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Sumário
1.0 NEUROPSICOLOGIA – DEFINIÇÕES E OBJETIVOS DE ESTUDO ................... 4
1.1 Histórico da Neuropsicologia ................................................................................. 8
1.2 Pressupostos teóricos e método(s) de estudo da Neuropsicologia ................. 16
2.0 AS FUNÇÕES COGNITIVAS .................................................................................. 18
2.1 Atenção ....................................................................................................................... 18
2.2 A linguagem................................................................................................................ 20
2.3 Percepção................................................................................................................... 21
2.4 Praxias ........................................................................................................................ 23
2.5 Memória ...................................................................................................................... 26
2.5.1 Classificação das Memórias .............................................................................. 34
2.5.2 Memória Sensorial .............................................................................................. 37
2.5.3 Memória de Trabalho.......................................................................................... 39
2.5.4 Memória de Longa Duração .............................................................................. 44
5.4 Funções executivas ....................................................................................................... 56
5.5 Funções executivas da aprendizagem..................................................................... 60
5.5.1 Funções conativas da aprendizagem ............................................................... 65
5.5.2 Funções executivas da aprendizagem ............................................................. 72
6.0 O QUE UM NEUROPSICOLOGO FAZ? ..................................................................... 91
6.1 Quais as habilidades necessárias que um Neuropsicólogo precisa ter? ............. 94
6.2 Mercado de trabalho da Neuropsicologia ................................................................ 96
7.0 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLOGICA .......................................................................... 97
7.1 Avaliação neuropsicológica da criança - indicações e contribuições .................. 104
8.0 REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA .................................................................. 116
8.1 A reabilitação neuropsicológica sob a ótica da psicologia comportamental ....... 124
8.1.1 Behaviorismo e cognição ................................................................................. 128
8.1.2 Interface entre reabilitação neuropsicológica e análise do comportamento 129
8.1.3 Avaliação comportamental ............................................................................... 133
8.1.4 Planejamento da reabilitação norteado pela teoria comportamental ........... 136
8.2 Reabilitação neuropsicológica pediátrica .............................................................. 139
8.3 Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com
demência de Alzheimer ................................................................................................. 152
8.3.1 Reabilitação da memória.................................................................................. 157
8.3.2 Técnicas de reabilitação de memória na DA .................................................. 161
8.4 Uma proposta de reabilitação neuropsicológica através do programa de
enriquecimento instrumental (PEI) ............................................................................... 167

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8.5 Reabilitação Neuropsicológica e TDAH ................................................................. 181
8.5.1 Conhecendo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)...... 184
8.5.2 Áreas e funções do cortex cerebral afetadas pelo TDAH ............................. 193
8.5.3 Avaliação Neuropsicológica e Instrumentos ................................................... 196
8.5.4 Planejamento da reabilitação neuropsicológica ............................................. 201
REFERÊNCIAS: ................................................................................................................. 205

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1.0 NEUROPSICOLOGIA – DEFINIÇÕES E OBJETIVOS DE ESTUDO

A Neuropsicologia é considerada uma disciplina científica que se ocupa das


relações cérebro/funções cognitivas, ou seja, das funções cognitivas e suas
bases biológicas (Rodrigues, 1993). É uma ciência de caráter interdisciplinar em
suas origens, que busca estabelecer uma relação entre os processos mentais e
o funcionamento cerebral, utilizando conhecimento das neurociências, que
elucidam a estrutura e o funcionamento cerebral, e da psicologia, que expõe a
organização das operações mentais e do comportamento (Seron, 1982).

Define-se também como uma ciência dedicada a estudar a expressão


comportamental, emocional e social das disfunções cerebrais (Lezak et al.,
2004), os déficits em funções superiores produzidos por alterações cerebrais
(Barbizet & Duizabo, 1985), as inter-relações entre cérebro e comportamento,
cérebro e funções cognitivas (Luria, 1966) e, de forma mais ampla, as relações
entre cérebro e comportamento humano (Benton, 1971). Entre as funções
neuropsicológicas estão atenção, percepção, orientação auto psíquica, temporal
e espacial, linguagem oral e escrita, memória, aprendizagem, funções motoras,
praxias, raciocínio, cálculos e funções executivas.

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Como parte de um corpo maior de conhecimento, as Neurociências, a
Neuropsicologia é uma área interdisciplinar de conhecimento e atuação, que
integra conhecimentos, instrumentos, métodos e modelos teóricos de várias
áreas, como a Psicologia, a Neurologia, a Psiquiatria (e outras áreas da
Medicina), a Linguística, a Psicolinguística, a Neurolinguística, a Inteligência
Artificial, a Fonoaudiologia, a Farmacologia, a Fisioterapia, a Terapia
Ocupacional, a Educação, a Biologia, entre outras. Interdisciplinaridade pode ser
definida como um ponto de cruzamento entre atividades (disciplinares e
interdisciplinares) com lógicas diferentes (Leis, 2005). O profissional em
neuropsicologia, portanto, realiza uma revisão dos conhecimentos, seleciona-os
e utiliza-os em função de seu objetivo: compreender a relação entre cérebro e
funções mentais/cognitivas. Um corpo de conhecimentos interdisciplinares
caracteriza a Neuropsicologia e pode ser acessado e utilizado por profissionais
formados nas áreas que compõem esse corpo de conhecimentos. Conforme
Lezak et al. (2004), os profissionais nesse campo têm formações em Psiquiatria,
Neurologia, Neurocirurgia, Psicologia, Fonoaudiologia, entre outras. As
sociedades de classe em Neuropsicologia no Brasil (Ex: Sociedade Brasileira de
Neuropsicologia, SBNp) e no mundo (Ex: Sociedade Latinoamericana de
Neuropsicologia, SLAN, e Sociedade Internacional de Neuropsicologia, INS) são
formadas por profissionais de várias áreas e congregam conhecimentos
advindos de pesquisa básica e aplicada de contribuições interdisciplinares
relevantes.

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A Neuropsicologia Cognitiva busca compreender o funcionamento do
cérebro normal e de suas disfunções por meio de modelos ou arquiteturas
funcionais de tratamento da informação. Procura extrair conclusões sobre os
processos cognitivos normais a partir dos padrões de processos alterados ou
intactos e das estratégias utilizadas, observados em pacientes com
lesões/disfunções cerebrais. A Neuropsicologia Cognitiva tem papel importante
também na validação de conclusões obtidas com os estudos de neuroimagem e
outros dados neuropsicológicos (Caramazza & Coltheart, 2006), tendo uma forte
contribuição da Psicologia Experimental (Temple, 1997). Ela está mais
interessada no estudo de sintomas e manifestações (ex. anomia) e não
síndromes (grupos de sintomas), como afasia de Broca (Caramazza & Coltheart,
2006), tendo sido útil no diagnóstico do locus funcional dos déficits cognitivos do
paciente, considerando que um mesmo nível de desempenho em um teste pode
ser decorrente de diferentes razões relacionadas ao funcionamento cerebral.

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A intervenção em Neuropsicologia contempla o processo de avaliação e
reabilitação neuropsicológicas. A avaliação neuropsicológica geralmente
abrange grandes classes de funções, como as funções receptivas (habilidades
de selecionar, adquirir, armazenar e integrar informações através da visão,
audição e somestesia); memória e aprendizagem; organização mental e
reorganização da informação; funções expressivas (meios nos quais a
informação é comunicada ou colocada em ação), entre outras. A avaliação
envolve os processos/funções deficitários e os preservados, na tentativa de
traçar um perfil neuropsicológico do caso em questão. Os transtornos
neuropsicológicos normalmente incluem diferentes níveis de comprometimento
de funções como memória, atenção, linguagem, funções executivas, habilidades
perceptivo-motoras, entre outras, presentes em quadros de distúrbios
neurológicos e/ou neuropsiquiátricos, do desenvolvimento ou adquiridos.

A reabilitação neuropsicológica, por sua vez, consiste na abordagem de


tratamento que tem por objetivo recuperar uma função cognitiva prejudicada ou
perdida ou adaptar o paciente aos déficits adquiridos, visando ao mais alto nível
de adaptação possível. Wilson (1989) define a reabilitação cognitiva como um
processo em que pessoas com dano cerebral trabalham junto a profissionais da
área de saúde, familiares e membros da comunidade para remediar ou minimizar

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os déficits cognitivos. O conhecimento de modelos cognitivos e uma avaliação
neuropsicológica completa são essenciais para o processo de reabilitação.

1.1 Histórico da Neuropsicologia

O termo neuropsicologia foi usado pela primeira pelo neurologista William


Osler, em 1913, mas a área do conhecimento é bem mais antiga e interdisciplinar
(Benton, 2000; Caplan, 1987). Alguns marcos importantes no histórico da
Neuropsicologia e para a interdisciplinaridade são, de um lado, os estudos de
Aloajouanine, Ombredane (Ombredane, 1929) e Duran, e de outro, os estudos
de Luria. A Neuropsicologia, tal como conhecemos hoje, surge, em 1932, na
França, como o trabalho pioneiro desses três autores representantes de
diferentes áreas: um neurologista (Aloajouanine), um psicólogo (Ombredane) e
uma linguista (Duran).

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É importante salientar que a história da Neuropsicologia se mescla com a
história da Neuropsicologia da Linguagem (ou Neuropsicolinguística), desde o
início da década de 1860, com as ideias de Dax (1836) e de Broca (1861) sobre
o papel especial do hemisfério cerebral esquerdo (HE) para a fala/linguagem.
Conhecida inicialmente como "afasiologia", apenas a partir de 1932 ela se torna
realmente uma área interdisciplinar, congregando as áreas de Neurologia,
Linguística e Psicologia.

Por muitas décadas a atividade humana e a estrutura funcional da


percepção e da memória, da atividade intelectual e da fala, do movimento e da
ação foi descrita em termos puramente mentais e abstratos, baseada nas
relações empíricas entre percepção e associação. Entretanto, um aspecto
importante permanecia sem explicações: quais os mecanismos cerebrais nos
quais esses processos se baseiam? (Luria, 1966). Neste sentido, a partir do
conhecimento do cérebro, a Neuropsicologia organizou um poderoso
instrumento conceitual para a revisão dos mecanismos e estrutura dos

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processos cognitivos, levando à criação de uma teoria da base cerebral da
atividade mental humana. Luria propõe uma localização dinâmica das funções
cognitivas, afirmando que os processos mentais humanos são sistemas
funcionais complexos e integrados. Além disso, Luria revoluciona o campo
através de ideias baseadas nas mudanças cognitivas a partir de alterações
sociais ou comunitárias, o que abriu portas para a compreensão do dinamismo
envolvendo as atividades mentais e o desenvolvimento do cérebro.

A evolução da Neuropsicologia tem como base a rota histórica dos


estudos do comportamento e do cérebro. A característica distintiva da
Neuropsicologia é o método anátomo-clínico, desenvolvido por pioneiros tais
como Broca, Wernicke, Lichthein, Dejerine, Goldstein, entre outros, os quais
tinham formações diversas, entre fisiologistas, neurologistas, psiquiatras,
psicólogos, lingüísticas, entre outras. Walter Poppelreuter, por exemplo, tinha
formação dupla em Medicina e Psicologia, tendo sido um dos pioneiros na
introdução de técnicas psicométricas na avaliação neuropsicológica, ainda
durante a I Guerra Mundial (Preilowski, 2000).

Além de outros pioneiros, tais como o já citado Luria (Tranel, 2005), a


motivação para o desenvolvimento da Neuropsicologia no Século XX veio do
trabalho colaborativo entre médicos e psicólogos. Destacam-se, entre estes, Kurt
Goldstein e Adhemar Gelb, Norman Geschwind e Edith Kaplan, Klaus Poeck e
Walter Huber, Morris Bender e Hans-Lukas Teuber, entre outros (Preilowski,
2000).

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Dentre os eventos marcantes na história da área, ocorridos principalmente
na segunda metade do século passado, estão a criação da Sociedade
Internacional de Neuropsicologia, que desde 1951 organiza anualmente um
simpósio de natureza interdisciplinar - International Neuropsychological
Symposium - e também uma série de eventos que aconteceram entre as
décadas de 1960 e 1980, sob a liderança de Henri Hecaen, Ennio de Renzi,
Klaus Poeck, Norman Geschwind, Elizabeth Warrington e outros profissionais de
diversas áreas para fomentar o desenvolvimento da Neuropsicologia (Boller,
1999, Zangwill. 1984). Além disso, a criação dos periódicos Neuropsychologia,
por Henry Hecaen (Hecaen & Albert, 1978), e do periódico Córtex, por De Renzi,
contribuíram para a divulgação da produção científica crescente oriunda de
diferentes centros de pesquisa em Neuropsicologia. Também marcantes são as
publicações dos livros "Higher Cortical Functions in Man" (Luria, 1966),
"Cognitive Neuropsychology of Reading" (Marshall & Newcombe, 1973) e
"Cognitive Neuropsychology of Memory" (Warrington & Shallice, 1969).

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Brenda Milner

Um dos marcos do desenvolvimento da Neuropsicologia foi uma série de


estudos de Brenda Milner sobre o paciente H.M. Apesar das suposições iniciais
de que o hipocampo é relacionado à memória, foi uma surpresa, naquela época,
o que aconteceu ao paciente H.M. Ele foi submetido a uma cirurgia na qual uma
larga porção do Lobo Temporal Mesial (LTM) foi ressecado bilateralmente,
incluindo o hipocampo e o córtex circundante, a fim de aliviar uma epilepsia
intratável. Diversos relatos de outros pacientes amnésicos tendo lesões da
formação hipocampal surgiram desde então (Bueno, 2010).

Na década de 1960, com o nascimento da Psicolinguística, num enfoque


de processamento da informação, a Neuropsicologia teve um ganho teórico
substancial (Kristensen et al., 2001). A Linguística é um pilar tão importante
quanto a Psicologia e a Neurologia para a área de Neuropsicologia. Grande
número das tarefas e testes elaborados e utilizados regularmente em

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Neuropsicologia tem (ou deveriam ter) critérios linguísticos, cuja interpretação
requer muitos conhecimentos de processamento de linguagem (sem falar das
tarefas específicas de avaliação da linguagem, que fazem parte do processo de
avaliação neuropsicológica). Portanto, a interpretação da avaliação de outras
funções cognitivas também depende de parâmetros linguísticos.

A Neuropsicologia, desde sua origem, é muito mais experimental do que


psicométrica, com tarefas e paradigmas experimentais que conduzem a
interpretação de processos subjacentes ao desempenho, preservados ou
deficitários. Recentemente, conhecimentos de psicometria têm sido agregados
à Neuropsicologia, mas sua base essencialmente experimental e interpretativa
teoricamente por modelos cognitivo-linguísticos de processamento da
informação sempre será o cerne.

No contexto brasileiro é preciso mencionar iniciativas no âmbito didático,


de assistência e de pesquisa, que resultaram na criação de ambientes propícios
ao desenvolvimento da área de Neuropsicologia. Podemos destacar, por
exemplo, as iniciativas pioneiras, como a de Antônio Branco Lefèvre (1916-
1981), neurologista, que ao escrever a tese de doutorado sobre "Contribuição
para o estudo da patologia da afasia em crianças" (Lefèvre, 1950), inaugurou e

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estendeu as fronteiras da Neuropsicologia brasileira. Sua tese foi reconhecida
internacionalmente. Lefèvre foi reconhecido como o pai da Neurologia Infantil no
Brasil (Reimão et al., 2008), tendo sido organizador do exame neurológico
evolutivo (ENE) (Lefèvre, 1972). Nos anos 80, a psicóloga Beatriz Lefèvre
publicou o livro Neuropsicologia Infantil (Lefèvre, 1989). Na Divisão de Clínica
Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP
(FMUSP), Beatriz e Antonio Lefèvre criaram setor destinado à avaliação de
pacientes em enfermarias e ambulatórios de Neurologia. Os casos eram
amplamente discutidos em reuniões gerais da clínica neurológica, com a
participação de residentes, graduandos e pós-graduandos. Dessas reuniões
participaram alunos do Professor Lefèvre, como a neurologista Irene
Abramovich, que escreveu o primeiro trabalho sobre aquisição de apraxias buco-
faciais, e o futuro Dr. Norberto Rodrigues, que veio a ser um dos fundadores da
Sociedade Brasileira de Neuropsicologia (SBNp).

Maria Alice de Mattos Pimenta Parente, fonoaudióloga, publica em 1974


um estudo com 100 pacientes neurocirúrgicos da então Escola Paulista de
Medicina (Hospital São Paulo), com a avaliação neuropsicológica de Luria e
coordena grupo brasileiro que integrou pesquisa internacional, liderado por A. R.
Lecours, da Universidade de Montreal, sobre fatores sociais, como
analfabetismo, e a manifestação das alterações de linguagem após lesão
cerebral, projeto do qual derivam várias publicações (Lecours & Parente, 1982;

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Lecours, Mehler & Parente, 1985, a, b, c, 1988; Parente & Lecours, 1998, 1988
a, b,). Além de importantes publicações em nível nacional e internacional, a
professora Maria Alice Parente constituiu um grupo de pesquisa em Porto Alegre,
na UFRGS, em Neuropsicologia, tendo sido responsável pela formação de vários
profissionais que hoje atuam na área. A partir de 1984, Maria Alice Pimenta
Parente ministrava cursos de afasia na PUC/SP. Em 1987, Maria Alice Parente
e Letícia Lessa Mansur (USP), também fonoaudióloga, criaram em cooperação
com a Divisão de Clínica Neurológica e Clínica Médica, o campo de estágio em
Neurolinguística do Curso de Fonoaudiologia da Faculdade de Medicina da
Universidade de São Paulo. Contaram para isso com a parceria de Lúcia Iracema
Zanotto de Mendonça (neurologista) e Wilson Jacob Filho (geriatra). Em 1990,
Letícia Lessa Mansur criou um Programa de Aprimoramento em Neurolinguística
no curso de Fonoaudiologia da USP, com o objetivo de capacitar fonoaudiólogos
à assistência e pesquisa na área de adultos e idosos portadores de distúrbios
linguístico-cognitivos decorrentes do envelhecimento e de doenças
neurológicas. O curso foi aprovado a partir do reconhecimento da atuação de
profissionais de saúde, entre eles os fonoaudiólogos na área de Neuropsicologia.

Do ponto de vista clínico, a psicóloga Candida Helena Pires de Camargo,


em parceria com o Professor Raul Marino Junior, tiveram uma importante
trajetória no Brasil na avaliação neuropsicológica de pacientes com Epilepsia e
outros transtornos neurológicos, através de um trabalho que culminou na
formação de vários profissionais da área.

A partir daí, muitos outros ambientes de formação, assistência e produção


de conhecimento surgiram (e ainda estão surgindo) em diversos estados
brasileiros, em instituições de Ensino Superior, Instituições de Saúde e Centros
Clínicos. Foge do escopo do presente manuscrito expor todas estas bem-
sucedidas iniciativas, centros de pesquisa e clínica brasileiros. Para ter uma ideia
da disseminação da área em termos de investigação científica, pode-se
consultar o "Diretório de Grupos de Pesquisa do CNPq". São encontrados mais
de 50 grupos de pesquisa com o termo Neuropsicologia.žNa Plataforma Lattes
do CNPq são encontrados em torno de 100 pesquisadores com bolsa de
Produtividade em Pesquisa, com uma grande diversidade de formações, que
trabalham com temas relacionados à Neuropsicologia. É importante ressaltar
que nenhum curso de graduação no Brasil prepara o profissional para atuação

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em Neuropsicologia. A formação, portanto, ocorre em nível de Pós-Graduação
(ou prática supervisionada).

1.2 Pressupostos teóricos e método(s) de estudo da Neuropsicologia

A Neuropsicologia baseia-se na interação entre modelos cognitivos e


modelos neurais (neuroanatômicos e neurofisiológicos). Os modelos cognitivos
são fornecidos por várias áreas, como a Psicologia Cognitiva, a Linguística, a
Psicolinguística, a Neuropsicolinguística. Os modelos neurais são fornecidos
pela biologia (Anatomofisiologia), como o modelo de Luria, por exemplo. Ainda,
está calcada nos pressupostos da modularidade (Fodor, 1983) e nos conceitos
de associação e dissociação.

O sistema cognitivo exibe modularidade, ou seja, possui vários módulos


ou processadores cognitivos de relativa independência. O dano (lesão ou
disfunção cerebral) causado a um módulo não afeta diretamente o
funcionamento dos outros módulos. Os módulos (conceito de macro-
modularidade) seriam linguagem oral, leitura, percepção visual, percepção
auditiva, memória (especificidade de domínio). Como exemplo, a capacidade de
processar música seria relativamente independente da capacidade de
percepção de linguagem. Cada módulo é decomposto em subprocessos (micro-
modularidade). Alguns pacientes apresentam déficits graves na memória de
curto prazo, por exemplo, mas possuem uma memória de longo prazo intacta.
Outros pacientes possuem o quadro inverso.

Associações de sintomas constituem síndromes que se expressam por


déficits de desempenho no mesmo conjunto de tarefas. Como exemplo, poderia
se mencionar um paciente A com bom desempenho de memória verbal, porém

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com baixo desempenho de memória visual. Dissociações de desempenhos
dividem-se em simples e duplas. As dissociações duplas ocorrem quando um
caso "A" apresenta um desempenho satisfatório na tarefa 1 e um desempenho
insatisfatório na tarefa 2, mas um caso "B" apresenta um desempenho
insatisfatório na tarefa 1 e satisfatório na tarefa 2 (Kristensen et al., 2001). Os
estudos de casos múltiplos são úteis para mostrar dissociações duplas entre
funções neuropsicológicas, que, por sua vez, são indicativas de processamentos
funcionais distintos.

Modernos modelos neuropsicológicos, além dos dados de imagem


provenientes de lesões em pacientes, apoiam-se em conhecimentos advindos
de estudos de ativação cerebral em indivíduos sadios, bem como em inferências
realizadas a partir de simulações de redes neurais criadas em computadores. Os
esforços atuais de pesquisadores de diversas áreas ainda se dirigem à busca
dos substratos neurais da atividade mental, ou processos cognitivos, em suas
questões. Onde (quais áreas do cérebro estão implicadas em determinado
processo?). Como (que tipo de correlações neuro-funcionais esse processo
estabelece? Em que tipo de circuito neural ou rede determinado processo
acontece?) Quando (em que sequência?) Por quê (em que bases se estabelece
o suporte neural de processos específicos?) O avanço na obtenção de respostas
a essas complexas questões pressupõe uma conjugação de saberes
provenientes de diversas áreas.

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2.0 AS FUNÇÕES COGNITIVAS

As funções cognitivas são divididas em: memória, atenção, linguagem,


percepção e funções executivas. O sistema cognitivo nada mais é do que a
relação entre estas funções, desde os comportamentos mais simples até os
de maior complexidade, que exigem muito mais do nosso cérebro. Deste modo
vamos analisar cada uma das partes que agregam as funções cognitivas para
entendermos posteriormente todo o seu contexto:

• Atenção;

• Linguagem;

• Percepção;

• Praxias;

• Memória;

• Raciocínio;

• Comportamento;

• Funções;

• Aprendizagem;

• Emoções.

2.1 Atenção

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A atenção é o processo pelo qual podemos direcionar nossos recursos
mentais sobre os aspectos mais relevantes do meio em que vivemos e sobre a
execução de determinadas ações, as quais consideramos mais adequadas. A
atenção nos mantém em estado de observação e de alerta, o que nos permite
ter consciência do que ocorre no nosso entorno (Ballesteros, 2000). Dito de outro
modo, a atenção é a capacidade de gerar, direcionar e manter um estado de
ativação adequado para o processamento correto da informação. Dentro dessa
função devemos falar sobre cinco processos diferentes:

• Atenção sustentada: capacidade de manter, com fluidez, o foco de atenção


em uma tarefa ou evento durante um período prolongado.

• Atenção seletiva: capacidade para direcionar a atenção e se concentrar em


algo, sem permitir que outros estímulos, internos ou externos, interfiram na
realização de uma tarefa.

• Atenção alternada: capacidade de mudar o foco de atenção de uma tarefa ou


norma interna para outra, de maneira fluida.

• Velocidade de processamento: ritmo no qual o cérebro realiza uma tarefa


(evidentemente, varia de acordo com a tarefa, dependendo do resto das funções
cognitivas envolvidas na mesma).

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• Heminegligência: grande dificuldade ou incapacidade para direcionar a
atenção para um dos lados (normalmente para o lado esquerdo), tanto em
relação ao próprio corpo como ao espaço.

2.2 A linguagem

É uma função que usamos todos os dias, durante a maior parte do tempo,
seja através da linguagem oral (numa conversa) ou da escrita (ao ler ou escrever
um texto).

O conceito de linguagem é definido pelo uso de um meio organizado de


combinar as palavras a fim de se comunicar, embora a comunicação não se
constitua unicamente num processo verbal. As formas não-verbais, como gestos
ou desenhos também são capazes de transmitir ideias e sentimentos.

Tanto a fala quanto a escrita são processos em que o indivíduo seleciona


as palavras que conhece e as organiza num determinado contexto, dentro das
regras gramaticais de seu idioma.

A linguagem é um processo que ocorre apenas se existir uma sequência


coerente de símbolos (sons ou palavras). Assim, para uma comunicação ser
satisfatória, o indivíduo precisa compreender uma determinada informação para
entender a seguinte, e daí por diante até o fim de um texto ou uma conversa.

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Mesmo que a pessoa leia um texto com muita atenção e compreensão,
dificilmente as frases serão armazenadas exatamente iguais como aparecem no
texto. Apenas as informações mais relevantes, como palavras-chave e as ideias
centrais, serão necessárias para a compreensão e armazenamento na memória
de longo prazo.

A leitura adequada é aquela que o sujeito organiza as palavras em grupos


coerentes, dos quais será extraído um significado geral e associados ao tema
principal do texto.

A linguagem também é caracterizada pela sua constate evolução, pois


embora as pessoas respeitem os limites de sua estrutura (gramática, ortografia),
elas podem produzir novas elocuções a qualquer momento. Basta observar as
mudanças ocorridas na escrita de certas palavras há algumas décadas, por
exemplo “pharmácia”.

2.3 Percepção

Para os teóricos Construcionistas, tendo como ícone Jean Piaget, o


desenvolvimento é construído a partir de uma interação entre o desenvolvimento
biológico e as aquisições da criança com o meio social e cultural. Nesta visão

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epistêmica, o conhecimento é contínuo, onde há sempre uma interpretação
abstrata, uma assimilação universal do sujeito sobre aquilo que ele pretende
conhecer. Para Piaget, as estruturas mentais são ativas e agem se
transformando através das interações do sujeito com o meio possibilitando a
compreensão do mundo que o rodeia. A ação/relação de cooperação entre os
sujeitos (professor/aluno) é tida como importante para o desenvolvimento do
conhecimento ser construído na abordagem construtivista/piagetiana. Essa
abordagem é influenciada pela teoria modular de Jerry Fodor, segundo a qual o
humano se desenvolve como produto da interação de mecanismos genéticos e
ecológicos, envolvendo características humanas, variações individuais e
experiências únicas de cada indivíduo.

Na visão de desenvolvimento psicanalítica, temos como expoentes


Sigmund Freud, Melanie Klein, Donald Winnicott e Milton Erikson. Tal
perspectiva procura entender o desenvolvimento humano a partir de motivações
conscientes e inconscientes da criança, focando seus conflitos internos durante
a infância e pelo resto do ciclo vital. A abordagem Sociointeracionista,
Sociocultural ou sócio-histórica de Lev Vygotsky, segundo a qual o
desenvolvimento humano se dá em relação nas trocas entre parceiros sociais,
através de processos de interação e mediação. Para Vygotsky o sujeito é
interativo: “é na relação com a cultura, com a linguagem e com o outro que nos
constituímos seres humanos.” Para ele, o homem adquire conhecimentos a partir
de relações intrapessoais e interpessoais e de troca com o meio, a partir do
processo chamado Mediação. Transformado de ser biológico a ser histórico-
cultural através desta ação mediada e compartilhada, “o sujeito aprende como
um sujeito interativo, ativo e único no seu processo de construção do
conhecimento”. Essa teoria (sujeito interativo) concorda com a de Piaget (sujeito
ativo) quando defende a relação de interação entre sujeito e objeto na construção
do conhecimento, mas distancia-se dele, quando diz que essa relação não é uma
relação direta, mas mediada pelo outro, pela linguagem, pela cultura.

22
A percepção é uma função cognitiva que se constitui de processos pelos
quais o sujeito é capaz de reconhecer, organizar e dar significado a um estímulo
vindo do ambiente através dos órgãos sensoriais.

Por exemplo, se um indivíduo tem seus olhos vendados e lhe são


oferecidos alguns objetos para tatear, ele é capaz de reconhecer - através de
informações armazenadas - a textura (áspero ou macio, duro ou mole), a forma
(quadrado, redondo, grande, etc.) e depois nomear o objeto. O mesmo processo
ocorre com os outros sentidos como o olfato (reconhecer que é “cheiro de
fumaça"), a gustação (identificar se algo é doce ou salgado), a audição (saber
que um som é do canto de pássaros), ou a visão (identificar um obstáculo ao
dirigir um veículo e desviá-lo).

As agnosias são os déficits na capacidade de percepção dos estímulos


sensoriais, especialmente os relacionados à visão. Embora o sujeito não seja
portador de qualquer tipo de deficiência sensorial, ele não é capaz de reconhecer
e identificar o estímulo que lhe é oferecido, normalmente em consequência a
lesões cerebrais adquiridas.

2.4 Praxias

O desenvolvimento da criança é acompanhado pelo aumento e


aprimoramento das formas de comunicação, que não são apenas verbais, mas
também gestuais e pelo uso de objetos, os quais requerem habilidades motoras

23
e a organização dos movimentos, orientados para uma finalidade. Durante muito
tempo, os termos motricidade fina, grossa e global foram usados para se referir
a habilidades que são muito mais amplas que isso. Hoje a neurociência
específica que a execução dos atos motores intencionados portanto, dos atos
voluntários coordenados e orientados conforme uma intenção específica é
denominada PRAXIA.

No período pré-escolar a criança tem uma grande evolução nas suas


habilidades práticas. Torna-se hábil na coordenação dos movimentos como
lançar e agarrar uma bola, e na execução dos gestos relacionados às sus
atividades de vida diária, como se vestir ou comer sozinha. Está relacionado ao
desenvolvimento do esquema corporal. A criança, quando tem alguma alteração
do desenvolvimento, que em geral é de ordem neurológica, pode apresentar
diversas alterações que podem prejudicar a aquisição de habilidades, inclusive
de escrita.

1. Praxia Ideomotora

“Refere-se à atividade gestual em um contexto de comunicação. Envolve,


assim, gestos simbólicos como dar tchau, mandar um beijo, imitar gestos ou
fazer mímicas. Por isso, incentivar a criança pequena a realizar estes gestos ou
mímicas auxilia no desenvolvimento desta habilidade, que é relevante para a
aquisição de outras habilidades motoras.”

24
2. Praxia Ideatória

Com o desenvolvimento da praxia ideomotora, a criança passa, então, a


fazer uso de objetos como, por exemplo, encher o copo com água, abotoar a
roupa e se pentear. A praxia ideatória exige, assim, não apenas a coordenação,
mas sobretudo, a capacidade de realizar um movimento que tem uma sequência,
uma finalidade, o qual obedece a ordem necessária, com harmonia, precisão e
eficiência. Por isso, é importante incentivar a criança a realizar atividades como
tomar banho (nas crianças pequenas sob supervisão), se vestir, usar talheres,
etc.

3. Praxia Construtiva

Reflete a capacidade de percepção visual adequada para uma ação


apropriada, implicando na habilidade de reproduzir ou construir figuras,
desenhando ou montando-as. O desenvolvimento da praxia construtiva tem
grande importância na habilidade que requer o uso do lápis, no desenho e na

25
escrita, atividades comuns para a criança. Esta habilidade envolve a síntese
visual (discriminação dos detalhes ou das partes que constituem o todo0, a
elaboração de uma representação mental (integração do objeto em algo
unificado que pode ter um significado) e a reprodução (execução que demanda
um planejamento e o controle dos atos motores). Assim, tem grande importância
nas habilidades que requerem o uso do lápis, no desenho e na escrita, atividades
comuns para a criança.

Várias atividades podem ser utilizadas para estimular o desenvolvimento


da praxia construtiva. Utilizar massinha de modelar, brinquedos de montar,
desenhar ou pintar são muito importantes na primeira infância, pois envolvem o
desenvolvimento desta importante habilidade já que isso está intimamente
relacionada com a escrita, como na reprodução das letras.

2.5 Memória

26
"A memória recolhe os incontáveis fenômenos de nossa existência em um
todo unitário; não fosse a força unificadora da memória, nossa consciência se
Hering
estilhaçaria em tantos fragmentos quantos os segundos já vividos" Ewald
(1920)
.

Grosso modo, chamamos de memória a capacidade que os seres vivos


têm de adquirir, armazenar e evocar informações. Apesar dessa definição
aparentemente simplista, veremos, no decorrer do texto, que ao falar de
memória, definitivamente não estamos falando de algo simples.

A memória é um dos mais importantes processos psicológicos, pois além


de ser responsável pela nossa identidade pessoal e por guiar em maior ou menor
grau nosso dia a dia, está relacionada a outras funções corticais igualmente
importantes, tais como a função executiva e o aprendizado. Ainda que sem
perceber, estamos fazendo uso desse importante recurso cognitivo a todo
momento. Se entramos no carro para ir para a faculdade, temos
necessariamente que nos lembrar para onde estamos indo. Lembrar envolve
diretamente a memória. Não fosse assim, estaríamos impossibilitados de chegar
ao nosso destino. Não fosse a memória, sequer saberíamos que cursamos uma
faculdade, não saberíamos nem mesmo nosso nome, e tampouco o nome de

27
nossos pais, amigos etc. Em outras situações da vida, somos capazes de
identificar comportamentos automáticos que estão, também, intrinsecamente
relacionados à memória. Voltando ao exemplo do carro, muitas pessoas
(aquelas com um tempo considerável de prática) não estão atentas aos seus
movimentos enquanto estão ao volante e dirigem perfeitamente. Acontece ainda
de a pessoa fazer o mesmo trajeto para o trabalho há tanto tempo, que, não raro,
chega ao seu destino sem se lembrar do percurso que tomou. Isso se dá porque
realizamos tão repetidamente certas atividades que é como se nosso corpo
memorizasse os movimentos e pudesse realizá-los automaticamente, sem que
nós tenhamos que estar conscientes dos mesmos.

Com relação à maneira pela qual as memórias são armazenadas, pouco


se sabe a esse respeito. Apesar dos inúmeros avanços feitos pela neurociência
nos últimos anos, ainda é um mistério entender como potenciais elétricos e
fenômenos bioquímicos estão ligados às representações mentais que fazemos,
mesmo que alguns neurocientistas se atrevam a dar saltos conceituais,
encerrando premissas que a ciência é incapaz de fundamentar. O que se sabe,
atualmente, é que as informações que chegam ao nosso cérebro formam um
circuito neural, ou seja, a informação recebida ativa uma rede de neurônios, que,
caso seja reforçada, resultará na retenção dessa informação (por informação,
entendemos qualquer evento passível de ser processado pelo sistema nervoso:

28
um fato, um objeto, uma experiência pessoal, um sentimento ou uma emoção).
Por isso considera-se que a repetição seja uma estratégia necessária para a
memória. Não nos esquecemos, por exemplo, o número do telefone de nossa
casa porque, ao longo de nossa vida, repetimos essa informação inúmeras
vezes. Esse processo interfere na memorização do número exatamente porque
toda vez que repetimos os estímulos, ativamos o mesmo circuito neural. A
ativação contínua reforça esse circuito e torna mais fácil a posterior evocação da
informação armazenada.

Sobre o processo de armazenamento, podemos dividi-lo em três


subprocessos, quais sejam: aquisição, consolidação e evocação. A aquisição diz
respeito ao momento em que a informação chega até nosso sistema nervoso e
se dá por meio das estruturas sensoriais, as quais transportam a informação
recebida até o cérebro. O estímulo atinge os órgãos receptores, o qual, através
dos nervos sensitivos, chega ao sistema nervoso central ( Kandel, 2006).

Posteriormente, temos o processo de consolidação, que diz respeito ao


momento de armazenar a informação. Esse armazenamento - que representa a
memória - pode se dar de duas maneiras distintas: (a) através de alterações
bioquímicas ou (b) através de fenômenos eletrofisiológicos. Nos fenômenos
eletrofisiológicos, ao tentarmos memorizar uma situação nova, determinados

29
conjuntos de neurônios continuam disparando durante alguns segundos, retendo
temporariamente a informação somente durante o tempo em que ela é
necessária, extinguindo-a logo em seguida. Esse tipo de fenômeno tem duração
extremamente efêmera e não forma traços bioquímicos. É isso o que ocorre na
memória sensorial e na memória de trabalho (ou memória operacional) que
discutiremos mais adiante (Squire & Kandel, 2003).

Por outro lado, os fenômenos bioquímicos (também chamados de traços


de memória) incluem dois tipos de alterações: as estruturais (morfológicas) e as
funcionais, que ocorrem, ambas, na circuitaria neural. As alterações estruturais
compreendem a formação de novas espinhas dendríticas (as quais permitem
que um determinado neurônio receba mais aferências de outros neurônios) ou
então a formação de novos prolongamentos axonais (os quais permitem que um
dado neurônio transmita mais sinais para os neurônios com os quais ele se
conecta). Podem ocorrer ainda alterações morfológicas que criam circuitos que
anteriormente não existiam. Finalmente, no caso das alterações funcionais, são
formados novos canais iônicos ou novas proteínas sinalizadoras, que otimizam
a transmissão sináptica (Purves et al., 2010).

É interessante observar que, tanto as alterações morfológicas quanto as


funcionais, têm como substrato biológico o mesmo fenômeno: a síntese proteica.
Assim, a informação (quando repetida várias vezes), de alguma maneira ainda
desconhecida, produz fatores que atuam no DNA do neurônio, fazendo com que

30
este comande a síntese de novas proteínas, que podem ser, por exemplo, canais
iônicos (produzindo alterações funcionais), ou espinhas dendríticas e
prolongamentos axonais (produzindo alterações morfológicas) ( Luria, 1981).

Fica claro, portanto, que quando dizemos que o cérebro armazena


informações, não podemos imaginar que a informação fique guardada dentro de
"gavetas cerebrais", ou seja, armazenar uma informação não significa colocá-la
dentro de certos neurônios como se estes fossem uma espécie de armário. O
armazenamento é possível graças à neuroplasticidade, que pode ser definida
como a capacidade que o cérebro tem de se transformar diante de pressões
(estímulos) do ambiente. Disso, podemos concluir também que as informações
ficam armazenadas em regiões difusas do cérebro, envolvendo redes complexas
de neurônios, as quais modificam-se para armazenar informações (Kandel,
Schwartz, Jessell, Siegelbaum, & Hudspeth, 2013).

Mas, como aquilo que lemos, ouvimos, vemos ou pensamos é capaz de


transformar nosso cérebro? Como potenciais elétricos são capazes de gerar as
imagens que vêm à tona em nossa consciência quando nos lembramos da nossa
casa, por exemplo? Ou será que essa relação de causa e efeito entre fenômenos
físico-químicos e representações mentais nem mesmo pode ser estabelecida?
Infelizmente, para essas questões a neurociência ainda não tem respostas
definitivas.

31
Por fim, após o processo de retenção, estaremos aptos a iniciar, caso
assim o desejemos, o processo de evocação das memórias, o qual diz respeito
ao retorno espontâneo ou voluntário das informações armazenadas. A evocação
(ou recuperação) envolve a organização dos traços de memória em uma
sequência coerente no tempo (fenômeno chamado de integração temporal) e
ocorre principalmente no córtex pré-frontal, através de um processo denominado
memória de trabalho, o qual será detalhado mais adiante. Alguns autores
apontam que existem dois tipos de recuperação frequentemente distinguidos:
o reconhecimento e a recordação (Mourão & Melo, 2011b).

A diferença é bem simples: no reconhecimento, estamos diante de um


estímulo previamente conhecido e armazenado, o que implica em certo
sentimento de familiaridade. É o que acontece quando nos encontramos com
pessoas que conhecemos, por exemplo. O contato com um estímulo
anteriormente armazenado traz a sensação de reconhecimento. Por outro lado,
na recordação, não há nada de familiar momentaneamente presente em nossa
percepção consciente. Nesse caso, não estamos diante do estímulo previamente
conhecido (o qual será recuperado). É como se recuperássemos
voluntariamente uma informação armazenada. É isso que acontece quando
precisamos nos lembrar de uma fórmula de física durante a prova: temos que

32
"puxá-la" da memória. Mais uma vez, é importante destacar que normalmente
esses processos estão relacionados. Quando estamos diante de uma pessoa
conhecida, por exemplo, nós a reconhecemos e, logo em seguida, começamos
a recordar espontaneamente uma série de informações referentes a ela, como
seu nome, o local onde a conhecemos, as conversas que tivemos, se é ou não
uma pessoa interessante etc.

Por muito tempo, acreditou-se que evocar uma informação era reativar o
mesmo circuito neural que foi ativado quando estivemos em contato com esse
estímulo pela primeira vez. Assim, quanto mais parecido fosse o ambiente
externo no momento do armazenamento e no momento da evocação, mais
eficiente seria o nosso processo de evocação, pois mais parecidos seriam os
padrões neurais ativados. No entanto, estudos recentes ( Izquierdo & Medina, 1997
)
demonstraram que tanto os mecanismos cerebrais quanto a bioquímica
envolvidos no processo de evocação são diferentes daqueles envolvidos no
processo de armazenamento.

Deve-se atentar para o fato de que os subprocessos descritos acima não


acontecem de maneira linear no tempo, essa divisão é feita apenas para atender
a fins didáticos. Na realidade, o mais das vezes, esses processos acontecem de
maneira simultânea. Por exemplo, enquanto o processo de armazenamento da
informação está em curso (evidentemente esse processo leva algum tempo),
podemos dar início ao processo de evocação dessa mesma informação, sem
que para isso tenhamos que "pausar" momentaneamente o processo de
consolidação da informação. Ou então, quando estamos tentando memorizar um

33
novo conjunto específico de informações, ao mesmo tempo, o cérebro está
recebendo outras tantas informações relacionadas à primeira (logo os processos
de aquisição e consolidação estão em curso concomitantemente). Para
exemplificar, imagine que estejamos estudando sobre o átomo. Enquanto
tentamos construir e armazenar uma possível definição para a palavra átomo,
estaremos lendo (adquirindo) outras inúmeras informações que complementarão
tudo aquilo que iremos armazenar sobre esse assunto, bem como estaremos
evocando quaisquer informações prévias que estejam armazenadas em nosso
cérebro e que sejam relacionadas ao tema.

Além disso, é importante ressaltar que, na prática, os processos de


armazenamento e evocação estão intimamente relacionados e são
interdependentes, pois o modo de organizar a informação quando a mesma é
armazenada influenciará fortemente na facilidade ou dificuldade de recuperar
essa informação posteriormente. Nota-se, portanto, que a divisão do fenômeno
mnemônico em subprocessos se dá apenas a nível teórico, de tal maneira que,
na realidade, eles acontecem de maneira interdependente e não linear.

2.5.1 Classificação das Memórias

34
Conhecendo melhor as peculiaridades e detalhes relativos ao processo
de memorização, os pesquisadores da área classificam a memória em diferentes
tipos. A literatura fala de memória de curto prazo e de memória de longo prazo
desde o século XIX, no entanto, algumas classificações mais recentes levam em
consideração outras características além do tempo de retenção da informação.

Lent (2010)
, por exemplo, propõe que podemos diferenciar as memórias a
partir de duas características centrais: tempo de armazenamento (ultrarrápida,
curto prazo e longo prazo) e natureza da memória (explícita, implícita e de
trabalho).

Mourão e Abramov (2011), por outro lado, propõem uma divisão de


caráter funcional, segundo a qual existem dois tipos de memória: a memória de
arquivo e a memória de trabalho. Nesse caso, os autores apontam que a divisão
se faz apenas para atender a fins didáticos, embora tal classificação não se dê
apenas no nível teórico, uma vez que os diferentes tipos de memória são, de
fato, operados por regiões cerebrais e por mecanismos diferentes. Além disso,
pode acontecer de as memórias apresentarem até mesmo uma natureza
diferenciada, como no caso, por exemplo, das memórias sensorial, memória de
trabalho e memória de longo prazo.

35
Em virtude da extrema dificuldade em classificar as memórias, no
presente artigo apresentaremos uma visão fenomenológica das memórias, ou
seja, nos limitaremos a descrever como cada modalidade de memória se
apresenta à nossa consciência, sem nos preocuparmos com classificações, as
quais, como já dissemos, acabam por ser mais artificiais do que elucidativas.

De fato, a confusão conceitual tem sido a regra, e não a exceção, quando


se escreve sobre memória. Por exemplo, dois especialistas em memória, ambos
com renome internacional, conceituam de maneira totalmente diversa o termo
"memória de curta duração". Para Izquierdo (2011), as memórias de curta
duração são fenômenos de natureza bioquímica, que envolvem plasticidade
sináptica e que se relacionam com a consolidação de memórias de longo prazo.
Já para Baddeley (2007) as memórias de curta duração são fenômenos de natureza
elétrica (que não formam traços bioquímicos) e que se resumem ao
armazenamento de pequenas quantidades de informação por um breve período
Chan, Shum, Toulopoulou e Chen (2008)
de tempo. Paralelamente, citam diversas
classificações diferentes dos "sistemas de memória", desde Luria até os dias
atuais. Nesse artigo pode-se observar que há muito mais dissensão do que
consenso.

36
Como o principal objetivo deste nosso artigo é justamente tentar sanear
as confusões conceituais, passaremos ao largo de classificações ambíguas. Ao
contrário, nos concentraremos nos fenômenos mais facilmente observáveis
quando se analisa o ato de armazenar e evocar informações. Passemos, então
à descrição dos tipos de memória, de acordo às características que podemos
perceber em cada um desses tipos.

2.5.2 Memória Sensorial

A memória sensorial é aquela que nos permite reter as informações que chegam
até nós através dos sentidos, podendo ser estímulos visuais, auditivos,
gustativos, olfativos, táteis ou proprioceptivos. Caracteriza-se por ter curtíssima
duração, caso o estímulo não seja recuperado. Outro detalhe importante é que
a memória sensorial apresenta capacidade relativamente grande, se comparada
à memória de trabalho (que será discutida no próximo tópico). Isso quer dizer
que, na memória sensorial, registramos mais estímulos do que podemos
recuperar, pois, no caso da evocação da informação, entra em ação da memória
de trabalho, que, como citado, tem capacidade reduzida em relação à memória
sensorial. De fato, a memória de trabalho é capaz de armazenar somente cerca
de 5 a 9 (7 mais ou menos 2) itens, conforme discutiremos no próximo tópico.
Apesar da capacidade relativamente maior de reter informações, nem tudo o que

37
fica gravado na memória sensorial se torna consciente para nós, apresentando,
portanto, caráter pré-consciente (Mourão & Melo, 2011a).

Além dos atributos citados acima, a memória sensorial se caracteriza


biologicamente por ser um fenômeno de natureza elétrica. Isso quer dizer que
essas informações não produzem alterações morfológicas e nem funcionais nos
neurônios envolvidos neste processo. A informação está disponível apenas
enquanto os neurônios disparam potenciais elétricos. Com o fim desses
disparos, perde-se a informação. Por exemplo, quando vemos um objeto, a
imagem fica gravada por frações de segundos por meio de disparos elétricos em
neurônios na região do córtex visual (área visual primária), antes mesmo que
tomemos consciência da imagem. Da mesma maneira, quando ouvimos um som,
este produz o disparo de neurônios do córtex auditivo primário (no lobo
temporal), reverberando ali por segundos, independentemente de ser ou não
evocado posteriormente (Kim, 2011).

A memória sensorial visual é conhecida como memória icônica, e seu


registro elétrico fica retido até cerca de apenas meio segundo (500
milissegundos). Já a memória sensorial auditiva é conhecida como memória
ecoica e seu registro dura até 20 segundos (bem mais que a memória icônica).
Assim, todas as modalidades de memórias sensoriais são perdidas em menos
de meio minuto, sendo, por isso, consideradas memórias de natureza
ultrarrápida (Squire et al., 2013).

38
Como veremos mais adiante, a memória de trabalho também se
caracteriza por ser um fenômeno de natureza elétrica. Essa característica nos
leva a concluir que a memória sensorial e a memória de trabalho apresentam
uma natureza diferente das memórias de longa duração, as quais produzem
alterações físicas nos neurônios, modificando a morfologia da circuitaria neural
e força de conexão entre as sinapses. Podemos, portanto, assinalar cinco
características essenciais da memória sensorial: (a) sua matéria-prima são as
informações que chegam até nós pelos sentidos; (b) é ultrarrápida, ou seja,
apresenta curtíssima duração (da ordem de poucos segundos), apesar da
variação de tempo entre diferentes tipos de estímulos (a memória visual, por
exemplo, é mais curta que a memória auditiva); (c) apresenta maior capacidade
de armazenamento que a memória de trabalho, apesar de durar bem menos
tempo que esta; (d) apresenta caráter pré-consciente, ou seja, ocorre antes que
tomemos consciência da informação que os sentidos nos trazem; (e) tal qual a
memória de trabalho, trata-se tão somente de um fenômeno elétrico nos
neurônios, não produzindo alterações morfológicas ou funcionais nas sinapses
(como ocorre com as memórias de longa duração) ( Bear, Connors, & Paradiso, 2008).

2.5.3 Memória de Trabalho

Existe um tipo de memória que, contrariando um pouco o senso comum,


não serve somente para armazenar informações. Ela serve, sobretudo, para
contextualizar o indivíduo e para gerenciar as informações que estão transitando
39
pelo cérebro. É o que chamamos de memória de trabalho. O termo memória de
trabalho passou a ser utilizado há pouco tempo, aparecendo na literatura
somente na década de 1960, o que indica que seu estudo é também recente.
Talvez por isso não haja convergência entre os pesquisadores da área a respeito
da definição desse termo. No entanto, há alguns pontos consensuais a respeito
das características da memória de trabalho, a saber: sua duração ultrarrápida
(de apenas poucos segundos) e sua capacidade limitada (retém apenas 5 a 9
itens) (Goldberg, 2009).

A duração da memória de trabalho é ultrarrápida porque ela nos permite


armazenar uma informação apenas enquanto estamos fazendo uso dessa
mesma informação, ou seja, apenas enquanto certo trabalho está sendo
realizado ou enquanto precisamos elaborar determinado comportamento.
Quando queremos encomendar uma pizza, por exemplo, olhamos o número no
imã da geladeira e conseguimos guardá-lo tempo suficiente para que possamos
chegar ao telefone e discar o número. Quando a informação temporariamente
armazenada deixa de ser útil, ela é descartada e, normalmente, esquecida.
Portanto, é provável que esqueçamos o número de telefone da pizzaria alguns
minutos após termos discado. A memória de trabalho também entra em ação
quando estamos conversando com alguém e, para que possamos encadear as
ideias para que a conversa tenha sentido, temos que nos lembrar
(temporariamente) da última e da penúltima palavra que foram ditas para que a
frase e, posteriormente, a conversa façam sentido. Ao fim do diálogo,
normalmente nos esquecemos da maioria das palavras e nos lembramos
somente de seu conteúdo. É claro que pode acontecer de não nos esquecermos
da informação. Isso dependerá da nossa motivação em armazenar aquela
informação. Portanto, caso seja de nosso interesse, podemos transformá-la em
memória duradoura.

40
Um modelo conhecido da memória de trabalho é o modelo
multicomponente de Baddeley e Hitch (1974). Segundo esses autores, a
memória de trabalho pode ser dividida em 4 componentes principais:
(a) executivo central (que representa o sistema atencional do cérebro);
(b) esboço visuoespacial (que gerencia e armazena temporariamente
informações a partir de imagens, como se estivéssemos vendo algo
mentalmente); (c) alça fonológica (que gerencia e armazena temporariamente
informações a partir de sons, como se estivéssemos repetindo sons
mentalmente); (d) retentor episódico (que gerencia informações já arquivadas
em nosso cérebro, comparando-as com as novas informações que chegam
através dos sentidos). Portanto, a memória de trabalho é bem mais do que um
sistema de memórias, ela é fundamental na evocação das memórias e no
processamento lógico de informações.

De fato, a memória de trabalho, conserva uma informação na consciência


enquanto tal informação está sendo processada e, após tal processamento, a
memória se estingue sem necessariamente formar traços (ou seja, sem
necessariamente se transformar em arquivo duradouro). Mas sua função vai
muito além disso. A outra função fundamental da memória de trabalho é
comparar as novas informações que estamos recebendo com informações
antigas, já consolidadas e armazenadas em nossa memória de longo prazo. Por

41
isso dizemos que a memória de trabalho trabalha com memórias, ou seja, ela é
um sistema de processamento que confronta as informações que estão
chegando ao cérebro pelas vias sensoriais com as informações que já estão
arquivadas nos sistemas cerebrais que compõem a memória de longa duração
(Andrade, Santos, & Bueno, 2004).

Apesar de estar intimamente relacionada às memórias de longa duração,


a memória de trabalho não deve ser confundida com arquivos de memória
(Mourão & Melo, 2011b). Um bom exemplo da relação e da diferença entre a
memória de trabalho e os outros sistemas de memória de longa duração é o
seguinte: imagine que tenhamos um depósito grande, capaz de estocar um
número relativamente grande de caixas (que seria a nossa memória de longa
duração). Apesar da capacidade de armazenamento do seu estoque, para retirar
as caixas de lá, precisamos, por exemplo, de um carrinho, que, obviamente, é
bem menor que o nosso depósito, o que nos impede de retirar do estoque toda
a mercadoria de uma só vez (nesse caso, o carrinho representa nossa memória
de trabalho). Conclusão: nosso estoque é capaz de armazenar muitas caixas,
mas só somos capazes de transportar poucas delas simultaneamente.
Transpondo esse raciocínio para nossa memória, temos a seguinte situação: os
sistemas de memória de longa duração são capazes de armazenar muitas
informações, no entanto, a memória de trabalho, que entra em ação na evocação
dessas informações, nos permite recuperar apenas algumas delas ao mesmo
tempo (Bear et al., 2008).

42
Portanto, a memória de trabalho gerencia as informações contidas em
nossa memória de longo prazo, trazendo à consciência as informações de
maneira sequencial e ordenada, criando um fluxo de pensamento coeso e
coerente, permitindo que, assim, possamos produzir nossas ideias em
consonância com o que a realidade nos apresenta (Goldberg, 2009).

Convém ressaltar que não temos a menor ideia de como se dá, do ponto
de vista neurobiológico, esse processo de evocação de memória. Em outras
palavras, estamos muito longe de compreender: (a) como a memória de trabalho
"sabe" exatamente qual informação deverá buscar por vez nos arquivos de
memória de longo prazo; (b) como ela localiza tal informação; (c) como ela coloca
as informações evocadas na ordem correta a fim de formarem um todo coeso;
(d) como essa sequência de informações evocadas é trazida à luz da consciência
(Bennett & Hacker, 2013).

O pouco que sabemos é que esses processos de integração de


informação se localizam preferencialmente no córtex pré-frontal, e que a
dopamina é um neurotransmissor muito importante para a ocorrência de tais
processos. Nada mais sabemos a respeito do mistério da evocação das
memórias (Fuster, 2003).

43
Algumas doenças que afetam diretamente a memória de trabalho servem
para ilustrar sua função. Dentre elas, podemos citar a esquizofrenia (bem como
outras várias psicoses). Nessa doença o paciente não consegue manter um fluxo
coerente de ideias - ele pensa diversas coisas ao mesmo tempo e as ideias que
vêm à sua consciência não se juntam de maneira organizada. Assim, ele perde
o contato com a realidade, ficando invadidos por ideias delirantes, caóticas e
sem qualquer sentido (Fuentes, Malloy-Diniz, Camargo, & Cosenza, 2008).

2.5.4 Memória de Longa Duração

44
Como o próprio nome indica, a memória de longa duração (MLD) é aquela
que armazena informações por longos períodos, meses, anos ou até mesmo
décadas. Por isso, a MLD é também conhecida como memória remota. Uma
característica importante da MLD é sua capacidade de guardar informações por
tempo indeterminado, bastando, para tanto, que a memória continue a ser
reforçada com o passar dos anos. Os limites de sua capacidade de
armazenamento são ainda desconhecidos, mas sabe-se que sua capacidade é
muito grande (Bear et al., 2008).

A memória de longa duração pode ser didaticamente dividida em duas


categorias principais: (a) memória declarativa(também conhecida como memória
explícita), que corresponde às memórias que estão prontamente acessíveis à
nossa consciência e que podem ser evocadas através de palavras; (b) memória
não declarativa (também conhecida como memória implícita), que correspondem
às memórias que estão em nível subconsciente, não podendo ser evocadas por
palavras, mas sim por ações (Lent, 2010). Falaremos primeiro da memória
declarativa e, ao final deste tópico, faremos comentários sobre a memória não
declarativa.

É na memória declarativa que estão "guardados" os episódios de nossa


infância, as imagens de uma viagem que fizemos há muito tempo e os
conhecimentos adquiridos na escola. Sobre o conteúdo da memória declarativa,
podemos subdividi-la em duas categorias: (a) memória episódica, que diz
respeito a experiências passadas, a "episódios" de nossas vidas (uma viagem,
um momento muito tristes, o primeiro beijo etc.). A memória episódica guarda
informações relacionadas a um determinado momento no tempo, sendo,
portanto, responsável pela nossa autobiografia; (b) memória semântica, que diz

45
respeito a conhecimentos não relacionados a tempo e espaço específicos. Trata-
se de uma memória que não guarda momentos, mas sim fatos (e.g. o significado
das palavras, os conhecimentos de biologia, as regras gramaticais de um idioma,
símbolos etc.). Essa subdivisão da memória declarativa se justifica, pois parece
que as memórias episódicas e semântica se relacionam a diferentes áreas
cerebrais, podendo ser afetadas de maneira distinta em diversas doenças que
acometem o cérebro. Portanto, é possível que um paciente tenha déficits
acentuados de sua memória episódica, a despeito de manter sua memória
semântica praticamente intacta (Hill, 2010).

Como já vimos, para que seja possível guardar tantas informações por
tanto tempo, o cérebro se modifica de algumas maneiras para dar conta do
recado. As alterações possíveis já foram descritas anteriormente, quais sejam:
alterações estruturais (morfológicas) e alterações sinápticas (funcionais) ( Hebb,
1949
).

No caso das alterações funcionais (fortalecimento das conexões


sinápticas), parece que quanto mais simples é a memória a ser consolidada,
menor é o número de sinapses que precisa ser modificada. Por outro lado,
quanto mais complexa é a memória, maior o número de sinapses a ser
modificada. Chamamos de "memórias simples" o fato de sabermos que não
devemos colocar o dedo na tomada, por exemplo. Nesse caso, alguns milhões

46
de sinapses modificadas em poucas regiões do cérebro são suficientes. No caso
das "memórias complexas" (todo o conhecimento que aprendemos na escola,
por exemplo), são necessários bilhões de novas sinapses em muitas áreas
cerebrais. Isso quer dizer que quanto mais complexa for uma memória, mais
difusa ela se encontrará no cérebro. E, por outro lado, quanto mais simples, mais
localizada ela estará. No entanto, a consolidação das informações apresenta
ainda outras peculiaridades (Gazzaniga, Ivry, & Mangun, 2006).

A primeira delas é a labilidade da informação nas horas iniciais do


processo de armazenamento. A formação de uma memória de longa duração
leva, em média, entre três e oito horas. Enquanto esse processo não termina, a
informação a ser consolidada pode sofrer alterações, apresentando-se
suscetível, por exemplo, à ação de drogas, à interferência de outras memórias e
ao aumento/declínio excessivo de neurotransmissores, tais como dopamina,
noradrenalina e acetilcolina. Verificou-se experimentalmente que todos esses
fatores, de alguma maneira ainda pouco conhecida, interferem nos mecanismos
cerebrais envolvidos no processo de consolidação. É por esse motivo que muitas
pessoas, após terem sofrido um susto muito grande (um acidente de carro muito
violento, por exemplo) relatam não se lembrar de nada imediatamente antes da
descarga de adrenalina promovida pelo susto (é o que chamamos de amnésia
retrógrada) (James, 1890).

47
Até certo ponto, o aumento do nível de neurotransmissores associados ao
estado de alerta otimiza a qualidade da consolidação. Isto é, se uma determinada
situação tem "colorido emocional" para o sujeito, ou se ele está atento, é provável
que ele se lembre de muitos detalhes sobre tal situação, mais detalhes do que
ele normalmente lembra sobre as situações cotidianas. Por outro lado, se os
níveis de neurotransmissores se apresentam muito elevados, o armazenamento
da informação é prejudicado, podendo ocorrer perda de muitos detalhes ou
perda total da informação (Mourão & Abramov, 2011).

Vale ressaltar que por mais carregado de emoção que seja um evento,
nunca seremos capazes de nos lembrar de todos os detalhes. Mesmo as
"melhores" memórias não são perfeitas, há sempre algum grau de perda durante
o processo de consolidação. Assim, outra peculiaridade das memórias de longa
duração é seu caráter não estável. Além das perdas que ocorrem logo durante
o processo de consolidação, toda vez que evocamos uma memória, modificamos
mais ainda essa mesma memória. Portanto, com o passar do tempo, ao relatar
uma vivência de nossa infância, por exemplo, estamos cada vez mais distantes
de relatar o que realmente aconteceu. De fato, a evocação nada mais é do que
um processo de edição de fragmentos de memória, os quais são organizados
pela memória de trabalho e pelas funções executivas visando formar um todo
mais ou menos coerente. Por isso cada um lembra de um determinado fato à
sua maneira. A evocação está, portanto, longe de ser uma reprodução fiel das

48
informações que foram arquivadas. Trata-se, em verdade, mais de um processo
criativo do que reprodutivo.

As perdas durante o processo de consolidação devem ser encaradas de


maneira natural, uma vez que o que os neurônios realmente fazem é traduzir a
realidade por nós percebida em potenciais elétricos ou em alterações
bioquímicas. Em toda tradução há perdas, e quem já leu a tradução de qualquer
texto comparando-o ao original sabe disso. Além dessa primeira tradução,
nossas memórias são novamente traduzidas quando são evocadas e,
novamente, há perdas ou modificações, pois fatos novos podem ser
adicionados, incluindo falsas memórias (Mourão & Abramov, 2011).

A consolidação de memórias ocorre no hipocampo, que é uma região bem


delimitada e filogeneticamente antiga no lobo temporal. O hipocampo tem esse
nome por ter a forma de um cavalo-marinho. Sabemos da importância do
hipocampo no processo de consolidação porque pacientes com lesão bilateral
dessa estrutura são totalmente incapazes de guardar qualquer informação nova.
Tornam-se escravos do passado, sendo capazes de lembrar de tudo o que se
passou antes da lesão ocorrer, mas não conseguem mais armazenar nada de
novo. Esse quadro se denomina amnésia anterógrada (Kandel, 2006).

49
Parece que a consolidação ocorre durante determinadas fases do sono,
e é por isso que o sono é fundamental para a consolidação de novas
informações. Acredita-se que os sonhos, com seu conteúdo muitas vezes
desconexo, seja nada mais do que a evocação de fragmentos de memória que
estejam sendo descartados para que novas memórias se consolidem.
Entretanto, apesar dessa hipótese ser atraente, é importante ressaltar que o
sono e os sonhos ainda são um mistério absoluto na neurociência. Além do sono,
outros fatores como atenção, motivação, nível de estresse e estado emocional
são fundamentais para uma boa consolidação de memórias, como já foi dito
(Luria, 1981).

Além da perda natural que ocorre com o decorrer do tempo, as induções


por parte de terceiros também podem nos levar a editar nossas lembranças. A
Loftus (1975)
psicóloga americana Elizabeth demonstrou a força da indução na
alteração de nossas memórias. Essa força é tamanha que levou muitos
indivíduos a criarem uma lembrança completamente falsa sobre um determinado
episódio de suas infâncias. Os sujeitos que participaram da pesquisa da
psicóloga jamais tinham passado pela situação em questão (estar perdido
no shopping) e, apesar disso, após terem sido induzidos por parentes, os
participantes relataram, com certo grau de detalhe, terem passado por essa
situação. Esses achados mostram o quanto pode ser perigoso confiar

50
plenamente em provas testemunhais, principalmente em processos judiciais, já
que é possível fazer alguém acreditar que viveu uma situação que, de fato, não
viveu.

Um aspecto interessante da memória declarativa é que o conhecimento


por ela armazenado interfere fortemente em nossa maneira de perceber o mundo
e em nossas decisões. Passar por uma situação extremamente desagradável
em determinado lugar nos leva a perceber de maneira negativa este mesmo
lugar. E, provavelmente, quando formos escolher um local para ir, decidiremos
visitar algum lugar diferente. Essa característica tem um importante papel
adaptativo, pois pode nos livrar de situações de perigo semelhantes a alguma
experiência anterior. Quando uma memória é adquirida em situação de estresse,
ansiedade ou medo, sua evocação será mais rápida e precisa em situações em
que o sujeito se apresente novamente estressado, ansioso ou amedrontado.
Dessa maneira, diante de uma situação potencialmente perigosa, a qual
desperta em nós certa ansiedade, somos capazes de evocar com mais rapidez
e eficiência um maior número de respostas que já tenhamos emitido em
situações semelhantes e que tenham se apresentado adequadas.

51
Outro papel adaptativo da memória declarativa é o esquecimento e a
extinção. A importância de ambos os processos é óbvia e está relacionada à
economia de sinapses e à otimização na ocupação de áreas do córtex cerebral
com informações. Tão importante quanto conseguir memorizar é conseguir
esquecer. O esquecimento acontece porque somos bombardeados com
incontáveis estímulos o tempo inteiro, muitos dos quais são totalmente
irrelevantes. Por isso, selecionamos as informações mais importantes para
serem arquivadas (Mourão & Abramov, 2011). Se pararmos para pensar, a
atividade de esquecer é mais proeminente que a atividade de armazenar.
Quando assistimos a um filme de duas horas, por exemplo, somos capazes de
relatar tudo o que lembramos a seu respeito em poucos minutos. Portanto, o
esquecimento é um processo tão natural quanto a memorização, sendo
extremamente importante para nós.

Sujeitos que são incapazes de esquecer apresentam grandes dificuldades


em outros aspectos cognitivos, por exemplo, na capacidade de interpretação da
leitura, no raciocínio lógico-matemático, entre outros. É como se o cérebro
estivesse tão ocupado gravando cada vez mais informações, que não é capaz
de realizar outras atividades cognitivas, tais como processar as informações que
está gravando sem parar. Alguns autores
diferenciam esquecimento de extinção. Segundo eles, uma memória esquecida
não pode mais ser evocada. Por outro lado, uma memória extinta é aquela que
fica latente, no entanto, diante de condições específicas, somos capazes de
evocá-las (Flavel, Miller, & Miller, 1999).

52
Como as memórias remotas, uma vez consolidadas, se distribuem
difusamente pelo córtex cerebral, a perda de memórias declarativas -
denominada demência - acontece quando ocorrem lesões corticais extensas.
Isso se dá na doença de Alzheimer, na qual ocorre uma excessiva deposição de
proteínas anômalas formando corpúsculos e emaranhados que impedem o
trânsito de substâncias químicas no corpo celular dos neurônios e nas sinapses.
Outras doenças que podem evoluir com quadro demencial são a doença de
Parkinson em fase avançada e a síndrome de Down, quando os pacientes
atingem idades mais avançadas (Bear et al., 2008).

Agora vamos falar sobre uma outra modalidade de memória de longa


duração: a memória não declarativa (MND). As MND operam em nível
subconsciente e não se trata de processos intelectivos. No grupo das MND
incluímos os condicionamentos, as memórias motoras e o priming. Os
condicionamentos nada mais são do que associações que fazemos entre
estímulos ou então entre determinados comportamentos com sua consequência
(recompensa ou punição). Como os condicionamentos se relacionam mais aos
processos de aprendizado, tendo menos relação com a memória em si (Izquierdo
& Medina, 1997), eles fogem ao escopo deste trabalho. Portanto, não
discorreremos sobre eles.

As memórias motoras são memórias relacionadas a procedimentos e


habilidades motoras. São difíceis de serem aprendidas, pois necessitam de

53
muita repetição para se tornarem consolidadas. Porém, uma vez consolidadas,
se tornam automáticas, inconscientes e extremamente resistentes ao
esquecimento. São exemplos de memórias motoras o aprender a andar de
bicicleta ou o aprendizado do manejo de um instrumento musical. Custamos a
aprender; é necessário repetir muitas vezes; mas uma vez aprendido, não mais
conseguimos esquecer. E nem tampouco somos capazes de explicar (declarar)
como tocamos um violoncelo ou andamos de bicicleta. Só conseguimos
"explicar" mostrando, isto é, tocando o instrumento ou andando na bicicleta. As
regiões cerebrais envolvidas no aprendizado e no armazenamento de
habilidades motoras são as regiões do encéfalo relacionadas à motricidade,
quais sejam, o cerebelo e os núcleos da base (conhecido também como corpo
estriado) (Fuster, 2003).

Um fenômeno muito interessante relacionado às memórias e que merece


ser mencionado é o priming (também conhecido como pré-ativação).
O priming é, na realidade, um tipo de memória induzido por pistas ou dicas. Às
vezes estamos tentando lembrar de uma música ou de um poema, e não
conseguimos. Porém, se alguém cantarolar para nós as primeiras oitavas da
música ou recitar para nós o início dos primeiros versos do poema, quase
instantaneamente nos lembramos de todo o restante, como se fora uma reação
em cascata. De fato, parece que, muitas vezes, só nos lembramos de onde está
um prédio quando dobramos a esquina anterior à sua localização. Da mesma
maneira, um animal só consegue lembrar da saída do labirinto na medida em
que vai percorrendo o mesmo - cada etapa serve de pista para a etapa seguinte
(Lashley, 1963).

54
Não sabemos quais regiões do cérebro estão envolvidas no priming, mas
acredita-se que ele seja um fenômeno difuso e que sua localização tenha a ver
com a pista. Se a pista for visual, o priming se associa a disparos de neurônios
do córtex occipital (área visual primária); se a pista for auditiva, disparam
neurônios do lobo temporal (área auditiva primária), e assim por diante.
Entretanto, áreas neocorticais de associação, como o córtex pré-frontal, estão
certamente envolvidas nesse fenômeno, uma vez que o priming envolve
integração temporal de informações (Kandel et al., 2013).

Parece que o priming é mais importante do que imaginamos, pois ele faz
com que tenhamos a tendência de evocar informações sobre as quais já
recebemos alguma pista em algum momento de nossa vida (Kandel et al., 2013).
Ocorre que tais pistas nos chegam, muitas vezes, tão rapidamente que nem
tomamos consciência delas, mas elas serão decisivas para nossas decisões
futuras. Um exemplo claro disso são as propagandas subliminares, nas quais o
cérebro é bombardeado com pistas (e.g. uma determinada marca de
refrigerante). Da próxima vez que formos comprar um refrigerante, nossa
"escolha" acabará recaindo sobre a marca que nos foi apresentada no passado.

Finalmente, devemos mencionar que estudar a memória é algo


extremamente difícil em virtude de dois problemas de ordem metodológica. Em

55
primeiro lugar, não há como estudar a memória de maneira "pura", pois os
processos de memória estão totalmente ligados a outros processos cognitivos,
tais como função executiva, atenção, emoção, motivação, linguagem, nível de
estresse etc. Além disso, as inúmeras baterias de testes psicométricos que se
propõem a avaliar a memória apresentam um grande inconveniente prático: em
todas elas o examinador escolhe o que e quando o paciente deve guardar e
evocar uma dada informação. Acontece que, na realidade, não é isso o que
ocorre, pois, na realidade, é o sujeito quem decide o que, quando e como deve
lembrar de algo, e isso não é passível de ser medido por meios objetivos (Luria,
1981).

5.4 Funções executivas

Função ou Funções Executivas?

Evidências advindas da avaliação neuropsicológica (Stuss & Alexander,


2000; Stuss & Levine, 2002), da neuroimagem (Carpenter, Just, & Reichle, 2000;
Royall et al., 2002; Smith & Jonides, 1999) e de pesquisas neurofisiológicas
(Funashachi, 2001) têm sugerido a necessidade atual de fracionamento das FE,
diferenciando o produto do mecanismo de execução. Essas evidências têm-se
fundamentado na observação de que lesões em diferentes regiões do córtex
ocasionam diferentes síndromes neuropsicológicas (Benson & Miller, 1997;
Cummings, 1995; Estévez-Gonzáles et al., 2000; Faw, 2003; Tekin & Cummings,
2002). Por essas razões, há necessidade de cuidados especiais na avaliação
neuropsicológica das FE, pois as relações entre estrutura e função, sistemas e
processos, lesão e comprometimento funcional e entre fisiologia e função

56
cognitiva ainda não estão plenamente estabelecidas (Royall et al., 2002; Stuss
& Levine, 2002; Tirapu-Ustárroz et al., 2002).

As evidências na literatura apontam para o fato de que as FE envolvem


uma ampla gama de funções cognitivas, em diferentes quadros patológicos,
impossíveis de serem avaliadas por uma única prova neuropsicológica. Para
este fim, uma distinção básica na análise das FE diz respeito ao elemento que
coordena as demais funções (o controle executivo ou sistema supervisor) e as
outras funções cognitivas. Em outras palavras, as FE podem ser compreendidas
como termo amplo que se refere ao produto de uma operação constituída por
vários processos cognitivos para realizar uma tarefa particular, como por
exemplo, o raciocínio, a abstração ou o comportamento social. Por sua vez, o
controle executivo pode ser compreendido como um sistema ou mecanismo
responsável pela coordenação desses processos cognitivos. Na literatura,
muitas vezes, estes termos são tidos como sinônimos (Royall et al., 2002), porém
não se trata de módulos cognitivos idênticos, distintos, antagônicos ou
mutuamente excludentes, mas de unidades de análise diferenciadas. Esta
consideração é importante porque as evidências (da neuroimagem, da
neurofisiologia e da neuropsicologia) sugerem que existem diferentes processos
cognitivos envolvidos nas FE, que estão relacionados a diferentes regiões

57
corticais e subcorticais. Em outras palavras, não há uma função executiva
unitária ou "homunculus" frontal (Stuss & Alexander, 2000). Portanto, essa
diferenciação entre controle geral e funções cognitivas relacionadas é importante
porque auxilia na delimitação de um problema conceitual e possibilita
operacionalização na investigação dessas funções. Para uma maior
compreensão dessas funções faz-se imprescindível analisar como estas se
desenvolvem.

Desenvolvimento e Funções Executivas

Tal como outras funções, as FE também sofrem um processo de


maturação que é multideterminado. Romine e Reynolds (2005) fizeram um
estudo meta-analítico sobre o desenvolvimento das funções executivas
utilizando-se de pesquisas publicadas entre 1984-2004 e formularam um modelo
de desenvolvimento onde as FE só alcançariam sua potencialidade máxima no
início da vida adulta. Outros estudos sugerem que o desenvolvimento das FE
influencia a regulação emocional e diversas funções cognitivas, o que justificaria
a necessidade da criação de um modelo integrado de desenvolvimento
emocional e cognitivo (Blair, 2006). O desenvolvimento das FE também parece
apresentar papel importante para a aprendizagem de diferentes conteúdos
acadêmicos. Vários autores estudaram a relação entre distúrbios de
aprendizagem e FE.

58
As evidências que o processo de envelhecimento também leva a
alterações nas FE vem se acumulando na última década. Treitz, Heyder e Daum
(2007) estudaram pessoas de 20 a 75 anos de idade e encontraram um declínio
significativo em atividade que demandava a inibição de respostas e atenção
dividida. MacPherson, Phillips e Della Sala (2002) sugeriram que o declínio das
FE se deve a deterioração no córtex frontal na região dorso-lateral
especificamente e não a uma deterioração global. Consequentemente, a idade
da pessoa a ser avaliada deve ser cuidadosamente considerada tanto durante a
escolha dos procedimentos a serem utilizados quanto durante a integração dos
resultados.

As funções executivas são um conjunto de habilidades necessárias para


o controle e a auto-regulamentação de sua conduta. As funções executivas
permitem você estabelecer, manter, supervisar, corrigir e realizar um plano de
ação. Este conjunto de funções cognitivas fazem parte de nossas vidas
cotidianas e nos ajudam a realizar atividades diárias com sucesso e eficácia. O
termo "funções executivas" foi proposto por Muriel Lezak em 1982.

59
Este grupo de habilidades cognitivas estão principalmente indexadas às
estruturas pré-frontais do cérebro. O córtex pré-frontal dorsolateral, o córtex pré-
frontal ventromedial, o córtex pré-frontal orbitofrontal e o córtex anterior
cingulado são as áreas cerebrais mais vinculadas às funções executivas. Com
os avanços científicos dos últimos anos, você pode obter uma estimativa da
integridade funcional dessas estruturas avaliando as funções executivas. As
funções executivas podem ser treinadas e melhoradas com a prática e o
treinamento cognitivo.

5.5 Funções executivas da aprendizagem

Explicar a cognição e intervir na sua modificabilidade, que é um dos


objetivos cruciais da educabilidade do ser humano, a que já nos referimos em
outras obras, pressupõe, em primeiro lugar, concebê-la como tendo origem
social e como sendo composta por três componentes principais do processo total
de informação em estreita conectividade, sequencialidade e interatividade,
conforme modelo simplificado apresentado na figura a seguir.

60
O termo cognição é, consequentemente, sinônimo de "acto ou processo
de conhecimento", ou "algo que é conhecido através dele", o que envolve a
coativação integrada e coerente de vários instrumentos ou ferramentas mentais,
tais como: atenção; percepção; processamento (simultâneo e sucessivo);
memória (curto termo, longo termo e de trabalho); raciocínio, visualização,
planificação, resolução de problemas, execução e expressão de informação.
Naturalmente que tais processos mentais decorrem por um lado da transmissão
cultural intergeracional, e por outro, da interação social entre seres humanos que
a materializam1.

A cognição é, portanto, sistêmica, emerge do cérebro como o resultado


da contribuição, interação e coesão do conjunto de funções mentais acima
apontadas que operam segundo determinadas propriedades fundamentais, a
saber:

• totalidade (noção de integração);


• interdependência (noção de coibição);
• hierarquia (noção de maturidade e complexidade);
• autorregulação (noção de busca de objetivos e fins a atingir);
• intercâmbio (noção de referência e efeito da experiência);
• equilíbrio (noção de homeostasia);

61
• adaptabilidade (noção de modificabilidade); e finalmente,
• equifinalidade (noção de vicariedade, ou seja, de execução e duplicação
do pensamento pela ação).

Para simplificar, diremos que a aprendizagem humana espelha uma


mudança de comportamento provocada pela experiência prolongada (no mínimo
2.000 horas de prática sistemática), sendo este descrito como uma sequência
de operações e estádios mentais que compreendem, conforme o modelo acima
apresentado, uma outra tríade de funções e subfunções cognitivas:

• discriminação e ampliação de instrumentos verbais; orientação espacial


com sistemas de referência automatizados; priorização de dados;
conservação e agilização de constâncias (tamanho, forma, quantidade,
profundidade, movimento, cor, orientação, dados intrínsecos e
extrínsecos, etc); precisão e perfeição na apreensão de dados; filtragem,
fixação, focagem e flexibilização enfocada de fontes de informação
simultânea; etc;
• funções de integração, retenção e de planificação (definição detalhada de
situações-problema; seleção de dados relevantes; minimização e
eliminação de dados irrelevantes; comparação, classificação e escrutínio
de propriedades comuns e incomuns de dados; estabelecimento de
comparações, ligações, semelhanças, dissemelhanças, analogias;
memorização, retenção, localização, manipulação e recuperação da

62
informação; ampliação do campo mental em jogo; integração sistemática
da realidade; estabelecimento de relações e de sistemas de relações;
organização e monitorização dos meios necessários; supervisão das
situações e dos problemas; elaboração conceptual; formulação
ideacional; utilização de comportamentos quantitativos; exploração da
evidência lógica; utilização do pensamento dedutivo, inferencial, crítico e
criativo; desenho de estratégias para testagem de hipóteses; planificação,
antecipação e pragmatização de objetivos, fins e resultados; visualização
e interiorização da informação; flexibilização de procedimentos; etc.;
• funções de output, de execução ou de expressão (comunicação clara,
conveniente, compreensível, desbloqueada e contextualizada; projeção
de relações virtuais; transposição psicomotora (transporte ideário,
ideomotor e visuográfico); expressão verbal fluente e melódica;
regulação, inibição, iniciação, persistência, perfeição, verificação,
conclusão e precisão de respostas adaptativas; enriquecimento de
instrumentos não-verbais e verbais de expressão; avaliação e retroação
das soluções criadas; etc.);

Embora a cognição humana não possa ser reduzida a um modelo de


processamento de informação puro (metáfora computacional), por efetivamente
ilustrar um modelo exageradamente simples, é consensual equacionar que a
cognição e o ato de aprender envolvem a integração dinâmica, coerente e
sistêmica das três ferramentas cognitivas principais acima referidas.

Trata-se de uma teoria que foi fundadora das ciências cognitivas,


principalmente da inteligência artificial, da cibernética e da robótica, que serve
para explicar, de modo fácil e acessível, o que é a cognição e o que se passa
mais ou menos na cabeça dos alunos quando aprendem ou quando pensam e
agem de forma inteligível.

Identificar naquelas três funções principais do ato mental as suas subfunções


ou capacidades componentes fortes, proximais ou fracas é um primeiro passo
para avaliar dinamicamente, e depois, intervir personalizada mente na cognição
do indivíduo (aluno, formando, etc.), não esquecendo que, quando falamos de
cognição, na nossa ótica falamos, simultaneamente, de conação e de execução,
a tríade funcional da aprendizagem a que já nos referimos.

63
Aprender a aprender é, portanto, praticar, treinar, aperfeiçoar e redesenvolver
tais funções e capacidades cognitivas, integrando harmoniosamente as
capacidades conativas e executivas, que são pouco estimuladas culturalmente
e escolarmente, por isso, mal adaptadas, deficitárias, frágeis ou fracas em muitas
crianças e jovens que lutam diariamente na sala de aula para terem mais
rendimento e aproveitamento na aprendizagem.

O treino de funções cognitivas, conativas e executivas é, quanto a nós, uma


das chaves do sucesso escolar e do sucesso na vida, quanto mais precocemente
for implementado, mais facilidade tende a emergir nas aprendizagens
subsequentes.

O aperfeiçoamento e o enriquecimento da tríade de funções mentais da


aprendizagem resultam de uma alquimia neuropsicopedagógica complexa
porque elas influenciam-se mutuamente em termos de comportamento, de
performance e produtividade.

64
De fato, à luz das neurociências, as funções cognitivas operacionais e
sistêmicas, como: o enfoque e a concentração atencionais; o processamento
simultâneo e sucessivo, analítico e sintético, rápido e preciso de dados; a
memória de trabalho; o raciocínio analógico, indutivo e dedutivo; a planificação,
a elaboração e a execução de soluções de problemas e de respostas adaptadas
a situações ou tarefas têm um impacto direto, funcional ou disfuncional,
nas funções conativas e executivas.

5.5.1 Funções conativas da aprendizagem

As funções conativas, no seu aspecto mais positivo, pois encerram


igualmente um aspecto negativo, dizem respeito em termos simples à motivação,
às emoções, ao temperamento e à personalidade do indivíduo42.

Em termos de substratos neurológicos falamos do sistema límbico (córtex


afetivo), uma região subcortical mais profunda do cérebro e envolvida, digamos
assim, nas relações do organismo com o seu envolvimento presente e passado
(imediato, curto e longo prazo), integrando estruturas muito importantes para a
memória e a aprendizagem, como a amígdala, o hipocampo, o córtex cingulado
e os corpos mamilares.

A conação, na sua essência semântica, é sinônimo de estado de


preparação do organismo para certas tarefas ou situações, particularmente as
que têm valor de sobrevivência (ameaça, perigo, ansiedade, insegurança,
desconforto etc.).

65
Pode ser concebida igualmente, como autopreservação, de bem-estar e
de interação social, que incluem representações indutoras
de sentimentos (conscientes ou inconscientes, positivos ou negativos). A palavra
conação tem raízes no termo latino de "conatus" pela primeira vez introduzido
por Espinoza, grande filósofo racionalista do século XVII.

Diferentemente de Descartes, Espinoza não acreditava nas dualidades do


espírito e da matéria ou da mente e do corpo, os seus "teoremas éticos", abriram
caminho ao estudo da rede de comunicação entre o corpo, o cérebro e a
mente como um sistema interativo complexo altamente distribuído e com
grandes graus de liberdade, mas possuidor de um "posto de comando", um "Eu",
considerado como atributo fundamental de uma mente consciente 29,37,47,48.

No pensamento de Espinoza, o comportamento humano é determinado


por emoções, consideradas como a força principal de impulsos naturais que
emanam do corpo e o impelem para a ação, disposições tônico-energéticas
essas que visam a preservar a essência mais profunda do ser humano com a
criação subsequente de sentimentos de si e dos outros.

As emoções resultam, portanto, de simples e complexas reações que


facilitam a sobrevivência do organismo e, por isso, podem ser preservadas ao
longo da evolução, como se a natureza conservasse a vida como algo precioso
e precário.

66
As emoções consideradas como: estados ou processos que preparam o
organismo para certos comportamentos; reações psíquicas a determinadas
circunstâncias; esquemas de ação adaptativos; impulsos internos; "inner drives",
somatizações; etc., que precedem os sentimentos e emergem do corpo em
termos evolutivos e desenvolvimentais, podem ser similares a dois tipos de
procedimentos adaptativos: os facilitadores, marcados por inclinações,
predileções, propensões, tendências, etc., e os inibidores, marcados por
bloqueios, resistências, desmotivações, sofrimentos, etc.

Ambos os processos, ditos conativos, como é óbvio, têm um poderoso


impacto nas funções cognitivas, por um lado, e nas funções executivas, por
outro, logo, têm uma influência dominante em todo o processo complexo da
aprendizagem humana.

Tais autopreservações de sobrevivência do organismo, que ocorrem no


indivíduo aprendente imaturo, quando colocado em situação de dificuldade ou
estresse de aprendizagem ou até em situação de interiorizar novos esquemas
mentais, podem afetar a disponibilidade, o empenho, o equilíbrio, a decisão, o
investimento, o esforço e a diligência para a modificabilidade adaptativa.

Podem mesmo, em termos comportamentais, evocar processos


de internalização (estagnação, passividade, insipidez, improdutividade,
evitamento, alheamento etc.), ou de externalização (rejeição, recusa, repulsa,
distância, oposição, negação, instabilidade, agitação etc.).

A aprendizagem humana dificilmente decorre numa atmosfera de


sofrimento emocional, de incompreensão penalizante ou debaixo de um auto

67
representação ou autoestima negativas, exatamente porque ela tem, e assume
sempre, uma significação afetiva, isto é, conativa.

Como resultado positivo de tais significações emocionais, os sistemas


afetivos subcorticais operacionalizam prioridades, desenvolvem preferências,
constróem confianças e seguranças, mobilizam persistências e resiliências face
a dificuldades ou limitações, numa palavra, conjugam atitudes que cuidam da
aprendizagem, não só da sua automaticidade e fluência como da sua
perfectibilidade e intencionalidade.

Em contrapartida, vulnerabilidades do sistema límbico podem criar


barreiras a tais habilidades conativas, podem mesmo explicar a desmotivação,
a desorganização, a desplanificação, a perda de estratégias de atenção, criação,
busca e conquista de objetivos e fins a atingir, etc., que se repercutem quer nas
funções cognitivas, quer nas funções executivas.

Com hesitações e fragilidades nas funções conativas, as funções


cognitivas e as funções executivas tendem a perder a sua coerência e a sua
sinergia, a consequência óbvia é uma desfocagem atencional, um
desinvestimento emocional e uma escotomização cognitiva.

A conação diz respeito, em síntese, à motivação, ao temperamento e à


personalidade, subentende o controle e a regulação tônico-energética e afetiva
das condutas, ou da realização e conclusão de tarefas de aprendizagem,
reforçando, assim, a inseparabilidade e irredutibilidade das funções cognitivas,
conativas e executivas.
68
A conação coloca em jogo, em termos disposicionais, intencionais e
tendenciais, três componentes de otimização funcional (observe na figura a
seguir):

• a de valor (porque faço a tarefa);


• a de expectativa (que faço com a tarefa);
• a afectiva (como me sinto na tarefa).

Pela relevância que possuem em termos de disposição quase inata de


preservação do eu e da luta pelo seu equilíbrio face a uma determinada tarefa
de aprendizagem ou situação-problema, as funções conativas não podem ser
separadas das funções de processamento nem das funções executivas da
informação.

As funções conativas, assumem por essa natureza um papel crucial na


aprendizagem, pois, sem a dimensão homeostásica da afetividade, a
aprendizagem não se desenrola como um todo funcional harmonioso, nem se
transforma num estado de plasticidade ou de perfetibilidade e automaticidade 32.
As funções cognitivas, conativas e executivas constituem-se como atributos
paralelos e convergentes de uma mesma função integradora e transcendente
que é a aprendizagem.

A transição do organismo operada em qualquer aprendizagem de um estágio


inicial e imaturo para um estágio final e fluente, seja aprender a nadar ou a andar
de bicicleta, seja aprender a ler ou a escrever, reveste-se de um aperfeiçoamento

69
de desempenho que envolve um sentimento de competência, de prazer, e
mesmo, de liberdade.

Em contrapartida, quando a aprendizagem gera desequilíbrios funcionais e


emocionais, quer cognitivos, quer executivos, as funções conativas podem
impedir a coordenação neurofuncional ótima requerida pela aprendizagem,
nesse caso podem então ocorrer sentimentos de incompetência, de desprazer,
e mesmo, de desconforto e insegurança.

As funções cognitivas não podem ser concebidas numa mera visão


computacional, pois não podemos esquecer que os computadores não têm
predadores, não se socializam, não se enamoram, apaixonam ou acasalam. Ao
contrário dos cérebros dos seres humanos, os computadores não dispõem de
funções conativas.

Na dimensão de uma aprendizagem bem-sucedida, as funções conativas


positivas nutrem o interesse, o desejo, a motivação, a curiosidade, o empenho,
o esforço, a diligência, o entusiasmo, o prazer, o sentimento de competência, a
autorrealização e a auto eficácia e outras necessidades superiores exclusivas da
espécie humana.

No seu aspecto negativo (no caso do insucesso escolar ou das dificuldades


de aprendizagem globais ou específicas), as funções conativas podem dar
origem a estados emocionais opostos, como: a desmotivação, o desprazer, o
desespero, o desgosto, o desencanto, a frustração, a fuga, a rejeição, o estigma,

70
a opressão, o afrontamento, a indisciplina, o fastio, os mecanismos de defesa,
etc., que podem provocar dissonância e disrupção na aprendizagem e bloquear
e fragmentar as funções cognitivas e as funções executivas.

Como o nosso cérebro está sempre aprendendo, ele também pode aprender
a não aprender ("learned helplessness"), por via do esgotamento das funções
conativas da autoestima, da autodeterminação e da autoconfiança, as
verdadeiras disposições mágicas para gostar de aprender 32,50.

É fácil perceber que as funções cognitivas interagem dialeticamente com


as funções conativas no processo dinâmico da aprendizagem. Por um lado,
porque as funções cognitivas respeitam ao processamento da informação, por
outro, porque as funções conativas integram a motivação e o esforço anímico
das condutas que a executam e a pragmatizam.

Em traços simples, as funções conativas são a punção ou impulsão


energética das funções cognitivas, e porque estão adstritas à performance e ao
desempenho, elas cooperam com as funções executivas na otimização
comportamental e na aprendizibilidade permanente.

O afetivo, o cognitivo e o executivo estão em interação constante no


processo da aprendizagem, porque as suas funções são indissociáveis em
termos neurofuncionais, e porque os seus substratos neurológicos têm de operar
em sintonia48.

O cérebro humano dispõe de substratos neurológicos que são


responsáveis pela gratificação ou recompensa decorrente do êxito ou do triunfo
adaptativo, por isso, somos a espécie mais dependente da aprendizagem,
nascemos para aprender a aprender se a conação estiver disponível e implícita.

71
Porque as funções cognitivas bem aplicadas e bem sucedidas geram
gratificação, recompensa, entusiasmo, curiosidade e satisfação e produzem uma
representação valorizante no próprio indivíduo, as suas funções conativas
também são enriquecidas, resultando daí: mais empenho; mais esforço; mais
motivação intrínseca que extrinseca; mais estudo; mais perseverança; mais
atenção sustentada; melhor gestão do tempo; mais planificação de esforços;
mais disciplina; mais poder de síntese; mais criatividade; etc. Numa palavra, o
indivíduo investe mais no aperfeiçoamento das suas competências
performáticas e aprende melhor e mais continuadamente, reunindo assim
melhores condições favoráveis à sua autorrealização.

À luz das neurociências, como temos apresentado, as funções conativas


estão intimamente agregadas neurofuncionalmente e sistemicamente às
funções cognitivas já abordadas e às funções executivas que abordaremos em
seguida. O ser humano (aluno, formando, estagiário, etc.) não é,
consequentemente, concebido apenas como um sistema de processamento de
informação, mas sim como um ser relacional e emocional, como um sujeito
histórico-social constituído por atitudes e por condutas.

Além das funções cognitivas e das conativas a que já nos referimos


sumariamente, importa sublinhar que a aprendizagem bem sucedida envolve
também outro conjunto de habilidades consideradas críticas, isto é, as funções
executivas.

5.5.2 Funções executivas da aprendizagem

72
Pela importância que as funções executivas têm na otimização e no
controle da prestação cognitiva e conativa, quer em situação de sobrevivência e
de adaptação ao meio, quer de aprendizagem, de comportamento e de interação
social51-55, vejamos em particular alguns dos seus pontos mais relevantes para
a educação e para o sucesso escolar ("academic success").

As funções executivas coordenam e integram o espectro da tríade


neurofuncional da aprendizagem, onde estão conectadas com as funções
cognitivas e conativas que acabamos de abordar. O seu piloto, diretor executivo,
líder ou maestro neuro funcional avançado é o córtex pré-frontal, região que
ocupa no cérebro humano quase um terço do seu volume cortical 29.

Como posto de comando que é do cérebro, o córtex pré-frontal tem que


manter excelentes linhas de comunicação com todas as outras áreas, sendo
mesmo a sua região mais conectada, daí a sua função de coordenação e de
integração das funções cognitivas e conativas na aprendizagem.

O córtex pré-frontal está intimamente conectado com o córtex associativo


posterior, a mais elevada estrutura de integração perceptiva e de
reconhecimento multissensorial (visual, auditivo e tatil-cinestésico), e
obviamente conectado com o córtex pré(psico)motor, com os gânglios da base
e com o cerebelo, todos envolvidos na planificação, controle e execução da
motricidade.

73
Essa área, em termos evolucionistas16,19,29, é considerada a mais recente
do cérebro humano, a que atingiu comparativamente maior desenvolvimento e
mais conectividade, é igualmente a que leva mais tempo a maturar
ontogeneticamente.

Por alguma razão, as neurociências elegem-na como a área responsável


pela regulação, supervisão e controle performático das ações, das emoções, dos
pensamentos e dos comportamentos, denominada por essas disposições neuro
funcionais como o processo centrífugo, descendente, eferente ("top-down") ou
de output de informação.

Em resumo, trata-se do processo regente que liga o homúnculo do


cérebro aos músculos do corpo, pelas vias pré(psico)motoras, suplementares,
planificadoras, piramidais e terminais, logo, enredado e comprometido com as
funções superiores de aprendizagem e de comportamento. Em resumo, o lobo
frontal é responsável pela planificação e execução da ação.

O córtex pré-frontal contém, ainda, um substrato superior,


o dorsolateral que é responsável pela produção de trabalho e pela sua
supervisão e (meta)cognição, ou seja, compreende a central de expressão do
comportamento onde se operam funções estratégicas de enorme importância
para a sobrevivência, para a adaptação ao meio ambiente e, obviamente, para
a aprendizagem escolar.

74
São exemplo dessas funções intencionais de sagacidade: a iniciação e a
planificação; a elaboração e organização de estratégias; a sustentação da
atenção; a flexibilidade e a plasticidade comportamental; a mudança estratégica;
a inibição e o autocontrole; a programação, a desprogramação e a
reprogramação de condutas; a monitorização, avaliação e verificação de
respostas adaptativas ou comportamentais; etc, além de outras.

Obviamente que as disfunções executivas dorsolaterais podem


apresentar traços característicos de inatenção, desplanificação, desorganização
e concomitantes limitações de acesso à memória de trabalho, nesse contexto,
tais disfunções executivas aproximam-se de vários sintomas das Perturbações
ou Transtornos de Hiperatividade e Déficit de Atenção (PHDA) e das Dificuldades
de Aprendizagem Específicas (DAE) com que co-ocorrem frequentemente, daí
a noção de comorbidades entre elas. Em síntese, todas as disfunções executivas
referidas têm um impacto significativo em dificuldades de comportamento e de
aprendizagem.

Ela estrutura neurológica frontal contém também um outro substrato


inferior, o orbital, que é responsável pela gestão do comportamento em geral,
pela regulação emocional e social, podendo envolver o controle e a modulação
de impulsos, bem como a decisão e a direção de comportamentos complexos.
Por analogia, as disfunções executivas orbitais poderão causar outros sintomas
da PHDA e de DAE, como a impulsividade verbal e gestual e o descontrole

75
emocional, sintomas estes bem conhecidos por médicos, psicólogos,
professores, terapeutas e outros especialistas que acompanham os problemas
de desenvolvimento e de aprendizagem de muitas crianças e jovens.

Na idade digital atual em que nos encontramos, temos efetivamente que


preparar os nossos estudantes para a fluência e excelência tecnológica, mas
também temos de treiná-los para dominar e manejar competências nos
processos executivos necessários às aprendizagens escolares.

Para ter sucesso escolar o estudante deve evocar um conjunto muito


diversificado de competências executivas, a saber: estabelecer objetivos;
planificar, gerir, predizer e antecipar tarefas, textos e trabalhos; priorizar e
ordenar tarefas no espaço e no tempo para concluir projetos e realizar testes;
organizar e hierarquizar dados, gráficos, mapas e fontes variadas de informação
e de estudo; separar ideias e conceitos gerais de ideias acessórias ou de
detalhes e pormenores; pensar, reter, manipular, memorizar e resumir dados ao
mesmo tempo que leem; flexibilizar, alterar e modificar procedimentos de
trabalho e abordagens a temas e tópicos de conteúdo, aplicando diferentes
estratégias de resolução de problemas; manter e manipular informação na
memória de trabalho; auto monitorizar o progresso individual e do grupo de
trabalho; autorregular e verificar as respostas produzidas e a conclusão, revisão
e verificação de tarefas, projetos, relatórios e trabalhos individuais ou de grupo;
refletir e responsabilizar-se pelo seu estudo e sobre o seu aproveitamento

76
escolar; etc. O estudante, por definição, é um ser executivo, sem pôr em prática
tais habilidades, aprender não vai ser fácil nem prazeroso para ele.

A maioria das tarefas escolares exige, de fato, a coordenação e a


integração coerente das múltiplas funções executivas, não é de estranhar,
portanto, que muitas crianças e jovens com disfunções ou dificuldades
executivas ou com funções executivas vulneráveis e afuniladas, apresentem
problemas de sobrecarga de informação (onde o input excede o output), de
produtividade, de eficácia e de precisão nos seus desempenhos escolares 57,58.

Ler e compreender, formular ideias e escrevê-las, apreender enunciados de


problemas matemáticos e planificar uma série de procedimentos e operações
para chegar à solução correta podem revelar a luta titânica que muitas crianças
e jovens travam na sala de aula.

Em muitos casos, a rotura entre as competências dos alunos e as


exigências do currículo é tão abismal que muitas disfunções executivas acabam
por estar na raiz das dificuldades de aprendizagem e suas comorbidades.

77
Quer na pré-escola ou no 1º ciclo de escolaridade, muito mais ainda no 2º
e no 3º ciclo, e claramente, no ensino universitário, as exigências das funções
executivas eficientes vão sendo maiores. As avaliações ou notas de alunos
com perfis disexecutivos podem não refletir o seu potencial de aprendizagem,
porque são a parte submersa do iceberg das suas capacidades.

É a esse conjunto diversificado de competências mentais e frontais que


denominamos por funções executivas, funções muito significativas que são
exigidas para organizar e integrar informação disponível que não só nos surge
hoje, muito mais vasta (exemplo da Internet), como é permanentemente sujeita
a mudanças muito mais rápidas e imprevisíveis.

Nas escolas contemporâneas, cada vez mais se sujeitam os alunos a


múltiplas tarefas, tais como: leituras longas; resumos, notas e apontamentos
escritos complicados; resolução de problemas de matemática muito longos e
complexos; projetos de trabalho prolongados; testes e exames exigentes; que
objetivamente dependem, em muito, das funções executivas que estamos
abordando.

Nesse contexto, é cada vez mais esperado que os alunos sejam


proficientes: a tirar apontamentos; a estudar; a prepararem-se para testes mais
frequentes, isto é, exige-se deles funções executivas muito eficazes e fluentes,
para as quais, porém, nunca foram ensinados ou treinados intencionalmente e
sistematicamente.

78
Sendo funções tão essenciais e necessárias ao sucesso escolar, a cultura
da escola, os arquitetos dos currículos e os próprios professores, na maioria dos
casos, desconhecem os processos executivos dos alunos, não avaliando-os
dinamicamente ou informalmente (em áreas fortes, em zonas de
desenvolvimento proximal ou em áreas fracas), nem tampouco ensinam
sistematicamente estratégias, para que eles sejam ajudados a compreender
como eles pensam, se comunicam, agem e como aprendem.

Como é fácil perceber, o sucesso escolar dos alunos depende muito da


sua habilidade para manejar as funções executivas, quer na escola, quer em sua
casa ou na sua vida diária. Parece óbvio que a escola em geral e os professores
em particular têm que compreender o papel dessas funções no sucesso escolar
dos alunos, a sua formação profissional e educacional não pode continuar a
descorar tais funções, nem desistir de ensinar estratégias dirigidas
especificamente para o seu enriquecimento.

Trata-se de uma necessidade educacional essencial e atual, que não


pode ser esquecida. Alunos com vulnerabilidades e fragilidades nessas funções
são mais facilmente candidatos ao sofrimento emocional, ao insucesso e ao
abandono escolar.

As funções executivas podem ser definidas como processos mentais


complexos pelos quais o indivíduo otimiza o seu desempenho cognitivo,
79
aperfeiçoa as suas respostas adaptativas e o seu desempenho comportamental
em situações que requerem a operacionalização, a coordenação, a supervisão
e o controle de processos cognitivos e conativos, básicos e superiores. De certa
forma, reúnem um conjunto de ferramentas mentais que são essenciais para
aprender a aprender.

Tendo sido estudadas, principalmente, por neurologistas e


neuropsicólogos, que reforçaram o papel crucial e principal do córtex frontal no
controle dos comportamentos intencionais que são afetados pelas suas lesões
ou disfunções, mais recentemente, os reeducadores, os terapeutas educacionais
e os professores do ensino especial, além de outros profissionais de educação,
começaram a reconhecer a importância das funções executivas no desempenho
educacional.

Compreender o papel das funções executivas na aprendizagem oferece


uma nova perspectiva sobre muitos alunos que sendo brilhantes
intelectualmente não têm um rendimento compatível com o seu potencial, além
de apresentarem novas visões sobre muitos alunos ditos fracos (ou "maus
alunos"), com diferenças, dificuldades ou preferências de aprendizagem que
aprendem com melhores resultados em situações de ensino mais
mediatizadas31,32 ou com tarefas menos complexas, de curta duração e muito
bem estruturadas e sistematizadas.

Por esse fato, as disfunções executivas são frequentemente associadas


a alunos com dificuldades atencionais e com dificuldades de aprendizagem
específicas (por exemplo, disgnosias, dispraxias, disfasias, dislexias, disgrafias,

80
disortografias, dismatemáticas, etc.), a nossa experiência clínica de 40 anos com
mais de 5.500 casos observados e seguidos, evidencia, constata e confirma essa
co-ocorrência de disfunções desenvolvimentais.

Trata-se de funções metacognitivas fundamentais para a aprendizagem,


funções executivas que permitem, manter, gerir e manipular a informação, alterar
ou inibir procedimentos quando necessário, agir em função de objetivos a atingir,
pensar no pensar etc.

Compreendem, efetivamente, as ferramentas metacognitivas


características de mentes motivadas e curiosas que permitem atingir, de fato, a
perfectibilidade e a excelência cognitiva, quando devidamente treinadas e
trabalhadas.

Dentro das definições das funções executivas, que conceitualmente configuram


um modelo de "roda da sorte", destacamos, sumariamente, as seguintes:

• atenção (sustentação, foco, fixação, seleção de dados relevantes dos


irrelevantes, evitamento de distratores, etc);
• percepção (intraneurossensorial, interneurossensorial, meta-integrativa,
analítica e sintética, etc);
• memória de trabalho (localização, recuperação, rechamada,
manipulação, julgamento e utilização da informação relevante etc.);
• controle (iniciação, persistência, esforço, inibição, regulação e
autoavaliação de tarefas etc.);
• ideação (improvisação, raciocínio indutivo e dedutivo, precisão e
conclusão de tarefas etc.);
• planificação e a antecipação (priorização, ordenação, hierarquização e
predição de tarefas visando a atingir fins, objetivos e resultados etc.);

81
• flexibilização (autocrítica, alteração de condutas, mudança de
estratégias, detecção de erros e obstáculos, busca intencional de
soluções etc.);
• metacognição (auto-organização, sistematização, automonitorização,
revisão e supervisão etc.);
• decisão (aplicação de diferentes resoluções de problemas, gestão do
tempo evitando atrasos e custos desnecessários etc.);
• execução (finalização e concomitante verificação, retroação e
referenciarão etc.).

É fácil perceber pela lista simplificada apresentada como é importante treinar


as funções executivas no âmbito da intervenção psicopedagógica e,
especialmente, no contexto da educabilidade cognitiva, para que o potencial de
aprendizagem das crianças e dos jovens possa ser maximizado, otimizado,
regulado, controlado, enriquecido, potenciado e educado, assim, mais preparado
para as exigências e pré-requisitos de situações-problema, quer da escola, quer
da vida futura.

A criação de hábitos executivos que presidem o funcionamento cognitivo


global do sujeito aprendente ou maturescente é muito importante para qualquer
aprendizagem simbólica, seja da leitura, da escrita ou da matemática, como são
para o seu bem-estar, sejam na expressão de hábitos de reconhecimento social,
de uso de competências de interação e de mediatização, de orientação

82
visuoespacial, visuoconstrutiva, visuográfica e de performance corporal,
cinestésica e lúdica, mais consideradas como aprendizagens não-simbólicas.

A área do cérebro implicada na ativação, coordenação, integração e gestão


dessas funções executivas, como já vimos, é o córtex pré-frontal, uma
superestrutura que integra a terceira unidade neurofuncional luriana, a sede das
faculdades humanas superiores30,33,40,59-61.

Para muitos investigadores, o córtex pré-frontal é a estrutura considerada


patrão, chefe, gestora, administradora ("brain manager"), de todas as atividades
volitivas e intencionais, tal é a sua importância na aprendizagem e no sucesso
escolar.

Efetivamente, o lobo frontal humano, segundo Damásio39,51, estudando o


famoso caso seminal de Phineas Gage, retrata na sua lesão ou disfunção a
deterioração dos comportamentos sociais e humanos mais sutis, tornando-os
extremamente desviantes, atípicos, erráticos, hiperativos, desatentos, bizarros,
desplanificados, episódicos e impulsivos.

Torna-se aqui importante chamar a atenção para que nas relações cérebro-
comportamento é fundamental distinguir que há diferenças cerebrais
significativas, entre a criança e o adulto, assim, entre os efeitos de uma lesão
em um cérebro maturo (onde há mais literatura publicada) e uma disfunção em
um cérebro imaturo e em desenvolvimento, todavia o estudo do caso acima
referido dá-nos uma explicação básica sobre o papel do lobo frontal e,
especialmente, do seu córtex pré-frontal, nas funções atencionais,
comportamentais, cognitivas, conativas e executivas e, consequentemente, na
aprendizagem escolar.

83
O córtex pré-frontal encontra-se imaturo antes dos 20 anos, por certa
turbulência dinâmica da substância cinzenta, a substância integradora, por
excelência, dos circuitos e redes neuronais da aprendizagem, por isso não é de
se estranhar que as síndromes disexecutivas (ou as disfunções executivas)
tenham tantas repercussões no comportamento e na aprendizagem de muitas
crianças e adolescentes53,58,62.

As funções executivas são funções transversais de qualquer tipo de


aprendizagem, compreendem funções de controle e de regulação do conjunto
do funcionamento mental, assumindo, por analogia, as funções de um maestro
numa orquestra, a orquestra da aprendizagem.

Não se trata de funções unitárias, mas de funções que formam sistemas


parcialmente autônomos, fortemente interconectados como são particularmente:
a atenção; a memória de trabalho; os sistemas de inibição e as estratégias de
flexibilidade. Trata-se de sistemas mobilizados nos processos de adaptação a
situações novas e a situações de rotina, cujo déficit ou disfunção se repercute,
em graus diversos, nas outras funções mentais que destacamos ao longo do
texto.

Da imaturidade à maturidade neuropsicológica, caminhamos em qualquer


aprendizagem, seja de um conceito, de uma competência, de uma estratégia ou
de uma habilidade, numa trajetória de modificabilidade comportamental que se
desenrola, após muitas horas de prática, desde uma dificuldade inicial a uma
competência final, isto é, a um desempenho executado de forma automatizada,

84
melódica, fluente, internalizada, independente e sempre aberta a aperfeiçoar-se
em novas habilidades.

Segundo as neurociências, as crianças e os jovens em situação das primeiras


aprendizagens simbólicas precisam especialmente treinar capacidades de
inibição e de memória de trabalho, para o que se torna óbvio aprimorar
precocemente, digamos já na pré-escola, tais capacidades executivas, conativas
e cognitivas.

Uma aprendizagem bem sucedida não pode continuar a descurar, como tem
feito a escola tradicional, as evidências neurocientíficas reveladas pelo papel das
funções cognitivas, conativas e executivas na aprendizagem.

A escola do futuro deve investir mais na inteligência das crianças e dos jovens
(uma escola inteligente para crianças e jovens inteligentes), mas para tal
mudança, a escola tem de passar, inevitavelmente, pela implementação
generalizada e ampliada da educabilidade cognitiva, conativa e executiva em
todos os graus de ensino57.

A escola mantém pelas funções cognitivas, conativas e executivas,um


lamentável distanciamento e um quase desamor; para muitos dos seus
responsáveis, as aplicações das neurociências à educação são ainda
consideradas uma bruxaria, algo que ainda não se sabe explicar.

85
Muitas querelas de capela entre a pedagogia, a sociologia, a filosofia, a
psicologia, a neurologia e as diversas disciplinas curriculares que se passam no
âmbito da educação são devidas à falta de explicação do papel da cognição, da
conação e da execução nas aprendizagens escolares. Foi nosso propósito neste
texto, adiantar e facilitar alguns dados de compreensão sobre esse assunto tão
premente, com a finalidade de contribuir para melhorar a educação e para
combater o insucesso escolar com as devidas ferramentas.

Em termos de aprendizagem, o que se passa e o que ocorre na mente dos


alunos são processos mentais internalizados que podem ser aperfeiçoados, cuja
tomada de consciência do seu funcionamento intrínseco pode permitir que eles
sejam cognitivamente mais performantes, tomando em consideração que,
evolucionariamente, possuímos um cérebro com dois hemisférios distintos que
tratam a informação e a sua execução de
forma hierarquizada, diferenciada e complementar.

Efetivamente, o ser humano ao longo da sua história aprendeu com a


totalidade do seu corpo, do seu cérebro e da sua mente, com a totalidade do
potencial complementar dos seus dois lados do corpo e dos seus dois
hemisférios, virtuosamente cruzados em termos neurofuncionais (mão direita-
hemisfério esquerdo versus mão esquerda-hemisfério direito) e com funções
executivas intrahemisféricas, interhemisféricas e integrativas distintas.

Sem essa organização funcional adquirida ao longo da evolução, a interação


sobrevivente, aprendente e transcendente com o envolvimento, não seria
possível em termos de transição de aprendizagens naturais e simples para
aprendizagens culturais e complexas. Nesse pressuposto, a educação não pode,
nem deve, contrariar a evolução.

86
Foi em decorrência dessa dinâmica funcional do processo genético,
neurológico e desenvolvimental (tipo "down-top") que a espécie humana sempre
evoluiu em termos de aquisição de conhecimentos nos seguintes sentidos: do
simples para o complexo; do ato para o pensamento; do gesto à palavra; da
imagem ao conceito; do concreto-somático ao abstrato-metafórico; do não-
simbólico e visuo-espacial ao simbólico e auditivo-temporal; do não-verbal ao
verbal.

As funções executivas, quando aprendidas, integradas e amadurecidas,


invertem, paradoxalmente, essa dinâmica funcional (tipo "top-down"), pois
transformam os processos de aprendizagem nos seguintes sentidos opostos: do
complexo ao simples; do pensamento à ação; da palavra ao gesto; do conceito
à imagem; do abstrato ao concreto; do verbal ao não-verbal, etc, por isso, os
objetivos, as expectativas e o contexto dos currículos escolares gerem e regem
o processo de aprendizagem. Sem funções executivas eficientes, o ciclo do
sucesso escolar não é atingido com facilidade, nem prazer.

Certamente que o envolvimento da aprendizagem, os métodos instrução, os


materiais e os livros de ensino têm um papel muito importante no ciclo do
sucesso escolar, mas é preciso que os estudantes revelem competências
executivas, como autoconceito positivo, esforço concentrado e continuado,
estratégias de estudo e de realização de avaliações mais eficientes, pois só com
tais ferramentas mentais podem estabelecer pontes entre o seu potencial de
aprendizagem e as exigências dos currículos e dos exames.

Os processos mentais das funções executivas permitem-nos captar e integrar


informação relevante para os nossos objetivos e para as nossas intenções e

87
finalidades, ao mesmo tempo que ignoramos uma espécie de mar de estímulos
ou de selva de informação irrelevante. Os estudantes com déficits nas funções
executivas ou com síndromes disexecutivas enfrentam, por isso mesmo,
enormes obstáculos e intransponíveis barreiras para obter rendimento
minimamente aceitável nas salas de aula tradicionais.

Para ultrapassar tais situações devemos não só intervir ao nível dos


estudantes, mas também ao nível dos currículos disciplinares, ao nível dos seus
planos de instrução, ao nível dos seus conteúdos e ao nível dos seus processos
de ensino-aprendizagem. Porque os currículos das disciplinas identificam os
objetivos e as metas de instrução, assim como os meios para os atingir, desde
os materiais e os suportes didáticos e os métodos de ensino que devem ser
utilizados até a sequencialização dos seus conteúdos e as formas de avaliar os
progressos dos estudantes, eles devem ser adaptados, diferenciados e
aplicados a todos os alunos sem exceção, mesmo os que revelam déficits nas
funções executivas ou dificuldades de aprendizagem globais ou específicas.

Os currículos das disciplinas da educação geral não podem continuar a ser


somente "regulares", eles têm a obrigação de ser currículos
universais ("Universal Design for Learning") livres de barreiras onde todas as
crianças e jovens possam aprender sem ser excluídos por teorias de eficácia
social já ultrapassadas.

Os currículos da educação em geral devem ser desenhados para satisfazer


a neurodiversidade e a diferenciação da aprendizagem de todos os diferentes

88
estudantes, especialmente os que estão nas margens, e não apenas concebê-
los ou validá-los para os alunos ditos regulares.

Na escola do futuro, nenhum estudante deve ficar para trás e muito menos
excluído de aprender, pois nenhuma criança ou jovem é ineducável.

As escolas não podem continuar a excluir estudantes com dificuldades ou


diferenças cognitivas, conativas e executivas, como se fazia no passado, por
analogia, na arquitetura das habitações antigas em que o acesso de pessoas
com dificuldades de locomoção era simplesmente vedado. Nos casos em que os
indivíduos se deslocam em cadeiras de rodas, as escadas não são o
ecossistema aconselhado para facilitar o seu acesso, pelo contrário, elas são
uma barreira difícil de transpor. Basta construir rampas e outras acessibilidades
de locomoção e de independência, para que tais barreiras se evaporem.

Da mesma forma, os currículos das várias disciplinas escolares não


devem ser concebidos e implementados só para alunos regulares, eles devem
ser construídos e implementados numa dimensão universal inclusiva, ou seja,
também para alunos com diferenças e preferências de aprendizagem onde os
currículos não exagerem as suas dificuldades, mas que disponham de apoios ou
suportes ("scaffoldings") que os permitam superar.

Em vez dos currículos serem centrados exageradamente nos conteúdos


sistematizados, considerados como produtos finais, e serem meramente
apresentados e debitados nas aulas, há necessidade de maior atenção com os
processos cognitivos, conativos e executivos dos alunos, caso contrário o ciclo
do sucesso escolar será uma miragem para muitos deles. Quem perde mais com
o insucesso escolar é a sociedade no seu todo.

89
Para enriquecer as funções cognitivas, conativas e executivas, a interação
do professor-aluno tem que ser mais intensa e intencional, o processo ensino-
aprendizagem tem que ser mais mediatizado e com uma acessibilidade
aumentada para todos, onde seja possível focar mais a colocação de perguntas
ou questões de desafio cognitivo, conativo e executivo, onde os alunos tenham
que pensar mais antes de responder, onde as várias funções sejam diretamente
treinadas e onde as estratégias metacognitivas sejam mais trabalhadas. Não
está em jogo o enriquecimento curricular, está mais em jogo o enriquecimento
do potencial de aprendizagem dos alunos32.

É óbvio que os currículos podem inabilitar ou incapacitar muitos


estudantes com dificuldades cognitivas, conativas e executivas, por exemplo,
quando estudantes cegos ou disléxicos têm dificuldades de ler ou estudar por
livros ou textos impressos ou escritos. Nesse caso, o currículo e os materiais,
por si só, geram barreiras e dificuldades de processamento visual e cognitivo e
oferecem opções muito limitadas àqueles alunos com necessidades
educacionais especiais. Para alunos com dificuldades de processamento de
textos impressos e escritos basta proporcionar versões digitais de livros e
aplicações de "software", para automaticamente converter os textos em
linguagem falada e facilitar a compreensão e a significação da aprendizagem.

Com inovação pedagógica, tecnologias de apoio informático e


processadores de texto com suportes ideacionais, visualizações semânticas e

90
corretores sintáxicos, as barreiras de muitos alunos com dificuldades ou déficits
cognitivos, conativos e executivos podem ser superadas, porque na nossa
concepção as escolas têm a responsabilidade de intervir nas zonas de
desenvolvimento proximal, de minimizar as barreiras e de maximizar a
aprendizagem de todos os alunos sem exceção.

Além de proporcionarem abundantes oportunidades e alternativas de


prática psicopedagógica, com modelos de intervenção diferenciada e
compensatória, e prescrever modelos de reeducação individualizada ou em
pequenos grupos, ditos de ensino clínico, é preciso mobilizar mais professores
tutores devidamente preparados e especializados, caso contrário, muitos
estudantes com disfunções cognitivas, conativas e executivas que necessitam
de ajuda serão condenados ao insucesso escolar, profissional e social.

A educação da criança e do jovem na era digital tem que ser cada vez
mais amiga dos seus corpos, dos seus cérebros e das suas mentes, caso
contrário muitos problemas de cognição, de conação e de execução, ou seja, de
adaptação, de aprendizagem e de integração social vão emergir sem
necessidade.

6.0 O QUE UM NEUROPSICOLOGO FAZ?

91
Agora que você já sabe o que é a neuropsicologia, é hora de entender
sobre as atuações do profissional da área.

O Neuropsicólogo tem a função de avaliar, investigar e criar hipóteses


para desenvolver um plano de tratamento para o paciente juntamente com uma
equipe multidisciplinar de profissionais da saúde.
Há profissionais de neuropsicologia que trabalham como pesquisadores para o
estudo do cérebro associado ao desempenho cognitivo e comportamentais e
também especialistas que atuam no contexto clínico.

Lesões cerebrais, demência, transtornos de aprendizagem, doença de


Parkinson e Alzheimer e qualquer deficiência cognitiva que interfira
negativamente nos relacionamentos interpessoais, na escola, trabalho e na
rotina diária, são geralmente os casos que precisam do acompanhamento de um
Neuropsicólogo.
O relatório do perfil neuropsicológico do paciente é feito por meio de:

• Entrevistas com pacientes e familiares;


• Testes;

92
• Avaliações;

• Observação clínica e outros processos.

Com os resultados das avaliações, o médico ou outro profissional da saúde


especializado que solicitou a consulta com o neuropsicólogo, recomenda o
tratamento adequado, seja com medicação, terapia, reabilitação, etc.

É importante lembrar que o trabalho do neuropsicólogo é sempre


multidisciplinar e não cabe ao psicólogo prescrever medicamentos.

Segundo o CFP existem 3 campos de atuações que são fundamentais na


profissão do Neuropsicólogo:

1. Diagnóstico – Através do uso de instrumentos (testes, baterias, escalas)


padronizados para avaliação das funções cognitivas, o Neuropsicólogo irá
pesquisar o desempenho de habilidades como atenção, percepção, linguagem,
raciocínio, abstração, memória, aprendizagem, habilidades acadêmicas,
processamento da informação, visuoconstrução, afeto, funções motoras e
executivas. Esse diagnóstico tem por objetivo poder coletar os dados clínicos
para auxiliar na compreensão da extensão das perdas e explorar os pontos
intactos que cada patologia provoca no sistema nervoso central de cada
paciente. A partir desta avaliação Neuropsicológica é possível estabelecer tipos
de intervenção, de reabilitação particular e específica para indivíduos e/ou
grupos de pacientes com disfunções adquiras ou não, genéticas ou não,
primariamente Neurológicas ou secundariamente a outros distúrbios
(Psiquiátricos).

93
2. Tratamento (Reabilitação) – Com o diagnóstico em mãos é possível realizar
as intervenções necessárias junto aos pacientes, para que possam melhorar,
compensar, contornar ou adaptar-se às dificuldades. Essas intervenções podem
ser no âmbito do funcionamento cognitivo, ou seja, no trabalho direto com as
funções cognitivas (memória, linguagem, atenção, etc.) ou com um trabalho
muito mais ecológico, no ambiente de convivência do paciente, junto de seus
familiares, para que atuem como co-participantes do processo reabilitatório;
junto a equipes multiprofissionais e instituições acadêmicas e profissionais,
promovendo a cooperação na inserção ou re-inserção de tais indivíduos na
comunidade quando possível, ou ainda, na adaptação individual e familiar
quando as mudanças nas capacidades do paciente forem mais permanentes ou
de longo prazo.

3. Pesquisa – A pesquisa em Neuropsicologia envolve o estudo de diversas


áreas, como o estudo das cognições, das emoções, da personalidade e do
comportamento sob o enfoque da relação entre estes aspectos e o
funcionamento cerebral. Para tais pesquisas o uso de testes Neuropsicológicos
é um recurso utilizado, para assim ter um parâmetro do desempenho do paciente
nas determinadas funções que estão sendo pesquisadas. Atualmente o uso de
drogas específicas, para estimulação ou inibição de determinadas funções, tem
sido usadas com freqüência para observar o comportamento e o funcionamento
cognitivo dos sujeitos em dadas situações. Outra técnica que muito tem
contribuído nas Neurociências e com grande especificidade na Neuropsicologia
é o uso de neuroimagem funcional por Ressonância Magnética (fMRI) e
tomografia funcional por emissão de pósitrons (PET-CT) que permitem mapear
determinadas áreas relacionadas a atividades específicas, como por exemplo
recordação de listas de palavras durante o exame. Portanto, fica claro que a
Neuropsicologia é um campo de trabalho e de pesquisa emergente, tanto para a
Psicologia, quanto para as Neurociências, avançando e contribuindo de forma
única para a compreensão do modo como pensamos e agimos no mundo.

6.1 Quais as habilidades necessárias que um Neuropsicólogo precisa ter?

94
Para desenvolver a sua carreira como especialista em Neuropsicologia é
imprescindível ter as seguintes habilidades:

• Graduação em Psicologia;
• Especialização em Neuropsicologia

• Ser ético;

• Ter interesse por pessoas;

• Escuta atenta;

• Capacidade de se conectar com os pacientes;

• Capacidade de analisar dados;

• Muita atenção;

• Grande capacidade de observação;

• Pensamento crítico;

• Estudar e pesquisar continuamente;

95
6.2 Mercado de trabalho da Neuropsicologia

O mercado de trabalho para profissionais especializados em


Neuropsicologia é amplo e vem crescendo bastante mundialmente. O
atendimento pode abranger pessoas com ou sem comprometimento, pois o
intuito é a avaliação.
Geralmente as grandes demandas são de pessoas com traumas cerebrais,
assim como pacientes com distúrbio de aprendizagem, dificuldades na execução
de rotinas diárias, perda de memória, atenção ou outra função cognitiva.

O psicólogo com especialização em Neuropsicologia poderá atuar em


instituições de ensino, contribuindo com pesquisas relacionadas a grande área
da Neuropsicologia, assim como a área da Reabilitação Neuropsicológica.

Uma das maiores demandas do profissional está em Clínicas,


Consultórios e Hospitais, com foco tanto em Avaliação quanto em Reabilitação.

São casos encaminhados por outros profissionais da área da saúde


(médicos psiquiatras, neurologistas, pediatras, dentre outros), assim como
encaminhados por professores e outros profissionais da educação, ou mesmo

96
uma busca realizada por iniciativa dos familiares ou do próprio paciente. Há
ainda a possibilidade de atuação em instituições psiquiátricas e na realização de
Perícia Forense.

Por envolver aspectos tão primordiais do funcionamento do ser humano,


esta é uma área indicada pelo Conselho Federal de Psicologia, como sendo uma
das 11 possibilidades que um psicólogo pode optar para adquirir o título de
especialista.

Ainda sobre a área de atuação, o Conselho Federal de Psicologia, na


resolução 002/2004, diz que:

Na interface entre o trabalho teórico e prático, seja no diagnóstico ou na


reabilitação, também desenvolve e cria materiais e instrumentos, tais como
testes, jogos, livros e programas de computador que auxiliam na avaliação e
reabilitação dos pacientes.”

7.0 AVALIAÇÃO NEUROPSICOLOGICA

A avaliação Neuropsicológica (AN) pode ser definida por suas várias


facetas. Aqui são apresentadas algumas das definições encontradas na
literatura. A Avaliação Neuropsicológica Clinica é a aplicação dos conhecimentos
da área de Neuropsicologia para avaliar e intervir no comportamento humano,
relacionando-o ao funcionamento normal ou deficitário do sistema nervoso
central. É também vista como a análise sistemática dos distúrbios de
comportamento (e da cognição) que se seguem a alterações da atividade

97
cerebral normal, causados por doença, lesão, disfunção ou modificações
experimentais (Lezak et al., 2004). Assim sendo, um dos objetivos da AN é traçar
inferências sobre as características funcionais do cérebro de um indivíduo
(Benton, 1971). Esta avaliação deve possibilitar um diagnóstico e a
documentação do estado do paciente; verificar a ocorrência de distúrbios
cognitivos, comunicativos e/ou emocionais, relacionados à lesão/disfunção
cerebral; desvendar a natureza dos sintomas, a etiologia, o prognóstico e a
descrição das características de cada caso; determinar a magnitude das
sequelas dessa lesão; seguir a evolução do quadro e, por fim, oferecer
orientações terapêuticas (bases para a reabilitação). A AN utiliza técnicas
especiais de avaliação das funções neurocognitivas do indivíduo para o
estabelecimento de correlações entre seus desvios e as lesões/disfunções
cerebrais (Rodrigues, 1993).

Compreende uma análise quantitativa e qualitativa da magnitude de


alterações cognitivas, ou seja, do estado funcional neuropsicológico (Casanova,
1987). Tem-se a visão ampliada de avaliação neuropsicológica como uma
investigação do perfil neuropsicológico, com a identificação das áreas
preservadas e das deficitárias, e exploração das razões do desempenho
comprometido.

É um processo complexo, que envolve, além da utilização de diversas


ferramentas, como entrevistas e questionários (anamnese), escalas, observação
em contexto clínico e em situações ecológicas, tarefas experimentais e também
a utilização de instrumentos formais para a investigação das funções
neurocognitivas preservadas e das deficitárias. Esta avaliação, através de

98
instrumentos, pode ser do tipo exploração flexível (tarefas, provas ou testes
específicos, selecionados para cada caso) ou uma exploração sistemática
(triagens, baterias breves e extensas, aplicadas na íntegra) (Lezak et al., 2004).
Ainda, a avaliação considerada funcional em Neuropsicologia pressupõe a
compreensão da inter-relação entre os comportamentos (desempenhos)
apresentados e as demandas ambientais (pessoas, regras sociais, barreiras
físicas, rotinas, compromissos, interesses). É também chamada de avaliação
ecológica.

Uma das metas da AN é explorar as razões do desempenho


comprometido. Para tanto, deve ir além de procedimentos padronizados e
buscar interação de fatores. A interpretação dos seus achados é o que torna uma
avaliação propriamente neuropsicológica, pois ela extrapola a questão
quantitativa para incluir complementarmente (e obrigatoriamente) a análise
qualitativa, com base nas formas de resposta, nos tipos de erros, nas auto-
correções, na noção de desempenho (consciência dos déficits ou não), entre
outras. O teste é uma ferramenta útil ao neuropsicólogo, mas a prática em
Neuropsicologia não se reduz ao seu uso. Tem sempre como base o referencial
teórico para interpretar o comportamento (sintoma) e relacioná-lo com as bases
neurobiológicas. Desta forma, salienta-se que a AN é muito mais ampla,
complexa e teoricamente embasada do que a simples aplicação de testes. O
instrumento neuropsicológico não se limita aos aspectos psicométricos, exige
interpretação em função de modelos neurocognitivos, de correlação estrutura-
função.

99
A avaliação é uma questão central em Neuropsicologia e deve ser
considerada num contexto amplo. Suas inúmeras metas/objetivos são
completamente e substancialmente diferentes das da avaliação psicológica. A
avaliação psicológica, que constitui uma das funções exclusivas do psicólogo,
nos remete aos primeiros estudos e desenvolvimento dos testes psicológicos no
final do século XIX com a introdução da abordagem psicométrica. A avaliação
neuropsicológica, apesar de poder utilizar complementarmente aportes
psicométricos, sempre ultrapassa o conceito da psicometria, não sendo, em
hipótese alguma, sinônimo de avaliação psicológica.

Os instrumentos de AN têm lógicas de construção e de interpretação


completamente diferentes daquelas dos instrumentos da avaliação psicológica.
Em Neuropsicologia, os instrumentos são baseados em modelos da
Neuropsicologia (Cognitiva e do Desenvolvimento); em geral os processos de
construção ocorrem de forma interdisciplinar; apresentam rigor metodológico na
pesquisa, utilizando-se de critérios psicolinguísticos para a construção de itens
verbais; os dados gerados são quantitativos e qualitativos (tipos de erros e
estratégias); buscam-se por dissociações entre funções e tarefas e pelo perfil
neuropsicológico (habilidades preservadas versus deficitárias), sendo estes
dados base para a intervenção Neuropsicológica. Portanto, estes instrumentos
neuropsicológicos podem ser úteis a profissionais de diferentes áreas da saúde,
com formação ou experiência clínica em Neuropsicologia, pois são usados para
diagnósticos neuropsicológicos (e não psicológicos).
100
A abordagem neuropsicológica cognitiva, mais especificamente, utiliza-se
do método de análise psicolinguística, no qual são usados indícios para inferir o
processo subjacente ao desempenho nas tarefas, como a comparação do
desempenho entre estímulos que variam em suas propriedades
psicolinguísticas, por exemplo. Aspectos diagnósticos em Neuropsicologia
baseiam-se na comparação entre os desempenhos nos diferentes testes do
paciente em questão e os desempenhos esperados no indivíduo normal. O
desempenho de um dado paciente pode ser interpretado de acordo com o
modelo de processamento subjacente (modelo cognitivo).

Em termos históricos não se pode deixar de considerar que muitos


estudos em avaliação neuropsicológica, ao longo dos anos, se basearam em
descrição de casos, como os primeiros descritos por Paul Broca, Carl Wernicke,
Brenda Milner e Elizabeth Warrington e Norman Shalice, que procuravam
entender a complexa relação cérebro-comportamento. Após, com o surgimento
de uma bibliografia mais extensa, um grande escopo de testes e baterias
neuropsicológicas foi desenvolvido. Retornando ao percurso histórico iniciado
anteriormente, Carl Wernicke, por exemplo, estabeleceu as bases do exame
afasiológico utilizando-se de tarefas tais como nomeação de objetos, repetição
de palavras e pseudopalavras, compreensão de sentenças, entre outras (Gage
& Hickok, 2005). As técnicas de exame utilizadas pelos pioneiros eram
eminentemente clínicas, sendo desenvolvidas ad hoc conforme as hipóteses
formuladas para cada caso. À medida que o conhecimento foi avançando e com
as contribuições de conhecimentos de psicometria, foram sendo padronizados
os instrumentos de avaliação com o emprego de técnicas psicométricas
progressivamente sofisticadas.

101
Instrumentos de exame afasiológicos amplamente utilizados atualmente,
tais como a Boston Diagnostic Aphasia Examination (Goodglass & Kaplan, 1974)
ou o Aachener Aphasie Test (Huber, Poeck, Weniger & Willmes, 1983),
resultaram do resgate feito por Norman Geschwind do sistema originalmente
proposto por Wernicke. Foi sob a supervisão de Geschwind que Harold
Goodglass, um linguista, e Edith Kaplan, uma psicóloga, desenvolveram a
Bateria Boston Diagnostic Aphasia Examination, a qual é internacionalmente
usada, apesar dos limites para uso em países onde ainda não foi normatizada.
Da mesma forma, em uma geração prévia, o trabalho psicométrico de McBride
e Weisenburg (McBride & Weisenburg, 1935) foi realizado sob inspiração dos
conceitos desenvolvidos pelo neurologista Nielsen (Caplan, 1987). Merecem
destaque, ainda, os procedimentos diagnósticos desenvolvidos por Lissauer
para as gnosias visuais (Geschwind, 1965), Dejerine para a leitura (Bub, Arguin,
& Lecours, 1993), Liepmann para apraxias (Goldenberg, 2003), Gerstmann
(1940) para gnosias digitais e orientação direita-esquerda, Head para esquema
corporal (Head & Holmes, 1911/1912), e Henschel para acalculias (Boller &
Grafman, 1983), dentre outros.

102
Os pesquisadores de áreas distintas, entre eles muitos médicos, linguistas
e fonoaudiólogos, contribuíram também com instrumentos psicometricamente
validados, tais como o Token Test (de Renzi & Vignolo, 1962), o Mini-mental
State Examination (Folstein, Folstein, & McHugh, 1975) e a Frontal Assessment
Battery (Dubois, Schlachevsky, Latvin, & Pillon, 2000). Não pode deixar de ser
mencionada a longa tradição de exame do estado mental em Psiquiatria e
Neurologia, a qual foi formalizada do ponto de vista neuropsicológico em obras
como aquelas escritas por Strub e Black (1993) e Hodges (1994). Todo esse
corpo acumulado de conhecimentos é "patrimônio" da Neuropsicologia como
área interdisciplinar de pesquisa e atuação profissional e não reserva de
mercado de uma classe profissional.

Portanto, "o fazer" da Neuropsicologia exige conhecimentos de


Neuroanatomofisiologia, Epidemiologia Clínica, métodos experimentais,
Estatística, funcionamento mental, Psicofísica, Psicopatologia, Lingiística,
modelos cognitivos, procedimentos de entrevista clínica, entre muitos outros. O
processo de avaliação neuropsicológica deve ser conduzido de forma
interdisciplinar, por profissionais com conhecimentos que ultrapassam a
formação básica do nível de graduação. A formação em Neuropsicologia deve
ser obtida em cursos de pós-graduação que incluam informações teóricas e
práticas (estágios com prática especializada e supervisionada). Esta avaliação
depende de conhecimentos teórico-metodológicos que conduzam à
interpretação dos escores e tipos de erros (análise quali-quantitativa).

Os instrumentos neuropsicológicos foram desenvolvidos a partir de uma


tradição muito antiga e interdisciplinar de clinica e pesquisa. Os fatos históricos

103
e argumentos apresentados constituem ferramentas para a o fato de existir, há
séculos, uma categoria de instrumentos neuropsicológicos, os quais não se
constituem em testes psicológicos. Tais instrumentos foram, são e serão
desenvolvidos a partir das necessidades diagnósticas percebidas pelos diversos
profissionais atuando na área interdisciplinar de Neuropsicologia. A utilização de
técnicas estatísticas de validação e normatização decorre da filosofia de
assistência à saúde baseada em evidências, a qual é prevalente em nossa
época.

7.1 Avaliação neuropsicológica da criança - indicações e contribuições

A avaliação neuropsicológica é recomendada em qualquer caso onde


exista suspeita de uma dificuldade cognitiva ou comportamental de origem
neurológica. Ela pode auxiliar no diagnóstico e tratamento de diversas
enfermidades neurológicas, problemas de desenvolvimento infantil,
comprometimentos psiquiátricos, alterações de conduta, entre outros.

A contribuição deste exame na criança é extensiva ao processo de ensino-


aprendizagem, pois nos permite estabelecer algumas relações entre as funções
corticais superiores, como a linguagem, a atenção e a memória, e a
aprendizagem simbólica (conceitos, escrita, leitura, etc.). O modelo
neuropsicológico das dificuldades da aprendizagem busca reunir uma amostra
de funções mentais superiores envolvidas na aprendizagem simbólica, as quais
estão, obviamente, correlacionadas com a organização funcional do cérebro.
Sem essa condição, a aprendizagem não se processa normalmente, e, neste
caso, podemos nos deparar com uma disfunção ou lesão cerebral.

Ao fornecer subsídios para investigar a compreensão do funcionamento


intelectual da criança, a neuropsicologia pode instrumentar diferentes
profissionais, tais como médicos, psicólogos, fonoaudiólogos e psicopedagogos,
promovendo uma intervenção terapêutica mais eficiente.

O conjunto dos instrumentos utilizados nos possibilita uma avaliação


global das capacidades da criança, bem como das dificuldades encontradas por
ela em seu desempenho dia a dia. Não se trata de "rotular" ou "enquadrar" a

104
criança como integrante de grupos problemáticos, e sim de evitar que tais
dificuldades possam impedir o desenvolvimento saudável da criança.

Ainda quanto à avaliação em crianças, torna-se importante salientar


algumas questões, entre elas o fato de o desenvolvimento cerebral ter
características próprias a cada faixa etária. Portanto, dentro desse padrão de
funcionamento cerebral, é importante a elaboração de provas de acordo com o
processo maturacional do cérebro. Por exemplo, "quando se fala de imaturidade
na infância, esta não deve ser entendida unicamente como deficiência" 3, devido
às peculiaridades do desenvolvimento cerebral na infância. Diferentemente do
adulto, o cérebro da criança está ainda em desenvolvimento, tendo
características próprias que garantem uma diferenciação e especificidade de
funções.

Segundo Antunha3, as baterias de testes neuropsicológicos adaptados para


crianças são em número bastante reduzido. Devem contemplar:

_ a organização e o desenvolvimento do sistema nervoso da criança;

_ a variabilidade dos parâmetros de desenvolvimento entre crianças da mesma


idade;

_ a estreita ligação entre o desenvolvimento físico, neurológico e a emergência


progressiva de funções corticais superiores.

Testes utilizados

Estão relacionados a seguir alguns testes utilizados na avaliação


neuropsicológica, descrevendo-se, de maneira sucinta, as potencialidades de
cada teste ou bateria como instrumento de ajuda na investigação
neuropsicológica.

Inteligência

105
Os testes de inteligência para crianças medem primariamente habilidades
essenciais ao desempenho acadêmico.

Entre eles, o de Stanford-Binet4 foi o primeiro nos Estados Unidos.


Adaptado das escalas originais de Binet-Simon, baseia-se maciçamente no
desempenho verbal e cobre desde os 2 anos até a idade adulta (23 anos),
fornecendo uma idade mental e um quociente de inteligência (QI).

O padrão-ouro internacional para a quantificação das capacidades


intelectuais são as escalas Wechsler de inteligência, subdivididas pela faixa de
idade. Essas escalas consistem em uma série de perguntas e respostas
padronizadas que medem o potencial do indivíduo em áreas intelectuais
diferentes, como o nível de informação sobre assuntos gerais, a interação com
o meio ambiente e a capacidade de solucionar problemas cotidianos.

O teste WPPSI (do inglês Wechsler Preschool and Primary Scale of


Intelligence - Escala de Inteligência Wechsler para Pré-Escolares e Primário) é
uma versão para crianças menores das escalas Wechsler, permitindo avaliar a
inteligência de crianças entre 4 e 6,5 anos. É constituída por seis subtestes
verbais e cinco de natureza manipulativa. Normalmente, a aplicação de cinco
subtestes de cada uma das subescalas (verbal e de execução) é suficiente para

106
uma análise fidedigna. A escala também permite recolher algumas informações
sobre a organização do comportamento da criança.

O WISC-III (Wechsler Intelligence Scale for Children-III - Escala de


Inteligência Wechsler para Crianças-III) é a escala mais usada para avaliar a
inteligência de crianças cobrindo as idades de 6 anos a 16 anos, 11 meses e 30
dias. Fornece escores nas escalas verbal e de execução, bem como um QI de
escala total. Inclui muitos tipos de tarefas, oportunizando a observação das
dificuldades da criança e de suas habilidades. É importante salientar que
crianças com dificuldades motoras em geral são penalizadas neste teste, que
não deve ser usado quando tal deficiência estiver presente. O subteste Cubos
do WISC-III (Figura 1) visa averiguar a capacidade de análise, síntese e
planejamento de coordenadas vísuo-espaciais e a praxia construtiva. Pede-se
ao sujeito que reproduza, com cubos de faces coloridas, desenhos que lhe são
mostrados. Para cada modelo é estipulado um prazo limite para execução.

107
Embora o QI não seja uma medida para localizar disfunções cerebrais, o
resultado de QI contribui para dar maiores informações sobre o nível geral de
funcionamento do paciente e, assim, servir de referência para outras funções
mais específicas, como memória, linguagem, etc. Tanto o Stanford-Binet como
o WISC-III e o WIPPSI são administrados individualmente a cada sujeito.

Quando o paciente não apresenta condições de expressar-se


verbalmente, usam-se os testes Matrizes Progressivas de Raven7 e Escala de
Maturidade Mental Colúmbia8, que avaliam a inteligência geral e estimam a
capacidade de raciocínio geral de crianças de uma forma não-verbal. O objetivo
do teste Matrizes Progressivas de Raven (Figura 2) é descobrir as relações que
existem entre as figuras e imaginar qual das oito figuras apresentadas
completaria o sistema.

108
Tradicionalmente, a inteligência está relacionada com as habilidades
acadêmicas, porém existem outros tipos de inteligência (como, por exemplo, a
caracterizada pela capacidade de relacionar idéias complexas, formar conceitos
abstratos, derivar implicações lógicas através de regras gerais) que, muitas
vezes, não é possível mensurar através dos testes convencionais. A este
respeito, Primi9,10 salienta que, nas abordagens da inteligência, duas são
tratadas como fundamentais: a inteligência cristalizada (que prioriza o
conhecimento) e a inteligência fluida (que prioriza o raciocínio). A primeira se
refere à profundidade das informações adquiridas via escolarização e
geralmente é usada na resolução de problemas semelhantes ao que se
aprendeu no passado (como nos testes tradicionais de inteligência). A segunda
se refere à capacidade de processamento cognitivo, ou seja, a capacidade geral
de processar informações ou as operações mentais realizadas quando se
resolvem problemas relativamente novos.

Com o propósito de avaliar a inteligência de uma forma global, foi


padronizada para a população brasileira a bateria de provas de raciocínio (BPR-
5)11, a qual oferece estimativas do funcionamento cognitivo geral e das
habilidades do indivíduo em cinco áreas específicas: raciocínio abstrato, verbal,
espacial, numérico e mecânico. Este instrumento auxilia os examinadores a
tomarem decisões sustentadas na avaliação das aptidões e raciocínio geral, tais
como, por exemplo, na avaliação das dificuldades de aprendizagem. É

109
organizado em duas formas: A) para estudantes da 6ª à 8ª série do ensino
fundamental; B) para alunos da 1ª à 3ª série do ensino médio.

Memória

Para esta função, são utilizados instrumentos que avaliam a capacidade


de aprendizado de funções de memória, como, por exemplo, o Teste de
Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (Rey Auditory Verbal Learning Test -
RAVLT) e o Teste de Aprendizado Visual de Desenhos de Rey (Rey Visual
Design Learning Test - RVDLT)12. Os testes que envolvem aprendizado, isto é,
a repetida exposição ao material a ser recordado, são mais sensíveis para
detectar prejuízos de memória do que testes apresentados somente uma vez.
No teste de Aprendizado Auditivo Verbal de Rey (Figura 3), lê-se a lista de
palavras para o examinando, pausadamente, cinco vezes consecutivas. Após
cada uma das vezes em que são apresentadas as 15 palavras, o sujeito deve
fazer a evocação do material, sem precisar seguir a mesma ordem de
apresentação.

110
O WRAML (do inglês Wide Range Assessment of Memory and Learning
_ Short Form) é um instrumento psicométrico destinado a avaliar a capacidade
de aprender e memorizar ativamente vários tipos de informação em pacientes
na faixa etária de 5 a 17 anos (memória visual, aprendizado verbal, memória
para histórias).

Linguagem

Um dos testes mais utilizados para a avaliação da linguagem é o Boston


Naming Test, que utiliza figuras de objetos para avaliar a capacidade de
reconhecimento e nomeação. É empregado em crianças com dificuldades de
compreensão ou produção de palavras ou material verbal escrito. Pode ser
usado a partir dos 6 anos de idade. Também são utilizados o Teste de Fluência
verbal (FAS, do inglês Verbal Fluency), testes de compreensão, como o Teste
de Token15, compreensão de textos, escrita e leitura. A avaliação inclui, ainda,

111
os seguintes tópicos: órgãos fonoarticulatórios, hábitos orais e desenvolvimento
da linguagem.

Algumas particularidades precisam ser respeitadas e levadas em conta


quando se avalia uma criança com lesão cerebral. Cabe ao profissional ter
clareza dos propósitos, conhecimentos, habilidade e adequação das técnicas e
instrumentos de investigação a serem utilizados, como também ter
conhecimento das possíveis alterações e limitações decorrentes da lesão
cerebral, para que não sejam cometidos equívocos ao concluir-se a avaliação
neuropsicológica.

Em muitas das crianças com lesão cerebral, encontram-se alterados os


canais formais de expressão e comunicação com o meio. Sendo assim, o
profissional por vezes precisa criar estratégias a fim de que a criança possa se
comunicar e, então, interagir e melhor entender o que se passa com ela.

Devemos auxiliar a criança a nos mostrar seu potencial e a comunicar-se


utilizando recursos que lhe possibilitem compreender o que está sendo
solicitado, a representar o que compreende e/ou quer realizar (através de gestos,
mímicas, fala, expressão gráfica ou ação).

Lobos frontais

Nos últimos anos, cresceu muito o interesse pelas funções do lobo frontal.
É nessa parte do cérebro que se encontram as maiores diferenças entre os seres

112
humanos e seus antepassados na evolução. Os lobos frontais constituem uma
das maiores regiões do encéfalo, com funções ainda pouco conhecidas, embora
nos últimos anos tenham se acumulado importantes conhecimentos sobre suas
atividades. Agora se sabe que é no lobo frontal que se situam as habilidades
humanas mais complexas, como o planejamento de ações seqüenciais, a
padronização de comportamentos sociais e motores, parte do comportamento
automático emocional e da memória.

Para a adequada avaliação das funções "frontais" (funções executivas), é


necessário ter conhecimento das etapas evolutivas desta estrutura, isto é, do
seu processo de maturação, o que é particularmente importante quando
avaliamos uma criança. A avaliação do lobo frontal é, em geral, mais difícil de
ser realizada, pois envolve funções mais complexas e pouco conhecidas. Entre
as diversas funções dos lobos frontais estão a plasticidade do pensamento, a
capacidade de julgamento, a habilidade de produzir idéias diferentes, a
organização da informação, a capacidade de dar respostas adequadas aos
estímulos, de estabelecer e trocar estratégias e de planejar uma ação. Essas
habilidades podem ser avaliadas através do teste de fluência verbal, fluência
para desenhos, Wisconsin Card Sort Test (WCST)16, Trail Making Test e Stroop
Test, que avaliam a capacidade de manter a atenção concentrada e de não
sofrer interferências de respostas não-exigidas no momento. No teste Trail, a
tarefa do sujeito na parte A (Figura 4) é ligar, com o lápis, círculos
consecutivamente numerados, distribuídos aleatoriamente em uma folha de
papel; na parte B (Figura 5), existem, além dos números, também letras
113
impressas na folha de resposta, e a seqüência a ser ligada deve intercalar as
duas séries, números e letras (1-A, 2-B, 3-C). A tarefa deve ser realizada o mais
rapidamente possível.

O WCST avalia a função executiva do lobo frontal. Mede a modulação de


respostas impulsivas, a direção do comportamento, as habilidades em
desenvolver e manter uma estratégia na solução de um problema, apesar das
mudanças de contingência, a flexibilidade, o planejamento, a organização, a

114
ineficiência de conceitualização inicial e a dificuldade em encontrar soluções
para problemas cotidianos, bem como o nível de perseveração, que vem a ser o
problema que muitas pessoas têm de ficar remoendo um mesmo assunto ou
repetindo um mesmo comportamento motor. Pode ser aplicado a partir dos 6
anos de idade.

Diversos subtestes da Escala de Inteligência Wechsler (WISC III e


WPPSI) também auxiliam na investigação de disfunções frontais, tais como
analogias, compreensão, códigos, etc.

Lobos parieto-occipitais

As funções relacionadas às habilidades vísuo-espaciais, organização


vísuo-espacial (percepção) e planejamento são avaliados pelo teste de cópia da
Figura Complexa de Rey-Osterrieth19, enquanto que habilidades percepto-vísuo-
espaciais são avaliadas pelo teste de Hooper Visual Organization20. As figuras
de Rey (Figura 6) objetivam avaliar a atividade perceptiva e a memória,
verificando o modo como o sujeito apreende os dados perceptivos que lhe são
apresentados e o que foi conservado espontaneamente pela memória. A
testagem é composta de duas etapas: a primeira é a cópia da figura, e a segunda
é a recordação da mesma após 30 minutos. A avaliação também pode ser
realizada através do subteste Cubos das escalas Wechsler.

115
Escala do Desenvolvimento Infantil de Bayley (Bayley Scale of Infant
Development _ Bayley II-Bsid-II)

O Bayley II é um teste destinado à avaliação do desenvolvimento de


crianças nas idades de 1 a 42 meses. O teste é dividido em três escalas: motora,
mental e de comportamento, com quociente de desempenho para cada área. As
três escalas são consideradas complementares, tendo cada uma sua
importância na avaliação da criança.

A escala mental avalia aspectos relacionados com o desenvolvimento


cognitivo e com a capacidade de comunicação (capacidade de discriminar
formas, atenção, habilidade motora fina, compreensão de instruções, nomeação,
resolução de problemas e habilidades sociais).

A escala motora avalia o grau de coordenação corporal (aspectos como


sentar, levantar, caminhar, subir e descer escadas) e motricidade fina das mãos
e dedos.

A escala comportamental permite avaliar aspectos qualitativos do


comportamento da criança durante o teste, tais como atenção, compreensão de
orientações, engajamento frente às tarefas, regulação emocional, entre outros.

O material do teste é atraente e de fácil utilização. Também existe o Bayley Infant


Neurodevelopment Screener _ BINS, que é uma versão simplificada, usada para
triagem de desenvolvimento em crianças de 3 a 24 meses, assim como o Denver
II.

8.0 REABILITAÇÃO NEUROPSICOLÓGICA

116
A reabilitação neuropsicológica caracteriza-se por um conjunto de práticas
em que o profissional de saúde atua junto com o paciente atingido por diferentes
tipos de lesões, seja por acidentes ou decorrentes do processo de
envelhecimento, como acidentes vasculares cerebrais, doença de Alzheimer,
etc. A reabilitação neuropsicológica pretende reduzir os efeitos de déficits
cognitivos e alterações de comportamento emocionais que se constituem como
obstáculos ao desempenho adequado em tarefas do cotidiano, ou seja, melhorar
o aproveitamento das funções total ou parcialmente preservadas por meio do
ensino de estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e a
adaptação às perdas permanentes. Sendo possível, desta forma, melhorar a
qualidade de vida dos pacientes e familiares.

A reabilitação neuropsicológica é um processo em que pessoas com lesão


cerebral, em cooperação com profissionais de saúde, familiares e membros da
comunidade, buscam tratar ou aliviar deficiências cognitivas resultantes de uma
lesão neurológica. O objetivo da reabilitação neuropsicológica é capacitar
pacientes e familiares a conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar as
deficiências cognitivas resultantes de lesão neurológica (Wilson, 2003a).

Os conhecimentos produzidos pela neuropsicologia têm um amplo


emprego na investigação científica e na aplicação destes conhecimentos no
campo profissional. A investigação científica auxilia na busca de explicações
sobre as relações entre o cérebro e o comportamento. Na atuação profissional,

117
a avaliação e a reabilitação neuropsicológica contribuem para a identificação,
documentação e tratamento das alterações cognitivas e comportamentais
presentes em diversas situações onde o sistema nervoso central é afetado. O
papel que a neuropsicologia desempenha dentro do contexto da psicologia,
enquanto ciência e profissão, encontra-se vinculado a sua história. Assim, para
compreender as perspectivas atuais da área, torna-se necessária uma breve
revisão histórica.

Reabilitação neuropsicológica pode ser definida como o conjunto de


intervenções que objetivam melhorar os problemas cognitivos, emocionais e
sociais decorrentes de uma lesão encefálica auxiliando a pessoa a alcançar
maior independência e qualidade de vida (Wilson, 2003a).

118
Alexander Luria foi um dos primeiros autores a relatar seus esforços
sistemáticos para reabilitação de pessoas com lesão encefálica após a Segunda
Guerra Mundial (Boake, 2003). Os trabalhos de Leonard Diller, realizados no
Centro Medico da Universidade de Nova York, com pacientes com acidente
vascular encefálico que apresentavam problemas com escaneamento visual,
propiciou o desenvolvimento de programas de treinamento específicos e
representam outro marco na história da reabilitação neuropsicológica. Ben-
Yishay (1996) desenvolveu uma visão holística para reabilitação
neuropsicológica através da realização de exercícios cognitivos, psicoterapia e
atividades terapêuticas junto a este grupo.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization,


2000), as doenças ligadas ao funcionamento cerebral constituem a maior causa
de deficiências no mundo. A demanda por serviços de reabilitação
neuropsicológica têm crescido consideravelmente devido ao aumento dos
recursos médicos oferecidos à população. No Brasil, porém, diversas
dificuldades são observadas para que essa área se desenvolva, por exemplo: as
ainda poucas instituições de ensino que oferecem capacitação nesta área da
neuropsicologia, as dificuldades inerentes à área para delimitar protocolos
baseados em evidências, a necessidade de adaptar as estratégias de
reabilitação utilizadas em outros contextos socioculturais à realidade brasileira
e, ainda, a descoberta de indicadores adequados à realidade brasileira para
avaliar os programas de reabilitação que têm sido implantados.

Wilson (1991) aponta que as dificuldades em desenvolver estratégias


padronizadas de intervenção para cada distúrbio neuropsicológico relacionam-
se com diversos fatores. Fatores importantes como a diversidade da população
atingida, os diferentes tipos de lesões e as características particulares dos
déficits observados fazem com que a avaliação dos programas de reabilitação
seja um tópico complexo. Outro fator relevante é o fato de que existe ainda pouco

119
consenso no âmbito da neuropsicologia quanto a teorias capazes de subsidiar a
compreensão de como as funções neuropsicológicas se desenvolvem e se
organizam no contexto da população geral. Assim, a criação de estratégias em
reabilitação nem sempre estão fundamentadas no conhecimento teórico que se
tem sobre determinada função ou patologia.

As diferenças culturais e, portanto, a diversidade de demandas sociais e


valores priorizados em diferentes contextos afetam diretamente as metas
estabelecidas nos diferentes programas de reabilitação. Este fato dificulta a
avaliação dos programas de reabilitação através da comparação com resultados
de outros programas no mundo. Consequentemente, o estabelecimento de
parâmetros internacionais que priorizem determinados resultados comuns a
todos torna-se inviável muitas vezes.

Com o intuito de amenizar estas dificuldades, desde a última década do


século XX, diversas iniciativas podem ser apontadas como tentativas de
estruturar um corpo de conhecimento em reabilitação neuropsicológica que
fundamente as intervenções na área. Cicerone e colegas (Cicerone, Dahlberg,
Kalmar, Langenbahn, Malec, Berquist & cols., 2000) realizaram uma extensa
revisão bibliográfica e apresentaram estratégias de intervenção que a literatura
propõe ao reabilitar no contexto de diferentes problemas neuropsicológicos.
Vários autores publicaram obras que compilavam o conhecimento cientifico na
área de modo mais organizado (Christensen & Uzzell, 2000; Eslinger, 2002;
Johnstone & Stonnington, 2001), o que facilitou tanto o ensino quanto a pesquisa
em reabilitação.

120
Wilson (2003b) propôs algumas diretrizes para nortear as práticas em
reabilitação neuropsicológica: a) o processo de reabilitação é considerado como
uma parceria entre as pessoas com lesão, suas famílias e os profissionais de
saúde; b) o planejamento de objetivos tem se tornado um dos métodos mais
usados para delinear o plano de reabilitação; c) os déficits cognitivos, emocionais
e psicossociais encontram-se conectados e todos devem ser considerados
durante os programas terapêuticos; d) tecnologia representa uma parte
importante na compreensão da lesão e na compensação das dificuldades
apresentadas por este grupo; e) reabilitação tem começado durante a terapia
intensiva antes mesmo da estabilização das condições médicas do paciente; e
f) compreende-se reabilitação cognitiva como uma área de atuação que
necessita de uma vasta base teórica que incorpore diferentes modelos e
metodologias derivadas de diversos campos da psicologia e neurociências.

Vários procedimentos têm sido sugeridos como eficazes na reabilitação


neuropsicológica. A imaginação motora, ou seja, a simulação imaginada de
movimentos e a observação de movimentos têm sido estudadas em pacientes
após acidente vascular encefálico (AVE) e Holmes (2007) sugere-as como
possíveis técnicas de reabilitação. Outro procedimento estudado baseia-se no
efeito de geração que se caracteriza pelo fenômeno que os itens gerados pelos

121
próprios indivíduos são melhor recordados quando comparados com itens
fornecidos por outrem (Lengenfelder, Chiaravalloti, & DeLuca, 2007).

Uma variedade de tecnologias também é usada como auxilio na


reabilitação de pessoas com problemas neuropsicológicos. Por exemplo, a
utilização de sistemas de mensagens curtas que auxiliavam a lembrar pacientes
com esquizofrenia de suas atividades e compromissos diários. Estudos
utilizando-se de sistemas computacionais para criar realidades virtuais que
facilitam a aprendizagem de modo seguro e incentivam a comunicação de
pessoas com problemas de mobilidade também têm sido realizados.

Dentre os métodos de reabilitação neuropsicológica devido pelo menos a


três fatores: as dificuldades metodológicas encontradas para verificar a eficácia
dos procedimentos adotados; a diversidade das populações atendidas nos
programas de reabilitação e a interdisciplinaridade inerente a área. Sohlberg e
Mateer (1989) foram pioneiras ao proporem intervenções especificas em
reabilitação neuropsicológica, porém, foram criticadas devido à dificuldade que
tinham tanto em relacionar a ligação entre as intervenções práticas com modelos
teóricos existente quanto em apresentar evidências de resultados positivos
vinculados com tais intervenções.

Em 2008, um número especial da Rehabilitation Psychology debateu


sobre as dificuldades metodológicas encontradas em realizar pesquisas na área
e apontou a necessidade em se desenvolver estudos com desenhos mais
adequados para cada tipo de investigação privilegiando a coerência teórica
(Dunn & Elliott, 2008) que incluiriam tanto metodologias de análise quantitativa
como qualitativa de dados (Chwalist, Shah, & Hand, 2008; DeVries & Morris,

122
2008). Tucker e Reed (2008) ressaltam que, como a intervenção em reabilitação
constitui-se apenas como uma variável dentre várias que influenciam o
funcionamento da pessoa ao longo do tempo, a pesquisa em psicologia da
reabilitação deve se expandir para incluir diversas abordagens teóricas e
metodológicas. Assim, metodologias tradicionais, como o desenho de grupos
clínicos com amostragem aleatória, estudos longitudinais (Fay, Yeates, Wade,
Drotar, Stacin & Taylor, 2009) ou estudo de caso (Mateer, 2009) seriam utilizadas
juntamente com estudos meta analíticos (Babikian & Asarnow, 2009) e
pesquisas qualitativas para criar evidências que fundamentem as intervenções
em reabilitação.

Apesar da identificação de um número crescente de pacientes com


problemas neuropsicológicos, a maioria das intervenções em reabilitação
neuropsicológica adotadas nos serviços de neuropsicologia no Brasil baseia-se
em procedimentos utilizados em países do primeiro mundo que ainda não foram
adequados ao contexto brasileiro. As diferenças interculturais têm sido
extensamente discutidas enquanto importantes para subsidiar o processo
decisório durante a reabilitação (Niermeier & Arango-Lasprilla, 2007; Uamoto,
2005). Sendo assim, torna-se premente que o pesquisador na área da avaliação
e reabilitação neuropsicológica considere estes fatores quando planeja seus
estudos. A adaptação dos procedimentos de avaliação e intervenção
neuropsicológica para a realidade brasileira deve ser considerada como
prioridade.

123
A criação de parâmetros nacionais de avaliação de programas de
reabilitação neuropsicológica através do amplo debate entre profissionais e
clientes, assim como da realização de estudos sistemáticos sobre o tópico
também se fazem necessárias. Tais parâmetros poderão subsidiar as políticas
públicas de reabilitação e fundamentar a inserção do neuropsicólogo em equipes
interdisciplinares de reabilitação, o que ampliará o mercado de trabalho para o
neuropsicólogo.

O estudo do desenvolvimento neuropsicológico normal e do perfil


neuropsicológico vinculado a diferentes patologias deve continuar a ser
aprofundado, uma vez que muitas questões permanecem sem resposta e a
apresentação de evidências que norteiem as condutas profissionais adotadas
nestes contextos ainda é necessária.

8.1 A reabilitação neuropsicológica sob a ótica da psicologia comportamental

A neuropsicologia é uma área relativamente nova. Os avanços na área de


reabilitação neuropsicológica começaram a ocorrer após a Primeira e a Segunda
Guerras Mundiais, período no qual os cientistas passaram a empregar esforços
para compreender como os diferentes tipos de lesões influenciavam o
comportamento humano e como se poderia remediá-los. Mais recentemente, as

124
mudanças socioculturais e os avanços tecnológicos levaram a um aumento no
número de vítimas de lesões cerebrais ocasionado por acidentes
automobilísticos (Abrisqueta-Gomez, 2006), acidentes decorrentes de esportes
radicais, vítimas da violência, entre outros. Além disso, o aumento na expectativa
de vida trouxe consigo a necessidade de estudos sobre o envelhecimento normal
e também sobre as doenças decorrentes do processo de envelhecer (acidentes
vasculares cerebrais, doença de Alzheimer e demais tipos de demências,
hipertensão arterial etc.). Desse modo, ficam claras as implicações sociais que
o estudo da reabilitação neuropsicológica traz para a população.

McMillan e Greenwood (1993) afirmaram que “a reabilitação


neuropsicológica deve navegar pelos campos da neuropsicologia clínica, análise
comportamental, retreinamento cognitivo e psicoterapia individual e grupal”. Aqui
começa a ser ressaltado o intercâmbio entre a reabilitação neuropsicológica e a
análise do comportamento. Wilson et al. (1994; 2003) afirmam que é por meio
da observação comportamental que se obtêm dados sobre o nível de
comprometimento do paciente de maneira individual e também se adquirem
informações sobre a maneira mais adequada de se aplicar determinado
procedimento. Assim, a reabilitação neuropsicológica exige uma ampla base
teórica, já que não existe um único modelo ou teoria que abarque os mais
variados problemas encontrados por vítimas de distúrbios neurológicos e
neuropsiquiátricos (Abrisqueta-Gomez, 2006). A análise do comportamento
pode contribuir sobremaneira para a neuropsicologia, tanto para o processo de
avaliação como para o de reabilitação.

125
No processo de avaliação, apenas mensurar quantitativamente as
funções cognitivas e considerá-las representativas do funcionamento cognitivo
traz implicações sérias, pois déficits cognitivos diferentes podem gerar escores
gerais idênticos ou globalmente deficientes. A análise do comportamento pode
contribuir nesse processo por dar subsídios para que o profissional faça uma
análise aprofundada a respeito das contingências ambientais que podem
interferir no desempenho cognitivo do paciente. Por exemplo, é possível que um
paciente com dificuldades de interação social decorrentes de algum distúrbio ou
lesão neurológica viva em um ambiente familiar pobre de interações sociais, o
que contribui para o agravamento desse aspecto.

Já na reabilitação neuropsicológica, a análise do comportamento contribui


com seus inúmeros procedimentos para a promoção da aprendizagem e
mudanças comportamentais, oferecendo ao neuropsicólogo ferramentas
valiosas, sobretudo a análise de contingências.

126
Apesar de haver alguns estudos sobre o emprego de procedimentos
comportamentais na reabilitação neuropsicológica, a literatura disponível é ainda
bastante restrita. Uma pesquisa realizada nas bases de dados Medline e
PsycINFO com o termo “behavioral neuropsychology” e o cruzamento de termos
como: “neuropsychological rehabilitation”, “neuropsychological training”,
“cognitive rehabilitation”, “cognitive training” e “behavior therapy”, “behavioral
therapy”, “behavior analysis” e “behaviorism”, visando abarcar a produção
científica dos últimos 16 anos, resultou em somente um artigo de revisão. Essa
restrição parece se dever não tanto à escassez de estudos sobre reabilitação
neuropsicológica que empregam procedimentos comportamentais, mas talvez à
falta de percepção por parte dos profissionais de reabilitação, de que muitos dos
procedimentos que eles empregam são comportamentais.

Wilson et al. (2003) enfatizam que a abordagem comportamental para a


reabilitação é um processo de raciocínio clínico e não um conjunto fixo de
técnicas que devem ser seguidas rigidamente. Apesar de a psicologia
comportamental oferecer vantagens em relações a outras abordagens
psicológicas, o emprego de procedimentos comportamentais não deve ser feito
à custa de outras áreas do conhecimento. É necessária uma integração de
campos como psicoterapia, psicologia cognitiva, neuroplasticidade, lingüística,
psiquiatria, geriatria e outros campos. A abordagem comportamental, aplicada
corretamente, é benevolente e humana e merece ser considerada como tal,
assim como qualquer outra abordagem. Qualquer metodologia pode ser
empregada humanamente e isso não depende da abordagem escolhida e sim
da atitude do profissional. O cuidado com o paciente é um componente
importante do behaviorismo assim como de qualquer outra abordagem e

127
nenhum profissional tem o direito de afirmar que esse cuidado é intrínseco à sua
filosofia pessoal ou uma parte natural de determinada teoria ou prática. Durante
algum tempo houve uma negação do uso de procedimentos comportamentais
quando, na realidade, essa abordagem foi central no trabalho de muitos dos
profissionais que a negam. Neuropsicólogos que trabalham com reabilitação e
que têm formação em abordagens psicodinâmicas tendem a rejeitar ou negar o
fato de que empregam procedimentos comportamentais, alegando que estes
objetivam “treinar” o cliente a se comportar de certo modo, desconsiderando
seus desejos, emoções, pensamentos e personalidade (nomeados eventos
privados pelo behaviorismo). Há um equívoco nesta afirmação, em relação ao
objetivo da psicologia comportamental. Segundo o próprio Skinner (1974/2006),
os eventos privados são importantes e exercem influência sobre o
comportamento tanto quanto os eventos ambientais. Assim, o behaviorismo de
Skinner considera que os eventos privados não são superiores ou mais
importantes que os eventos públicos, ambos são igualmente importantes para a
análise do comportamento. O sentir é tão importante quanto o fazer, diz Skinner
(1974/2006; 1953/1998).

8.1.1 Behaviorismo e cognição

É interessante entender como a análise do comportamento compreende


o pensamento (ou cognição), o que inclui os “processos mentais superiores”. O
pensamento é considerado um tipo de comportamento que, por não ser
facilmente observado, é chamado de oculto ou privado. “Pensar é comportar-se”,
afirmou Skinner (1974/2006, p. 92). Para ele, as contingências de reforçamento
estão envolvidas em processos como atenção, abstração e formação de
conceitos, recuperação de memórias, solução de problemas, processos criativos
e linguagem. Não caberia aqui discorrer sobre cada um desses processos
mentais, então foram selecionados dois (atenção e rememoração) a fim de
ilustrar mais claramente como eles são compreendidos pelo behaviorismo
skinneriano. No caso da atenção, é o processo de discriminação que determina
para que estímulos atentamos. Por exemplo, “podemos ou não prestar atenção
a um conferencista ou a um sinal de trânsito, dependendo do que tenha ocorrido
em circunstâncias semelhantes” (Skinner, 1974/2006, p. 93). Inicialmente, a
atenção involuntária é acionada quando um estímulo forte (som alto, luz forte
etc.) ocorre. Voltamos nossa atenção a este estímulo instintivamente e por

128
motivos que envolvem a sobrevivência da espécie (herança filogenética). Já a
atenção voluntária, segundo Vygotsky (Luria, 1984), não possui raiz biológica,
mas, sim, social. Quando a mãe nomeia um objeto no ambiente e aponta para
ele com o dedo, por exemplo, a atenção da criança é atraída para aquele objeto,
e este objeto começa a se sobressair do resto, não importando se ele origina um
estímulo forte, novo ou importante. Essa direção da atenção da criança por meio
da comunicação social, palavras ou gestos marca um novo estágio de
importância fundamental no desenvolvimento desta nova forma de atenção, a
organização social da atenção, que posteriormente originará um tipo de
organização mais complexa de atenção, a atenção voluntária. Essa explicação
é compreendida pela psicologia comportamental como um processo de
condicionamento operante. Quando a mãe chama a atenção da criança para um
estímulo e esta o atende, recebe um reforço positivo da mãe, geralmente um
reforço social (elogios, atenção, carinho), o que faz aumentar a probabilidade de
que a criança atenda a próximos estímulos apontados pela mãe.

No caso da recuperação da memória, um estímulo acidental pode evocar


a lembrança de uma pessoa, lugar ou acontecimento se tal estímulo tiver alguma
semelhança com a pessoa, local ou acontecimento ou se assemelhar-se às
contingências em que tal memória foi armazenada. É mais fácil nos recordarmos
de palavras familiares do que das incomuns, porque as familiares têm uma
história de reforçamento prévia que facilita sua recuperação na memória. As
técnicas para recuperação da memória são comportamentos aprendidos que
incitam ou fortalecem o comportamento a ser recordado. Por exemplo, se ao
recitar um poema esquecemos um verso, voltamos ao começo “não porque o
poema foi armazenado como uma unidade de memória, de forma a uma parte
auxiliar-nos a encontrar a outra, mas pelo fato de a estimulação extra que
geramos ao recomeçar ser suficiente para evocar a passagem esquecida”
(Skinner, 1974/2006, p. 91).

8.1.2 Interface entre reabilitação neuropsicológica e análise do comportamento

129
A neuropsicologia pode ser definida como o estudo científico das relações
cérebro-comportamento (Horton, 1994; 1997). Nesse sentido, o desempenho
neuropsicológico pode ser influenciado tanto por variáveis orgânicas quanto por
variáveis ambientais (Horton e Puente, 1990 apud Horton, 1994). A psicologia
comportamental se propõe a estudar as relações entre o sujeito e o ambiente
que o cerca. Desse modo, seria natural pensarmos em uma possível e vantajosa
integração entre neuropsicologia e terapia comportamental. Essa integração
existe e é chamada de “neuropsicologia comportamental”. Iniciou-se em 1978,
quando foi fundado um grupo com esse nome durante o encontro anual da
Association for Advancement of Behavior Therapy (AABT) (Horton, 1994). A
neuropsicologia comportamental pode ser definida como:

finida como: “(...) a aplicação de técnicas de terapia comportamental para


problemas de indivíduos com prejuízos orgânicos, utilizando a perspectiva da
avaliação neuropsicológica. Esta modalidade de tratamento sugere que a
inclusão de dados das estratégias de avaliação neuropsicológica possa ser útil
na formulação de hipóteses referentes a condições antecedentes (externas ou
internas) de fenômenos psicopatológicos observados. Ou seja, uma perspectiva
neuropsicológica aumentará a habilidade do terapeuta comportamental em fazer
discriminações precisas quanto à etiologia dos comportamentos do paciente.
Além disso, a formulação de um coerente plano de intervenção terapêutica e sua
habilidosa implantação pode, em alguns casos, ser facilitada pela análise dos
déficits comportamentais implicados em prejuízos do funcionamento cortical
superior” (Horton, 1979, p. 20, apud Horton, 1994, p. 4).

130
O interesse por uma interface entre neuropsicologia e terapia
comportamental parece ter surgido com William Gaddes (1968, apud Horton,
1997), o qual argumentou que esta união seria especialmente útil para os
distúrbios de aprendizado da infância.

Wilson (2003) cita Lane (1977), que publicou uma detalhada descrição do
trabalho de Itard com um garoto com problemas de comportamento como sendo
o início da aplicação de procedimentos comportamentais na reabilitação. Itard
utilizou-se de aproximações que hoje são conhecidas como modelagem; ele
também empregou o que hoje chamamos de encadeamento (dividiu uma
habilidade mais complexa em partes mais simples e ensinou primeiro as mais
simples até conseguir instalar a habilidade mais complexa), além de demonstrar
preocupação com a questão da generalização.

Luria et al. (1963; 1969) não utilizaram os termos “terapia


comportamental” ou “modificação do comportamento”, mas empregavam
procedimentos comportamentais no trabalho com portadores de lesões
cerebrais. Os procedimentos por eles descritos são parecidos com o que hoje é
conhecido por modelagem.

Goodkin (1966) descreveu e incentivou o emprego de procedimentos


comportamentais em adultos com lesões cerebrais. Ele empregou o
condicionamento operante para melhorar habilidades como escrita, operação de
maquinário e locomoção em cadeira de rodas com três pacientes vítimas de
derrames e um paciente com doença de Parkinson.

131
Descrições da utilização de procedimentos comportamentais em adultos
lesionados cresceram bastante na década de 1970, segundo Wilson et al.
(2003). Entretanto, foi na década de 1980 que os procedimentos
comportamentais passaram a ser aplicados mais rigorosamente para problemas
cognitivos. As publicações da época expuseram as diversas razões pelas quais
métodos comportamentais são apropriados e eficientes para pessoas com
lesões cerebrais. Os autores listam algumas dessas razões:

1) Abundância de procedimentos tanto para diminuir comportamentos-problema


como para instalar comportamentos desejáveis; tais procedimentos que podem
ser adaptados ou modificados para cada tipo de cliente.

2) Riqueza e complexidade de suporte teórico possibilitando aplicações em uma


vasta gama de clientes, situações e problemas.

3) Os objetivos são explícitos, pequenos e usualmente fáceis de se alcançar.

4) Ao contrário de outros programas, a avaliação e o tratamento são inseparáveis


na abordagem comportamental. Avaliações neuropsicológicas ou cognitivas, por
exemplo, se relacionam indiretamente com o tratamento. Pontuações baixas em
testes de inteligência ou memória não são objetivos para o tratamento, pois não
se ensina os clientes a “passar” nesses testes. Os escores são importantes para
a compreensão das forças e dificuldades cognitivas e para o planejamento da
reabilitação, mas eles não informam detalhes sobre dificuldades cotidianas,
como os familiares lidam com essas dificuldades, o que o cliente espera alcançar

132
ou como o ambiente interfere no comportamento. Para obter esses dados, é
necessária a utilização de uma avaliação comportamental, que freqüentemente
já faz parte do tratamento em si.

5) Tratamentos bastante individualizados, em contraposição a pacotes de


tratamento (como programas computadorizados) que podem não funcionar para
determinados clientes. A abordagem comportamental leva em conta as
condições biológicas do indivíduo, eventos precipitadores, as conseqüências
desses eventos, fatores sociais e o ambiente no qual o indivíduo está inserido.

6) Programas que podem ser facilmente compreendidos e gerenciados por


terapeutas, clientes e familiares.

Alguns autores (Kazdin e Hersen, 1980; Pearce e Wardle, 1989; Wilson


et al., 2003) destacam que analistas do comportamento possuem características
que são vantajosas para a reabilitação neuropsicológica, como: forte
comprometimento com a avaliação empírica do tratamento e dos procedimentos
de intervenção; especificação do tratamento em termos operacionais e, assim,
replicáveis; avaliação dos efeitos do tratamento por meio de modalidades de
múltiplas respostas com ênfase particular no comportamento observável; forte
ligação com outras disciplinas (desde dificuldades de aprendizagem até a larga
aplicação em diversas condições médicas como diabetes, dor crônica,
obesidade, adicção, lesões cerebrais), o que facilita o trabalho dos cientistas
comportamentais em equipes multi e interdisciplinares.

8.1.3 Avaliação comportamental

133
Para o planejamento de um programa de reabilitação, a avaliação
neuropsicológica e a avaliação comportamental são igualmente importantes e
também complementares (Wilson et al., 2003). Neste artigo, será dada ênfase à
avaliação comportamental, já que o objetivo é apresentar a aplicação da
abordagem comportamental na reabilitação neuropsicológica.

A avaliação comportamental se preocupa em identificar e mensurar


comportamentos-problema na vida cotidiana dos que sofreram algum dano
cerebral ou são portadores de distúrbios neuropsiquiátricos ou
neurodegenerativos. Apesar de a avaliação neuropsicológica promover uma
compreensão sofisticada dos problemas cognitivos, os testes padronizados não
conseguem responder a perguntas como: de que modo o cliente e sua família
são afetados pelos problemas cognitivos, se o cliente poderá retomar seus
estudos ou voltar para casa, que estratégias de enfrentamento podem ser
utilizadas, que problemas devem ser focalizados na reabilitação, que medidas
de avaliação da eficiência do tratamento podem ser utilizadas. Freqüentemente
os clientes e seus familiares estão mais preocupados com os problemas que os
impedem de enfrentar situações cotidianas do que com a pontuação obtida em
um teste neuropsicológico. A reabilitação não visa tratar uma incapacidade de
obter uma boa pontuação em certo teste, e as melhoras nos testes não são uma
boa maneira de mensurar ganhos na vida real. Os clientes podem apresentar

134
melhoras nos testes e ainda assim não conseguir atingir um nível de
funcionamento adequado em suas casas. Do mesmo modo, melhoras funcionais
podem ser obtidas sem que haja melhoras nos testes padronizados (Wilson et
al., 2003).

Neste sentido, a avaliação comportamental se apresenta como uma


maneira de solucionar essas dificuldades. Um pré-requisito essencial é definir
precisamente o que se quer melhorar. Por exemplo, “concentração ruim” precisa
ser mais bem definida. Pode ser que o cliente tenha dificuldade em prestar
atenção ao que o terapeuta diz, ou que seja facilmente distraído, ou apresente
um déficit de memória imediata que se manifesta por intermédio de repetidos
pedidos para que se repita o que foi falado. Esse seria o primeiro passo para a
avaliação comportamental: que o comportamento seja observável ou
mensurável e que seja claramente definido. Obviamente, nem sempre o que o
cliente relata é observável, podendo ser um sentimento, emoção ou
pensamento, nomeados como eventos privados por Skinner (1974/2006). Esses
relatos são muito importantes e devem ser levados em consideração pelo
profissional, já que exercem influência sobre o indivíduo e afetam um programa
de reabilitação.

O próximo passo é empregar a análise funcional, que consiste no estudo


das relações entre possíveis determinantes do comportamento (variáveis
independentes, que são as condições externas das quais o comportamento é
função) e efeitos sobre o comportamento (variáveis dependentes; em geral, as
respostas ou classes de respostas a serem observadas) (Skinner, 1953/1998).
Essa análise engloba o estudo dos eventos que antecedem e que se seguem a
uma resposta ou classes de respostas e que compõem a tríplice contingência,
ou seja, a inter-relação entre os três termos: antecedente-resposta-conseqüente.
Essa análise permite identificar as variáveis controladoras e mantenedoras do
comportamento, possibilitando a compreensão do padrão de comportamento do
cliente e a identificação das contingências do ambiente que estão mantendo os
comportamentos incompatíveis com aqueles que se deseja alcançar. McGlynn
(1990) também observou que a análise funcional aumenta as chances de o
programa de reabilitação ser bem-sucedido.

O último passo é selecionar os métodos e instrumentos de registro. Um


registro de freqüência marca o número de vezes que certo comportamento

135
ocorre em determindado período. Registros de intervalos (observar se o
comportamento ocorre ou não em certo período) são úteis quando o
comportamento apresenta uma freqüência tão alta que se torna inviável contar
o número de vezes em que ele ocorre. Registros de duração medem por quanto
tempo o paciente se engajou em certo comportamento. Instrumentos para
registro incluem contadores, cronômetros ou aparelhos que são operados
diretamente pelos movimentos do paciente. Também podem ser utilizados
gravadores de voz e vídeo.

Uma alternativa à observação direta é o emprego de questionários,


checklists ou escalas que podem ser respondidos por familiares ou cuidadores
e clientes. Vale ressaltar que as opiniões dos cuidadores podem estar sujeitas a
vieses, o que significa que uma discrepância entre as respostas dos clientes e
seus cuidadores não necessariamente indica falta de percepção do cliente. Os
testes chamados ecológicos são instrumentos que visam diminuir a distância
entre as avaliações neuropsicológicas e comportamentais, com situações que
simulam comportamentos da vida real. Um exemplo bastante conhecido é o The
Rivermead Behavioral Memory Test (Wilson et al., 1985). Entretanto, o analista
do comportamento sempre prefere a observação direta e a análise funcional ao
emprego de escalas.

8.1.4 Planejamento da reabilitação norteado pela teoria comportamental

136
Uma infinidade de procedimentos comportamentais pode ser empregada
na reabilitação neuropsicológica. É importante que o programa de reabilitação
seja bem estruturado, o que facilita a escolha das melhores técnicas a serem
empregadas. Wilson et al. (2003) e McGlynn (1990) sugerem alguns passos para
o planejamento do tratamento:

1) Especificar o comportamento a ser trabalhado, evitando descrições gerais


como “melhorar a concentração”, “reduzir dificuldades de memória” ou
“dificuldade de autocontrole”.
2) Determinar os objetivos do tratamento claramente. Exemplo: “permanecer
em uma tarefa por 15 minutos, 3 vezes por dia, por 5 dias consecutivos”.
3) Obter uma linha de base do comportamento em questão. Isso pode ser
feito registrando a freqüência com que o comportamento-problema ocorre
ou não. Exemplo: “quantas vezes este cliente faz a mesma pergunta no
período de uma sessão” ou “quantas vezes Maria se esquece de acionar
os freios da cadeira de rodas quando tem de ir ao banheiro”. O número
de sessões para se obter uma boa linha de base varia, mas os autores
recomendam quatro sessões para comportamentos que não apresentam
muita variação (mais estáveis). Para comportamentos com grande
variabilidade, podem ser necessárias mais sessões, além de se fazer uma
análise mais detalhada de fatores que possam estar interferindo (horário
do dia, cansaço, presença de algumas pessoas etc.).

137
4) Identificar motivadores ou reforçadores. Podem ser verbais (“parabéns”,
“você diminuiu 30 segundos para fazer esta tarefa”) ou algo mais concreto
como na Economia de Fichas, em que, após adquirir determinado número
de pontos, o cliente pode escolher algum prêmio (passeios, maior tempo
de visita, ir ao cinema etc.). O tipo de reforçador escolhido deve ser
valorizado pelo cliente. Por exemplo, atenção pode ser um reforçador
eficiente para certo indivíduo, mas pode ser aversivo para um outro
indivíduo que é retraído. Assim, a observação comportamental cuidadosa
é essencial na escolha dos reforçadores mais poderosos para cada
indivíduo.
5) Especificar os passos do tratamento de maneira que um novo membro da
equipe possa implementar as atividades caso seja necessário substituir
algum profissional. Investigar que tipos de técnicas comportamentais
serão mais eficazes para cada problema e analisar quais são as
habilidades cognitivas que o cliente deve possuir para se beneficiar de um
procedimento.
6) Monitorar o progresso. Isso deve ser feito de acordo com o que foi
planejado.
7) Avaliar. Isso poderá ser feito por meio de registros ou de um estudo de
caso experimental.
8) Fazer modificações, caso sejam necessárias.
9) Planejar a generalização. Essa é uma parte crucial da reabilitação, pois
os clientes têm dificuldade para transferir o que foi aprendido no ambiente
terapêutico para a vida cotidiana. Isso pode ser feito mediante treinos fora
do ambiente das sessões e instruindo os familiares a incentivar o cliente
nos mais diversos ambientes, o que ajudará a promover o aprendizado e
a generalização do que foi reabilitado. É importante não ter expectativas
de que a generalização ocorrerá espontaneamente, pois na maioria das
vezes ela não ocorre.

A qualidade da relação terapêutica é outro fator essencial para os bons


resultados de um programa de reabilitação. Se o cliente não gostar do
profissional, não confiar nele ou não o respeitar, provavelmente não será
cooperativo e não conseguirá se beneficiar do programa. Também o
reforçamento por parte do profissional é crucial, sendo motivador para o cliente
e contribuindo para seu engajamento no programa.

138
8.2 Reabilitação neuropsicológica pediátrica

A recuperação de funções cognitivas depende tanto de plasticidade neural


- habilidade do cérebro de recuperar uma função através de proliferação neural,
migração e interações sinápticas - quanto de plasticidade funcional - grau de
recuperação possível de uma função através de estratégias de comportamento
alteradas (McCoy et al., 1997). As habilidades do paciente para formular,
planejar e implementar comportamentos intencionais, ou seja, atenção seletiva
para estímulos, processamento e retenção de informação, compreensão de
situações problemáticas e habilidade para comunicar-se são objetos da
avaliação neuropsicológica com vistas à reabilitação (McCoy et al., 1997).

As avaliações neuropsicológicas, tal como as avaliações neurológicas


antes do ENE, utilizavam, em crianças, instrumentos desenvolvidos para
adultos. A psicologia contribuiu para o desenvolvimento de testes cognitivos
ponderados para idade e escolaridade (Hartlage e Long, 1997). Nos últimos
anos, tem aumentado a produção de dados normativos brasileiros para
instrumentos de avaliação neuropsicológica infantil (por exemplo, Brito et al.,
1998; Pompéia, Miranda e Bueno, 2003; Santos e Bueno, 2003) (para ilustrar
uma bateria neuropsicológica adequada para crianças brasileiras, ver Costa et
al., 2004).

139
A investigação neuropsicológica em crianças, adultos e idosos pode ser
feita por baterias fixas (por exemplo, WISC-III) para investigação global de
funções cognitivas, como atenção, memória, linguagem, entre outras,
ou flexíveis, em que o examinador seleciona alguns testes para investigação
aprofundada de uma função específica (Bernstein e Waber, 1997). A escolha da
bateria dependerá do objetivo da avaliação, da queixa e dos achados
propriamente ditos. Tanto a anamnese quanto a observação rigorosa do
comportamento infantil podem acrescentar informações relevantes (Lefèvre,
1989). Essas informações retratam o comportamento cotidiano da criança, e
podem, portanto, facilitar a compreensão da família acerca dos resultados da
avaliação e fortalecer tanto a participação da mesma no programa de reabilitação
quanto a escolha de estratégias.

140
Entretanto, peculiaridades da infância em relação a outras fases do
desenvolvimento humano devem ser consideradas. Cérebros imaturos são
regidos por princípios próprios, os quais são influenciados por maturação
cerebral, evolução no uso de estratégias cognitivas, a aquisição de
conhecimentos via ensino formal e cultura, bem como, no caso de lesões
cerebrais, características intrínsecas à reorganização cerebral (Santos, 2002).
Portanto, a recuperação é primeiramente determinada pela idade, localização
neural e função envolvida, mas também por fatores como patologia bilateral,
presença de convulsões, estágio de desenvolvimento da função cognitiva, entre
outros (Hartlage e Long, 1997). Para ilustrar essas peculiaridades, são
ressaltadas, a seguir, algumas diferenças entre a neuropsicologia pediátrica e a
de adultos.

Na criança, a queixa, muitas vezes, não se relaciona à existência de uma


lesão cerebral, e, sim, à identificação, descrição e tratamento da
excepcionalidade (da deficiência mental à superdotação) ou de dificuldades de
aprendizagem (Hartlage e Long, 1997). Em desordens como atraso no
desenvolvimento neuropsicomotor, por exemplo, os correlatos neurais são, por
vezes, inexistentes (Bernstein e Waber, 1997).

Enquanto, na avaliação do adulto, certos comportamentos podem indicar


alterações neurológicas, um mesmo sinal na criança pode apresentar um

141
substrato neural distinto ou, como já mencionado, não ser indicativo de um dano
cerebral estrutural (Bernstein e Waber, 1997).

No infante, as lesões podem ser congênitas (pré, peri ou neonatais),


comprometendo a formação de uma dada função cognitiva. Assim, a intervenção
pediátrica destina-se, muitas vezes, à habilitação de funções não desenvolvidas,
daí o termo `(re)habilitar', em contraposição à recuperação de funções afetadas
tardiamente em adultos por lesões adquiridas.

Essa especificidade indica que o neuropsicólogo pediátrico precisa


integrar princípios do desenvolvimento cerebral e cognitivo bem como
estabelecer relações entre o comportamento observado e o desempenho no
contexto em que a criança se encontra (Santos, 2004). Também é necessário
que o neuropsicólogo estabeleça predições sobre o futuro da criança. Os níveis
de predição decorrentes de uma avaliação neuropsicológica variam de acordo
com a experiência do profissional (Hartlage e Long, 1997). É fundamental que
predições levem em consideração os fatores sociais, econômicos e culturais
(Santos, 2004).

Quando uma criança apresenta dificuldades decorrentes de ineficiência


ou inabilidade para processar informações, para interagir com o meio, é
fundamental que haja o acompanhamento de um neuropsicólogo para avaliar,
contextualizar e re-habilitar esses déficits cognitivos, propiciando condições para
que a criança se desenvolva em seu ambiente e minimizando o efeito de
dificuldades futuras (Santos, 2004).

O objetivo da reabilitação cognitiva é corrigir ou atenuar os efeitos de


déficits cognitivos genéricos, de forma que os pacientes encontrem meios

142
adequados e alternativos para alcançar metas funcionais específicas (Ben-
Yishay, 1981). O sucesso de um programa de reabilitação cognitiva consiste na
reintegração do paciente junto ao seu ambiente social e profissional, no caso da
criança, a reinserção escolar (McCoy et al, 1997).

A reabilitação cognitiva pediátrica envolve a re-aprendizagem de


habilidades cognitivas e a elaboração de estratégias de tratamento para
amenizar ou compensar as funções afetadas (McCoy et al, 1997). Tais
estratégias, porém, não devem ser um fim em si mesmas, mas refletir a
generalização do aprendizado para as situações cotidianas, promovendo
independência e autonomia do paciente frente às demandas de seu ambiente
(Santos, 2004).

São quatro as principais abordagens (approaches) de reabilitação


cognitiva: psicométrica, automatização, biológica e comportamental. Programas
de reabilitação baseados nessas abordagens podem ser voltados
para dificuldades acadêmicas, como leitura, escrita, entre outras, ou
para funções cognitivas, tais como memória, atenção, habilidades vísuo-
espaciais, etc. (para revisão das abordagens, ver Santos, 2004).

A escolha do enfoque, em geral, é personalizada, isto é, levará em


consideração as características individuais de cada paciente, suas

143
potencialidades e limitações específicas. No entanto, dentre as diversas
estratégias de tratamento, destacam-se aquelas apoiadas no auto-
monitoramento, auto-controle e meta-cognição para o treino cognitivo de funções
cognitivas e gerenciamento dos ambientes escolar e familiar. O uso dessas
estratégias tem demonstrado que, quando a percepção sobre as alterações
cognitivas e comportamentais é ampliada, os pacientes compreendem melhor
suas próprias dificuldades e são mais motivados para o tratamento e ativos na
própria reabilitação (Prigatano, 1997). Essas estratégias tornam-se mais efetivas
quando inseridas em um modelo de reabilitação que integre as múltiplas
necessidades do paciente.

O modelo holístico, ou `comunidade terapêutica', surgiu na década de 70,


e caracterizou-se por um conjunto de atividades intensivamente aplicadas que
incluíam atendimento em grupo, psicoterapia, treino cognitivo, grupos com
familiares e equipe, além de reorientação vocacional. Há relatos brasileiros de
experiências de reabilitação cognitiva bem sucedidas em pacientes adultos com
lesões adquiridas utilizando o modelo holístico (por exemplo Bolognani et al.,
2000; Gouveia et al., 2000; Gouveia et al., 2001).

Uma década depois, seus expressivos idealizadores, Ben-Yishay, de Israel, e


Diller, dos EUA, também dedicaram especial atenção à população pediátrica,
desenhando o modelo do neurodesenvolvimento, que se caracteriza pelo
ajustamento de estágios cognitivos à representação de estágios clínicos da
reabilitação, a saber:

O modelo do neurodesenvolvimento foi formulado para: 1) utilizar o valor


heurístico dos estágios clínico-cognitivos; 2) expandir o modelo neuropsicológico
para incluir questões pediátricas; 3) incorporar elementos psicoterapêuticos
holísticos no paradigma de reabilitação; 4) sustentar uma equipe interdisciplinar
como componente efetivo da reabilitação.

A equipe interdisciplinar é a estrutura de assistência do paciente durante


os seis estágios clínicos da reabilitação (Fletcher-Janzen e Kade, 1997). Os dois
primeiros estágios, respectivamente engajamento e consciência, visam orientar
o paciente para a dificuldade da tarefa, apresentar limites e expectativas e
estabelecer a parceria entre o paciente e a equipe. Os estágios intermediários,

144
domínio e controle, envolvem o aprendizado de estratégias compensatórias que
são individualizadas para cada paciente e um começo de generalização das
estratégias holísticas. Os últimos estágios, aceitação e identidade, requerem do
paciente a incorporação de suas experiências (positivas e negativas) dentro de
um auto-conceito, planejamento de ações futuras baseadas em estratégias
aprendidas para deliberar e tomar decisões, podendo orientar e auxiliar pares
em situações similares (Fletcher-Janzen e Kade, 1997).

Os estágios clínicos são elementos unificadores que permitem aos


profissionais de diferentes especialidades comunicar e avaliar acuradamente o
progresso dos pacientes a qualquer tempo. Em cada estágio, a equipe pode
avaliar o progresso do paciente e pode predizer o estágio subseqüente,
deliberando sobre a proposta adequada e incluindo recomendações e
comedimentos coerentes com as estratégias de compensatórias a serem
adotadas e o nível de controle do paciente frente às mesmas. A vantagem do
modelo do neurodesenvolvimento, portanto, é oferecer um significado para
avaliações quantificáveis da evolução do paciente e da efetividade de programas
de reabilitação pediátrica (Fletcher-Janzen e Kade, 1997).

Uma recente experiência de reabilitação holística foi realizada na


Finlândia (Honkinen et al., 2003). O programa é destinado a crianças de
diferentes estágios de recuperação e de desenvolvimento bem como a seus
familiares. Encontros intensivos, nos quais são oferecidos aconselhamento,
informações sobre as lesões cerebrais, treinamento e vídeos para uso domiciliar,
atividades recreativas e culturais (teatro, artes plásticas, música, atividades ao
145
ar livre, etc) complementam a reabilitação multidisciplinar diária. Embora um
estudo aleatoriamente controlado seja necessário, tal abordagem parece ampliar
a consciência da criança frente as suas limitações e à participação familiar na
recuperação.

Um marco da neuropsicologia pediátrica nos anos 90 foram os modelos


integrados de avaliação e reabilitação neuropsicológica. Esses modelos são
discutidos a seguir:

O modelo de intervenção REHABIT (Reitan Evaluation of Hemispheric


Abilities and Brain Improvement Training) toma como referência os sistemas
hierárquicos do funcionamento cerebral (Reitan e Wolfson, 1985). Primeiro,
funções críticas para um processamento geral são treinadas: atenção,
concentração e memória; segundo, são treinadas funções necessárias para o
processamento orientado pela lateralização, isto é, funções verbais mediadas
pelo hemisfério esquerdo e funções de natureza vísuo-espacial servidas pelo
hemisfério direito. O nível de processamento superior inclui abstração, formação
de conceitos e análises lógicas. A estrutura do programa REHABIT integra teoria,
avaliação e treinamento, sendo adequado para planejamento educacional
individualizado de crianças com lesões cerebrais avaliadas pela bateria
neuropsicológica Halstead-Reitan.

Esse modelo apresenta duas vantagens: 1) a intervenção respeita a


hierarquia operacional do encéfalo (funções críticas, lateralizadas e de
processamento superior), e, portanto, facilita o processo de reorganização
funcional e cerebral; 2) habilidades preservadas são acompanhadas e, em

146
conseqüência, estimuladas, o que contribui para a automatização das mesmas.
Por outro lado, duas desvantagens devem ser consideradas: 1) a bateria
Halstead-Reitan não é validada para a população brasileira; 2) avaliações
consecutivas podem refletir o efeito de aprendizagem pelo desempenho repetido
de alguns testes, daí a necessidade de mais versões de cada tarefa empregada.

O modelo fenomenológico de intervenção caracteriza-se pela observação


e descrição de fatores que interferem com a aprendizagem e desempenho
acadêmico da criança em ambiente escolar ou domiciliar. A ênfase está no
reconhecimento e intervenção sobre problemas de aprendizagem, e não na
causa do prejuízo ocorrido, que pode ser devido a fatores do desenvolvimento
cerebral ou psicossocial (Levine, 1993).

A intervenção leva em consideração a observação direta do


comportamento, por exemplo, na dificuldade que uma criança apresente para
planejar e organizar o seu tempo de estudo ou na dificuldade para memorizar
uma informação enquanto estuda para uma prova. As avaliações incluem as
esferas educacional, comportamento afetivo, desenvolvimento cognitivo e
aspectos clínicos, e envolvem a participação de familiares, professores, equipe
interdisciplinar e outros diagnósticos especializados (Levine, 1993).

Teeter (1997) ressalta a utilidade desse modelo para avaliação,


intervenção e gerenciamento em diferentes desordens. Embora o modelo possa,
a princípio, ser considerado uma conduta invasiva, na medida em que
profissionais freqüentam os ambientes familiar e escolar da criança, esse fator é
convertido em vantagem na medida em que as medidas adotadas assumem um
caráter ecológico e centrado nas dificuldades específicas da criança
relacionadas ao contexto escolar.

147
O modelo de intervenção DNRR (Developmental Neuropsychological
Remediation / Rehabilitation) foi desenvolvido em atenção às dificuldades de
aprendizagem, isto é, de linguagem falada e ou escrita, coordenação,
autocontrole e atenção. O DNRR supõe sete passos. No primeiro, o perfil
neuropsicológico é traçado; a seguir, esse perfil é contrastado com as demandas
do ambiente (comportamento, nível acadêmico, aspectos psicossociais). No
terceiro passo, são feitas predições quanto aos déficits passíveis de recuperação
a curto ou longo prazo mediante a intervenção, levando em conta os recursos da
família, comunidade e ambiente psicossocial. O passo seguinte é o plano de
tratamento e sua respectiva monitoração. No sexto passo, o plano de tratamento
é reajustado em função da monitoração. O sétimo passo é a reavaliação
neuropsicológica para modificar e clarificar o plano de intervenção (Rourke,
1994).

Segundo Teeter (1997), o DNRR é um paradigma integrado para


avaliação e tratamento de dificuldades de aprendizagem, cuja estrutura permite
a identificação de fatores críticos úteis também para o desenho de intervenções
em outras desordens. Seu grande mérito está na constante reavaliação da
evolução do paciente.

De fato, progresso acadêmico, atividades diárias e ajustamento emocional


devem ser regularmente avaliados, pois o curso clínico na criança se modifica
tanto pela recuperação espontânea das funções cerebrais quanto pela
continuidade de mudanças próprias do desenvolvimento. Dada essa natureza
dinâmica da recuperação, o programa de reabilitação pediátrica precisa ser
revisto e modificado com maior freqüência do que em adultos (McCoy et al.,
1997). Além disso, as intervenções adotadas devem corresponder às
peculiaridades de desordens neurológicas específicas, conforme ilustra a tabela
1.

148
O tratamento medicamentoso de sintomas residuais pela administração
de antidepressivos, anticonvulsivantes, anxiolíticos e anti-histamínicos em
pacientes com lesões cerebrais deve ser constantemente monitorado, pois
efeitos colaterais, como sedação, confusão e prejuízos de memória podem influir
em ambos, avaliação neuropsicológica e reabilitação cognitiva (Prigatano, 1987).
Por essa razão, o diálogo entre os médicos e o neuropsicólogo a esse respeito
é essencial.

A avaliação funcional, isto é, das atividades de vida diária e autonomia,


também deve ser considerada. Sabe-se, nos dias de hoje, que a melhora
atribuída para a reabilitação neuropsicológica pode ser separada do progresso
no funcionamento, que ocorre espontaneamente. Pacientes com traumatismo
craniencefálico (TCE) apresentam uma recuperação mais rápida nos primeiros
6 meses após o insulto, mas podem continuar lentamente a recuperar-se até 24
meses pós-lesão (Bond, 1975). De fato, ganhos progressivos em independência
pessoal, doméstica e comunitária ocorrem cerca de 5 anos pós-lesão,
alcançando, porém, um plateau no nível funcional ou de atividade cognitiva após
um interstício de dez anos. Os pacientes se mostram mais conscientes do
impacto cognitivo e dos problemas de comportamento na vida cotidiana, porém
aspectos emocionais (ansiedade, depressão e isolamento social) permanecem
freqüentes (Olver et al., 2003).

149
É importante dizer que a maioria dos pacientes necessita de reabilitação
de outras funções, além das cognitivas, e em diferentes fases de seu
acometimento. Assim, neurologia, psiquiatria, fisiatria, fonoaudiologia,
fisioterapia e terapia ocupacional, entre outras especialidades, interagem
constantemente com a neuropsicologia. Por exemplo, crianças com lesões
adquiridas e adultos jovens se beneficiam da mobilização e estimulação para
recuperação da consciência, a chamada neurorreabilitação (Eilander, 2003). No
caso de lesões congênitas, grupos de estimulação neuropsicomotora precoce e
de psicopedagogia contribuem para o desenvolvimento de habilidades
necessárias para a interação com o meio. Quanto mais cedo o pediatra e/ou
neurologista encaminhar o paciente para programas de reabilitação cognitiva,
maiores serão as oportunidades de a criança e sua família receberem
atendimento e orientação especializados, o que propiciará a estimulação
adequada de suas capacidades intelectuais.

Muitas lacunas, porém, existem quanto ao treino cognitivo, as quais


refletem a inexistência de pesquisas conclusivas quanto às estratégias mais
adequadas a certas patologias. Fatores como heterogeneidade de localização
das lesões cerebrais, idades de insultos, déficits específicos e dificuldades pré-
mórbidas precisam ser consideradas na realização de estudos comparativos
entre técnicas e estratégias para investigação da efetividade de programas de
reabilitação (Santos, 2004). Esses aspectos fazem da reabilitação
neuropsicológica pediátrica um campo de atuação, formação e pesquisa carente
de investimentos. Os estudos multicêntricos se apresentam como a metodologia
mais adequada para responder a inúmeras questões diante da velocidade com
que os avanços nas neurociências estão se dando.

150
No Brasil, a Rede Sarah de Hospitais de Reabilitação realizou um estudo
no qual crianças com TCE foram aleatoriamente distribuídas em dois grupos de
intervenção. O primeiro foi tratado diariamente pela equipe hospitalar, e o
segundo recebeu atendimento domiciliar por membros da família que foram
previamente treinados e monitorados para realizarem exercícios de estimulação
motora e cognitiva. A comparação entre a avaliação basal e os escores, após
um ano em medidas como a Escala Wechsler de Inteligência, revelaram
melhores resultados para crianças cuja família participou ativamente do
tratamento (Braga, 2003).

Experiências recentes têm incentivado atividades como jardinagem,


música e arte à reabilitação. Também tendem à expansão o uso
da teleconferência para que as famílias recebam em casa orientação dos
profissionais de reabilitação a qualquer tempo (Tam et al., 2003) e
de treinamento vocacional para escolha ou retorno às atividades educacionais e
profissionais (Lindstedt, Rosqvist e Svennungsson, 2003).

O futuro da reabilitação neuropsicológica encontra-se relacionado aos


estudos de neuroimagem funcional; assim, além dos profissionais já
mencionados, também os neurorradiologistas contribuirão para a avaliação dos
programas de reabilitação cognitiva implantados. O uso da imagem por

151
ressonância magnética funcional (IRMf), entre outras técnicas, em amostras
pediátricas, tem aumentado progressivamente para a localização de funções
críticas (Logan, 1999), avaliação de correlatos neurais da plasticidade cerebral
(Hertz-Pannier et al., 2000), para estabelecimento da relação entre função e
estrutura no decorrer do desenvolvimento cognitivo cerebral (Nelson et al., 2000)
e para comparações entre etapas de treinamento cognitivo (Olesen, Westerberg
e Klingberg, 2004). A participação do neuropsicólogo é fundamental, tanto na
elaboração dos paradigmas cognitivos empregados em neuroimagem funcional
quanto na interpretação do valor clínico dos resultados obtidos.

Em resumo, a reabilitação neuropsicológica pediátrica é um campo de


atuação recente no Brasil e, portanto, ávido por investimentos em formação,
atuação e pesquisa científica. Programas de reabilitação cognitiva objetivam o
restauro funcional e o estabelecimento de estratégias compensatórias para
funções cognitivas afetadas em relação às demandas do ambiente familiar e
escolar da criança portadora de desordens neurológicas. Requerem a
colaboração interdisciplinar de profissionais da área de saúde. Apesar das
limitações das estratégias compensatórias, o impacto da reabilitação
neuropsicológica quanto à adaptação do paciente ao seu meio é evidente.
Perspectivas futuras se direcionam para o uso de técnicas de neuroimagem
funcional tanto para compreensão dos mecanismos subjacentes aos fenômenos
plásticos cerebrais como para avaliação dos programas de reabilitação cognitiva
implantados.

Como conclusão, o neuropsicólogo deve contribuir para o


desenvolvimento de novas estratégias de reabilitação cognitiva, qualificar-se
para o uso das mesmas e partilhar, com a equipe interdisciplinar, as técnicas e
experiências efetivas. É de suma importância, porém, que as atividades
implementadas pela família, escola, e todos os profissionais envolvidos na
reabilitação neuropsicológica respeitem a natureza lúdica da criança, em outras
palavras, nesta "cirandinha, vamos todos cirandar"!

8.3 Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com


demência de Alzheimer

152
Em virtude do aumento do número de diagnósticos precoces em
pacientes com doença de Alzheimer (DA), está crescendo a procura por
tratamentos que visam a melhora das funções cognitivas, além de possível
retardo no progresso da doença.

Na DA, dificuldades de memória são as primeiras queixas tanto dos


pacientes como de seus familiares. Déficits de memória causam, além de grande
prejuízo nas atividades diárias dos pacientes, comprometimento de sua
qualidade de vida. Portanto, pesquisas estão começando a reconhecer a
relevância da reabilitação de memória para pessoas com demência.

Como ainda não existe um tratamento que possa curar ou reverter a


deterioração causada pela demência, os tratamentos disponíveis, atualmente,
buscam minimizar sintomas cognitivos e comportamentais por meio de
medicação e técnicas cognitivas de reabilitação, melhor estruturação do
ambiente, e também por meio de grupos informativos para pacientes e familiares.
Desta maneira, estes tratamentos devem ser cada vez mais aprimorados e
pesquisados.

153
Entre os atuais tratamentos medicamentosos para a DA, os inibidores de
acetilcolinesterase (ChEI) têm demonstrado eficácia no controle temporário de
sintomas, como melhora das funções cognitivas e das dificuldades na realização
das atividades da vida diária em pacientes com DA leve a moderada (De Vreese
et al., 2001). Entretanto, terapias que envolvem intervenção não
medicamentosa, como a reabilitação neuropsicológica, também têm
apresentado melhora na cognição dos pacientes, além de promoverem apoio e
informações aos familiares (De Vreese et al., 2001).

Desde a Antigüidade, na Grécia e no Egito, já existia a preocupação em


reabilitar pacientes com lesões cerebrais. Porém, o alcance popular da
reabilitação cognitiva só se deu em finais da década de 1980, com três
acontecimentos que marcaram grandes avanços nesta área: a Segunda Guerra
Mundial, a Guerra do Oriente Médio e o grande número de acidentes de trânsito
(Wilson, 1996).

154
“O objetivo da reabilitação cognitiva é capacitar pacientes e familiares a
conviver, lidar, contornar, reduzir ou superar as deficiências cognitivas
resultantes de lesão neurológica” (Wilson, 1996), fazendo com que estes
passem a ter uma vida melhor, com menos rupturas nas atividades comumente
realizadas. Para isto, propõe-se a ensinar a pacientes, familiares e/ou
cuidadores estratégias compensatórias e organização para produção de
respostas, propiciando melhora das funções cognitivas e da qualidade de vida.

Já a reabilitação neuropsicológica, segundo Wilson (1996), além de tratar


os déficits cognitivos, também se propõe a tratar as alterações de
comportamento e emocionais. Segundo Prigatano (1997), a reabilitação
cognitiva é somente um dos cinco componentes da reabilitação
neuropsicológica, que compreende ainda: psicoterapia, estabelecimento de um
ambiente terapêutico, trabalho com familiares e trabalho de ensino protegido
com os pacientes. O trabalho deve contar com uma equipe multidisciplinar, além
de avaliações que mostrem os benefícios e as limitações da reabilitação a curto
e longo prazos.

Antes do início de qualquer programa de reabilitação, é necessário definir


o perfil cognitivo de cada paciente, delineando seus déficits e aspectos da
cognição preservados. Além disso, é muito importante uma adequação do
treinamento proposto ao nível intelectual e cultural do paciente.

A intervenção junto aos familiares é tão relevante quanto o atendimento


ao paciente. As dificuldades de memória e de linguagem comprometem o

155
relacionamento interpessoal, afetando a estrutura familiar. O paciente com DA
torna-se, com o decorrer da doença, dependente dos familiares ou dos
cuidadores. Então, a orientação sobre a doença e seu prognóstico diminui a
ansiedade e a depressão gerada pela presença de doença grave na família
(Bottino et al., 2002).

Segundo Wilson (1996), idosos sem atividades podem perder algumas de


suas capacidades intelectuais; portanto, estímulos como exercícios são
importantes, a fim de proteger o intelecto contra deterioração. Pessoas que
continuam a aprender preservam um nível elevado de performance, como por
exemplo um professor de 60 anos tem performance igual a um de 30 anos em
testes de aprendizagem e memória (Rosenzweig e Bennett et al., 1996). Existe
a hipótese de que treino e atividades cognitivas possibilitem aos idosos manter
as habilidades em uso. Segundo Hebb (Rosenzweig e Bennett et al., 1996), o
uso induz a plasticidade do sistema nervoso.

Além disso, existe a hipótese de que por meio da ativação de áreas


seletivas do cérebro durante a vida este pode proteger-se do processo
degenerativo (Rosenzweig e Bennett et al., 1996). Esta hipótese parafraseia
Hebb (1949): “o nível diferencial de ativação celular no cérebro pode ter relação
com a perda celular – use it or lose it”. Também há suposições de que certo nível
de plasticidade neural persiste durante a terceira idade e na DA (Mirmirian et al.,
1996). Assim sendo, se exercícios atuam sobre a plasticidade neural, e ela ainda

156
existe em idosos com DA, exercícios cognitivos feitos na reabilitação podem agir
positivamente no cérebro desses pacientes.

8.3.1 Reabilitação da memória

Um dos principais métodos de reabilitação da memória se fundamenta em


trabalhar com a modalidade específica da memória que se encontra intacta, para
esta compensar a modalidade que não está (Goldstein e Beers, 1998). Outros
métodos objetivam trabalhar as habilidades residuais da modalidade de memória
que está deficitária. Qualquer que seja o prejuízo cognitivo, existe quase sempre
a conservação de alguma capacidade funcional (Wilson, 1996).

A reabilitação de memória objetiva melhorar a performance do paciente


por meio de técnicas específicas ou estratégias, e não modificar a habilidade que
o paciente possui de memorização. “A estratégia de memória é um procedimento
particular que cada indivíduo pode usar para memorizar um material
determinado, em condições específicas” (Verhaeghen, 2000). É importante,
então, saber diferenciar habilidades de estratégias.

157
Habilidade refere-se ao conhecimento e à capacidade de como realizar
algumas ações antes do conhecimento de fatos ou eventos (Gardner et al.,
2000). Essas duas formas de conhecimento muitas vezes são independentes.
Com relação à memória, é a maneira utilizada por cada um para ajudar na
memorização, como organização, categorização e associações, e que tem
aplicação na vida prática em subtestes de memória. Geralmente, as habilidades
são utilizadas de maneira espontânea.

Já as estratégias são métodos específicos, sistemas formais de registro e


evocação de informações que podem ser aplicados somente com alcance
restrito de atividades e materiais. As estratégias raramente são usadas
espontaneamente, precisam ser treinadas (VERHAEGHEN, 2000).

Assim sendo, o efeito do treino é melhorar a performance, e não modificar


uma habilidade intrínseca já utilizada pelo sujeito. Por exemplo: se um sujeito
tem maior facilidade para memorizar a partir de pistas visuais, a reabilitação não
vai treiná-lo a utilizar pistas verbais, e sim ensinar-lhe estratégias para melhorar
sua performance, como a utilização de pistas multissensoriais.

158
Para estimular o funcionamento da memória, é importante ressaltar que
há mais de um caminho possível. Por exemplo, para aprender uma seqüência
de palavras, pode-se aplicar o método de categorização semântica ou fonêmica,
dependendo da preferência e da habilidade particular de cada um.

Em idosos, é comum a ocorrência de erros de aplicação das técnicas


ensinadas, em decorrência da perseveração em técnicas antigas, que não são
mais efetivas. Assim, com idosos, não só é necessário treinar novas técnicas,
como também ajudá-los a não utilizar mais as antigas, por meio da prática,
mostrando em sua performance que a técnica nova traz melhores resultados.
Visualizando os diferentes resultados, cada indivíduo poderá fazer sua escolha.
Mas por que muitas das técnicas utilizadas pelos idosos se tornam ineficientes?

Em primeiro lugar, em virtude do progresso tecnológico e científico, uma


estratégia de tempos atrás não se aplica à vida de hoje. Com a idade, muitas
lembranças que antes eram feitas facilmente de memória hoje necessitam ser
anotadas, como tomar um remédio. Antes era um remédio por dia, hoje são dez,
em horários diferentes. Outra mudança também muito comum é a perda do
companheiro, aquele que era responsável pelas compras e pelo pagamento das
contas. Assim, há a necessidade da aquisição de novas habilidades.

Dessa maneira, os idosos, demenciados ou não, para se manterem


independentes por mais tempo, devem: tentar manter as habilidades adquiridas
durante a vida, transferir essas habilidades para um novo ambiente e novas

159
situações, além de adquirir novas habilidades para lidar com problemas atuais
que as habilidades antigas não podem resolver.

Embora haja atualmente comprovação da eficácia de algumas técnicas


de reabilitação cognitiva, os seguintes aspectos ainda são questionáveis:

a. extensão dos benefícios destes treinos para a vida diária dos


pacientes;
b. b. a duração dos benefícios a longo prazo após a interrupção dos
treinos;
c. c. qual técnica é mais efetiva para cada tipo de população;
d. d. além da dúvida sobre os melhores instrumentos para medir a
eficácia do tratamento.

Em pesquisa realizada por De Vreese et al. (1998) (classe I), dois grupos
de idosos, o primeiro formado por 30 sujeitos com queixas subjetivas de memória
e o outro por 20 sujeitos com queixas subjetivas e objetivas de memória (declínio
da memória episódica verbal sem interferir nas atividades de vida diária),
receberam sessões de treino de memória com duração de 90 minutos, uma vez
por semana, por um período de três meses. Este treino combinava várias
técnicas mnemônicas e estratégias de aprendizagem estruturadas, a fim de
obter efeitos psicoterápicos e pedagógicos. Ao final do tratamento, verificou-se
que os sujeitos que tinham também queixas objetivas de memória tiveram maior
benefício dos treinos e que os ganhos qualitativos eram maiores que os
quantitativos.

Em outro estudo, Berg et al. (1991) (classe I) constataram em grupo de


pacientes com traumatismo craniano que, após ensino de estratégias para
aprender informações relevantes, estes passaram a ter melhor performance em
tarefas de aprendizagem e memória do que os pacientes que não foram
treinados. Já em outra pesquisa, citada por Prigatano (1997), Milders et al.
(classe II) acompanharam longitudinalmente um grupo de pacientes que recebeu
treino para memória. Logo após o final do treinamento, o grupo que sofreu
intervenção teve maiores benefícios; no entanto, a longo prazo, após quatro
anos, eles tiveram performance igual ao grupo-controle. Este estudo deve ser
exemplo para futuras pesquisas, pois deve-se ter claro as limitações e os

160
sucessos da reabilitação, bem como o momento mais propício para iniciar um
tratamento e a população que irá recebê-lo.

Após estas pesquisas, que avaliaram a reabilitação da memória como um


todo, vários estudos passaram a investigar as técnicas mais efetivas.

8.3.2 Técnicas de reabilitação de memória na DA

A terapia de orientação para a realidade (TOR) foi desenvolvida por


James Folson em 1968, com o objetivo de reduzir a desorientação e confusão
nos idosos, e pode ser realizada de duas formas; 24 horas. de TOR e classes de
TOR por 30 minutos. Ambas visam a orientar o paciente no tempo e no espaço,
sempre relembrando com ele, por meio de pistas ou auxílios externos, o dia do
mês, o ano, e o local onde está.

Citrin e Dixon (1977) (classe I) realizaram estudo com TOR com sessões
semanais com grupo treinado, e grupo-controle que não foi treinado. Os
resultados revelaram melhora na orientação do grupo treinado, enquanto o
grupo-controle permaneceu inalterado. Além disso, houve diferenças na lista de
comportamento utilizada, com melhora em certos comportamentos no grupo que
sofreu intervenção.

Já em estudo de Zeplin et al. (1981) (classe I) foram feitos treinos com


classes de TOR com sessões de 30 minutos e TOR–24 horas, em idosos com
déficits cognitivos, por um período de seis meses. Os grupos que foram treinados

161
tiveram melhora no mini-exame do estado mental (MEEM), enquanto o grupo-
controle piorou. Entretanto, após intervalo de um ano, estas diferenças não foram
mais verificadas.

O que não se sabe nesses estudos é o quanto as habilidades treinadas


se estendem à vida diária dos pacientes, já que as medidas utilizadas para medir
a eficácia do treino são questionários com perguntas similares ou iguais às
treinadas. Porém, apesar dos problemas de avaliação, estes e outros estudos
têm sugerido que a TOR pode, em alguns casos, trazer benefícios para a
orientação dos pacientes.

Em estudo mais recente com pacientes com demência, Spector et al.


(2000) (classe I) submeteu 65 pacientes à TOR–24 horas, enquanto 58 pacientes
formaram o grupo-controle. Os resultados mostraram haver evidências de efeito
positivo na cognição e no comportamento do grupo que sofreu intervenção;
entretanto, alterações não foram verificadas nas habilidades funcionais do dia-
a-dia. O que permanece ainda sem resposta é se esses benefícios permanecem
após a interrupção das sessões de TOR.

162
Outra técnica para trabalhar a memória é a terapia da reminiscência, que
visa trabalhar a memória remota do paciente, com fatos significativos de sua
vida, como canções, hábitos antigos, entre outros. No entanto, Spector et al. (De
Vreese et al., 2001) concluiu que somente um estudo pôde ser registrado e,
neste não foram encontrados benefícios significativos comparando o grupo
tratado com o grupo-controle. Assim, apesar de haver sugestões de efeitos
positivos dessa técnica, a ausência de estudos controlados impede uma
avaliação mais objetiva de sua eficácia.

Uma terceira técnica é a reabilitação baseada na facilitação da memória


implícita residual. Na DA, a perda progressiva da memória, que tem múltiplos
componentes, não se dá de maneira uniforme. Atualmente, estudos têm
demonstrado que a memória implícita de pacientes com DA está relativamente
preservada na fase inicial, apesar de apresentarem déficits significativos de
memória explícita (para revisão ver Bertolucci, 2000). Isso mostra que na DA há
aspectos da memória que não estão afetados e, assim sendo, estes pacientes
preservam ainda certa capacidade de aprendizagem, podendo ser estimulados
e reabilitados.

163
Wilson et al. (1989) observaram que por meio da prática repetitiva e
utilizando mecanismos de memória implícita, pacientes amnésticos podem ser
treinados em tarefas complexas. No entanto, Squire (1987) faz uma crítica de
que esta aprendizagem implícita, por ser rígida e muito específica, não permite
ao paciente fazer um uso flexível do que foi aprendido. O que se sugere é que
sejam feitos treinos em conhecimentos específicos com aplicação direta na vida
diária.

Bolognani et al.(2000) (classe III) relataram estudo com paciente de 23


anos que apresentava dificuldades de memória de curto prazo e de
compreensão de textos em decorrência de parada cardíaca seguida de anóxia
cerebral. Ele foi treinado por 14 semanas, com três sessões semanais de 50
minutos cada, a utilizar o editor de textos do computador, a fim de confeccionar
cartões. Os treinos foram feitos diretamente no computador, com tarefas sendo
divididas e treinadas passo a passo. Ao final das 14 semanas, o objetivo foi
alcançado, pois ele conseguia confeccionar cartões sozinho, comprovando que
mesmo pacientes gravemente amnésticos são capazes de aprender
informações novas, apoiados em estratégias de memória implícita.

Assim, deve-se ter claro que o objetivo desta técnica não é restabelecer
habilidades de memória, mas fornecer informações úteis para resolver
problemas do dia-a-dia.

A memória de procedimento em pacientes com DA leve é semelhante à


de idosos normais, e por meio deste sistema de memória estes pacientes podem
164
aprender novas informações ou reter conhecimentos. Expandindo-se técnicas
que beneficiam lesionados cerebrais (Wilson, 1996) para pacientes com DA,
esses podem se beneficiar de técnicas como aprendizagem sem erro,
aprendizagem de habilidades sensoriomotoras, técnica de redução de pistas,
técnica de ampliação do intervalo de evocação.

Wilson (2001) relatou que estudos recentes têm demonstrado que o


princípio da “aprendizagem sem erro” é útil para pacientes com dificuldades de
aprendizagem em decorrência de alterações neurológicas, como é o caso de
pacientes com Alzheimer. Pessoas com déficit na memória episódica não são
capazes de lembrar de seus erros, não podendo, desta maneira, corrigi-los.
Assim, não aprendem com seus erros, como as pessoas sem déficits de
memória, e passa a ser claro que faz mais sentido assegurar-se de que o
aprendizado se dê sem erros. Mais do que uma técnica específica,
aprendizagem sem erro deve nortear o treinamento de memória
independentemente da técnica utilizada, passando a ser, desta maneira, um
princípio.

Em um estudo de caso, Winter e Hunkin (1999) (classe III), verificando a


eficácia da aprendizagem sem erro, avaliaram uma idosa de 62 anos com
diagnóstico de DA leve que foi treinada para reaprender nomes de pessoas
famosas. O treino ocorria quatro vezes por semana, no qual ela reaprendia o
nome de dez pessoas, as quais ela não recordava. Em cada treino as dez fotos
eram apresentadas e nomeadas em ordem diferente. Para cada foto, a própria
paciente lia o nome, sendo instruída a memorizar o nome de cada pessoa. Antes
e depois do treino foram lhe dadas pistas e, no momento da evocação, quando
ela falava que não sabia, já que a adivinhação não era incentivada, o nome era
repetido. Os resultados revelaram que ela foi capaz de reaprender os nomes,

165
pois, no final da 3a sessão, já foi capaz de nomear sete pessoas. Além disso,
apesar de a paciente não ter sido sistematicamente trabalhada com informações
semânticas sobre as pessoas das fotos, foi notado que na reaprendizagem ela
melhorou também a capacidade de armazenamento das informações relevantes
sobre cada pessoa. Clare (2001) (classe II) utilizou o método em seis pacientes
com DA, idade entre 65 a 75 anos, e resultado no MEEM entre 21 e 26 pontos.
Treinou aprendizagem e reaprendizagem de nomes e informações, além de uso
de auxílios externos para memória. Foi observado melhora na memória dos
pacientes e esta permaneceu até seis meses após o término dos treinos. A
autora salienta a importância do método para reaprender atividades novas, e que
os resultados obtidos são melhores em atividades que demandam memória
implícita. No entanto, como a última também não reconhece e corrige os erros,
estes devem ser evitados. Ainda segundo Clare, “é importante no treino com
esses pacientes dar ênfase à codificação das informações, e não só no ‘não
esquecer’; é importante que eles experienciem o sucesso”.

Pesquisa realizada recentemente por nosso grupo (classe II) selecionou


seis pacientes com diagnóstico de DA leve a moderada estes foram incluídos em
ensaio clínico aberto, utilizando como medicamento a rivastigmina, para
padronizar as doses utilizadas (6 mg a 12 mg). Após dois meses, os sujeitos

166
iniciaram sessões semanais de 60 minutos de reabilitação cognitiva por um
período de cinco meses. A eficácia das intervenções foi avaliada pela escala de
impressão clínica global (CGI), Clinical Dementia Rating (CDR), MEEM,
Alzheimer’s Disease Assessment Scale-cognitive subscale (ADAS-Cog), bateria
neuropsicológica, questionário de atividades de vida diária básicas (Katz 1960)
e instrumentais (Lawton, 1969). O estudo revelou que a associação de técnicas
de reabilitação cognitiva ao tratamento medicamentoso pode auxiliar na
estabilização ou resultar até mesmo em uma leve melhora dos déficits cognitivos,
principalmente da memória, e funcionais (Bottino et al., 2002).

De Vreese e Neri (1999) (classe I) realizaram estudo de treinos de


memória que visavam otimizar a memória episódica, semântica e autobiográfica.
Foram incluídos 27 pacientes com DA leve (escore do MEEM = 20 a 26) que
foram divididos em três grupos (placebo, inibidores de acetilcolinesterase (ChEI)
e inibidores de acetilcolinesterase (ChEI) + treino cognitivo duas vezes por
semana, conduzidos na presença de cuidador) e acompanhados por 26
semanas. Após três meses, nove pacientes que estavam usando somente o
ChEI foram submetidos a treinos de memória individual em sessões de 10 a 40
minutos, duas vezes por semana. Além disso, os familiares eram incentivados a
repetir os exercícios em casa com os pacientes. Os resultados do tratamento
foram avaliados pelo ADAS-Cog, MEEM e escala de atividades de vida diária
(Lawton e Brody, 1969). Estes mostraram que os pacientes que fizeram o
tratamento combinado de ChEI + treino cognitivo apresentaram um efeito
terapêutico maior do que o grupo que só fez uso da ChEI e do grupo-placebo,
com relação a funcionamento cognitivo, alterações de comportamento e
atividades de vida diária.

8.4 Uma proposta de reabilitação neuropsicológica através do programa de


enriquecimento instrumental (PEI)

167
O PEI destina-se a todas as pessoas, independentemente da idade, nível
de escolaridade ou experiência profissional, que necessitem desenvolver seu
potencial cognitivo. Aplica-se, especialmente, à desmotivação para o estudo,
problemas de memória, baixo rendimento escolar e dificuldades de
aprendizagem, hiperatividade, dificuldades de atenção, síndrome de Down,
dificuldades de raciocínio e abstração, desordens perceptivas, entre outros.

De acordo com Da Ros (1997), uma sessão de utilização do PEI prevê quatro
etapas:

(1) Introdução (5 a 10 minutos): os mediados devem obter uma percepção clara


e precisa do problema; a intenção é mediar a tarefa;

(2) Trabalho do paciente (20 a 25 minutos): o mediado executa as tarefas, e o


mediador se preocupa em promover a sensação de competência e o otimismo;
ameniza a frustração do indivíduo, assegurando o alto nível de sucesso na tarefa
e preparando-o para enfrentar as dificuldades que poderão surgir. Como cita
Belmonte (2003), deve-se assegurar a auto-estima, já que a intervenção do
mediador tem como objetivo auxiliar a pessoa a solucionar problemas, através
do uso efetivo de estratégias;

168
(3) Discussão e desenvolvimento do insight (20 a 25 minutos): estimula-se o
pensamento divergente, recapitulam-se conceitos e vocabulários, controla-se a
impulsividade, promove-se a transcendência (fazer o paciente levar para sua
vida cotidiana conceitos que estão sendo trabalhados no instrumento); a
intenção é mediar as respostas;

(4) Resumo da terapia (5 a 10 minutos): relembra-se o que aconteceu no


decorrer da terapia, analisam-se as funções cognitivas trabalhadas e discutem-
se as percepções das mudanças cognitivas do paciente.

O mediador incentivará o mediado a descobrir e analisar os objetivos que


ele pretende cumprir e as funções cognitivas que queira desenvolver ao
selecionar, planejar e organizar a tarefa. Seu maior desafio é descobrir os
processos de pensamentos que seus mediados (pacientes) realizam
espontaneamente; diante desse conhecimento, elabora e apresenta os
conteúdos, através de diversas modalidades do instrumento (verbal, escrito,
pictórico, simbólico, esquemático e gráfico), de modo que o mediado possa
contornar suas dificuldades, tornando as tarefas mais fáceis e superáveis
(Sanchez, 1992).

O Programa de Enriquecimento Instrumental (PEI) desenvolve operações


mentais como identificação, comparação, diferenciação, classificação,
codificação-decodificação, raciocínio analógico, raciocínio transitivo, raciocínio
hipotético, silogismo, lógica, representação mental, transformação mental,
projeção de relações virtuais, análise-síntese, inferência lógica e pensamento
divergente.

169
O PEI é composto por vinte e um instrumentos, divididos em duas
categorias: PEI Básico e PEI Standard. Neste artigo nos restringiremos
essencialmente ao PEI Básico.

1. O PEI Básico é voltado para crianças de 4 anos até 9 anos, idosos ou


pessoas com necessidades especiais, possuindo uma série de sete
instrumentos (Silva, 2006):
a) Organização de Pontos: usando estímulos figurativos, o paciente
desenha linhas para conectar os pontos que criam uma ordem e um
significado na informação inicialmente desconecta, levando ao
fechamento de formas, numa ordem crescente de complexidade. Este
instrumento desenvolve a percepção, reduz o nível de impulsividade,
instiga a curiosidade, flexibiliza as estruturas mentais e propicia o
refletir sobre o próprio processo de pensamento. Operações mentais
desenvolvidas: observação, comparação, avaliação, análise e síntese
e utilização de estratégias.
b) Da Unidade ao Grupo: este instrumento trabalha com o conceito de
que o número é a representação mental de uma quantidade e que
pode ser obtido por meio de diversas operações matemáticas.
Desenvolve a capacidade de contagem, interioriza o conceito de
unidade e de grupo, estimula a flexibilidade cognitiva, desenvolve a
capacidade analítica (decomposição) e a sintética (composição).

170
Operações mentais trabalhadas: identificação, comparação,
diferenciação e classificação.
c) Orientação Básica no Espaço: as tarefas deste instrumento
colocam uma grande ênfase no vocabulário e conceitos relativos à
orientação de objetos no espaço e a capacidade de relacionar um ou
mais objetos espacialmente. Operações mentais: discriminação figura-
fundo, identificação, raciocínio indutivo e dedutivo, categorização,
percepção, orientação espacial e pensamento comparativo.
d) Comparando e Descobrindo Absurdo: neste instrumento, a tarefa
principal é descobrir e entender a natureza de um absurdo (uma
incongruência) entre duas situações criando um estado de
desequilíbrio na situação. Através do processo de observação,
discriminação, comparação e classificação o paciente será capaz de
identificar a relação que gerou o absurdo. Neste instrumento, trabalha-
se o processo de indução porque requer a adoção de um
comportamento organizado e planejado ao identificar as partes e
buscar a relação entre as partes e conclusão do todo. Operações
mentais trabalhadas: observação, análise, discriminação,
classificação, investigação, comparação, interiorização, raciocínio
indutivo e dedutivo.
e) Identificando Emoções: através do processo de decodificação de
expressões dos sentimentos, o mediado aprende como definir a
natureza e a origem das emoções em vários contextos
comportamentais/sociais. Operações mentais deste instrumento:
identificação, diferenciação, comparação, raciocínio indutivo e
dedutivo, observação, análise, nomeação e solução de problemas.
f) Desde a Empatia à Ação: este instrumento utiliza atividades de
analisar cenas e colocar-se no lugar do outro. As operações mentais
são: identificação, diferenciação, comparação, classificação, análise e
síntese, decodificação e codificação, representação mental,
categorização, raciocínio analógico, raciocínio dedutivo e indutivo e
pensamento seqüencial e inferencial.
g) Três Canais de Atenção: é um instrumento que vivencia as diversas
formas de processar cognitivamente uma mesma situação; a pessoa
é levada a manipular, criar uma imagem mental e representá-la para,

171
posteriormente, reconhecê-la graficamente. Operações mentais
trabalhadas: representação mental, diferenciação das formas usando
os atributos que foram internalizados através da manipulação,
envolvendo a comparação, a síntese e a seriação.
2. O PEI Standard, voltado para populações acima de 9 anos de idade
e adultos, possui uma série de quatorze instrumentos: Organização de
Pontos; Orientação Espacial I, Comparações, Classificações,
Percepção Analítica, Orientação Espacial II, Ilustrações, Progressões
Numéricas, Relações Familiares, Instruções, Relações Temporais,
Desenho de Padrões, Relações Transitivas e Silogismo.
Através de exercícios com lápis e papel, estruturados em unidades de
complexidade cognitiva crescente e de mediação, o paciente é levado
a entender o seu processo mental, favorecendo a aprendizagem e a
metacognição, possibilitando-lhe, assim, aprender a aprender e
melhor utilizar seu potencial.
No entanto, a organização, o conteúdo, o programa e a duração
dependem das características da população alvo e dos objetivos
específicos pretendidos. No PEI Básico, os instrumentos não
necessitam serem utilizados de maneira ordenada, portanto o
terapeuta tem a flexibilidade na escolha dos instrumentos, de acordo
com as necessidades do seu paciente.

A reabilitação neuropsicológica tem como objetivo minimizar as funções


cognitivas deficientes, no aspecto físico, psicológico e sócio-adaptativo, através
de diversas técnicas e estratégias, levando em conta a plasticidade neuronal e,
essencialmente, as possibilidades do paciente. Tem-se como objetivo principal,
uma atividade dinâmica para a readaptação do indivíduo ao seu meio ambiente.
(Santos e Abrisqueta-Gomez, 2006).

172
A reabilitação neuropsicológica vai além da reabilitação cognitiva; ela é
mais abrangente. A reabilitação cognitiva ocupa-se especificamente do
tratamento das funções cognitivas (atenção, memória, percepção, compreensão
etc.) e tem como objetivo promover uma melhora do desempenho em tarefas
que demandam funções cerebrais determinadas.

A reabilitação neuropsicológica, além de visar à melhora cognitiva, visa a


corrigir, maximizar as aprendizagens e reaprendizagens das habilidades
cognitivas de forma que os pacientes encontrem meios adequados e alternativos
para alcançar metas funcionais específicas a fim de diminuir ou sanar as funções
afetadas. Prioriza o indivíduo como um todo e sua qualidade de vida, pois inclui
problemas emocionais e comportamentais, fazendo com que o paciente se
reintegre ao ambiente social, escolar e de trabalho de maneira mais adequada
possível; atua além do consultório, com o objetivo de facilitar o desempenho em
tarefas que requerem habilidades cognitivas (Gil, 2005).

O primeiro passo é realizar uma avaliação neuropsicológica para se


mensurar os prejuízos cognitivos e as funções intactas. Basicamente, a bateria
de testes avalia um conjunto de habilidades e competências cognitivas, tais
como orientação espaço-temporal, raciocínio, atenção, aprendizagem, memória
verbal, visual, curto e longo prazo, funções executivas, linguagem, organização
visuoespacial, funções perceptuais e motoras.

173
A importância da avaliação neuropsicológica não se limita à apresentação
de diagnóstico e prognóstico, mas também está em direcionar o processo de
reabilitação cognitiva. Permite obter a inferência das características estruturais
e funcionais do cérebro e do comportamento em situação de estímulo e resposta
definidas, formular, planejar e executar estratégias as quais compõem o plano
de reabilitação neuropsicológica.

E no final do processo de reabilitação neuropsicológica, realiza-se uma


avaliação dos resultados obtidos para verificar se houve eficácia da intervenção,
através dos relatos subjetivos, do desempenho efetivo nas tarefas e do
comportamento cotidiano alcançado.

Existem várias maneiras de se planejar um programa de reabilitação


eficiente. É importante informar o paciente de que nem sempre é possível
restaurar a função cognitiva prejudicada, mas é possível compensá-la,
encontrando maneiras de minimizar os problemas do cotidiano.

Um programa de reabilitação neuropsicológica deve ser individualmente


elaborado e organizado adequadamente à situação de aprendizagem e
performance do paciente; revisto durante o tratamento e, se necessário,
modificado, pois o curso clínico se modifica tanto pela recuperação quanto pelo
desenvolvimento dos processos de maturação do cérebro e dos fenômenos da
plasticidade neuronal.

174
O planejamento das atividades de reabilitação neuropsicológica necessita
da definição dos objetivos específicos (a curto ou longo prazo), estabelecimento
de metas a serem alcançadas e uma avaliação sistemática dos resultados
obtidos.

Os programas de reabilitação envolvem a estimulação de processos


metacognitivos associados ao treino de funções cognitivas específicas. A
metacognição é uma capacidade individual de automonitoramento em tarefas
cognitivas ou aprendizagens.

Durante o processo de reabilitação, é importante que ocorram


intervenções com o paciente, com técnicas cognitivas específicas para treino de
atenção, de memória, de estratégias metacognitivas, de habilidades visuo-
perceptuais (treinos visual, auditivo, sinestésico) e visuo-construtivas. A
intervenção com a família objetiva esclarecimentos sobre o quadro/diagnóstico
(habilidades e dificuldades, problemas de comportamento), orientações para
auxiliar a generalização das aquisições no ambiente doméstico (organização do
ambiente, métodos de trabalho com o paciente em casa). As intervenções com
a escola têm por finalidade obter esclarecimentos, discutir métodos e estratégias
de ensino e currículo adaptado; além de visitas ao ambiente escolar visando às
modificações no ambiente, se necessárias. (Bueno et al., 2004)

É importante que o paciente compreenda que o tratamento não é um fim


em si mesmo. Cabe ao terapeuta o reforço do comportamento cognitivo

175
aprendido e de novos que levem o paciente a refletir sobre seu aprendizado, a
fim de melhorar seu autocontrole e autogerenciamento na vida diária,
aprendendo a lidar melhor com seus déficits neuropsicológicos.

Propomos, como um novo programa de reabilitação neuropsicológica


inovadora para desempenho das habilidades metacognitivas, o PEI (Programa
de Enriquecimento Instrumental).

A possibilidade do uso desse programa no processo de reabilitação ocorre


quando se detecta dificuldade para organizar e utilizar, de forma eficiente, suas
capacidades/habilidades cognitivas, apresentando alterações de atenção, de
planejamento, impulsividade, perseveração e rigidez, além da generalização na
aprendizagem.

Os instrumentos do PEI centram-se em todas as funções cognitivas. A


experiência de aprendizagem mediada, fundamentada na teoria luriana dos
sistemas funcionais, sugere dentro do contexto neuropsicológico estágios
evolutivos fundamentais, organizados para compreender a ontogênese da
aprendizagem.

Podemos estabelecer uma analogia com o modelo funcional de


Luria e os instrumentos do PEI.

Para Luria, a cognição depende da participação sincronizada das três


unidades funcionais, cada uma delas numa estrutura hierárquica: áreas
primárias ou de projeção, áreas secundárias ou de associações e áreas
terciárias.

Segundo o pensamento luriano, cada área pode operar unicamente em


conjunção com outras áreas, a fim de produzir comportamentos – escrever ou
falar, por exemplo. Portanto, nenhuma área do cérebro pode ser considerada
como a única responsável por qualquer comportamento humano voluntário ou
superior, exatamente porque o desempenho ou a realização de funções se
fundamenta numa interação dinâmica e sistêmica de muitas áreas.

Esta perspectiva não se baseia numa abordagem lesional fixa e imutável,


mas numa abordagem dinâmica suscetível de modificabilidade neurofuncional
sustentada numa perspectiva da plasticidade cerebral.

176
Quanto maior a complexidade das ações causadas pelo cérebro, maior a
necessidade de novos processamentos. (Damásio, 2006). Por mais essa
constatação, verificamos a importância da utilização do programa do PEI na
reabilitação neuropsicológica, reforçando o enriquecimento cognitivo, não só
aumentando a unidade de atenção, implementando as estratégias de
experiência mediada, mas também implementando uma estratégia de
processamento informativo.

O modelo de input - elaboração – output de informação proposto por Feuerstein


pode ser sintetizado nos seguintes processos funcionais similares à perspectiva
de Luria e com os instrumentos do PEI (Fonseca, 2007):

177
Input:

Ativação, atenção e percepção (primeira unidade de Luria); responsáveis


pela modelação do alerta cortical, pelas funções de sobrevivência, pela vigilância
tônico-postual e pela filtragem e integração dos inputs sensoriais.

Instrumentos do PEI que trabalham com o Input: organização dos pontos


básicos, organização dos pontos, orientação espacial básica, orientação
espacial I e II comparações, percepção analítica, classificações e ilustrações.

Elaboração:

Integração, retenção, processamento de dados, processamento simbólico


e motor (segunda unidade de Luria).

Esta área é responsável pela análise, síntese, retenção e integração da


informação intrasensorial especifica, recebida na primeira área, com bases em
processos perceptivos sequenciais já especializados hemisfericamente.
Abrange um número de unidades de informações que podem ser processadas e
manipuladas simultaneamente.

Instrumentos do PEI que trabalham com Elaboração: relações familiares,


relações temporais, progressões numéricas e instruções, identificando emoções,
comparando e descobrindo absurdo, da empatia à ação.

Output:

Planificação, conscientização do processo, monitorização, predição de


consequências, avaliação de resultados, tomada de decisões, processos de
prestação, verificação e preparação da resposta e integração de efeitos da ação.
Respostas certas e justificadas marcam a capacidade do indivíduo de expor, de
forma clara e precisa, como executou determinada tarefa, explicando de maneira
ordenada os passos do seu raciocínio. Consistindo no lobo frontal, que
representa o nível mais elaborado de desenvolvimento do cérebro humano
(terceira unidade de Luria).

Instrumentos do PEI que trabalham com Output: silogismo, relações


transitivas, sobreposições de padrões, três canais de atenção e da unidade ao
grupo.

178
Assim, o PEI pode ser usado como um instrumento terapêutico em muitos
casos de distúrbios ou lesões neurológicas, tais como Síndrome de Down,
TDHA, dificuldades de aprendizagem etc., porque as disfunções cognitivas não
se encontram necessariamente associadas com lesões em áreas corticais
particulares, mas tendem a serem sensíveis ao efeito de uma lesão cerebral,
independente de sua localização. Quando usado com rigor neuropsicológico e
clínico, baseado nas necessidades específicas e nos perfis neuropsicológicos
dos indivíduos, o PEI pode ajudar fortemente nesta organização sistêmica e no
seu desenvolvimento funcional, porque o PEI reflete uma modificação
progressiva e qualitativa. (Fonseca, 2005)

Como exemplo, podemos citar o instrumento Três Canais de Atenção, do


PEI Básico, que foi criado para trabalhar déficits de atenção, impulsividade e
déficits nos níveis de input (captação) e elaboração de informações.

Este instrumento é composto de uma caixa de papelão vazia com uma


abertura nas duas laterais que permite o paciente colocar as mãos para
manipulação tátil. A face superior da caixa é aberta para permitir ao mediador
observar o processo de exploração, mediando o paciente a conduzir uma
resposta mais precisa do mediado.

179
As formas geométricas vão sendo apresentadas uma a uma, para o
paciente explorar as características das peças, através da manipulação tátil, e
reconhecer as diferentes formas (quadrado, triângulo, polígonos variados,
formas segmentadas irregulares) iniciando das formas mais simples para as
mais complexas.

É importante salientar que, conforme o trabalho vai sendo realizado, o


paciente vai adquirindo melhor habilidade nas formas mais complexas.

Inicialmente, através da percepção tátil, o objetivo da mediação nessa


série é formar um processo para a exploração tátil e usar essa exploração para
construir as imagens mentais internalizadas que serão graficamente e
visualmente reforçadas nas próximas etapas. Os conceitos podem ser
formulados usando tanto o conteúdo (a natureza das formas geométricas)
quanto o processo (como a aprendizagem ocorre). O paciente deve manter a
atenção aos atributos essenciais das formas, movendo as mãos e os dedos, para
explorar as dimensões das formas (praxias) e descrever verbalmente nomeando
os atributos que está experimentando tatilmente.

Deve-se orientar o paciente a segurar a figura entre o polegar e o dedo


indicador na posição vertical, de forma que cada peça possa ser registrada
mentalmente enquanto o paciente explora tatilmente.

Na segunda etapa, o paciente faz um desenho do que foi reconhecido


através da exploração tátil. O indivíduo pode realizar mais de um desenho, até

180
que seja o mais preciso possível, nos detalhes e tamanho da forma explorada,
através da mediação do terapeuta.

A terceira etapa é o reconhecimento visual da forma geométrica. É


mostrado ao mediado uma página (folha) do instrumento, que apresenta
variações das formas que foram exploradas, com o objetivo que ele identifique,
entre outros desenhos de formas geométricas, qual ele explorou, confirmando
se o indivíduo conseguiu, através da representação mental adquirida pela
manipulação do instrumento. A diferenciação das formas requer discriminação e
eliminação das formas diferentes.

Cada forma geométrica deve ser explorada bem, nos três canais
(manipulação, reprodução e reconhecimento) para depois ser passada para
outra figura. O mediador pode tanto avançar séries quanto voltar às anteriores,
sendo flexível e criativo para responder as necessidades do mediado e do
desenvolvimento cognitivo, ajudando a criança a explorar e a observar como está
realizando as propostas. As formas combinam os elementos familiares que foram
percebidos e os elementos novos que devem ser identificados e registrados. As
formas que se assemelham a objetos familiares (escada, estrela, chave...),
ajudam o paciente a nomeálas.

As formas geométricas foram construídas de uma madeira fina, dando


oportunidade para serem exploradas com as mãos e os dedos. São levemente
ásperas nas bordas e na superfície o material é plano, com o propósito de
favorecer uma resposta do objeto em questão, através de reconhecimento tátil,
totalizando 26 formas geométricas.

Os objetivos específicos desse instrumento são a focalização, usando


estímulos abstratos que devem ser percebidos em diferentes maneiras para
depois ser integrado; a exploração, usando as modalidades táteis e motoras e a
construção de conceitos, usando a mediação verbal baseado nas informações
recolhidas e assimiladas através do tato, necessitando neste momento evocar a
memória.

8.5 Reabilitação Neuropsicológica e TDAH

181
O TDAH tem ocupado destaque, a partir dos anos 80, na vida de pais e
profissionais de saúde, sendo um dos distúrbios mais comuns na infância. À vista
disso, o presente artigo abordará o Transtorno de Déficit de Atenção e
Hiperatividade sobre os aspectos da avaliação e reabilitação neuropsicológica.

Nos seres humanos, o sistema nervoso se encarrega de estabelecer


comunicação entre o mundo externo e as partes internas do organismo. O
cérebro é a parte mais importante desse sistema, pois é a partir dele que toma-
se consciência das informações que chegam pelos órgãos dos sentidos e
processa-se essas informações.

Além disso, sabe-se que não existem dois cérebros iguais, mas todas as
pessoas possuem vias motoras e sensoriais que são padronizadas. É válido
ressaltar ainda, que a maior parte do sistema nervoso é construída ainda no
182
período embrionário. Porém, existem casos em que o cérebro de uma pessoa
não funciona da mesma maneira que funciona em outros indivíduos no mesmo
estágio de desenvolvimento. (COSENZA, 2011).

As alterações no funcionamento e da estrutura, podem ter relação com


fatores que interferiram na formação do cérebro ainda na gestação, ou a fatores
que operaram sobre o órgão que nasceu saudável. Sendo assim, crianças ou
adolescentes cujo cérebro é diferente, como em casos de TDAH, apontarão
comportamentos, habilidades e potencialidades cognitivas diferentes daquele
individuo que não tem o sistema nervoso alterado.(COSENZA, 2011)

Antes de tudo, faz-se necessário entender o que é e como se caracteriza


o TDAH. “O transtorno caracteriza-se por uma disfunção atencional e executiva,
assim como alteração no controle emocional e dos processos mentais”
(COSENZA, 2011, p. 136). Pode-se observar problemas de atenção e em alguns
casos, hiperatividade, como também uma impulsividade inapropriada ao
contexto. O TDAH então, é um distúrbio comportamental que em diferentes
proporções influi o rendimento escolar, as relações familiares e sociais, o
desenvolvimento emocional e a autoestima.(MIOTTO, 2017)

Galen, médico grego foi um dos primeiros profissionais que preescreveu


ópio para crianças com impaciência, inquietação e cólicas infantis. A primeira
descrição do transtorno em um caso clínico foi em 1854, na Alemanha. Em 1902,
Still, notou a existência de um problema em crianças, que resultava em
inabilidade para internalizar regras e limites, como também sintomas de
inquietação, desatenção e impaciência, chamou-as então, de crianças com
defeito na conduta moral. Ele ainda notificou que tais comportamentos poderiam
ser resultados de danos cerebrais, hereditariedade, disfunção ou problemas
ambientais.(BENCZIK, 2002)

Nesse sentido, ao longo da história, crianças hoje conhecidas como


portadoras de TDAH já foram reconhecidas por diversas denominações: criança
incorrigível, criança hipercinética ou hiperativa, criança distraída ou desinibida,
disfunção cerebral mínima, etc.(MIOTTO, 2017)

183
A partir da década de 1980 o TDAH finamente passou a ser reconhecido
como entidade definitiva quando o Manual Diagnóstico e Estatístico de
Transtornos Mentais (DSM- III), da Associação Psiquiátrica Americana,
estabeleceu critérios para a definição do transtorno. A última revisão publicada
em 2013, é o DSM-5, que será explanado a posteriori. (MIOTTO, 2017)

O TDAH tem forte predisposição hereditária e alguns autores relatam que


a prevalência é de 3 a 30% nas crianças em idade escolar, com incidência maior
no sexo masculino. Além disso, esse transtorno se estende por toda a vida do
sujeito. Calcula-se ainda que 5% das crianças e 2,5% dos adultos têm
TDAH.(ROHDE, 2006)

8.5.1 Conhecendo o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)

184
Afetando cerca de 5,29% da população mundial, e de 3 a 5% das crianças,
o Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH), é definido como um
transtorno neurobiológico que afeta o neurodesenvolvimento cerebral e envolve
um padrão persistente de desatenção e/ou hiperatividade (WHITBOURNE,
2015).

Estudos revelam que pessoas com o TDAH possuem um nível de


agitação, impulsividade e desatenção constante e atípico, prejudicando a criança
já desde a primeira infância. Com maior frequência em meninos, o transtorno
persiste até a vida adulta em mais da metade dos casos e tem fortes fatores
genéticos e ambientais, sendo o primeiro o de maior incidência (ROMMELSE,
2010).

De acordo com Asherson (2010) trata-se de um transtorno hereditário que


normalmente se manifesta em vários membros de uma mesma família. Tanto
para Rommelse (2010) quanto para Asherson (2010), com base em suas
pesquisas, observaram que a justificava da hereditariedade do transtorno se deu
através de estudos realizados com gêmeos que corroboraram para a
predominância da influência genética na etiologia do TDAH. No entanto, mesmo
com forte influição genética, questões ambientais não foram descartadas,
embora com menor incidência, na maioria dos casos há uma interação entre
fatores genéticos e ambientais (ARSHERSON, 2010).

185
Para Couto, Junior e Gomes (2010) há ainda uma deficiência que afeta o
sistema de recompensa, levando o indivíduo com diagnostico de TDAH a ter
menos paciência para atividades de recompensas tardias, antecipando as
consequências de seus atos, respondendo perguntas antes mesmo de terem
sido terminadas.

O diagnostico do TDHA é realizado por uma série de exames e avaliações


neuropsicológicas mostrando-se positivo quando há sintomas afetando
significativamente, mais de uma área da vida do paciente por um período mínimo
de 6 meses (WHITBOURNE, 2015). Podendo, ainda, de acordo com o autor
citado, ser dividido em três subtipos baseados na forma da manifestação mais
evidente dos comportamentos em detrimento a natureza dos sintomas, são eles:
1) o tipo predominantemente desatento, cujos critérios satisfazem o conjunto de
desatenção, mas não para hiperatividade-impulsividade; 2) tipo
predominantemente hiperativo-impulsivo, cujos critérios satisfazem o conjunto
de hiperativo-impulsivo, mas não para o de desatenção; 3) o tipo misto ou
combinado, se satisfizerem ambos os conjuntos de critérios de desatenção e
hiperativo-impulsivo.

186
O TDAH, como já mencionado, afeta principalmente crianças (em sua
maioria meninos) nas fases pré-escolar e escolar com sinais de hiperatividade-
impulsividade, causando dificuldades de aprendizagem, em se relacionar tanto
com a família quanto na vida escolar. Apresentam dificuldades, também, para se
organizar, seguir instruções, cumprir tarefas entre outros (SCOTTA, 2014). Algo
que pode ser facilmente confundido com transtorno de oposição, quando não
diagnosticado corretamente. As dificuldades podem afetar a vida escolar e o
rendimento acadêmico, levando a um alto número de evasão escolar e
repetições de disciplinas sucessivamente, notas baixas e colocação em classes
de educação especial, devido a dificuldade de acompanhar as outras crianças
de mesma faixa etária (WHITBOURNE apud WILENS, FARAONE,
BIEDERMAN, 2015).

Contrastando com o que acreditava-se no passado, o TDAH não é restrito


apenas à infância, visto que o transtorno tem o potencial de perdurar na fase
adulta. Enquanto em crianças é comum a presença dos tipos 2 e 3
(predominantemente hiperativo-impulsivo e misto, respectivamente), nos
adultos, a incidência do tipo 1 (desatenção) é a de maior prevalência
(WHITBOURNE, 2015). Ainda de acordo com o autor, uma pesquisa realizada
com adultos norte-americanos estimou que, aproximadamente 4% dos homens
e mulheres satisfaçam os critérios diagnostico para o transtorno de TDAH.

187
Com uma menor propensão a demonstrar sintomas de hiperatividade-
impulsividade, os adultos acometidos pelo transtorno, normalmente, continuam
com os sintomas de desatenção. Tendo dificuldade de organização de
atividades, cometer erros por desatenção, perder coisas, bem como dificuldades
em manter o foco. Nas mulheres, o nível de comportamentos de alto risco são
menores que nos homens, apresentando mais casos de disforia, problemas de
organização e desatenção. Já no grupo masculino, há mais casos de
envolvimentos com acidentes de trânsitos, bem como envolvimentos com drogas
e tendências a hipersensibilidade e hiper-reatividade, resultando em ataques de
raiva e mau humor intenso (WHITBOURNE, 2015).

Há, ainda, em ambas as fases da vida, problemas de comportamentos


desviantes e antissocial, prejudicando o convívio com as várias esferas
sociais/familiares. A esse respeito, serão apresentados a seguir os principais
prejuízos ao qual o TDAH causa nos portadores do transtorno, com relação à
interação social.

Tdah e dificuldades de socialização

188
Com relação à interação social, o TDAH afeta os portadores
independentemente da fase da vida, sendo apresentado de diversas formas
entre as diferentes faixas etárias causando enormes transtornos com o passar
do tempo (WHITBOURNE, 2015).

Ao contrário do que se pensa, crianças portadoras do transtorno podem


apresentar dificuldades de socializar devido a sua alta timidez, ou, também,
devido ao excesso de agitação. Frequentemente, devido ao seu comportamento
de extrema inquietação, encontram dificuldades de interagir com outras crianças
por parecerem ligados a “100 por hora” a todo o momento, sendo frequentes,
ainda, graves acessos de raiva, comportamento exigente, agressivo e não
cooperativo, interferindo assim, a permanência em creches ou instituições de
educação. Além disso, a relação com a família é igualmente afetada (CHARACH,
2010).

Normalmente, crianças com TDAH são impedidas de participarem de


reuniões familiares por apresentarem comportamentos destoantes e
inadequados para o ambiente em que estão presentes, o que acaba por causar
uma angustia para toda a família. Além disso, passeios como uma ida ao parque,
ou ir a mercearia podem se tornar um transtorno, bem como relacionamentos
com colegas (CHARACH, 2010).

189
Frequentemente, esses comportamentos acabam sendo diagnosticados
de forma errada como transtorno desafiador e de oposição, o que causa muito
sofrimento tanto para os pais, quanto, principalmente para as
crianças/adolescentes, visto que a identificação precoce do TDAH pode
amenizar ou, até mesmo, eliminar tais comportamentos (CHARACH, 2010).

Em adolescentes, o TDAH tende a ter uma ampla variedade de


problemas, tanto a níveis comportamentais, quanto acadêmicos e interpessoais,
causando serias dificuldades de relacionamentos com a família, amigos e
educadores. Adolescentes com o transtorno propendem a ser imaturos e a se
envolverem demasiadamente em conflitos com seus pais, habilidades sociais
pobres e inclinam-se a envolverem-se em atividades de alto risco, como sexo
sem proteção e direção imprudente, bem como abuso de substâncias
(WHITBOURN; HALGIN, 2015).

Nas meninas adolescentes o diagnostico tende a ser complicado devido


aos sintomas serem menos evidentes que nos meninos. Normalmente, os
sintomas em meninas incluem esquecimento, desorganização, autoestima
baixa, desmoralização, ansiedade são reprimidas e socialmente retraídas.
Devido as mudanças hormonais, as adolescentes com frequência intensificam
os sintomas, e, diferentemente dos meninos, inclinam-se a riscos de gravides
não planejadas e não desejadas (RESNICK apud WHITBOURN; HALGIN,
2015).

190
Na idade adulta, visto que o TDAH, nessa fase, afeta de forma diferente
da fase infantil, a questão de interação social segue o mesmo critério.
Normalmente, por terem deficiências no funcionamento executivo, encontram
problemas com relação a organização de tarefas, são desregrados em horários
e manejo do dinheiro bem acompanhar atividades no trabalho, o que resulta
numa maior troca de empregos. A rotatividade não se atem apenas a vida
profissional, mas igualmente em relacionamentos conjugais devido a seu
comportamento impulsivo, conflitos e discussões com relação a desorganização,
atrasos crônicos, esquecimentos e falta de confiabilidade de forma geral
(ROBINS apud WHITBOURNE, 2015).

Além disso, pacientes diagnosticados com o TDAH tem maior risco de se


envolverem em acidentes de trânsito, gravidez na adolescência e crianças
nascidas fora do casamento e maiores taxas de início precoce com o consumo
de álcool e substâncias ilícitas, bem como menores índices de conclusão de
ensino médio (CHARACH, 2010). Na vida acadêmica, encontram dificuldades
com relação à conclusão de trabalhos, visto seu bloqueio em finalizar tarefas
iniciadas (WHITBOURNE, 2015).

Comorbidades no TDAH

Normalmente, casos de diagnósticos de TDAH, em adultos ou em


crianças, estão associados com outros transtornos neuopsiquiátricos. Estudos
mostram que os sintomas do TDAH são fortemente genéticos, chegando a cerca
de 76%, sendo essa influência genética compartilhada com outros transtornos
neuropsicológicos (ROMMELSE, 2010).

191
Ainda de acordo com a pesquisa, influências genéticas comuns com os
sintomas de desatenção estão presentes na dislexia, sintomas da hiperatividade-
impulsividade são encontrados nos problemas de transtorno desafiador e de
oposição e o TDAH com sintomas do espectro autista (ROMMELSE, 2010).

Sendo os fatores de risco ambientais, grandes agravantes desses casos,


como, por exemplo, o consumo de álcool e tabaco pela mãe durante a gestação,
depressão maternal, baixo peso ao nascer, práticas parentais ruins, exposição a
chumbo e sofrimento fetal e viver em bairros menos favorecidos (CHARACH,
2010).

Ao compartilharem as mesmas influências genéticas, cerca de 50% dos


casos diagnosticados com TDAH apresentam, também, transtornos psiquiátricos
e de desenvolvimento, entre os quais comportamentos agressivos e de oposição
(mais frequentemente em meninos), ansiedade, baixa autoestima (mais comum
nas meninas), transtornos de tiques, deficiências de aprendizagem e linguagem,
problemas motores, dificuldades relacionadas ao sono, como a enurese (micção
noturna) e perturbarções respiratórias durante o sono fazem parte dos
transtornos que tem ligação e podem surgir concomitantemente com o TDAH
(CHARACH, 2010).

Há ainda, segundo a autora citada acima, dificuldades neurocognitivas


que são importantes no processo de diagnostico do TDAH. Problemas
relacionados às funções executivas e à memória de trabalho causam distúrbios
na linguagem e aprendizagem. E, dos casos diagnosticados com o TDAH,

192
aproximadamente um terço das crianças que são encaminhadas a
acompanhamento com profissional por condutas desviantes de
comportamentos, podem ter dificuldade de linguagem, mas que não foi
identificado anteriormente.

8.5.2 Áreas e funções do cortex cerebral afetadas pelo TDAH

Sendo o TDAH um transtorno neurobiológico caracterizado por déficits no


desenvolvimento, bem como no funcionamento do Sistema Nervoso Central,
afetando principalmente as regiões corticais e subcorticais do cérebro, mais
precisamente na área frontal do telencéfalo (SCOTTA, 2014).

Morfologicamente, o cérebro é composto por uma separação entre dois


grandes hemisférios ao chama-se de fissura longitudinal do cérebro, dividindo
entre hemisférios direito e esquerdo. Além desta linha profunda, existem outros
três grandes cortes denominados de sulco central, sulco lateral e sulco parieto
occipital, delimitando, assim, as quatro áreas importantes do cérebro, sendo
nomeadas de lobos: frontal, corresponde a parte atrás dos olhos ou na testa;
parietal, corresponde a parte superior da cabeça; occipital,corresponde à parte

193
pouco acima da nuca; e a temporal, corresponde a parte lateral, onde ficam os
ouvidos (SCOTTA, 2014).

A área do lobo frontal é a mais afetada pelo TDAH, que pode ser
subdividido em quatro partes: giro pré-central, frontal superior, frontal médio e
frontal inferior. Essas regiões estão comumente relacionadas as áreas motoras,
área de Broca, área que interliga o comportamento bem como a memória de
trabalho. Além do lobo frontal, o TDAH afeta também, o lobo temporal e o
sistema límbico (SCOTTA, 2014).

Dentro da área frontal afetada, estão às funções executivas, que permitem


o individuo ter a capacidade de desempenhar ações voluntárias, autônomas e
orientadas para metas especificas. Além disso, há um déficit no comportamento
inibitório, ao qual resultariam nas características principais do transtorno, ou
seja, falta de motivação intrínseca para completar tarefas (por isso há uma
dificuldade na finalização de atividades iniciadas, parando antes da conclusão e
partindo para outra ou simplesmente abandonando), falta de controle e
aderência comportamental e falta de um comportamento regrado devido a
recompensas tardias (STRAYHON; HINSHAW apud KNAPP, 2004).

194
Outras funções afetas na região frontal do cérebro incluem a memória de
trabalho, planejamento e a internalização da fala, presentes nas funções
executivas, e áreas da função cognitiva, que estão relacionadas com a
desatenção, dificuldades da aprendizagem e da linguagem. Há, ainda,
disfunções na amígdala cerebral, acúmbens e hipocampo, responsáveis pela
regulação das emoções, motivação e o sistema de recompensa, ao qual fazem
parte do sistema límbico (ABDA, 2017).

Para além disso, estudos recentes identificaram uma diferenciação com


relação ao tamanho do lobo frontal e maturação dessa região. Tendo algumas
regiões do cérebro menos desenvolvidas, pessoas portadoras do TDAH tem um
desenvolvimento emocional cerca de 30% mais lento do que em pessoas que
não possuem o transtorno. Essa discrepância se dá por consequência de
deficiências neuroquímicas presentes nos neurotransmissores do sistema
dopaminérgico e noradrenérgico (SANDBERG apud VINOCUR, 2009).

Considerado, de certa forma, como transtorno neuroquímico, o TDAH tem


grande influência na disfunção do sistema de vários neurotransmissores como o
sistema dopaminérgico, noradrenérgico, serotoninérgico e, possivelmente,
colinégico nocotínico estão envolvidos na patofisiologia do transtorno
(CORTESE; CASTELLANOS, 2010). No entanto, os principais
neurotransmissores afetados são a noradrenalina e a dopamina. A noradrenalina
está relacionada a atenção, sono, memória, aprendizagem, ansiedade, dor,
humor, metabolismo cerebral, tal qual, a dopamina é responsável pela atenção

195
e prazer, mantendo a atenção do individuo em determinada tarefa, ainda que a
mesma não gere muito prazer e nos ajuda na realização de atividades que
consideramos desagraveis. Pessoas com TDAH tem dificuldades na finalização
de tarefas devido a pouca produção desse neurotransmissor, dificultando de
seguirem um caminho determinado por um longo período de tempo (SCOTTA,
2014).

Medicamentos estimulantes como o metilfenidato, a Ritalina e anti-


depressivos podem diminuir a deficiência química do cérebro ao qual o TDAH
causa. Essas substâncias aumentam as quantidades de noradrenalina e
dopamina disponíveis no cérebro, provocando uma melhora no comportamento
social do paciente. É importante ressaltar que, mesmo com grandes benefícios
a curto prazo, esses medicamentos podem causa algumas reações adversas
como insônia e dores abdominais, por exemplo (SCOTTA, 2014).

Por este e outros motivos, é de suma importância um acompanhamento


profissional para que haja um diagnostico de forma assertiva, bem como nas
questões que tangem o uso de medicações, para que não haja maiores danos
aos pacientes.

8.5.3 Avaliação Neuropsicológica e Instrumentos

196
Segundo Tisser (2017) a Avaliação Neuropsicológica (AN) é uma
avaliação sistemática que envolve uma série de procedimentos técnico-
científicos que estuda a relação entre o cérebro e o comportamento. A avaliação
neuropsicológica é um artifício prático que se utiliza a diversas circunstâncias,
equivale então, a um exame perceptível para avaliar a integridade do
desempenho cerebral, expressa dificuldades psicológica ou neurológica, tratam-
se da aplicação de técnicas de entrevistas, exames quantitativos e qualitativos
de exame das funções que compõem a cognição abrangendo processos de
atenção, percepção, memória, linguagem e raciocínio. Do mesmo modo é
conceituado um exame proveitoso no sistema de diagnóstico e em contexto de
pesquisa clínica quando está implicada a presença cognitiva e comportamental.

A avaliação pode ser formada por meio de baterias fixas, baterias breves
e baterias flexíveis. As baterias fixas são fundamentais dentro da circunstância
de pesquisas ou serviços especializados em determinadas doenças
neurológicas onde é essencial uma avaliação o mais preciso possível. Ela
consente às equipes a sistematização de dados e possibilita a visão comparativa
de casos. As baterias breves, mais apropriadas para aplicação em ambiente
ambulatorial ou de internamento hospitalar proporcionam apenas um resultado
indicativo de alteração e propõe possíveis áreas de investigação, mas não
consente uma avaliação mais detalhada. Na avaliação clínica, onde é comum a
diferença de manifestações, a abordagem por meio de baterias flexíveis é a mais

197
indicada. A partir da exigência, o profissional seleciona as técnicas apropriada
com flexibilidade, pois o processo de avaliar acaba por sugerir áreas a serem
investigadas em profundidade, (MaderJoaquim, 2010 apud Souza; Carvalho;
Dias; Costa, 2012).

Não se encontra uma bateria fixa de testes para avaliar o TDAH. Sendo
assim os instrumentos utilizados para a avaliação diferenciam de acordo com a
exigência do paciente e a escolha do profissional.

Para a realização de uma AN infantil é significativo averiguar os objetivos


específicos, diferenciar a existência ou falta de transtorno do cognitivo e
desenvolvimento e complexidade na aquisição de habilidades. Desta maneira, é
fundamental ter uma concentração especial para analisar na história de vida da
criança, se ocorreu uma implicação cerebral, idade do inicio, tipos de tratamentos
executados, assim como a importância e o próprio processo de desenvolvimento
da função. (Tisser 2017).

O diagnóstico do TDAH é puramente clínico. Dá-se por meio de um


processo amplo que envolve observação, entrevistas, escalas e testes
neuropsicológicos. (Barkley, 1999 apud Graeff; Vaz). Sobre as etapas da AN,
tem-se: anamnese, bateria de testes, avaliação através da observação, uso de
avaliações complementares, visão de outros profissionais envolvidos, relatório e
a devolutiva para os pais das crianças.

Nesse sentido, os instrumentos frequentemente utilizados para


diagnosticar o TDAH, além da entrevista, são: as escalas Wschler (WISC-III ou

198
WAIS III), as técnicas grafo-projetivas, o Bender, Escala Benzick, os critérios do
dsm IV e em alguns casos a lista de REY. (Coelho; Bastos, 2011).

Como bem colocado Bastos (2011), a avaliação neuropsicológica em


geral se retorna para a aplicação e a interpretação de um conjunto de testes que
vão estimar não só uma vasta ampliação das competências cognitivas especifica
como a das capacidades comportamentais essenciais para o desempenho
psicossocial do individuo na família, na escola, no trabalho e na comunidade.
Deve ter em foco uma avaliação multimodal, utilizando alguns mecanismos para
se chegar a um conhecimento amplo do individuo.

Em termos neuropsicológicos, o TDAH coincide estar correlacionado


especificamente a um domínio disfuncional que lhe vale a nomeação de
síndrome disexecutiva ou minisíndrome frontal. A individualidade diagnosticada
do TDAH nas escalas Weschler são os escores baixos achados nos índices de
RD (Resistência à Distraibilidade), significando os subtestes mais implicados, os
de Código e Dígitos. No subteste de Labirinto do WISC-III, é constante que
crianças com TDAH tenham efeitos inferiores e que manifeste comportamento
impulsivo quando não conseguem sustentar o comando de não retirar o lápis do
papel e também quando partem para ação, sem nenhuma organização, o que
aumenta o número de erros. O paciente de TDAH demonstra resultados
diminutos no subteste do WISC/WAIS-III Repetição de Digitos (Ordem Direta e
Indireta- Escala Weschler), que avalia a atenção auditiva, a eficácia de
estocagem (“span”), a memória auditiva e a memória operacional, sendo esta
última mais vigente na Ordem Indireta. Essas tarefas- Ordem Direta (OD) e
Ordem Indireta (OI)- requer muita atenção, contudo para a OD nem sempre se
encontram efeitos inferiores em pacientes com TDAH. Inclui-se também que
estudos executados comprovam que se o perfil rebaixado em Aritmética, em
Código, em Informação e em Dígitos (ACID) está presente, deve ser considerada
a hipótese diagnóstica de um distúrbio de atenção. Em geral, pessoas com
TDAH apresentam ainda uma desigualdade entre QI Verbal e QI Executivo, com
aumento de prejuízo para área de execução.

199
De acordo com Capovilla et al. (2007) para avaliação de crianças
brasileiras têm sido desenvolvidas versões de testes tipicamente empregados
para avaliar itens das funções executivas, tais como Teste de Steroup, Trilhas e
Testes da Torre de Londres que analisam atenção seletiva, controle inibitório,
flexibilidade e planejamento, respectivamente. Simultaneamente a tais testes,
têm sido usados Testes de Memória de Trabalho Auditivo e de Memória de
Trabalho Visual, bem como uma versão do Teste de Fluência Verbal FAS. (apud
SOUZA et al. 2012).

Para SOUZA et al, (2012) dentre os testes usados em avaliação


neuropsicológica, os que são empregues no Brasil, tem se apresentado como
instrumentos aptos de oferecer o maior número de conhecimentos que afinal
ocorrem no diagnostico de TDAH. Seguem abaixo alguns dos instrumentos
utilizados:

• WISC-III (Escala Weschler de Inteligência para criança): oferece


diferentes fundamentos como QI verbal e de Execução, o QI Total, além
de quatro traços fatoriais (Compreensão Verbal, Organização Percepção,
Velocidade de Processamento e Distrabilidade), tornando-se o padrão
ouro de avaliação da capacidade cognitiva global. (ROCCA et al, 2010
apud SOUZA et al, 2012).
• CTP- Continuous Performance Test, Teste de Desempenho Continuo:
bastante usado no auxílio ao diagnóstico dos transtornos da atenção,
dispõe alta apreciação (em torno de 88% na detecção de TDAH), ele
aponta baixa especificidade (da ordem de 20 a 37%) para o
reconhecimento de diferentes subtipos de TDAH (ROCCA et al, 2010
apud SOUZA et al, 2012).
• Teste de distribuição de cartas Wiscounsin (WCST): instrumento
desenvolvido em 1948 para avaliar a competência de o indivíduo
raciocinar abstratamente e converter suas estratégias cognitivas como

200
resposta a mudanças nas circunstâncias ambientais (Miguel, 2005 apud
Souza et al, 2012). No que se refere aos testes projetivos pode-se utilizar
o Rorschach e o TAT

8.5.4 Planejamento da reabilitação neuropsicológica

A reabilitação neuropsicológica é um procedimento que busca capacitar


pacientes com prejuízos cognitivos, possibilitando um maior ajustamento
biopsicossocial, facilitando, ao maior nível possível, sua capacidade de
autonomia e independência dos demais. Esse processo também implica em
orientar os familiares ou cuidador para que esses possam desenvolver
estratégias de enfrentamento. (CANTIERE et al, 2012).

Depois de uma detalhada avaliação neuropsicológica, o neuropsicólogo


definirá os objetivos do tratamento e suas estratégias. O processo de reabilitação
neuropsicológica deve abranger a interação entre a personalidade, o estilo de
vida e a cognição do paciente. A reabilitação neuropsicológica tem demonstrado
eficácia na melhora das funções cognitivas, no desempenho das atividades de
vida diária e no aumento da qualidade de vida. Nesse sentido, é possível buscar
alternativas mais eficientes voltadas para a recuperação de suas funções.
Exercícios específicos, determinados pelo profissional a partir das demandas do
paciente, estimulando as funções executivas que são as mais prejudicadas nos
casos de TDAH. A reabilitação neuropsicológica possui um caráter individual,
voltada para as necessidades e habilidades de cada indivíduo. (CANTIERE et
al, 2012).

201
Mcmillan e Greenwood (1993), apud Cantiere et al, (2012). Ressaltam que
a reabilitação neuropsicológica deve percorrer pelos campos da neuropsicologia
clínica, análise comportamental, retreinamento cognitivo, psicoterapia individual
e grupal. A investigação do comportamento proporciona, frente a seus inúmeros
procedimentos, a promoção de aprendizagem e alterações comportamentais
numa reabilitação neuropsicológica. A utilização da abordagem comportamental
para a reabilitação é uma técnica de raciocínio clínico e não um amontoado fixo
de métodos que devem ser seguidas rigidamente.

Segundo D’Almeida et al, (2004), apud Cantiere et al, (2012). A melhora


da qualidade de vida dos pacientes e familiares é o enfoque da reabilitação, que
prioriza o emprego das funções preservadas (total ou parcialmente), por meio do
ensino de estratégias compensatórias, aquisição de novas habilidades e a
adaptação às perdas permanentes. A reabilitação neuropsicológica é uma
técnica que vem sendo aplicada em muitos casos como por exemplo nos
Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH).

Tucha (2011), apud Cantiere et al, (2012). Observou que o treino de


atenção nas crianças com TDAH resultaram em melhoras significativas com
relação a vigilância, atenção dividida e flexibilidade cognitiva. Dessa forma pode-
se comprovar a redução de sintomas de déficit de atenção e hiperatividade em
crianças com diagnostico de TDAH após um treino neuropsicológico.

202
Embora existam estudos relacionados aos procedimentos
comportamentais na reabilitação neuropsicológica, percebe-se que ainda existe
uma grande limitação. Esse fator pode estar relacionado não propriamente pela
restrição de pesquisas sobre reabilitação neuropsicológica que utilizam
procedimentos comportamentais, mas possivelmente pelo não conhecimento
dos profissionais de reabilitação, que grande parte dos procedimentos usados
são comportamentais. (CANTIERE et al, 2012).

Cantiere et al (2012), selecionaram atividades que tivessem caráter lúdico


e de treino cognitivo. As tarefas selecionadas contemplam os domínios verbal e
de execução, por serem dois domínios importantes e complementares para
adaptação das atividades diárias. A implementação das atividades, configuram
uma intervenção neuropsicológica para treino da atenção difusa e concentrada,
memória operacional, flexibilidade cognitiva, viso construção espacial, seleção,
consolidação e organização de informações.

203
Nas atividades que exigem domínio da função executiva, propõe-se: Jogo
dos Sete erros, objetivo treinar habilidade de atenção, viso construção espacial.
Habilidades requeridas atenção difusa, atenção concentrada, memória
operacional e viso construção espacial. Ligar os pontos objetivo treinar
habilidade de atenção e flexibilidade cognitiva. Habilidades requeridas atenção
concentrada, atenção difusa, memória operacional e flexibilidade de cognitiva.
Construção de blocos objetivo treinar habilidade de atenção e memória.
Habilidade requerida atenção concentrada, atenção difusa e memória
operacional. Dominó baseado em imagens e contas matemáticas objetivo treinar
habilidade de atenção, memória. Habilidade requerida atenção difusa, atenção
concentrada e memória operacional. Quebra-Cabeças objetivo treinar habilidade
de atenção, memória e viso construção espacial. Habilidade requerida atenção
difusa, atenção concentrada, memória operacional e viso construção espacial.
Memória objetivo treinar habilidade de atenção e memória. Habilidade requerida
atenção difusa, atenção concentrada e memória operacional.

Nas atividades que exigem domínio da função verbal propõe-se: Contar e


Recontar histórias objetivo treinar a compreensão e produção verbal, atenção,
memória e flexibilidade cognitiva. Habilidade requerida atenção Concentrada,
memória operacional e flexibilidade de cognitiva. Organizar Figuras objetivo
treinar a habilidade de atenção, memória, viso construção espacial e flexibilidade
cognitiva, Habilidade requerida atenção concentrada, memória operacional, viso
construção espacial e flexibilidade cognitiva. Caça-Palavras objetivo treinar
habilidade de atenção, memória. Habilidade requerida atenção difusa, atenção
concentrada, memória operacional.

O treino de comportamentos voltados para a seleção de informações,


integração de informações atuais junto às previamente memorizadas,
planejamento, monitoramento e flexibilidade cognitiva, contribuem para o
desenvolvimento das crianças e adolescentes com sinais de desatenção e
hiperatividade em suas práticas de ações independentes e autônomas. Os jogos
são de suma importância no desenvolvimento cognitivo. O jogo é uma fonte de
divertimento, descontração e integração, além do importante papel no
desenvolvimento cognitivo, não somente do indivíduo na fase da infância, mas
também no decorrer de toda sua vida. O jogo permite o treino de capacidades
deficitárias das crianças hiperativas e, consequentemente, pode conduzir a

204
resultados satisfatórios no desenvolvimento de outras habilidades. (MISSAWA E
ROSSETTI, 2008 apud CANTIERE et al, 2012).

REFERÊNCIAS:

- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2075-
94792012000400001
-
https://siteantigo.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/direito/neuropsicologi
a-funcoes-cognitivas/52407
- https://pensaraeducacao.com.br/pensaraeducacaoempauta/psicologia-
percepcao-e-cognicao-construcoes-e-desconstrucoes/
- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2075-
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- http://naescola.eduqa.me/rotina-pedagogica/voce-sabe-o-que-praxia/
- https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-
79722015000400017
- https://blog.ipog.edu.br/saude/o-que-a-neuropsicologia/

205
- http://www.revistapsicopedagogia.com.br/detalhes/62/papel-das-funcoes-
cognitivas--conativas-e-executivas-na-aprendizagem--uma-abordagem-
neuropsicopedagogica
- https://neurosaber.com.br/funcoes-executivas-o-que-sao-e-para-que-servem/
- https://www.redepsi.com.br/2007/04/21/neuropsicologia-o-que-e-como-se-faz/
- https://www.scielo.br/scielo.php?pid=s0021-
75572004000300014&script=sci_arttext
- http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-
98932005000300009
- file:///C:/Users/Ana%20Paula/Downloads/25373-92516-1-PB.pdf
- Reabilitação neuropsicológica de déficits de memória em pacientes com
demência de Alzheimer, Renata Ávila 1; Eliane Miotto2 - REVISÃO DE
LITERATURA, Rev. Psiq. Clín. 29 (4):190-196, 2002
- https://www.psicologia.pt/artigos/textos/A1315.pdf

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