produtos ficam muito caros em nas outras variáveis, claro, a começar da chamada
dólar, que é a moeda internacional. Então, como produtividade, da qualidade do produto e etc.
eles vão concorrer com outros países que não têm
esse problema?

Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 13, Supl., p. 11-22, set. 2015 19
Diana Helena de Benedetto Pozzi – Atualmente, objetivo desses “doadores” é se beneficiar desse “efeito
muito se tem discutido sobre a prática assistencialista auréola”?
de pessoas e mesmo estados, de doar bolsas a pessoas LMP – Acho que há um problema aqui com a
com menos condições financeiras. Como se sentirão questão. Se pessoas físicas ou jurídicas recebem
essas pessoas que recebem essa assistência e qual a benefícios como, por exemplo, dedução em seu
alternativa para que elas se sintam de fato cidadãs? imposto de renda, por aplicarem recursos em de-
LMP – A preocupação é se aqueles que rece- terminadas atividades que o poder público quer
bem as bolsas, como o Bolsa Família, não se sen- estimular, então não tem como o Estado receber
tem cidadãos porque não estão de fato inseridos mais impostos. Nesse caso, ele vai receber menos
no sistema, só estão recebendo uma doação do go- impostos. Isto posto, o que se pode dizer é que, em
verno. E aí é o que eu digo: não sou contra o Bolsa boa parte dos casos, esse tipo de arranjo mostra-
Família, mas eu gostaria muito que ele acabasse -se um bom negócio para os contribuintes. Veja-
pela falta de necessidade. mos o caso da aplicação de recursos em atividades
As políticas compensatórias não podem se fe- culturais. Veja que todos os bancos têm Institutos
char em si mesmas. Elas precisam ter abertura para Culturais. Aqui o que está acontecendo é que eles
acoplar políticas de inserção no mercado, para as estão gastando com tributos o mesmo que gas-
pessoas que são beneficiadas por elas. Porque a tariam antes, contudo como uma parte deles, ao
política de renda compensatória resolve a curtíssi- invés de ir para o Estado, vai para a manutenção
mo prazo: a pessoa tem zero de renda e se concede de um instituto cultural com o nome da empre-
uma renda para que não morra de fome. Mas qual sa supostamente patrocinadora (na realidade é o
a perspectiva de vida dessas pessoas: vão viver de Estado quem está patrocinando), a instituição em
bolsa do Estado o tempo todo? Então como é que questão passa de mecenas, de incentivadora das
o estado pode intervir pra criar uma perspectiva artes e de promotora da cultura. Eles têm então
de vida digna para essas pessoas? Acoplando nes- esse ganho adicional, que o pagamento puro e sim-
sas políticas de renda compensatórias outros tipos ples dos tributos não lhes traria.
de política, como geração de renda. Em algumas
capitais que foram governadas pelo PT mesmo an- Diana Helena de Benedetto Pozzi – Bancos e ou-
tes do Lula ser presidente, foram feitas políticas tras agências financeiras são os sucessores formais e
fortes de distribuição de renda com esse diferen- legais da agiotagem?
cial da conexão ulterior de programas de geração LMP – Depende do que se entende por agiota-
de renda. Parece que o espírito era esse logo no iní- gem. Se entendermos agiotagem como o emprés-
cio do governo Lula, mas acabou se inviabilizando timo de dinheiro a juros excessivos, e se entender-
por razões políticas. Uma coisa é a pessoa receber mos estes últimos como aqueles que se colocam
o Bolsa Família do governo, outra coisa é ter seu acima do nível empregado nos empréstimos reali-
pequeno negócio próprio. A pessoa se sente fa- zados pelos bancos regulares, então, por definição,
zendo parte do processo de reprodução material não se pode dizer que os bancos e as financeiras
da sociedade. E quando ela só recebe um dinheiro sejam agiotas ou que pratiquem a agiotagem. Con-
“caído do céu”, isso não acontece. tudo, é evidente que a existência dos bancos legali-
za e formaliza a prática da usura, que é tão ou mais
Diana Helena de Benedetto Pozzi – Pessoas físi- velha que o próprio capitalismo, e que é uma outra
cas ou jurídicas que investem em ações filantrópicas forma de nomear a agiotagem. Daí porque sempre
ou doações de bolsas a pessoas carentes com isso re- há a tentativa de limitar os juros legalmente, o que
cebem alguns benefícios, inclusive no seu IR, enquan- nem sempre acontece. Desde o advento das prá-
to os estados receberão mais impostos. O principal ticas neoliberais, controlar os bancos e o sistema

20 Os Rumos da Situação Econômica no Brasil


financeiro passou a ser algo cada vez mais difícil. Isadora Vitti – Como a senhora analisa a onda de
protestos requisitando o impeachment da Dilma?
Isadora Vitti – Quais são suas críticas – acertos e LMP – Eu acho que a esquerda cometeu mui-
erros – em relação à atual política econômica do go- tos erros no Brasil e isso facilitou para que a pior
verno federal? direita possível tomasse o espaço político. Então
LMP – Atualmente acho que está tudo errado. temos a criação de um ambiente muito fascista,
Porque estão fazendo um pacote que chamamos muito retrógrado e conservador, que por natureza
de “política ortodoxa”, que envolve corte de gas- já seria contrário à presidente por ela ser mulher,
tos, que implica afetar políticas públicas impor- por ter sido guerrilheira de esquerda e pela polí-
tantes, taxas de juros elevadas, política de arrocho tica que ela fez contra o mercado financeiro. E eu
fiscal e arrocho monetário. Então, do ponto de vis- acho que essa direita que ganha espaço não é uma
ta da dinâmica da economia e do crescimento, a direita preocupada com a estabilidade das insti-
política do governo merece essas críticas que co- tuições para a estruturação do Brasil como nação,
mentamos antes. Ninguém luta pelo crescimen- então para eles tudo é válido, qualquer coisa se
to por si só, inclusive porque, torna possível.
ambientalmente, tem-se que EU ACHO QUE A ESQUERDA COME - Então, a fragilidade da
tomar alguns cuidados, já que TEU MUITOS ERROS NO BRASIL E presidenta Dilma está se
o crescimento capitalista é ISSO FACILITOU PARA QUE A PIOR mostrando como uma pos-
muito predador. Mas o cresci- D I R E I TA P O S S Í V E L T O M A S S E O E S - sibilidade de tirar o PT do
mento está ligado ao nível de PA Ç O P O L Í T I C O . E N TÃ O T E M O S A governo federal antes da
emprego, então se é imposta C R I A Ç Ã O D E U M A M B I E N T E M U I- hora. Não podemos nos es-
uma recessão na economia T O FA S C I S TA , M U I T O R E T R Ó G R A - quecer que, quando o ex-
capitalista, como tem sido a D O E C O N S E R VA D O R , Q U E P O R -presidente Fernando Hen-
nossa já há alguns anos, cor- N AT U R E Z A J Á S E R I A C O N T R Á R I O rique Cardoso foi reeleito,
remos o risco de voltar atrás À PRESIDENTE POR ELA SER MU- o projeto do PSDB era ficar
em tudo que tínhamos ganho LHER, POR TER SIDO GUERRILHEI- 20 anos no poder, mas fica-
em termos de redução da de- RA DE ESQUERDA E PELA POLÍTICA ram oito anos e quem está
sigualdade. Começa-se a ter QUE ELA FEZ CONTRA O MERCADO perdurando mais é o PT
um nível de desemprego mui- FINANCEIRO. – se a Dilma completar o
to elevado. mandato, o PT terá ficado
O crescimento é importante por causa do nível no comando do governo federal por 16 anos. O que
de emprego. E creio que essa política está impon- está acontecendo é a construção de um ambiente
do um ritmo econômico de desaceleração que não conservador por erros da esquerda e erros do PT
será fácil nem rápido reverter, o que terá conse- que ele deve assumir, desde se tornar fisiológico,
quências para o nível de emprego, para o nível de até esquecer suas bases, fazer políticas conciliató-
renda e para a desigualdade. E o que está produ- rias inadmissíveis em determinados momentos e se
zindo isso é essa combinação da política fiscal e da envolver em corrupção. Isso num país que é con-
política monetária que está sendo feita agora, que servador, que possui elites retrógradas e com uma
é uma política ao gosto da mídia – mesmo que ela mídia igualmente conservadora, e cujo controle,
continue se opondo à Dilma– e ao gosto do se- diga-se de passagem, o PT enquanto governo tam-
tor bancário financeiro. Mas do ponto de vista do bém se recusou a fazer, só poderia dar nisso.
crescimento e da desigualdade, ela é uma política Temos, então esse ambiente conservador, que
deletéria e eu sou uma forte crítica dela. foi ocupado pela direita mais reacionária, auxilia-
da pela mídia. E, do outro lado, essa perspectiva

Rev. Cult. e Ext. USP, São Paulo, n. 13, Supl., p. 11-22, set. 2015 21
que o PSDB percebe, que é a de destronar o PT. DIANA HELENA DE BENEDETTO POZZI professo-
Impedir que a Dilma conclua o mandato será uma ra associada da Faculdade de Medicina da Universidade de
vitória pra eles, primeiro porque tira o PT do go- São Paulo (FM-USP) e editora responsável da Revista de
verno federal, e segundo, por aquilo que isso sim- Cultura e Extensão USP – e-mail: revistacultext@usp.br
bolizaria. Qual a narrativa que eles vão construir
em cima disso pra afastar qualquer possibilidade B R U N O R O B E R T O PA D O VA N Oprofessor titular da
de que o PT volte ao governo federal durante os Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de
próximos 50 anos? Isso é uma questão importan- São Paulo (FAU-USP) e editor associado da Revista de
te do ponto de vista da direita para mostrar a es- Cultura e Extensão USP
querda como inviável e irresponsável no governo.
economista e professora da Fa-
L E D A M A R I A PA U L A N I
Isadora Vitti – E a regulação da mídia é importante culdade de Economia, Administração e Contabilidade da
nessa perspectiva? Universidade de São Paulo (FEA-USP) – e-mail: paula-
LMP – Sem dúvida alguma. O estratagema que ni@usp.br
tem sido usado para impedir isso é imediatamente
interpretar essa necessidade de regulação da mí- professor titular da Faculdade
P R I M AV E R A B O R E L L I
dia como censura ou como tolhimento da liberda- de Ciências Farmacêuticas da Universidade de São Paulo
de de expressão. E não é nada disso. É uma coisa (FCF-USP) e editora associada da Revista de Cultura e
que existe em todos os países, mas no Brasil virou Extensão USP
mito, não se pode tocar nesse assunto.
Isso foi um grande erro estratégico do PT, que professora
S U Z A N A H E L E N A D E AV E L A R G O M E S
podia ter enfrentado ou indiretamente ter dado da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da Universi-
forças para as mídias alternativas, e não foi feito dade de São Paulo (EACH-USP) e editora associada da
nada disso. Pelo contrário, o que foi feito foi uma Revista de Cultura e Extensão USP
política de distribuição de verba como sempre foi
feito, privilegiando aquela meia dúzia de sempre professor titular da Escola de Co-
WA L D E N Y R C A L D A S
e deu no que deu. municações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
-USP) e editor associado da Revista de Cultura e Exten-
Glossário: são USP

Índice de Gini: criado pelo matemático italiano ISADORA VITTI graduanda em Jornalismo da Escola de
Conrado Gini, é um instrumento usado para me- Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-
dir o grau de concentração em qualquer tipo de -USP) e repórter da Revista de Cultura e Extensão USP
distribuição. Numericamente, ele varia de zero a
um, sendo que quanto mais próximo de zero, mais
igualitária é a distribuição e quanto mais distante
dele, mais desigual ela é. Aplicado à distribuição
de renda, significa que se hipoteticamente ele fos-
se zero, todos deteriam rigorosamente a mesma
parcela da renda, e se ele fosse um (ou 100), a ren-
da estaria toda concentrada nas mãos de uma úni-
ca pessoa. Fonte: Instituto de Pesquisa Econômica
Aplicada – IPEA. (Nota da Entrevistada)

22 Os Rumos da Situação Econômica no Brasil

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