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Processamento sensorial no Transtorno do Espectro Autista

Relato de Pesquisa

Percepção de Professores em Relação ao Processamento Sensorial de


Estudantes com Transtorno do Espectro Autista1
Teachers’ Perception in Relation to the Sensory Processing of Students
with Autism Spectrum Disorder

Rubiana Cunha MONTEIRO2


Camila Boarini dos SANTOS3
Rita de Cássia Tibério ARAÚJO4
Danielle dos Santos Cutrim GARROS5
Aila Narene Dahwache Criado ROCHA6

RESUMO: Este estudo objetivou identificar a percepção dos professores em relação ao processamento sensorial de estudantes com
Transtorno do Espectro Autista (TEA). Participaram da pesquisa 19 professores de Educação Infantil e Ensino Fundamental I de
escolas públicas de um município do interior do estado de São Paulo, bem como seus 62 estudantes. A coleta de dados foi realizada
entre os meses de setembro de 2018 e maio de 2019. Foi utilizada a avaliação escalar Perfil Sensorial 2 de Acompanhamento
Escolar, que avalia crianças e adolescentes a partir da perspectiva dos professores. A análise dos resultados ocorreu mediante
categorias do instrumento. Em todas as categorias, Quadrantes (Exploração, Esquiva, Sensibilidade, Observação), Seções Sensoriais
e Comportamentais (Auditivo, Visual, Tato, Movimentos e Comportamental) e Fatores Escolares (Fator Escolar 1, Fator Escolar
2, Fator Escolar 3 e Fator Escolar 4), a classificação de “Mais e Muito Mais que a Maioria dos Outros (as)” expressou a maior
porcentagem, totalizando, em todos os aspectos avaliados pelo instrumento, 62,9%. O estudo identificou que estudantes com TEA
que apresentam um perfil caraterístico de disfunções de Integração Sensorial sofrem impacto da condição de estrutura e função
corporal nos processos de ensino e de aprendizagem e na participação em atividades dentro da sala de aula. Os resultados apontam
para a importância das ações do terapeuta ocupacional no ambiente escolar por meio do trabalho colaborativo com o professor,
visto que os resultados em relação ao perfil sensorial interferem diretamente no desempenho dos estudantes com TEA perante as
demandas das atividades no contexto escolar.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Especial. Processamento Sensorial. Escola. Terapia Ocupacional. Transtorno do Espectro Autista.

ABSTRACT: This study aimed to identify the perception of teachers in relation to the sensory processing of students with Autism
Spectrum Disorder (ASD). Nineteen teachers of Early Childhood Education and early grades of Elementary Education from
public schools in a municipality in the state of São Paulo, Brazil, participated in the research, as well as their 62 students. Data
collection was carried out between the months of September 2018 and May 2019. A scale assessment of the Sensory Profile 2
of School Monitoring was used, which evaluates children and adolescents from the perspective of the teachers. The analysis of
the results occurred through the categories of the instrument. In all categories, Quadrants (Sensory seeking, Sensory Avoiding,
Sensory Sensitivity And Low Registration), Sensory and Behavioral Sections (Auditory, Visual, Tactile, Vestibular and Behavioral)
and School Factors (School Factor 1, School Factor 2, School Factor 3 and School Factor 4 ), the classification of “More and Much
More than the Majority of the Others” expressed the highest percentage, totaling, in all aspects assessed by the instrument 62.9%.
The study identified that students with ASD, who have a characteristic profile of Sensory Integration dysfunctions are impacted

1
https://doi.org/10.1590/1980-54702020v26e0195
2
Terapeuta Ocupacional graduada pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP). E-mail: rubianamon-
teiroto@gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-3384-5352
3
Terapeuta Ocupacional. Mestra em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação UNESP. E-mail: camilaboarini@
hotmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0001-5594-0305
4
Terapeuta Ocupacional. Doutora em Educação pela UNESP.  Docente do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacio-
nal da UNESP e do Programa de Pós-Graduação em Educação UNESP. E-mail: rita.araujo@unesp.br. ORCID: https://orcid.
org/0000-0002-1463-1175
5
Terapeuta Ocupacional. Doutora em Ciências da Saúde pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Docente
do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da UNESP. E-mail: danielle.garros@unesp.br. ORCID: https://orcid.
org/0000-0003-1525-0056
6
Terapeuta Ocupacional. Doutora em Educação pela UNESP.  Docente do Departamento de Fisioterapia e Terapia Ocupacio-
nal da UNESP e do Programa de Pós-Graduação em Educação UNESP. E-mail: aila.rocha@unesp.br. ORCID: https://orcid.
org/0000-0001-6186-875X

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by the condition of body structure and function in the teaching and learning processes and the participation in activities within
the classroom. The results point to the importance of the occupational therapist’s actions in the school environment through
collaborative work with the teacher, since the results in relation to the sensory profile directly interfere with the performance of
students with ASD in view of the demands of activities in the school context.
KEYWORDS: Special Education. Sensory Processing. School. Occupational Therapy. Autism Spectrum Disorder.

1 Introdução
A Integração Sensorial (IS) foi um termo utilizado pela primeira vez em 1963 por
Anna Jean Ayres, terapeuta ocupacional. Ayres (1972) definiu IS como sendo um processo
neurológico de organização das sensações provindas do corpo (tato, olfato, audição, visão,
vestibular e proprioceptiva) e do ambiente, tornando possível a utilização correta do corpo no
ambiente. Dessa forma, a IS caracteriza-se como um processo de input sensorial, seguido pelo
processamento da informação no Sistema Nervoso Central (SNC) e output motor (resposta
adaptativa) (Serrano, 2016).
A terapeuta ocupacional Winnie Dunn, 1997, propôs a definição de processamento
sensorial, como uma forma de organização da IS, que busca a interação entre o limiar neuro-
lógico e a autorregulação da conduta do indivíduo. Dunn (1997) indica quatro modelos de
quadrantes para o processamento sensorial, sendo eles: Exploração, Esquiva, Sensibilidade e
Observação (Dunn, 1997, 2017; Metz et al., 2019).
Os quadrantes propostos por Dunn (1997) estão relacionados à quantidade de estí-
mulos sensoriais necessários para uma resposta neuronal (limiar neurológico) e a forma como
os indivíduos se comportam para controlar suas necessidades (autorregulação). No entanto,
em cada quadrante apresentam-se características diferentes de comportamento (Dunn, 1997,
2017).
A criança ou adolescente que se encontra no quadrante de Exploração apresenta
limiar neurológico elevado, mas possui estratégias de autorregulação ativa, representando o
grau que uma criança obtém estímulo sensorial gerando novas ideias. Contrapondo-se a esse
fato, o indivíduo que se enquadra em Observação apresenta um limiar neurológico elevado
com autorregulação passiva, grau em que uma criança deixa de receber um estímulo sensorial.
Para o quadrante Sensibilidade, enquadram-se indivíduos que apresentam limiares
neurológicos baixos e uma estratégia de autorregulação passiva, sendo o grau em que uma
criança detecta um estímulo sensorial. No que se refere ao quadrante Esquiva, os indivíduos
que nele se enquadram apresentam limiares neurológicos baixos e uma estratégia de autorregu-
lação ativa, significando o grau em que uma criança se incomoda com um estímulo sensorial
(Dunn, 2017).
Quando o SNC não consegue ou tem dificuldades de processar as informações sen-
soriais do meio, emerge-se o que se chama Disfunções de IS. Essas disfunções são divididas em
três categorias: Disfunções de Modulação Sensorial, Disfunções de Discriminação Sensorial e
Disfunções Motoras de Base Sensorial (Serrano, 2016).

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A Disfunção de Modulação Sensorial caracteriza-se quando o indivíduo apresenta


uma reatividade em excesso ou uma resposta insuficiente aos estímulos sensoriais, tendo difi-
culdade em responder apropriadamente à intensidade, natureza e grau do estímulo. Os indiví-
duos com Disfunção de Modulação Sensorial podem ser: 1) hiper-responsivos, quando exibem
reações exageradas aos estímulos; 2) hipo-responsivos, quando não respondem ou têm uma
menor resposta aos estímulos; 3) Comportamentos de busca sensorial, quando necessitam de
grande quantidade de informações para ativar os sistemas sensoriais (Serrano, 2016).
Por um lado, os indivíduos que apresentam Disfunções de Discriminação Sensorial
têm dificuldade em interpretar as informações de maneira correta, havendo, assim, uma falha
na capacidade de dar significado às qualidades específicas dos estímulos. Por outro lado, os
indivíduos que apresentam Disfunções Motoras de Base Sensorial podem ser subdivididos
em indivíduos com Disfunção Motora, caracterizada pela dificuldade em estabilizar o corpo
durante o movimento, e indivíduos com Dispraxia, caracterizados pela dificuldade em planejar,
sequenciar e executar uma nova ação ou uma série de ações motoras (Serrano, 2016).
O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é uma disfunção do neurodesenvolvimento
caracterizada por alterações comportamentais, de comunicação e de interação social. Estudos
demonstram que cerca de 45% a 96% de indivíduos com TEA apresentam algum tipo de
Disfunção de IS, esses indivíduos têm dificuldade para se adaptarem aos estímulos sensoriais
que envolvem o ambiente, tendo tais alterações impacto direto em sua participação social
como, por exemplo, nas atividades escolares (Diretrizes de Atenção à Reabilitação da Pessoa com
Transtornos do Espectro do Autismo, 2013; Howe & Stagg, 2016; Metz et al., 2019).
A escola é caracterizada como um “ambiente natural”, que proporciona diversos estí-
mulos, com diferentes frequências e graus de complexidade, sendo este um ambiente favorável
para o desenvolvimento da criança. No período escolar, as crianças e os adolescentes com TEA,
ou não, encontram na escola um ambiente propício para o input de informações sensoriais, e
é também nesse ambiente que as dificuldades no processamento sensorial são evidenciadas, o
que pode gerar barreiras para a participação nas atividades que acontecem no contexto esco-
lar (Piller, Fletcher, Pfeiffer, Dunlap, & Pickens, 2017; Mills & Chapparo, 2017). A Lei n°
12.764, de 27 de dezembro de 2012, institui a Política Nacional de Proteção dos direitos da
pessoa com TEA e garante ao indivíduo o acesso à sala comum da rede regular de ensino e o
direito, se houver necessidade, à acompanhante. Apesar da existência da lei, as especificidades
do estudante com TEA, que diversas vezes são acentuadas pela Disfunção de IS, podem prover
déficits de participação e o desempenho no contexto escolar, sendo necessárias algumas adap-
tações no ambiente que atendam às demandas apresentadas pelo sujeito (Lei n° 12.764, 2012;
Howe & Stagg, 2016).
No ambiente escolar, o espaço físico e as pessoas envolvidas precisam ser preparados
para receber um estudante de inclusão. Essa temática deve ser abordada considerando não
apenas os estudantes e os professores, mas também os responsáveis pelas crianças, de modo a
conscientizá-los do quanto o processo de inclusão é gratificante para a construção do conhe-
cimento de seus filhos. Para o estudante com TEA, o ambiente escolar pode conter muitos
estímulos, principalmente os visuais e auditivos, que podem ser perturbadores, tornando-se

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necessários cuidados em relação aos estímulos sensoriais presentes no contexto, a fim de que
não prejudiquem a participação do estudante nas atividades (Brito & Sales, 2014).
O terapeuta ocupacional, com um olhar biopsicosociocultural sobre o indivíduo, ao
observar seus papéis ocupacionais, considera o contexto e o ambiente e intervém de forma a ade-
quar a relação entre as demandas do ambiente e a capacidade funcional do indivíduo. No caso do
estudante com TEA, são identificadas as barreiras que impedem a sua participação no ambiente
escolar e a importância do terapeuta ocupacional se destaca, sobretudo na implementação de
estratégias de IS que visam adequar o ambiente a fim de potencializar as habilidades desses indiví-
duos por meio de ações realizadas juntamente ao professor (Mills & Chapparo, 2017).
Após a busca de referenciais teóricos para esta pesquisa (Ashburner, Ziviani, &
Rodger, 2008; Kasari & Smith, 2013; Weeks, Boshoff, & Stewart, 2012), evidencia-se que a
criança com TEA apresenta dificuldades no processamento sensorial; no entanto, há uma la-
cuna de estudos quanto ao conhecimento sobre a percepção de professores em relação ao perfil
sensorial dos estudantes, bem como sobre as possíveis dificuldades que esses estudantes podem
apresentar durante as atividades realizadas no contexto escolar. As evidências científicas estão
centradas em estudos de IS fora do contexto escolar, sendo ainda baixa a produção científica
que evidencie o uso de intervenções baseadas nas estratégias de IS no contexto escolar, prin-
cipalmente com respeito a estudantes com TEA (Ashburner et al., 2008; Mills, Chapparo, &
Hinitt, 2016; Case-Smith, Weaver, & Fristad, 2015). O cenário científico não é diferente no
Brasil, pois não foi encontrado nenhum estudo sobre o assunto, o que confere destaque a esta
proposta.
Dessa forma, a relevância deste estudo justifica-se pela necessidade de identificação
da percepção dos professores em relação às habilidades das crianças, visando posteriormente a
apresentação de propostas de intervenções baseadas no trabalho colaborativo entre os profissio-
nais, terapeuta ocupacional e professor, no que concerne à IS no contexto escolar, direcionado
à potencialização do acesso do estudante aos processos de ensino e de aprendizagem. Nessa
perspectiva, o objetivo desta pesquisa foi, portanto, identificar a percepção dos professores em
relação ao processamento sensorial dos estudantes com TEA.

2 Método
Este estudo foi submetido ao Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Filosofia
e Ciências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP) – Campus
Marília, São Paulo, respeitando as prerrogativas da Resolução No 510, de 7 de abril de 2016,
da   Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP), que versa sobre ética em pesquisa
com seres humanos, tendo recebido parecer favorável, sob o Protocolo nº 2.782.707 e CAAE:
91173018.2.0000.5406. Participaram desta pesquisa 19 professores7 de Educação Infantil e
Ensino Fundamental I de escolas públicas de um município do interior do estado de São Paulo,
bem como seus estudantes, sendo 62 no total.

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Alguns dos professores entrevistados trabalhavam no período da manhã e da tarde, sendo, dessa maneira, responsáveis por mais
de um estudante.

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Os critérios de inclusão utilizados foram de que os estudantes participantes deveriam


ter idade entre 3 anos e 0 meses a 14 anos e 11 meses, diagnóstico de TEA, sendo excluídos
aqueles que apresentassem deficiências físicas, auditivas e visuais associadas ao TEA. A coleta de
dados ocorreu entre os meses de setembro de 2018 e maio de 2019. Para a coleta, utilizou-se a
avaliação escalar Perfil Sensorial 2 proposta por Winnie Dunn, que tem por objetivo comparar
o desempenho da criança e/ou adolescente em relação a outros de sua mesma idade e identificar
seu comportamento sensorial em diferentes contextos.
A avaliação utilizada é composta por cinco questionários (Perfil Sensorial 2 do Bebê,
Perfil Sensorial 2 da Criança Pequena, Perfil Sensorial 2 da Criança, Perfil Sensorial 2 Abreviado,
Perfil Sensorial 2 de Acompanhamento Escolar) e ofereceu um conjunto de ferramentas padro-
nizadas para identificar os padrões de processamento sensorial da criança no contexto de vida
diária. As informações obtidas proporcionaram uma maneira de determinar como o processa-
mento sensorial pode interferir em relação à participação da criança nos diferentes aspectos de
sua vida social (Dunn, 2017).
Neste estudo, utilizou-se o questionário Perfil Sensorial 2 de Acompanhamento
Escolar, que avalia crianças e adolescentes, a partir da perspectiva dos professores, composto
por 44 itens sobre os estudantes e sua participação no contexto escolar. A primeira parte de
cada formulário contém itens para descrever as respostas das crianças, termo utilizado pela
avaliação, em relação às experiências sensoriais diárias no contexto escolar. As questões foram
preenchidas pela pesquisadora, a partir das percepções dos professores que indicaram a fre-
quência de respostas do estudante a diversas experiências sensoriais, usando uma escala de 5
pontos, variando o padrão de resposta da seguinte forma: Quase sempre equivale a 5 pontos;
Frequentemente, a 4 pontos; Metade do tempo, a 3 pontos; Ocasionalmente, a 2 pontos;
Quase nunca, a 1 ponto; e Não se aplica, a 0 ponto.
As pontuações de corte da avaliação são baseadas nas médias e nos desvios padrões
para cada pontuação resumida. Essas pontuações proporcionam um sistema de classificação
para categorizar a tendência de uma criança para comportamento específico. Esse sistema de
classificação é composto por cinco categorias que refletem grupos específicos ao longo da cur-
va em sino: Muito menos do que Outros(as); Menos do que Outros(as); Exatamente como a
maioria dos(as) Outros(as); Mais do que Outros(as); e Muito mais do que Outros(as). Neste
estudo, a análise dos dados ocorreu a partir do agrupamento de cinco categorias em três grupos:
estudantes classificados como “Muito menos do que Outros(as) e Menos do que Outros(as)”;
estudantes classificados como “Exatamente como a maioria dos(as) Outros(as)”; estudantes
classificados como “Mais do que Outros(as) e Muito mais do que Outros (as)”. Para a orga-
nização dos resultados, os dados foram tabelados por meio do Microsoft Office Excel. Para a
análise dos resultados, foi utilizada a estatística descritiva, a fim de caracterizar o processamento
sensorial por meio da avaliação de crianças com TEA.

3 Resultados e discussão
Os resultados apresentados dizem respeito ao padrão do processamento sensorial de
62 estudantes. O Gráfico 1 e o Gráfico 2 caracterizam os estudantes deste estudo, contendo a
idade e o gênero, respectivamente, dos participantes.

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Idade
19,3%
17,7%

9,6%
8,06% 8,09%
6,4% 6,4% 6,4% 6,4%
4,8% 4,8%

1,6%

3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14
anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos anos

Gráfico 1. Idade dos participantes da pesquisa.


Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

De acordo com o Manual de Orientação, desenvolvido pelo Departamento Científico


de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da Sociedade Brasileira de Pediatria
([SBP], 2019), o diagnóstico do TEA ocorre, em média, aos 4 e 5 anos de idade, dado signifi-
cativo para o presente estudo, visto que a maioria dos estudantes estão enquadrados nessa faixa
etária, representando, juntos, 37,09% dos participantes (SBP, 2019).

Gênero
75,8%

24,2%

Feminino Masculino

Gráfico 2. Gênero dos participantes da pesquisa.


Fonte: Elaborado pelas autoras, 2019.

Observa-se que, neste estudo, a maioria dos participantes é do gênero masculino,


fator que converge com pesquisas publicadas relatando a prevalência do TEA por gênero, e, se-

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gundo a literatura, a prevalência do gênero masculino é quatro vezes maior do que a do gênero
feminino (Christensen et al, 2016; Griesi-Oliveira & Sertié, 2017).
Em relação aos padrões de processamento sensorial referente aos Quadrantes
(Exploração, Esquiva, Sensibilidade, Observação), pode-se observar os resultados obtidos em
relação à consideração da percepção dos professores na Figura 1.

Legenda: Menos e Muito Menos do que a Maioria dos Outros(as)


Exatamente como a Maioria dos Outros(as)
Mais e Muito Mais do que Maioria dos Outros(as)

Figura 1. Quadrantes: Exploração, Esquiva, Sensibilidade e Observação.


Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Observa-se que, nesta pesquisa, o quadrante com maior número de crianças enqua-
dradas em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)” é o de Exploração (Figura
1), representados com 66,1% dos estudantes. Dessa forma, os estudantes classificados em tal
pontuação no quadrante Exploração têm interesse em explorar o ambiente, buscando oportu-
nidades para aumentar a entrada de estímulos sensoriais em todas as atividades. É fundamental
considerar que a busca constante por estímulos pode colocar a criança em risco, visto que,
durante as brincadeiras no parquinho da escola, por exemplo, elas não podem buscar acentua-
damente determinados estímulos sem se preocupar com a sua segurança (Dunn, 2017).
O estudo de Mills e Chapparo (2017) teve por objetivo captar as percepções dos
professores em relação ao uso de um cronograma de atividades na sala de aula. Os pesquisa-
dores entrevistaram 19 professores de estudantes com TEA e relatam que o comportamento
explorador dos estudantes com TEA é agravado por inputs visuais e auditivos, fato que justifica
a média de 67,1% dos estudantes deste estudo estarem classificados em “Mais e Muito Mais do
que a Maioria dos Outros(as)” tanto no quadrante de Exploração (Figura 1), quanto nas seções
sensoriais Auditivo e Visual (ver Figura 3 mais adiante).

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Nos quadrantes de Esquiva e Observação, os resultados referentes aos estudantes


que se classificam em “Exatamente como a Maioria dos Outros(as)” se igualam, representando
32,25%. O comportamento de Esquiva está relacionado à participação dos estudantes nas
atividades. O estudo de Piller e Pfeiffer (2016) teve como objetivo explorar a relação entre as
características sensoriais do ambiente pré-escolar a partir da perspectiva de 13 profissionais en-
tre professores e terapeutas ocupacionais que trabalhavam com crianças com TEA, por meio do
“Questionário do ambiente sensorial da participação” (PSEQ-TV). Os resultados desse estudo
identificaram que as crianças com um comportamento “mais ou muito mais do que a maioria”
evitaram atividades que requeriam maior estimulação sensorial, como, por exemplo, as ativi-
dades que envolviam a entrada tátil, sendo a participação das crianças dentro dessas tarefas
afetada pelo input sensorial. Tal dado corrobora o presente estudo, tendo em vista as alterações
sensoriais tanto no comportamento de Esquiva (Figura 1), quanto no Tato (ver Figura 2 mais
adiante).
Outro estudo que identificou as dificuldades de crianças com TEA que apresentam o
comportamento de esquiva mais evidente do que seus pares foi realizado por Ashburner et al.
(2008), tendo como objetivo explorar as associações entre processamento sensorial, emocional,
comportamental e os resultados educacionais de crianças com TEA. Nesse estudo, 28 crianças
com TEA foram comparadas a 51 crianças com desenvolvimento do processamento sensorial
sem alterações. Os resultados que se relacionaram ao contexto escolar indicaram que crianças
com comportamentos de esquiva preferem ambientes sensoriais com poucos estímulos, poden-
do apresentar dificuldades em prestar atenção em instruções verbais quando se tem a presença
de outros estímulos auditivos, o que interfere no desempenho acadêmico do estudante, fazendo
com que ele seja insuficiente (Ashburner et al., 2008; Dunn, 2017).
Os resultados do estudo de Ashburner et al. (2008) corroboram com os resultados
identificados nesta presente pesquisa, visto que, no estudo dos autores, foi identificado que
72% das crianças com TEA têm o padrão sensorial de Observação e, neste estudo, a porcenta-
gem foi de 62,9%. Tal padrão pode pressupor um pior desempenho acadêmico, tendo em vista
que estudantes observadores podem demorar a detectar um estímulo, realizando uma busca
constante para aumentar seus limites de inputs sensoriais. Nesse caso, Ashburner et al. (2008)
e Dunn (2017) indicam a utilização de pistas como estratégia a fim de manter o estudante
envolvido na atividade proposta pelo professor.
No quadrante Sensibilidade, a porcentagem de estudantes que apresentaram disfun-
ção no processamento sensorial, classificadas em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos
Outros(as)” representam 56,4%, dado que corrobora a pesquisa realizada por Simpson, Adams,
Alston-Knox, Heussler, & Keen (2019), a qual identificou subtipos sensoriais em crianças com
TEA usando o Perfil Sensorial 2, sendo este respondido pelos cuidadores das crianças. O estudo
citado (Simpson et al., 2019) obteve resultado semelhante ao deste estudo, tendo em vista que,
na perspectiva dos pais, as crianças com TEA apresentaram um comportamento “Mais e Muito
Mais do que a Maioria dos outros(as)” em 65,7% dos casos, corroborando a percepção dos
professores analisada na presente pesquisa.
Os resultados obtidos nesta pesquisa têm implicações no ambiente escolar, que deve
estar adequadamente organizado para favorecer o desempenho da criança, visto que os estímu-

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los do ambiente podem causar uma auto desregulação no estudante com TEA, comprometen-
do o ensino e a aprendizagem (Dunn, 2017).
A Figura 2 apresenta os resultados a respeito das Seções Sensoriais e Comportamentais
(Auditivo, Visual, Tato, Movimentos e Comportamental) da percepção dos professores em re-
lação a seus estudantes.

Legenda: Menos e Muito Menos do que a Maioria dos Outros(as)


Exatamente como a Maioria dos Outros(as)
Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)

Figura 2. Seções sensoriais e comportamentais: auditivo, visual, tato, movimentos e


comportamental.
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Em relação à seção sensorial Auditivo (Figura 2), estudantes que se enquadram nas
categorias “Mais e Muito Mais do que os Outros(as)” podem ser incomodados por estímulos
auditivos comumente presentes no ambiente escolar, tendo como consequência a ação de evitar
as tarefas exigidas, estando, neste estudo, 62,9% dos estudantes classificados nessa categoria.
Os estudantes enquadrados em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos
Outros(as)”, na seção sensorial Auditivo (Figura 2) e nos quadrantes apresentados na Figura
2 de Comportamento (59,67%) e Movimentos (69,35%) se aproximam, fator que corrobora
o estudo de Piller e Pfeiffer (2016), em que os professores relataram que estudantes com sen-
sibilidade auditiva demonstravam uma aversão tão forte perante o eco em sala de aula que o
comportamento no ambiente se modificava, tendo como consequência uma movimentação di-

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ferenciada, podendo, em alguns casos, ficarem em posição fetal no chão sempre que o professor
começava a falar (Piller & Pfeiffer, 2016).
Howe e Stagg (2016) investigaram as experiências de adolescentes com TEA enquan-
to estavam em uma sala de aula, utilizando uma técnica qualitativa para aceder às experiências
subjetivas dos participantes em questões sensoriais dentro desse ambiente. Para a coleta de
dados, os autores utilizaram um questionário estruturado que exigia respostas escritas. Os re-
sultados do estudo citado demonstrou que todos os participantes apresentaram limiares altos
em relação ao padrão auditivo, o que afeta a aprendizagem do estudante com TEA no contexto
escolar, sendo este o único aspecto considerado por todos os estudantes como ruim em seu
envolvimento escolar (Howe & Stagg, 2016).
O estudo de Giacardy et al. (2018) examinou a relação entre sintomas de modulação
sensorial e comportamentos mal adaptativos em um grupo de crianças com TEA. Para a coleta
de dados, os autores utilizaram como proposta metodológica a observação transversal, em que
as características de modulação sensorial foram avaliadas usando o Perfil Sensorial Abreviado
de Dunn (2017), e os comportamentos adaptativos e o quociente social foram avaliados pela
Escala de Comportamento Adaptativo proposta por Vineland. Foi identificado que as crianças
que apresentaram disfunções sensoriais tiveram interferência em seus comportamentos adap-
tativos nas atividades de vida diária como, por exemplo, dificuldades para vestir-se e ir ao
banheiro, tarefas que são realizadas pelo estudante no contexto escolar e que provavelmente
necessitaram de planejamento prévio e maior apoio externo para serem efetivadas (Giacardy et
al., 2018).
Identificou-se, neste estudo, que, na seção sensorial Visual, ocorreu a maior preva-
lência de estudantes classificados como “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)”,
com 72,5%, como pode ser observado na Figura 3. Tanto no estudo de Piller e Pfeiffer (2016)
quanto no de Ashburner et al. (2008) foi observado que 43% das crianças apresentavam dis-
funções no processamento visual. Os professores entrevistados nos dois estudos identificaram
algumas estratégias para aumentar a participação em sala de aula de seus estudantes, sendo uma
das estratégias descritas por esses professores a mudança na iluminação da sala, escurecendo ou
apagando as luzes.
Observa-se que os resultados obtidos pelos estudantes no quadrante Observação
(Figura 1) e na seção sensorial Auditiva (Figura 2) se igualam no que diz respeito aos classifi-
cados em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)”, representando 62,9% dos
participantes. Tal dado corrobora o estudo realizado por Ashburner et al. (2008) em que os
professores identificaram que estudantes com padrão sensorial de observação têm um pior
desempenho acadêmico, tendo em vista a possível dificuldade de processar informações que
chegam por meio de estímulos auditivos. Esses estudantes podem apresentar como compor-
tamento a busca acentuada por estímulos auditivos que apresentam repetições previsíveis para
que, dessa forma, consigam interpretá-las (Ashburner et al., 2008).
O estudo de Mills e Chapparo (2017) reconheceu que a utilização da intervenção
por meio da IS, implementadas por terapeutas ocupacionais, foi eficiente para a diminuição
dos comportamentos desafiadores apresentados por estudantes com TEA durante as atividades
realizadas no contexto escolar (Mills & Chapparo, 2017).

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Processamento sensorial no Transtorno do Espectro Autista Relato de Pesquisa

Os Fatores Escolares permitem o cruzamento de informações dos padrões de pro-


cessamento sensorial do estudante com as características de aprendizagem eficientes para se-
rem utilizadas no contexto escolar, sendo estes respondidos segundo a perspectiva do professor
(Dunn, 2017). A Figura 3 representa as respostas relacionadas aos Fatores Escolares (Fator
Escolar 1, Fator Escolar 2, Fator Escolar 3 e Fator Escolar 4). Cada resultado obtido leva em
consideração a percepção dos professores sobre seus estudantes, independentemente do gênero
da criança.

Legenda: Menos e Muito Menos do que a Maioria dos Outros(as)


Exatamente como a Maioria dos Outros(as)
Mais e Muito Mais do que Maioria dos Outros(as)

Figura 3. Fatores Escolares (Fator Escolar 1, Fator Escolar 2, Fator Escolar 3 e Fator Escolar 4)
Fonte: Elaborada pelas autoras, 2019.

Na categoria Fator Escolar 1, que representa a necessidade de o estudante receber


apoio do professor e/ou mediador escolar para participar das atividades em sala de aula, a
classificação “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)” prevalece com 79,1% dos
participantes. Estudantes enquadrados nessa pontuação necessitam de planejamento e de adap-
tação dos estímulos sensoriais para favorecer a aprendizagem. De acordo com Dunn (2017), os
professores caracterizam as crianças com essas atitudes como aquelas que necessitam de mais
atenção para realizar as tarefas propostas em sala de aula de maneira efetiva, necessitando ora de
redirecionamento, ora de orientações para a realização das atividades propostas.
Mills e Chapparo (2017) descrevem que, apesar de os professores identificarem as
dificuldades em relação ao processamento sensorial de estudantes com TEA, os professores
relataram que não possuem conhecimentos necessários para selecionar recursos que promovam
a participação do estudante de forma eficaz. Os mesmos autores destacaram ser importante

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MONTEIRO, R.C. et al.

o estabelecimento de parcerias entre terapeutas ocupacionais e professores para a avaliação e


intervenção de estudantes com disfunção de processamento sensorial, uma vez que essa con-
dição tem impacto nas atividades de aprendizagem específicas no contexto escolar (Mills &
Chapparo, 2017).
O Fator Escolar 2 reflete a consciência e a atenção do estudante dentro da sala de
aula. Nesse fator, nenhum estudante foi classificado na categoria “Menos e Muito Menos do
que a Maioria dos Outros(as)”. Ainda em relação ao Fator escolar 2, a classificação “Mais e
Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)” representa 56,4% dos estudantes. No ponto de
vista dos professores, tais estudantes são bastante atentos dentro da sala de aula, apesar de, às
vezes, seus níveis de atenção interferirem em sua capacidade de aderir às atividades de aprendi-
zagem propostas (Dunn, 2017).
Segundo Grandin (2014), crianças com TEA apresentam dificuldades nos mecanis-
mos neurológicos que controlam a capacidade de dividir a atenção entre diferentes estímulos.
Os estímulos sensoriais desconfortáveis podem
​​ direcionar a concentração para fora dos princi-
pais elementos do ambiente, como, por exemplo, desviando a atenção durante a apresentação
da aula. Os professores que participaram da pesquisa de Mills e Chapparo (2017) relataram
acreditar que a utilização de intervenções de IS tiveram um impacto positivo sobre a capacidade
de atenção e concentração do estudante durante as atividades do contexto escolar. No estudo
citado, as atividades realizadas com IS pelos professores ocorreram no ambiente escolar e foram
adequadas ao cronograma de atividades do professor (Grandin, 2014; Howe & Stagg, 2016;
Mills & Chapparo, 2017).
O Fator Escolar 3 diz respeito à tolerância do estudante dentro do ambiente de
aprendizagem. Dos estudantes que participaram da pesquisa, 59,67% deles foram enquadrados
em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)”. Por ser um fator em que se espera
limiares baixos, os estudantes com essa pontuação podem ficar sobrecarregados rapidamente
em ambientes de aprendizagem, apresentando comportamento que interfere em sua capacida-
de de compreender instruções, realizar trabalhos independentemente ou cooperar com outros
estudantes da sala (Dunn, 2017).
Mills e Chapparo (2017) relatam que mudanças no contexto e no ambiente do es-
tudante com TEA interferem na execução das atividades propostas em sala de aula. Os pro-
fessores do estudo citado observaram que há um desafio para utilizar estratégias que facilitem
as habilidades dos estudantes, a fim de que concluam as atividades corretamente e de forma
consistente. Piller e Pfeiffer (2016) corroboram os achados de Mills e Chapparo (2017), na
medida em que os participantes de seu estudo descreveram que mudanças na rotina de sala
de aula muitas vezes fazem com que o estudante busque por mais estímulos sensoriais, o que
acontece com crianças classificadas em “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)”,
caracterizando a maior prevalência de classificação de estudantes com TEA deste estudo.
Estudantes com alterações no Fator Escolar 3 necessitam de um ambiente de apren-
dizagem controlado, visto sua reatividade e exigência extrema. Os professores participantes
do estudo de Piller e Pfeiffer (2016) relataram que a adesão às rotinas estruturadas são com-
ponentes essenciais para apoiar a participação das crianças, indicando diferentes estratégias,
como lembretes visuais e verbais da mudança na rotina. Uma sala de aula estruturada em torno

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Processamento sensorial no Transtorno do Espectro Autista Relato de Pesquisa

das necessidades sensoriais dos estudantes é um elemento importante para uma participação
bem sucedida dos estudantes com TEA no ambiente de aprendizagem (Dunn, 2017; Piller &
Pfeiffer, 2016).
Já o Fator Escolar 4 representa a disponibilidade do estudante para a aprendiza-
gem, e, nesse fator, os estudantes que se enquadram em “Exatamente como a Maioria dos
Outros(as)” representam 29,03% dos participantes, e os estudantes classificados em “Mais e
Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)” representam 62,9% dos participantes nessa clas-
sificação. Estudantes com padrões inesperados nesse fator perdem oportunidades de participar
e aparentam desinteresse durante as tarefas de aprendizagem, necessitando de uma retomada
das instruções e do conteúdo da atividade proposta. É fundamental que os profissionais que
atuam com esse estudante identifiquem a quantidade ideal de estimulação sensorial para per-
mitir a participação efetiva do estudante em contexto escolar (Dunn, 2017).
Neste estudo, observa-se que, em todas as categorias do instrumento – Quadrantes
(Figura 1), Seções Sensoriais e Comportamentais (Figura 2) e Fatores Escolares (Figura 3) –, a
classificação de “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos Outros(as)” expressa a maior preva-
lência de classificação, totalizando, em todos os aspectos avaliados pelo instrumento, 62,9%.
Esse resultado corrobora o estudo de Simpson et al. (2019), no qual se identificou que os
participantes apresentaram uma classificação de “Mais e Muito Mais do que a Maioria dos
Outros(as)” em todas as categorias do instrumento, sendo em ambos os estudos a maior pon-
tuação obtida.
Os resultados deste estudo demonstram evidência quanto à probabilidade de grande
parte dos estudantes com TEA apresentarem disfunções de IS e, consequentemente, a neces-
sidade do encaminhamento desses estudantes para avaliação e possível intervenção baseada na
Teoria de IS proposta por Ayres (1972). Atualmente, no Brasil, a formação de profissionais para
intervenções que utilizam a teoria de IS proposta por Ayres é oferecida para profissionais da
área de terapia ocupacional, assim como propõe a Associação Brasileira de Integração Sensorial
([ABIS], 2013).
Há, no entanto, a necessidade de um trabalho direcionado ao uso de intervenções
baseadas em estratégias de IS no contexto escolar, a fim de ajudar estudantes com TEA a ter
acesso aos processos de ensino e de aprendizagem, considerando que as condições ambientais
afetam diretamente o desempenho ocupacional desse estudante. A Resolução Nº 500, de 26 de
dezembro de 2018, do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO),
reconhece a especialidade de Terapia Ocupacional no Contexto Escolar, sendo o trabalho cola-
borativo entre terapeutas ocupacionais e professores significativo, visto que, por meio dele, se
estabelece uma relação benéfica, a fim de buscar estratégias para a redução dos comportamentos
indesejáveis.
Os resultados deste estudo bem como as demais evidências da literatura (Ashburner
et al., 2008; Dunn, 2017; Mills & Chapparo, 2017; Piller & Pfeiffer, 2016) permitem iden-
tificar três domínios que justificam e direcionam a proposta de trabalho colaborativo entre
terapeutas ocupacionais e profissionais da educação envolvendo intervenções de IS no contexto
escolar:

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MONTEIRO, R.C. et al.

1. A compreensão, a análise e a intervenção no ambiente físico: é fundamental identificar as


informações sensoriais que envolvem o ambiente escolar e propor modificações ambien-
tais adequadas às habilidades do estudante com TEA. Como exemplo, é possível citar o
cuidado em relação ao nível de ruídos, à iluminação do ambiente, às texturas que envol-
vem a atividade, ao cheiro do ambiente, ao excesso de estímulos visuais, dentre outras
características sensoriais que podem estar presentes.
2. A compreensão, a análise e a intervenção no ambiente social: envolve a atenção aos re-
lacionamentos e as expectativas do estudante com TEA em relação às diferentes pessoas
presentes no contexto escolar. Para isso, há necessidade de: a) identificar as pessoas que
são referências para o estudante; b) capacitar os profissionais para reconhecer as habilida-
des de estudantes com TEA em diferentes atividades e a relação dessas habilidades com a
IS (atividades em sala, no parque, na quadra, no recreio e em outros ambientes escolares;
c) trabalhar as interações entre o estudante e seus pares, considerando as expectativas
para a faixa etária, os papéis e a rotina e também levando em conta as possíveis interfe-
rências no desempenho do estudante com TEA relacionadas ao processamento sensorial
da criança.
3. A implementação de recursos e estratégias: cabe ao terapeuta ocupacional realizar a aná-
lise das atividades presentes no contexto escolar e, posteriormente, junto ao professor
planejar e implementar recursos e estratégias baseadas na teoria de IS que podem ampliar
o desempenho do estudante. Um exemplo desse domínio seria o uso de fones de ouvido
para a diminuição de ruídos que envolvem o ambiente, a implementação de atividades
específicas que visam aumentar ou diminuir o nível de alerta do estudante, o uso de
recursos visuais específicos durante as atividades, a necessidade do uso da Comunicação
Suplementar e Alternativa, entre outras propostas que atendam às demandas individuais
de cada estudante.

4 Conclusão
Este estudo teve por objetivo identificar a percepção dos professores em relação ao
processamento sensorial dos estudantes com TEA. Para isso, utilizou-se como instrumento de
pesquisa o Perfil Sensorial 2 de Acompanhamento Escolar, que avalia crianças e adolescentes
a partir da perspectiva dos professores. Os resultados deste estudo demonstraram que, na clas-
sificação dos estudantes com TEA e o perfil característico para Disfunções de IS, prevaleceu
a indicação de hiper-responsivas. Esse resultado sinaliza a importância de cuidados quanto à
adequação do ambiente para a realização de atividades, mediante a implementação de inter-
venções baseadas em estratégias de IS para os estudantes, a fim de melhorar a participação e o
desempenho desses alunos nas atividades escolares.
Sugere-se, portanto, que haja o trabalho colaborativo entre o terapeuta ocupacional e
os profissionais da educação para realizar as modificações ambientais e de rotina relacionadas ao
processamento sensorial, buscando apoiar a autorregulação e a criação de oportunidades para
facilitar a participação do estudante com TEA no contexto escolar. Além disso, evidencia-se a
necessidade de políticas públicas que garantam atuação do terapeuta ocupacional no contexto
escolar, garantindo, assim, não apenas intervenções com enfoque clínico, que já ocorrem no

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Processamento sensorial no Transtorno do Espectro Autista Relato de Pesquisa

ambiente externo, mas também o trabalho colaborativo entre o terapeuta ocupacional e os


profissionais da educação. Sugere-se em estudos futuros a implementação e a análise de inter-
venções por meio do trabalho colaborativo no contexto escolar, baseadas em estratégias de IS
que considerem os domínios identificados neste estudo.
]

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Recebido em: 16/12/2019


Reformulado em: 01/05/2020
Aprovado em: 06/07/2020

638 Rev. Bras. Ed. Esp., Bauru, v.26, n.4, p.623-638, Out.-Dez., 2020

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