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INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE

SANTA CATARINA - CÂMPUS FLORIANÓPOLIS


DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE ELETRÔNICA
CURSO SUPERIOR DE ENGENHARIA ELETRÔNICA

MARIA CLAUDIA ROSA NEGRI

IMPLEMENTAÇÃO DE TÉCNICAS DE
PROCESSAMENTO DIGITAL DE SINAIS PARA
OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES DE SINAIS
ELETROCARDIOGRÁFICOS

FLORIANÓPOLIS, 2020.
INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE
SANTA CATARINA - CÂMPUS FLORIANÓPOLIS
DEPARTAMENTO ACADÊMICO DE ELETRÔNICA
CURSO SUPERIOR DE ENGENHARIA ELETRÔNICA

MARIA CLAUDIA ROSA NEGRI

IMPLEMENTAÇÃO DE TÉCNICAS DE
PROCESSAMENTO DIGITAL DE SINAIS PARA
OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES DE SINAIS
ELETROCARDIOGRÁFICOS

Trabalho de conclusão de curso submetido ao


Instituto Federal de Educação, Ciência e Tec-
nologia de Santa Catarina como parte dos re-
quisitos para obtenção do título de engenheiro
eletrônico

Orientador:
Prof. Dr. Pedro Giassi Junior

FLORIANÓPOLIS, 2020.
Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor.

Negri, Maria Claudia Rosa


Implementação de técnicas de processamento digital
de sinais para obtenção de informações de sinais eletrocardiográficos
/ Maria Claudia Rosa Negri ; orientação
de Pedro Giassi Junior. - Florianópolis, SC, 2020.
60 p.
Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) - Instituto Federal
de Santa Catarina, Câmpus Florianópolis. Bacharelado
em Engenharia Eletrônica. Departamento Acadêmico
de Eletrônica.
Inclui Referências.

1. Processamento digital de sinais. 2. Eletrocardiograma.


3. Variabilidade da frequência cardíaca. I. Giassi
Junior, Pedro . II. Instituto Federal de Santa Catarina.
Departamento Acadêmico de Eletrônica. III.
Título.
IMPLEMENTAÇÃO DE TÉCNICAS DE
PROCESSAMENTO DIGITAL DE SINAIS PARA
OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES DE SINAIS
ELETROCARDIOGRÁFICOS

MARIA CLAUDIA ROSA NEGRI

Este trabalho foi julgado adequado para obtenção do Título de Engenheira Eletrônica em
Outubro de 2020 e aprovado na sua forma final pela banca examinadora do Curso de Engenharia
Eletrônica do instituto Federal de Educação Ciência, e Tecnologia de Santa Catarina.

Florianópolis, 07 de Outubro de 2020.

Banca Examinadora:

Pedro Giassi Junior, Dr.

Fernando Santana Pacheco, Dr.

Samir Bonho, Me.


AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, à Deus que esteve sempre comigo me dando forças pra
continuar em meio às adversidades.
À minha família, principalmente aos meus pais, Izália e Marco Antonio, que sempre
me apoiaram e me incentivaram a seguir em frente. Também aos meus irmãos, Ana Paula e
João Vitor, pelos momentos de descontração em meio à quarentena que tornaram os dia mais
leves.
Aos meus amigos, que dividiram momentos de incertezas e alegrias ao longo da
graduação.
Ao meu namorado, Diego, que leu meu texto várias vezes e me incentivou nos meus
momentos de dúvidas.
Aos meus professores, que me proporcionaram tanto aprendizado, e, em especial,
ao meu orientador Pedro Giassi, por toda a dedicação e conhecimento compartilhado. Também
à professora Cláudia Silveira, que ao longo do semestre colaborou para uma melhor escrita.
"Quando acordei hoje de manhã eu sabia quem eu era, mas acho que já mudei
muitas vezes desde então."(Alice no País das Maravilhas - Lewis Carroll)
RESUMO

O eletrocardiograma é um procedimento simples, seguro e não invasivo de medição da atividade


elétrica do coração. Por meio dele, profissionais de saúde podem diagnosticar problemas
cardiovasculares e acompanhar a atividade cardíaca durante o tratamento de alguma enfermidade.
Atualmente, esse procedimento também está presente em dispositivos do dia a dia, como
relógios de pulso, e serve como auxílio ao usuário durante a realização de atividade física,
por exemplo. Este trabalho tem por objetivo implementar técnicas de processamento digital
de sinais e aplicá-las a sinais de eletrocardiograma para extração de informação da atividade
elétrica do coração. Para este trabalho, foram utilizadas pesquisas do tipo quali-qualitativa,
exploratória e bibliográfica; utilizou-se a linguagem de programação Python, várias técnicas de
processamento de sinal foram implementadas para filtragem de sinais indesejados e extração de
informação associada à atividade elétrica do coração. Numa das atividades, avaliou-se também
o desempenho da técnica implementada utilizando métricas matemáticas de desempenho para
a medição da sensibilidade e da confiabilidade das técnicas. As técnicas de processamento
digital de sinais implementadas ilustraram a vantagem de utilização dessas técnicas para o
tratamento e extração de informação de sinal de ECG.

Palavras-chaves: Variabilidade da frequência cardíaca. Eletrocardiograma. Processamento


digital de sinais.
ABSTRACT

The electrocardiogram is a simple, safe and non-invasive procedure to measure the electrical
activity of the heart. Health professionals use it to diagnose cardiovascular problems, and
supervise the cardio-activity during a treatment. Nowadays, this procedure is also present in
everyday devices, such as digital watches, helping its user during physical activity. This work
aims to implement digital signal processing techniques and to apply them to electrocardiogram
signals to extract information to assess the electrical activity of the heart. Using the Python
programming language, several signal processing techniques were implemented to filter undesired
signals and extract information associated with the electrical activity of the heart. In one of the
activities, the performance of the implemented technique was also evaluated using mathematical
performance metrics to measure its sensitivity and reliability. The implemented digital signal
processing techniques illustrates the advantage of using such approach to process and extract
information from ECG signal.

Key-Words: Heart rate variability. Electrocardiogram. Digital signal processing.


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 – Modelos de eletrocardiógrafos. A Figura (a) apresenta um monitor


multiparamétrico utilizado em cirurgias e (b) apresenta o Apple
Watch . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
Figura 2 – Representação da anatomia básica do coração com enfoque nas
principais características: a veia cava superior, o ventrículo direito,
o átrio esquerdo, o ventrículo esquerdo e a artéria orta. . . . . . . . 19
Figura 3 – Nervos simpáticos e parassimpáticos (nervo vago) responsáveis pela
regulação nervosa do coração. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Figura 4 – Sistema de captação do sinal de ECG. . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
Figura 5 – Traçado representativo do sinal elétrico do coração. . . . . . . . . . 22
Figura 6 – Triângulo de Einthoven caracterizando as derivações I, II e III. . 22
Figura 7 – Fases do ciclo cardíaco: A fase 1 mostra o estado inicial seguido
pela fase 2 que representa a contração dos átrios formando a onda
P. Em seguida, na fase 3, o tempo entre a ativação dos átrios até
a ativação dos ventrículos configura o segmento PQ. A fase 4 cor-
responde à contração dos ventrículos, responsáveis pelo complexo
QRS. Na fase 5 o tempo entre a contração dos ventrículos e o
retorno ao estado de repouso é representado pelo segmento ST. E
por fim, na fase 6, é o retorno ao estado de repouso representado
pela onda T. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
Figura 8 – Traçado representativo do sinal elétrico do coração. . . . . . . . . . 25
Figura 9 – (a) representa o sinal de frequência variável (chirp) e (b) as frequên-
cias do chirp de acordo com o tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
Figura 10 – (a) chirp com frequências acima de 25Hz atenuadas e (b) a as
frequências presentes ao decorrer do tempo no chirp após a filtragem. 27
Figura 11 – Projeto de filtro passa baixa determinando regiões de rejeição e
passagem assim como o ripple permitido. . . . . . . . . . . . . . . . 27
Figura 12 – Principais famílias wavelets. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Figura 13 – Manipulações de wavelets. A Figura (a) representa a Translação
de uma wavelet e (b) a Dilatação/Contração de uma wavelet. . . . 28
Figura 14 – A Figura (a) representa Senoides de duas frequências diferentes
concatenadas e (b) Resultado da transformada wavelet . . . . . . . 29
Figura 15 – Representação dos índices do gráfico de Poincaré. . . . . . . . . . . 30
Figura 16 – Espectrograma do sinal Chirp evidenciando as frequências dominan-
tes em cada instante de tempo. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31
Figura 17 – Representação das anotações do banco de dados da physionet. As
linhas em azul representam que há uma anotação naquele instante
de tempo, e na parte inferior os pontos representam batidas nor-
mais e o ’a’ representa um batimento prematuro atrial aberrante . 35
Figura 18 – Projeto de filtro FIR utilizando o algoritmo de Parks-McClellan. A
Figura (a) mostra a magnitude da resposta em frequência do filtro
passa-altas projetado e (b) mostra a magnitude da resposta em
frequência do filtro passa-baixas projetado . . . . . . . . . . . . . . . 36
Figura 19 – Densidade espectral de potência do ECG antes do filtro, em azul,
e após filtrado, em laranja. Do lado superior direito apresenta-se
um zoom nas baixas frequências, onde visualiza-se a atuação do
passa-altas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Figura 20 – Sinal de ECG. A Figura (a) apresenta o sinal de ECG sem processa-
mento, diretamente do banco de dados e (b) o sinal de ECG após
a aplicação dos filtros . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 37
Figura 21 – Estágio de pré-processamento do algoritmo de Hamilton e Tompkins. 38
Figura 22 – Gabarito do projeto do filtro FIR passa-baixas (pontilhado) e mag-
nitude da resposta em frequência do filtro projetado (em azul). . . 38
Figura 23 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, re-
presentando a derivada . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 39
Figura 24 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, re-
presentando a energia instantânea. No canto superior esquerdo foi
adicionado um zoom na energia instantânea. . . . . . . . . . . . . . 39
Figura 25 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, re-
presentando a integração pela janela móvel . . . . . . . . . . . . . . 40
Figura 26 – Janela de busca definida a partir dos passos anteriores, em azul
(tracejado), e o sinal de ECG após a remoção dos artefatos, em
laranja. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 40
Figura 27 – Sinal de ECG filtrado, em azul, e os picos detectados, em laranja. . 41
Figura 28 – Análise qualitativa do comportamento do detector QRS. . . . . . . 43
Figura 29 – Curva RR de um sinal de ECG: Curva RR (asterisco verde), picos
R (círculos laranja) e sinal de ECG (linha azul). O eixo esquerdo
representa a unidade de amplitude da curva RR e o eixo da direita
a unidade do ECG e dos picos R. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 44
Figura 30 – Sinal RR: os pontos da curva RR (asterisco verde) e uma linha de
união direta formando o sinal RR (linha verde). . . . . . . . . . . . . 44
Figura 31 – Dispersão de Poincaré nos registros de Giassi et al. (2013). . . . . . 45
Figura 32 – Diagrama de barras para os indices de dispersão de Poincaré. . . . 46
Figura 33 – Dispersão de Poincaré no registro do voluntário submetido à atropina . . . 47
Figura 34 – Magnitude da transformada Rápida de Fourier para os registros. . . 48
Figura 35 – Densidade espectral de potência para os registros. . . . . . . . . . . 49
Figura 36 – Diagrama de barras para os índices HF e LF. . . . . . . . . . . . . . 50
Figura 37 – Densidade espectral de potência com o uso de atropina. . . . . . . 50
Figura 38 – Densidade espectral de potência com o uso de esmolol. . . . . . . . 51
Figura 39 – Diagrama de barras para os índices HF e LF com medicações inibi-
doras. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 52
Figura 40 – Sinal no tempo da respiração e da curva RR. . . . . . . . . . . . . . 52
Figura 41 – Coerência entre o sinal da respiração e o sinal RR proveniente do
ECG. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Figura 42 – Espectrograma dos sinais RR extraídos a partir dos registros retira-
dos de Giassi et al. (2013). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 53
Figura 43 – Exemplo de um batimento prematuro atrial aberrante marcado pela
letra ’a’. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 54
Figura 44 – Análise do comportamento do detector de desordens mostrando o
resultado da transformada wavelet e as detecções. . . . . . . . . . . 55
Figura 45 – Mais detalhes de um dos APBs detectados. . . . . . . . . . . . . . . 55
LISTA DE TABELAS

Tabela 1 –
Anotações nos sinais da base de dados physionet . . . . . . . . . . 34
Tabela 2 –
Sensibilidade e preditivo positivo na base de dados physionet . . . . 42
Tabela 3 –
Índices retirados do gráfico de Poincaré. . . . . . . . . . . . . . . . . 45
Tabela 4 –
Índices retirados do gráfico de Poincaré. Comparação da utilização
de atropina e esmolol. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 47
Tabela 5 – LF e HF da curva RR. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 49
Tabela 6 – LF e HF da curva RR com uso de medicações bloqueadoras do
sistema nervoso . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ECG Eletrocardiograma

FFT Fast Fourier transform

HL High frequency

LF Low frequency

P DS Processamento digital de sinais

P SD Densidade espectral de potência

SLIT Sistema linear invariante no tempo

V FC Variabilidade da frequência cardíaca


SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16
1.1 Justificativa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17
1.2 Definição do Problema . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.3 Objetivo Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
1.4 Objetivos Específicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1 Sistema cardiovascular . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1.1 O coração . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19
2.1.2 Eletrocardiograma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
2.1.3 Interferências no sinal elétrico cardíaco . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.4 Complexo P-QRS-T . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23
2.1.5 Anomalias Cardíacas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
2.1.6 Curva de variabilidade cardíaca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2 Processamento Digital de Sinais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2.1 Convolução discreta . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
2.2.2 Filtros Digitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
2.2.3 Wavelet . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
2.2.4 Transformada rápida de Fourier . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 29
2.2.5 Densidade espectral de potência . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.6 Gráfico de Poincaré . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30
2.2.7 Espectrograma . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31

3 METODOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32
3.1 Métodos Aplicados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 32

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.1 Bases de Dados . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 34
4.2 Remoção de artefatos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
4.3 Detecção do Complexo QRS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 38
4.3.1 Avaliação do detector QRS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 41
4.4 Variabilidade da frequência cardíaca (VFC) . . . . . . . . . . . . . . . 43
4.4.1 Análise da VFC a partir de características temporais . . . . . . . . . . . . . 43
4.4.2 Análise da VFC no domínio da frequência . . . . . . . . . . . . . . . . . . 48
4.5 Detecção de desordens no sinal de ECG . . . . . . . . . . . . . . . . 54

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 56
REFERÊNCIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 58
16

1 INTRODUÇÃO

Waller (1887), médico renomado, realizou o primeiro registro da atividade elétrica


do coração por meio do eletrômetro capilar de Lippmann, cunhando assim, pela primeira vez,
o termo "eletrocardiograma"(ECG). Ele posicionou um par de eletrodos nas partes anterior
e posterior do tórax demonstrando que cada batimento cardíaco era acompanhado por uma
oscilação elétrica. Provou, assim, que a atividade elétrica precedia a contração cardíaca
(GIFFONI; TORRES, 2010).
Hoje em dia, os eletrocardiógrafos, equipamentos para registro do ECG, estão
presentes em hospitais para exames de rotina, monitores multiparamétricos (Figura 1a), salas
cirúrgicas e tecnologias vestíveis, como por exemplo o Apple Watch (Figura 1b). Por se tratar
de um procedimento simples, não invasivo e seguro, é o principal meio de identificação de
problemas cardiovasculares.
Figura 1 – Modelos de eletrocardiógrafos. A Figura (a) apresenta um monitor mul-
tiparamétrico utilizado em cirurgias e (b) apresenta o Apple Watch
(a)

Fonte: Biotecmed (2020)


(b)

Fonte: Apple (2020)

O sinal de ECG fornece informações muito importantes sobre o funcionamento do


coração. Por exemplo, a frequência cardíaca, que apresenta flutuações batimento a batimento
sendo possível formar um gráfico que evidencia a variabilidade da frequência cardíaca (VFC).
O estudo da VFC tem utilidade no diagnóstico e tratamento de doenças cardiovasculares e
também pode ser uma ferramenta complementar na prescrição de exercícios físicos para pessoas
sedentárias (MARÃES, 2010).
17

As arritmias são desordens cardíacas comuns que podem ser diagnosticadas por
meio do ECG e que podem causar riscos à vida das pessoas. A identificação automática de
desordens cardíacas pode auxiliar o médico em um diagnóstico mais rápido e preciso podendo
ser obtidos por meio da aplicação de técnicas de Processamento Digital de Sinais (PDS) no
sinal de ECG (ROGAL, 2008).
O Processamento Digital de Sinais (PDS) traz grandes vantagens no processamento
de informações de ECG, pois ele permite técnicas mais agressivas de redução de ruído em relação
às técnicas de processamento analógico. Como exemplo, tem-se a captação analógica de sinais
de ECG que sofre com interferência do sinal da rede de energia, de artefatos de movimento e
atividade elétrica produzida pela atividade muscular. Esses problemas são facilmente resolvidos
no domínio digital. Além disso, PDS também está presente na implementação de algoritmos
que destacam informações trabalhosas de se obter visualmente em longos registros, acelerando
o processo de laudo médico, além de extrair informações não visuais presentes no sinal, como
a frequência cardíaca média e suas oscilações ao longo do tempo.
A atividade elétrica do coração contém diversas informações acerca da funcionalidade
e fisiologia desse órgão. Nesta pesquisa, serão investigadas como técnicas de processamento
digital de sinais podem ser aplicadas a sinais de ECG para extrair informações úteis acerca do
funcionamento do coração.
A estruturação deste trabalho dar-se-á da seguinte forma: após o capítulo da
introdução, será apresentada a fundamentação teórica para a compreensão dos capítulos
posteriores; em seguida será descrita a metodologia utilizada para a realização do estudo;
posteriormente, serão apresentados os resultados e discussão, pontuando as bases de dados
utilizadas, trazendo a detecção dos complexos, a formação do gráfico da VFC e seu estudo e a
detecção de desordens no sinal de ECG e, por fim, serão pontuadas as considerações finais
sobre a pesquisa.

1.1 Justificativa

De acordo com o relatório da World Health Organization (2020), as doenças


cardíacas são as principais causas de morte no mundo, vitimando cerca de 17 milhões de
pessoas por ano. Em 2018, mais de 350 mil pessoas morreram de doenças cardiovasculares
apenas no Brasil, representando cerca de 30% das mortes. Estima-se que até 2030 o número
de mortes anuais, no mundo, aumente para mais de 23 milhões (GOSS, 2008; RIBEIRO et al.,
2016). Como consequência disso, a pesquisa em saúde cardíaca ganhou importância significativa
nos últimos anos.
A medicina já vem utilizando tecnologia para obter laudos para localidades que
não dispõem de médicos especialistas, rapidez e facilidades para exames de ECG. Um exemplo
é a telemedicina, na qual o exame é enviado para um médico para que ele possa laudar com
facilidade e segurança (RUBIA, 2017).
18

Uma análise automatizada prévia do exame reduz o tempo que o médico precisa
para analisá-lo e já identifica os pontos de atenção, isso deixa o processo muito mais rápido e
seguro. Assim, este trabalho se justifica por trazer estudos acerca de aplicações de técnicas de
PDS que ajudem o processo de análise da condição cardíaca do paciente, bem como a detecção
de patologias cardíacas.

1.2 Definição do Problema

A análise do sinal de ECG geralmente é feita por um cardiologista que faz uma
análise visual da sua forma de onda; porém, esse processo, além de lento e exaustivo, é muito
suscetível a erros. Além disso, nem toda a informação presente no sinal de ECG pode ser obtida
visualmente, necessitando-se de processamento computacional para adquiri-la.
O sinal elétrico do coração contém informações morfológicas e de funcionamento
do coração do indivíduo em questão. Este trabalho se propõe investigar a aplicação de técnicas
para a obtenção de informações relevantes sobre esse funcionamento para auxiliar o prognóstico
médico. Deste modo, a pesquisa visa responder: Que tipos de informações as técnicas de
processamento de sinais podem oferecer acerca do sinal eletrocardiográfico?

1.3 Objetivo Geral

O objetivo geral deste trabalho consiste em analisar como técnicas de Processamento


Digital de Sinais, aplicadas ao sinal de eletrocardiograma, podem extrair informações relevantes
acerca do funcionamento do coração.

1.4 Objetivos Específicos

Para atingir o objetivo geral, determinaram-se os seguintes objetivos específicos:

a) compreender a fisiologia do sistema cardiovascular e sua relação com a atividade elétrica


na superfície da pele;

b) assimilar a morfologia do sinal de ECG e sua relação com o funcionamento do coração;

c) obter sinais de ECG em bases de dados disponíveis para análise;

d) implementar filtros para eliminar ruídos de aquisição;

e) elaborar algoritmos computacionais para obter a frequência cardíaca instantânea do sinal


de ECG e para avaliar a atividade regulatória do sistema nervoso central por meio de
técnicas de PDS;

f) implementar algoritmos computacionais para detectar desordens do funcionamento do


coração mediante análise do sinal de ECG.
19

2 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Este capítulo tem por finalidade introduzir conceitos necessários para o desenvol-
vimento do trabalho de conclusão de curso. Inicialmente apresentam-se conceitos do funcio-
namento do coração e da captação do sinal, assim como conceitos de anomalias cardíacas e
variabilidade cardíaca e, por fim, apresentam-se conceitos relacionados a processamento digital
de sinais.

2.1 Sistema cardiovascular

Esta seção apresentará conceitos relacionados ao funcionamento do coração.

2.1.1 O coração

O coração é um órgão muscular, cuja principal função é distribuir sangue para


o corpo, através dos vasos sanguíneos. O objetivo da circulação é transportar suprimentos
essenciais para todos os tecidos do corpo, como, por exemplo, o oxigênio para as células. Cada
um de seus lados é uma bomba eletromecânica pulsátil com duas cavidades denominadas átrio
e ventrículo. O átrio é pouco contrátil e sua principal função é armazenar o sangue e conduzi-lo
ao ventrículo, que bombeia o sangue para o resto do corpo (SÖRNMO; LAGUNA, 2005). A
Figura 2 ilustra a disposição dos átrios, ventrículos, veias e artérias principais do coração.

Figura 2 – Representação da anatomia básica do coração com enfoque nas principais


características: a veia cava superior, o ventrículo direito, o átrio esquerdo,
o ventrículo esquerdo e a artéria orta.

Fonte: Oliveira (2015)

Decorrente de um impulso elétrico originado no nodo sinoatrial, as quatro câmaras


20

cardíacas se contraem e relaxam de maneira coordenada. O átrio direito recebe das veias cavas
superior e inferior o sangue desoxigenado, proveniente da circulação sanguínea sistêmica, e o
envia para o ventrículo direito, que tem por função bombear esse sangue, pobre em oxigênio,
para o pulmão. O átrio esquerdo recebe o sangue oxigenado vindo de quatro veias pulmonares
que é depositado no ventrículo esquerdo, de onde é bombeado para o restante do corpo, através
da artéria aorta (HINKLE; CHEEVER, 2018).
O tecido cardíaco possui três camadas: 1) a camada mais externa, denominada
pericárdio, 2) a camada mais interna, denomina endocárdio e 3) a uma camada intermediária
entre essas duas, denominada miocárdio. Esta última tem a função de produzir a força
eletromecânica de contração do coração e está conectada a um sistema de condução elétrica
que permite a rápida propagação de impulsos elétricos por todo tecido cardíaco, formando o
chamado fluxo ou ciclo cardíaco (LOURENÇO, 2020).
O coração, por meio do nodo sino atrial, gera seu próprio estímulo elétrico no
músculo cardíaco, o qual permite que ele se contraia ritmicamente. Apesar disso, a força e
a frequência de contração podem ser alterados através do sistema neural parassimpático e
simpático, além do sistema endócrino (PATWARDHAN, 2006).
O sistema nervoso parassimpático atua por meio do nervo vago, o qual vai do
cérebro até o abdômen. Ao longo desse trajeto, esse nervo se conecta a vários órgãos, um deles
é o coração. Sua ativação produz uma redução na frequência cardíaca, sendo sua atividade
predominante durante o repouso. Já o sistema nervoso simpático é predominante em momentos
de estresse ou exercícios, sua estimulação eleva a frequência cardíaca. Esses dois sistemas agem
de maneira complementar e têm papel fundamental na regulação rápida da frequência cardíaca,
batimento a batimento.
O sistema nervoso central pode ser visualizado na Figura 3, é o principal responsável
por essa ação regulatória e age através de interações combinadas entre seus ramos autonômicos
(simpático e parassimpático) para manter o equilíbrio ótimo do sistema cardiovascular (URSINO;
MAGOSSO, 2003).
21

Figura 3 – Nervos simpáticos e parassimpáticos (nervo vago) responsáveis pela re-


gulação nervosa do coração.

Fonte: Nery et al. (2012)

2.1.2 Eletrocardiograma

O eletrocardiograma capta o sinal elétrico do coração através de eletrodos posi-


cionados sobre a pele. Esse equipamento está presente tanto em hospitais, durante cirurgias
cardíacas, quanto no dia a dia, em tecnologias vestíveis, como, por exemplo, o Apple Watch,
relógio inteligente que obtém a atividade elétrica do coração.
Existem muitos equipamentos com tecnologia suficiente para uma boa aquisição
dos sinais elétricos provenientes do coração, e isso inclui tecnologias vestíveis que avaliam
e transmitem para o médico pré-diagnósticos e emissão de alertas; com isso, o estudo e a
extração de características se tornam cada vez mais comuns.
O potencial de ação abrange a despolarização e repolarização da membrana das
células cardíacas, seu objetivo é a contração do miocárdio. A Figura 4 representa o sistema de
medição dessa atividade elétrica.

Figura 4 – Sistema de captação do sinal de ECG.

Fonte: Da Autora (2020)

A fase de aquisição de sinal é composta por eletrodos, dispostos sobre a pele, que
captam essas variações de potencial elétrico e enviam para um sistema de processamento. A
função do sistema de captação é amplificar (através do amplificador de instrumentação) e
remover (através do filtro) determinadas componentes de frequência do sinal captado. Por fim,
tem-se um somador para nível DC. O resultado do processo de captação e processamento é
22

um sinal que contém informação sobre a atividade elétrica do coração, sendo denominado sinal
de ECG.
A representação gráfica desse sinal pode ser visualizada na Figura 5 e permite um
exame simples e não invasivo do coração.

Figura 5 – Traçado representativo do sinal elétrico do coração.

Fonte: Regis, Caldeira e Gurjao (2016)

As estratégias de medição da atividade elétrica do coração utilizando eletrodos


podem ser classificadas em dois tipos: sistema bipolar, que utiliza três eletrodos; e o sistema
unipolar, que utiliza dois eletrodos. A diferença entre os sinais de um par de eletrodos é
denominada derivação (OLIVEIRA, 2019).
O sistema bipolar ou sistema padrão foi proposto por Einthoven (1913) e utiliza
três derivações, que formam o triângulo de Einthoven, ilustrado na Figura 6.

Figura 6 – Triângulo de Einthoven caracterizando as derivações I, II e III.

Fonte: Da Autora (2020)


23

A representação matemática dessas três derivações é dada de acordo com a Equação


1, em que I é derivação dada pela diferença de potencial entre o braço esquerdo (EL ) e o
direito (ER ); II é a derivação dada diferença de potencial entre a perna esquerda (EF ) e o
braço direito (ER ); e III a derivação dada pela diferença de potencial entre a perna esquerda
(EF ) e o braço esquerdo (EL ). Uma característica desse sistema é que a soma dos potenciais
bipolares é zero.

I = EL − ER
II = EF − ER
(1)
III = EF − EL
I + III = II

2.1.3 Interferências no sinal elétrico cardíaco

Na captura do sinal de ECG é possível que frequências não provenientes da eletri-


cidade do coração estejam presentes no sinal aquirido. Algumas das fontes de ruídos são: o
sinal da rede elétrica (60 Hz), a atividade motora proveniente da contração e relaxamento dos
músculos, a alta impedância da pele que pode ter origem no excesso de pelos ou mesmo por
fatores fisiológicos dos pacientes e o movimento corporal.

2.1.4 Complexo P-QRS-T

O ECG é o registro da diferença de potencial elétrico que ocorre no coração. A


despolarização e repolarização dos átrios e ventrículos ocorrem de forma sincronizada e podem
ser identificadas por suas principais curvas, sendo elas P, Q, R, S, T. Na Figura 7 é possível
visualizar este processo associado à representação do sinal elétrico característico do ECG.
24

Figura 7 – Fases do ciclo cardíaco: A fase 1 mostra o estado inicial seguido pela
fase 2 que representa a contração dos átrios formando a onda P. Em
seguida, na fase 3, o tempo entre a ativação dos átrios até a ativação dos
ventrículos configura o segmento PQ. A fase 4 corresponde à contração
dos ventrículos, responsáveis pelo complexo QRS. Na fase 5 o tempo
entre a contração dos ventrículos e o retorno ao estado de repouso é
representado pelo segmento ST. E por fim, na fase 6, é o retorno ao
estado de repouso representado pela onda T.

Fonte: FERREIRA (2019)

A onda P caracteriza a contração dos átrios. O segmento PQ representa o tempo


entre a ativação dos átrios até a ativação dos ventrículos. O complexo QRS corresponde
a contração dos ventrículos. O segmento ST corresponde ao tempo entre a contração dos
ventrículos e o retorno ao estado de repouso. E, por fim, a onda T representa o retorno ao
estado de repouso, a repolarização ventricular. Além destas principais curvas estudadas ainda
pode-se observar uma última ondulação, denominando-se curva U.

2.1.5 Anomalias Cardíacas

Anormalidades no sinal captado pelo eletrocardiograma podem ser classificadas


como arritmias, falhas na sequência de ativação, aumento da grossura da parede ou tamanho dos
átrios e ventrículos, isquemia ou infarto (OLIVEIRA, 2019). Essas anomalias são diferenciadas
por um batimento cardíaco muito rápido, muito lento ou ainda uma irregularidade no ritmo.
25

As arritmias impedem o coração de bombear sangue suficiente para o corpo, e algumas delas
podem ser fatais. Para a detecção de anomalias em um eletrocardiograma, é preciso analisar e
interpretar as formas de ondas e os complexos (FERREIRA, 2019).
O diagnóstico de arritmias geralmente ocorre com um profissional da área analisando
longos registros e identificando os possíveis pontos fiduciais. Esse é um processo longo e pode
ser automatizado com técnicas de processamento de sinais.

2.1.6 Curva de variabilidade cardíaca

O coração humano saudável tem variações na frequência cardíaca a cada batimento.


Essas variações são promovidas pela atuação rápida do sistema nervoso autônomo. Com isso,
é possível formar uma curva que representa esta variabilidade denominada curva RR. Essa
curva é formada pelos intervalos de tempo (∆t) entre cada pico R. A Figura 8 mostra como se
adquirem os intervalos de tempo (∆t) para a formação da curva de variabilidade cardíaca.

Figura 8 – Traçado representativo do sinal elétrico do coração.

Fonte: Harden (2009)

2.2 Processamento Digital de Sinais

Processamento digital de sinais (PDS) consiste na utilização de sistemas digitais,


como computadores, para manipulação de dados digitais a fim de se obter informação. Nesta
seção serão apresentados alguns conceitos e técnicas utilizadas neste estudo para a análise do
sinal elétrico do coração.

2.2.1 Convolução discreta

A operação de convolução é um conceito base da área de PDS que envolve sistemas


lineares invariantes no tempo (SLITs) e é definida matematicamente conforme indica a Equação
2: ∞
X
y[n] = h[k]x[n − k] (2)
k=−∞
26

em que y[n] é o sinal filtrado, h[n] é o filtro digital, caracterizado por sua resposta ao impulso;
x[n] é o sinal de entrada do filtro, n é o tempo discreto e k, a variável do domínio em que a
convolução é realizada.
Na prática, x[n] e h[n] são finitos e possuem e comprimento Nx e Nh , respectiva-
mente. Dessa forma, a operação em (2) é dada pela Equação 3:

Xh −1
Nx +N
y[n] = h[k]x[n − k] (3)
k=0

2.2.2 Filtros Digitais

Um filtro digital é um sistema discreto projetado para atenuar certas componentes


de frequência de um sinal de entrada. O projeto de um filtro discreto é determinado por uma
função de transferência ou equação de diferenças que se aproxima da resposta de frequência
dentro das tolerâncias especificadas no design do filtro. A equação de diferenças pode ser
descrita conforme a Equação 4, onde ai e bi são os coeficientes da função de transferência e
N é a ordem do filtro.

N N
(4)
X X
y[n] = ai .x[n − i] − bi .y[n − i]
i=0 i=1

Para exemplificar a atuação de um filtro, será utilizado um sinal chamado chirp


(Figura 9a), cuja frequência varia com o tempo; neste caso de 40 Hz a 0 Hz (tensão contínua)
em um tempo de 5 segundos. A Figura 9b representa o espectrograma do chirp.

Figura 9 – (a) representa o sinal de frequência variável (chirp) e (b) as frequências


do chirp de acordo com o tempo.
(a) (b)

Fonte: Da Autora (2020)

O chirp será submetido a um filtro passa-baixas do tipo FIR, utilizando o método


de janelamento (hamming) e com frequência de corte em 25Hz, ou seja, frequências superiores
a 25Hz serão atenuadas (Figura 10a). É possível analisar na Figura 10b que as componentes
27

de frequências permaneceram apenas em frequências igual ou inferior a frequência de corte.


Desprezou-se o período transitório da convolução.

Figura 10 – (a) chirp com frequências acima de 25Hz atenuadas e (b) a as frequên-
cias presentes ao decorrer do tempo no chirp após a filtragem.
(a) (b)

Fonte: Da Autora (2020)

Na Figura 11 pode-se observar o projeto em frequência do filtro passa baixas para


análise das especificações de tolerância.

Figura 11 – Projeto de filtro passa baixa determinando regiões de rejeição e passa-


gem assim como o ripple permitido.

Fonte: Oppenheim (1999)

Um filtro ideal teria uma transição abrupta de banda de passagem para banda de
rejeição; porém, para um filtro real é permitida uma região de transição localizada entre ωp e
ωs . A frequência de passagem, em radianos, é ωp e a de rejeição é ωs . O ripple permitido na
banda de passagem é dado por δ1 e o ripple permitido na banda de rejeição é dado por δ2 .
A tarefa de projetar filtros digitais consiste na determinação dos coeficientes da
Equação 4. No caso de filtros FIR (resposta ao impulso finito) os coeficiente bi são zerados
restando determinar os coeficientes ai . Uma maneira de determinar tais coeficientes são
28

algoritmos iterativos, como por exemplo o algoritmo de McClellan e Parks (2005), que promove
uma maior aproximação.

2.2.3 Wavelet

O termo wavelet é utilizado para descrever pequenas ondas com duração limitada
no domínio do tempo (ZANANDREA; SAOTOME; FREITAS, 2004). Dentre as wavelets mais
conhecidas estão Coiflet, Daubechies, Haar e Symmlet e podem ser visualizadas na Figura 12.

Figura 12 – Principais famílias wavelets.

Fonte: Da Autora (2020)

As wavelets são muito utilizadas em processamento de sinais para identificação de


anomalias ou pulsos dentro de um determinado sinal aperiódico e com ruído. Suas aplicações
incluem computação numérica, monitoramento cardíaco, sistemas de controle, compressão de
imagens, registros de sinais médicos, etc. (BIANCHI, 2006).
As wavelets devem ter energia finita além da capacidade de escalonamento e
translação. Na Figura 13 é possível visualizar transformações de escalonamento e translação
que são possíveis de serem feitas na wavelet.

Figura 13 – Manipulações de wavelets. A Figura (a) representa a Translação de uma


wavelet e (b) a Dilatação/Contração de uma wavelet.
(a) (b)

Fonte: Addison (2017)


29

As wavelets podem ser utilizadas para ressaltar características do sinal analisado.


Para isso, ocorre uma transformação deste sinal com anomalias ou pulsos a serem analisados.
Matematicamente, essa transformação é dada pela convolução de um sinal com a função
wavelet, sendo nomeada transformada wavelet.
Na Figura 14, pode ser vista graficamente esta função da transformada wavelet.

Figura 14 – A Figura (a) representa Senoides de duas frequências diferentes conca-


tenadas e (b) Resultado da transformada wavelet
(a) (b)

Fonte: Da Autora (2020)

Duas senoides de frequências diferentes foram concatenadas formando o sinal


contido na Figura 14a. Após submetido à transformada wavelet, resultou no sinal contido na
Figura 14b, ressaltando onde há a mudança de frequência da senoide. A wavelet utilizada foi a
Symmlet.
A Equação 5 representa a transformada wavelet, onde a representa seu fator de
dilatação, b o fator de deslocamento temporal, x(t) o sinal a ser analisado e ψ ∗ , o complexo
conjugado da wavelet escolhida.
!
1 Z∞ t−b
T (a, b) = √ x(t)ψ ∗ dt (5)
a −∞ a

2.2.4 Transformada rápida de Fourier

A transformada discreta de Fourier é uma ferramenta importante na análise de


sinais e sistemas em processamento digital de sinais. Esta converte um sinal para o domínio da
frequência e uma das razões que tornou a análise de Fourier amplamente utilizada é devido ao
algoritmo da Transformada rápida de Fourier (FFT - Fast Fourier Transform).
A Transformada rápida de Fourier (Fast Fourier Transform – FFT) é um algoritmo
eficiente para se calcular a Transformada discreta de Fourier. Esse algoritmo reduz a complexi-
dade computacional. Enquanto a Transformada discreta de Fourier tem uma complexidade de
 
O N 2 , sendo N o tamanho da transformada (numero de bins), a Transformada rápida de
Fourier tem complexidade de O (N log N ).
30

2.2.5 Densidade espectral de potência

A densidade espectral de potência (PSD - Power Spectral Density) tem grande


importância na medida de sistemas práticos, sendo mais uma grandeza para análise do sinal
no domínio da frequência, contendo informações apenas de magnitude do sinal. A Equação 6,
apresenta a PSD a partir da FFT do sinal, representada por F F T [x], ainda, fs representa a
frequência de amostragem e N o tamanho da FFT.

1
P SD[x] = .|F F T [x]|2 (6)
fs .N
A partir da PSD do sinal da variabilidade cardíaca é possível calcular índices que
estão relacionados a modulação simpática e parassimpática, sendo eles HF (High Frequency )
que compreende o somatório da energia entre as frequências de 0,15 Hz e 0,4 Hz, e LF (Low
Frequency ) que compreende o somatório da energia entre as frequências 0,05 Hz e 0,15 Hz
(CAMM et al., 1996).

2.2.6 Gráfico de Poincaré

O gráfico de Poincaré é um gráfico dos valores de intervalo R-R versus os mesmos


valores adiantados em uma amostra. A dispersão longitudinal, representa a variabilidade da
frequência cardíaca (VFC), enquanto a dispersão ortogonal, representa a VFC de curto prazo
(NEUMAMM; SANTOS; GIANNELLA-NETO, 2011).
Para uma análise quantitativa deste, calculam-se os índices de desvio padrão, sendo
eles SD1 e SD2. Na Figura 15 é possível verificar o que os índices SD1 e SD2 do gráfico de
Poincaré.

Figura 15 – Representação dos índices do gráfico de Poincaré.

Fonte: Ferreira et al. (2010)


31

O SD1 representa a dispersão no eixo transverso que indica o registro instantâneo


da variabilidade estando relacionado à atividade parassimpática, enquanto que o índice SD2
reflete a dispersão do eixo longitudinal e representa a variabilidade simpática e parassimpática.
A relação (SD2/SD1) representa o balanço entre o simpático e o parassimpático (FERREIRA
et al., 2010).

2.2.7 Espectrograma

O espectrograma é um gráfico que analisa dinamicamente a densidade espectral de


energia ao longo do tempo e frequência. É possível aferir diferentes intensidades da densidade
espectral de energia a partir das cores, variando do violeta ao vermelho.
Na Figura 16 visualiza-se um exemplo do espectrograma do sinal Chirp tratado na
Subseção 2.2.2, que caracteriza-se por uma frequência variável entre 40Hz e 0Hz.

Figura 16 – Espectrograma do sinal Chirp evidenciando as frequências dominantes


em cada instante de tempo.

Fonte: Da Autora (2020)


32

3 METODOLOGIA

Este capítulo apresenta a metodologia utilizada para o estudo das ferramentas


de PDS aplicadas a sinais biomédicos. Inicialmente, buscaram-se bases de dados disponíveis
contendo sinais de ECG relacionados a pacientes com patologias ou registrados durante situações
específicas de maneira a produzir informação fisiológica.

3.1 Métodos Aplicados

Foi utilizado o método de pesquisa exploratória com a finalidade de criar hipóteses


partindo de levantamentos bibliográficos e um estudo de caso. A pesquisa tem caráter quali-
quantitativo pois objetiva-se compreender o comportamento do sinal de ECG em um indivíduo,
assim como trazer resultados numéricos em questão de validação de algoritmos.
Fez-se uma busca por bases de dados que contivessem registros capazes de identificar
informações acerca da variabilidade da frequência cardíaca e arritmias cardíacas.
Alterações na frequência cardíaca ao longo do tempo são normais e evidenciam a
habilidade do sistema autônomo em responder aos estímulos fisiológicos e ambientais. Essas
alterações são denominadas variabilidade da frequência cardíaca e foram analisadas em um
ambiente onde a respiração e o posicionamento do corpo estavam controlados, evidenciando a
ação do sistema nervoso autônomo no controle da frequência.
A partir dos sinais adquiridos utilizou-se um computador e a linguagem de pro-
gramação Python para a criação dos scripts necessários para o processamento dos dados. A
linguagem Python foi utilizada por ser simples e de muita aplicabilidade, resultando em um
aprendizado que contribuirá para a formação da autora. Foi feito um estudo sobre técnicas de
processamento de sinais apresentando os resultados para cada técnica utilizada.
O trabalho consistiu em duas formas de identificação de informações em sinais de
ECG: 1) Análise da variabilidade cardíaca a partir da curva RR formada pela detecção dos
complexos QRS; e 2) Detecção de arritmia no sinal de ECG. A análise da variabilidade cardíaca
é subdividida em duas etapas, iniciando com a implementação e validação do detector de
Hamilton e Tompkins (1986) para detecção dos picos R e posteriormente formando e analisando
a curva RR.
A partir da implementação e validação do algoritmo de Hamilton e Tompkins (1986)
foi possível analisar a variabilidade da frequência cardíaca. Utilizaram-se ferramentas de PDS
para análise tempo-frequência dos dados obtidos. Para isso, analisou-se a projeção do sistema
simpático e parassimpático no domínio do tempo com o gráfico de Poincaré e seus índices
de dispersão e no domínio da frequência com a FFT e PSD, incluindo os índices LF e HF,
espectrograma, além da coerência entre o sinal da respiração e o sinal do ECG.
Implementou-se também um algoritmo baseado na transformada wavelet para a
33

detecção de desordens no sinal de ECG, neste caso visou-se encontrar batimentos prematuros
atrial aberrante (APBs) de um registro contido na base de dados da physionet. Os APBs
são arritmias causadas pela má ativação dos átrios caracterizada pela onda P do batimento
cardíaco. Esta anomalia foi escolhida pois na base de dados utilizada, era a única que não
estava misturada com outras arritmias junto, ou seja, com menos chance de um falso positivo.
34

4 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Neste capítulo, serão apresentados os testes realizados com a remoção de ruídos, a


detecção do Complexo QRS, o estudo da variabilidade da frequência cardíaca e a detecção de
desordens no sinal de ECG. Os resultados serão comentados e analisados. Para a realização
dos testes, foi utilizada a linguagem de programação Python.

4.1 Bases de Dados

Os registros de sinais biomédicos foram obtidos a partir de duas bases de dados. A


primeira, é constituída de 23 registros de ECG escolhidos aleatoriamente de um conjunto de
4000 de uma população mista de pacientes internados (cerca de 60%) e ambulatoriais (cerca de
40%) dos quais foram utilizados 21 registros de meia hora cada um. A derivação do tipo II foi
utilizada, pois estava na maior parte das gravações (tipicamente utiliza-se a derivação I ou II).
Devido à ausência dessa derivação, os registros de número 102 e 104 não foram utilizados. Essa
base de dados foi criada pelo Hospital Beth Israel, de Boston, e documentada pelo Laboratório
de Arritmia BIH entre 1975 e 1979, sendo nomeada MIT-BIH Arrhythmia Database. Ela faz
parte de uma base de dados maior, constituída de sinais fisiológicos e denominada PhysioNet
(GOLDBERGER et al., 2000), sendo esta a base de dados mais utilizada para análise de sinais
de ECG.
Os registros da base de dados da physionet possuem códigos alfanuméricos, de-
nominados anotações, que são utilizados para caracterizar trechos do ECG que representem
eventos importantes. Por isso, para a leitura dos sinais e extração das anotações presentes na
base de dados utilizou-se o pacote waveform-database (WFDB), que é constituído de scripts
em linguagem de programação Python que implementam rotinas de leitura, escrita e extração
de informação da base de dados. A Tabela 1 apresenta alguns códigos das anotações utilizadas
neste trabalho.

Tabela 1 – Anotações nos sinais da base de dados physionet

Código Descrição
N Batida normal
A Batimento prematuro atrial
a Batimento prematuro atrial aberrante
V Contração ventricular prematura
+ Alteração do ritmo
˜ Alteração da qualidade do sinal
J Batida prematura nodal
V Contração ventricular prematura

Fonte: Da Autora (2020)


35

Pode-se observar essas anotações no visualizador de forma de onda e anotação


LightWAVE disponibilizado a partir do próprio site da physionet. A Figura 17 demonstra as
anotações de batimentos normais e um batimento prematuro atrial aberrante caracterizado por
’a’.

Figura 17 – Representação das anotações do banco de dados da physionet. As li-


nhas em azul representam que há uma anotação naquele instante de
tempo, e na parte inferior os pontos representam batidas normais e o
’a’ representa um batimento prematuro atrial aberrante

Fonte: Goldberger et al. (2000)

A segunda base de dados é descrita por Giassi et al. (2013) e possui registros de
sinais de ECG e da atividade respiratória (RESP). Na metodologia de obtenção dessa base de
dados, o padrão respiratório do indivíduo foi controlado por meio de um metrônomo1 , que
emitia sinalização visual nas frequências de 0,20 Hz e 0,25 Hz, que correspondem a 12 e 15
respirações por minuto, respectivamente. Além disso, foram feitas gravações sob efeitos de
agentes farmacológicos bloqueadores da atividade neural.
A aquisição do padrão respiratório (RESP) do voluntário sob as mesmas condições
é feita a partir de um termistor NTC que faz parte de uma ponte Wheatstone e é posicionado
próximo às narinas do indivíduo. Esse termistor avalia a temperatura da respiração modificando
a resistência e assim também a diferença de potencial. O ar inspirado pelos pulmões, ao passar
pelo termistor, provoca o seu resfriamento, já o ar expirado aquece o termistor.
Os registros de ECG foram obtidos considerando duas posições diferentes do
voluntário no momento da gravação: em pé e decúbito dorsal 2 . Essa base de dados foi utilizada
para obtenção da curva de variabilidade cardíaca, obtenção dos índices LF e HF e análise da
influência na frequência da respiração e do posicionamento do corpo na frequência cardíaca.

4.2 Remoção de artefatos

A detecção do complexo QRS e de desordens no sinal de ECG, que serão estudadas


nesta pesquisa, contém informação na faixa de frequências entre 5 e 50 Hz. Portanto, projetou-
1
Metrômetro é um aparelho que emite um sinal visual ou auditivo em intervalos regulares.
2
Decúbito dorsal é quando a pessoa fica deitada de costas com a cabeça e ombros levemente levantados.
36

se um filtro passa-faixa equivalente para atenuar as componentes do sinal de entrada fora da


faixa de interesse e, assim, remover os artefatos (sinais espúrios) que afetam o desempenho
das técnicas de detecção.
Todos os filtros utilizados neste trabalho são do tipo resposta ao impulso finita
(Finite Impulse Response – FIR) e foram projetados utilizando o algoritmo de McClellan e
Parks (2005), a fim de se obter um ajuste ótimo entre as respostas em frequência reais e as
teóricas.
O filtro passa-faixas equivalentes foi realizado a partir da união em série de um
filtro passa-altas e um filtro passa-baixas.
O filtro passa-altas foi projetado com frequência de passagem em 5 Hz e frequência
rejeição em 0,001 Hz. A atenuação desejada na banda de rejeição foi de -48 dB e um ripple de
até 0,2 dB na banda de passagem. A ordem do filtro foi definida em 250, ordem mínima para
atender aos critérios de atenuação.
O filtro passa-baixas foi projetado com frequência de passagem em 50 Hz e
frequência rejeição em 65 Hz. A atenuação desejada na banda de rejeição foi de 48,25 dB
e permitiu-se um ripple de até 1 dB na banda de passagem. A ordem do filtro foi definida
em 137, menor ordem possível atender aos critérios de atenuação. A Figura 18a apresenta o
espectro de magnitude da resposta em frequência do filtro passa-altas projetado e a Figura 18b
apresenta o espectro de magnitude da resposta em frequência do filtro passa-baixas projetado.

Figura 18 – Projeto de filtro FIR utilizando o algoritmo de Parks-McClellan. A Figura


(a) mostra a magnitude da resposta em frequência do filtro passa-altas
projetado e (b) mostra a magnitude da resposta em frequência do filtro
passa-baixas projetado
(a) (b)

Fonte: Da Autora (2020)

Como o sistema não é de tempo real, utilizou-se uma técnica que consiste em
aplicar o filtro duas vezes, uma vez para frente e outra para trás. O filtro combinado tem fase
zero e uma ordem duas vezes maior que a original.
37

A densidade espectral de potência (Power Spectral Density - PSD) do sinal antes


e após o processo de filtragem é apresentada na Figura 19.

Figura 19 – Densidade espectral de potência do ECG antes do filtro, em azul, e após


filtrado, em laranja. Do lado superior direito apresenta-se um zoom nas
baixas frequências, onde visualiza-se a atuação do passa-altas.

Fonte: Da Autora (2020)

O sinal em azul representa a PSD do sinal antes da filtragem, nele é possível notar
alta energia em baixas frequências, decorrente da respiração ou movimentação entre eletrodo e
pele; alta energia em 60 Hz, decorrente do sinal da rede elétrica e o harmônico desse sinal em
120 Hz. Nota-se que após filtrados, esses sinais indesejados são eliminados, como pode ser
verificado pela curva em laranja. No canto superior direito da Figura 19, há um destaque para
as baixas frequências, em sua maioria, responsáveis pelo sinal elétrico cardíaco.
A Figura 20 apresenta a representação no domínio do tempo do sinal de um intervalo
de tempo do registro de um sinal de ECG obtido da base dados antes e após o processamento.

Figura 20 – Sinal de ECG. A Figura (a) apresenta o sinal de ECG sem processa-
mento, diretamente do banco de dados e (b) o sinal de ECG após a
aplicação dos filtros
(a) (b)

Fonte: Da Autora (2020)

Nota-se que os sinais indesejados presentes no ECG não processado da Figura 20a
foram eliminados e, como consequência, a informação desejada foi enfatizada, obtendo como
resultado o ECG filtrado da Figura 20b.
38

4.3 Detecção do Complexo QRS

O algoritmo utilizado para a detecção do complexo QRS é descrito por Hamilton e


Tompkins (1986). Esse algoritmo faz uma busca dos picos R dentro de cada complexo QRS e
sua implementação consiste de dois estágios: i) pré-processamento e ii) procura da onda R.
O primeiro estágio, representado na Figura 21, é responsável pelo pré-processamento
do sinal elétrico e consiste em quatro etapas, quais sejam: filtro passa-faixa, diferenciação,
quadratura e integração da janela móvel, que serão descritas a seguir.

Figura 21 – Estágio de pré-processamento do algoritmo de Hamilton e Tompkins.

Fonte: Da Autora (2020)

Na primeira etapa é necessário normalizar o sinal x[n] em ±1 além de aplicar um


filtro passa-faixas com frequência de passagem mínima de 5 Hz e máxima de 15 Hz. Como na
fase de remoção de artefatos, apresentada na Seção 4.2, as frequências abaixo de 5 Hz foram
eliminadas, projetou-se o filtro passa-baixas hL1 com as seguintes especificações: frequência
de passagem (fs ) de 15 Hz, frequência de rejeição de 25 Hz, ripple de até 1 dB na banda de
passagem e atenuação na banda de rejeição de 48,25 dB. A ordem do filtro foi definida em
337, menor ordem para atender aos critérios de atenuação. A Figura 22 apresenta a magnitude
da resposta em frequência do filtro implementado.

Figura 22 – Gabarito do projeto do filtro FIR passa-baixas (pontilhado) e magnitude


da resposta em frequência do filtro projetado (em azul).

Fonte: Da Autora (2020)


39

O resultado do processo de filtragem de x[n] normalizado por hL1 resultou no sinal


b[n].
A segunda etapa deste primeiro estágio compreende a derivação do sinal b[n],
representado em azul pontilhado na Figura 23, a fim de se enfatizar as alterações da linha de
base, resultando no sinal d[n] representado em laranja na Figura 23.

Figura 23 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, repre-


sentando a derivada

Fonte: Da Autora (2020)

Na terceira etapa, ressalta-se a energia instantânea do sinal elevando-o ao quadrado


(s[n] = d[n]2 ), enfatizando as amplitudes mais altas, sendo estas onde o pico R reside (Figura
24). Na Figura 24, em azul pontilhado está representada a derivada, d[n], e em laranja o
quadrado da derivada, s[n].

Figura 24 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, represen-


tando a energia instantânea. No canto superior esquerdo foi adicionado
um zoom na energia instantânea.

Fonte: Da Autora (2020)

A última etapa consiste na integração do sinal em uma janela móvel, dada por
n=0 s[n], em que N é determinado pelo número de amostras que corresponde a 80
PN
y[n] =
40

ms (Figura 25). A integração do sinal quadrado dentro de uma janela em movimento fornece
uma medida de como a energia é distribuída ao longo do tempo e ajuda na localização do pico
de interesse, esse sinal é representado como y[n].

Figura 25 – Etapa de pré-processamento algoritmo de Hamilton Tompkins, repre-


sentando a integração pela janela móvel

Fonte: Da Autora (2020)

O segundo estágio do algoritmo, responsável pela procura da onda R no sinal


original do ECG, determina janelas de busca definidas a partir de um limiar aplicado ao sinal da
energia distribuída. Para esse estágio, é necessário determinar um limiar, calculado como 80%
da média dos últimos 10 picos. Dentro de cada janela, busca-se o ponto máximo e determina-se
ali um possível pico R. Na Figura 26 é possível verificar em azul onde ocorrerá a busca.

Figura 26 – Janela de busca definida a partir dos passos anteriores, em azul (trace-
jado), e o sinal de ECG após a remoção dos artefatos, em laranja.

Fonte: Da Autora (2020)

Algumas regras devem ser obedecidas para a classificação do pico R, sendo elas:

a) como resultado das propriedades dos tecidos cardíacos, há um tempo mínimo necessário
para repolarização (branqueamento refratário) do tecido, sendo assim um pico não pode
41

ser detectado até que se passe pelo menos 200 ms. Caso isso ocorra este ponto não
corresponde a um pico e deverá ser desclassificado;

b) caso dentro de um certo período nenhum pico seja detectado, é necessário diminuir o
limiar escolhido;

Assim, conclui-se o processo de identificação dos batimentos cardíacos (Picos R)


do sinal de ECG em análise. Na Figura 27 é possível observar a detecção em um certo intervalo.

Figura 27 – Sinal de ECG filtrado, em azul, e os picos detectados, em laranja.

Fonte: Da Autora (2020)

4.3.1 Avaliação do detector QRS

Para avaliar o desempenho do detector de picos R implementado foram utilizadas


duas métricas: a primeira, em uma avaliação quantitativa, avalia a sensibilidade e o preditivo
positivo a partir dos verdadeiros positivos (VP), verdadeiros negativos (VN), falsos positivos
(FP) e falsos negativos (FN); a segunda, é uma analise qualitativa do comportamento do
detector com a base de dados a qual será feita a análise da variabilidade cardíaca.
A partir dos parâmetros VP, FP e FN adquiridos por meio das anotações, nos
referidos instantes, do banco de dados, é possível estimar parâmetros que caracterizem a
robustez do algoritmo. A sensibilidade (Equação 7), que corresponde à capacidade do teste
de identificar corretamente os verdadeiros positivos, e o preditivo positivo (Equação 8), que é
a probabilidade de um pico R avaliado e com resultado positivo ser realmente um complexo
QRS, foram utilizados para avaliar o desempenho do algoritmo.

VP
Sensitivity = .100 (7)
V P + FN

VP
P ositiveP redictivity = .100 (8)
V P + FP
42

O algoritmo de Hamilton e Tompkins (1986) possui uma sensibilidade prevista de


99, 3% dos complexos QRS (COSTA; GOVINDA; REGIS, 2016). Foram analisados 21 registros,
numerados a partir de 100, contendo anotações dos instantes onde cada pico R acontece; a
partir das anotações obtiveram-se os resultados individuais e a média dos mesmos que podem
ser visualizados na Tabela 2. Foram destacados os trechos de ECG que possuíram média
maior que a sensibilidade descrita na literatura, mostrando que o algoritmo foi implementado
corretamente.
Tabela 2 – Sensibilidade e preditivo positivo na base de dados physionet

Nº registro sensibilidade[%] preditivo positivo[%]


’100’ 99,96 99,96
’101’ 99,89 99,73
’103’ 99,95 100,00
’105’ 99,38 97,78
’106’ 99,80 99,85
’107’ 98,41 98,64
’108’ 71,98 82,78
’109’ 99,64 99,84
’111’ 99,62 99,67
’112’ 100,00 100,00
’113’ 100,00 100,00
’114’ 99,89 99,95
’115’ 99,95 100,00
’116’ 99,09 99,87
’117’ 100,00 100,00
’118’ 99,87 99,91
’119’ 100,00 100,00
’121’ 99,89 100,00
’122’ 99,96 99,96
’123’ 99,87 100,00
’124’ 98,15 98,45
média 98,35 98,88

Fonte: Da Autora (2020)

Como a maior parte dos trechos possuíram média superior à sensibilidade média
descrita na literatura, seguiu-se para a próxima métrica de desempenho, a qual consistiu em
submeter os sinais do banco de dados, retirado da pesquisa de Giassi et al. (2013), ao detector,
observando visualmente que se obteve uma boa resposta; então, seguiu-se para a análise da
variabilidade cardíaca em cima dos sinais RR provenientes destes sinais ECG.
Para a verificação qualitativa da detecção de picos nos sinais obtidos da pesquisa
de Giassi et al. (2013), aplicou-se a mesma técnica nos seis sinais em questão e visualmente
pode-se verificar que não houve falhas de detecção nestes sinais. A Figura 28 ilustra como
ocorreu a verificação visual.
43

Figura 28 – Análise qualitativa do comportamento do detector QRS.

Fonte: Da Autora (2020)

4.4 Variabilidade da frequência cardíaca (VFC)

Nas subseções a seguir, será apresentada a análise tempo-frequência da VFC. Para


isso serão utilizadas técnicas de processamento digital de sinais como Poincaré, FFT, PDS,
espectrograma e coerência.

4.4.1 Análise da VFC a partir de características temporais

A Figura 29 apresenta um exemplo de um sinal de ECG (em azul) com destaque


para os picor R (em laranja) utilizados para formar uma curva contendo os intervalos entre
batimentos, ou intervalos RR (em verde). Apresenta-se também um destaque no trecho entre
15 e 20 s, o qual é possível notar que o sinal RR está irregularmente amostrado.
44

Figura 29 – Curva RR de um sinal de ECG: Curva RR (asterisco verde), picos R


(círculos laranja) e sinal de ECG (linha azul). O eixo esquerdo representa
a unidade de amplitude da curva RR e o eixo da direita a unidade do
ECG e dos picos R.

Fonte: Da Autora (2020)

As Figuras 30 e 31 apresentam a curva RR e o Gráfico de Poincaré, respectivamente.


Os sub-gráficos de (a) a (f) em cada uma delas estão associados às seguintes situações
hemodinâmicas: (a) Corpo em repouso (deitado) com respiração aleatória; (b) Corpo em
repouso (deitado) com respiração rítmica com 12 respirações por minuto; (c) Corpo em repouso
(deitado) com respiração rítmica com 15 respirações por minuto; (d) Corpo na vertical (em
pé) com respiração aleatória; (e) Corpo na vertical (em pé) com respiração rítmica com 12
respirações por minuto; (f) Corpo na vertical (em pé) com respiração rítmica com 15 respirações
por minuto.

Figura 30 – Sinal RR: os pontos da curva RR (asterisco verde) e uma linha de união
direta formando o sinal RR (linha verde).

Fonte: Da Autora (2020)


45

Figura 31 – Dispersão de Poincaré nos registros de Giassi et al. (2013).

Fonte: Da Autora (2020)

Para uma análise qualitativa, é necessário observar o formato da figura geométrica


assumida no gráfico de Poincaré (Figura 31). A largura da figura formada pelo gráfico de
Poincaré está associada à ação do parassimpático, e o comprimento está associado à ação do
simpático e parassimpático.
A Tabela 3 apresenta os índices SD1, SD2 e a razão SD1/SD2 de cada uma das
situações hemodinâmicas.

Tabela 3 – Índices retirados do gráfico de Poincaré.

Código SD1 SD2 SD1/SD2


ECGDeitadoRand 0,0854 0,1467 0,5821
ECGDeitado12r 0,0788 0,1049 0,7512
ECGDeitado15r 0,0737 0,0952 0,7742
ECGEmP éRand 0,0380 0,1335 0,2846
ECGEmP é12r 0,0282 0,0709 0,3977
ECGEmP é15r 0,0305 0,0662 0,4607

Fonte: Da Autora (2020)

Na Figura 32 é possível visualizar em diagrama de barras os valores da Tabela 3.


46

Figura 32 – Diagrama de barras para os indices de dispersão de Poincaré.

Fonte: Da Autora (2020)

O índice SD1, que representa a atuação parassimpática, nas situações em que


o indivíduo apresenta-se deitado obtém um valor de pelo menos o dobro das situações em
que o indivíduo apresenta-se em pé. Esse comportamento era esperado, já que o sistema
parassimpático é mais ativo quando o corpo está em repouso. O índice SD2, que representa a
atuação simpática e parassimpática, não apresenta alterações significativas entre as situações.
Porém, este método não foi suficiente para verificar a influência da frequência respiratória a
partir do sinal RR.
Para reforçar os resultados obtidos pelo estudo de caso do indivíduo, utilizaram-se
registros da mesma base de dados de (GIASSI et al., 2013) o qual o voluntário foi submetido ao
uso de drogas bloqueadoras da atividade nervosa. Para o bloqueio da atividade parassimpática
o medicamento utilizado foi a atropina e para o bloqueio da atividade simpática o esmolol.
Utilizou-se apenas o trecho no qual o voluntário estava com a frequência respiratória aleatória.
Na Figura 33 observam-se os gráficos de Poincaré nos quais o voluntário, com
respiração aleatória, apresentava-se sem medicação e submetido a medicação esmolol e atropina,
respectivamente.
47

Figura 33 – Dispersão de Poincaré no registro do voluntário submetido à atropina

Fonte: Fonte: Da Autora (2020)

A Tabela 4 apresenta os índices SD1, SD2 nas situações: i) sem a utilização de


drogas (Controle); ii) com o bloqueio das atividades parassimpáticas (Atropina) e iii) com o
bloqueio das atividades simpáticas (Esmolol).

Tabela 4 – Índices retirados do gráfico de Poincaré. Comparação da utilização de


atropina e esmolol.

Código SD1 SD2


ECGDeitadoControle 0,0854 0,1467
ECGEmP éControle 0,0380 0,1335
ECGDeitadoAtropina 0,0091 0,2674
ECGEmP éAtropina 0,0018 0,0137
ECGDeitadoEsmolol 0,1078 0,2034
ECGEmP éEsmolol 0,0425 0,1131

Fonte: Da Autora (2020)

Com o bloqueio parassimpático (atropina), observa-se que a dispersão vertical


(SD1), responsável pela representação da atividade parassimpática, apresenta-se reduzida na
situação em que o voluntário apresenta-se deitado e em pé, isso já era esperado pois a atropina
bloqueia a atividade do sistema parassimpático. Já a dispersão horizontal (SD2), responsável
pela representação da atividade simpática e parassimpática, apresenta-se reduzido quando o
voluntário apresenta-se em pé. Como a atividade parassimpática está bloqueada, esse aumento
deve-se à atividade simpática, que como era esperado fica mais atuante quando o voluntário
apresenta-se em pé.
48

Com o voluntário medicado com o esmolol o sistema simpático apresenta-se


bloqueado, assim as duas dispersões evidenciaram a atividade parassimpática apresentando-se
maiores na situação em que o voluntário está deitado.

4.4.2 Análise da VFC no domínio da frequência

Com a intenção de complementar a análise para verificar a influência da frequência


respiratória no sinal RR, foi necessário recorrer à análise no domínio da frequência. Para isso,
fez-se uma interpolação cúbica no sinal RR, escolhendo uma frequência de amostragem de 20Hz.
Esta reamostragem foi necessária pois a FFT necessita de uma frequência de amostragem
constante.
Iniciou-se a análise com a aplicação da FFT nos sinais do indivíduo em questão. O
resultado pode ser visualizado na Figura 34.

Figura 34 – Magnitude da transformada Rápida de Fourier para os registros.

Fonte: Da Autora (2020)

Os sinais com respiração ritmada, como de 12 e 15 respirações por minuto, apre-


sentaram um pico na frequência referente à respiração, 0,2 Hz e 0,25 Hz respectivamente.
Os sinais com respiração aleatória apresentaram um espalhamento no domínio da frequência
entre 0 Hz e 0,3 Hz. Além disso, é possível observar maior amplitude em componentes de
frequências mais altas nas situações em que o indivíduo apresentava-se deitado; isso ocorre
porque, quando estamos deitados, o sistema parassimpático, responsável pelo controle dos
batimentos cardíacos, fica mais ativo que o sistema simpático. Com isso, é possível observar
que existe uma relação entre o sinal respiratório e a VFC.
49

Em seguida, agregou-se à pesquisa a PSD do mesmo sinal trazendo índices que


caracterizam o sistema autônomo. Na Figura 35 é possível verificar as PSDs para cada situação
hemodinâmica do paciente do registro estudado.

Figura 35 – Densidade espectral de potência para os registros.

Fonte: Da Autora (2020)

Com o cálculo da PSD dos sinais de ECG é possível obter os índices LF e HF. Na
Tabela 5 avalia-se quantitativamente as baixas frequências (Low Frequency - LF) que são
definidas entre 0,04 Hz e 0,15 Hz e que estão relacionadas à modulação conjunta simpática e
parassimpática e as altas frequências (High Frequency - HF) definidas entre 0,15 Hz e 0,4 Hz,
que está relacionada à modulação parassimpática da variabilidade cardíaca.

Tabela 5 – LF e HF da curva RR.

Código HF [×103 ] LF [×103 ]


ECGDeitadoRand 1960,856 3464,416
ECGDeitado12r 2607,297 605,493
ECGDeitado15r 1738,328 617,775
ECGEmP éRand 311,183 2589,795
ECGEmP é12r 404,260 421,761
ECGEmP é15r 306,558 247,948

Fonte: Da Autora (2020)

Na Figura 36 é possível visualizar o diagrama de barras dos valores da Tabela 5.


50

Figura 36 – Diagrama de barras para os índices HF e LF.

Fonte: Da Autora (2020)

Analisando os valores de LF e HF para cada situação, nota-se que o HF está


mais presente nas situações em que o voluntário apresenta-se deitado, corroborando com a
atividade parassimpática ser mais atuante quando em repouso. Os gráficos da FFT e PSD
se complementam, indicando que pode-se extrair dados do sistema parassimpático a partir
do sinal de ECG. Com as informações mostradas nessa seção pode-se inferir que o sistema
parassimpático, como por exemplo a frequência respiratória, está presente no sinal de ECG.
A Figura 37 apresenta a PSD do sinal RR adquirido a partir do sinal de ECG do
voluntário submetido ao bloqueio parassimpático (atropina) em laranja, e do voluntário sem o
uso de medicação (controle) em azul.

Figura 37 – Densidade espectral de potência com o uso de atropina.

Fonte: Da Autora (2020)


51

A Figura 38 apresenta a PSD do sinal RR adquirido a partir do sinal de ECG do


voluntário submetido ao bloqueio simpático (esmolol) em laranja e do voluntário sem o uso de
medicação (controle) em azul.
Figura 38 – Densidade espectral de potência com o uso de esmolol.

Fonte: Fonte: Da Autora (2020)

A Tabela 6 apresenta os índices LF e HF calculados a partir da PSD dos sinais com


bloqueio medicamentoso.
Tabela 6 – LF e HF da curva RR com uso de medicações bloqueadoras do sistema
nervoso

Código HF [×103 ] LF [×103 ]


ECGDeitadoAtropina 15,9375 29,5596
ECGEmP éAtropina 1,5208 2,8536
ECGDeitadoEsmolol 1746,2309 879,4448
ECGEmP éEsmolol 377,9553 1015,4696

Fonte: Da Autora (2020)

Na Figura 39 visualiza-se o diagrama de barras dos valores da Tabela 6.


52

Figura 39 – Diagrama de barras para os índices HF e LF com medicações inibidoras.

Fonte: Da Autora (2020)

É possível notar que o índice HF é reduzido nas situações em que o paciente


está submetido ao bloqueio parassimpático (atropina); isso confirma o estudo feito sem os
medicamentos, no qual visualizou-se a atuação do sistema parassimpático presente no sinal de
ECG. Pode-se verificar uma queda do LF em comparação à situação sem bloqueadores, tanto
no bloqueio do sistema parassimpático (atropina), como do sistema simpático (esmolol). Esse
comportamento era esperado, já que o índice LF está relacionado à modulação conjunta da
atividade simpática e parassimpática.
Após consolidado o estudo dos índices LF e HF com e sem medicamentos, retornou-
se aos registros sem a utilização de drogas para verificar se a amplitude presente nas frequências
respiratórias da PSD estava correlacionada com a atividade respiratória. Então, implementou-se
a coerência entre o gráfico RR e o sinal da respiração utilizando-se o registro do mesmo
indivíduo com a mesma base de tempo do sinal do ECG do indivíduo em questão de Giassi et
al. (2013). Na Figura 40 é possível verificar o sinal da respiração em escala ( Resp
1000
) e o plot do
sinal RR.

Figura 40 – Sinal no tempo da respiração e da curva RR.

Fonte: Da Autora (2020)


53

A coerência entre os dois sinais, mostrados na Figura 40, pode ser observada na
Figura 41.

Figura 41 – Coerência entre o sinal da respiração e o sinal RR proveniente do ECG.

Fonte: Da Autora (2020)

Quanto mais próximo de 100 , ou seja 1, mais semelhantes são os dois sinais.
Pode-se, assim, verificar que o sinal RR extraído do ECG e o sinal da respiração estão muito
correlacionados, reforçando que a amplitude encontrada na frequência respiratória do voluntário
deve-se à presença de componentes respiratórias no sinal de ECG.
A Figura 42 representa o comportamento das frequências ao longo do tempo,
nomeado espectrograma.

Figura 42 – Espectrograma dos sinais RR extraídos a partir dos registros retirados


de Giassi et al. (2013).

Fonte: Da Autora (2020)


54

Nota-se um espalhamento maior no caso da respiração aleatória, consolidando a


presença de componentes respiratórias no sinal de ECG após um processamento. Na posição
deitado, é possível verificar uma maior energia nas HF, assim como, em pé, verifica-se uma
maior energia nas LF.

4.5 Detecção de desordens no sinal de ECG

A técnica da transformada wavelet foi escolhida para identificar possíveis desordens,


como, por exemplo, as arritmias. Para isso, utilizou-se o banco de dados MIT-BIH Arrhythmia
Database e selecionou-se a amostra ’113’ para a detecção. Essa amostra corresponde a uma
gravação do sinal elétrico cardíaco de uma mulher de 24 anos que não utiliza medicamentos.
Esse registro foi utilizado, pois havia poucas variações de anotações, sendo todas as desordens
do tipo batimento prematuro atrial aberrante (APBs), que é um batimento atrial prematuro de
longa duração.
A Figura 43 apresenta o formato de onda de um APB, que será o formato que o
algoritmo buscará evidenciar.

Figura 43 – Exemplo de um batimento prematuro atrial aberrante marcado pela


letra ’a’.

Fonte: Da Autora (2020)

Com as anotações da base de dados, foi possível extrair a sensibilidade em 83, 33%,
e o preditivo positivo em 100%. O sinal, após a remoção de artefatos, foi convolvido com
a wavelet Coiflet9, conforme apresentado na Figura 12 (seção 2.2.3), ressaltando as curvas
semelhantes a si no sinal de ECG e atenuando as demais. Após isso, escolheu-se um limiar
para a detecção das desordens, dado pela Equação 9. Onde wavelet é a média do resultado
da transformada wavelet e max(wavelet)) é o valor máximo do sinal. Os valores acima deste
limiar foram considerados anomalias.

limiar = ((wavelet + max(wavelet))/2) ∗ 0, 9 (9)

Uma análise visual do comportamento do detector de desordens no sinal de ECG


foi realizada. A desordem detectada foi um APB, o qual foi identificado nas anotações da base
de dados com o caractere ’a’.
55

A Figura 44 mostra o o resultado da transformada wavelet, em azul; as detecções


obtidas, em laranja; e por fim, as anotações das APBs contidas na base de dados, em verde.

Figura 44 – Análise do comportamento do detector de desordens mostrando o re-


sultado da transformada wavelet e as detecções.

Fonte: Da Autora (2020)

Na Figura 45 mostra-se, com mais detalhamentos, a APB e a localização da sua


detecção. Em vermelho está a anotação da physionet que marca as APBs e em verde a detecção
por meio do algoritmo implementado.

Figura 45 – Mais detalhes de um dos APBs detectados.

Fonte: Da Autora (2020)

A partir da Figura 45, é possível verificar que as desordens detectadas e as anotações


da physionet não estão exatamente no mesmo instante de tempo. Isso ocorre porque a anotação
e a detecção ocorrem em pontos diferentes do mesmo complexo P-QRS-T; porém, a desordem
se dá ao longo daquele complexo. Sendo assim, adicionou-se um limiar para que dentro de um
determinado período de tempo a detecção seja considerada correta. Esse limiar é determinado
em 150 ms, sendo 75 ms antes da detecção e 75 ms após a mesma.
56

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando o alto número de mortes em decorrência de problemas cardíacos não


diagnosticados (World Health Organization, 2020), este trabalho teve por objetivo avaliar o
emprego de técnicas de PDS para auxiliar o prognóstico médico.
O objetivo geral do trabalho foi atingido, podendo-se, assim, colaborar para uma
melhor compreensão do ECG e suas características que podem ser analisadas a partir de técnicas
de PDS. Para isso, primeiramente compreendeu-se a fisiologia do sistema cardiovascular e
sua relação com a atividade elétrica e, a partir de bases de dados escolhidas para um melhor
entendimento do assunto, implementaram-se filtros e algoritmos para a posterior avaliação
da atividade regulatória do sistema nervoso central. Os códigos base implementados para
o desenvolvimento da pesquisa estão disponibilizados em <https://github.com/marianegri/
MariaNegri_TCC_code>.
Na intenção de que frequências ruidosas não interferissem nos estudos, implementaram-
se filtros digitais para a remoção das mesmas, resultando em um sinal de ECG limpo para os
estudos realizados em sequência. O algoritmo utilizado para a detecção do complexo QRS tem
uma taxa de acerto muito elevada e foi validado implementando-o e calculando sua sensibilidade,
comparando-a com a sensibilidade descrita na literatura.
A partir disso, pôde-se formar o gráfico da VFC e então avaliar sua ligação com
o sistema autônomo. Utilizando técnicas de PDS no domínio do tempo, pôde-se verificar o
balanço do sistema simpático, responsável por preparar o organismo para responder a situações
de estresse, e parassimpático, responsável por fazer o corpo retornar a um estado estável e de
calma. Foi possível encontrar essa informação do sistema autônomo no gráfico da VFC e nos
índices LF e HF calculados, percebendo-se que quando deitado o indivíduo apresentava-se com
o sistema parassimpático mais atuante, enquanto que, em pé, o sistema simpático aumentava
sua atuação.
Utilizando técnicas de PDS no domínio da frequência, no gráfico da VFC, foi
possível observar a ação parassimpática presente, tanto pela presença da frequência respiratória
na FFT do gráfico da VFC, como pela maior presença do sistema parassimpático representado
pelo índice HF na situação em que o indivíduo apresentava-se deitado.
Outra técnica de PDS que também foi utilizada para a obtenção de informações
caracteriza-se pelo uso da transformada wavelet para a busca de arritmias em um sinal de ECG.
Com a implementação da técnica em um registro foi possível visualizar e entender como a
transformada wavelet se relaciona com a busca por arritmias.
Por fim, pode-se dizer que o estudo para a extração de informações no sinal de ECG
evidenciou a importância da aplicação de PDS no mesmo para identificações de informações
acerca do funcionamento do coração. No entanto, o trabalho pode ser aprimorado para melhores
resultados das seguintes formas:
57

a) implementar as técnicas utilizadas neste trabalho em tempo real, para um acompanha-


mento da variabilidade da frequência cardíaca ou até de arritmias cardíacas;

b) criar uma base de dados para inferir a atividade parassimpática a partir das técnicas
estudadas neste trabalho;

c) utilizar a técnica de transformadas wavelets para a identificação de arritmias em uma


maior quantidade de dados para corroborar a qualidade da aplicação;

d) utilizar redes neurais para a identificação de arritmias.


58

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