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Brocardo 2009 Analogia Anotado
Brocardo 2009 Analogia Anotado
AINDA A ANALOGIA
(notas em torno da adequação descritiva e valor explicativo do conceito de
analogia em linguística histórica)
1. Introdução
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‘analogia’ terá começado por corresponder àquilo que hoje designaríamos regularidade sincrónica
(flexão), para passar a referir um fenómeno inerentemente irregular. Veja-se, no entanto, Hock (2003:
443-445) para mais dados sobre a história do termo em linguística.
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exemplo da evolução da forma da segunda pessoa do plural do presente do indicativo de
ESSE para português antigo:
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No extremo oposto, temos mudanças analógicas (quase) regulares, no sentido
em que afectam todos os elementos que constituem uma dada classe, ou seja, contra o
que é comportamento típico da analogia, todas as formas que são candidatas potenciais,
i.e., que têm a mesma estrutura morfo-fonológica, são afectadas pela mudança, o que
decorrerá da concorrência de factores intra e interparadigmáticos (Hock 1991: 179). Em
trabalhos anteriores (Brocardo 2002, 2006), propus esta análise para a mudança sofrida
em português pelos antigos particípios em –udo dos verbos da segunda conjugação, cuja
evolução para –ido (por exemplo, vençudo > vencido) terá sido determinada, quer pela
influência da terminação dos particípios de verbos da terceira conjugação (como
partido), quer pela influência do –i- que ocorria já dentro de cada paradigma em formas
de pretérito (como venci, vencia...).
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Mas já em 1974 Vincent, no já referido artigo com o sugestivo título de
“Analogy reconsidered”, voltava a percorrer as clássicas generalizações de Kuryłowicz e
Mańczak sobre mudanças analógicas e analisava criticamente a proposta generativista
de King (1969). Entre as conclusões do seu trabalho, inclui a de que “(...) there is an
area of language change for the understanding of which some concept of analogy is
essential. This area has been called various names – analogy, false analogy, reanalysis,
abduction – which one may consider of greater or less felicity, but the problem is not
thereby eliminated.” (Vincent 1974: 436).
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vago, impreciso, pouco rigoroso – o que poderá até ser uma apreciação justa para certos
usos da classificação como ‘analógicos’ de processos insuficientemente caracterizados,
o que acontece em particular em trabalhos com objectivos mais estritamente descritivos
(em particular manuais, gramáticas, dicionários). Não deixa, apesar disso, de reaparecer
ciclicamente de forma mais ou menos central em discussões teóricas sobre a diacronia
linguística.
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ocorridas nas histórias das línguas. Ou seja, mesmo aceitando a sugestão do autor de
que toda a mudança linguística é, num certo sentido, analógica, continuamos a ter de
recorrer a diferentes (sub)tipos de mudanças para o seu tratamento adequado. De resto,
o próprio autor começa por assumir o carácter não preditivo da sua hipótese,
nomeadamente no que respeita à determinação da produtividade de determinados
padrões morfológicos (Hock 2003: 455) e nesse aspecto não constituirá qualquer avanço
em relação a propostas anteriores, como a já referida da Morfologia Natural.
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entre os quais, por exemplo, os que viriam a dar origem a formas de artigo indefinido e
definido nas línguas românicas.
Limitar-me-ei aqui a notar que há, em meu entender, alguns pontos
insuficientemente aprofundados nesta discussão, e que se prendem justamente com a
própria noção de analogia. Contra os críticos, notaria que não pode colocar-se no
mesmo nível conceptual analogia e mudanças meramente definidas em função de um
dado nível de análise, quando o que se pretende pôr em causa é o valor explicativo de
um dado conceito. Se ‘gramaticalização’ não tem um valor explicativo, também o não
têm ‘mudança fonética’ ou ‘semântica’ ou, já agora, ‘analogia’, se não houver qualquer
outro enquadramento. Caracterizar uma mudança como analógica, sempre pressupõe
uma motivação, estabelecida a partir de uma relação entre formas ou estruturas – num
nível mais superficial ou mais abstracto – mas é necessário definir o que sustenta essa
relação, num dado nível de análise, ou melhor, na inter-relação de diferentes níveis.
Em contrapartida, se se sustenta que há apenas alguns tipos de gramaticalização
‘analogicamente condicionados’, será necessário determinar em que condições se
estabelece a motivação analógica, e em que condições ela está ausente.
Será também necessário esclarecer a relação entre analogia e reanálise, um
processo ao qual é atribuído papel central em diferentes abordagens desenvolvidas em
linguística histórica. A reanálise costuma distinguir-se da analogia por actuar ao nível
da alteração da estrutura gramatical e não da forma em si, mas é preciso notar que
pressupõe um modelo analógico para ser desencadeada (“Reanalyses are not creative,
but motivated by an analogical model.” Lehmann 2004: 160). O que nos leva a pensar
que a discussão só será coerente e profunda se se rediscutir, mais uma vez, a adequação
da noção de analogia nas várias vertentes da linguística histórica.
Não basta invocar a analogia como alternativa a diferentes propostas, mais ou
menos pretensamente gerais, sobre a mudança linguística, como se se ignorasse todas as
questões de fundo que a noção coloca e todo o esforço de aprofundamento dessas
questões que vem a ser desenvolvido em linguística histórica, desde as mais remotas
origens da disciplina. O que quero dizer é que não se pode tomar a analogia como um
‘dado’, uma espécie de primitivo (pré)teórico a que pode sempre recorrer-se. É
necessário esclarecer, numa dada teoria, se a noção tem ou não um papel no quadro
proposto, como e por que se integra ou não nesse quadro e, se a ela se recorre, como se
articula com outros princípios ou generalizações propostas, em que condições, etc.
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3. Conclusão
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Referências
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passado em português". In Mateus, Maria Helena e Clara Nunes Correia, (eds)
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137-145
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