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Electromagnetismo e Óptica

CAPÍTULO 2
CAMPO ELECTROSTÁTICO NO VÁCUO

(Última actualização: Outubro 2020)

Campo Electrostático no Vácuo 1


Electromagnetismo e Óptica

2.0. Introdução
Embora os fenómenos eléctricos sejam conhecidos desde a
aurora da humanidade, o seu estudo científico só se iniciou em
princípios do século XVII. A manifestação mais espectacular da
electricidade na natureza é, provavelmente, a trovoada. Por ou-
tro lado, encontram-se já em textos datando do Antigo Egipto
referências à electricidade de origem animal, associada a cer-
tos peixes1. E sabe-se, desde a Antiguidade Clássica, que dife-
rentes materiais adquirem, quando friccionados, a propriedade
de se atraírem ou repelirem uns aos outros. Um dos materiais
utilizados nessas primitivas experiências foi o âmbar (elektron
em grego), de onde vem a palavra electricidade (William Gil-
bert, 1600). Uma vez que as acções eléctricas podiam ser
atractivas ou repulsivas, tinham de existir dois tipos de electri-
cidade, a que convencionalmente se veio a chamar positiva e
negativa. No início da era moderna (século XVII) e até ao sécu-
lo XIX, a electricidade era vista como um fluido (ou melhor, co-
mo dois fluidos); foi só com a descoberta do electrão (J. J.
Thomson, 1897) e posteriores partículas elementares que ficou
estabelecida a natureza discreta da carga eléctrica.

Vamos iniciar o nosso estudo da electricidade com o caso mais


simples possível: a electrostática, que trata de cargas em re-
pouso, ou em movimento “infinitamente lento”, Começaremos
por considerar cargas situadas no vácuo; veremos no capítulo
1
Por exemplo, o Trovão do Nilo, Torpedo sinuspercisi.

Campo Electrostático no Vácuo 2


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seguinte como o seu comportamento se altera quando coloca-


das no interior da matéria, o que nos levará a definir diferentes
classes de materiais.

2.1. Lei de Coulomb


No nosso estudo dos fenómenos electrostáticos vamos utilizar
o conceito de carga eléctrica pontual. Uma carga eléctrica pon-
tual q é uma partícula carregada com carga q e cujas dimen-
sões físicas se reduzem a um ponto. Trata-se, evidentemente,
de uma idealização: no mundo real não existem cargas verda-
deiramente pontuais. É razoável supôr que uma partícula car-
regada é pontual se as suas dimensões forem muito inferiores
às dos restantes constituintes do sistema sob estudo. Deste
modo, a carga pontual é uma idealização semelhante à de par-
tícula material que encontrámos no estudo da Mecânica.

Caso
repulsivo P FP
P
FP
q’ Caso
q’
q atractivo
q FO
FO
O O Figura 1

Suponhamos duas cargas pontuais q e q’ em repouso no espa-


ço livre (vácuo), situadas nos pontos O e P, respectivamente, à
distância r  OP uma da outra (vide fig. 1): A lei de Coulomb

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afirma que as acções mútuas entre as duas partículas electri-


zadas se traduzem por duas forças de intensidade FO e FP apli-
cadas, respectivamente, em O e em P, com a mesma direcção,
com o mesmo módulo e sentidos opostos. A lei de Coulomb é
traduzida pela expressão

 1 qq'
F 
 P 4 vers OP
2
 0 r (1)
F   F
 O P

onde vers OP representa o versor (vector unitário) da direcção

OP . No sistema internacional de unidades (SI) a força é ex-


pressa em newton (N), a carga eléctrica em coulomb (C) e a
distância em metro (m), resultando que, no SI, a permitividade
dieléctrica do vácuo, o, tenha o valor

o  8.85  10 12 C2.N-1.m-2

Da expressão (1) que traduz a lei de Coulomb podemos extrair


as seguintes conclusões:

►A direcção comum ao par de forças FO e FP é definida

pela linha recta que une os pontos O e P.

► A intensidade ou magnitude (norma) das duas forças é di-


rectamente proporcional ao produto dos módulos das du-
as cargas e inversamente proporcional ao quadrado da

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distância entre as duas cargas, i.e.,

q q´
FO  FP  1
40 r 2

►O par de forças é atractivo ou repulsivo consoante as


cargas interactuantes são de sinais contrários ou do
mesmo sinal, respectivamente (vide fig. 1).

A título ilustrativo apresentam-se na tabela 1 as cargas e as


massas dos constituintes atómicos.

Tabela 1 – Massas e cargas eléctricas dos constituintes atómicos

Partícula atómica Carga (C) Massa (kg)

Electrão, e 1.602×10-19 9.11×10-31


Protão, p 1.602×10-19 1.673×10-27
Neutrão, n 0 1.675×10-27

Aplicação

Compare a força eléctrica com a força gravitacional existentes entre o


electrão e o protão que formam um átomo de hidrogénio, admitindo que
o electrão se move numa órbita circular em torno do protão (centro ató-
mico) com um raio de 5×10-11 m (modelo atómico de Bohr).

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Solução:
31
me mp 11 2 -2 9.11 10 kg1.67  1027 kg
Fgrav  G  6.67  10 N.m .kg 
r2
5  10 
11 2
m

 4  1047 N
1 qe qp
Felec 
40 r 2

 
2
1 1.602  1019 C
   9  108 N
5  1011m
12 2 -1 2 2
4  8.85  10 C N m

Felec
 2.25  1039
Fgrav

Este resultado é independente de r e mostra que, à escala


atómica, a interacção eléctrica é muito mais forte que a interac-
ção gravítica. É por isso que, ao nível das interacções atómi-
cas, a força gravítica entre as partículas que constituem os
átomos é desprezável.

2.2. Campo eléctrico gerado por uma carga


eléctrica pontual
Consideremos uma carga eléctrica pontual q situada num pon-
to O (origem do espaço). O campo eléctrico gerado pela carga
q num ponto P, distante r  OP de O, é uma grandeza vectorial
definida pela expressão

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1 q
EP  vers OP (2)
40 r 2

Comparando as expressões (1) e (2), concluímos que, se no


ponto P colocarmos uma carga de prova qo, a força sentida por
qo devido à interacção com a carga q é:

FP  qo EP (3)

A expressão (3) relaciona a força que se exerce sobre uma


carga situada num dado ponto com o campo eléctrico existente
nesse ponto. É válida qualquer que seja a origem do campo
eléctrico, e não apenas para o campo gerado por uma carga
pontual. Logo, o campo eléctrico no ponto P é igual à força que
actua a carga unitária ( q0  1 C) situada em P. No Sistema In-
ternacional, o campo eléctrico é expresso em newton por cou-
lomb (N.C-1) ou em volt por metro (V.m-1).

Matematicamente, o campo eléctrico é aquilo a que se chama


um campo vectorial: uma aplicação de 3 em 3, que associa a
cada ponto do espaço um vector – o campo eléctrico nesse
ponto. Fisicamente, o campo eléctrico representa a alteração
do espaço em torno de uma carga eléctric 3 a, a qual medeia a
sua interacção com outras cargas. Curiosamente, esta altera-
ção dá-se mesmo quando a carga geradora do campo se en-
contra no vácuo!

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Define-se linha de campo eléctrico como a linha que, em cada


ponto do espaço, é tangente ao vector campo eléctrico nesse
ponto. Como em cada ponto do espaço existe apenas um vec-
tor campo eléctrico, também aí existe apenas uma linha de
campo; ou seja, as linhas de campo não podem intersectar-se.

A expressão (2) permite concluir que o campo eléctrico gerado


por uma carga eléctrica pontual tem as seguintes característi-
cas:

► É um campo radial, i.e., é dirigido segundo o raio vector


r  OP que liga o ponto O em que se situa a carga gera-
dora do campo e o ponto P onde se situa a carga de pro-
va (ponto de observação).

► É uma campo com simetria esférica em torno do ponto O.


Com efeito, os valores da intensidade do campo são inva-
riantes perante uma rotação do observador (carga de
prova) em torno de um qualquer eixo que passe pelo pon-
to O.

►É um campo atractivo ou repulsivo com linhas de força


(linhas de campo) convergentes para O ou divergentes de
O, consoante a carga geradora q for negativa ou positiva,
respectivamente (vide fig. 2).

Campo Electrostático no Vácuo 8


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+ 

Figura 2

As linhas de campo têm, portanto, origem numa carga


positiva e terminam no infinito, ou têm origem no infinito e
terminam numa carga negativa.

► O campo tem intensidade, magnitude ou norma

1 q
EP 
40 r 2

decrescendo com a distância r segundo a lei do inverso


do quadrado (1/r2). É nulo no infinito, tendendo para zero
(como 1/r2) quando r → .

► O campo não é definido no ponto em que se encontra si-


tuada a carga geradora. Tende para infinito quando r → 0
e apresenta uma singularidade em r = 0.

Aplicação

Determine a magnitude do campo eléctrico gerado por uma carga pon-


tual q = +1.4 C num ponto do espaço que dista 10 cm da posição onde
se encontra a carga. Se se colocar nesse ponto uma carga q’ = 1.2 C,
qual é a intensidade da força de interacção entre as duas cargas?

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Solução:

A magnitude do campo eléctrico é

1 q 1 1.4  106
E   1.3  106 N.C-1 ,
40 r 2 12 2
4  8.85  10 0.1

resultando para a intensidade da força de interacção entre q e q’ o se-


guinte valor:

  
F  q ' E  1.2  106 1.3  106  1.5 N

Reparar que poderíamos ter usado directamente a expressão da lei de


Coulomb para calcular a intensidade da força de interacção entre as du-
as cargas.

2.3. Potencial eléctrico gerado por uma carga


eléctrica pontual
Consideremos uma carga eléctrica pontual q situada num pon-
to O (origem do espaço). Esta carga gera num qualquer ponto
P do espaço, distante r de O, um campo eléctrico de magnitude
E = ko(|q|/r2). A par do campo eléctrico (grandeza vectorial) de-
fine-se a função potencial eléctrico  grandeza escalar, expres-
sa no SI em volt (V)  pela expressão

1 q
VP  (4)
40 r

de tal modo que a diferença de potencial (d.d.p.) entre dois


quaisquer pontos A e B do espaço se relaciona com o trabalho

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WAB que a força eléctrica terá que realizar no deslocamento,


em equilíbrio (i.e., sem aceleração), de uma carga de prova qo
de A para B, através da expressão

WAB
V  (VB  VA )   (5)
qo

ou

WAB  qo (VA  VB ) (6)

sendo o valor do trabalho WAB independente do percurso reali-


zado pela carga qo ao ser deslocada do ponto A para o ponto
B2 (vide fig. 3).

s
qo
B
A

rA rB

q
O Figura 3

Reparar que, no caso de a carga qo ser uma carga unitária (i.e.,


qo = 1 C), ter-se-á a relação WAB  (VA  VB ) , podendo, então,

2
Este resultado é consequência de a força eléctrica ser uma força conservativa. Para mais pormeno-
res vide P.M. Fishbane et al., “Physics for Scientists and Engineers”, Prentice Hall, New Jersey, 1996,
pp. 661 – 665.

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definir-se a função potencial eléctrico do seguinte modo:

“A função potencial eléctrico fornece sempre, pela


sua variação, o trabalho realizado pela força eléc-
trica sobre uma carga unitária (qo = 1 C) que se
desloca entre dois pontos, por qualquer caminho.”

Em particular, se o ponto B coincidir com um ponto no infinito,


teremos, para o trabalho da força eléctrica,

WAB  qo (VA  V ) (7)

mas V = 0 (por convenção), donde

WAB  qo VA (8)

Esta última expressão permite-nos atribuir ao potencial eléctri-


co num ponto um significado físico bem preciso:

“A função potencial eléctrico num ponto representa


o trabalho realizado pela força eléctrica no trans-
porte (em equilíbrio) de uma carga eléctrica unitária
desde esse ponto até ao infinito, por qualquer ca-
minho.”

Acrescente-se que, matematicamente, o potencial eléctrico é


um exemplo de campo escalar: uma aplicação de 3 em 3,
que associa a cada ponto do espaço um escalar – o potencial
eléctrico nesse ponto.

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2.3.1. Trabalho realizado pelo agente exterior


Devemos realçar que. em tudo o que respeita as relações entre
o trabalho realizado pela força eléctrica, WAB, no transporte, por
qualquer caminho S, de uma carga eléctrica entre dois pontos
quaisquer do espaço A e B, e a diferença de potencial eléctrico
entre esses dois pontos, VA – VB, admitimos sempre que o
transporte se processa em equilíbrio, i.e., sem aceleração da
carga eléctrica. Logo, admitimos implicitamente que, durante o
referido transporte. a força eléctrica é, em cada instante, equili-
brada por uma força exterior, exercida por um agente exterior,
de igual intensidade e direcção, mas sentido oposto, à força
eléctrica, i.e.,

Fext   Felec .

Podemos, portanto, escrever que o trabalho realizado pelo


agente exterior no transporte de uma carga qo de um ponto A
até um ponto B, por qualquer caminho, é dado pela expressão

 
WAB Fext   qo (VA  VB ) (9)

Este resultado é consequência de o trabalho total, realizado pe-


la força eléctrica e pelo agente exterior, ter de ser nulo: só as-
sim é nula a variação de energia cinética da carga (pelo teore-
ma da energia cinética, que estudámos em Mecânica Geral),
logo a sua velocidade é constante e a sua aceleração é nula.

Em particular, se o ponto B coincidir com um ponto no infinito,

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teremos

 
WAB Fext   qo VA (10)

Naturalmente que, se o agente exterior pretender realizar a


operação inversa, i.e., transportar a carga qo desde o infinito
até ao ponto A, terá que realizar um trabalho de valor

 
WB A Fext  qo VA (11)

2.3.2. Relações entre o campo eléctrico de uma car-


ga pontual e as superfícies equipotenciais
Define-se superfície equipotencial como o lugar geométrico dos
pontos do espaço nos quais a função potencial eléctrico V(r)
tem o mesmo valor Vo que em determinado ponto Po do espaço
 i.e., o lugar geométrico dos pontos que satisfazem a igualda-
de V(r) = Vo.

Atendendo a que a função potencial eléctrico gerado num pon-


to P por uma carga pontual q situada num outro ponto O é da-
do pela expressão

1 q
VP  ,
40 r

deduz-se imediatamente que as superfícies equipotenciais ge-


radas por uma carga pontual são superfícies esféricas centra-
das no ponto onde se encontra a carga, com valores de poten-

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cial decrescendo com r se q > 0 e com valores de potencial


crescendo com r se q < 0.

Recordando a expressão do campo eléctrico num ponto P ge-


rado por uma carga pontual q colocada em O ( r  OP ),

1 q
EP  vers OP
40 r 2

é fácil verificar que o campo eléctrico (logo, também as linhas


de campo eléctrico) satisfaz as seguintes três relações com as
superfícies equipotenciais:

 +

Linhas equipotenciais
q<
q<0 q>
q>0
0 0
Figura 4

► É, em cada ponto, normal à superfície equipotencial que


passa por esse ponto  i.e., o campo eléctrico de uma
carga pontual é radial e as suas superfícies equipotenci-
ais são esféricas (vide fig. 4).

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►O campo eléctrico tem sempre o sentido das superfícies


equipotenciais decrescentes (vide fig. 4).

► O campo eléctrico tem intensidade (norma) dado pela de-


rivada de VP em ordem à distância marcada sobre a nor-
mal às equipotenciais. De facto verifica-se que

dV
EP   vers OP  VP (12)
dr

onde VP (ou gradV ) representa o gradiente de VP .

2.4. Sistemas de cargas eléctricas


2.4.1. Lei de Coulomb para distribuições discretas
de cargas pontuais
Consideremos agora um sistema de n cargas pontuais qi
(i = 1,..., n) .situadas nos pontos Qi (i = 1,..., n) e uma carga qo
no ponto P (vide fig. 5).

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Fn F2
P
F1
Q1P
Q1 qo
Fi qn
q1 F3
Qn
Q2
q2 QP
i

Q3 qi Figura 5
q3 Qi

A força eléctrica total exercida sobre qo, resultante da interac-


ção do sistema de cargas pontuais qi (i = 1,..., n) com qo, é a
soma vectorial das n forças Fi que resultam da interacção entre
cada uma das cargas qi com qo. Podemos deste modo escrever

n
F  P   F1  P   ...  Fn  P    Fi P  (13)
i 1

com

1 qi qo
Fi  P   vers Qi P
40 rQ P
2
i

representando rQi P  Qi P a distância entre os pontos Qi e P.

2.4.2. Campo e potencial eléctrico gerados por dis-


tribuições discretas de cargas pontuais
Consideremos novamente uma distribuição de n cargas pontu-

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ais. Seja Ei (P) o campo eléctrico que a partícula i de carga qi e


situada no ponto Qi gera no ponto P. O campo eléctrico produ-
zido pela distribuição das n partículas carregadas tem, no pon-
to P, o valor da soma vectorial dos n campos Ei (P) (i = 1, …,

n), i.e.,

n
E  P   E1  P   ...  En  P    Ei P  (14)
i 1

com

1 qi
Ei  P   vers QP
i
40 rQP
2
i

e representando rQiP a distância entre o ponto Qi e o ponto P.


Pode-se pois afirmar, pela expressão (14), que o campo eléc-
trico goza da propriedade aditiva.

De modo idêntico, o potencial eléctrico no ponto P, resultante


da acção das n cargas qi é a soma (escalar) dos n potenciais
gerados individualmente por cada carga, i.e.,

n
V  P   V1  P   ...  Vn  P   Vi P  (15)
i 1

Deve notar-se, contudo, que o campo resultante da composi-


ção dos campos eléctricos gerados por várias cagas pontuais
não tem, em geral, simetria esférica (vide figs. 6 e 7).

Campo Electrostático no Vácuo 18


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Figura 6

A figura 6 mostra as linhas de campo de dois sistemas de duas


cargas pontuais com o mesmo valor absoluto e iguais sinais
(painel da esquerda) ou sinais opostos (painel da direita). Este
último sistema constitui aquilo a que se chama um dipolo eléc-
trico, de grande importância em Química. A figura 7 mostra as
superfícies equipotenciais do dipolo: o campo eléctrico (logo,
também as linhas de campo eléctrico) é, em cada ponto, per-
pendicular às superfícies equipotenciais. Esta última proprieda-
de é consequência de se ter, para qualquer distribuição de car-
gas, EP  VP , ou seja, o campo eléctrico em cada ponto é
igual ao simétrico do gradiente do potencial eléctrico nesse
ponto.

Campo Electrostático no Vácuo 19


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Equipotenciais
Figura 7 Linhas de campo

2.4.3. Energia potencial electrostática de uma distri-


buição discreta de cargas pontuais
Considere-se uma carga pontual q situada em O e geradora de
um campo eléctrico E1 no ponto P1. Suponhamos agora que se
pretende transportar uma carga q1 desde o infinito até ao ponto
P1, sem aceleração, pelo que a força exercida pelo agente ex-
terior que transporta a carga tem, em cada ponto, intensidade
igual e sentido oposto à força eléctrica de interacção entre as
cargas q e q1. Vimos (cf. pag. 14) que o trabalho realizado pelo

Campo Electrostático no Vácuo 20


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agente exterior neste transporte era dado por

 
W Fext  q1V1 
1 qq1
40 OP1
(16)

Podemos, pois, concluir que, para levar q1 do infinito até ao


ponto P1, na presença da carga q,, é necessário realizar o tra-
balho W = q1V1, que é precisamente a energia potencial elec-
trostática do sistema formado pelas cargas q e q13. Com base
neste resultado pode deduzir-se a expressão da energia poten-
cial electrostática de um sistema de n cargas pontuais q1, ..., qn
situadas nos pontos P1, ...,Pn, respectivamente. Vejamos o ca-
so particular de um sistema de três cargas.

Para construir um sistema de três cargas, é preciso ir buscar


ao infinito uma carga q2 e colocá-la no ponto P2. O trabalho
realizado pelo agente exterior neste processo é, novamente,
dado por

 1 1 q1 
 
W Fext  q2V2  q2 
4 
q

4 

 0 OP 2 0 P1 2
P
(17)
1 qq2 1 q1q2
 
40 OP2 40 P1P2

porque o potencial total em P2,é a soma do potencial em P2 de-


vido à carga q com o potencial em P2 devido à carga q1. A
energia electrostática do sistema de três cargas é agora a so-

3
Uma vez que a força eléctrica é conservative,o trabalho por ela realizado é o simétrico da variação da energia
potencial electrostática. Logo, o trabalho realizado pelo agente exterior, que é simétrico do trabalho da força
eléctrica, é igual à variação da energia potencial electrostática.

Campo Electrostático no Vácuo 21


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ma do trabalho realizado pelo agente exterior ao trazer do infi-


nito a carga q1 com a o trabalho realizado pelo agente exterior
ao trazer do infinito a carga q2, ou seja,

1 qq1 1 qq2 1 q1q2


W  q1V1  q2V2    (18)
40 OP1 40 OP2 40 P1P2

Repare-se que, nesta expressão, V1 é o potencial em P1 gera-


do pela carga em O, e V2 é o potencial em P2 gerado pelas
cargas em O e em P1. Sugere-se que o leitor deduza a expres-
são da energia electrostática de um sistema de quatro cargas
pontuais, utilizando o mesmo raciocínio: calcule o trabalho rea-
lizado pelo agente exterior ao transportar, em equilíbrio, uma
carga q3 do infinito ate um ponto P3, no qual existe um potenci-
al V3 que é a soma dos potenciais devidos às cargas q (situada
em O), q1 (situada em P1) e q2 (situada em P2). Quantos termos
vai ter esta expressão? E quantos termos terá ela no caso ge-
ral de n cargas? Para pensar…

Finalmente, para colocar as cargas q1, ..., qn nos pontos P1,


...,Pn será necessário que o agente exterior realize trabalho pa-
ra as trazer do infinito uma a uma, ficando esse trabalho arma-
zenado na forma de energia potencial W do sistema. Pode fa-
cilmente demonstrar-se4 que a energia potencial electrostática
de um sistema de n cargas eléctricas pontuais pode ser calcu-
lado mediante a expressão

4
Para pormenores da demonstração vide P.M. Fishbane et al., “Physics for Scientists and Engi-
neers”, Prentice Hall, New Jersey, 1996, pp. 666 – 667.

Campo Electrostático no Vácuo 22


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n

1 1
W   q1V1  ...  qn Vn   qV
2 2 i 1 i i (19)

onde Vi representa agora o potencial eléctrico no ponto Pi ge-


rado por todas as cargas com excepção da carga qi situada no
próprio ponto Pi.. O factor de ½ destina-se a corrigir o facto de,
no somatório, cada carga estar a ser contada duas vezes: uma
vez por estar em Pi, outra vez por contribuir para o potencial Vi
em Pi.

Aplicação

Demonstre para um sistema de 3 cargas (q1, q2, q3) que a relação (16) é
verdadeira.

2.5 Distribuições contínuas de cargas


Estudámos até agora os campos e potenciais eléctricos gera-
dos por cargas pontuais, ou por distribuições discretas de car-
gas pontuais. No entanto, uma distribuição contínua de cargas
também gera um campo: estas distribuições são muito impor-
tantes na prática. Aquilo a que se chama uma distribuição con-
tínua de carga consiste, na verdade, num grande número de
cargas pontuais situadas numa dada região do espaço. A uma
distância r dessa região muito maior do que as dimensões da
região (logo muito maior que a distância média entre duas car-
gas situadas nessa região) o conjunto das cargas pontuais as-

Campo Electrostático no Vácuo 23


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semelhar-se-á a uma “nuvem” contínua de carga (do mesmo


modo que as nuvens do céu também parecem contínuas se
vistas de longe, embora sejam formadas por um grande núme-
ro de gotículas de água).

Uma distribuição contínua de carga é caracterizada pela sua


densidade5: a quantidade de carga por unidade de volume (em
3 dimensões), área (em 2 dimensões) ou comprimento (em 1
dimensão) num dado ponto do espaço ocupado por essa distri-
buição. Para achar a densidade de carga, considere-se um
elemento de volume dV muito pequeno (isto é, muito menor do
que o volume total ocupado pela distribuição). Se este elemen-
to de volume contiver a carga dq, então a densidade volúmica
de carga (ou carga por unidade de volume) ρ é

dq
 (20)
dV

a qual se exprime no SI em Cm-3. De modo análogo se definem


as densidades superficial e linear de carga (carga por unidade
de superfície ou carga por unidade de comprimento), respecti-
vamente σ e λ:

dq
 (21)
dS

dq
 (22)
dl

5
Note-se que, em Física, a densidade é uma grandeza com dimensões.

Campo Electrostático no Vácuo 24


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cujas unidades SI são, respectivamente, Cm-2 e Cm-1. Ve-


jamos, então, qual é a força eléctrica total exercida sobre uma
carga pontual q0, situada num ponto P, por uma distribuição
contínua de carga. Considerando que a distribuição seja com-
posta por um grande número de elementos de volume ΔV mui-
to pequenos, cada um contendo a carga Δq, a força que se
exerce em q0 devida a um desses elementos, situado num pon-
to Q, é, como no caso das cargas pontuais,

1 qo q
F  P   vers QP (23)
40 rQP
2

A força total exercida pela distribuição de cargas sobre a carga


q0 em P é, novamente, a soma das forças exercidas pelos dife-
rentes elementos de volume ΔV que compõem a distribuição.
No limite V  0 tem-se, em notação diferencial,

1 qodq
F  P   dF (P )  vers QP
40 rQP
2
(24)

1 dq
F (P )  
F (P )  dF (P ) 
40 
qo 2 vers QP
rQP

onde o integral é sobre todo o volume ocupado pela distribui-


ção. Introduzindo a densidade volúmica de carga, ρ=dq/dV,
vem que

1 (Q)dV
F P   q
40 o V 2
rQP
vers QP (volúmica) (25)

Equivalentemente, no caso de distribuições superficiais ou li-

Campo Electrostático no Vácuo 25


Electromagnetismo e Óptica

neares de cargas, de densidades σ=dq/dS ou λ=dq/dl respecti-


vamente, tem-se

1 (Q)dS
F P   q
40 o S r2
QP
vers QP (superficial) (26)

1 (Q)dl
F P   q
40 o 
C r2
QP
vers QP (linear) (27)

Vimos atrás que o campo eléctrico gerado num ponto P por


uma carga pontual situada em Q, ou por uma distribuição dis-
creta de cargas pontuais situadas em Qi (i=1,...,n), é igual à
força eléctrica que essa carga ou distribuição de cargas exer-
cem sobre uma carga unitária colocada em P. Tomando q0=1
C, obtêm-se as expressões para o campo eléctrico no ponto P
devido a uma distribuição contínua de cargas (volúmica, super-
ficial ou linear):

1 (Q)dV
E P  
40  V 2
rQP
vers QP (volúmica) (28)

1 (Q)dS
E P  
40 
S r2
QP
vers QP (superficial) (29)

1 (Q)dl
E P  
40 
C r2
QP
vers QP (linear) (30)

Analogamente, o potencial eléctrico no ponto P devido a uma


distribuição contínua de cargas (volúmica, superficial ou linear)
é dado por

Campo Electrostático no Vácuo 26


Electromagnetismo e Óptica

1 (Q)dV
V P  
40  V rQP
(volúmica) (31)

1 (Q)dS
V P  
40 S r
QP
(superficial) (32)

1 (Q)dl
V P  
40 C r
QP
(linear) (33)

Finalmente, a energia electrostática de uma distribuição contí-


nua de cargas é igual ao trabalho realizado por um agente ex-
terior para trazer todos os elementos de carga dq do infinito e
congregá-los na distribuição final (volúmica, superficial ou line-
ar):

1 1 dqP dqQ
W 
2 4 0  rP  rQ
1 1  (rP ) (rQ )
 
2 4 0 
V rP  rQ
drP drQ (volúmica)
(34)
1 1  (rP ) (rQ )
 
2 4 0 
S rP  rQ
drP drQ (superficial)

1 1 (rP )(rQ )
 
2 4 0 
C rP  rQ
drP drQ (linear)

2.6 Lei de Gauss


A lei de Gauss do campo eléctrico é uma formulação alternati-
va da lei de Coulomb para exprimir a relação entre as cargas e
o campo eléctrico por elas gerado. Foi formulada por Carl Frie-

Campo Electrostático no Vácuo 27


Electromagnetismo e Óptica

drich Gauss (1777-1855), um dos maiores físicos e matemáti-


cos de todos os tempos. Constitui a primeira das equações de
Maxwell.

A lei de Gauss é válida para qualquer distribuição de carga,


discreta ou contínua. É particularmente útil para o cálculo de
campos eléctricos devidos a distribuições contínuas de carga
com elevada simetria (esférica, cilíndrica, etc), as quais ocor-
rem frequentemente na prática. Para a utilizarmos, temos pri-
meiro de introduzir o conceito de fluxo do campo eléctrico.

Considere-se o ponto P contido num elemento de superfície


plana ΔS, e suponha-se que esse elemento de superfície se
encontre mergulhado num campo eléctrico uniforme E que faz
um ângulo α com a direcção da normal unitária de ΔS no ponto
P (vide fig. 8).

n
S

P
Figura 8 E

O fluxo do campo eléctrico através de ΔS é a grandeza ΦE de-


finida por

E  E S cos (35)

Esta grandeza é análoga ao fluxo de água que atravessa, por


exemplo, uma rede de área ΔS colocada a um ângulo α da ve-

Campo Electrostático no Vácuo 28


Electromagnetismo e Óptica

locidade de escoamento (vide fig. 9): o volume de água que


atravessa a rede por unidade de tempo (isto é, o fluxo) será

Figura 9

v t  S cos
W   v  S cos  v  S (36)
t
A presença do factor cos  tem que ver com o facto de a área
através da qual a água efectivamente passa depender do ân-
gulo entre a superfície e a velocidade v do escoamento: se a
rede for perpendicular a v (isto é,   0o ), a área atravessada é
a verdadeira área da rede. Caso contrário, a área atravessada
é a projecção de ΔS no plano perpendicular a v , ou seja,
S cos . No caso-limite de a rede ser paralela à velocidade de
escoamento (isto é,   90o ), obviamente não será atravessada
por qualquer volume de água.

Há, porém, uma diferença importante entre o fluxo de um líqui-


do e o fluxo do campo eléctrico: ao contrário da água, que atra-
vessa realmente a rede, o campo eléctrico não se move: fala-
mos do fluxo do campo eléctrico, mas não lhe corresponde
qualquer movimento físico; não há transporte de matéria.

Se desejarmos calcular o fluxo através de uma superfície não


plana, mais não é necessário do que dividi-la em pedaços de

Campo Electrostático no Vácuo 29


Electromagnetismo e Óptica

áreas dS1, dS2,..., suficientemente (infinitesimalmente) peque-


nos para que cada um deles se possa considerar aproximada-
mente plano (de modo a que a respectiva normal esteja bem
definida). O fluxo total será, então, a soma de todos os fluxos
infinitesimais:

E  d 1  d 2  ...  E1dS1 cos1  E2dS2 cos2  ... (37)

onde se admitiu que o campo eléctrico pode não ser uniforme e


fazer diferentes ângulos com as normais dos diferentes ele-
mentos de superfície (isto é, E1 e α1 em dS1, E1 e α2 em dS2,
etc). A uma soma deste tipo chama-se integral de superfície
sobre a superfície total S = dS1+dS2+...:

E   E  dS (38)
S

A unidade SI de fluxo do campo eléctrico é o Vm (volt-metro).

Considere-se novamente uma carga pontual q, situada num


ponto O. O valor do campo eléctrico E por ela gerado num pon-
to P situado a uma distância r de O é, como vimos, atrás, pro-
porcional a 1 r 2 . Seja então S uma esfera centrada em O e que
passa por P, e seja N o número de linhas de campo que atra-
vessam S. S é perpendicular ao campo e, portanto, também às
linhas de campo. O número de linhas de campo que atraves-
sam S por unidade de área perpendicular às linhas de campo
é, então, N A  N 4 r 2 . Verifica-se, assim, que tanto E como

N A são proporcionais a 1 r 2 , logo E  N / A : o campo eléc-

Campo Electrostático no Vácuo 30


Electromagnetismo e Óptica

trico é mais intenso onde as linhas de campo se encontram


mais juntas. Segue-se imediatamente que N  EA  E , ou
seja, que o fluxo do campo eléctrico através de uma dada su-
perfície é proporcional ao número de linhas de campo que a
atravessam. Este resultado, que aqui demonstrámos para o
caso particular de uma carga pontual, é válido para qualquer
distribuição de cargas e qualquer superfície.

A definição de fluxo através de uma superfície fechada é exac-


tamente a mesma, com a única diferença que a normal unitária
n̂ a um elemento de área infinitesimal dS é tomada como posi-
tiva se apontar de dentro para fora da superfície, e como nega-
tiva se apontar de fora para dentro. Assim, uma linha de campo
que entra na superfície dá uma contribuição negativa para o
fluxo do campo eléctrico através da superfície, ao passo que
uma linha de campo que sai da superfície dá uma contribuição
positiva. Se não houver cargas no interior da superfície, todas
as linhas de campo que nela entram têm de voltar a sair, logo o
fluxo do campo eléctrico através da superfície é zero.

Se, pelo contrário, a superfície fechada contiver cargas, o fluxo


do campo eléctrico através da superfície já não será zero. Cal-
culemo-lo para uma carga pontual q situada no ponto O (ori-
gem das coordenadas): o campo eléctrico gerado por esta car-
ga é dado pela equação (2). Encerremos a carga dentro de
uma esfera de raio R e centro em O (vide fig. 10): escolhemos
uma esfera porque o valor do campo vai ser o mesmo em

Campo Electrostático no Vácuo 31


Electromagnetismo e Óptica

qualquer ponto da superfície desta, o que simplifica os cálculos


(mas pode mostrar-se que o resultado final é válido para qual-
quer superfície fechada que contenha a carga q).

Figura 10

Visto que o campo E é radial e dirigido de dentro para fora da
esfera, tem-se que, em cada elemento de área dS,

d E  E  dS  EdS (39)

donde se segue que o fluxo total é

q q
E   d E   E  dS   dS   dS
S S S 4 0R 2
4 0R 2 S
(40)
q q
  4 R 2

4 0R 2
0

resultado este independente do raio da esfera. A demonstração


generaliza-se facilmente a sistemas de cargas pontuais e a dis-
tribuições contínuas de carga, uma vez que o campo gerado
por tais sistemas é simplesmente a soma dos campos produzi-

Campo Electrostático no Vácuo 32


Electromagnetismo e Óptica

dos por cada carga individual (no caso de cargas discretas) ou


por cada elemento de carga (no caso de distribuições contí-
nuas). A lei de Gauss do campo eléctrico escreve-se, portanto,

Q
E   E  dS  (41)
S 0

onde Q é a carga total contida na superfície fechada S. Note-se


que a superfície S utilizada na lei de Gauss não é necessaria-
mente uma superfície física: pode ser qualquer superfície con-
veniente. Dão-se a seguir alguns exemplos de aplicação, por
ordem de complexidade crescente.

(a) Campo gerado por um fio rectilíneo infinito, de diâmetro


desprezável e densidade linear de carga λ

Suponha-se, por conveniência, mas sem qualquer perda de


generalidade, que o fio está dirigido segundo o eixo dos z e
que a sua carga é positiva, isto é,   0 (vide fig. 11); o raciocí-
nio é idêntico no caso de a carga ser negativa, basta mudar o
sinal de λ e inverter o sentido do campo. A simetria do proble-
ma diz-nos qual é a superfície que devemos escolher.

Campo Electrostático no Vácuo 33


Electromagnetismo e Óptica

Figura 11

Comecemos por notar que o campo eléctrico produzido pelo fio


é radial: como não há qualquer distinção entre “cima” e “baixo”,
o campo eléctrico não pode ter componente segundo z, logo as
linhas de campo emanam do fio e estão todas contidas em pla-
nos paralelos ao plano xy. Novamente por simetria, a intensi-
dade do campo num dado ponto P só pode depender da dis-
tância radial r entre P e o fio (r medida perpendicularmente ao
fio). A superfície que devemos escolher é, portanto, um cilindro,
de raio r e altura h (arbitrária), e cujo eixo coincide com o fio. O
fluxo do campo eléctrico através desta superfície é

E   E  dS   E  dS   E  dS (42)
sup.inferior sup. superior sup. lateral

Campo Electrostático no Vácuo 34


Electromagnetismo e Óptica

Os dois primeiros termos anulam-se, uma vez que E  dS nas


superfícies inferior e superior (bases) do cilindro. Resta a con-
tribuição da superfície lateral:

E   E  dS  E  dS  E  2 rh  2 rhE (43)
sup.lateral sup.lateral

(onde nos servimos do facto de o campo ter valor constante


sobre a superfície lateral). Aplicando a lei de Gauss, vem que

q
E  2 rhE  (44)
0

onde q é a carga total contida no cilindro. Ora, por definição de


densidade linear de carga, vem que q  h , logo

h 
2 rhE  E  (45)
0 2 0r

Repare-se que este resultado é válido apenas para um fio infi-


nito, caso contrário o campo não teria simetria radial. Note-se,
ainda, que o campo não depende de h, a altura do cilindro –
não faria sentido que dependesse, uma vez que o cilindro é
uma superfície matemática, e não física, que introduzimos
apenas para efeitos de cálculo. Obviamente, na prática não
existem fios infinitos, pelo que o resultado obtido é válido desde
que nos encontremos longe das extremidades do fio.

Campo Electrostático no Vácuo 35


Electromagnetismo e Óptica

(b) Campo gerado por um plano com espessura desprezável e


densidade superficial de carga σ

Por simetria, as linhas do campo são perpendiculares ao plano


(vide fig. 12). Suponha-se, por conveniência, mas sem qual-
quer perda de generalidade, que o plano assenta no plano xy e
está carregado positivamente, isto é, que   0 . As linhas de
campo saem do plano e estão orientadas de baixo para cima,
no semi-espaço z  0 , e de cima para baixo, no semi-espaço
z  0.

Figura 12

É igualmente óbvio que o campo vai ter o mesmo valor em to-


dos os pontos que tenham o mesmo valor da coordenada z, ou
seja, em todos os pontos que se encontrem à mesma altura
acima ou abaixo do plano. Uma superfície fechada apropriada
para a aplicação da lei de Gauss será, então, um cilindro de

Campo Electrostático no Vácuo 36


Electromagnetismo e Óptica

bases paralelas e equidistantes ao plano. O fluxo do campo


eléctrico através de um tal cilindro será, novamente,

E   E  dS   E  dS   E  dS (46)
sup.inferior sup. superior sup. lateral

com a diferença que agora é a contribuição da superfície lateral


que se anula, uma vez que, sobre esta superfície, se tem
E  dS  0 (o campo eléctrico é paralelo à superfície lateral).
Como as bases do cilindro são equidistantes do plano carrega-
do, o campo eléctrico toma sobre elas o mesmo valor, E, pelo
que se tem

E  E  dS  E  dS  2EA (47)
sup.inferior sup.superior

onde A é a área da base do cilindro. Aplicando a lei de Gauss e


servindo-nos do facto de que a carga total contida no cilindro é
q   A , obtem-se

q A 
E  2EA   E  (48)
0 0 2 0

ou seja, o valor do campo eléctrico gerado por um plano infinito


carregado não depende da distância ao plano! Mais uma vez,
na prática não existem planos infinitos, pelo que o resultado ob-
tido é válido desde que nos encontremos longe do bordo do
plano.

Campo Electrostático no Vácuo 37


Electromagnetismo e Óptica

(c) Campo gerado por dois planos paralelos, de espessuras


desprezáveis e densidades de carga σ e –σ, separados por
uma distância d

Neste caso a simetria é a mesma que no problema anterior (vi-


de fig. 13): cada um dos planos gera no espaço um campo
eléctrico de intensidade E   / 2 0 .

Figura 13

Em cada ponto do espaço entre os planos, os campos têm o


mesmo sentido (as linhas de campo saem do plano carregado
positivamente e entram no plano carregado negativamente),
logo o valor do campo eléctrico é a soma dos valores (iguais)
dos campos de cada um dos planos:


E (49)
0

Já no espaço fora dos planos, os campos têm sentidos contrá-


rios e o campo total anula-se. Este resultado corresponde ao

Campo Electrostático no Vácuo 38


Electromagnetismo e Óptica

condensador de placas paralelas, que será estudado no capítu-


lo seguinte.

(d) Campo gerado por uma esfera oca, de raio R e espessura


desprezável, com densidade superficial de carga σ

Centremos a esfera na origem das coordenadas (vide fig. 14).

Figura 14

Por simetria, o campo num ponto P só pode depender da dis-


tância r do ponto ao centro da esfera. Claramente a superfície
a utilizar para aplicar a lei de Gauss é uma superfície esférica
de raio r:

E   E  dS  E  dS  4 r 2E (50)
esfera esfera

Consideremos separadamente os casos r  R (ponto P fora da


esfera) e r  R (ponto P dentro da esfera):

Campo Electrostático no Vácuo 39


Electromagnetismo e Óptica

(i) Fora da esfera ( r  R ): aplicando a lei de Gauss e servin-


do-nos do facto de que a carga total contida na esfera é
Q  4 R 2 , obtém-se

4 R 2  R
2
Q
4 r E 
2
 E    (51)
0 0 0  r 

(ii) Dentro da esfera ( r  R ): a carga total contida no interior


(oco) da esfera é nula, pelo que, aplicando a lei de Gauss,
se tem

E 0 (52)

Note-se que a equação (51) se pode igualmente escrever:

1Q
E (51’)
4 0 r 2

Ou seja: o campo eléctrico gerado por uma esfera oca carre-


gada, num ponto exterior à esfera, é igual ao campo gerado por
uma carga pontual, de valor igual ao da carga total da esfera, e
situada no centro da esfera. Por outro lado, o campo no interior
da esfera é nulo – seja qual for o valor da sua carga!

(e) Campo gerado por uma esfera maciça de raio R, com den-
sidade volúmica de carga ρ

Centremos, novamente, a esfera na origem das coordenadas.


Por simetria, o campo num ponto P só pode depender da dis-
tância r do ponto ao centro da esfera. Claramente a superfície

Campo Electrostático no Vácuo 40


Electromagnetismo e Óptica

a utilizar para aplicar a lei de Gauss é, novamente, uma super-


fície esférica de raio r :

E   E  dS  E  dS  4 r 2E (53)
esfera esfera

Consideremos mais uma vez separadamente os casos r  R


(ponto P fora da esfera) e r  R (ponto P dentro da esfera).

(i) Fora da esfera ( r  R ): Aplicando a lei de Gauss e ser-


vindo-nos do facto de que a carga total contida na super-
fície esférica de raio r é a carga total da esfera de raio R
(que está totalmente contida na superfície esférica de
4 R 3
raio r) é Q   , obtem-se
3

4 R 3 
Q  R3
4 r E  
2
E  (54)
0 3 0 3 0 r 2

(ii) Dentro da esfera ( r  R ): agora a carga contida no interior


4 r 3
da superfície esférica de raio r é apenas Q '  ,
3
logo

4 r 3 
Q 
4 r E  
2
E  r (55)
0 3 0 3 0

ou seja, dentro da esfera o campo varia linearmente com a dis-


tância à origem.

Note-se que a equação (54) se pode igualmente escrever:

Campo Electrostático no Vácuo 41


Electromagnetismo e Óptica

1 Q
E (54’)
4 0 r 2

Ou seja: o campo eléctrico gerado por uma esfera maciça car-


regada, num ponto exterior à esfera, é igual ao campo gerado
por uma carga pontual, de valor igual ao da carga total da esfe-
ra, e situada no centro da esfera. Este resultado é idêntico ao
obtido para a esfera oca carregada. Em ambos os casos, é for-
çoso que assim seja: uma esfera (oca ou maciça) vista de uma
grande distância confunde-se com um ponto.

Resumindo: a lei de Gauss permite-nos achar facilmente o


campo eléctrico gerado por uma distribuição de cargas com
elevada simetria, pelo método geral que a seguir se descreve.

Estratégia para resolver problemas utilizando a lei de Gauss:

1. Fazer um desenho da distribuição de cargas.


2. Identificar a simetria (esférica, cilíndrica...) da distribuição
de cargas e, consequentemente, do campo por ela gera-
do.
3. Escolher uma superfície “gaussiana” com a simetria apro-
priada. Sempre que possível, esta deverá ter lados parale-
los ou perpendiculares ao campo E , e/ou onde o valor de
E seja constante.
4. Aplicar a lei de Gauss a essa superfície. O resultado final
é o campo eléctrico E gerado pela distribuição de cargas.

Campo Electrostático no Vácuo 42

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