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Senhora

Roteiro por
Henrique Lobo, Ana Clara Xavier,
Giovana Rezende, Guilherme Deberaldini,
e Matheus Bueno

Dirigido por
Henrique Lobo

Baseado no livro de
José de Alencar
1

Ambientação
Rio de Janeiro do século XIII.

Elenco
Elenco Principal
Rafael David como Fernando Seixas
Laura Rennó como Aurélia Camargo
Eduarda Gomes como Adelaide Amaral
Laís Helena como Firmina Mascarenhas
Henrique Lobo como “Lemos”
Wesley Castilho como “Rapaz”
Marcelo Souza como Lourenço Camargo
Moisés Cavalcante como Tavares Amaral

Elenco de Apoio
Henrique Lobo como “Rapaz #1”
Moisés Cavalcante como “Rapaz #2”
Thiago Messias como “Criado”
Wesley Castilho Como “Rapaz #3”
M. Freitas como “Rapaz #4” e “Padre”
Júlio César como “Rapaz #5”
M. Souza como “Rapaz #6”
2

ATO I
1 EXT. RUA ─ DIA 1
SEIXAS e seus AMIGOS estão sentados no meio-fio de uma rua,
conversando sobre Aurélia. Eles o zoam pela obsessão e ciúmes
excessivos.
Rapaz #1
Ele tinha duas mulheres pra escolher, e
escolheu a mais bonita. Esperto.
Rapaz #3
Eu ainda vou ficar com a Adelaide. Um
dia vocês vão ver nós dois passando de
carro pelas ruas.
Seixas
Vocês falam de mim, mas olha esse aí,
completamente perdidinho pela Amaral.
Rapaz #5
Seixas, você devia ter visto. Aquela
mulher estava simplesmente incrível no
baile.
Seixas
Uma pena que eu estava em Grão Pará e
não pude estar lá…
Rapaz #3
Ela é a perfeição, foi esculpida pelos
anjos.
Rapaz #6
Como Afrodite.
Seixas se levanta para discutir com os amigos.
Seixas
Vocês estão loucos? Ela é a minha
mulher.
Rapaz #3
Até parece que ela se deixaria ser de
alguém. Ela não estaria de acordo.
3

Rapaz #4
Vamos na janela dela pra perguntar
então, Fernando.
Os amigos concordam, mas antes que pudessem sair, AURÉLIA
abraça Seixas por trás.
Rapaz #5
Viu, não te disse? Ela é como Afrodite…
Seixas
Realmente… A beleza dela é algo
indiscutível.
(para Aurélia)
Bom dia, meu amor.
Aurélia
Não precisa disso, Torquato. Eu já
estou aqui ouvindo vocês. Obrigada
pelos elogios.
Seixas
Ah, como eu amo esse perfume.
Aurélia
Você vai poder sentir ele todos os dias
depois do nosso casamento.
Seixas
Eu mal posso esperar pra esse dia
chegar.
Rapaz #3
Depois você não vai conseguir mais sair
pra beber com a gente, Seixas.
Aurélia
Vocês são uns bobos mesmo. Bom dia,
Fernando.
Todos SAEM DE CENA.
4

2 INT. CASA DE ADELAIDE ─ NOITE 2


TAVARES está na sala de estar, trabalhando em alguns papéis,
quando batem palmas à escada. Sem mudar de posição, ele manda
subirem.
Tavares
Pode subir!
SEIXAS sobe as escadas rapidamente e arruma a sua roupa quando
chega na sala de estar.
Tavares
É com o senhor Fernando Rodrigues de
Seixas com quem eu tenho a honra de
falar?
Seixas levanta rápido do sofá, jogando os papéis e o lápis do
seu lado na poltrona.
Seixas
Fernando Rodrigues de Seixas, eu mesmo.
Tavares
Bom, eu serei breve. Primeiro,
investiguei a sua vida e consegui
informações satisfatórias. Segundo, eu
quero o melhor pra minha filha.
Terceiro, só devemos entregar um dote
de trinta contos de réis a quem
realmente fizer juz a ele.
Seixas
E esse dote… Posso saber quando ele
seria entregue, senhor Amaral?
Tavares
Será entregue no dia do casamento.
Seixas
O senhor poderia me apresentá-la?
Tavares
Com muito prazer.
Tavares se vira e vai em direção à COXIA.
5

Tavares (cont’d)
Venha, Adelaide, filha, por favor.
Venha conhecer um grande amigo.
Tavares vai para a COXIA e volta com ADELAIDE.
Tavares (cont’d)
Adelaide, este é o senhor Fernando
Seixas, que quis te conhecer. Minha
filha, Adelaide Amaral.
Seixas
Encantado.
Adelaide
Eu lembro de já te ter visto algumas
vezes.
Tavares
É mesmo?
Seixas
Eu já passei por essa rua várias vezes
para visitar uma família amiga e por
isso nossos olhares já se cruzaram.
Tavares
Bem, isso facilita tudo. O senhor
Seixas virá jantar conosco essa quinta.
Tudo bem para o senhor?
Seixas
Sim.
(se volta para Adelaide)
E para a senhorita?
Adelaide
O senhor tem como vir ou quer que meu
pai mande um carro buscá-lo?
Seixas
Eu tenho como vir.
Tavares
6

Pode ir, minha filha.


Adelaide volta para a COXIA.
Tavares
Muito obrigado pelos negócios, senhor
Seixas.
Seixas
Foi um prazer.

3 INT. CASA DE AURÉLIA ─ DIA 3


FIRMINA guia LOURENÇO, avô de Aurélia, até o sofá da sala de
estar. Ele se assusta por não ver a neta lá. Ele se senta no
sofá e espera Firmina.
Lourenço
Onde está a Aurélia?
Firmina
Eu vou chamá-la, só um instante.
Ela logo volta acompanhada de AURÉLIA, que estranha a presença
do homem. Ele percebe que elas estão lá e se levanta, se
virando para encará-la.
Ele dá um passo para abraçá-la, mas ela recua, como se não
quisesse nenhum tipo de interação com ele.
Aurélia
Eu não te conheço, senhor.
Firmina
(para Lourenço)
Se apresente.
Lourenço
(gaguejando)
Lourenço, Lourenço Camargo. Pai de
Pedro Camargo.
Firmina
O senhor é Lourenço Camargo?
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Aurélia
Você o conhece?
Firmina
Conheço o nome. Sua mãe falava de um
Lourenço Camargo quando viva. Que ela
descanse em paz. Mas o senhor é mesmo o
pai de Pedro?
Lourenço
O único, não acha que por esse motivo
eu devia abraçar a minha neta?
Ele abre os braços, esperando que Aurélia corra para abraçá-lo
com lágrimas correndo pelo rosto, mas ela fica parada no lugar,
como uma estátua.
Firmina coloca a mão nas costas da garota, a conduzindo para o
abraço.
Lourenço
(ainda no abraço)
Eu queria te dar uma coisa.
Ele desfaz o abraço e segura um envelope no ar. Aurélia espera
um momento, pensando se pega o envelope ou não. No final,
aceita a oferta.
Ela quase abre o envelope, mas seu avô a interrompe, tentando
impedi-la.
Lourenço
Não vá achando que é presente, senhora.
Quero que guarde esse tesouro até eu
voltar de viagem.
Aurélia
Se aqui dentro tem dinheiro, eu acho melhor
não ficar com a gente, sabe, numa casa sem
nenhum homem…
Lourenço
(cortando-a)
Que dinheiro? Até parece que vocês têm
medo de dinheiro.
8

Aurélia
Não é por isso, meu avô. Veja, numa
casa como esta, com apenas duas
mulheres, não é seguro ter tanto
dinheiro guardado.
(lendo a parte de trás da carta)
“Para minha Aurélia guardar, até eu,
seu avô, lhe pedir. Assinado, Lourenço
de Souza Camargo”.

4 INT. CASA DE AURÉLIA ─ DIA 4


AURÉLIA e FERNANDO estão no sofá da sala de estar. Ela está
bordando algo, enquanto ele trabalha em alguns papéis da firma.
Aurélia
(preocupada)
Você está estranho.
Ele se vira para olhá-la, confuso.
Aurélia (cont’d)
Sim, parece que você quer me falar
alguma coisa mas… Você está com medo de
me chatear?
Seixas
(decidido, mas cuidadoso)
Aurélia, meu amor, desde que eu te
conheci eu achei que passaria o resto
dos meus dias com você.
Ele larga os papéis e pega suas mãos.
Seixas (cont’d)
Eu te amo, Aurélia, mas eu seria
egoísta se eu não compartilhasse os
meus sentimentos contigo.
(suspira)
Eu ficaria mais tranquilo renunciando
sua mão do que a aceitando. Se eu
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aceitasse, eu te condenaria a eternas


humilhações.
Ela se levanta irada, se afastando de Fernando.
Aurélia
(ironizando)
Humilhações? Francamente, Fernando, eu
fui humilhada a minha vida toda.
Seixas
Calma, Aurélia, você não entendeu. Eu
estou dizendo que apareceu uma nova
proposta, bem mais vantajosa. Nós
teremos que nos separar em breve.
Aurélia
Mas Fernando…
Seixas
Pense, você vai voltar a ser livre!
Aurélia
Como você tem a ousadia de me dizer uma
coisa dessas, Fernando? Que proposta
mais vantajosa é essa que está
separando a gente?
Seixas
Aurélia, eu preciso que você me
entenda. As vantagens não têm peso
nenhum nisso.
Aurélia
Ah, que ótimo. Então, se elas não têm
peso, por que trazer essas tais
vantagens pra conversa?
Seixas
Já pensou o que as pessoas vão dizer
quando souberem que você foi largada
por um homem?
Aurélia
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Talvez elas vão dizer que eu


sacrifiquei um amor, mas isso seria
mentira. Eu não renunciei amor nenhum,
o que eu fiz foi defender o meu amor
por você. Vamos ser realistas, você não
me ama mais.
Seixas
(impostando a voz)
Não vá fingindo que esses últimos meses
foram o auge dessa sua vida tediosa e
que tudo está arruinado só porque eu
estou supostamente te largando.
Aurélia
Tediosa? E desde quando a sua vida era
tão divertida assim sem mim?
É óbvio que é mais fácil para eles brigar do que se preocupar
um com o outro.
Seixas
(desdenhando)
Por favor, não vá fingindo que eu estou
arruinando o que você tanto lutou pra
construir.
Aurélia
Vá embora, Fernando!
Ela começa a EMPURRAR Seixas para trás depois de uma pausa, e o
manda embora.

4a INT. CASA DE AURÉLIA ─ NOITE 4a


AURÉLIA está desenhando em um bloco de papel. FIRMINA chega com
uma carta para ela.
Firmina
Aurélia, você recebeu uma carta.
Aurélia
Uma carta?
Firmina
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(entregando a carta)
Abra a carta, Aurélia.
Ela pega a carta e a abre. Ela passa os olhos por ela
rapidamente e a dobra bruscamente.
Firmina (cont’d)
Quem te escreveu, filha?
Aurélia
(secamente)
Foi o Seixas.
Firmina
Que bom que ele te escreveu.
Aurélia
Não foi só ele. A carta está endereçada
por Fernando Seixas e pela Amaralzinha.
Aquele miserável ainda teve a audácia
de me escrever.
Firmina
O que ela diz?
Aurélia
“Com as bênçãos divinas, Fernando
Seixas e Adelaide Amaral têm a alegria
de convidar a senhorita Aurélia Camargo
para celebrar a sua união no dia
dezessete do mês oito do ano de mil
oitocentos e setenta e sete na rua
Costa Pereira.”
Ela aproxima a carta para ler as letras miúdas nas últimas
linhas.
Aurélia (cont’d)
Ele me trocou por trinta contos de
réis. Trinta contos de réis.
Ela vai para a COXIA inconformada. Firmina suspira e a
segue depois de alguns segundos.
Aurélia
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Firmina, me diga uma coisa. Promete ser


sincera?
Firmina
E quando eu não sou sincera com você, minha
menina?
Aurélia
Quem você acha mais bonita, eu ou a tal
da Amaralzinha?
Firmina
Quem é ela pra ser comparada com você,
Aurélia? Muitas meninas bem mais bonitas
que ela não chegam aos seus pés.
Aurélia
(pensativa)
Ela é tão elegante… Será que ela é mais
educada do que eu?
Firmina
Do que você, Aurélia? É difícil que se
ache em todo o Rio de Janeiro outra
moça que tenha a sua educação.
Sinceramente, duvido que tenha.
Se ouve palmas e Firmina abre a porta de casa. Um rapaz pede
para falar com Aurélia, e Firmina o deixa entrar.
Rapaz
A senhora é Aurélia Camargo?
Aurélia
Sim. Quem mandou a correspondência?
Rapaz
Sou correspondente, mas não trago
nenhuma mensagem de ninguém.
Ele tira os olhos de Aurélia e se aproxima de Firmina,
ainda falando para ambas.
Rapaz (cont’d)
13

É sobre o senhor Camargo. Ele


infelizmente faleceu. Eu sinto muito.
Aurélia
Ele era o meu avô.
Rapaz
Eu sinto muito, senhoras.
(pausa)
Ele me pediu para avisar que a senhora
tem uma correspondência dada por ele, e
recomendou que no caso de acontecer
alguma coisa grave com ele, para você
abrir.
Aurélia está sentida pelo que aconteceu, não era tão próxima do
avô a ponto de chorar, mas sua voz ainda embargava.
Aurélia
Muito obrigada. O senhor pode ir.
Ela abre a carta assim que o correspondente sai da casa.
Aurélia (cont’d)
“Eu, Lourenço de Souza Camargo,
reconheço e legitimo meu filho Pedro
Camargo, que fora casado com Emília
Lemos, declarando que instituo à minha
neta Aurélia Camargo, nascida de um
legítimo matrimônio, a minha única e
universal herdeira, minha herança.”
Firmina
Parabéns, filha.
Ela percebe o que disse e se corrige.
Firmina (cont’d)
Digo, sinto muito…
Aurélia
Obrigada, Firmina.
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6 INT. CASA DA AURÉLIA ─ DIA 6


AURÉLIA está desenhando na sala de estar. Seu tio LEMOS bate à
porta.
Aurélia
Pode entrar.
Lemos entra e joga a sua bolsa no chão.
Lemos
Eu, sinceramente, não entendi o motivo
da sua carta, menina.
Aurélia
Eu não te incomodaria se não fosse
importante, acredite.
Lemos
Muito importante?
Aurélia
Sim, sobre o meu casamento!
Lemos se sentou no sofá animado e esfregou as mãos.
Aurélia (cont’d)
Não acha que já é hora de começarmos a
pensar nessas coisas?
Lemos
Sim, com dezoito anos…
Aurélia
Dezenove.
Lemos
Com dezenove anos? Eu não cuidei de
você até aqui pra você se arriscar
assim, Aurélia.
(pausa)
Você, sendo uma menina órfã e
inexperiente, eu não te aconselharia se
casar antes da maioridade. Ainda mais
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quando você ainda não conhece bem o


mundo.
Aurélia fica indignada com o que escuta, mas Lemos continua
tagarelando.
Aurélia
Só escute, senhor Lemos. Eu estou tão
decidida que te peço uma coisa.
Lemos
Já sei! Que eu procure um noivo de vida
boa, de renda estável e que te dê uma
boa vida…
Aurélia
Dinheiro eu já tenho, tio. E eu já
achei o rapaz certo.
Lemos
Ah, é? Você sabe que como seu tutor eu
teria que dar a minha aprovação, né?
Aurélia
Sim, mas, se você disser não, o juiz
vai ter que fazer esse trabalho por
você.
Lemos
Você só tem dezenove anos, Aurélia.
Aurélia
Esqueça isso de dezenove anos. Dezoito
deles eu vivi na extrema pobreza e um
na riqueza, onde eu apareci de repente.
Eu via o dinheiro como um tirano, hoje
eu vejo ele totalmente submisso a mim.
Ela se levanta e começa a gesticular angelicalmente com as mãos
explicando sua nova filosofia para o tio.
Aurélia (cont’d)
Não vale a pena ter tanto dinheiro se
ele não servir para eu me casar com
quem eu quiser. E pra isso, seriam
gastos apenas alguns contos de réis.
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Lemos
Aí fica difícil. Mesmo como o seu tutor, eu
não posso mexer em um vintém sem a
autorização do juiz.
Aurélia
(impaciente)
Ah, você não quer mesmo me entender,
tio. Eu sei disso, mas eu sei de muito
mais coisas que você nem imagina, como
o dinheiro que você está devendo das
apólices e a taxa de juros.
Ela pega os seus papéis de desenho e começa a fazer
algumas contas.
Aurélia (cont’d)
E, por último, eu tenho uma carta
dizendo que eu herdei tudo que meu avô
tinha. Tudo veio para mim após sua
morte. Ela foi escrita, assinada e
entregue por ele, bem nas minhas mãos.
Lemos enxugava as mãos nas calças.
Aurélia (cont’d)
Então, tio, estamos entendidos?
Lemos
Pode pedir o que quiser.
Aurélia
Você conhece o Amaral?
Lemos
Qual deles?
Aurélia
Manuel Tavares do Amaral, que trabalha
na alfândega. Ele quer casar a filha
dele, a Adelaide, com um moço que
estava no Rio de Janeiro, pra quem ele
ofereceu trinta contos de réis.
17

Lemos pega um BLOCO DE NOTAS na sua bolsa e começa a


anotar o que ela diz.
Lemos
Trinta contos? Não é um mau começo…
Aurélia
Eu preciso desmanchar esse casamento o
mais rápido possível. Essa Adelaide tem
que se casar com o Doutor Torquato
Ribeiro, quem ela gosta.
Lemos murmura algo, mas Aurélia não consegue entender.
Aurélia (cont'd)
Ele é pobre, e o pai dela não quer que
ela se case com ele por isso. Mas se
você dissesse pro senhor Amaral que
esse moço tem cinquenta contos de réis,
você acha que ele diria não?
Lemos
Se eu fizesse isso, de onde sairia o
dinheiro?
Aurélia
Eu mesma te daria o dinheiro.
Lemos
Mas pra que se intrometer nos negócios dos
outros?
Aurélia
Esse moço, que está justamente com a
Adelaide, é com quem eu quero casar. Já
que um homem não pode ser de duas
mulheres…
Lemos
Salomão diria o contrário.
Aurélia
Já que um homem não pode ser de duas
mulheres, eu vou disputá-lo. Ele chegou
recentemente de viagem e deve estar
18

animadíssimo para esse casamento. O


senhor tem que procurá-lo o quanto
antes e fazer a proposta.
Lemos
Pode deixar.
Aurélia
Mais uma coisa, Lemos. Você não pode
nem sequer pensar em revelar quem eu
sou ou falar alguma coisa que dê alguma
pista pra que ele possa descobrir quem
é a tal moça.
Lemos
Pode contar comigo, menina.
Os dois saem para a COXIA.

7 INT. CASA DE SEIXAS ─ NOITE 7


SEIXAS está na sala de estar, trabalhando em alguns papéis,
quando batem palmas à escada. Sem mudar de posição, ele manda
subirem.
Seixas
Pode subir!
LEMOS sobe as escadas rapidamente e arruma a sua roupa quando
chega na sala de estar.
Lemos
É com o senhor Fernando Rodrigues de
Seixas com quem eu tenho a honra de
falar?
Seixas levanta rápido do sofá, jogando os papéis e o lápis do
seu lado na poltrona.
Seixas
Pode se sentar. Desculpe essa bagunça
de quem acabou de chegar.
Lemos
Me desculpe se eu estou te procurando
logo no dia seguinte da sua chegada,
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quando você ainda deve estar se


recuperando da viagem, mas o que eu
tenho para dizer é urgentíssimo.
Seixas
Pode contar com a minha discrição.
Lemos
É uma moça, muito rica, bonitona, que a
família quer casar o quanto antes. Eles
se preocupam com a atitude dela nos
bailes, jogando gracejos para qualquer
rapaz que vê na frente,e eles receiam
que a menina possa de repente
enfeitiçar alguns dos tais rapazes.
Seixas está claramente desconfiado do que Lemos está dizendo,
mas deixa ele acabar seu monólogo.
Lemos (cont’d)
Ela procura um moço sensato, de boa
posição. Alguém bom, assim como você.
Seixas
A sua escolha alimenta o meu ego, Sr.
Ramos, mas você tem que entender que eu
não posso aceitar.
Lemos
Perdão, mas eu sou um negociador nato.
Eu não costumo enrolar, comigo as
coisas são rápidas.
Seixas vê mais uma vez os papéis que tinha deixado de lado e se
volta para Lemos de novo, respondendo com uma ironia cortês.
Seixas
Não posso negar que a proposta é boa.
Lemos
Sem dúvida, mas eu ainda não disse
tudo. A pequena é rica o bastante e
dota o marido com cem contos de réis em
dinheiro vivíssimo, na sua frente.
Seixas inspira para dizer algo, mas Lemos não se cala.
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Lemos
Agora eu posso saber se temos um
negócio fechado?
Seixas
Não, de jeito nenhum.
Lemos
Como assim?
Seixas
Primeiro, isso que o senhor me propôs
não pode ser sério.
Lemos tenta interrompê-lo, mas ele o cala com a mão.
Seixas (cont’d)
Antes de tudo, eu tenho que te dizer
que eu estou oficialmente comprometido,
e que, embora não tenha nada certo, eu
não posso simplesmente largar a moça.
Lemos
Mas os relacionamentos acabam de uma
hora para a outra.
Seixas
Sim, realmente, às vezes algumas coisas
que acontecem desatam qualquer
compromisso, por mais forte que seja,
mas se eu aceitasse essa transação eu
estaria pecando contra Deus.
Lemos
Mas o que é a vida, Seixas, senão
negócios contínuos do homem com o
mundo?
Seixas
Eu não vejo a vida assim, Lemos. Eu
acho que um homem se sacrifica por
qualquer motivo nobre, mas se fizer por
dinheiro, não é sacrifício, mas sim
tráfico.
21

Lemos
Bom, eu sei que essas coisas não se
decidem assim na hora, então vou deixar
meu endereço…
Seixas
Obrigado, mas não tem necessidade.
Lemos
Ninguém sabe o que se pode acontecer na
vida.
Lemos, contra a vontade de Seixas, escreve o endereço num papel
e deixa com ele.
Ambos saem de cena.

8 INT. CASA DO SEIXAS ─ DIA 8


FERNANDO está na sala de estar lendo algum livro e batem à
porta.
Entram ADELAIDE e TAVARES.

Seixas
Senhor Amaral.
Ele suspira.
Tavares
Olá, senhor Seixas. Por que mandou uma
carta num tom tão preocupado?
Seixas
(entregando um bolo de dinheiro)
Eu sinto muito, senhor Amaral, mas não
poderei mais sustentar a sua filha.
Adelaide
Por Deus, que idiotice você está
fazendo?
Seixas
(pegando as mãos da menina)
Me desculpe, meu amor.
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Adelaide
Fernando, você não pode fazer isso comigo. Você foi
pra Europa e pra Pernambuco, e nas duas vezes me
deixou aqui, sozinha no Rio!
Tavares
Explique-se, Fernando!
Seixas
Posso conversar com ela a sós, senhor?
Tavares suspira, e sai de cena para a COXIA murmurando.
Adelaide
Por que você está fazendo isso,
Fernando? Por que me iludir, dizer que
me ama pra me jogar fora assim?
Seixas
Me desculpe, meu amor…
Adelaide
Eu guardei todas as cartas que você me
mandou. Nelas você disse que me amava,
e que quando estava na Europa, você
queria voltar pra me ver.
Seixas
Adelaide, eu tenho uma explicação.
Adelaide
Fica quieto que eu não terminei. Você
me deixou de novo no Rio pra ir pra
Pernambuco e me fez de idiota. A única
pessoa que você sempre pensou foi em
você, você e você. Eu tenho dó da
próxima de muitas mulheres por quem
você vai trocar por causa desse seu
egoísmo.
Ela se vira completamente brusca e vai para a COXIA sem dizer
mais nada.
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9 INT. IGREJA ─ NOITE 9


AURÉLIA entra pela PORTA LATERAL.
Padre
Em nome do Pai, do Filho e do Espírito
Santo, estamos aqui reunidos para
celebrar a união de Aurélia Camargo e
Fernando Seixas. Vocês vieram hoje aqui
para se unir em matrimônio. É por livre
e espontânea vontade que o fazem?
Aurélia
Sim.
Fernando
Sim.
Padre
(para Aurélia)
Repita depois de mim: “Eu, Aurélia,
aceito Fernando como meu esposo”.
Aurélia
Eu, Aurélia, aceito Fernando como meu
esposo.
Padre
(para Fernando)
Fernando, repita depois de mim: “Eu,
Fernando, aceito Aurélia como minha
esposa”.
Aurélia
Eu, Fernando, aceito Aurélia como minha
esposa.
O padre oferece a BANDEJA para Fernando, que pega a ALIANÇA.
Seixas
Receba essa aliança como sinal do meu
amor e da minha fidelidade.
Aurélia pega a outra aliança e a coloca no dedo de Fernando.
24

Padre
Eu os declaro marido e mulher. O que
Deus uniu, o homem não separa.
Todos saem de cena.
Fim do primeiro ato.
25

ATO II
1 INT. CÂMARA NUPCIAL ─ NOITE 1
SEIXAS está sentado na cama. AURÉLIA está tirando as joias.
Aurélia
(tom de superioridade)
Fernando, eu sempre te amei eu sempre
te amei i incondicionalmente, com todo
o meu coração. E mesmo assim você
sempre me ignorou e nunca ligou pra mim
nem pro meu amor.
Seixas abaixa a cabeça e permanece calado.
Aurélia (cont’d)
Vai ver que eu não consegui te
apaixonar, afinal,você só tinha olhos
pra Adelaide… E olhe lá se era por ela
mesmo, ou pelo dinheiro dela.
Aurélia pega um cheque e o segura contra o peito de Seixas.
Agora ela está totalmente debochando dele.
Aurélia (cont’d)
Você me custou cem contos de réis, foi
barato. Eu daria o dobro, o triplo, eu
daria toda minha fortuna pra te ver
humilhado desse jeito.
Seixas
Aurélia, você está louca.
Aurélia
Aqui está o seu cheque, oficializando a
sua riqueza, “meu amor”. Agora me fale
que você me ama, que nunca amou outra
mulher e seja submisso à sua Senhora.
Seixas
Eu não vou fazer isso. Eu não te amo.
Eu não vou oficializar esse casamento
com você.
Seixas coloca sua mão sobre a dela, ainda segurando o cheque
contra si, e permanece em silêncio.
26

Aurélia
(indignada)
Como você tem a audácia de desobedecer
a sua senhora assim, Fernando?
Seixas
(melancólico, mas decidido)
É verdade, eu te amei um dia, mas eu
não te amo mais. De você eu só tenho
pena. Sabe, eu nunca me deixei ser
levado pelo seu dinheiro. Mas de que
isso importa agora?
Aurélia
Como é? Você me amava de verdade?
Seixas
(diz tudo em tom triste, termina a
fala com convicção)
Eu te amei, mas está tudo bem claro
agora. Você nunca quis um marido, mas
sim um escravo.
Aurélia se vira com as mãos na testa.
Aurélia
(falando por cima)
Meu Deus… Não, Fernando, para com essa
manipulação!, eu…
Seixas aumenta o tom de voz. Só assim ele vai conseguir a
atenção de Aurélia.
Seixas
Eu realmente achei que você estava se
casando você estava se casando estava
casando comigo por amor, mas agora eu
sei a verdade. Sendo assim, estou às
suas ordens, minha senhora.
Aurélia perde a calma e grita com Fernando.
Aurélia
27

Sabe de uma coisa, Fernando? Pra mim


chega!
Seixas quebra o silêncio para irritar Aurélia.
Seixas
Eu estou te incomodando, Senhora? Pode
me pedir pra sair, você tem todo o
direito de mandar em mim. É só pedir, e
eu saio!
Aurélia
(saindo do sério)
Bem lembrado, Seixas. Some daqui.
Agora.
Seixas
(irônico)
Você deveria ter examinado o produto
antes de comprar.
Seixas deixa o quarto enquanto Aurélia se corrói e seus
próprios pensamentos.

2 INT. CASA DOS SEIXAS ─ DIA 2


Seixas estava em seu quarto, arrumando algumas coisas. O seu
criado chega de supetão.
Criado
O senhor já está pronto? Vim arrumar o
quarto mais cedo, porém estava
trancado…
Seixas
(impaciente)
Você demorou um pouco.
Criado
(envergonhado)
Eu me distraí no caminho. De qualquer
forma, o senhor precisa de mim?
28

Seixas
Não, obrigado. Que horas nós jantamos?
Criado
Às cinco, se o senhor não der outra
ordem. O senhor sai a passeio depois do
jantar? De carro ou a cavalo?
Seixas
Não.
Criado
Eu sei que recém-casados não saem do
quarto nos primeiros dias do casamento,
mas foram as ordens que eu recebi.
Seixas
De quem?
Criado
Da Senhora.
Seixas suspira fundo. Por um momento, parece que toda a raiva,
ressentimento e mágoa simplesmente desapareceram.
Criado (cont’d)
Bem lembrado. O almoço já está sendo
servido e ela está o chamando.
Seixas
Você só me diz isso agora?
Seixas e o criado vão para a SALA DE JANTAR.

2a INT. CASA DOS SEIXAS ─ DIA 2a


FERNANDO chega e AURÉLIA já está na mesa. Os dois ainda não se
esqueceram da discussão. Aurélia começa o diálogo breve.
Aurélia
(animada e esperançosa)
Vamos almoçar.
Seixas
29

(rude)
Me passa a lagosta.
Aurélia
(joga a travessa)
Toma a sua lagosta.
O silêncio toma conta da sala e tudo o que se ouve é o barulho
dos talheres.
Aurélia
(impaciente)
Me devolve a lagosta.
Seixas joga a travessa de volta.
Aurélia (cont’d)
Pra quem foi comprado, você até que
está bem rebelde.
Seixas
Eu achava que a esposa não tinha toda
essa liberdade…
Seixas
Você esqueceu que eu sou a sua dona, e
não a sua esposa?
Seixas
Essa sua infantilidade me faz perder o
apetite.
Ele se levanta bruscamente e deixa a cadeira cair. Ele a
levanta de novo.
Seixas (cont’d)
Eu preciso dar uma volta, não aguento
mais viver perto de você.
Aurélia
É melhor sair mesmo, e leve essa
monstruosidade com você, seu animal.
30

Fim do segundo ato.


31

ATO III
1 INT. CASA DOS SEIXAS ─ NOITE 1
SEIXAS chega no quarto e encontra Aurélia sentada na cama.
Seixas
(nostálgico)
Eu consigo lembrar da primeira vez que
eu te vi assim, mais ou menos onze
meses atrás…
Aurélia
Quer me ver no mesmo lugar? Pra trazer
lembranças à tona?
Seixas
(frio)
Não precisa mais. Eu acreditei por
muito tempo no nosso amor, mas depois
de você ter deixado bem claro que eu só
passava de um escravo, é impossível eu
ainda ter algum sentimento amoroso por
você.
Aurélia tenta convencê-lo pela última vez, na esperança de que
se redima.
Aurélia
Você entendeu errado.
Seixas
(decidido)
Não, Aurélia, eu sempre fui uma
mercadoria pra você.
Aurélia
Você é a minha maior riqueza, Seixas.
Nada pra mim é mais valioso que você.
Ele zomba dela, sem dizer uma palavra.
Seixas
32

Me poupe, Sra. Seixas. Se eu soubesse


que seria assim, nunca teria aceitado o
dinheiro daquele seu tutor.
Ele espera que ela tenha um rompante, mas ela permanece quieta.
Seixas
Continuei com você mesmo assim porque
sou um homem de palavra e não seria
certo sair do casamento sem quitar
minha dívida.
Aurélia
(indignada)
Eu te conheço, Fernando, eu sei que
você está me enrolando. Fale logo, o
que você quer me dizer?
Seixas
Isso não é mais problema, eu tenho a
quantia que eu precisava para…

Aurélia
(ela interrompe, ansiosa.)
Para?
Seixas
(desdenhando)
Que apressada, deixe eu terminar de falar,
Senhora.
Agora, Seixas parece decidido, e diz sem se importar com a
reação de Aurélia.
Seixas (cont’d)
Eu te chamei para negociarmos a minha
liberdade.
Ele abre a carteira lentamente e em silêncio, tira o dinheiro e
a guarda de volta.
Seixas (cont’d)
33

Antes, quero que saiba que esse


dinheiro não veio de você, mas sim do
meu trabalho duro e do meu suor.
Ele tira um papel do bolso, com uma enorme conta.
Seixas (cont’d)
Se não me falha a memória, você me
pagou cem contos de réis, oitenta em
cheque, e vinte em dinheiro. Aplicando
os juros de 6%, ao final de tudo te
devo um total de 105 contos de réis,
certo?
Agora Aurélia transparece o medo que está sentindo. Ela puxa
lentamente o papel da mão dele.
Aurélia
Sim.
Seixas
(confiante)
Conte, Aurélia.
Aurélia
(suavemente)
Tudo aqui bate. Vem, vou Vou te dar um recibo.
Seixas
(brincalhão)
Só o papel de venda já basta.
Os dois fazem uma pausa dramática.
Seixas (cont’d)
Esse é o final do nosso relacionamento.
Talvez a gente se trombe nas ruas, nas
lojas, nos…
Aurélia
(interrompendo)
Acredito que nunca mais.
34

Seixas respira fundo e dá um passo para longe de Aurélia. Logo


ele desiste de ir e rompe num monólogo em tom de apoio e
desabafo ao mesmo tempo.
Seixas
Sabe, antes do seu tutor me oferecer o
dinheiro, eu era pobre, não só falando
de dinheiro, mas de sabedoria. Quando
eu me juntei a você, eu fiquei mais
sábio, atento e maduro. Sendo mais
direto, tudo o que eu sou hoje é fruto
do que você me ensinou. Muito obrigado.
(pausa)
Era isso o que eu queria dizer antes de
nos separarmos.
Aurélia
Eu realmente acho que fez bem pra nós
dois. Eu também aprendi a ver as coisas
positivas em você, embora sejam poucas.
Mas agora que já não temos nenhum
vínculo…
Ela guarda as coisas na gaveta.
Aurélia (cont’d)
Agora nós somos estranhos, não vamos
nos ver mais. Eu vou pra Europa.
Seixas
Você vai…
Aurélia
(cortando-o)
Uma despedida formal pra ficar na
lembrança?
Ela estende a mão para um aperto de mão, mas ele olha ao redor
da sala, preparando-se para dizer alguma coisa.
Os dois se abraçam e se despedem. Seixas vira de costas e
Aurélia o impede.
Aurélia (cont’d)
(suspirando)
35

Fernando, espera por favor.


Ele para onde está e suspira, como se estivesse exausto dessa
vida de brigas atrás de brigas.
Seixas
(confuso)
Você me chamou?
Aurélia ri, percebendo que ainda tem uma chance para se
redimir.
Aurélia
O nosso passado já foi esquecido e os
últimos onze meses não existem mais.
Você não é mais meu marido e eu não sou
a sua esposa, então é como se não nos
conhecêssemos mais.
Ela pega as duas mãos dele e suplica.
Aurélia (cont’d)
Fernando, me perdoe. .
Seixas a repreende, colocando ela se colocando em seu lugar.
Seixas
Não, Aurélia! Foi você e a sua riqueza
quem nos separaram pra sempre.
Aurélia corre até a gaveta, pega um papel e dá para Seixas.
Seixas
O que é isso?
Aurélia
(triste)
É o meu testamento.
Uma longa pausa, onde Seixas começa a ler o papel em suas mãos.
Antes deles se emocionarem, ela continua.
Aurélia
Eu escrevi no dia do nosso casamento,
eu achei que fosse morrer cedo. Eu
deixei toda a minha herança pra você.
36

Ela se joga suavemente aos pés dele e sorri.


Aurélia
Agora você acredita que nunca foi pelo
dinheiro, mas sim pelo seu amor?
Uma longa pausa. Seixas continua imóvel.
Ele entrega a carta para ela e a levanta de volta. Depois, ele
a abraça forte enquanto o amor surge novamente.
Ele pega as mãos da moça e a levanta do chão. Silenciosamente,
ele beija as suas duas mais, demonstrando que ainda nutre
sentimentos por ela.
Ele a abraça forte.
Seixas
Eu te amo.
Fim da peça.

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