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Uma contribuição que permitisse à medicina medir com mais rigor o grau de surdez de numerosos pacientes, pareceu oportuníssima ao Centro de Pesquisas
Lingüísticas "Sedes Sapientiae".
Assim foi prontamente acolhida a solicitação do médico Dr. Mauro Cândido de Sousa Dias, e depois, de Dr. Pedro Luiz Man-gabeira Albernaz, desejosos de conseguir
material eficiente para testes de logo-audiometria.
Interessando no trabalho as Estudantes de Letras, já motivadas para o espírito científico de pesquisas objetivas, foi possível colher mais de 1.500 frases da vida
familiar, cotidiana, na Cidade de São Paulo, do meio mais generalizado que é a classe média culta.
A transcrição em alfabeto fonético era necessária para que o levantamento se fizesse em têrmos de "som", e não de "letra". Todos sabemos o quanto a grafia é
convencional, mais ou menos em tôdas as línguas que conhecem escrita.
O som é mais importante que a letra. Língua é fenômeno de som, e muitos povos falaram sem jamais escrever.
Em geral a grafia começa por querer reproduzir o que se ouve. Não teria sido assim na fase, aliás, dita - "fonética" - do Português primitivo, arcaico? Depois, a
pronúncia evolui, porque depende do homem vivo, e tudo evolui na vida humana, por fôrça mesma da natureza. E a escrita vai se distanciando.
Quanto mais rica a literatura, tanto mais ela retém o sistema gráfico que a escola difunde e disciplina.
Temos atualmente o mesmo som sibilante, surdo, nos vocábulos: cidade, silêncio, saúde, êle disse, caça, sexta, etc. Cinco formas gráficas diversas para um único
som. E muitas outras divergências há entre a letra e a pronúncia.
Importava, pois, analísar a realidade fonética da Língua, libertando o espírito da coerção ortográfica. E assim foi feito.
Para dar idéia do material básico com que os pesquisadores trabalharam, seguem aqui algumas das frases que foram anotadas no período de observação das
conversas cotidianas.
"- Traga-me o jornal. - Onde está o meu casaco? - A situação política não está boa. - Telefonaram pra você. - O carro não está funcionando. - Mude o canal. - Desligue
a vitrola, por favor. - O almôço está na mesa. - O jôgo será no Pacaembu. - O filme foi ótimo. - Gosto dessa música. - Não se queixe tanto. - Cuide-se bem, querida. -
Amanhã chegarei pro jantar. - Conto com você pra ir ao cabelereiro. - Se a chuva não vier, estamos perdidos êste mês. - Hoje vou à Missa das dez. - Não sei como
arrumar tempo pra tudo isto. - Dê um jeito de mexer os pausinhos pra mim. - Não queira saber que confusão... - Consegui dez quilómetros com um litro de gasolina. -
Graças a Deus, o dólar baixou; creio que por pouco tempo. - Você pode me dar uma carona até a cidade? - Puxa! o trabalho foi de amargar. - Em casa, tudo bem,
obrigada. - Ontem foi um dia cansativo. - Preste atenção pra atravessar a rua. - Subiu o preço do ônibus, outra vez. - Veja se tem frango lá na cooperativa. - Nunca vi
coisa tão cacête! - Você já tomou café? - Espere, já vou indo. - Que frio tá fazendo hoje. - Viu como a situação está preta? - Ônibus lotadíssimo. - Faz meia hora que
te espero. - Até que a comida do hospital é bem feitinha. - Que vai fazer com isso? - Quer me passar o arroz? - Preciso ir ao dentista. - Sábado haverá festa no clube.
- Não falte à reunião. - Anda, já estamos atrasados. - Papai, me dá um dinheirinho. - Vou à Biblioteca. - Pegue o trôco. - No meu tempo não era assim. - Já estou
cansado do meu chefe. - O menino está impossível. - Depois te conto. - Quietos, que vou ouvir o futebol. - Gostei daquela menina. - Estou com dor de cabeça. - Agora
não tenho um minuto. - O dinheiro não dá pra nada. Etc".
I - PARA VOGAIS
Os solicitadores da pesquisa, com base num ensaio anterior, haviam lembrado que talvez devêssemos nos orientar por "jâmbicos" e "troqueus".
Impossível. Espondeus, jâmbicos, etc., pés da métrica latina, baseiam-se na "quantidade" da vogal, que a Língua Portuguêsa não possui.
Como a "quantidade" foi substituída pelo TIMBRE, que decorre da ressonância bucal, e que depende do grau de abertura da zona de articulação, (entre outros fatôres),
partimos da classificação mais habitual sob êsse ponto de vista.
Cabe esclarecer que aguardamos, da precisão de futuros laboratórios de Fonética, mais rigorosas informações.
Em gráfico:
II - PARA CONSOANTES
Foi tomado como eixo, o MODO E O PONTO DE ARTICULAÇÃO do português falado no Brasil, ou mais exatamente, em São Paulo, segundo o esquema e o gráfico
abaixo:
Os sons que estão repetidos, podem ter mais de um ponto de articulação.
segunda parte
Organização de listas:
I - Logátomos, isto é, monossílabos destituídos de significado, para medir timbre de vogais orais
II - Idem para vogais nasais.
III - Idem para focalizar os sons que predominaram, segundo a pesquisa.
IV - Logátomos para medir consoantes, constituídos independentemente da pesquisa.
V - Monossílabos da Língua Portuguêsa com som inicial baseado no resultado da pesquisa.
VI - Dissílabos paroxítonos para observar a audição de consoantes: 28 casos.
VII - Dissílabos paroxítonos para observar a audição de vogais: 9 casos.
VIII - Dissílabos oxítonos para observar consoantes: 28 casos.
IX - Dissílabos oxítonos para observar vogais: 9 casos.
RESULTADO DA PESQUISA
DITONGOS NASAIS
1.º - ãu - 286 vêzes (escrito "ão")
2.º - êi - 57 vêzes
3.º - üi - 35 vêzes
4.º - uã - 23 vêzes
5.º - ãi - 11 vêzes (escrito "ãe")
GRUPOS CONSONANTAIS
1.º - PR - 243 vêzes
2.º - TR - 98 vêzes
3.º - BR - 39 vêzes
4.º - FR - 52 vêzes
5.º - KR - 18 vêzes
6.º - GR - 16 vêzes
7.º - VR - 12 vêzes
8.º - BL - 9 vêzes
9.º - PL - 7 vêzes
10.º - DR - 6 vêzes
11.º - KL - 5 vêzes
12.º - GL - 2 vêzes
13.º - FL - 1 vêzes
LISTAS
6.13 - COM O SOM "ÃO" (Por ser muito usado, a maioria das possíveis combinações já existe na Língua com significado).
1 - bão grão pião
2 - fão trão tlão
3 - gão brão blão
4 - lão frão flão
5 - rão drão dlão
6 - zão krão klão
6.17 - COM GRUPOS VOCÁLICOS (ditongos) Nota - o ditongo "ão" foi tratado na lista n.º 13
1 - hai hau xai bou
2 - hei beu xei kou
3 - fai fau tai tou
4 - fei feu tei lou
5 - lai lau mai pou
6.18 - COM O SOM "CHE" (que pode ser escrito também com "X")
1 - chap chat chaf chak
2 - chep chet chef chek
3 - chip chit chif chik
4 - chop chot chof chok
5 - chop chut chof chuk
UODE + vogal UA - água, égua, quase, légua, régua, quadro, quarto, quanto
UODE + vogal UO - árduo, tríduo, quota, mútuo
UODE + vogal UE - guela, tênue
vogal + UODE AU - auto, causa, cauda, jaula, Paulo, Saulo, pausa, fauce
vogal + UODE OU - couve, cousa, louça, lousa, louva, pouco, pouso
12.4 - COM GRUPOS VOCÁLICOS, isto é, COM DITONGOS IODE + vogal (ditongo crescente)
UODE + vogal (ditongo decrescente)
IODE + vogal envie (que ela envie a carta hoje mesmo), adie (que Paulo adie o negócio para o próximo ano), abrevie, alivie, desvie, inicie
UODE + vogal instrua, destrua, construa
IMPORTÂNCIA DA FONÉTICA
Por várias razões, é fácil compreender o grande valor da ciência que estuda o som articulado.
a) É a base totalmente indispensável ao conhecimento da Lingüística. Tôdas as línguas do mundo dela necessitam, pois tôdas apresentam as mesmas características
gerais: - os homens falam, exprimindo raciocínios; êstes supõe o jôgo das idéias, relacionadas umas às outras e expresso por palavras. (Dizem que 500 permitem uma
conversa comum. Um dicionário comporta umas 30 mil. Enciclopédias chegam a 400 mil). Ora, as palavras são compostas de sons e a Fonética é a ciência dêsse
elemento inicial.
b) A Fonética explica em grande parte a evolução das línguas. Não se admite estudo de Filologia, no sentido de conhecimento do passado da língua, sem sólida base
dos fenômenos fonéticos. Os filhos não repetem de maneira absolutamente igual a pronúncia dos pais. De geração a geração, acentuam-se as diferenças. E com o
passar dos séculos, então! Do indo-europeu ao latim, teriam decorrido 2.000 anos; do latim ao português arcaico do século XII, 1.300 anos. Da, ao nosso linguajar
atual, setecentos anos... Daqui a dois, três séculos, quem saberia prever as modificações? Mas, haverá, sem dúvida, por questão, em parte, simplesmente, fonética.
c) Facilita o aprendizado de qualquer língua. Quem domina o teclado do piano, executa qualquer música. Já não disseram que o aparelho fonador do homem é "o
instrumento musical mais antigo e perfeito que se conhece", e que "a palavra vem a ser a música mais natural que já se ouviu?" (Nota: Irma Alicia Perazzo "Elementos
de Foniatria" 2.ª ed. Buenos Aires 1956, pg. 18). Aprender outra língua é adquirir novos hábitos articulatórios, e a Fonética pode ensinar a técnica das articulações.
d) Contribui para a correção de defeitos de pronúncia: rotacismo, lambdacismo, ceceísmo, zezeísmo, etc. Ajudará também no tratamento de afasias, como tartamudez
ou gagueira.
e) Favorece o desenvolvimento do "senso muscular", que leva a perceber o movimento dos músculos, mesmo sem ouvir a própria voz. Não seria um caminho para a
educação de surdos-mudos?
f) Presta auxílio à engenharia: os técnicos de transmissão sonora trabalham atualmente com lingüistas para a solução de problemas da linguagem oral, de modo a
aperfeiçoarem telefones, microfones, fonógrafos, alto-falantes, etc., pois interessa conhecer a acústica de nossas vogais, semivogais e consoantes.
g) E à Medicina? Não serão mais eficazes os testes de logo-audiometria, fundamentados em bases fonéticas?
Obs.: As listas que estão neste artigo não são pròpriamente os testes de logo-audiometria. Constituem apenas material que especialistas poderão selecionar e ordenar
de outra maneira, à luz dos resultados que obtiveram em sua utilização.