Você está na página 1de 85

5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.

com

Stella Maris Bortoni de Figueiredo Ricardo

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 1/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Estado do Acre

Governador
Jorge Viana
Vice-Governador
Arnóbio Marques
Secretaria de Estado de Educação do Acre
Maria Corrêa da Silva
Coordenadora de Ensino Superior da SEEA
Maria José Francisco Parreira

Fundação Universidade de Brasília — FUB/UnB

Reitor
Timothy Martin Mulholland
Vice-Reitor
Edgar Nobuo Mamiya
Decano de Ensino e Graduação
Murilo Silva de Camargo
Decano de Pesquisa e Pós-graduação
Márcio Martins Pimentel

Faculdade de Educação — FE/UnB

Diretora
Inês Maria M. Zanorlin Pires de Almeida
Vice-Diretora
Laura Maria Coutinho
Coordenadora Pedágogica

Sílvia Lúcia Soares


Coordenador de Inormática
Tadeu Queiroz Maia

Centro de Educação a Distância — CEAD/UnB

Diretor
Proessor PhD. Bernardo Kipnis
Coordenadora Executiva
Jandira Wagner Costa
Coordenadora Pedagógica
Maria de Fatima Guerra de Sousa
Gestão Pedagógica
Maria Célia Cardoso Lima
Gestão de Produção
Bruno Silveira Duarte
Design Gráfco
João Baptista de Miranda
Equipe de Revisão
Bruno Rocha
Daniele Santos
Fabiano Vale
Leonardo Menezes
Roberta Gomes
Apoio Logístico
Fernanda Freire Pinheiro
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 2/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Sumário

Conhecendo a autora_______________4

Seção 1
A sociedade brasileira: características sociológicas _________7

Introdução____________________________________________8
Diversidade lingüística e pluralidade cultural no Brasil ____ 1
A comunidade de ala brasileira_________________________
Analisando o Português do Brasil_______________________ 6

Seção 2
A variação lingüística em sala de aula____________________4

Competência comunicativa____________________________ 50
Seção 3
Revendo a variação lingüística no Português do Brasil____ 59

Referências_______________________ 82

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 3/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Conhecendo a autora

Stella Maris Bortoni de Figueiredo


Ricardo

Possui graduação em Letras Português e Inglês pela Uni-


versidade Católica de Goiás (1968), mestrado em Lingüística pela
Universidade de Brasília (1977) , Doutorado em Lingüística - Univer-
sity o Lancaster (1983) e pós-doutorado em Etnograa Educacional
na Universidade da Pennsylvania (1990). Atualmente é proessora
adjunta da Faculdade de Educação da Universidade de Brasília. Foi
presidente da ANPOLL (1992-4) e vice-presidente e presidente em
exercício da ABRALIN (2003-5). Foi diretora do Instituto de Letras da
UnB (1993-7). Já publicou no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa
e no Japão. Tem experiência na área de Lingüística, com ênase em
Educação e Lingüística, trabalhando principalmente com os seguin-
tes temas: educação em língua materna, ormação de proessores,
alabetização, etnograa de sala de aula e letramento. Vem atuando
nos últimos cinco anos como consultora para o MEC em diversos
projetos de ormação continuada de proessores. Mantém na in-
ternet a página http://www.stellabortoni.com.br, dirigida especial-
mente a proessores em atividade e em ormação.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 4/85

5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 5/85

5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 6/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

1
A sociedade

brasileira:

características

sociolingüísticas
Objetivos: identicar as principais características sociolingüísticas da
sociedade brasileira e suas implicações para a educação.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 7/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Introdução

Caro(a) cursista,

Para começarmos a conversar sobre nossa língua ma-

terna e as tareas
dar nossos alunosque temos de realizar
a desenvolverem suaem sala de aula acomunicati-
competência m de aju-
va, escolhemos para você este pequeno trecho do livro Rememórias
Dois, de Carmo Bernardes, no qual o autor narra uma experiência
interessante dos seus primeiros dias na escola:

Entrei numa lida muito dicultosa. Martírio sem m o não entender


nadinha do que vinha nos livros e do que o mestre Frederico alava.
Estranheza colosso me cegava e me punha tonto. Acho bem que oi
desse tempo o mal que me acompanha até hoje de ser recanteado e
meio mocorongo. Com os meus, em casa, conversava por trinta, tinha
ladineza e entendimento. Na rua e na escola - nada; era completamente
arásico. As pessoas eram bichos do outro mundo que temperavam um
palavreado grego de tudo.

Já sabia ajuntar as sílabas e ler por cima toda coisa, mas descrencei e
perdi a infuência de ir à escola, porque diante dos escritos que o mes-
tre me passava e das lições marcadas nos livros, quei sendo um quar-
ta-eira de marca maior. Alívio bom era quando chegava em casa.

Os meninos que arrumei para meus companheiros eram todos lhos


de baiano. Conversavam muito dierente do que estava escrito nos li-
vros e mais dierentes ainda da gente de minha parentalha. Custei a
danar a aprender a linguagem deles e aqueles trancas não quiseram
aprender a minha. Faziam era caçoar. Nestes casos, por exemplo: eu
alava “sungar”, os meninos da rua alavam “arribar”, e mestre Frederico
dizia “erguer”. Em tudo o mais era um angu-de-caroço que avemaria.

Um dia cheguei atrasado e dei a desculpa de que o relógio lá estava


“azangado”. Aí o mestre entortou o canto da boca e enrugou o couro
da testa e derreou a cabeça e cou muito tempo assim de esguelha
sgado em mim, depois estralou:

-O rélogio está o quê?!!

Ah, meu Deus... Tampei a cara com o livro, e uma coceira descomedida

nas popasbicho.
panhado me pôsUmamenino
retocar que
e a esregar no banco,
gostava muito como
de mim oi quem tinha
me salvar e
embaraçou-se todo também:

-Ele está dizendo que o relógio da casa dele “escanchelou”!


Mestre Frederico derreou a cabeça para o outro lado e tornou a

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 8/85

5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

estralar:

-O quê!!!

Ajuntou a boca no maior anco de estancar um riso quase vertente,


ínterim em que a risadagem já ia entornando na sala toda.

-Silên...cio!...

E, peculiarmente, a palmatória surrou miúdo no tampo da mesa. Em


tudo o mais era nesse teor. Era – não: é. Vivi até hoje empenhado na pe-
leja mais dura, com o viso de me acostumar a alar de acordo, e não sou
capaz. Em estando muito prevenido é que às vezes dou conta de puxar
mais ou menos os ees e erres, assim mesmo sujeito a desastrosas sila-
badas... Descuidei, que seja, resvalo, e quando quero acudir é tarde.

Sem maior esorço, dou conta de arrumar direitinho um raseado com


aparência de erudito, e em pouco prazo estiro no papel uma chorola
certinha, conorme preceitua a gramática. Contar um caso bem conta-
do, com cautela de não dar motivos a enjoamento em quem vai ler, é
que não sou capaz porque tolhido dentro das regras que Mestre Frede-
rico
não me ensinou nunca
se expressa, pude
ca tudo armar
pálido, uma estória
enxabido, que prestasse.
um negócio maninhoA coisa
que
não há que traga.

Só desaçaimado de tudo quanto é scalização de regras e ormas, sou


capaz de ajeitar uma prosa sorível. Aí vou desaloiando de dentro de
mim as palavras e as ormas que trago na massa do sangue., olvido o
mundo que me cerca e me engolo numa lembrança qualquer mal apa-
gada, e assim, às vezes arrumo uma escrita que não enada muito.
(BERNARDES, Carmo. Rememórias Dois, Goiânia: Leal, 1969, pp. 18-20.)

Carmo Bernardes oi um grande escritor regionalista


nascido
ralmenteem Patos de Minas,
é associado em 1915,literário
ao movimento e já alecido. Seu nome
regionalista ge-
goiano,
pois oi em Goiás que ele passou toda sua vida e ambientou vários
de seus livros, como Vida Mundo, Jurubatuba, Rememórias e Reme-
mórias Dois. Sua produção literária refete com delidade a rique-
za da cultura rural da região onde nasceu e viveu. A narrativa que
lemos é uma retrospectiva de sua experiência na Escola Municipal
de Formosa – GO, município para onde sua amília se mudou, trans-
portada por tropas de burros em 1915. O episódio relatado deve ter
ocorrido em meados da década de 20.

Ao ler o texto, você encontrou algumas palavras que


não azem parte de seu repertório lingüístico. Você não as conhece
porque algumas delas são palavras e expressões características da
cultura rural da região Centro-Oeste onde o autor nasceu e oi cria-
do. Outras, além de pertencerem ao léxico regionalista também são
arcaicas, isto é, já não são usadas com reqüência, tendo sido pre-
servadas na cultura de grupos sociais mais isolados, como é o caso
das comunidades rurais. Há ainda no texto expressões que são mais
comuns na língua oral que na língua escrita. Vamos reler o texto
sublinhando essas palavras.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 9/85

5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Entrei numa lida1 muito dicultosa. Martírio sem m o não entender


nadinha do que vinha nos livros e do que o Mestre Frederico alava.
Estranheza colosso me cegava e me punha tonto. Acho bem que oi
desse tempo o mal que me acompanha até hoje de ser recanteado 2 e
meio mocorongo. Com os meus, em casa, conversa por trinta, tinha la-
dineza3 e entendimento. Na rua e na escola - nada; era completamente
1 “Lida” – é um substantivo derivado arásico4. As pessoas eram bichos do outro mundo que temperavam
do verbo ‘lidar’ que signica ‘trabalhar’ um palavreado grego de tudo.
ou ‘lutar’. Conra seu signicado em
um dicionário. Os substantivos que são Já sabia ajuntar as6 sílabas e ler por cima toda coisa, mas descrencei5 e
ormados de verbos com a junção das perdi a infuência de ir à escola, porque diante dos escritos que o mes-
vogais – o,-a,-e ao radical do verbo são tre me passava e das lições marcadas nos livros, quei sendo um quar-
chamados deverbais, e o processo de ta-eira de marcar maior7. Alívio bom era quando chegava em casa.
sua ormação é conhecido como deriva-
ção regressiva. Veja a pequena relação Os meninos que arrumei para meus companheiros eram todos lhos
abaixo e depois a complete para que de baiano. Conversavam muito dierente do que estava escrito nos li-
você xe bem o processo de derivação vros e mais dierentes ainda da gente de minha parentalha8. Custei a
regressiva. Lembre-se de que ao traba- danar a aprender a linguagem deles e aqueles trancas 9 não quiseram
lharmos com a ormação das palavras, aprender a minha. Faziam era caçoar. Nestes casos, por exemplo: eu a-
estamos no campo da Morologia. lava “sungar”, os meninos da rua alavam “arribar”, e mestre Frederico di-
zia “erquer”. Em tudo o mais era um angu-de-caroço que avemaria.
lid + ar > lid + a (lidar > lida)
abal + ar > abal + o (abalar > abalo) Um dia cheguei atrasado e dei a desculpa de que o relógio lá estava
aag + ar > aag + o (aagar > aago) “azangado”. Aí o mestre entortou o canto da boca e enrugou o couro
enlaç + ar > enlac + e ( enlaçar > enla- da testa e derreou10 a cabeça e cou muito tempo assim de esguelha 11 
ce) sgado em mim, depois estralou:
chor + ar > chor + o ( _____> _______)
recu + ar > recu + o ( _____> _______) -O relógio está o quê?!!
toc + ar > toqu + e ( ______> _______)
busc + ar > busc + a ( _____> _______) Ah, meu Deus... Tampei a cara com o livro, e uma coceira descomedida
nas popas me pôs a retocar e a esregar no banco, como quem tinha
2 “Recanteado” – é um adjetivo deri-
panhado12 bicho. Um menino que gostava muito de mim oi me salvar
vado do substantivo ‘recanto’. Conra
e embaraçou-se todo também:
no dicionário o signicado de recanto,
 
mas lembre-se de
sos signicados queque, entre os diver-
o dicionário apre- -Ele está dizendo que o relógio da casa dele “escanchelou”!
senta, você vai selecionar o signicado Mestre Frederico derreou a cabeça para o outro lado e tornou a
adequado ao contexto. No nosso caso, o estralar 13:
signicado é o de esconderijo. ‘Recante-
ado’ é, então, aquela pessoa que gosta -O quê!!!
de se isolar num lugar reservado. Ao se
reerir ao menino como ”recanteado”, o Ajuntou a boca no maior anco de estancar um riso quase vertente,
autor quis enatizar seu temperamen- ínterim em que a risadagem já ia entornando na sala toda.
to introvertido. O adjetivo ‘mocorongo’
que também usou tem um signicado -Silên...cio!...
semelhante. Conra-o no dicionário.
E, peculiarmente, a palmatória surrou miúdo no tampo da mesa.
3 “Ladineza” – é um substantivo deriva- Em tudo 14 o mais era nesse teor. Era – não: é. Vivi até hoje empenhado
do do adjetivo ladino com o acréscimo na peleja mais dura, com o viso de me acostumar a alar de acordo, e
do suxo – eza. É um caso de derivação não sou capaz. Em estando muito prevenido é que às vezes dou conta
suxal, que ocorreu assim: ladin + eza. de puxar mais ou menos os ees e erres, assim mesmo sujeito a desas-
Escreva ao lado outros substantivos trosas silabadas... Descuidei, que seja, resvalo, e quando quero acudir é
ormados com esse suxo. Vamos agora tarde.
ao dicionário para ver o signicado de  
‘ladino’. Ladino é o mesmo que ‘astuto’, Sem maior esorço, dou conta de arrumar direitinho um raseado com
‘esperto’. “Ladino” e ”ladineza” são pala- aparência de erudito, e em que pouco prazo estiro no papel uma cho-
vras que estão caindo em desuso, mas rola15 certinha, conorme preceitua a gramática. Contar um caso bem
não chegam a ser arcaísmos. contado, com cautela de não dar motivos a enjoamento em quem vai
ler, é que não sou capaz porque tolhido dentro das regras que mestre

Frederico
coisa não me ensinou nunca
se expressa, pude
ca tudo armar
pálido, uma estória
enxabido que
16, um prestasse.
negócio mani-A
17
nho que não há que traga.
 
Só desaçaimado18 de tudo quanto é scalização de regras e ormas,
sou capaz de ajeitar uma prosa sorível. Aí vou desalojando de dentro

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 10/85
10 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

de mim as palavras e as ormas que trago na massa do sangue., olvido


o mundo que me cerca e me engolo19 numa lembrança qualquer mal
apagada, e assim, às vezes arrumo uma escrita que não enada muito.
(BERNARDES, Carmo. Rememórias Dois, Goiânia: Leal, 1969, pp. 18-20.)

O texto de Carmo Bernardes, além de nos ensinar mui-


tas palavras e expressões novas, que ilustram a riqueza da cultura e
4 “Arásico” – não é uma palavra do lé-
da linguagem rural nos conduz a uma refexão sobre a Língua Por- xico regionalista, como as outras que

tuguesa
dierençasnoentre
Brasil,o suas
Brasilcaracterísticas e variação,
urbano e o Brasil especialmente
rural. Vimos as
que o episó- acabamos
posta com de ver. É uma
o prexo palavra
a-, que com-
herdamos
dio que o autor nos narrou transcorreu na década de 20. Como era do grego antigo e que tem o sentido de
negação. Arásico signica que é mudo,
o Brasil naquele tempo? No ano de 2000, o IBGE iniciou um censo sem linguagem. É claro que o autor usou
que nos vai mostrar quantos somos e como a sociedade brasileira a palavra como um exagero, para enati-
se constitui e se organiza. Vamos saber, então, quantos brasileiros zar a sua diculdade de se expressar no
vivem no campo e quantos já estão radicados nas áreas urbanas. No ambiente da escola. O uso de exageros
para dar ênase a um conceito é conhe-
censo de 1996, a população brasileira era de aproximadamente 157 cido como hipérbole.
milhões de habitantes, dos quais 78,35% viviam em área urbana e
21,6% em área rural. Ao longo dos dois últimos séculos, a população 5 ”Descrencei” – o verbo ‘descrençar’ é
do Brasil cresceu muito e houve uma intensa migração do campo ormado pelo prexo des-, de origem
para as cidades. Observe na tabela seguinte esse processo. Em se- latina, que contém a idéia de negação.
‘Descrençar’, então, é perder a crença,
guida, complete a tabela com os dados reerentes ao censo de 2000. mas na cultura rural em que Carmo Ber-
Esses dados você pode obter no IBGE. nardes oi criado, ‘descrençar’ signica
perder o entusiasmo, a motivação. Você
Tabela 1: Crescimento da população rural e urbana no certamente já ouviu pessoas usando
Brasil. esse verbo nessa acepção. E você? Tam-
bém tem o costume de usar o verbo
‘descrençar’ para signicar a perda de
estímulo e motivação?

6 ”Infuência” – essa palavra oi usada


no sentido de entusiasmo, animação.
Nesse sentido, a palavra é característica
das alas regionais e rurais. Conra-a no
dicionário.

7 ”Quarta-eira de marca maior” – essa


expressão equivale a ‘preguiçoso’, ‘relap-
so’, ‘descompromissado’. Observe que a
expressão, além de ter um caráter regio-
Como você pôde ver, quando a amília de Carmo Ber- nalista, é também própria da linguagem
oral, coloquial.
nardes se radicou na zona rural de Formosa – GO, na década de 20,
assim como eles havia mais de 26 milhões de brasileiros vivendo no 8 Observe a ormação do substantivo

campo. Vejamos agora


ção populacional na tabela
nas cidades 2 como
teve esse processo
conseqüências de concentra-
na escolarização. ‘parentalha’, comdeo uso
ormam palavras suxo -alha,como
popular que
‘gentalha’.

Tabela 2: A evolução da alabetização no Brasil. 9 ”Trancas” – é um regionalismo que sig-


nica indivíduo que serve de empecilho
ou tem mau caráter. Conra-o no dicio-
nário.

10 O verbo ‘derrear’, que signica ‘arrear’,


tem hoje em dia uso restrito e é mais en-
contrado no linguajar rural.

Quando olhamos a tabela 2, camos animados ao ver


que o percentual de população não-alabetizada vem diminuindo.
Mas não podemos nos deixar enganar com esse declínio nos nú-
meros percentuais, por várias razões: primeiro porque os números
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 11/85
11 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

11 “olhar de esguelha” quer dizer ‘olhar totais da população não-alabetizada não têm um movimento des-
enviesado, ‘olhar de lado’. cendente e, sim, ascendente. Em segundo lugar porque, se exami-
narmos os dados com mais detalhamento, vericamos que o anal-
12 Em ‘panhado’ vemos a perda do pre-
xo a-. Na história da Língua Portugue-
abetismo não atinge igualmente toda a população: concentra-se
sa, temos muitas palavras que se preser- na população rural, que é, secularmente, a menos beneciada no
varam com duas ormas: com o prexo processo de desenvolvimento do país. A tabela 3 mostra essa distri-
a- e sem esse prexo. Exemplos desse buição. Os dados se reerem aos censos de 1970 e 1980.
enômeno são juntar/ajuntar; sentar/as-
sentar; soprar/assoprar; mostrar/amos- Tabela 3: Taxas de alabetização na população brasileira
trar; voar/avoar. Observe que, nesses
pares de palavras, uma delas passou de 15 anos ou mais.
a ser a orma de prestígio, enquanto a
outra cou restrita aos alares rurais. No
par ‘arreparar’/’reparar’, a primeira orma
hoje em dia só é encontrada no repertó-
rio de alantes de origem rural enquan-
to a segunda, é encontrada nos alantes
urbanos. Isso não signica que uma seja
errada e outra certa, como você já sabe.
Trata-se de duas variantes da mesma

palavra
lares daque caracterizam
nossa língua. Aodierentes a-
longo desta
unidade, vamos alar muito sobre essa
questão de variação, prestígio e precon-
ceito.

13 O verbo ‘estralar’ oi usado aí num


sentido gurado signicando ‘esbrave-
 jar’, ‘xingar’.

14 “Pelejar” é uma palavra de pouco uso


por pessoas de origem urbana, mas mui-
to empregada em áreas rurais. Signica
‘luta’, e, por extensão, ‘esorço’, ‘trabalho’.
15 “Chorola” é um termo regional que o
autor usou com o sentido de texto in-
ormal.

16 “Enxabido” é o mesmo que ‘desenxa-


bido’, ou seja, ‘sem sabor’, insípido’. Con-
ra no dicionário.
Ano base: 1996
17 “Maninho” é sinônimo de ‘esteril’, ‘não
aproveitável’.

18 O adjetivo “desaçaimado” é ormado


com o prexo-des, que você já conhece,
mais o verbo ‘açaimar’, que signica ‘pôr
um açaimo’, que é um tipo de cabresto
que se coloca em cavalo para montaria.
O adjetivo desaçaimado oi usado em
sentido gurado, isto é, ‘sem cabresto’,
‘sem repressão’.

19 Engolar’ é uma palavra ormada


com o prexo em- ou en, de origem
latina que signica ‘movimento para
dentro’,
No textocomo em em
oi usado ‘embarcar’,
sentido ‘enterrar’.
gurado,
ou conotativo para signicar ‘penetrar’,
‘mergulhar’.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 12/85
1 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade

Com base nos dados percentuais da tabela 3, construa


dois grácos sobre a distribuição da população não-alabetizada no
Brasil: o primeiro contemplando a variável “localização de domicílio”
(rural e urbano) e o segundo contemplando a variável “gênero” (ho-
mens e mulheres). Leve seus grácos para a sala de aula e os mostre
para seus alunos. Será interessante para eles descobrirem quais os
grupos sociais que mais sorem com a alta de escolarização.

Refita

1) – Por que o percentual de não-alabetizados na zona


rural é quase o dobro do percentual de área urbana?

2) – Por que, na aixa de 15 a 19 anos, o percentual de


homens não-alabetizados (7,9%) é muito superior ao percentual
de mulheres não-alabetizadas (4,0%)? Observe que o mesmo e-
nômeno está ocorrendo em proporções menores nas aixas de 20
a 24, de 25 a 29 e de 30 a 39 anos. Quando chegamos às aixas de
mais de 40 anos, a tendência se reverte: o percentual de mulheres
não alabetizadas é superior ao dos homens não-alabetizados. Que
características sócio-econômicas e culturais da sociedade brasileira
explicam essas tendências? Discuta essas questões com seus cole-
gas e, em seguida, com seus alunos.

Diversidade lingüística e pluralidade cul-


tural no Brasil
Voltemos agora à narrativa da experiência do autor Car-
mo Bernardes, na escola do Mestre Frederico. Ele nos ala de sua
experiência em casa, com sua parentalha, na rua com os “lhos de
baiano” e na escola onde encontrava um palavreado grego de tudo.
Esses são os três ambientes onde uma criança começa a desenvol-
ver o seu processo de sociabilização: a amília, os amigos e a escola.
Podemos chamar esses ambientes, usando uma terminologia que
vem da tradição sociológica, de domínios sociais. Um domínio so-
cial é um espaço ísico onde as pessoas interagem assumindo cer-
tos papéis sociais. Os papéis sociais são um conjunto de obrigações
e de direitos denidos por normas socioculturais. Os papéis sociais
são construídos no próprio processo da interação humana. Quando
usamos a linguagem para nos comunicar, também estamos cons-
truindo e reorçando os papéis sociais próprios de cada domínio.
Vejamos alguns exemplos. No domínio do lar, as pessoas exercem
os papéis sociais de pai, mãe, lho, lha, avô, tio, avó, marido, mulher,
etc. Quando observamos um diálogo entre mãe e lho, por exem-
plo, vericamos características lingüísticas que marcam ambos os
papéis. As dierenças mais marcantes são as intergeracionais (ge-
ração mais velha/geração mais nova) e as de gênero (homem/mu-
lher). Você, caro (a) cursista, conhece bem essas dierenças sociolin-
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 13/85
1 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

güísticas que ocorrem na interação no seio de sua própria amília.


No segundo ascículo, você terá mais inormações sobre esse tema.

Discuta
Este é um bom tema para você discutir com colegas,
amigos, com seus amiliares e até com seus alunos: no ambiente
amiliar, como os papéis que as pessoas exercem são determinan-
tes da linguagem que elas usam? Em outras palavras, quais as die-
renças entre a linguagem do marido e da mulher, ou da mãe e dos
lhos?

Atividade
Com base na sua refexão e discussão, monte com seus
alunos uma pequena peça de teatro em que quem bem claras as
dierenças lingüísticas observadas no interior da amília e relaciona-
das aos papéis sociais.

Carmo Bernardes, nas suas memórias, nos diz que, com


seus parentes “conversava por trinta, tinha ladineza e entendimen-
to”. É, sem dúvida, no domínio do lar e da amília onde nos sentimos
mais à vontade para conversar. Por isso, o menino em sua casa era
tão tagarela. Não se sentia constrangido. Podemos dizer que, nessas
circunstâncias, a pressão comunicativa sobre ele era mínima. Já na
escola...
Você pode observar que a transição do domínio do lar
para o domínio da escola é também uma transição entre uma cul-
tura predominantemente oral e uma cultura permeada pela escrita,
que vamos chamar de cultura de letramento. O menino Carmo Ber-
nardes, ao entrar na escola, já estava alabetizado, mas não tinha a-
miliaridade com a cultura de letramento. Sendo um menino criado
em zona rural, restrito ao âmbito da amília, não entendia ‘nadinha
do que vinha nos livros e do que o Mestre Frederico alava’. Como
um mestre
to na à modaPor
linguagem. antiga, nosso
exemplo emcolega
vez deFrederico caprichava
alar ‘levantar’, alavamui-
‘er-
guer’. Sua ormalidade, associada ao seu rigor, contribuiu para criar
no menino um grande temor e insegurança lingüística. Temia não
estar alando ou se comportando à altura dos padrões ditados pelo
mestre. Por isso se calava. Você, que também é proessor, já perce-
beu que as condições descritas por Carmo Bernardes são as que
contribuem para criar nos educandos a insegurança lingüística. Vol-
taremos a alar disso em muitos outros pontos de nossos ascículos
de Educação e Língua Materna.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 14/85
14 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Refita

Vimos que o mestre Frederico era muito ormal na sua


linguagem em sala de aula. Provavelmente era também ormal
nos outros domínios sociais. Hoje em dia, encontramos poucas
pessoas que mantêm grande ormalidade em suas interações. Mas
cabe aqui tomarmos um pouco de nosso tempo para refetirmos
sobre a seguinte
um estilo cuidadoquestão:
e ormalOs
emproessores devem
sala de aula? manter sempre
Ao contrário do do-
mínio do lar, onde predominam a aetividade e a espontaneidade,
o domínio da escola deve ser sempre marcado pela ormalidade e
rigor no uso da ala?

Na sala de aula, como em qualquer outro domínio so-


cial, encontramos grande variação no uso da língua, mesmo na lin-
guagem da proessora que, por exercer um papel social de ascen-
dência sobre seus alunos, está submetida a regras mais rigorosas no
seu comportamento verbal e não-verbal. O que estamos querendo
dizer é que, em todos os domínios sociais, há regras que determi-
nam as ações que ali são realizadas. Essas regras podem estar do-
cumentadas e registradas, como nos casos de um tribunal do júri
ou de um culto religioso ou podem ser apenas parte da tradição
cultural não-documentada. Em um ou outro caso, porém, sempre
haverá variação de lingüística nos domínios sociais. O grau dessa
variação será maior em alguns domínios do que em outros. Por
exemplo, no domínio do lar ou das atividades de lazer, observamos
mais variação lingüística do que na escola ou na igreja. Mas em to-
dos esses casos há variação porque a variação é inerente à própria
comunidade lingüística. Vamos nos deter na variação que se obser-
va na escola. Para começar, há as dierenças relacionadas aos papéis
sociais: proessores, diretores, coordenadores, etc., desempenham
unção de autoridade que lhes conere direitos especiais e também
obrigações, entre elas a de usar uma linguagem mais cuidada – que
podemos chamar também de monitorada – que a dos alunos. Há
também as dierenças relacionadas aos eventos que têm lugar na
escola: eventos de sala de aula são mais ormais que eventos que
ocorrem na cantina ou no recreio. Mas, mesmo em sala de aula, há
eventos que são conduzidos com mais ormalidade e mais monito-
ração lingüística que outros.
Em pesquisas conduzidas em escolas no Estado de
Goiás e no Distrito Federal, observamos que os proessores monito-
ravam muito sua linguagem quando conduziam eventos que eram
mediados pela língua escrita, mas eram muito espontâneos em
eventos de estrita oralidade. Chamamos os primeiros de eventos
de letramento e registramos entre eles a aula de leitura, o ditado, a
ala simultânea à escrita no quadro negro, entre outros. Já os even-
tos de estrita oralidade são intervenções curtas do proessor para

manter a disciplina
dependência ou passar
contextual, inormações
do tipo: “Abram oque têm
livro naum alto grau
página de
tal”. São
também eventos de oralidade brincadeiras que o proessor az com
o objetivo de criar uma atmosera de maior envolvimento e aetivi-
dade. Estudando rigorosamente essas interações em sala de aula,
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 15/85
15 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

pudemos constatar uma ampla gama de variação lingüística. Nos


eventos de letramento, constatamos um alto grau de monitoração
na linguagem do proessor; já nos eventos de oralidade, os proes-
sores se monitoravam menos e eram mais coloquiais. Essa orma in-
tuitiva de administrar a variação em sala de aula é salutar porque dá
ao aluno a oportunidade de interagir com um grau maior ou menor
de monitoração estilística. Voltaremos a essa questão brevemente.

Refita

Propomos a você que refita sobre o seu discurso em


sala de aula para vericar como esse discurso varia em relação à
ormalidade. Em que momentos você se percebe monitorando seu
estilo? Em que momentos Você se sente mais livre para alar com
seus alunos?

Atividade
Convide um (a) colega para assistir à sua aula. Peça a
ele/ela para observar e anotar os momentos em que você varia seu
grau de monitoração estilística. Veja um exemplo recolhido em uma
4ª série do Ensino Fundamental em uma escola no DF, pela pesqui-
sadora Vera Aparecida de Lucas Freitas: (P – indica proessora ; A
– indica aluno; + – indica pausa; xxx – indica trecho incompreensível
na gravação).

P – Pera aí. Só vai alar quem levantar o dedo + quem


tivé educação + vamu lá!
A – Comer rutas + comer bem...
P –...rutas + comer bem + bem + bastante rutas + só
rutas?
– Nãão! Bastante verduras...
P – Espera aí. + Ã?
A – ruta + verdura + (xxx) e bastante água.
P – ...tomá água + e aí? Então comer ruta e água + tá
bem alimentado?
AA
A –.–..tem
Nãão!
que comê arroz + eijão.
P – Pera aí. Ã?
A – Cereais + cereais.
P – Verduras + cereais _ que mais?

Observe que, quando a proessora está mais envolvida


com o conteúdo que está trabalhando, sua linguagem apresenta-
se mais monitorada. Quando intervém para organizar os turnos de
ala, como no primeiro enunciado, sua ala é mais espontânea, com
menos monitoração. Variações estilísticas como essas ocorrem em
qualquer sala de aula e você vai se surpreender quando analisar,
com seu colega, o seu próprio discurso e vericar que você varia o
grau de monitoração de sua ala como um recurso espontâneo para
obter um melhor relacionamento com seus alunos..

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 16/85
16 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Veja agora um segundo exemplo, recolhido por nós em


uma escola rural multisseriada em Nerópolis, GO.

O proessor está conduzindo um exercício de interpre-


tação de texto da segunda série:

(P. vai
alunos copiam emaosilêncio;
quadro retoma
e começa a escrever
a palavra o exercício.
quando concluiOsa
escrita.)

P. Quem sabe azê aqui agora? Pest’enção aqui, ó. De-


pois cês copia aí, tá? Tá escrito aqui. (lendo do quadro) Responda.
Com quem se parecia o ? (pára de ler) Como é o nome da leitura lá?
Pega a leitura lá que cê sabe. Pega lá no livro, tá? É o quê? O palhaci-
nho. Como é o nome da leitura lá? Diga aí.

A. O palhacinho.
20 Chamamos hipercorreção ou ultra-
P. O palhacinho, né? Vamu trabalhá exatamente. O tra- correção o enômeno que decorre de
balho é a leitura lá. Nós vamu vê se nóis entendemos o não o que tá uma hipótese errada que o alante reali-
escrito lá. Então vamu, tá? Tá escrito aqui, ó. (Lendo) Com que se pa- za num esorço para ajustar-se à norma
culta. Ao tentar ajustar-se à norma, aca-
recia o palhacinho? (Pára de ler.) Cê vai voltá lá naquela leitura lá. Vai ba por cometer um erro. Por exemplo:
olhá. O palhacinho se parecia com um negócio lá. Com quê? Com pronunciar ‘previlégio’, imaginando que
um boneco. Então cê vai dizê. Parecia com um boneco, né? (Lendo) ‘privilégio’ é errado; pronunciar ‘bandei-
Por que todos gostavam dele? (pára de ler) tá? Por que todos gos-  ja’ achando que ‘bandeja’ é errado. Pro-
tavam dele? Depois (lendo) Qual era a maior elicidade do palha- nunciar ‘telha de aranha’ achando que
‘teia de aranha’ é errado. No exemplo
cinho? Como costumavam chamá-lo ? (Pára de ler) Tá? As crianças de sala de aula, o proessor fexionou o
chamavam ele é (...) de um nome, sei lá. Um apelido lá, né? Qual era verbo ‘haver’ que, no sentido de ‘existir’.
esse apelido dele, tá? (lendo) Um dia o palhacinho chorou. Por que é impessoal. Ao escrever ‘haviam’ em vez
ele chorou? (pára de ler) Tá? Aí cê vai dizê qu’ele chorou por isso, por de ‘havia’, ele estava se ultramonitoran-
do e o resultado oi uma hipercorreção
isso, isso, isso, isso, assim, assim, tá? Isto tá escrito lá no livro. (lendo) decorrente de uma hipótese malsucedi-
Quantas crianças haviam mais o menos no palco? (pára de ler). Ele da.
entrô lá pra azê a brincadeira com as crianças. Quantas crianças ti-
nha mais o menos lá, tá bom? Então cê vai respondê lá, olhanu no
livro e responde, tá?

(O P. volta-se para outros alunos e inicia outra


atividade.) Nesse evento, é fagrante a mudança de estilo que o
proessor realiza quando alterna a leitura e a linguagem oral. Após
a leitura de cada pergunta, redigida no quadro de giz com sintaxe
padrão, onde aparece até mesmo uma ultracorreção (em “haviam”)
20, ele ornece uma parárase, isto é, uma ‘tradução’ usando, então, o

dialeto local. Observe que, ao realizar um evento de letramento, o


proessor usa o pronome átono enclítico: como costumavam cha-
má-lo ? Para em seguida ‘traduzir’ o enunciado em: As crianças cha-
mavam ele é....

Nesta segunda variante temos o emprego do pronome


reto ‘ele’ como objeto direto, regra que é muito comum no nosso
português oral. Geralmente, só empregamos os pronomes oblí-
quos átonos (o,a,os,as) na linguagem escrita e em estilos muito
monitorados.
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 17/85
17 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Percebemos variação em sala de aula não só na lingua-
gem do proessor mas também na linguagem dos alunos, à medida
que eles vão aprendendo a alternar estilo monitorado com estilo
não-monitorado. Veja o exemplo seguinte de variação estilística no
repertório de alunos de 5ª série do Ensino Fundamental. O episódio
oi gravado pela pesquisadora Ilse de Oliveira em uma escola de
Goiânia.
Os alunos estão planejando oralmente o que vão es-
crever em um texto coletivo e os enunciados escritos/lidos se in-
tercalam com os enunciados alados. (Os enunciados lidos estão
assinalados)

A1 [lendo o que escrevera] e ele deixou nós irmos rap/


e ele deixou nós irmos. Rapidamente arrumamos nossas malas e sa-
ímos, e omos.

A2 [lendo] ih: aí cê tá (xxx) e saímos e omos. [alando] é


claro que se nóis saiu nós omos. Não [lendo ] e omos, e omos, rap/
e e ele deixou nós irmos rapidamente arrumamos nossas malas e
omos. [alando] apaga esse ponto aí e põe ‘e omos’.
 
A3[alando] e alamos tchau e omos.
A1[alando] não, e omos, e a história tá grande demais.
A2[lendo] e nós despedimos.
A1[alando] nóis num vai terminá hoje não.
A2[alando] tem que escrevê muito uai, pra gente ga-
nhá nota.

Nesse exemplo, há uma radical mudança estilística


na realização dos turnos que são maniestações próprias da orali-
dade em relação aos turnos que constituem evento de letramento,
nos quais os alunos estão escrevendo e lendo simultaneamente.

Atividade
Queremos propor a você que observe seus alunos em
uma atividade como essa e verique se eles já são capazes de al-
ternar entre um estilo monitorado e um estilo mais espontâneo. Se
você conseguir gravar um episódio como o que a Ilse de Oliveira
registrou, transcreva-o e apresente aos seus alunos. Eles vão achar
muito interessante a orma como usam a língua com competência.
Deixe claro para eles que não existe orma certa ou errada de a-
lar, mas sim ormas adequadas às diversas situações. Esta questão é
muito importante e vai ser mais trabalhada ao longo dos ascículos
de Educação e Língua Materna.

Convidamos você, mais uma vez, a retornar ao texto de


Carmo Bernardes, agora para conversarmos sobre a passagem em
que ele descreve sua experiência com colegas nordestinos que ele

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 18/85
18 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

chamou de “lhos de baiano” O nome não é pejorativo. O termo


“baiano” é usado em muitas comunidades do Centro-Oeste como
um termo genérico para se reerir aos brasileiros provenientes das
regiões Norte e Nordeste.

O menino Carmo Bernardes percebia que seus colegas


nordestinos “conversavam muito dierente do que estava escrito

nos livrossão
crianças e mais dierente
sensíveis aindadierenças
a certas da gente de sua parentalha”
regionais, . Até as
que podemos
chamar também de dierenças dialetais. No Brasil, a variação regio-
nal se maniesta mais na pronúncia de alguns sons, no ritmo, na me-
lodia e em algumas palavras. O lingüísta Antenor Nascentes, depois
de viajar muito pelo Brasil, propôs uma divisão dialetológica em
duas grandes áreas dialetais: a Norte e a Sul, cada uma delas subdi-
vidida em subáreas. Veja o mapa proposto por Antenor Nascentes:

Aqui em Brasília convivemos com brasileiros provenien-


tes de todos os estados e você certamente é capaz de identicar
os sotaques nordestino, gaúcho, mineiro, etc. A principal marca
dos alares nordestinos são as vogais /e/ e /o/ pronunciadas aber-
tas quando vêm na sílaba pretônica. Por exemplo: [é]iz, R[ó]berto,
r[é]dondo, r[é]moto, v[é]rdade, pr[ó]curar. Mas há também outras
marcas nesse sotaque, como o /t/ pronunciado como uma conso-
ante dental diante de /i/. A pronúncia dental do /t/ é a que realiza-
mos nas palavras “tudo”, “todo”, “telha”, “táboa”, etc. No Centro Sul do
país o onema /t/ diante da vogal /i/ não tem pronúncia dental e sim
uma pronúncia palatal, que podemos representar assim: [tch], como
nas palavras “Tiago”,“tijolo”,“Tijuca”e “antigo”. Também no vocabulá-
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 19/85
19 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

rio, vamos encontrar dierenças. Em muitas áreas do Nordeste, as


pessoas dizem “tomar de conta”, enquanto no Centro-Sul se usa
“tomar conta’” No léxico da culinária, há muitas dierenças. A pala-
vra “canjica”, por exemplo, denota alimentos dierentes nas diversas
regiões. A canjica que comemos no Centro-Sul, em alguns pontos
do Nordeste é conhecida como “munguzá”. Também nos cortes de
carne bovina (lé, contralé, patinho, picanha etc) há muita varia-

ção. Você
dialetal nocertamente
léxico. conhece muitos outros exemplos de variação

Pesquise
Procure inormar-se sobre qual o percentual de residen-
tes no AC que nasceram aqui e qual o percentual proveniente de
cada estado brasileiro.

Atividade
1. Com os dados obtidos construa uma tabela para mos-
trar aos seus alunos. Eles também poderão azer um pequeno censo
na escola indicando a origem geográca de todos os alunos, pro-
essores e técnicos administrativos. Se os seus alunos já estudaram
números percentuais, esta é uma boa oportunidade de praticar esta
competência matemática, pois eles deverão apresentar os resulta-
dos do censo em totais e em números percentuais.

2. Com base no mapa proposto por Antenor Nascentes,


convide seus alunos para realizarem juntos a atividade de entrevis-
tar pelo menos cinco pessoas provenientes de cada um dos suba-
lares, pedindo a elas que orneçam uma pequena lista de palavras e
expressões que consideram típicas de sua região. Complemente a
pesquisa, recolhendo exemplares de literatura representativos das
diversas regiões. Com esse material, monte um painel em sala de
aula reunindo os dados dialetais, gravuras, postais, mapas, artesana-
tos típicos reerentes às regiões. Para a inauguração do painel, su-
gerimos que você
provenientes e seusregiões
de outras alunosdo
convidem pessoas
Brasil para da comunidade
trocarem experiências
e passarem mais inormações sobre sua terra natal.

Refita

Sempre ouvimos alar que o português alado em um


estado ou uma região é ‘melhor’ que o de outras regiões. Será que
podemos considerar o dialeto de uma região melhor, mais bonito e
mais recomendável que os dialetos de outras regiões? Será que exis-
te algum estado brasileiro que use melhor a Língua Portuguesa?

Essas crenças sobre a superioridade de um dialeto ou

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 20/85
0 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

alar sobre os demais é um dos mitos que se arraigaram na cultura


brasileira. Todo dialeto ou alar é, antes de tudo, um instrumento
identitário, isto é, um recurso que conere identidade a um grupo
social. Ser nordestino, ser mineiro, ser carioca, etc. é um motivo de
orgulho para quem o é e a orma de alimentar esse orgulho é usar o
linguajar de sua região e praticar seus hábitos culturais. No entanto,
verica-se que alguns alares ou dialetos têm mais prestígio no Bra-

sil como um todo que outros. Por que isso ocorre?


Em toda comunidade de ala onde convivem alantes
de vários dialetos, como é o caso das grandes metrópoles brasilei-
ras, os alantes que são detentores de maior poder e que gozam de
mais prestígio transerem esse prestígio para o dialeto que alam.
Assim, os dialetos alados pelos grupos de maior poder político e
econômico passam a ser vistos como dialetos mais bonitos e até
mais corretos. Mas esses dialetos que ganham prestígio porque são
alados por grupos de maior poder nada têm de intrinsecamente
superior aos demais dialetos. O prestígio que adquirem é mera-
mente resultado de atores políticos e econômicos. O dialeto alado
em uma região pobre pode vir a ser considerado “um dialeto ruim”,
enquanto o dialeto alado em uma região rica e poderosa passa a
ser visto como “um bom dialeto”. Isso acontece em todos os países
entre os quais podemos citar a Espanha, a Itália e a França. Nesse
último país, por exemplo, o dialeto rancês que adquiriu mais pres-
tígio e que hoje tem mesmo o status de língua nacional é o alado
na região de Paris, onde se estabeleceu primeiramente a Corte ran-
cesa e, depois da Revolução Francesa de 1789, a sede da República.
Quando um alar ou dialeto é alçado à condição de língua nacional
em virtude de um processo sócio-histórico, ele adquire maior pres-
tígio em detrimento dos demais. Lembre-se, porém, de que esses
 juízos de valor são ideologicamente motivados e geram preconcei-
tos que devemos combater.

No Brasil, os alares das cidades litorâneas, que oram


sendo criadas ao longo dos séculos XVI e XVII, como Salvador, Rio de
Janeiro, Recie e Olinda, Fortaleza, São Luís, João Pessoa, entre ou-
tras, sempre tiveram mais prestígio que os alares das comunidades
interioranas. Isso se explica porque as cidades brasileiras que estão
voltadas para a nos
de portugueses Europa
doisreceberam um contingente
primeiros séculos muitoe grande
de colonização desen-
volveram alares mais próximos dos alares lusitanos. Observemos
também que, até 1960, a capital do Brasil se situava no litoral, primei-
ro Salvador e depois o Rio de Janeiro. É natural que a cidade sede
do Governo tenha mais poder político e prestígio e esse prestígio,
como vimos, acaba por se transerir ao dialeto da região. No Brasil
de hoje, os alares de maior prestígio são justamente os usados nas
regiões economicamente mais ricas. Estamos vendo, então, que são
atores históricos, políticos e econômicos que conerem o prestígio
a certos dialetos e, conseqüentemente, alimentam rejeição e pre-
conceito em relação a outros. Mas sabemos que esse preconceito é
perverso, não tem undamentos cientícos e tem de ser seriamente
combatido, começando na escola. Conhecemos bons proessores

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 21/85
1 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

provenientes da Região Nordeste e dos estados de Goiás e Mato


Grosso que tiveram problemas para trabalhar em escolas particu-
lares em Brasília com a alegação, por parte dos dirigentes das es-
colas, de que sua ala seria ‘um mau exemplo’ para os alunos. His-
tórias como essas nos deixam indignados, mas precisamos tomar
conhecimento da magnitude e dos eeitos neastos do preconceito
lingüístico para podermos nos municiar de inormações cientícas

eaos
combatê-lo. Lembre-se
preconceitos de que
lingüísticos são avalores
pluralidade cultural eser
que precisam a rejeição
cultiva-
dos a partir da educação inantil e do ensino undamental.
 

Leia
Para entender melhor essa relação entre o prestígio dos
alantes e a construção de preconceito lingüístico, leia Preconceito
Lingüístico, de Marcos Bagno. (São Paulo: Edições Loyola, 1999).

A comunidade de fala brasileira

Continuando nossa refexão sobre nossa língua mater-


na e o desenvolvimento da competência comunicativa dos educan-
dos, convidamos você a ler a historinha O limoeiro de Maurício de
Sousa (Chico Bento, nº 354)

Legendas:

CB: Chico Bento.

L: Limoeiro

P: Pai do Chico Bento.

M: Mãe do Chico Bento.

> este símbolo indica o interlocutor

CB> L: Vixi! Como você cresceu!


Inté parece qui oi onte qui prantei esse limoeiro!
Agora, já ta cheio di gaio! Quase da minha artura!
Como o tempo passa, né?
Uns tempoatrais, ocê era este tamanho!
Fiz um buraquinho i ponhei ocê inda muinha drento!
Protegi os ventos, do sol, das geada...
...i nunca deixei artá água!
Imagina si eu ia deixá ocê passá sede!
Hoje você ta desse tamanhão!
Quero vê o ia im qui ocê tive mais grande qui eu!
Imagina só! Cum uns gaio cumprido cheio i limão i umas
oia bem larga, pra da sombrapra quem tive dibaixo!
Ai, num vô percisá mais mi precupá coce, né, limoeiro?

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 22/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Pruque ai ocê vai ta bem orte!


Vai sabê si protegê do vento, do sor i da geada, sozinho!
I suas raiz vão ta tão cunprida qui ocê vai podê buscá
água por sua conta!
Ocê vai sê dono doce mermo!
Sabe, limoeiro... Tava pensando...
Acho qui ispois, vai sê eu qui vô percisá docê!

Isso
Claro! é...Cum
Quando eu cátão
uns limão mais
bãoveio!
qui ocê tem...
...i a sombra qui ocê dá, pode mi protegê inté dos pingo
di chuva!
Ocê vai azê isso, limoeiro?
Cuidá de mim tamém?
Num importa!
O importante é qui eu prantei ocê!
I é ansim qui eu gosto! Do jeito qui ocê é.
P> M: Muié...tem reparado como nosso o cresceu?

O personagem Chico Bento é uma criação muito eliz


da equipe de Maurício de Sousa, pois permite às crianças com an-
tecedentes urbanos amiliarizarem-se com a cultura rural, conhe-
cendo muitas expressões dessa rica cultura que, hoje em dia, tem
pouco espaço na literatura e nos meios de comunicação. Chico
Bento pode-se transormar em nossas salas de aula em um símbo-
lo do multiculturalismo que ali deve ser cultivado. Suas historinhas
são também ótimo recurso para despertarmos em nossos alunos
a consciência da diversidade sociolingüística. Apesar disso, houve
um momento na década de 80 em que o Conselho Nacional de Cul-
tura queria proibir a publicação na revista, alegando que ela ser-
via de mau exemplo às crianças brasileiras, que passariam a alar
“errado” como Chico Bento. Felizmente, o bom senso prevaleceu e
Chico Bento continuou sua trajetória, encantando as gerações que
se seguiram.

Refita

Essa posição do Conselho Nacional de Cultura refe-


te preconceitos arraigados contra as maniestações culturais dos
segmentos da população brasileira que são portadores de uma
cultura predominantemente oral e têm pouco acesso à cultura de
letramento escolar. Refita sobre essa postura, juntamente com seus
colegas e alunos.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 23/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Escreva um ‘editorial’ para o jornal (ou jornal mural) de
sua escola com o seguinte título: “Por que o personagem21 Chico
Bento é bem-vindo em nossa escola?” Peça aos seus alunos que
também escrevam ao Chico Bento para dizer a ele por que gostam
(ou não gostam) dele. As cartas poderão ser enviadas para a Editora
Maurício deou
de Janeiro, Sousa/Editora
pela internetGlobo,
para aRua Teodoro
página da Silva nº 907 – Rio
http://editoraglobo.com.
br

Atividade
Nos balões da historinha do Chico Bento, você encontra
palavras e expressões que são características dos alares rurais. Faça,
 junto com seus alunos, uma lista dessas palavras, colocando ao lado
a variante que você usa para escrever ou para compor seus estilos
monitorados na língua oral. Faça assim:

Em nosso trabalho de Educação e Língua Materna, te-


mos alado muito em variação lingüística, em variedades e dialetos,
em estilos e monitoração estilística, e também temos visto muitos
exemplos. Chegou a hora de sistematizarmos um pouco essas in-
ormações. Já vimos que, em toda comunidade de ala, há sempre
variação lingüística. Isso quer dizer que qualquer comunidade, seja
pequena como um distrito semi-rural pertencente a um município,
ou grande, como uma capital, um estado ou um país, apresentará
sempre variação lingüística, que decorre de vários atores como:

Grupos etários

Já vimos que, no interior da amília, há dierenças so-


ciolingüísticas intergeracionais: os avós alam dierente dos lhos e
dos netos, etc. O mesmo ocorre na sociedade como um todo.

Gênero

Também sabemos que homens e mulheres alam de


maneiras distintas. As mulheres costumam usar mais diminutivos,
mais partículas como “né?”, “tá?”, “tá bom?”, que são chamadas de
marcadores conversacionais e que cumprem várias unções na con-
versa. No caso dos marcadores que são mais usados pelas mulheres,
eles têm principalmente a unção de obter aquiescência e concor-
dância do interlocutor. A linguagem dos homens, por outro lado, é
mais marcada pelos chamados palavrões e gírias mais chulas. Mas

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 24/85
4 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

não se esqueça de que essas variações entre os repertórios emini-


no e masculino são relacionadas aos papéis sociais que, conorme já
aprendemos, são culturalmente condicionados.

Status socioeconômico

As dierenças de status socioeconômico representam


desigualdades na distribuição de bens materiais e de bens culturais,
o que se refete em dierenças sociolingüísticas. Este ator é muito
relevante, considerando que, em nosso país, a distribuição de renda
é excessivamente desigual.

Grau de escolarização

Os anos de escolarização de um indivíduo e a qualidade


das escolas que reqüentou também têm infuência em seu reper-
tório sociolingüístico. Observe que esses atores, na sociedade bra-
sileira, estão intimamente ligados ao status socioeconômico.

Mercado de trabalho

As atividades prossionais que um indivíduo desempe-


nha também são um ator condicionador de seu repertório sociolin- 21 Na tradição gramatical do portu-
güístico. Certos prossionais, como os proessores, os jornalistas, os guês a palavra ‘personagem’ é um
advogados, os juízes, etc., precisam ter maior fexibilidade estilística substantivo eminino (a personagem),
e ser capazes de variar sua ala numa gama de estilos, dominando mas o uso da língua a vem consagran-
com segurança os estilos mais monitorados. Em outras prossões do como substantivo masculino. Vá ao

exige-se menos o domínio de estilos monitorados. dicionário


consignadoenesta
verique qual o gênero
palavra.

Rede social

Há um provérbio popular que diz: “Dize-me com quem


andas e eu te direi quem és”. Esse adágio sintetiza um conceito so-
ciológico muito importante: cada um de nós adota comportamen-
tos muito semelhantes ao das pessoas com quem convivemos em
nossa rede social. Por isso, sabemos que a rede social de um indiví-
duo, constituída pelas pessoas com quem esse indivíduo interage
nos diversos domínios sociais, também é um ator determinante
das características de seu repertório sociolingüístico.

Todos esses atores representam os atributos de um a-


lante: sua idade, sexo, seu status socioeconômico, nível de escolari-
zação, etc. Podemos dizer que esses atributos são estruturais, isto é,
azem parte da própria individualidade do alante. Há outros atores
que não são estruturais, mas, sim, uncionais. Resultam da dinâmica
das interações sociais. Podemos, então, dizer que a variação lingüís-
tica depende de atores socioestruturais e de atores sociouncio-
nais. Mas não podemos nos esquecer de que aquilo que a gente é
infuencia aquilo que a gente az. Então, na prática, os atores estru-
turais se inter-relacionam com os atores uncionais na conorma-

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 25/85
5 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

ção dos repertórios sociolingüísticos dos alantes. Além disso, ao es-


tudarmos a variação lingüística, levamos em conta, também, atores
lingüístico-estruturais, tais como o ambiente onológico em que o
segmento que está em variação ocorre, a classe da palavra, a estru-
tura sintática, etc. Em suma, os atores lingüístico-estruturais podem
ser onológicos, morológicos, sintáticos, semânticos, pragmáticos e
até discursivos. Você verá exemplos desses atores ao longo de nos-

sos módulos de Língua Materna e Educação.


Já deu para você ver que o estudo da variação lingüís-
tica é complexo. Sua complexidade equivale à da própria ação hu-
mana, por sua vez, determinada por atores biológicos, psicológicos,
sociológicos e culturais. Na próxima seção vamos estudar a variação
do português do Brasil, valendo-nos de uma metodologia que aci-
lita a nossa compreensão do enômeno da variação.

Analisando o Português do Brasil


As gramáticas mais antigas, ao descrever o Português do
Brasil, propõem distinção entre língua padrão, dialetos, variedades
não-padrão, etc. Nós mesmos já empregamos essa terminologia em
seções anteriores. Mas vamos evitá-las daqui para rente por dois
22 A palavra ortograa é ormada pe- motivos: primeiro porque a terminologia tradicional carrega uma
los radicais gregos orto, que signica orte dose de preconceito, haja vista o uso do advérbio ‘não’ como
correto, padrão e graa, que signica prexo, e segundo porque camos com a impressão de que existem
escrita ronteiras rígidas entre essas entidades, o que não é verdade.

Para entendermos a variação no português do Brasil,


vamos propor a você que imagine três linhas, a que vamos chamar
de contínuos, e que são:

• Contínuo de urbanização
• Contínuo de oralidade-letramento
• Contínuo de monitoração estilística

Tomemos primeiro a linha imaginária “contínuo de ur-


banização” . Em os
estão situados uma das rurais
alares pontasmais
dessa linha nós
isolados; imaginamos
na outra que
ponta estão
os alares urbanos que, ao longo do processo sócio-histórico, oram
sorendo a infuência de codicação lingüística, tais como a deni-
ção do padrão correto de escrita, também chamado ortograa 22, 
do padrão correto de pronúncia, também chamado ortoépia e da
composição de dicionários e gramáticas. Enquanto os alares rurais
cavam muito isolados pelas diculdades geográcas de acesso,
como rios e montanhas, as comunidades urbanas soriam a infu-
ência de agências padronizadoras da língua, como a imprensa, as
obras literárias e, principalmente, a escola. Nas cidades também se
desenvolvia o comércio e, depois, a indústria; ali se instalavam as
repartições públicas civis e militares, as organizações religiosas e
outras instituições sociais que são depositárias e implementadoras
da cultura de letramento. No âmbito dessas instituições são usados

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 26/85
6 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

preerencialmente estilos monitorados da língua tanto na modali-


dade escrita quanto na oral. Conorme já vimos, há domínios sociais
em que predomina uma cultura de oralidade, por exemplo, o do-
mínio do lar e há outros, como o domínio da escola, dos hospitais,
dos escritórios, das repartições públicas, etc., onde predomina uma
cultura de letramento.

acordo comOo contínuo


colocado de
no urbanização pode ser representado de
próximo tópico:
 
Variedades rurais isoladas/área rurbana/variedades urbanas
padronizadas

Em um dos pólos do contínuo, estão as variedades ru-


rais usadas pelas comunidades geogracamente mais isoladas. No
pólo oposto, estão as variedades urbanas que receberam a maior
infuência dos processos de padronização da língua, como vimos.
No espaço entre eles ca uma região rurbana. São grupos rurbanos
os migrantes de origem rural que preservam muito de seus antece-
dentes culturais, principalmente no seu repertório lingüístico e as
comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos semi-
rurais, que estão submetidas à infuência urbana, seja pela mídia,
seja pela absorção de tecnologia agropecuária.

Se tomarmos o contínuo de urbanização como uma


metodologia para análise, podemos situar qualquer alante do por-
tuguês brasileiro em um determinado ponto do contínuo, levando
em conta a região onde ele nasceu e vive. O escritor Carmo Ber-
nardes, por exemplo, que nasceu e passou a inância em zona rural,
estaria situado no pólo rural do contínuo. Porém, como ele viveu e
trabalhou a maior parte de sua vida em área urbana, tornando-se
um literato, que, por denição, é um partícipe da cultura de letra-
mento, sua melhor localização no contínuo será no pólo urbano. Já
o personagem Chico Bento é um representante legítimo das popu-
lações que vivem no pólo rural do contínuo. E você? Em que ponto
do contínuo você se localiza? E seus pais e avós? Estariam eles mais
próximos do pólo rural que você? Muitos de nós, brasileiros residen-
tes em áreas urbanas, temos antepassados de origem rural.

Atividade
Desenhe para seus alunos o contínuo de urbanização.
Peça que eles se situem no contínuo e situem também seus pais.
Discuta com eles o enômeno da migração rural-urbana do século
XX no Brasil. Em seguida, peça a eles que escrevam sua autobio-
graa ocalizando a transição rural-urbana em sua própria amília.
Para isso, será preciso que açam pesquisa junto aos parentes mais
velhos. Ao azer a pesquisa, incentive-os a gravar histórias contadas
por seus pais, tios e avós. Os trabalhos que os alunos mais aprecia-
rem deverão ser divulgados na escola.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 27/85
7 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

No contínuo de urbanização não existem ronteiras rígi-


das que separem os alares rurais, rurbanos ou urbanos. As rontei-
ras são fuidas e há muita sobreposição entre esses tipos de alares.
Por isso, em vez de considerá-los como entidades em nossa análise,
vamos propor a você uma análise mais uncional, que é a seguinte:
quando interagimos com brasileiros nascidos e criados na região
rural ou rurbana do contínuo de urbanização, observamos muitos

usos
rativalingüísticos que são dierentes
de Carmo Bernardes e tambémdos nossos. Vimos
na historinha isso na
do Chico nar-
Bento.
Você mesmo já ez uma lista de palavras e expressões usadas pelo
Chico Bento e que não aparecem com reqüência na sua linguagem.
Dê uma olhada em sua lista. Alguns itens ali são típicos dos alares
situados no pólo rural do contínuo e que vão desaparecendo à me-
dida que nos aproximamos do pólo urbano do contínuo. Dizemos,
então, que esses traços têm uma distribuição descontínua porque
seu uso é “descontinuado” nas áreas urbanas. Há outros traços na
nossa listinha do Chico Bento que estão presentes na ala de todos
os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo de todo o con-
tínuo. Esses traços, ao contrário dos outros, têm uma distribuição
gradual. Vamos chamar os primeiros de traços descontínuos e os
últimos de traços graduais. Observe que os traços descontínuos são
os que recebem a maior carga de preconceito nas comunidades ur-
banas. Para que essas idéias quem mais claras, vamos classicar os
traços que identicamos na historinha do Chico Bento entre traços
descontínuos e traços graduais. Pode ser que você não concorde
totalmente com essa classicação. Não se preocupe com isso. Essa
classicação tem ainda um caráter muito preliminar. Para uma clas-
sicação mais denitiva entre traços descontínuos e graduais no
português alado no Brasil, precisamos conhecer mais as caracte-
rísticas do português que alamos em todo o Brasil. Vamos, então,
passar ao nosso exercício.

um dos itensComentemos,
de nossa lista.agora, a classicação que demos a cada

• ‘inté’ – é uma orma arcaica da preposição ‘até’. Esse


arcaísmo se conservou no pólo rural do contínuo e praticamente
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 28/85
8 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

desapareceu dos alares urbanos, por isso oi considerado traço


descontínuo. Observe que muitas ormas encontradas hoje no pólo
rural do contínuo são arcaísmos que se preservaram e podem ser
encontrados em obras literárias antigas, como Os Lusíadas, poema
épico escrito pelo português Luís Vaz de Camões, para celebrar as
descobertas marítimas de seus patrícios e publicado em 1572.

pre –ero. Os• ditongos


‘limoero’‘ei’– eo‘ai’
suxo –eiro dos
seguidos é pronunciado
onemas /r/,quase
/n/, /j/sem-
ten-
dem a ser reduzidos, tornando-se vogais simples /e/ e /a/. Exem-
plos: cade(i)ra, ca(i)xa, be(i)jo, ribe(i)ra, etc. Todos esses são traços
graduais.

• ‘prantei’ – a troca de /l/ pelo /r/ nos grupos conso-


nânticos, como em bloco/broco, problema/probrema/pobrema é
encontrada em alares rurais e rurbanos e, às vezes, até em alares
urbanos. Preerimos classicar ‘prantei’ como um traço descontínuo,
considerando que esse enômeno é recebido com muita estigmati-
zação e preconceito na cultura urbana.

• ‘artura’ – a troca do /l/ pós vocálico por /r/, é enô-


meno típico dos alares rurais igualmente recebido com muito
preconceito.

• ‘ocê’ – o pronome de tratamento ‘você’ se deriva do


tratamento antigo ‘vossa mercê’, que seguiu o seguinte percurso:
‘vossa mercê’> ‘vosmecê’> ‘você’> ‘(o)cê’. As ormas ‘ocê’e ‘cê’, são
muito usadas em estilos não monitorados por todos os brasileiros
conorme podemos ver na canção de Gilberto Gil, Estrela.
“Há de surgir uma estrela no céu cada vez que ocê sorrir
Há de apagar uma estrela no céu cada vez que ocê chorar”.

Ou na música cantada por Elba Ramalho.


 
“Faz tempo que não te vejo,
Quero matar meu desejo
Te mando um montão de beijo
Ai que saudade de ocê”.

Pesquise
Pesquise, com seus alunos, outras músicas em que apa-
recem as variantes ‘ocê’ ‘cê’ do pronome de tratamento ‘você’. O em-
prego de ‘cê’ e ‘ocê’ é um bom indicador de estilos não-monitorados
e seus alunos poderão usá-lo para identicar o grau de ormalidade
de estilos, tanto nas interações ace a ace quanto na televisão e no
rádio. Bom trabalho!

• ‘ponhei’– o verbo ‘pôr’ é irregular e no pretérito-per-


eito é conjugado assim: pus, puseste, pôs, pusemos, pusestes, pu-
seram. Nos alares rurais, porém, o pretérito-pereito é ormado em

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 29/85
9 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

analogia com os verbos regulares (cantei/casei/alei, etc.) usando-


se, como base, a orma do pretérito impereito (punha, punhas, etc.)
A orma ‘ponhei’ é, pois, uma regularização que segue um processo
de analogia. Observe que ormações analógicas como essa são mui-
to comuns na linguagem de crianças pequenas, que dizem coisas
como : ‘eu descei’, ‘já chegui’etc. Mas a variante ‘ponhei’ é uma orma
estigmatizada nas comunidades urbanas letradas e é, praticamen-

te, restrita
traço ao pólo rural do contínuo. Por isso, a catalogamos como
descontínuo.

• ‘sor’– é variante da palavra sol em que o /l/ pós vocá-


lico é realizado como /r/. É a mesma regra onológica que vimos em
‘artura’. A futuação entre /l/ e /r/ pós-vocálico, é própria das comuni-
dades situadas no pólo rural do contínuo, onde também podemos
ouvir ‘galo’/ garo; ‘calvão’/carvão. Você certamente conhece outros
exemplos de futuação entre esses dois onemas. Faça uma listinha
dos exemplos de que você se lembrar.

• ‘dexei’– nesta orma verbal, o primeiro ditongo /ei/


oi reduzido a /e/, como em ‘limoero’, que já vimos. Observe que em
‘dexei’, o ditongo que está na sílaba átona pretônica oi reduzido,
mas o mesmo ditongo que está na sílaba tônica nal se preservou.
De ato, os segmentos onológicos das sílabas tônicas tendem a ser
mais resistentes a mudanças onológicas. No entanto, ditongo /ou/
reduz-se a /o/ tanto em sílabas átonas não-nais, quanto em sílabas
tônicas não-nais e nais. Veja: ‘outro’> ‘otro’; ‘outono > ‘otono’; ‘en-
trou’ > ‘entrô’. Se compararmos então, o que está acontecendo com
o ditongo /ei/ e com o ditongo /ou/, vamos concluir que a regra de
redução do ditongo /ou/ se aplica a uma gama maior de ambientes
do que a regra de redução do ditongo /ei/. Isso é um indicador para
nós de que a primeira já está mais avançada no processo de evolu-
ção da língua que a segunda.

• ‘tivé’- essa orma verbal ocorreu no seguinte enun-


ciado: ‘quero vê o dia im qui ocê tivé mais grande qui eu’. Há mui-
tos comentários a azer sobre esta ala do Chico Bento, começando
pelo ‘tivé’. Nesse contexto, a orma ‘tivé’ é variante de ‘estiver’, que é
uturo do subjuntivo do verbo ‘estar’, que perdeu a sílaba inicial es- e
o onema
que /r/ nal.
é o uturo A orma ‘tivé’
do subjuntivo dotambém pode
verbo ‘ter’. ser variante
Vamos de ‘tiver’,
ver exemplos de
‘estiver’ e ‘tiver’:

Amanhã, se eu ainda estiver doente, não irei à aula.

Amanhã se eu tiver ebre não irei à aula.

Classicamos ‘tivé’ como um traço gradual porque a


perda – ou aérese – da sílaba inicial es- no verbo ‘estar’ é um tra-
ço generalizado no português do Brasil, especialmente nos estilos
não-monitorados. Igualmente a perda do /r/ nal nos innitivos ver-
bais e nas ormas do uturo do subjuntivo é um traço gradual.

• ‘dibaxo’– nessa variante do advérbio ‘debaixo’ apli-

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 30/85
0 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

caram-se duas regras que já são nossas conhecidas: a redução da


vogal pretônica /e/ > /i/ e do ditongo /ai/ > /a/. Ambas as regras têm
caráter gradual.

• ‘percisá’– nessa palavra, vemos que o onema /r/ al-


terou sua posição no interior da sílaba: /precisar/ > / percisá/. Essa
regra, que é conhecida como metátese, é muito comum nos alares

rurais. Na evolução
no, ocorreram docasos
muitos português arcaico Exemplos:
de metátese. para o português moder-

‘semper’ (latim) > ‘sempre’; ‘desvariar’ > ‘desvairar’.

• ‘dispois’– é uma orma arcaica de ‘depois’ que ainda


se conserva nos alares rurais.

• ‘muié’– nessa variante de ‘mulher’, típica do pólo ru-


ral do contínuo, temos a aplicação de duas regras: a vocalização da
consoante lateral palatal /lh/ e a perda do /r/ nal. A primeira regra
tem caráter descontínuo e pode ser observada em /lho > o/; /
palha > paia/; /trabalha > trabaia/. A perda do /r/ nal é um traço
gradual. Observe que essa perda é mais reqüente nos innitivos
verbais, mas também, ocorre em substantivos como ‘mulher’,‘colher’
ou em adjetivos como ‘maior’, ‘melhor’, etc.

• ‘dos vento’; ‘umas oia’ nesses dois casos temos sin-


tagmas nominais, ou rases nominais, cujo núcleo é um substantivo
( ‘olhas’ e ‘ventos’. Os sintagmas nominais são ormados de um nú-
cleo nominal e de outros elementos chamados determinantes, que
podem ser artigos denidos (o, a, os, as); artigos indenidos ( um,
uma, uns, umas) ou pronomes (demonstrativos, indenidos, posses-
sivos, etc). Podem ocorrer também adjetivos no sintagma nominal.
No português padrão, principalmente na modalidade escrita, os
determinantes e adjetivos concordam em gênero e número com o
núcleo do sintagma.

Assim: ‘Todos aqueles cidadãos corruptos serão proces-


sados’. Veja como o plural nesse exemplo cou marcado de maneira
redundante.

Mas no português oral, nos estilos não-monitorados, há


uma tendência a evitar a redundância, fexionando-se só o primei-
ro elemento do sintagma, como ocorreu nos balõezinhos do Chico
Bento. Esse é um traço gradual, pois aparece no pólo rural do contí-
nuo, mas também nas comunidades rurbanas e urbanas. De ato, é
uma regra muito generalizada em nossa língua, sobre a qual volta-
remos a alar. Por enquanto, vamos desenvolver uma atividade.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 31/85
1 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Faça uma gravação de sua interação em sala de aula.
Peça, também, autorização para gravar um de seus colegas dando
aula. Depois grave uma interação sua em casa, com seus amiliares.
Ouça com atenção as gravações e aça uma lista dos sintagmas no-
minais cujo núcleo é (semanticamente) plural. Verique em quantos
deles houvede
tos a marca fexão
pluraldeoi
todos osapenas
usada elementos fexionáveis
no primeiro e em quan-
elemento.

Vamos treinar esse exercício, usando a linda canção Cui-


telinho da cultura popular, que você pode ouvir na voz de Nara Leão
ou de Milton Nascimento.23

Cheguei na bera do porto


Onde [as onda] se espaia.
[As garça] dá meia volta,
senta na bera da praia.
E o cuitelinho não gosta
23 No livro  A Língua de Eulália , de nos- Que o botão da rosa caia.
so colega Marcos Bagno, publicada Quando eu vim de minha terra,
pela Editora Contexto, você poderá Despedi da parentaia.
ler mais sobre a eliminação de marcas Eu entrei em Mato Grosso,
redundantes de plural e vai encontrar, Dei em [terras paraguaia].
na página 45, comentários sobre a letra Lá tinha revolução,
da canção Cuitelinho . BAGNO, Marcos A
Enrentei [ortes bataia].
Língua de Eulália - Uma novela sociolin-
güistica. São Paulo: Contexto, 1997.
A tua saudade corta
24 O escritor Eduardo Bueno publicou Como o aço de navaia.
a coleção Terra Brasilis em três volumes O coração ca afito,
dedicados ao descobrimento do Brasil Bate uma e outra aia.
e às primeiras décadas de colonização. E [os oio] se enche d’água
Bueno, Eduardo  A Viagem do Descobri- Que até a vista se atrapaia.
mento. Rio de Janeiro: Objetiva,1998.
Colocamos entre colchetes os sintagmas nominais plu-
rais. Em todos eles, aplicou-se a regra dos estilos não-monitorados
do português brasileiro, que marca o plural nos sintagmas nominais
só uma vez.

Como essa é uma regra gradual – que se encontra no re-


pertório de praticamente todos os brasileiros, independentemente
de seus antecedentes geográcos, requer muita de nossa atenção
em sala de aula, porque é preciso que os alunos que usam a varian-
te sem redundância na sua linguagem oral, espontânea, aprendam
a se monitorar para usar a variante com plurais redundantes nos
estilos monitorados e na linguagem escrita.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 32/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Peça a seus alunos que tragam letras de músicas, grava-
ções espontâneas e outros materiais e açam juntos uma pesquisa
dos sintagmas nominais.

Em seguida, peça para que selecionem trechos de


obras literárias
çam ‘uma contemporâneas
caçada’ e artigosplurais
aos sintagmas nominais de jornais e revistas.
e observem comoFa-
em todos se aplica a regra dos plurais redundantes. Veja um peque-
no exemplo, retirado do livro  A Viagem do descobrimento, de Eduar-
do Bueno24.  Onde estão marcados os sintagmas nominais plurais
em que se aplicou a regra da marcação redundante, isto é, todos os
elementos fexionáveis dos sintagmas oram pluralizados para con-
cordarem com o núcleo plural. No texto ocorrem algumas palavras
que não são de uso comum no português contemporâneo. Procure
o signicado delas no dicionário.

Na manhã seguinte, 22 de abril, com o vento ainda soprando de leste, o


vôo rasante [dos ura-buxos] levou [os homens] a repicarem [os sinos]
e se apinharem [nos tombadilhos]. Ao contrário de Colombo, que “não
conhecera o sono” ao longo [dos 36 dias] em que navegara pelo Atlân-
tico disposto a concretizar o sonho impossível de atingir [as Índias]
pelo rumo do poente, não há indícios de que Cabral não tenha dormi-
do [noites impávidas] durante [os 43 dias] em que estivera no mar.

Ainda assim, e talvez por isso mesmo, enquanto o alvoroço tomava


conta [dos embarcadiços], Pedr’Álvares, de 32 anos, mais um militar do
que propriamente um navegador, ajoelhou-se em rente à imagem de
Nossa Senhora da Esperança, que ele próprio escolhera como padro-
eira da viagem e mandara entronizar num altar erguido no convés da
capitânia. Era uma oração legítima: [os santos do céu] (e [os deuses do
mar] ) pareciam de ato estar do seu lado. Então, a cerca de 70 quilôme-
tros da costa, [nas horas] de véspera25, mais com alívio e prazer do que
com surpresa ou espanto, o capitão e [seus pilotos], [os marinheiros] e
[os soldados], [os sacerdotes] e [os degredados], acotovelados todos à
mureta das naus, puderam vislumbrar o cume de “um grande monte
mui alto e redondo” erguendo-se no horizonte longínquo. Ao entarde-
cer, depois de avançar cautelosamente por mais 40 quilômetros, a rota
deparou26 com [outras serras, mais baixas], esparramando-se ao sul do
grande monte. Silhuetadas contra o crepúsculo, cercadas por [terras
chãs], elas surgiram vestidas por um arvoredo denso que avançava
quase até o limite
uma estreita [das
aixa de águas claras], [das quais] as separava apenas
areia.

A seis léguas da costa (ou cerca de 36 quilômetros), a armada lançou


âncoras. Elas mergulharam 34 metros no mar esverdeado antes de to-
car o undo arenoso.

Estava descoberto o Brasil. (BUENO, 1998).

Neste texto, como você viu, todos os sintagmas no-


minais plurais seguiram a regra da marcação redundante, isto é, a
marcação de plural em todos os elementos fexionáveis. Não oram
marcados sintagmas cujo núcleo é semanticamente plural, mas em
que não ocorrem outros elementos fexionáveis (ex, ‘seis léguas’),
 já que o nosso objetivo aqui é vericar o processo de marcação re-
dundante do plural nos sintagmas nominais, que nossas gramáticas

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 33/85
 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

chamam de concordância nominal de número.

Voltemos agora ao enunciado de Chico Bento:

‘quero vê o dia im qui ocê tivé mais grande qui eu’.

Observe primeiro que a preposição ‘em’ oi realizada ‘im’;

da
sãomesma orma oátonos
monossílabos pronome relativo
e, nesse ‘que’ oi realizado
ambiente, ‘qui’
a vogal /e/ Ambos
é pronun-
ciada /i/ e a vogal /o/ é pronunciada /u/. Veja alguns exemplos:

‘A esta oi em [em > im] Rio Branco’.


‘Fui com [com > cum] meus amigos’.
‘Quem que [que > qui] vai comigo’?

25 ‘Horas de véspera’ era uma das sete Este mesmo enômeno de redução das vogais /e/ e /o/
partes em que se dividiam as horas ca- em monossílabos átonos é observado em sílabas pretônicas e em
nônicas. Equivaliam ao período entre sílabas átonas nais. Vamos voltar brevemente a esse assunto. Por
15 horas e o pôr-do-sol. enquanto, basta observarmos que a redução27 das vogais médias
26 Observe que o verbo ‘deparar’ não  /e/ e /o/ em sílabas átonas é um traço característico da pronúncia
oi usado como pronominal. De ato, a do português do Brasil presente no repertório da qualquer comuni-
regência mais recomendada desse ver- dade de ala, sejam rurais, rurbanas ou urbanas.
bo é sem pronome.. Exemplo: ‘Eu depa-
rei com um vulto na esquina’. Ou então: Ainda em relação à ala do Chico Bento que estamos co-
‘Um vulto se me deparou na esquina’.
A construção ‘Eu me deparei com um mentando, você certamente observou que ele usou ‘mais grande’
vulto na esquina’ é uma hipercorreção, em vez de ‘maior’. A orma comparativa ‘mais grande’ é mais empre-
que está se generalizando no Portu- gada nas comunidades situadas no pólo rural do contínuo. No pólo
guês contemporâneo. Conra isso em urbano, em estilos monitorados usa-se mais a variante ‘maior’.
um dicionário de Verbos e Regimes..
27 Dizemos que a mudança do /e/ em Até agora discutimos o contínuo de urbanização, e vi-
 /i/ e do /o/ em /u/ é uma redução por- mos como podemos situar qualquer alante do português do Brasil
que, como você já viu, as vogais /e/ e nesse contínuo. Aprendemos também que as regras onológicas
 /o/ são médias e as vogais /i/ e /u/ são que marcam o português no Brasil podem ser classicadas como
altas. As vogais altas são pronunciadas descontínuas ou graduais. Vamos passar agora para os dois outros
com a boca mais echada, o que resulta
em menor energia acústica. Por isso, a contínuos: o de oralidade – letramento e o de monitoração estilística
passagem de /i/ para /e/ e de /o/ para para, depois, usarmos todos os três em nossa análise e discussão.
  /u/ representa uma redução. Volta-
remos a alar sobre isso porque essa Você já percebeu que, em nossa linha imaginária que
regra tem muitas conseqüências na
alabetização e na escrita dos alunos chamamos de de
contínuo de urbanização, os domínios
em geral e é muito produtiva em nos- mina a cultura letramento estão situados na ponta onde predo-
da urbaniza-
so Português. ção enquanto na outra ponta só vamos encontrar domínios onde
predomina a cultura de oralidade. Usamos o contínuo de urbaniza-
ção para situar os alantes de acordo com seus antecedentes e seus
atributos. Vamos agora usar outra linha imaginária, outro contínuo,
ao longo do qual vamos dispor os eventos de comunicação, conor-
me sejam eles eventos mediados pela língua escrita, que chama-
remos de eventos de letramento, ou eventos de oralidade, em que
não há infuência direta da língua escrita. O nosso contínuo pode
ser imaginado assim:

Eventos de oralidade – Eventos de letramento

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 34/85
4 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Como no caso do outro contínuo, não existem rontei-


ras bem marcadas entre os eventos de oralidade e letramento. As
ronteiras são fuidas e há muitas sobreposições. Um evento de le-
tramento, como uma aula, pode ser permeado de minieventos de
oralidade. Para azermos a distinção entre eventos de letramento e
oralidade, vamos nos lembrar de que nos primeiros, os interagentes
se apóiam em um texto escrito, que unciona como uma pauta de

uma partituraou
da interação musical. Esse
pode ter texto
sido pode estar
estudado presente
ou lido no ambiente
previamente. Num
oício religioso, por exemplo, o padre, rabino ou pastor, ao proerir
seu sermão, está realizando um evento de letramento, seja porque
ele tem diante de si o roteiro escrito de sua ala, seja porque ele
preparou previamente esse roteiro escrito, no qual introduziu pas-
sagens bíblicas. Uma conversa à mesa de bar é um evento de orali-
dade, mas, se um dos participantes começa a declamar um poema
que ele recolheu em suas leituras, o evento passa a ter infuências
de letramento.

O terceiro contínuo que propomos para acilitar nossa


análise do português brasileiro é o de “monitoração e estilística”.
Nesse contínuo, vamos desde as interações totalmente espontâne-
as até aquelas que são previamente planejadas e que exigem muita
atenção do alante. Ao longo de nossas discussões de Educação e
Língua Materna, temos mostrado que os alantes alternam estilos
monitorados, que exigem muita atenção e planejamento e estilos
não-monitorados, realizados com um mínimo de atenção à orma
da língua. Nós nos engajamos em estilos monitorados quando a
situação assim o exige, seja porque nosso interlocutor é poderoso
ou tem ascendência sobre nós, seja porque precisamos causar uma
boa impressão ou seja ainda porque o assunto requer um trata-
mento muito cerimonioso. De modo geral, os atores que nos levam
a monitorar o estilo são: o ambiente, o interlocutor e o tópico da
conversa. Observe que, com um mesmo interlocutor, o estilo poderá
tornar-se mais ou menos monitorado em unção do alinhamento
que assumimos em relação ao tópico e ao próprio interlocutor. Para
passar de uma “conversa séria” e uma “brincadeira”, podemos mudar
nosso estilo. Quando vamos mudar de estilo passamos metamensa-
gens ou pistas, que podem ser verbais ou não-verbais e que trans-
mitem inormações
sério”, “estou docom
ralhando tipo:você”
“isto. éAuma brincadeira”
variação , “estou
ao longo alando
do contínuo
de monitoração estilística tem, portanto, uma unção muito impor-
tante de situar a interação dentro de uma moldura. As molduras
servem para orientar os interagentes sobre a natureza da interação.:
Se é uma “brincadeira”, uma “declaração de amor”, uma “queixa”, uma
‘”admoestação”, um ”xingamento”, uma “explicação”, uma ‘”crítica”, um
“pedido de ajuda”, etc.

Agora que já sabemos bastante sobre os contínuos ima-


ginários de urbanização, de oralidade/letramento e de monitoração
estilística, que nos ajudam a entender melhor as características do
português usado no Brasil, vamos examinar trechos de ala obtidos
em diversos tipos de interação, isto é, interações com diversas mol-
duras, e que oram recolhidos em várias regiões do Brasil.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 35/85
5 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

A primeira ala oi produzida por um carpinteiro, com


pouca escolarização, residente na cidade de Brazlândia, no DF, e
proveniente de área rural de Minas Gerais. Quando a entrevista oi
eita, em 1980, ele tinha 54 anos e já residia no DF há 24 anos.

Quanto ao contínuo de urbanização, esse senhor pode

ser situadorurais,
cedentes na região
mas rurbana do em
radicou-se contínuo, uma vez
área urbana que tem
a partir dosante-
trin-
ta anos. Observe na ala dele os traços descontínuos e os traços
graduais.
Quanto ao contínuo de oralidade/letramento, situamos
o evento no pólo da oralidade, porque a interação não oi mediada
pela língua escrita. Quanto ao contínuo de monitoração estilística,
observamos que o alante estava se monitorando porque alava
com uma pessoa estranha e sua ala estava sendo gravada.

1 - De uns tempo pra cá, ninguém qué roça mais. Num


certo ponto eu dô razão, eu mesmo ui um desses que saí da roça
por causa disso, né? Que eu não tinha terreno de meu, morava de-
pendente de oto, de azendero. Fazenderos não dão cuié de chá
mesmo, né? Tem que plantá, planta, tem que parti à meia, ota hora
à terça, né?”28
28 Os dois primeiros episódios oram O segundo episódio tem as mesmas características do
coletados no livro: BORTONI-RICARDO;
Stella Maris, The urbanization o rural  primeiro, em relação aos três contínuos. A alante é uma dona-de-
dialect speakers - a sociolinguistic study  casa de 59 anos, mineira, de origem rural e de pouca escolarização,
in Brazil , Cambridge University Press, residente na cidade de Brazlândia desde os 37 anos de idade.
1985.
2 - O qu’eu tô comprendenu de poco tempo pra cá é
negoçu de reporti. Qu’eu cumpanho nutiça, reporti de rádio e tele-
visão, que agora qu’eu tô aprendenu, nunca tinha usado nem tele-
visão, que a gente morava na roça, e mesmo aqui né, mesmo aqui,
é de pocos tempo pra cá que os menino deu conta de comprá um
rádio.”

Examinando os dois trechos, vericamos que no re-


pertório de ambos os inormantes ocorrem traços descontínuos,
próprios da variedade
lateral palatal rural,
/lh/ (“cuié”), ou como, pordo
a redução exemplo,
ditongoacrescente
vocalização da
átono
nal /ia/ (“nutiça”). Se os comparamos, porém, ca evidente que o
inormante do sexo masculino está situado no continuum rural-ur-
bano mais próximo do pólo urbano que a inormante do sexo emi-
nino. Ambos têm a mesma aixa etária, são nascidos e criados em
zona rural na mesma região de Minas Gerais. O carpinteiro havia mi-
grado para a perieria de Brasília aos 30 anos de idade e, por ocasião
da pesquisa, já residia em área urbana há 24 anos. A dona de casa
veio para o Distrito Federal com 37 anos e já vivia em área urbana há
22 anos quando oi entrevistada. A história social de ambos é, pois,
muito semelhante. A dierença em suas posições no continuum ru-
ral-urbano se explica em unção das características de suas redes de
relações sociais. No caso do carpinteiro, sua rede é mais heterogê-
nea e aberta. Já a dona de casa, assim como a maioria das mulheres

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 36/85
6 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

casadas daquela comunidade, mantém-se muito isolada em uma


rede echada, restrita aos amiliares e à vizinhança. A dierença na
estrutura das redes sociais explica porque o repertório da dona-de
casa se alterou pouco depois de sua migração para uma região me-
tropolitana. Como o carpinteiro está exposto a relações mais hete-
rogêneas e variadas, adquiriu novos hábitos lingüísticos depois de
sua mudança para o Distrito Federal. Você pôde constatar nesses

dois
te, osexemplos que oque
papéis sociais gênero (sexo do
os alantes alante)em
assumem e, conseqüentemen-
unção do gênero
e de suas redes sociais têm infuência em seus hábitos lingüísticos.

Os três episódios seguintes oram gravados em um


bairro proletário de Teresina, capital do Piauí, estado do Nordeste
brasileiro que apresenta a menor renda  per capita do país29 Nos
dois primeiros episódios, temos trechos de uma reunião da asso-
ciação de moradores do bairro. Os antecedentes dos interagentes
são ‘rurbanos’. Como você já sabe, estamos denominando rurbanas’,
valendo-nos de terminologia da antropologia social, as comunida-
des urbanas de perieria, onde há orte infuência rural na cultura e
na língua.

Os eventos são de oralidade, porque não sorem infu-


ência de um texto escrito. O estilo é monitorado nos momentos em
que o/a alante primário/a, ou seja, aquele que é detentor da pala- 29 Os dados oram coletados pela Pro-
essora Maria da Glória Soares Barbosa
vra, se dirige a todo o grupo ou quando um membro do grupo se Lima, para sua dissertação de mestra-
dirige, em voz alta, ao coordenador da reunião. O estilo é não-moni- do, deendida na UFPI e posteriormen-
torado quando os membros do grupo azem comentários paralelos, te publicada (LIMA, Maria da Glória S.
em voz baixa e entre si. B., Os usos cotidianos de escrita e as im-
 pTeresina: EDUFPI, 1996.: uma etnograa,
licações educacionais
3 – Presidente: Bem gente, tratano da distribuição das
ossa, primeiro que quero avisar que nóis recebemos só cinqüenta
ossa, mais vamo recebê mais. Antão, nóis tamo propono dois crite-
ro pa distribuição: o primero é que só vai recebê aquelas pessoa que
tá mermo precisando de u’a ossa e segundo é a orde de inscrição
nessa lista que nóis zemo. O que que vocês acha?

Associado (dirigindo-se ao Presidente): Eu só num acho


 justo porque eu só sube da lista há poquin’ os dia.

Associada (dirigindo-se a uma amiga): Eu num disse


muié qu’eu ia sobrá?”

Presidente: Pra vocês tê toda inormação é preciso par-


ticipá das reunião... É muito bom a gente só recramá.

4 – Vice-Presidente: Mi’a gente, sabe porque isso acon-


tece, é porque vocês do Parque Alvorada num sabe se mexê. Só vem
aqui na reunião condo ouve alá que tem argu’a coisa pa ser doada.
Assim num dá. Vocês só sabe criticá nóis, mais na hora de ir atrás dos
biniçu, ninguém apareceu.... Eu nunca vi gente tão incomodada
cuma o povo daqui... só qué vem a nóis.

Associado 1 (dirigindo-se ao Vice-Presidente): No meu

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 37/85
7 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

entendimento a diretoria é pa azê isso mesmo... O negoçu é qu ‘es-


ses home nem lembra de nóis, só na inleição....

Associado 2 (dirigindo-se ao Vice-Presidente ): É, Só lem-


bum de nóis na hora do voto.

Presidente: As coisa num se arranja açu assim não. Ou a

gente se une, trabaia e luta junto.... “


Tanto na linguagem dos líderes da comunidade — pre-
sidente e vice-presidente — como na dos demais membros da as-
sociação, observam-se traços descontínuos (‘critero; ‘negoçu’; ‘bi-
niçu’ ‘açu’, etc.), próprios dos alares que se posicionam no pólo
rural do contínuo de urbanização. Observam-se também traços
regionais, como a vocalização da nasal palatal /ñ/ [ ‘minha’> mi’a’]
[‘poquinhos’> ‘poqui’os’].

Ambos os líderes estão monitorando o seu estilo, uma


vez que estão desempenhando um papel social que pressupõe um
uso mais cerimonioso da língua. Seu estilo monitorado é marcado
por diversas pistas: voz alta, postura corporal, léxico próprio de dis-
cursos, etc.

É preciso observarmos, a esta altura, que os alantes que


se posicionam no continuum rural-urbano próximos ao pólo rural,
não dispõem de recursos comunicativos usados na viabilização de
estilos monitorados na variedade urbana letrada. No entanto, tam-
bém variam seus estilos. Quando a situação requer, usam estilos
monitorados. Observe que os estilos monitorados de um alante de
antecedentes rurbanos ou rurais são dierentes de estilos monito-
rados de alantes de antecedentes urbanos. A questão dos recursos
comunicativos que viabilizam a mudança de estilo é muito impor-
tante, principalmente para nós, educadores. Ainda neste ascículo,
voltaremos a refetir sobre isso.

No episódio seguinte, um alante da mesma comunida-


de de Teresina emprega um estilo monitorado adequado ao even-
to, um leilão. Leilões constituem eventos de ala muito especiais
que exigem
exemplo dos leiloeiros
a seguir, habilidades
o leiloeiro situa-se nolingüísticas
pólo urbanoespecícas. No
do contínuo
de urbanização. Quanto ao contínuo de oralidade/letramento, clas-
sicamos o evento como de oralidade. Em relação ao contínuo de
monitoração estilística, já observamos que o estilo empregado pelo
leiloeiro é monitorado.

5. Leiloeiro: Atenção, atenção, meus amigos! Iniciamos


agora o grande leilão de São Francisco, da noitada dos casais e es-
peramos contar com a participação de todos. /.../ Meus amigos, ve-
 jam que beleza! Um pudim! Tá uma maravilha! Quem dá mais? Cin-
co reais? Sete? Sete!? Opa, sete e meio. /.../ Agora um rango assado!
Parece mais um peru, olhem o tamanho !! Que maravilha! Começan-
do com dez mil cruzeiros reais... onze ! Doze mil!... Treze /.../ catorze
mil... Quem dá mais? Haja quem dê mais? Tô batendo e vou bater!!

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 38/85
8 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Eu grito uma! Duas! Duas e meia! E... três! E o nome do reguês. “

Não ocorre neste texto qualquer traço descontínuo. So-


mente um traço gradual, que é a aérese (queda) da sílaba inicial do
verbo “estar”.

No episódio 6, temos a mudança de estilo monitora-

do, para o estilo


antecedente não-monitorado
urbano node
e de alto nível repertório de umAalante
escolarização. mudançade
de estilo dá-se em unção da mudança de moldura, que, conorme
vimos, enquadra o evento, de acordo com uma tipologia cultural-
mente denida (brincadeira, conversa séria, reza, discurso, ‘cantada’,
piada, etc).

O presidente de um colegiado acadêmico universitário


está conduzindo uma reunião com seus pares. No decorrer de uma
exposição, para obter melhor ecácia discursiva, vale-se da narrati-
va de uma ábula. Ao azê-lo, altera seu estilo. Observam-se em seu
estilo não-monitorado algumas regras variáveis de caráter gradual,
que não estão presentes em seu estilo monitorado.30

6. Proessor: /.../ o risco muito grave é de se erir rontal- 30 Os dados oram coletados pela
mente o princípio de Arquimedes (+++) dois corpos (=) ou dois titu- Proessora Cibele Brandão de Oliveira,
lares ou duas pessoas não podem ocupar ah:: (+) ao mesmo tempo da Universidade de Brasília, para sua
(=) o mesmo lugar no espaço (+) ou o mesmo cargo na administra- dissertação de Mestrado Do discurso
ormal para o inormal : um estudo da
ção pública (=) ENTÃO (=) na verdade (+) lógico (+) ninguém tem o variação estilística no meio acadêmi-
dom da da da ubiqüidade (+) não é? e conseqüentemente (+) em co, Universidade de Brasílial, 1997. Os
termos de aposentados isto não se aplica de FORMA NENHUMA (+) símbolos usados nesta transcrição e
mas é como a história do macaco/ (+) até (+) o macaco tava corren- nas
ginais seguintes
e têm asoram copiados
seguintes dos ori-
signicações
do porque até provar-se que ele não era eleante (+) ele tava liqui-
: /../ = trecho não transcrito; (+) = pausa;
dado (+) tavam degolando tudo quanto era eleante na selva (+++) :: = alongamento do som; maiúsculas =
ele começou a correr (+) então agarraram o macaco (+) Macaco (+) ênase (pronúncia mais alta e mais or-
por que que cê tá correnu? (+) rapaz (+) é que tão degolando tudo te).
quanto é eleante (+) (narrativa enunciada em ritmo acelerado) (
risos sobrepostos à ala) não (+) é verdade (+) mas (+) mas (+) (+)
você não é eleante! Você é macaco (+) ah:: (+) então prove isso (+)
(risos) cê tá louco! /.../ “

Nos dois episódios


de dois pré-adolescentes. nais, vamos
O primeiro comparar
é um menino de arua.
linguagem
Embora
viva sicamente na cidade, não está inserido na cultura urbana. Sua
rede de relações sociais é constituída de outros meninos de rua, de
marginais e policiais. Eventualmente tem contato com assistentes
sociais. No continuum rural-urbano, localiza-se próximo do pólo ru-
ral e sua linguagem apresenta variáveis descontínuas e graduais. É
analabeto.

O evento é de oralidade. Seu estilo é monitorado, por-


que ele está conversando com uma pesquisadora e está sendo l-
mado, condições que o levam a prestar atenção à sua ala31.

7. Pesquisadora: Você quer contar como os policiais


mataram o Adauto?

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 39/85
9 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Menino: Nóis tava dormino lá na casa, às treis hora da


manhã, aí os PM chegaro, deu um tiro na porta, pegô na perna do
XX aí em seguida ez arrebentô a porta, aí deu oto tiro, pegô na ca-
beça do Adauto, ez viro que tinha acertado o Adauto. Falaro : “vamo
saí ora que certô o menino aqui”... saiu tudo correno os policiais, aí 
desci de cima do armário, corri na porta pa vê se eu via o número

da viatura
parano déze madele,
o coração numzconsegui,
massagevoltei
nele, lá o Adauto
consegui já tava
dexá quaise
ele viveno
mais um poco, oi eu... oi eu e o XX buscá socorro pra ele.

Pesquisadora: E onde vocês oram?


Menino: Nóis omo nu’a casa, lá em rente, aí o home
deu sistença pra nóis.
Pesquisadora: É? Levou o menino pro hospital?
Menino; Levou os dois.
Pesquisadora: Ah, e aí?
Menino: Aí eu ui dormi lá no horto, aí no oto dia que eu
vim aqui na Catedral e contei pos povo aqui, aí ui no hospital c’a tia,
aí vi o Adauto lá no CTI.”
31 Os dados oram coletados pela O último episódio oi selecionado de dados recolhidos
pesquisadora Maria Avelina de Carva-
lho para sua dissertação de mestrado em uma entrevista sociolingüística em uma escola, com uma aluna
deendida na Universidade Federal de de 11 anos, que chamaremos de Elaine (E)32.
Goiás (CARVALHO, M.A. Tô vivu: histó-
rias dos meninos de rua, Goiânia: CE- A entrevista está discutida detalhadamente na disser-
GRAF/Universidade Federal de Goiás,
tação de Vera Freitas (1996). A entrevistadora participa do evento
1991.
como representante da instituição escola e a aluna como usuária
32 O episódio oi retirado da disserta- da instituição. Ela pertence a uma amília de classe social desavore-
ção de mestrado da proessora Vera cida, lha de mãe iletrada. Freqüenta uma escola pública, localizada
Aparecida Freitas, deendida na UnB, em uma área nobre do Distrito Federal, que atende a uma clientela
em 1996, com o título  A variação esti- de classe social mista. O pai é pedreiro e zelador do lote no qual mo-
lística de alunos de 4ª série em ambiente
de contato dialetal. ram. Sua mãe é dona de casa. A aluna tem dois irmãos, um menino
de oito anos e uma menina de seis, que estudam na mesma escola
de Elaine. Moram em um barraco muito pobre, nos undos de um
lote onde está sendo construída uma casa. Sua mãe não trabalha
ora, embora de vez em quando preste algum tipo de serviço na
vizinhança, para ganhar um dinheiro extra e ajudar no sustento da
amília. (E) dançar
de cantar, é muitoe inteligente e bastante
assistir televisão. desinibida.
Pretende Gostaquando
ser cantora muito
crescer. Na vizinhança ela não tem amigos. Seus relacionamentos
de amizade são todos na escola com o grupo de colegas. Divide seu
tempo entre as atividades escolares, um pouco de lazer em casa com
a amília e desempenhando pequenos aazeres domésticos. Seus
pais são extremamente conservadores e sua educação é muito rígi-
da. Ela não tem permissão para sair de casa, senão em companhia
dos pais ou de um parente mais velho, como por exemplo uma tia. A
amília não está ligada a nenhuma religião, portanto não reqüenta
nenhuma igreja e não az parte de nenhuma comunidade religiosa.
Entretanto, a menina acredita em Deus e o vê “como alguém que
possui muitas qualidades”.

Quanto ao primeiro contínuo, (E) e seus irmãos situam-

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 40/85
40 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

se no pólo urbano; seus pais têm antecedentes rurbanos. Quanto


ao segundo contínuo, identicamos o evento como de letramento,
pois a menina, à medida que alava, olheava livros e cadernos. Fi-
nalmente, quanto ao contínuo de monitoração estilística, seu estilo
é monitorado, pois estava conversando com uma proessora razoa-
velmente desconhecida para ela, e a moldura que deniu o evento
era a de uma entrevista que, segundo a própria entrevistadora, em

alguns momentos quase se caracterizava como uma sabatina.


8. (E) - É a cadeia alimentar + né? O ciclo da vida puque
cada uma vai comendo um animal ou um vegetal pra se alimentá
 /.../
(E) -A - Isso aqui é a vida na água + ala assim + da otos-
síntese + né como é que eles respira + como é que as plantas abri-
ca seu próprio alimento + abricam [corrigindo] o oxigênio para os
peixes respirarem. Aqui a cadeia alimentar/.../

(E) - (passando a olha do livro) Isso aqui nós vamu


aprendê. Isso aqui também. Sim + esse aqui oi como a + o homem
e a água + né? Como o homem + começou + né + a utilizá a água
e como ele tá precisando + como ele precisa da água. Esse aqui é
água vezes progresso. (continua passando as olhas). Agora esse +
as plantas + o sol + né + que já é capítulo onze. Aqui é as camadas
de um terreno + que o solo com a argila + a areia + húmus + ca-
mada de argila. Esse aqui ala sobre o surgimento e a evolução do
solo. No capítulo treze tem o home que + que ele modica o solo +
que ele coloca + assim + coisas + que ele modica o solo. Que ele
provoca erosões às vezes. Os minerais e o homem + né + que a +
ala sobre rochas...

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 41/85
41 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 42/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

2
A variação lingüística
em sala de aula

Objetivos: reetir sobre a variação lingüística no repertório


dos professores e dos alunos de ensino fundamental.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 43/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Nessa seção, vamos conversar um pouco mais sobre o


episódio do ‘relógio azangado’ que Carmo Bernardes nos contou.
O Mestre Frederico teve uma reação típica dos proessores antigos
que acreditavam ser sua obrigação coibir severamente os usos da
língua que se desviassem da norma considerada culta. Até hoje, os
proessores não sabem muito bem como agir diante dos chamados
‘erros de português’. Estamos colocando a expressão erros de por-

tuguês entre
ceituosa. Errosaspas porque a são
de português consideramos inadequada
tão-somente dierençaseentre
precon-
va-
riedades da língua. Com reqüência essas dierenças se apresentam
entre a variedade usada no domínio do lar, onde predomina uma
cultura de oralidade, em relações permeadas pelo aeto e inorma-
lidade, como vimos, e a cultura de letramento, que é cultivada na
escola.

É no momento em que o aluno usa fagrantemente


uma regra não-padrão e o proessor intervém, ornecendo a varian-
te padrão, que os dois dialetos se justapõem em sala de aula. Como
proceder nesses momentos é uma dúvida sempre presente entre
os proessores. Nas últimas duas décadas, os educadores brasileiros,
com destaque especial para os lingüistas, seguindo uma corrente
que nasceu da polêmica entre a postura que considera o ‘erro’ uma
deciência do aluno e a postura que vê os chamados ‘erros’ como
uma simples dierença entre dois dialetos ou variáveis, zeram um
trabalho importante, mostrando que é pedagogicamente incorreto
usar a incidência do erro do educando como uma oportunidade
para humilhá-lo. Ao contrário, uma pedagogia que é culturalmente
sensível aos saberes dos educandos está atenta às dierenças entre
a cultura que eles representam e a da escola e mostra ao proes-
sor como encontrar ormas eetivas de conscientizar os educandos
sobre essas dierenças. Na prática, contudo, esse comportamento é
ainda problemático para os proessores, que cam inseguros sem
saber se devem corrigir ou não, que erros devem corrigir ou até
mesmo se podem alar em erros.

Em pesquisas de sala de aula que conduzimos ou orien-


tamos, identicamos alguns padrões principais na conduta do pro-
essor perante a realização de uma regra lingüística não-padrão pe-
los alunos: • O proessor identica “erros de leitura”, isto é, erros na
decodicação do material que está sendo lido, mas não az distin-
ção entre dierenças dialetais e erros de decodicação na leitura,
tratando-os todos da mesma orma.

• O proessor não percebe uso de regras não-padrão.


Isto se dá por duas razões: ou o proessor não está atento ou o pro-
essor não identica naquela regra uma transgressão porque ele
próprio a tem em seu repertório. A regra é, pois, “invisível” para ele.

• A proessora percebe o uso de regras não-padrão e


preere não intervir para não constranger o aluno.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 44/85
44 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

• O proessor percebe o uso de regras não-padrão,


não intervém, e apresenta, logo em seguida, o modelo da variante
padrão.
O padrão de comportamento da proessora em relação
ao uso de regras não-padrão pelos alunos depende basicamente
do tipo de evento em que estas são utilizadas. Como regra geral,
observamos que quase nunca os proessores intervêm para corrigir

osvimos,
 já alunossão
durante a realização
realizados de eventos
sem exigência de oralidade,
de muita que, como
monitoração.

Vejamos alguns exemplos de intervenção dos proesso-


res, identicando eventos de oralidade e de letramento.

1. A (aluno/a) Hoje é vinte e quatro?


P. (proessor/a) São vinte e cinco

Este é excepcionalmente um caso de intervenção regis-


trada em evento de oralidade.

2. A. (lendo) A onça resolveu atraí-la a sua urna azen-


do corrê notícia de que tinha morrido e deitando-se no chão da ca-
verna ngiu-se de cadáver. Todos ós bichos vinheru olhá a deunta
contentíssamos.
P. Contentíssimos. ó, psi, depois de contentíssi-
mos tem ponto, tá? Todos os animais, né, vinheru olhá a deunta
contentíssimos.

Neste evento de letramento em que o aluno está lendo


um texto onde ocorrem palavras pouco empregadas em eventos
de oralidade, como ‘atrair’ e ‘urna’, o proessor corrige a pronúncia
de “contentíssimos” e a entonação, mas escapa-lhe a realização da
orma verbal “vinheru”, que ele próprio reproduz.

3. A (lendo) Mas qual, se o pai sempre sempre com che-


ro orte de suó, cachaça e cigarro. em casa sempre os mesmo medo,
briga e as tristeza.

O proessor não intervém para corrigir a concordância


nos três
teza’) massintagmas nominaiscorrige
logo em seguida (‘os mesmo medo’, ‘(as)
a acentuação brigas’,
tônica de uma‘as tris-
or-
ma verbal (‘sóre’, exemplo 4) e a má decodicação de uma palavra,
como vemos no exemplo seguinte. Observe-se que a concordância
de número é uma das regras não-padrão mais reqüentemente cor-
rigidas durante eventos de leitura.

4. A (lendo) Conhecia aquele choro. Aquele aquele


modo novo da mãe sóre.
P. Da mãe o quê?
A. Da mãe sóre.
P. sorê, rapaiz.
A (lendo) O pai também não entendeu e virou para o
lho cres crescendo sabê
P. querendo

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 45/85
45 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

A. querendo sabê.

5. P.... azê um esorçozinho e continuar lendo em casa,


tâ bom?
A. Zé, é pra mim lê em casa tamém?
P. É, muitas veze, num é só uma veiz não.

Esse
ter percebido o éuso
umda
evento
regra de oralidade,usada
não-padrão e o proessor parece
pelo aluno (‘é não
pra
mim lê em casa tamém?’)

Em 6, observamos um padrão muito reqüente nos da-


dos. O proessor repete a rase enunciada pelo aluno, ornecendo a
variante da língua padrão. Observe que o evento é de letramento:

6. A. (lendo) Sônia ganhô três quinto de sessenta balas


e Marlene ganhô treis meios de cinqüenta balas.
P. Espera aí. Vai devagar. (Escreve no quadro e ala si-
multaneamente) Treis quintos de sessenta, e o outro?
A. Treis, treis meio de cinqüenta.
P. Isso. Treis meios?
A. De cinqüenta.
P. Tem certeza que é treis meios?
A. É.
P. (escreve no quadro e ala simultaneamente) treis
meios de cinqüenta.

7. P. Cadê a música do senhor Mabel?


A’s (ininteligível)
P. Não, mas é vereador. Ceis tão conundindo.
A. Proessora, proessora, nois sabe a música.
A. O’ nóis sabe a música, vem cá, vem cá.
P. Como que é a música?

Nesse episódio, as crianças cam agitadas e querem


contribuir com uma inormação sobre a propaganda das eleições. O
evento é de oralidade e a concordância verbo-nominal não-padrão
(“nóis sabe”) passa despercebida para a proessora.

O evento seguinte também de oralidade.. A proessora


ornece a variante padrão no caso da vocalização do onema lateral
palatal /lh/, realizado /y/, mas não intervém diante a realização tam-
bém não-padrão em “deusde”.

8 P. Espera um pouquinho Agnaldo. Deixa seus colegas


sentarem por avor. Gente, num escolhe a mesma leitura que o cole-
ga lê não, tá?
A. Eu escuí, mai ei escueiu [xxx]
P. Aí cê escolhe otro, tá?
A. Não, essa aqui eu tô lenu deusde ontem
P. Agnaldo, sem encostá na parede, tá? Bem bonito.

9 P. Que que você entendeu?

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 46/85
46 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

A. É que que [xxx] na foresta [xxx] o amigo dele o ami-


go dele oi na ar... subiu, subiu na arvri e o oto cô, lá, é que o amigo,
se ô amigo mesmo num pode [xxx] azê essas covardia.

Nesse evento, de letramento, em que o aluno está a-


zendo a interpretação da leitura, a proessora preere valorizar o

conteúdo e não
exemplo que intervém
temos na correção
a seguir. Observe da
queorma. O mesmo
o aluno realiza aocorre no
variante
padrão da lateral palatal /lh/ quando está lendo e as variantes pa-
drão e a não-padrão /lh/ e /y/ quando está comentando a leitura.

10 A. (lendo) Chove só quando a água cai no telhado


do meu galinhero escareceu a galinha. Ora que bobagem, disse o
sapo de dento da lagoa. Chove quando a água da lagoa começa a
borbulhar suas gotinhas. Como assim? disse a lebre. Está visto que
chove quando as olhas das árvores começam a deixar cair as gotas
que tem dentu. Nesse momento começou a chover. Viram [xxx] a
galinha. O telhado do meu galinheiro está pingando e isso é chuva
[xxx] não. Não vê que é chu- a chuva é água da da lagoa borbulha-
nu? disse o sapo. Mas como assim assim? tornou a lebre. Não vê que
a água cai das olhas das árvores?

P. Explica pra nós agora o que você leu. Gente, o


pessoal num está prestan’atenção na leitura dos colegas, tá conver-
sanu muito. Prestá mais atenção, tá?

A. Eu li sobre u’a galinha, o sapo e a lebre que eles tava


contanu que muitos muitos meses num tava choveno e eles come-
çaro a discuti. Só chovia quando a água da telha da galinha come-
çasse a pingá. E aí o sapo dizia que só chovia quando começasse a
borbulhá, e a lebre dizia que só chovia quando caísse é água das
olhas da [xxx].

P. Isso, qual deles que tava co’a razão. Qual deles que
tava co’a razão?

P. É todos.
P. Todos?
/.xxx../
P. O que é a chuva pra você?

A. Pra mim é quando cai a chuva das arvi, quando cai


assim da teia da casa lá de cima.

Da perspectiva de uma pedagogia culturalmente sen-


sível aos saberes dos alunos, podemos dizer que, diante da realiza-
ção de uma regra não-padrão pelo aluno, a estratégia da proessora
deve incluir dois componentes: a identicação e a conscientização
da dierença. A identicação ca prejudicada pela alta de atenção
ou pelo desconhecimento que os proessores tenham a respeito
daquela regra. Para muitos proessores, principalmente aqueles que
têm antecedentes regionais e rurais, regras do português próprio

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 47/85
47 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

de uma cultura predominantemente oral são “invisíveis”; o proes-


sor as tem no seu repertório e não as percebe na linguagem do alu-
no, especialmente em eventos de ala mais inormais.

O segundo componente — a conscientização — susci-


ta mais diculdades. É preciso conscientizar o aluno quanto às die-
renças para que ele possa começar a monitorar seu próprio estilo,

mas essa conscientização isto


de ensino/aprendizagem, temé,desem
dar-se seminterrupções
causar prejuízo doinoportu-
processo
nas. Às vezes será preerível adiar uma intervenção para que uma
idéia não se ragmente, ou um raciocínio não se interrompa. Mais
importante ainda é observar o devido respeito às características
culturais e psicológicas do aluno. A escolher entre a não-interven-
ção sistemática e a intervenção desrespeitosa, camos, é claro, com
a primeira alternativa. O trato inadequado ou até desrespeitoso das
dierenças vai provocar a insegurança, como vimos no texto de Car-
mo Bernardes, ou até mesmo, o desinteresse ou a revolta do aluno.

Pesquisas realizadas nos Estados Unidos, onde a tensão


interétnica é muito aguda, têm mostrado que, quando os modos
de alar da criança não são um campo de confito, ela se torna mais
aberta à aquisição de estilos mais monitorados.

Vejamos mais um exemplo de evento de oralidade em


que a regra não-padrão usada pelo aluno passa despercebida ao
proessor. Essa seria uma ocasião que o proessor poderia aproveitar
para conscientizar os alunos quanto às dierenças sociolingüísticas
e ornecer a eles a variante adequada aos estilos monitorados orais
e à língua escrita. Vejamos primeiro como o episódio ocorreu e, em
seguida, imaginemos o proessor valendo-se da oportunidade para
ensinar de orma explícita o estilo monitorado da língua:

P: Reinaldo + por que você num vei ontem?


A: num deu tempo.
P: num deu tempo por quê?
A: tava trabaianu.
 
P: Reinaldo + por que você num vei ontem?
A:
P: num
num deu
deu tempo.
tempo por quê?
A: tava trabaianu.
P: O Reinaldo estava trabalhando ontem e por isso não
veio à.aula. Vejam esta palavrinha ‘trabalhando’. Ela é uma daque-
las palavrinhas que podemos usar de dois jeitos. Quando alamos
com nossos amigos podemos dizer ‘trabaianu’; quando alamos
com pessoas que não conhecemos bem, empregamos a palavrinha
como a escrevemos, assim: ‘trabalhando’. Peguem o seu caderno e
vamos escrever uma rase que começa assim:

‘Ontem eu estava trabalhando...’

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 48/85
48 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Depois de ter lido todos esses exemplos em que se jus-
tapõem na interação de sala de aula regras onológicas e morossin-
táticas de variedades não-padrão da língua e da variedade padrão,
vericando a ação do (a) proessor (a) em cada episódio, convida-
mos você a dar outro desecho ao episódio do “relógio azangado”
do texto deque
proessora Carmo Bernardes.ao
vai perguntar Imagine queque
aluno por você
eleé chegou
o proessor ou
atrasa-
do. Ele lhe responderá que se atrasou porque o relógio de sua casa
está “azangado”. Crie, então, todo esse diálogo, nalizando-o com a
reação/explicação do proessor. Vai aqui uma dica para você. “Azan-
gado” é uma orma verbal (particípio passado) que tem a unção
de adjetivo e é própria dos alares rurais. Distingue-se da varian-
te usada no português urbano em duas dimensões: onológica e
semântica. Quanto ao aspecto onológico, temos a variante com
a prótese de um ‘a’ (azangado) versus a variante sem essa prótese
(zangado).Quanto à dimensão semântica, observe que nos alares
urbanos o verbo ‘zangar’ vem acompanhado de sujeito com o tra-
ço semântico [ + animado], por exemplo, ‘o cachorro está zangado’,
‘meu pai zangou-se comigo’, etc. Nos alares rurais o verbo pode vir
acompanhado de sujeito com o traço [ - animado], por exemplo,
‘o relógio zangou (azangou)’; ‘a erida na perna dele zangou (azan-
gou)’. No primeiro exemplo, o verbo equivale a ‘estragou’; no segun-
do, a ‘piorou’; ‘infamou’, etc. Lembre-se de que, diante de uma situ-
ação como essa, o (a) proessor (a) que é sensível aos antecedentes
sociolingüísticos e culturais dos alunos, empenha-se em duas tare-
as: explicar o enômeno que se apresenta em variação na língua e
demonstrar a situação adequada ao uso de cada uma das variantes
da regra. Agora você já está pronto (a) para compor o seu diálogo
com o nal eliz. Boa sorte!

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 49/85
49 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Competência comunicativa
Ao longo de nossas refexões sobre Educação e Língua
Materna, você encontrou muitas reerências ao conceito de com-
petência. Vamos nos deter um pouco nesse conceito. Primeiro, a-
remos a distinção entre competência lingüística e competência
comunicativa.

No ascículo II, de Língua Materna, você lerá sobre o


trabalho do lingüista suíço Ferdinand de Saussure. Você se lembra
de que Saussure, no início do século XX, propôs uma distinção en-
tre língua e ala. Para ele, língua é um sistema abstrato, partilhado
por uma comunidade de alantes, que ganha realidade concreta na
ala.

Muitos anos depois, em 1964, outro lingüista de grande


renome, Noam Chomsky, que é proessor do Massachussets Insti-
tute o Technology (MIT), nos Estados Unidos, retomou a distinção
entre língua e ala, com pequenas alterações, propondo uma dico-
tomia entre competência e desempenho (ou perormance). Assim
como a língua, a competência tem caráter abstrato, enquanto o de-
sempenho, como a ala, tem caráter concreto.

De acordo com a teoria desenvolvida por Chomsky, co-


nhecida como ‘Gramática Gerativa’, a competência consiste no co-
nhecimento que o alante tem de um conjunto de regras que lhe
permite produzir e compreender um número innito de sentenças,
reconhecendo aquelas que são bem ormadas, de acordo com o
sistema de regras da língua. Cabe aqui uma observação quanto à
expressão ‘bem ormadas’. Todas as sentenças produzidas pelos a-
lantes de uma língua são bem ormadas, independentemente de
serem próprias da chamada língua padrão ou de outras variedades.
A sentença produzida por Chico Bento, na historinha que lemos: ‘Aí 
num vô percisá mais mi percupá cocê, né, limoero?’, que, como vi-
mos, é característica dos alares situados no pólo rural, é uma sen-
tença bem ormada, de acordo com o conceito de competência
chomskyana, porque oi produzida por um alante nativo da língua,
que tem conhecimento das regras básicas da (s) variedade (s) e dos
estilos da língua que compõem o seu repertório. As únicas senten-
ças mal ormadas seriam as produzidas por estrangeiros, ou por
crianças que estão no processo de internalizar as regras do sistema,
ou seja, no processo de desenvolver sua competência lingüística.
Uma sentença como ‘Os homens cheguei eles com amanhã’ não é
bem ormada porque em sua ormação não se respeitaram as re-
gras morossintáticas e semânticas que azem parte da competên-
cia dos alantes da língua.

Vamos ver se entendemos bem isso, antes de irmos em

rente.
sua Todo no
posição alante nativode
contínuo deurbanização
português, independentemente
e independentementede
também do grau de monitoração estilística na produção de uma
tarea comunicativa, produz sentenças bem ormadas, que estão de
acordo com as regras do sistema da língua que esse alante inter-
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 50/85
50 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

nalizou. Essas sentenças podem seguir as regras da chamada língua


padrão ou as regras das variedades rurais ou rurbanas. Em um ou
em outro caso, serão bem ormadas. Não se pode conundir, pois,
o conceito de sentenças bem ormadas, que provém da noção de
competência, com a noção de erro que as nossas gramáticas nor-
mativas deendem. Na ótica prescritiva dos gramáticos normativos,
toda sentença que não siga as regras da chamada língua padrão

são ‘erradas’.do
ral/rurbano Mas você já ésabe
contínuo que a da
dierente linguagem usada
linguagem no no
usada pólopólo
ru-
urbano em estilos monitorados. Contudo, tanto uma quanto outra
se constituem de sentenças bem ormadas. A ala de Chico Ben-
to, por exemplo, é tão bem ormada quanto um texto de Macha-
do de Assis, considerando-se que ambos os alantes – Chico Bento
ou Machado de Assis – internalizaram as regras constitutivas das
sentenças em português e ambos têm português como língua ma-
terna. As dierenças entre o texto de Chico Bento e o de Machado
de Assis decorrem, basicamente, de localizar-se o primeiro no pólo
rural e o segundo, no pólo urbano do contínuo. Além disso, a ala de
Chico Bento caracteriza em evento de oralidade não-monitorado,
enquanto o texto de Machado de Assis é um exemplar de even-
to de letramento que, por denição, requer muito planejamento e
monitoração. Nenhum alante usa mal a sua língua materna. Mas
a orma como a usa vai depender de todos os atores que você já
conhece, especialmente, a variação ao longo dos três contínuos: de
urbanização, de oralidade/letramento e de monitoração estilística.
Na próxima seção, vamos continuar essa refexão, para que não res-
tem dúvidas.

Acabamos de ver o conceito de competência lingüística


que Chomsky opôs ao conceito de desempenho. A primeira é abs-
trata e consiste no conhecimento internalizado que o alante tem
das regras para a ormação de sentenças na língua; o desempenho,
por outro lado, consiste no uso eetivo da língua pelo alante.

Logo que Chomsky propôs essa dicotomia, muitos pes-


quisadores começaram a levá-la em conta em seus estudos e al-
guns deles oereceram críticas e reormulações a ela. A principal re-
ormulação oi proposta pelo sociolingüista norte-americano, Dell
Hymes, em 1966.
competência Para Hymes,
lingüística resideono
maior
atoproblema com
de que esse o conceito
conceito não de

conta das questões da variação da língua, seja essa variação inte-
rindividual - entre pessoas - ou intraindividual - no repertório de
uma mesma pessoa. Hymes então propôs um novo conceito – o de
competência comunicativa, que é bastante amplo para incluir não
só as regras que presidem a ormação das sentenças mas também
as normas sociais e culturais que denem a adequação da ala. Em
outras palavras, a competência comunicativa de um alante lhe per-
mite saber o que alar e como alar com quaisquer interlocutores
em quaisquer circunstâncias. A principal novidade na proposta de
Dell Hymes oi ter incluído a noção de adequação no âmbito da
competência. Quando az uso da língua, o alante não só aplica as
regras para obter sentenças bem ormadas mas, também, az uso
de normas de adequação, que são denidas na sua cultura. São es-

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 51/85
51 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

sas normas que lhe dizem quando e como monitorar seu estilo. Em
situações que exijam mais ormalidade, seja porque está diante de
um interlocutor desconhecido ou que mereça grande consideração,
o alante vai selecionar um estilo mais monitorado; em situações de
descontração, em que seus interlocutores sejam pessoas que ama
e em que cona, o alante vai sentir-se desobrigado de proceder a
uma monitoração vigilante e pode usar estilos mais coloquiais. Em

todos esses processos, tem sempre que se levar em conta o papel


social desempenhado.

Veja, por exemplo, a conversa teleônica entre a gerente


de um banco de investimentos e um cliente. Observe o momento
em que ela identica o cliente como um velho amigo e muda de
papel social e, conseqüentemente, de estilo.

Gerente: Gerência do Banco XXX. Em que eu posso ajudá-lo?


Cliente: Estou interessado em nanciamento para compra de
veículo. Gostaria de saber quais as modalidades de crédito
que o banco oerece.
Gerente: Nós dispomos de várias modalidades. O Senhor é
nosso cliente? Com quem eu estou alando, por avor.?

Cliente: Eu sou o Júlio César Fontoura, também sou uncioná-


rio do banco.

Gerente: Julinho, é você, cara? Aqui é Helena! Cê tá em Brasí-


lia? Pensei que você ainda estivesse na agência de Uberlân-
dia! Passa aqui pra gente conversá com calma. E vamu vê seu
nanciamento
Trata-se de uma jovem universitária, que reqüenta à
noite o curso de Pedagogia e trabalha, durante o dia, em um ban-
co. No seu repertório lingüístico, dispõe de recursos comunicativos
para desempenhar os diversos papéis sociais que lhe cabem: de
bancária, de aluna universitária, de amiga, de mãe, de esposa, etc.
Podemos dizer que desenvolveu bastante sua competência comu-
nicativa e é capaz de adequar sua ala às mais distintas situações.

Além da adequação, outra dimensão importante que


Dell Hymes incluiu no conceito de competência comunicativa é o
de viabilidade. O autor associou a noção de viabilidade a enôme-
nos sensoriais e cognitivos, como a audição, a memória, etc. Nós
preerimos, porém, associar o requisito de viabilidade à noção de re-
cursos comunicativos. Para viabilizar um ato de ala, o alante preci-
sa dispor de recursos comunicativos de diversas naturezas: recursos
gramaticais, de vocabulário, de estratégias retórico-discursivas, etc.
Nos exemplos que você leu, na seção anterior, havia, por exemplo, o
leiloeiro, que dominava estratégias retórico-discursivas para imple-
mentar o seu leilão. Já os líderes comunitários de Teresina, dispu-
nham de estratégias retóricas para alar em público. As pessoas vão
adquirindo recursos comunicativos à medida que vão ampliando
suas experiências na comunidade onde vivem e passam a assumir
dierentes papéis sociais. Mas a escola tem uma unção muito im-
portante no processo de aquisição de recursos comunicativos. As
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 52/85
5 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

crianças, quando chegam à escola, já sabem alar bem sua língua


materna, isto é, sabem compor sentenças bem ormadas e comuni-
car-se nas diversas situações. Mas ainda não têm uma gama muito
ampla de recursos comunicativos que lhes permita realizar tareas
comunicativas complexas ou que exijam muita monitoração. É pa-
pel da escola, portanto, acilitar a ampliação da competência co-
municativa dos alunos, permitindo que se apropriem dos recursos

comunicativos necessáriosnas
rança, suas competências para desempenharem
mais distintas tareasbem, e com segu-
lingüísticas. Eles
vão precisar especialmente de recursos comunicativos bem especí-
cos para azer uso da escrita, em gêneros textuais mais complexos
e para azer uso da língua oral em estilos monitorados.

Vamos ver se entendemos isso bem! Todo alante dispõe


de suciente competência lingüística em sua língua materna para
produzir sentenças bem ormadas e comunicar-se com eciência.
Ao chegar à escola, portanto, todos os alunos já são competentes
em Língua Portuguesa. Temos de levar em conta, porém, que o uso
da língua, assim como quaisquer outras ações do homem como ser
social, é dependente das normas que determinam o que é um com-
portamento socialmente aceitável. À medida que os indivíduos vão
desempenhando ações sociais mais diversicadas e complexas, para
além do domínio da amília e da vizinhança mais próxima, têm de
atender a normas vigentes nos novos domínios de interação social
que passam a reqüentar. Em muitos domínios sociais, comunicam-
se mais usando a escrita do que a ala e também estão submetidos
a exigências de monitoração estilística. Essas exigências decorrem
de normas culturais convencionadas naquele domínio. As chama-
das normas de correção gramatical nada mais são que normas con-
vencionais que presidem a certos tipos de interação por meio da
língua escrita ou da língua oral.

Ao chegar à escola, a criança, o jovem ou o adulto já são


usuários competentes de sua língua materna, mas têm de ampliar
a gama de seus recursos comunicativos para poder atender às con-
venções sociais, que denem o uso lingüístico adequado a cada gê-
nero textual, a cada tarea comunicativa, a cada tipo de interação.
Os usos da língua são práticas sociais e muitas delas são extrema-
mente especializadas, isto é, exigem vocabulário e ormações sintá-
ticas especializadas.

Há usos especializados da língua que constituem práti-


cas sociais de letramento, mas há usos especializados que são prá-
ticas da cultura de oralidade. Um exemplo dessas últimas é de um
carpinteiro (não-alabetizado) explicando a um aprendiz a técnica
de construção de uma cancela de madeira ou de um mata-burro.
Um exemplo de uso especializado da língua que constitui uma prá-
tica social de letramento é de um comandante de um avião expli-
cando o plano de vôo aos passageiros.

A escola é, por excelência, o locus – ou espaço – em que


os educandos vão adquirir, de orma sistemática, recursos comuni-
cativos que lhes permitam desempenhar-se competentemente em

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 53/85
5 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

práticas sociais especializadas.

Quando alamos em recursos comunicativos, é bom re-


cordarmos três parâmetros que estão associados à questão da am-
pliação desses recursos, que são:

• grau de dependência contextual;

• grau de complexidade no tema abordado;

• amiliaridade com a tarea comunicativa;

Toda produção lingüística é dependente do contexto


em que se encontra o alante e, no caso, de interação ace a ace dos
interlocutores, mas o grau de dependência do contexto varia muito.
Quando os interagentes partilham de experiências em comum, a
comunicação entre eles é mais ácil e eles se valem de muitas in-
ormações implícitas. Dizemos que esse discurso tem um alto grau
de contextualização. Veja esse diálogo hipotético entre dois irmãos
que estão brincando com bloquinhos de encaixe do tipo “Lego”, ten-
tando ormar peças como casinha, barquinho, castelo, etc.
 
– Essa é minha! Você pegou a minha!

– A sua é essa outra! Essa que tá aí.

– Não é não! A minha é essa. Eu quero a minha!

– Essa eu não te dou, só te dou essa.


Para que esse evento de ala seja compreensível, é pre-
ciso que cada elemento dêitico (“a minha”,“essa outra”,“essa”, etc.) re-
meta claramente ao objeto a que se reere. Dêitico é um adjetivo de-
rivado de “dêixis”, que é, segundo Mattoso Câmara, a aculdade que
tem a linguagem de designar mostrando, ao invés de conceituar.

No diálogo entre os dois irmãozinhos, há um alto grau


de dependência contextual ou contextualização do discurso. Quan-
do
maisa dependência
explícitos e oscontextual é menor,
alantes têm os enunciados
de se valer têm
de recursos de ser
comuni-
cativos, como vocabulário especíco, seqüenciadores e operadores
lógicos, entre outros, que dão ao discurso clareza e objetividade.

O mesmo diálogo entre as duas crianças sem o recur-


so à dêixis poderia car assim: (É claro que nesta orma o diálogo
é altamente improvável, porque as crianças não adquiriram ainda
recursos para construir um discurso com mínima dependência con-
textual. Mas à guisa de comparação, vamos ao texto) :

– Esse triângulo azul é meu! Você o pegou do meu


castelo.
– A peça que estava em seu castelo não é o triângulo. É
esse paralelograma que está ao lado da sua mão direita.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 54/85
54 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

– Não é não! Eu quero o triângulo azul que você usou


para azer a proa de seu navio...

Atividade

Grave o diálogo entre dois ou mais alunos envolvidos em


uma atividade manual. Transcreva, depois, o diálogo e discuta com
um colega ou com sua monitora a dependência contextual desse
discurso. Faça o mesmo com um diálogo gravado entre dois proes-
sores igualmente envolvidos em uma tarea manual comum. Leve a
questão da dependência contextual – ou implicitude – das intera-
ções ace a ace para discussão em seu grupo. Esta é uma questão
teórica muito relevante porque a implicitude – ou indexicalidade
– ou, se você preerir, o grau de contextualização é uma das princi-
pais características que distinguem a linguagem oral da linguagem
escrita e, também, a linguagem monitorada da não-monitorada.
O segundo parâmetro relacionado a recursos comuni-
cativos é a complexidade do tema abordado. Contar uma narrativa
de experiência pessoal é cognitivamente menos complexo que a-
zer o reconto de um lme assistido, por exemplo. Na sala de aula,
há tareas comunicativas com dierentes graus de complexidade
cognitiva. E isso nos leva ao terceiro parâmetro mencionado acima:
amiliaridade com a tarea comunicativa.

Vamos parar um pouco para pensar nisso!

Refita

Entre as atividades de linguagem que seus alunos de-


senvolvem em sala de aula, identique aquelas que são mais praze-
rosas para eles e nas quais eles são mais fuentes. Compare-as com
atividades que os alunos acham diíceis. Mostre sua relação ao seu
monitor e aos seus colegas e juntos procurem analisar essas tareas
com relação aos três parâmetros estudados:
• grau de dependência contextual;

• grau de complexidade no tema abordado;

• amiliaridade com a tarea comunicativa;

Quando um alante tem de desempenhar uma tarea


comunicativa para a qual não dispõe de recursos, a atividade se tor-
na muito estressante e ele vai buscar ormas de desincumbir-se da
obrigação que lhe oi atribuída. Com reqüência, vale-se de palavras
que não conhece bem mas que julga apropriadas para a ocasião.
Veja o seguinte exemplo:

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 55/85
55 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Em uma entrevista eita com populares na rua, o repór-


ter de TV pergunta a uma moça que vantagens um treinamento
prossional lhe havia trazido. No aã de monitorar o seu estilo e
como lhe altassem recursos de morologia verbal, a entrevistada
respondeu:
–“O curso oi muito bom para que nós aprimorizásse-
mos nossos conhecimentos”.

Observe que o impereito do subjuntivo é uma orma


verbal pouca usada na ala coloquial e mais presente em certos
usos especializados da língua. A entrevistada quis usar essa orma
para atender às expectativas da situação – uma entrevista televisi-
va. Porém, não oi capaz de produz a orma prevista na gramática
normativa: “aprimorássemos”.

Vamos, então, sintetizar o que acabamos de ver sobre


competência lingüística, competência comunicativa, recursos co-
municativos e papel da escola.
 
1) Todo alante nativo de uma língua, por volta de sete,
oito anos, já internalizou as regras do sistema da língua que lhe per-
mitem produzir sentenças bem ormadas naquela língua, o que não
acontece com um alante estrangeiro, que produz sentenças agra-
maticais, isto é, que não estão de acordo com o sistema da língua
estrangeira.

2) Como a língua é um enômeno social, cujo uso é regi-


do por normas culturais, além de ter domínio das regras da língua,
os alantes têm de usá-la de orma adequada à situação de ala.
3) No desempenho dos papéis sociais, os indivíduos
transitam por espaços sociolingüísticos em que têm de dominar
certos usos especializados da língua.

4) O alante tem de dispor em seu repertório de recursos


comunicativos que lhe permitam desempenhar-se com adequação
e segurança nas mais diversas situações.

põem o seu5)repertório
Grande parte dos recursos
é adquirido comunicativos
espontaneamente noque com-
convívio
social; mas para o desempenho de certas tareas especializadas,
especialmente as relacionadas às práticas sociais de letramento, o
alante necessita desenvolver recursos comunicativos, de orma sis-
temática, por meio do aprendizagem escolar.
 
6) A tarea educativa da escola, em relação à língua
materna, é justamente a de criar condições para que o educando
desenvolva sua competência comunicativa e possa usar, com segu-
rança, os recursos comunicativos que orem necessários para de-
sempenhar-se bem nos contextos sociais em que interage.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 56/85
56 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 57/85
57 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 58/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

3 Revendo a variação
lingüística no
Português do Brasil
Objetivos: sistematizar as informações sobre variáveis no
Português Brasileiro e as principais regras de variação na
fonologia e morfossintaxe

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 59/85
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Nesta seção, vamos procurar resumir e sistematizar o


que temos visto sobre as características lingüísticas – inclusive os
traços descontínuos e graduais que distinguem as variedades ao
longo do contínuo de urbanização. Em outras palavras, queremos
responder às seguintes perguntas :

1) quais a principais características da ala de um bra-

sileiro com antecedentes


um brasileiro rurais eurbanos?
com antecedentes rurbanos se comparada à ala de

2) Quais as principais características da linguagem de


um alante usando estilo monitorado se comparado aos seus estilos
não-monitorados?

Vamos discutir primeiro tais características no âmbito


da onologia – pronúncia – e depois cuidaremos das características
no âmbito da morologia e da sintaxe, ou seja, morossintaxe.

As principais regras onológicas de variação no portu-


guês do Brasil ocorrem na posição pós-vocálica na sílaba. Vamos
entender bem isso. A sílaba é uma emissão de voz marcada por um
ápice de abrimento articulatório e tensão muscular que, na língua
portuguesa, é sempre representado por uma vogal. Dizemos então
que a vogal é núcleo silábico. A vogal silábica pode ser precedida e
seguida de consoantes. É justamente a consoante que segue o nú-
cleo silábico, posição chamada pós-vocálica na sílaba, que está su-
 jeita a grande incidência de variação. Para você entender bem isto,
vamos conversar um pouco mais sobre a estrutura da sílaba.

As sílabas em português podem ter a seguintes con-


gurações: (“C” signica consoante e “V” signica vogal).

• CV, exemplo: ma, lá, li, vê, na, de, vi, lu-xo, a-la, etc. A
sílaba CV é considerada canônica, porque se constitui de uma con-
soante e de uma vogal. Na articulação da consoante, a corrente de
ar tem de orçar sua passagem na boca, pois algum movimento ar-
ticulatório lhe criam embaraço em algum ponto da cavidade. Na ar-
ticulação da vogal, a corrente de ar passa livremente pela cavidade
bucal, variando apenas o grau de abertura da cavidade.
•V : a, é, a - vião, ô - nibus, ú - nico, etc.

•CVC: por, mar, ver, pos - te, cas - telo, ra - paz, á - cil, etc.

•CCV: bra - ço, pla - queta, bro - che, etc.

•CCVC: plas - ma, pres - tígio, ras - co, etc.

•CCVCC: trans - porte, etc.

•CVCC: pers - pectiva.

Nem todas as consoantes podem ocupar as posições

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 60/85
60 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

de C nessas congurações. Existem restrições que você vai apren-


der agora, observando os seguintes quadros: em cada quadro está
marcada a posição da consoante na sílaba e abaixo dela os onemas
que podem ocorrer naquela posição.

Observe que na posição da segunda consoante só po-


dem ocorrer as chamadas consoantes líquidas: /r/ e /l/. Na primeira
posição consonântica, podem ocorrer todos os onemas oclusivos e
o onemas ricativos pronunciados com a língua plana: // e /v/.

Atividade
Para xar bem essas restrições de ocorrência dos o-
nemas nas sílabas, aça uma relação de palavras que contenham
sílabas na conguração CCV, como nos exemplos que você já viu.
Antes de passarmos para outra conguração silábica, precisamos
observar que na conguração CCV, que acabamos de discutir, uma
regra variável muito produtiva nos alares rurais e rurbanos, mas
que também pode ocorrer nos estilos não-monitorados de alantes
de antecedentes urbanos é a troca do /l/ por /r/. Isso se explica por-
que esses dois onemas são do ponto de vista articulatório muito
semelhantes. Você, certamente, já ouviu palavras como bloco >’bro-
co’, problema> ‘pobrema’, claro> ‘craro’.
 
Na realização do /r/ e do /l/ como a segunda consoante
no padrão CCV pode ocorrer também outro enômeno, que é a tro-
ca do /r/ pelo /l/. É o que acontece na ala do Cebolinha, persona-
gem de Maurício de Sousa.

Atividade
 
Seus alunos vão gostar de pesquisar a realização das
consoantes liquidas /r/ e /l/ no padrão silábico CCV. Vocês vão des-
cobrir que alguns tipos de neutralização (troca) desses dois one-
mas conguram traços descontínuos, só encontrados no pólo rural
do nosso contínuo; verão também que, em certas regiões do Brasil,
como no sul de Minas e em certas áreas de Goiás, essa neutralização
é mais reqüente que em outras regiões. Finalmente, poderão cons-
tatar que a neutralização do /r/ e /l/ nessa posição pode caracterizar
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 61/85
61 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

um problema articulatório, que tem de ser tratado com onoaudió-


logos. O caso do Cebolinha se enquadra nessa última categoria. Em
resumo, a naturalização do /r/ e /l/ no padrão silábico CCV pode ser
indicador de dialetos rurais e rurbanos, pode ser marcar regional e
pode ainda ser um problema ono-articulatório. Discuta essa ques-
tão com seus alunos e colegas.

Passemos agora para outro padrão silábico, o CVC:

Qualquer consoante pode iniciar este tipo de sílaba,


exemplos: par, lar, mãe, com, sem, viu, vil, cós, ser-viu, or-mar, etc.
Nossa atenção nesses casos se volta para a segunda consoante, a
que echa a sílaba, ou seja, a consoante de travamento da sílaba.
Como já lhe adiantamos no início desta seção, são as consoantes
que travam sílabas as que estão sujeitas a maior variação no por-
tuguês do Brasil, pois tendem a ser suprimidas principalmente em
estilos não-monitorados. Vamos discuti-las uma a uma.

• O /R/, nessa posição, pode ser oneticamente realiza-


do de várias maneiras, como uma consoante posterior articulada na
garganta ou como uma consoante anterior articulada com vibra-
ções na ponta da língua; pode também ser articulada com língua
dobrada para trás (retrofexa), o que produz o /r/ mais comum em
zonas rurais de Minas Gerais, São Paulo e Goiás, que é chamado de
 /r/ caipira. Pode ainda se reduzir a uma simples aspiração realizada
na glote ou na aringe, que se situa na parte posterior da garganta.
Conra o desenho do aparelho onador em uma enciclopédia ou na
internet. No ascículo II, quando estudarmos o sistema onológico
da língua portuguesa, Você vai receber o desenho do aparelho o-
nador e mais inormações sobre o que estamos discutindo agora. A
orma de realizar o /r/ pós-vocálico varia de uma região para outra.

Atividade
Observe junto com seus alunos realizações dierentes
de /r/ pós-vocálico comparando-as na linguagem de mineiros, pau-
listas do interior, paulistanos, goianos, paranaenses e gaúchos. Vo-
cês vão encontrar uma interessante variação de natureza regional.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 62/85
6 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Além da variação no modo e no ponto de articula-


ção do /r/ pós-vocálico, que é de natureza regional, esse onema
apresenta uma peculiaridade para qual nós, proessores, devemos
car muito atentos. Em todas as regiões do Brasil, o /r/ pós-vocá-
lico, independentemente da orma como é pronunciado, tende a
ser suprimido, especialmente nos innitivos verbais (correr>corrê;
almoçar>almoçá; desenvolver>desenvolvê; sorrir>sorri). Quando o

suprimimos, alongamos
regra de supressão e damos
do /r/ mais intensidade
nos innitivos dá origemà avogal
umanal. A
hiper-
correção (enômeno que você já conhece) que resulta em constru-
ções assim: “João estar muito quieto hoje”. Esta, como qualquer ou-
tra hipercorreção, decorre de uma hipótese heurística malsucedida.
O usuário da língua, quando suprime um /r/ em innitivo verbal,
ao escrever, o az porque na língua oral ele já não usa mais esse
 /r/. Então, ao produzir uma orma como “está”, da terceira pessoa do
singular do indicativo presente, imagina que nela também haveria
um /r/ que oi igualmente suprimido, e acrescenta esse suposto /r/,
incorrendo numa hipercorreção.

Além dos innitivos verbais, o /r/ pós-vocálico tam-


bém tende a ser suprimido nas ormas do uturo do subjuntivo:
(se eu estiver>estivé; se ele quiser>quisé; se ela zer>zé) e nos
substantivos adjetivos e advérbios polissilábicos (que têm mais de
duas sílabas: melhor > melhó; maior>maió; Deusimar>Deusimá;
regular>regulá, amor> amó, etc).

Nos nomes monossilábicos (de uma sílaba só) o /r/ pós-


vocálico tende a preservar-se: mar, dor, par, cor, etc.

 
Atividade
Observe junto com seus alunos em uma gravação es-
pontânea, em músicas ou poemas gravados ou em outros textos, a
supressão do /r/ pós-vocálico em nal de palavra. Faça quatro listas
de palavras terminadas em /r/ colocando-as na coluna especíca,
observando se o /r/ oi ou não pronunciado. Ao nal, você terá um
quadro com este abaixo, com esses cabeçalhos.

Depois que você preencher o quadro, vai azer alguns cálcu-

los simples:
• some todas as ocorrências de innitivos verbais;

• some todas as ocorrências de innitivos verbais sem /-r/;

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 63/85
6 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

• some todas as ocorrências de innitivos verbais com


 /-r/;
• divida o total de ocorrências de innitivos verbais
sem /-r/ pelo total de innitivos verbais. Assim você encontrará a
reqüência de innitivos verbais sem /-r/;

• divida o total de ocorrências de innitivos verbais

com /-r/ pelo


reqüência de total de innitivos
innitivos verbais.
verbais com /-r/; Assim você encontrará a

• compare a reqüência de innitivos verbais realiza-


dos com /-r/ com a reqüência de innitivos verbais realizados sem
  /-r/. Você verá que houve mais ocorrências sem /-r/ do que com
 /-r/;

Repita os mesmos procedimentos com as outras cate-


gorias e você poderá constatar que a supressão do /r/ pós-vocálico
varia em unção de categorias morológicas. Se tiver dúvidas na or-
ma de azer os cálculos, procure seus tutores da área de Educação
e Língua Materna. Vamos apresentar dados ctícios e azer juntos
uma simulação para que você aprenda, com segurança, a azer os
cálculos das reqüências de uma regra variável, como a que esta-
mos estudando.

Freqüência de innitivos verbais pronunciados sem /-r/:


48/83 = 57%

Freqüência de innitivos verbais pronunciados com /-r/:


35/83 = 42%

Faça você agora os cálculos com as demais categorias


para treinar essa habilidade.

No padrão CVC, que estamos estudando, além do /r/,


outro onema que pode ocorrer na posição pós-vocálica é o /s/, esse
onema pode ser representado gracamente como s, x ou como z,
exemplos: lápis, cós, extra, rapaz, capaz, eliz, mês, vez, etc. Quanto à
pronúncia, o /s/ pós-vocálico soa como uma consoante surda (sem
vibração das cordas vocais) diante de outra consoante surda: soa
como uma consoante sonora diante de outra consoante sonora ou
diante de uma vogal. Além disso, pode ser realizada como uma sibi-
lante ou como uma chiante, dependendo da região.

Em Brasília e em Belo Horizonte, por exemplo, o /s/ pós-


http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 64/85
64 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

vocálico é mais reqüentemente realizado como uma sibilante, com


a ponta língua tocando a parte superior interna dos dentes. No Rio
de Janeiro, em Salvador, em Fortaleza e em outras cidades, o /s/ pós-
vocálico é realizado como chiante com o dorso da língua tocando o
palato ( céu da boca).
 
Atividades
 
Para que você e seus alunos se lembrem bem das va-
riações regionais na pronúncia do /s/ pós-vocálico, leve para sala
de aula músicas interpretadas por cantores de diversas regiões do
Brasil. Ouçam as canções e açam uma relação de todas as palavras
onde aparece o /s/ pós-vocálico, identicando a sua realização o-
nética. Procure ouvir a música “Festa do Interior” de Moraes Moreira,
cantada por Gal Costa e observe como a cantora baiana realiza os
 /s/ pós-vocálicos. Em “xotes e...”, o /s/ soa como /z/, porque é seguido
de uma vogal. Em “estrelas de...” o /s/ tem som chiante e sonoro por-
que sore oa /s/
plodia...” infuência do onema
pós-vocálico, seguinte /d/,
representado peloque é sonoro.
x soa como Em “ex-
/s/ sibi-
lante surda, pela infuência da consoante /p/ seguinte, que é surda.
No nal de palavras seguidas de pausa, como “agulhas”,“xaxados”, a
cantora Gal Costa realiza os /s/ pós-vocálicos como chiantes.

Fagulhas, pontas de agulhas


Brilham estrelas de São João
Babados, xotes e xaxados
Segura as pontas, meu coração
Bombas na guerra magia
Ninguém matava
Ninguém morria
Nas trincheiras da alegria
O que explodia era o amor

Ardia aquela ogueira


Que me esquentava a vida inteira
Eterna noite
Sempre a primeira esta do interior

Você já percebeu que a realização do /s/ pós-vocálico


varia muito, tanto em unção da região geográca quanto do con-
texto onológico em que ocorre. Contexto onológico são os sons
que antecedem ou que seguem um determinado onema. No caso
do /s/ pós-vocálico, o contexto que tem infuência é o segmento
seguinte. Isto é, se é vogal, consoante ou pausa e, no caso de ser
consoante, se surda ou sonora.

Com todas essas inormações que você já recolheu,


continue a azer a atividade com seus alunos. Escolha, por exemplo,
uma música cantada por Milton Nascimento (nascido no Rio de Ja-
neiro, mas
nho. Vai sercriado em Três
divertido Pontas as
identicar - MG) e pelo carioca
pronúncias do /s/ Zeca Pagodi-
pós-vocálico
em suas músicas. Lembre-se nalmente que esse onema tem três
representações grácas: s, z e x.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 65/85
65 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Para nós, que somos proessores em início de escolari-


zação, um enômeno muito importante relacionado ao /s/ pós-vo-
cálico é a tendência à sua supressão. Assim como /r/ pós-vocálico,
que já vimos, também o /s/ nas sílabas do tipo CVC tende a ser su-
primido, principalmente nos estilos não-monitorados.

Ao tratarmosque
entre o /s/ pós-vocálico desse assunto, de
é morema convém
plural azer a distinção
(ou seja, é o ele-
mento que contém a marca de plural) e o /s/ que não é morema de
plural. Vejamos exemplos do /s/ como marca de plural:

aluno + s, lâmpada + s, coelho + s.

Vejamos agora palavras monomorêmicas (ormadas


por um único morema em que o /s/ é parte do morema lexical:

lápis, pires, Paris, atrás, etc.

Com base na sua experiência, como alante competen-


te da Língua Portuguesa na modalidade brasileira, responda à se-
guinte questão: que /s/ pós-vocálico, em nal de palavra, tem maior
tendência para ser suprimido: o /s/ que é morema de plural ou o /s/
em palavras monomorêmicas?

Se você escolheu o /s/ morema de plural, acertou!

Em muitos pontos deste ascículo, comentamos que nos


sintagmas nominais há uma tendência, no PB (Português Brasileiro),
de não se azer a concordância nominal, isto é, a concordância dos
determinantes com o núcleo do sintagma representado por um
nome ou pronome, no plural.

Muitos lingüistas têm pesquisado esta regra variável


do PB, especialmente a proessora Maria Marta Pereira Scherre (da
UnB e da UFRJ) e mostram que a regra de concordância nominal,
conorme prevista nas gramáticas normativas, hoje em dia se aplica
somente em estilos muito monitorados e na língua escrita, muito
ormal.
Em estilos não-monitorados tendemos a usar uma regra
de concordância não-redundante, isto é, em vez de fexionarmos to-
dos os elementos fexionáveis do sintagma, fexionamos apenas o
primeiro. Você viu exemplos disso em vários textos neste ascículo.
Lembra-se da música “O Cuitelinho”? Ali vimos os seguintes sintag-
mas nominais fexionados de acordo com a regra de concordância
não-redundante: “terras paraguaia”,“ortes bataia”.

Revendo esses exemplos, podemos car com a impres-


são errônea de que a regra de concordância nominal não-redun-
dante só ocorre no pólo rural/rurbano do contínuo de urbanização.
Mas não é bem assim. Essa regra de concordância não-redundante
ocorre ao longo de todo o contínuo, nos estilos não-monitorados,

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 66/85
66 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

chegando, às vezes, até mesmo, aos estilos monitorados.


Por estar tão generalizada na língua, é certo que nossos
alunos vão empregá-la em seus textos escritos que, por sua natu-
reza, exigem a regra da concordância redundante prevista na gra-
mática normativa. Por isso, nós, proessores, temos que car muito
atentos ao uso da regra de concordância nominal na produção de
nossos alunos e na nossa própria produção.

Há duas coisas de que você não pode se esquecer quan-


do lidar com esse enômeno:

1) no PB tendemos a fexionar o primeiro elemento do


sintagma nominal plural e a não marcar os demais. Esta é uma ten-
dência que se explica porque geralmente dispensamos elementos
redundantes na comunicação e as diversas marcas de plural no
sintagma nominal plural são redundantes. Ao escrever sintagmas
nominais plurais, seu aluno vai tender a fexionar somente o primei-
ro elemento, que pode ser um artigo, um pronome possessivo, de-
monstrativo, etc. Exemplos:

“os amigo”; “Meus brinquedo”; “aqueles homi”; “os meus


tio”.
2) Quanto mais dierente or a orma do plural de um
nome ou pronome da sua orma singular, mais tendemos a usar a
marca de plural naquele nome ou pronome. Quando a orma de plu-
ral é apenas um acréscimo de um /s/, tendemos a não empregá-la.

Baseados nessa constatação, os pesquisadores da área


de sociolingüística quantitativa construíram uma escala que vai dos
nomes em que a dierença entre singular plural é mínima até os
nomes que ormam o plural com duas marcas: o acréscimo do /s/ e
a mudança da vogal. A escala cou assim:

aluno ~ alunos; casa ~ casas; minha ~ minhas; (o plu-


ral é apenas o acréscimo do /s/).

menor ~ menores; ator ~ atores (o plural é eito com


acréscimo de uma sílaba).

rapaz ~ rapazes; vez ~ vezes (o plural também é eito


com acréscimo de uma sílaba, mas a orma singular se conunde
com a orma de plural porque termina em onema sibilante).

hotel ~ hotéis; cão ~ cães; caminhão ~ caminhões 


(esses são os chamados plurais irregulares porque acarretam uma
mudança maior na sílaba nal).

ovo ~ ovos; novo ~ novos (o plural é marcado pelo /s/


e pela mudança na vogal, que é conhecida como metaonia).

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 67/85
67 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Atividade
Você poderá aumentar a lista de exemplos em cada ca-
tegoria, sempre observando a dierença entre a orma de singular e
a de plural.

É bom também que você verique se esta escala se con-


rma na produção de seus alunos. Isto é, se eles estão fexionando
com mais reqüência palavras como hotéis, carretéis, anões, sóis, etc,
do que palavras como amigos, irmãos, casinhas, etc.

Há um aspecto muito interessante que convém men-


cionarmos. Sempre aprendemos que devíamos dar ênase na es-
cola aos plurais irregulares, mas estamos vendo que são os plurais
regulares que exigem nossa maior atenção porque são esses que
têm
diz amaior probabilidade
este propósito de não serem
a proessora fexionados.
Maria Cecília Vejamos
Mollica, no livroo que
que
você já conhece: Infuência da ala na alabetização (Rio de Janeiro:
Tempo Brasileiro, 1998/2000).

“Proponho que /…/ uma metodologia pedagógica que


dê conta de todos os enômenos variáveis (ou aparentemente va-
riáveis), que até então oram objeto de descrições sociolingüísticas
eminentemente acadêmicas e que já exibem resultados consolida-
dos, terá que nortear-se em princípios mais gerais /…/, a saber:

(1) Ir do discurso para a sentença (ou para o vocábulo,


ou para segmentos menores como sílabas e onemas): essa máxi-
ma serve como guia para muitos enômenos variáveis que são con-
textualizados por atores discursivos, como status inormacional do
reerente, cadeia tópica, paralelismo ormal, gura/undo, ou até
mesmo para a presença de pausa em intervalos sintagmáticos com
refexos na pontuação.

(2) Ir do mais reqüente para o menos reqüente: em se


tratando de trabalho em sala de aula, há que se ter bom senso de se
“atacar” problemas priorizando inicialmente os que mais ocorrem:
assim, recomenda-se que o trabalho com desvio da variante stan-
dard  de menor incidência deva ser postergado, em geral.

(3) Ir do mais provável para o menos provável: quase


sempre os problemas mais reqüentes coincidem com os que, por
meio de estudos dos atores que avorecem o seu uso, sabemos que
têm maiores probabilidades de ocorrerem.

Insisto que devem ser selecionadas prioritariamente as


variáveis que mais atuam para a emergência do erro, na escrita. Por
exemplo, sintagmas nominais com dupla marca de número plural
na ala, como em ovo ~ ovos não costumam oerecer problemas
para o usuário do ponto de vista da concordância. No entanto, os
sintagmas verbais e nominais cujo plural é regular e menos saliente
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 68/85
68 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

onicamente, como ele ala ~ eles alam ou casa ~ casas constituem


o subgrupo mais problemático para o alante, que costuma marcar
geralmente o plural nas ormas mais marcadas onicamente apenas
no primeiro elemento, nos casos de sintagma nominal “ (MOLLICA,
2000, pág. 35-60).

Este texto oi transcrito com algumas adaptações. Reco-

mendamos que
ele oi tirado. você váaz
A autora aoreerência
original e leia todo a capítulo
à concordância de onde
nominal eà
verbal. Você já sabe bastante sobre a regra variável de concordân-
cia nominal. Quanto à regra variável de concordância verbal, vamos
discuti-la nos próximos parágraos. Mas, antes, registre bem a ativi-
dade que estamos sugerindo que você aça:

Atividade

Reúna
nos. Identique um corpus
nesse conjunto de os
todos trabalhos escritos
sintagmas de seus
nominais que alu-
são
semanticamente plurais, mesmo que não apresentem todas as mar-
cas de plural. Verique se seus alunos tendem a fexionar com mais
reqüência os plurais irregulares do que os regulares. Faça um pe-
queno cálculo das reqüências, do seguinte modo:

Some o total de sintagmas nominais plurais (T).

Some o total de sintagmas nominais cujo núcleo é um


substantivo de plural regular que tenha sido fexionado (TR).

Some o total de sintagmas nominais cujo núcleo é um


substantivo de plural irregular que tenha sido fexionado (TI).

Dividindo TR por T, você encontrará a reqüência de fe-


xão nos nomes regulares.

Dividindo TI por T, você encontrará a reqüência de fe-


xão nos nomes irregulares.

Fácil, não? Ao nal, basta comparar as duas reqüências.


Se você ajuntar o seu corpus, com os de seus colegas de grupo, vai
obter resultados ainda mais conáveis, porque estará trabalhando
com uma base de dados maior. É interessante vericar se os resulta-
dos que vocês vão obter conrmam as hipóteses trabalhadas pelos
pesquisadores da área de Sociolingüística Quantitativa ou Variacio-
nista, nas quais a pesquisadora Maria Cecília Mollica se baseou para
postular os três princípios que você leu.

Estamos trabalhando com o padrão silábico CVC. Já vi-


mos que no PB há uma orte tendência à queda da segunda con-
soante quando a sílaba CVC ocorre no nal de palavra. São seis as
consoantes que podem ocorrer nessa posição. São elas /R/, /S/, /N/,
 /L/, / U/ /I/. Vamos refetir sobre cada uma delas.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 69/85
69 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

• /R/ - pode ser pronunciado na parte anterior da


boca, como uma vibrante alveolar, ou com a língua retrofexa, mas,
na maior parte das variedades regionais brasileiras, é pronunciado
como uma consoante posterior. Já sabemos que o /R/ nal que tem
mais probabilidade de ser suprimido na pronúncia é o dos inni-
tivos verbais e das ormas do uturo do subjuntivo. Os nomes mo-
nossilábicos, como ‘dois’, ‘cor, ‘mar’, etc, tendem à conservação do /R/,

enquanto os polissilábicos
nal. É preciso tendem
observar também que àem
supressão dessanais,
sílabas átonas consoante
como
em “revólver”, o /R/ tende mais a ser suprimido que em sílabas nais
tônicas, como em “malmequer”.

• /S/ é representado gracamente pelas letras (ou gra-


emas) “s”, “z” e “x”. Já sabemos que o /s/ que é morema de plural
tende mais a ser suprimido que o /s/ que ocorre ao nal de palavras
monomorêmicas. É preciso observar, ainda, que o /s/ que ocorre no
morema {-mos} (pronunciado /-mus/) da primeira pessoa do plural
dos verbos também apresenta alta incidência de supressão. Este é,
de ato, um traço gradual:

nós azemos > nós azemu


nós viemos > nós viemu

Atividade
Pegue as gravações que você já ez e peça aos seus alu-
nos que tragam outras: de novelas, programas de rádio, entrevis-
tas, etc, e observem a reqüência da regra de supressão do /s/ no
morema {-mos}. Para calcular a reqüência da regra no seu corpus
gravado, conte o número (T) de ocorrências do morema {-mos},
realizado como /-mus/ ou como /-mu/. Conte depois o número de
ocorrências da variante com supressão do /s/ (TU). Depois divida
TU por T (TU/T) e você encontrará a reqüência da supressão do /s/
nal no morema {-mos} em seus dados.
 
Vamos a uma simulação.

Supondo que em seus dados haja 38 ocorrências do


morema, que incluem tanto a variante {-mus} quanto a variante {-
mu}. Há no corpus 22 ocorrências da variante {-mu}. Dividindo 22
por 38, temos:

22/38 = 0.57

Dizemos, então, que a reqüência da variante {-mu} (com


supressão do /s/ nal) é de 57% no corpus estudado.
 
Voltemos, agora, às outras consoantes que ocorrem em
posição pós-vocálica:
• L
• I
• U
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 70/85
70 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

• N

O /L/ na posição pós-vocálica nal em PB pode ser


realizado como uma consoante lateral /l/ ou como a vogal /u/. No
Sul do Brasil, ainda encontramos a variante /l/, mas a variante /u/
está generalizada no Português Brasileiro contemporâneo.

Atividade
Observe a pronúncia de palavras como ‘Brasil’, ‘anel’, ‘ca-
nal’ e conra se o /l/ está sendo pronunciado como consoante late-
ral ou como vogal posterior.

Ainda com relação ao /L/ na sílaba CVC, temos que azer


duas observações. A primeira é que o segmento /l/ tende a ser mais
suprimido em sílabas átonas que em tônicas. Compare os dois con-

 juntos de palavras:

No primeiro, a sílaba nal CVC nal é tônica; no segundo,


é átona. No primeiro conjunto, observamos a realização do segmen-
to nal, seja como /l/ ou como /u/. Somente no pólo rural/rurbano
do contínuo de urbanização, dá-se a supressão do /l/ nal em pala-
vras oxítonas. Por exemplo:

carnaval > carnavá

Pode ocorrer também a troca do /l/ pelo /r/ nos alares


rurais: carnaval > carnavar

Esses dois casos constituem traços descontínuos, carac-


terísticos dos alares rurais. Você certamente vai encontrá-los na ala
de Chico Bento.

Nas palavras paroxítonas terminadas em /l/, como as do


segundo conjunto, a perda do segmento nal não está restrita ao
pólo rural do contínuo. Pode ocorrer nos estilos não-monitorados,
mesmo no repertório de alantes com antecedentes urbanos, prin-
cipalmente quando estão alando depressa.

Para nós, proessores, o principal problema a atentar no


caso do /l/ pós-vocálico é a neutralização entre o /l/ e o /u/ nes-
ta posição, pois nossos alunos, ao aprenderem a escrever, têm de
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 71/85
71 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

aprender a usar a letra ‘u’ em palavras como ‘berimbau’, ‘pau’, ‘cha-


péu’, etc, a letra ‘o’, em palavras como ‘arrepio’, ‘macio’, ‘vazio’ e ‘tio’ etc,
e, nalmente, a letra ‘l’ em palavras como ‘avental’, ‘lençol’ ‘ automó-
vel’, ‘anzol’ etc. O segmento nal, pós-vocálico, em todas elas, é pro-
nunciado /u/.

Atividade
Discuta essa questão com seus colegas de grupo. Veri-
que que estratégias são usadas por eles, em sala de aula, para lidar
com a neutralização entre o /l/ e o /u/ na consoante pós-vocálica,
nas sílabas nais CVC.

Passemos, agora, às sílabas CVC travadas com as semi-


vogais /i/ e /u/. Esses são os casos dos ditongos decrescentes.

A semivogal
nas sílabas CVC, quetambém
travando-a, ocupa oestá
lugar da segunda
sujeita consoante
à supressão, como
as consoantes que já vimos. A perda da semivogal nos ditongos
resulta em um processo denominado monotongação. No ditongo
 /ou/, a monotongação é um processo muito antigo na língua, desde
a evolução do latim para o português. Veja os exemplos:
 
alterum >outro > outro
aurum > ouro > oro

Na transição do latim para o português, a vogal /a/


transormou-se em /o/ por um processo de assimilação, isto é, por
infuência do segmento seguinte /l/ e /u/, que são posteriores, a vo-
gal /a/ oi-se posteriorizando, tornando-se /o/, que é uma vogal pos-
terior (produzida na cavidade posterior da boca). A passagem de
 /ou/ para /o/ - que é a própria monotongação – deve ter se iniciado
ainda em Portugal, no século XVIII. No Brasil, a regra continuou sua
deriva – seu desenvolvimento. O ator que mais a avorece é tam-
bém a assimilação, ou seja, a infuência articulatória do segmento
seguinte.

A regra está tão avançada que, praticamente, não pro-


nunciamos o ditongo /ou/. Até em sílabas tônicas nais, que são
mais resistentes à mudança, reduzimos este ditongo.
 
Veja:
estou > estô
sou > sô
 jogou > jogô

Em sílabas internas, tônicas ou átonas, ele também é


reduzido:
besouro > besoro
tesouro > tesoro
louco > loco
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 72/85
7 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

doutor > dotô


roupa > ropa

Quando há monotongação desse ditongo no radical


dos verbos, há a tendência a abrir a vogal, que passa a /Ó/ (vogal
aberta) na língua oral. Exemplo:
 

rouba
poupa>>roba
popa>>róba
pópa
 
Dado que a regra de monotongação do /ou/ está gene-
ralizada na língua oral, inclusive nos estilos monitorados, é preciso
dedicarmos muita atenção em sala de aula à produção escrita desse
ditongo, desde o início do processo de alabetização.

Já os ditongos /ei/ e /ai/ também se reduzem, mas a


regra de monotongação desses casos está menos avançada, apli-
cando-se somente em alguns contextos onológicos. Observe as
palavras seguintes e marque com (X) as que você pronunciou redu-

zindo o ditongo.

Você, com certeza, observou que nas palavras ‘Almeida’,


‘peito’, ‘Paiva’, ‘seiva’, ‘raiva’, e ‘beiço’, não houve monotongação. A re-
dução do /ei/ e do /ai/ é condicionada pelo segmento consonântico
seguinte. Os segmentos /j/, como em ‘beijo’ e o segmento //, como
em caixa, são onemas pronunciados na região alta da boca, o pala-
to, assim como a vogal /i/. Dizemos, então, que essas consoantes e a
vogal /i/ são sons homorgânicos (quanto ao ponto de articulação).
As consoantes homorgânicas ao /i/ são as que mais avorecem a
monotongação. Mas a regra já se expandiu para outros ambientes:
antes de /r/ e /n/. As oclusivas /t/ (‘peito’) e /d/ (‘Almeida’), as ricati-
vas /v/ (‘raiva’) e /s/ (‘beiço’) desavorecem a aplicação da regra. Te-
mos de observar, porém que em ‘manteiga’ o ditongo é seguido da

oclusiva
ção velar /g/
do ditongo e diante
/ei/ já se reduz. Observamos,
das oclusivas também,
/t/ e /d/ que a redu-
varia regionalmen-
te. No estado da Paraíba, por exemplo, ocorre a redução no nome
próprio “Almeida’. Está aí uma boa questão para você e seus alunos
pesquisarem juntos a pessoas provenientes de dierentes regiões e
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 73/85
7 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

estados brasileiros.

Ainda que a regra de monotongação dos ditongos com


a semivogal /i/ esteja menos avançada na língua que a regra de
monotongação do ditongo /ou/, ela requer também muita atenção
em sala de aula, principalmente em palavras muito usadas como
‘dinheiro’, ‘cozinheiro’, ‘inteiro’, ‘cabeleireiro’, ‘beijo’, etc.

Temos de atentar também para os casos de hipercor-


reção (realização de ditongo /ei/ em palavras com /e/, como por
exemplo:

bandeja > bandeija


caranguejo > carangueijo

Para concluir nossa refexão sobre a supressão da con-


soante (ou semivogal) de travamento nas sílabas de padrão CVC,
vejamos o caso do travamento da sílaba por segmento nasal, que
estamos representando por /N/. Chamamos de travamento nasal a
ocorrência do traço [+ nasal] nas vogais. No português há sete vo-
gais orais e cinco vogais nasais. Você vai voltar a ver isso, com calma,
no próximo ascículo. No caso das vogais nasais /ã/, /e/, / i /, / õ/ e
 /u / e dos ditongos nasais /ãi/, / ei /, /õi /, / ui / e /ãw/ considera-
mos que a sílaba com vogal ou ditongo nasal tem a estrutura CVC,
sendo a segunda consoante o travamento nasal.

Na escrita, esse travamento nasal é representado pelo til


 /~/ ou pelas consoantes nasais. Conra:

ontem, cantarão, irmã, puseram, montanha, ruim, etc.

Como há várias ormas convencionadas de se represen-


tar o travamento nasal, este é um dos componentes mais diíceis
para o alabetizando. Não vamos nos ocupar aqui do uso das con-
soantes nasais em posição pré-silábica, mas somente do travamen-
to nasal, porque, como as demais consoantes (e semivogais) que
travam sílaba, o travamento nasal também tende a ser suprimido.
Observe as palavras:

virgem, homem, zeram

Em todas elas a sílaba nal é átona e o travamento nasal


tende a ser suprimido:

 /virj/ > /vij/


 /ó > / ó/
 /zé > /zé/

Chamamos essa regra de desnasalização. Ela só incide


em sílabas nais átonas. Em sílabas tônicas, com travamento nasal,
não há desnasalização.

Veja:

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 74/85
74 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

caminhão, armazém, estarão, reunião, irmã

A regra de desnasalização aplica-se, principalmente, nos


ditongos nasais e átonos nais, como vimos em ‘virgem’ e ‘estavam’.
Nas ormas verbais de terceira pessoa do plural, a desnasalização
resulta em ormas como ‘ (eles) zeru’, ‘(eles) andaru’, etc.

Assimverbal
de concordância como notemcaso
sidodamuito
concordância
estudadanominal, a regra
pelos pesquisa-
dores da área de Sociolingüística Variacionista.

O proessor Anthony Naro, da UFRJ, e seus colabora-


dores, desde o nal dos anos 70 já haviam constatado que quanto
mais onologicamente saliente or a marca de plural nas ormas ver-
bais, mais os alantes tenderão a empregá-los. Em outras palavras,
quando a orma de terceira pessoa do plural or muito distinta da
orma de terceira pessoa do singular, há mais probabilidade de os
alantes azerem a fexão.

Levando em conta este princípio da saliência ônica, os


pesquisadores postularam uma escala semelhante à que você já co-
nhece para a regra de concordância nominal.
 
A escala cou assim:

1. come/comem: marca de plural é apenas a nasaliza-


ção com a conseqüente ditongação;

2. ala/alam: marca de plural é a ditongação nasal;


3. azem/azem: a marca de plural é uma sílaba extra;

4. dá/dão/vai/vão: são ormas monossilábicas marca-


das no plural pelo ditongo nasal;

5. comeu/comeram: no plural há o acréscimo do mor-


ema { - ram} ao radical do verbo;

6. alou/alaram/oi/oram:
verbal se altera de /o/ para /a/ e há no plural, a vogal
o acréscimo do tema
do morema
{ - ram}.

Segundo os estudos de sociolingüística, nas três primei-


ras classes de verbos, há menos probabilidade de ocorrer a fexão
do que nas três últimas, cuja orma plural é onologicamente mais
saliente,

Isso tem explicação para nós, proessores de séries ini-


ciais. Nossos alunos tenderão a usar menos a fexão de terceira pes-
soa de plural em ormas como:
 
estavam, querem, sabem, azem,

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 75/85
75 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

do que em ormas como:

oram, zeram, jogaram.

Também temos que car alertas para a possibilidade de


transportarem para a escrita a regra de desnasalização, realizando
essas ormas como:

oru, zeru, jogaru.

Atividade
Nos corpura de textos escritos de seus alunos (corpora
é o plural da palavra latina corpus) que você já reuniu, verique se
eles tendem a fexionar, com menos reqüência as ormas do tipo
‘come/comem’; ‘ala/alam’ e ‘az/azem’ do que as demais. Discuta
sua
dos constatação comconrmam
a que chegaram seus colegas
os de grupo para ver se os resulta-
seus.

Levando em conta o que as pesquisas têm mostrado


com relação à infuência da saliência ônica na fexão das ormas
verbais de terceira pessoa do plural, conorme nos explicou a pro-
essora Maria Cecília Mollica, você deverá dedicar mais atenção às
ormas em que a saliência é mínima (como ‘ala/alam’, ‘escreve/es-
crevem’) do que às ormas em que a saliência é maior (como ‘jogou/
 jogaram’; ‘vai/vão’; ‘esteve/estiveram’).

Para completarmos este assunto, você precisa de mais


esta inormação: existe maior probabilidade de ocorrer a fexão na
orma verbal quando o sujeito é anteposto, isto é, vem antes do ver-
bo. Quando é posposto (vem depois do verbo) tendemos a não fe-
xionar o verbo. Veja os exemplos seguintes e comece a reparar na
infuência desse condicionante de natureza sintática na sua própria
produção lingüística oral e escrita.

Os jornais chegaram./ Já chegou os jornais?

Os deputados de oposição rejeitaram a medida provisó-


ria./ Votou contra a medida provisória os deputados da oposição.

Os recursos para educação oram cortados./ Foi cortado


muitas verbas destinadas à educação.
 
Concluindo, podemos dizer que há dois tipos de con-
dicionamento na regra variável de concordância verbal no PB: o
primeiro é de natureza onológica e está relacionado ao grau de
saliência ônica nas ormas de plural; o segundo é de natureza sintá-
tica e depende da posição do sujeito em relação ao verbo. Quanto a
este último, é preciso observar ainda que, em casos de sujeito ocul-
to (ou implícito), tendemos a fexionar o verbo, pois a inormação
quanto à pessoa verbal só é transmitida pela fexão, já que o sujeito
não está explícito na oração.
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 76/85
76 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Vimos, com bastantes detalhes, a tendência de supres-


são da consoante de travamento nas sílabas de padrão silábico CVC.
Veremos agora outras tendências do PB: a da redução das proparo-
xítonas e da assimilação das consoantes homorgânicas.

Estamos dando tanta ênase ao estudo das tendências

da
de própria
que: deriva da língua para criarmos com rmeza a convicção

- os chamados “erros” que nossos alunos cometem têm


explicação no próprio sistema e processo evolutivo da língua. Por-
tanto, podem ser previstos e trabalhados com uma abordagem
sistêmica.

- A pronúncia do PB avorece as paroxítonas e desavo-


rece as proparoxítonas.
 
Por quê?
 
No Português de Portugal, as sílabas pretônicas são
reduzidas.
 
Assim:
 
evereiro > ev’reiro
televisão > t’levisão
paradeiro > p’radeiro
embelezar > emb’lezar

Ao reduzir as sílabas pretônicas, o alante tem mais ener-


gia articulatória para chegar ao nal da palavra.

No Brasil, as sílabas pretônicas têm quase a mesma du-


ração da tônica. Resulta daí que há menos energia para a articulação
dos nais das palavras. No caso das proparoxítonas, especialmente,
temos uma tendência a reduzi-las, na ala rápida, reduzindo assim o
esorço articulatório.

Veja os exemplos:
 
( i)
chácara > chacra
árvore > arvri ~ arvi
xícara > xicra
 
Neste conjunto, oi suprimida a vogal da primeira sílaba
pós-tônica.

( ii)
depósito > deposu
ósoro > osu
válvula > valva
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 77/85
77 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

quilômetro > quilomu

No conjunto (ii) há supressão de uma sílaba pós-tônica


completa

(iii)
número > numru

bêbado
lâmpada>>bebdu
lãpda

No conjunto (iii), a supressão da vogal da primeira síla-


ba pós-tônica resultou em seqüência onológica estranha à língua,
como /mr/, /bd/ e /pd/.

Para resolver este outro impasse, os alantes reduzem


mais as palavras. Assim:

(iv)
numeru > numuru > numru > nuru
bêbado > bebdu > bebo
lâmpada > lampda > lampa

A redução das proparoxítonas no grupo (i) é um traço


gradual no PB. Nos demais, a redução congura um traço descontí-
nuo, próprio do pólo rural/rurbano.

Atividade
Verique como os seus alunos lidam com as palavras
proparoxítonas na ala e na escrita. Se você só tem alunos de ante-
cedentes urbanos, é provável que só encontre os casos do conjunto
(i); se seus alunos têm antecedentes rurbanos ou rurais, é provável
que encontre as demais ocorrências.

Faça este diagnóstico cuidadosamente porque isso vai


ajudar você a prever os “erros” de seus alunos e a denir as priorida-
des no ensino da língua escrita e da língua oral monitorada.

Seus colegas de grupo vão gostar de saber o resultado


de seu diagnóstico.

Ainda alando das tendências naturais da língua e suas


conseqüências no ensino da língua escrita, temos de nos lembrar
de dois casos de assimilação. Dizemos que há assimilação quando
numa seqüência de sons homorgânicos ou parecidos, um deles as-
simila o outro, que então desaparece.

É o que acontece nas seqüências /nd / e /mb/. A primei-


ra /nd/ é ormada por duas consoantes alveolares e ocorre princi-
palmente nos gerúndios:
 
alando > alanu
vindo > vinu
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 78/85
78 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

estando > estanu

Mas pode ocorrer assimilação em outras classes de pa-


lavras, como em

quando > quanu

A seqüência
biais e ocorre em /mb/ é ormada por suas consoantes bila-

também > tamém

Atividade
Ambos os casos conguram regras graduais muito pro-
dutivas no PB. Por isso, nós, proessores de ensino undamental, nos
conrontamos
posição dessasmuito
regrasreqüentemente
onológicas paracom “erros”Você
a escrita. que certamente
são a trans-
terá muitos exemplos desses casos retirados do texto escrito de
seus alunos. Faça uma listinha deles para mostrar ao seu monitor.

Leia
Para que todas essas inormações quem bem assimi-
ladas, recomendamos a você que leia os seguintes livros (você po-
derá azer uma leitura de reconhecimento e selecionar os capítulos
que considerar mais úteis à sua ormação):
1 - BAGNO, Marcos. A língua de Eulália - novela sociolin-
güística. São Paulo: Contexto, 1997.
 
2 - MOLLICA, Maria Cecília. A infuência da ala na alabe-
tização. 2ª ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2000.

Para concluir este primeiro ascículo de língua Materna


e Educação, vamos azer um exercício. Escolha um texto produzido
por um aluno
examine cada seu, assinalelevando
um deles, os “erros”
emde linguagem
conta e, em seguida,
as tendências da Lín-
gua Portuguesa no Brasil que discutimos aqui. Começamos juntos e
você continuará depois.

Observe, para começar este texto corrigido e comenta-


do e depois aça o mesmo com os textos que você selecionou. Leve
os textos corrigidos e comentados para a reunião de seu grupo.

O texto seguinte oi produzido por um menino de doze


anos. Há dois anos chegou do Piauí onde vivia em área rural. Não
estava alabetizado. Vem reqüentando escola no Distrito Federal
desde que chegou a Brasília. No ano de 2000 concluiu a terceira sé-
rie com aprovação. O texto que você vai ler oi escrito por esse aluno
no dia 9 de evereiro de 2000 e é parte de um exercício de Ciências.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 79/85
79 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

As perguntas ou comandos oram copiados do quadro e as respos-


tas produzidas por ele.

1- Responda

Na superície terrestre existe mais terra ou água?

– Água.
2 - Complete:

– A água ocupa 3/4 da superície da terrestre, já a parte


não submersa ocupa (incompreensível) da superície terrestre.

3 - Como são ormados os oceano?

– Os oceanos são ormado por grandes massas de água


salgada e se localizam entre os continentes.

– Os mares?

– Os mares são massas de água de menor proundidade


menos salgada.

4 - Que tipos de recursos podemos obter dos oceanos?

– Goum tubarão carangeijo camarão tubarão martelo.

5. Que plantas marinhas são utilizada na nossa


alimentação?

– Gelatina.

No sintagma nominal “os oceano”, o aluno fexionou o


primeiro elemento: o determinante “os”; o núcleo “oceano” orma o
plural com o simples acréscimo de “s” ; na escala de saliência ônica
está no primeiro nível, de saliência mínima. Mesmo sendo uma có-
pia, esse núcleo não oi fexionado pelo aluno.

Em “ormado”, o aluno igualmente não usou fexão de


plural. Esta palavra também está no grupo de saliência mínima.

O adjetivo “salgado” deveria ser fexionado para con-


cordar com “massas” de água. A palavra também está na classe de
saliência mínima. Trata-se de adjunto adnominal que está longe do
nome que qualica.

O aluno provavelmente não conhecia a palavra “gol-


nho” e a escreveu como a ouviu. O /l/ que trava a primeira sílaba (
CVC) neutraliza-se com o /U/. No morema {- inho} o aluno usou a
variante {-im}, que az parte de seu dialeto regional (Veja-se padri-
nho > padim).

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 80/85
80 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Em “carangeijo” vemos que o aluno ainda não apren-


deu a usar o dígrao “gu” e também incorreu em uma hipercorreção
muito reqüente: cria um ditongo na palavra, que não existe na sua
orma dicionarizada.

Em “utilizada” novamente temos uma orma nominal de


verbo na unção de predicativo. O aluno não a fexiona para azer a

concordância
“utilizada” estácom “plantas
no grupo de marinhas” . Na escala
saliência mínima de saliência
e, ademais, não ônica,
ocorre
contígua ao sintagma a que se reere.

Considerando este texto, o proessor poderá azer o se-


guinte diagnóstico sobre a competência lingüística e comunicativa
do aluno na modalidade escrita da língua.

1 - Na classe de nomes cujo plural é minimamente sa-


liente, o aluno tenderá a não usar o morema { - s} de plural.

2 - Nos sintagmas nominais plurais que não ocorrem


contíguos ao antecedente a que se reerem no discurso, o aluno
tenderá a não usar a fexão de plural.

3 - O aluno ainda não domina o emprego do dígrao


“gu” e provavelmente também não o do dígrao “qu”.

4 - O aluno tem em seu repertório a variante {-im} do


suxo diminutivo {-inho}, que é muito produtiva na região em que
nasceu e viveu até os dez anos.

5 - O aluno ainda não conhece a convenção do uso de


vírgula em enumeração.

Bem, agora é sua vez.

Escolha os textos e os analise. Mostre seu trabalho ao


mediador e leve-o para discussão no grupo.
 
Você está terminando este primeiro ascículo. Parabéns.
Faça uma avaliação dele para apresentar à(s) tutora(s) de Língua
Materna e Educação de seu Curso.

Até breve.

Foi muito bom trabalharmos juntos!

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 81/85
81 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

Referências

ABAURRE, M. B. M; FIAD, R. S.; MAYRINK-SABISON, M. L. Cenas de aqui-


sição da escrita – o sujeito e o trabalho com o texto. Campinas: Merca-
do de Letras, 2001.

ALBUQUERQUE, E. B. de; LEAL, T. F. (orgs.). A alabetização de jovens e


adultos. Belo Horizonte: Autêntica, 2004.

ALLIENDE, F.; CONDEMARIN, M. Leitura, Teoria, avaliação e desenvol-


vimento. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

BAGNO, M.  A língua de Eulália – uma novela sociolingüística . São Pau-


lo: Contexto, 1997.

BORTONI-RICARDO, S. M. Educação em Língua Materna: a Sociolingü-


ística na sala de aula. São Paulo: Parábola Editorial, 2004.

______. Nós cheguemu na escola, e agora? 


cação. São Paulo: Parábola Editorial, 2005. – Sociolingüística e Edu-

BRASIL. Câmara dos Deputados. Comissão de Educação e Cultura.


Grupo de Trabalho Alabetização Inantil : Os novos caminhos – Rela-
tório Final, set. 2003.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Fundamen-


tal. Reerências para ormação de proessores . Brasília, 1999.

CAGLIARI, L. C. Alabetização e Lingüística . São Paulo: Scipione, 1992.

______.   Alabetizando sem o Bá-Bé-Bi-Bó-Bu. São Paulo: Scipione,


1999.

CALKINS, L. Mc. A arte de ensinar a escrever . Porto Alegre: Artes Mé-


dicas, 2002.

CARVALHO, M. Guia prático do alabetizador . 4. ed. São Paulo: Ática,


2001.

CHIAPPINI, L. (org)  Aprender a ensinar com textos. São Paulo: Cortez,


2000.

CÓCCO, M. F.; HAILER, M. A. Didática de alabetização – decirar o mun-


do: alabetização e socioconstrutivismo. São Paulo: FTD, 1996.
http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 82/85
8 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

COLL, C.; EDWARDS, D. Ensino, aprendizagem e discurso em sala de


aula. Porto Alegre: Artmed, 1998.

COX M. I. P.; ASSIS-PETERSON, A. A. (orgs.). Cenas de sala de aula. Cam-


pinas: Mercado de Letras, 2001.

CURTO, L. M.;Editora,
gre: Artmed MORILLO, M. M.;
2000. v. 1TEIXIDÓ,
e 2. M. M. Escrever e ler . Porto Ale-

DIONÍSIO, A. P. et al. Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna,


2002.

FRANCHI, E. P. Pedagogia da alabetização: da oralidade à escrita. 5.


ed. São Paulo: Cortez, 1995.

FRANCO, A.; SOUZA ALVES, A.; ANDRADE, R. C. Construtivismo: uma


ajuda ao proessor. 4. ed. Rio de Janeiro: Lê, 1997.

GARCEZ, L. A escrita e o outro . Brasília: EdUnB, 1998.

GERALDI, J. W. (org.). O texto na sala de aula: leitura e produção. 3. ed.


Cascavel: ASSOESTE, 1987.

KATO, M. A.  A concepção da escrita pela criança. Campinas: Pontes


Editores, 1988.

KLEIMAN, A.; MORAES, S. Leitura e interdisciplinaridade: tecendo re-


des nos projetos da escola. Campinas: Mercado de Letras, 2000.
______; SIGNORINI, I. (orgs.). O ensino e a ormação do proessor – al-
abetização de jovens e adultos. Porto Alegre: Artmed, 2000.

______. (org.)  A ormação do proessor – perspectivas da lingüística


aplicada. Campinas: Mercado de Letras, 2001.

LEAL, T. F.; ALBUQUERQUE, E. B. C. de. (orgs.). Desaos da educação


de jovens e adultos – construindo práticas de alabetização. Belo Hori-

zonte:
  Autêntica, 2005.
LEMLE, M. Guia teórico do alabetizador . São Paulo: Ática, 2001.

MARTINS, M. H. (org) Questões de linguagem. São Paulo: Contexto,


1996.

MOLLICA, M. C. A infuência da ala na alabetização. Rio de Janeiro:


Tempo Brasileiro, 1998.

MORAIS, A. G. de. (org.). O aprendizado da ortograa. Belo Horizonte:


Autêntica, 2000.

NEMIROVSKY, M. O ensino da linguagem escrita . Porto Alegre: Art-


med Editora, 2002.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 83/85
8 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

OLSON, D. O mundo no papel : as implicações conceituais e cogniti-


vas da leitura e da escrita. São Paulo: Ática, 1997.
ROJO, R. Alabetização e letramento. Campinas: Mercado das Letras,
1998.

PAULINO, G. et al. Tipos de textos, modos de leitura. Belo Horizonte:

Formato Editorial, 2001.


POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola . São Paulo:
Mercado das Letras, 1996.

ROJO, R. Alabetização e letramento. Campinas: Mercados das letras,


1998

SCLIAR-CABRAL, L. Guia prático de alabetização. São Paulo: Contex-


to, 2003.

______. Princípios do sistema alabético. São Paulo: Contexto, 2003.

SIGNORINI, I. (org.). Investigando a relação oral/escrita e as teorias do


letramento . Campinas: Mercado das Letras, 2001.

SMOLKA, A. L. B.  A criança na ase inicial da escrita: a alabetização


como processo discursivo. São Paulo: Cortez, 1988.

______; GOES M. C. (orgs.) A linguagem e o outro . São Paulo: Mercado


Aberto,
1997.
______; . et al. Leitura e desenvolvimento da linguagem. São Paulo:
Mercado Aberto, 1989.

XAVIER, M. L.; DALLA ZEN, M. I. (orgs). Ensino da Língua Materna. Por-


to Alegre: Mediação, 1999.

ZACCUR, E. (org.)  A magia da linguagem. Petrópolis: DP&A Editora,


2001.

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 84/85
84 
5/10/2018 Educacao_e_Lingua_Materna[1]-slidepdf.com

http://slidepdf.com/reader/full/educacaoelinguamaterna1 85/85

Você também pode gostar