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Miguel Singer - 06/2023

Escola Vera Cruz

Salvador Allende e o Socialismo Chileno


Introdução

No dia 11 de setembro de 2023, ano em que esse artigo foi escrito, serão completados
50 anos da morte de Salvador Allende. Neste mesmo dia a democracia chilena e a primeira
experiência de socialismo democrático encontrariam um fim abrupto e violento. Demorariam
20 anos para o Chile retornar a democracia.
Este artigo tem como principais intenções, traçar uma análise política das políticas
promovidas por Allende, de sua tentativa de tornar o Chile a primeira nação regida pelos
dogmas socialistas, mas ainda mantendo um Estado de direitos e liberdades, e também trazer
os eventos que levariam ao golpe militar chileno.

A via Chilena

Em 1917, o Czar Nicolau II havia sido executado, o Império russo cairá, e a União
Soviética seria fundada. 32 anos depois Mao Tsé Tung, influenciado pelos russos, traria o
socialismo para a China, e em 1959 Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara trariam a mesma
ideologia para Cuba, criando a primeira nação latino-americana socialista. O princípio do
marxismo é o materialismo dialético, por conta disso o processo revolucionário em cada um
desses países decorreu de forma diferente, e consequentemente os regimes dali criados
também demonstravam peculiaridades e diferenças, seja em costumes ou na própria
organização política do país. Porém em meados do século 20, a Revolução Chilena iria abrir
uma nova possibilidade de processo revolucionário, encabeçada por Salvador Allende, ela se
diferenciava das revoluções citadas anteriormente não apenas por conta dos contextos
nacionais e temporais da revolução, mas por ser uma tentativa radicalmente diferente de
revolução, desarmada, democrática e legal.
Para Joan Garcés, historiador chileno, a revolução chilena é a experiência mais
moderna de revolução. Não no sentido de ter sido a última, mas que considerando a estrutura
da democracia liberal essa foi a mais adequada para esses tempos. Enquanto as revoluções
cubanas, russa e chinesa eram adequadas para os contextos das épocas, governos autoritários
e supressão total de movimentos socialistas e sindicais, o Chile do final da década de 60 e
começo da de 70 apresentava um Estado de direito e democrático. Assim a avaliação dos
socialistas chilenos da UP (União Popular) foi a de uma revolução que mantivesse as
estruturas legais e democráticas do país. Essa visão que ao menos poderia ser definida como
criativa e nova, encontrou oposição dentro da esquerda, sofrendo retaliação dos socialistas
mais ortodoxos
Em 21 de maio de 1971 Allende discursou perante o congresso pleno (junção da
câmara dos deputados e senado). Allende começa traçando uma linha de similaridade com o
processo que estava acontecendo no Chile e a revolução russa, que meio século antes havia
abalado a Europa e o mundo. Evidentemente os processos revolucionários tinham pouco em
comum, mas a semelhança achada por Allende foi a forma em que ambas de certa forma se
opunham ao marxismo ortodoxo. Marx acreditava que a revolução deveria ocorrer em uma
nação já industrial, Alemanha ou Inglaterra, porém as circunstâncias sociais na Europa eram
diferentes das previstas. O socialismo floresceu nas nações industriais, mas achou maior força
nas nações subdesenvolvidas e agrárias. Já a UP defendeu a revolução pela legalidade,
preservando a democracia. Ambas as revoluções mantiveram suas características socialistas e
marxistas, mas demonstraram também inovação e resoluções apropriadas para as condições
materiais de suas respectivas épocas.
Ainda no mesmo discurso citado anteriormente, Allende defendeu a importância da
legalidade e liberdade. A luta contra o absolutismo e autoritarismo que possibilitou um
Estado de direito, e a luta contra a censura e a supressão de movimentos populares consolidou
a liberdade política, religiosa e de expressão. Mas como conciliar o socialismo com as
instituições que garantiam tais direitos? Era claro que a UP e Allende não tinham todas as
respostas para a sociedade que eles estavam criando, mas isso não era segredo, Allende
mesmo disse: “A tarefa é de uma complexidade extraordinária, porque não há precedente
em que possamos nos inspirar. Pisamos num caminho novo; avançamos sem guia por um
terreno desconhecido...”. A via chilena pretendia adaptar as instituições legais existentes no
Chile capitalista para o socialismo, assim criando formas novas de aparelhos jurídicos e
legais, que servissem à vontade popular.

Salvador Allende e sua Eleição

Em setembro de 1970 a UP venceria as eleições presidências do Chile. A coalizão fora uma


frente ampla da esquerda chilena, que tinha como intenção levar adiante o projeto de Allende
de um socialismo democrático. O eixo principal da coalizão eram o Partido Socialista (PS),
fundado por Allende e o Partido Comunista (PC), mas também era formada pelo Partido
Radical (PR), Partido Social-Democrata (PSD), Ação Popular Independente (API) e pelo
Movimento de Ação Popular Unificada (MAPU).
O Chile era uma nação de considerável estabilidade política tendo mantido um governo
democrático de 1932 até 1973, tendo acontecido uma alternância saldável de partidos
políticos. O Chile experenciou governos cristão-democratas, populistas, conservadores e de
esquerda, e as instituições legais se mantiveram intactas nessas passagens de poder. Dentre os
países latino-americanos o Chile também se mostrava, em certas maneiras, mais
desenvolvido que os demais. 80% da população chilena era educada (ensino médio e básico),
e o analfabetismo estava em apenas 11%, um valor consideravelmente baixo em comparação
com as demais nações latino-americanas na época. Porém o Chile era refém de seu passado
colonial, e de seu presente neo-colonial. A maioria das terras chilenas eram de grandes
latifundiários, herança direta da colonização espanhola, e as grandes fontes de riqueza natural
eram exploradas, majoritariamente, por empresas norte-americanas e europeias. Esses fatores
levaram a uma estagnação da economia e a criação de uma classe baixa camponesa e urbana
com baixa mobilidade social.
A campanha da UP tinha um caráter fortemente anti-imperialista, nacionalista e
emancipatório. Tendo como um de seus focos principais a emancipação do povo chileno
dessas forças opressoras. Foram nessas premissas que a UP venceu as eleições, mesmo em
meio a uma sociedade capitalista liberal. As forças que a UP teve de enfrentar durante as
eleições não foram apenas das classes dominantes nacionais, mas também tiveram de
enfrentar o governo dos Estados Unidos, que gastou meio milhão de dólares em propaganda
Antiallende que acusava o futuro presidente de querer acabar com as liberdades políticas,
essas propagandas eram disseminadas pela mídia nacional. A CIA tentou também causar uma
racha no Partido Radical, na tentativa de fazer o partido sair da coalizão, porém, como dito
anteriormente, essas tentativas fracassaram.

O Governo Allende

O plano de governo da UP tinha como foco algumas medidas que seriam


implementadas. A primeira seria a aceleração da reforma agrária. De 1938 até 1970 o Chile
passava por uma lenta reforma agrária, com a tomada do governo por Allende ele
imediatamente começou a expropriar todas as terras dos grandes latifundiários, essas terras
foram distribuídas entre o Estado, cooperativas agrícolas e assentamentos rurais. A reforma
agraria de Allende encontrou oposição forte de setores mais conservadores da sociedade e de
parte da classe média. A expropriação de terras e a forte mobilização dos camponeses
chilenos criou diversos casos violentos de combate entre camponeses ocupavam terras e
latifundiários. Em 1973 o governo da UP já havia desapropriado mais de 4000 terras, o
equivalente a 6,4 milhões de hectares. O governo militar que sucedeu a UP desfez a reforma
agraria, dando terras aos novos capitalistas, consequentes da implementação do
neoliberalismo no Chile.
A nacionalização de setores vitais da economia chilena foi outra medida feita por
Allende. Grandes indústrias e todo o setor bancário foram estatizados, esse processo foi
possibilitado por uma votação no congresso, e a exploração de brechas legais na constituição
chilena que diziam que quando uma empresa era improdutiva o Estado poderia tomar posse
de tal empresa. A oposição acusou essas medidas de ilegais, porém na questão da
nacionalização da produção de cobre do país, a oposição apoiou o projeto. O Chile é o maior
produtor de cobre do mundo, sendo responsável por 27% de todo cobre produzido. As
empresas de mineração de cobre seriam remuneradas, porém a remuneração seria subtraída
por um valor definido pelo governo como lucro excessivo, que seria resultante dos
baixíssimos impostos oferecidos pelos governos anteriores. As empresas de extração de cobre
estadunidenses, Anaconda e Kennecott, não só não receberiam uma indenização como
passaram a dever milhões de pesos para o Estado chileno. Em retaliação, os Estados Unidos,
com um projeto feito por Richard Nixon e Henry Kissinger, promoveram sanções contra o
governo chileno. A junta militar iria anos depois pagar 250 milhões de dólares para as
empresas de extração de cobre estadunidenses.
Essas medidas de cunho socialista foram implementadas durante os três anos de
governo de Allende, e causaram a oposição do PDC (partido democrático cristão). O governo
Allende também tirou da ilegalidade o MIR, que era o partido revolucionário comunista
chileno, que por mais que não fizesse parte da UP apoiava o governo, ainda que mantendo
uma visão crítica. O MIR começou a organizar grandes mobilizações de grupos periféricos e
camponeses. A antipatia dos militares ao governo também cresceu, já que o MIR tinha uma
proposta de revolução armada. A classe média chilena se opondo as medidas socialistas do
governo promoveu ações de sabotagem da economia chilena. Somando-se a esses problemas
as sanções promovidas pelos Estados Unidos, e o constante envolvimento da CIA na política
interna do Estado, com o intuito de prejudicar a economia chilena e a estabilidade econômica
do país, foram ações que contribuíram para o aumento vertiginoso da inflação, chegando a
318%, e o aumento do desemprego.
Allende buscou ajuda da União Soviética, recebendo meio bilhão de dólares, porém a
ajuda foi consideravelmente menor do que a dada para países como a China e outros no leste
europeu. Por mais que a União Soviética era um grande parceiro do governo da UP, o
governo Soviético tinha certas restrições sobre Allende. Para analistas políticos soviéticos
Allende deveria ser mais duro com seus opositores.

O Golpe Militar
A direita política chilena, antes fragmentada, formou uma frente ampla com o
interesse de combater Allende. Com a formação da Confederação da Democracia (CODE),
em 1973, a coalizão da direita chilena, a UP perdeu maioria no congresso, dificultando para a
implementação de novas políticas.
Um estado de violência se instaurou no Chile, o Pátria y Libertad grupo paramilitar
de extrema direita começou a expandir suas ações terroristas. O grupo era apoiado pela CIA e
por parte do exército chileno. Em meio a guerra fria, e a guerra do Vietnã, os Estados Unidos
fazia de tudo para impedir o surgimento de uma nova nação socialista no continente
americano. As tentativas de golpe no começo de 73 foram diversas, porém a maioria da
população ainda apoiava Allende, mesmo com a crise econômica. O Pátria y Libertad
efetuou diversos atos terroristas em meados de 73, incluindo o assassinato de Arturo Araya,
Capitão-de-Mar-e-Guerra do Chile, assim desestruturando o comando da marinha e
eliminando aliados de Allende no exército. Eles também foram responsáveis por um ataque
as torres de energia do país, causando um apagão nacional.
Em 21 de agosto de 1973 o general Carlos Prats, defensor do Estado de direito
chileno, foi forçado a renunciar do cargo de Comandante Chefe das forças armadas. Augusto
Pinochet assumiu o cargo. No dia 10 de setembro os Estados Unidos posicionam diversos
navios de guerra no limite da fronteira marítima chilena, em uma operação similar a Brother
Sam conduzida no Brasil, e instruem seus combatentes a invadirem a nação caso houver
resistência ao golpe.
Allende, alertado sobre o processo que está ocorrendo, vai a La Moneda, sede da
presidência da república. Allende procura seus generais comandantes, Leight e Pinochet.
Sendo o primeiro um dos primeiros articuladores do golpe. Já Pinochet supostamente seria
leal ao governo chileno, levando Allende a acreditar que ele havia sido detido pelos golpistas.
A junta militar, encabeçada por Pinochet, Leight, Mendonza (general) e Mendes (vice-
almirante), proclama o golpe e pede a rendição de Allende.
Allende se recusa a abandonar o Palácio, e alas do exército ainda fiéis ao presidente
travam fogo na capital com os golpistas. A resistência ao golpe não foi suficiente, e ainda no
dia 11 de setembro as forças de Pinochet invadem a La Moneda. Allende, mesmo consciente
da invasão, não abandona o palácio. Allende morre durante a invasão, alguns acreditam que
ele se matara outros defendem que as forças golpistas o teriam executado.

Bibliografia
AGGIO, Alberto. Democracia e Socialismo: A experiência chilena. [S. l.: s. n.],
1993.
FUENTES TAVARES DE LIRA, Francisco Roberto. DO SOCIALISMO AO
NEOLIBERALISMO: O CHILE DOS ANOS 1970. FAE, [S. l.], p. 1-9, 10 jun. 2010.
Disponível em:
chrome-extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/https://img.fae.edu/galeria/
getImage/1/261427454798353.pdf. Acesso em: 5 jun. 2023.
ALLENDE, Salvador. A revolução Desarmada: discursos de Salvador Allende. [S.
l.: s. n.], 2022.

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