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Ebook

COMO DESENVOLVER
A SAÚDE EMOCIONAL
DE CRIANÇAS
E ADOLESCENTES?

1
Quem sou eu?

Atualmente, faço doutorado em Educação, sou


mãe de duas meninas (15 e 10 anos),
educadora há mais de 30 anos e uma mulher,
mãe, esposa e profissional.

Neste trabalho, abordo vários momentos em


que a vida me exigiu saúde emocional, mas
vejo que o meu diferencial está na vasta
experiência com pessoas, de várias classes
sociais, diferentes idades e de vários lugares
do Brasil.

A experiência obtida na prática cotidiana da


sala de aula e a inquietação para fazer com que crianças e adolescentes possam
resgatar suas potencialidades me motivaram na criação desse ebook.

Falar, ensinar e reivindicar sobre saúde emocional nas escolas e no ambiente


doméstico é necessário em um país como o Brasil, onde a educação pública de
qualidade é uma luta contra a desigualdade social.

Competências socioemocionais, saúde emocional e desenvolvimento pessoal


foram temas que eu estudei por uma motivação intrínseca, pois queria entender
algumas situações dentro das relações vividas dentro de escolas, com meus pares,
estudantes, além dos pais.

Portanto, sem mais delongas, lhe convido para um mergulho no desenvolvimento


das emoções de nossas crianças e adolescentes. Uma habilidade crucial para
criarmos adultos bem-sucedidos!

2
Prefácio

Quando pensamos em desenvolver saúde emocional nas escolas buscamos como


objetivo tornar jovens e adultos mais confiantes e conscientes de suas escolhas
de vida. Ao desenvolver a saúde mental no ambiente escolar, estamos impactando
positivamente tanto os alunos quanto suas famílias, propiciando um ambiente
saudável para toda comunidade educativa.

A educação emocional não pode parecer mais uma disciplina a ser ensinada, na
verdade essas habilidades podem ser melhor trabalhadas no dia a dia, quando a
atenção a elas está inserida na cultura educacional da escola. No âmbito familiar
este contato também pode ser explorado pois falar sobre as emoções é ampliar um
repertório de autoconhecimento sobre si e consequentemente sobre o outro.

Um ambiente acolhedor propicia a criança e ao jovem uma atenção e disposição


para a aprendizagem e para um bom relacionamento entre seus pares e
professores. Por nossa natureza somos seres sociais e buscamos contato com
outras pessoas, esse processo fica mais intenso na adolescência pois o sistema
de recompensa nesta fase reconhece as atividades em grupo como prazerosas.
Por isso, a importância de promover dinâmicas que estimulem a convivência
e habilidades de socialização. Com um bom ponto de partida e um trabalho
estruturado, não é tão difícil abrir caminho para que essas competências sejam
trabalhadas de forma natural no cotidiano escolar.

Aldenira Mota é uma entusiasta no mundo da educação, pois acredita na


importância no desenvolvimento de habilidades socioemocionais na esfera familiar
e escolar. Ao explorar este belo trabalho, ficou claro em seu relato que o caminho
da afetividade foi a chave conectiva para encontrar a individualidade de cada aluno
que passou por seu percurso. Acredito que sua vivência tenha sido uma grande
inspiração para os temas apresentados neste e-book, pois cada capítulo é um
convite para refletirmos sobre o desenvolvimento da saúde emocional como uma
cultura que perpassa por toda comunidade escolar.

Gisele Baptista
Psicóloga e Orientadora Educacional da Escola Sesc de Ensino Médio

3
Sumário

1. O que é Saúde Emocional?


Página 5

2. Por que as escolas precisam olhar para a Saúde Emocional de


seus alunos?
Página 10

3. Meu Relato (Aldenira Mota)


Página 15

4. Entrevista com Gisele Baptista, Psicóloga


Página 19

5. Formas de trabalhar a Saúde Emocional de uma criança ou


adolescente
Página 22

4
O QUE É
SAÚDE EMOCIONAL?

5
Para começar, quero convidar vocês para quebrar um tabu comigo. Vamos nessa?
Espero que sim porque eu sei que é um tema que nós, adultos, devemos tratar com
seriedade e empatia. Vamos falar sobre a necessidade da saúde emocional na vida
das crianças e adolescentes.

O tema ainda é visto como um guia de autoajuda e, muitas vezes, tratada com algo
inferior e desnecessário. Por isso, eu destaco: é tão importante quanto a saúde
física, pois nós somos seres emocionais e buscamos afeto, aprovação e aceitação
o tempo todo.

Depois da universalização da internet, o conhecimento é disponibilizado de


várias outras maneiras. Com isso, as pessoas não precisam só da formação
acadêmica para conhecer e se aprofundar em algum tema. Basta ter curiosidade
e autoconhecimento para saber suas necessidades e empatia com o que o
outro demanda. Isso se chama também propósito e motivação intrínseca, algo
fundamental para a aprendizagem!

De início, vou apresentar duas situações para exemplificar a importância da saúde


emocional, primeiramente nas escolas.

Situação 1
Uma professora, ao chegar pela manhã, na escola pública em que trabalha, vê o
aluno triste. Indo para a sala, ela pergunta o que aconteceu. Ele a abraça já aos
prantos e diz: “Minha mãe foi presa”.

Situação 2
Uma estudante, adolescente, começa o ano e no primeiro bimestre tira notas baixas
em Matemática. No segundo bimestre, ela vai fazer a prova novamente e fica tão
nervosa que dá um branco e começa a chorar sem saber se controlar. Quais os
motivos? Nem ela sabe identificar. O que o professor precisa fazer? E a família?
Como agir?

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Situação 3
Um filho chega para a mãe e diz: “Mãe, fulana terminou comigo e na outra semana já
estava namorando o meu melhor amigo! (que tinha viajado nas férias com ele) E eu
descobri por outras pessoas, ele não me contou e hoje vou para festa da Maria e ele
estará lá. Ele sabia que eu gostava dela.”

São momentos retirados das infinitas situações que enfrentei nos papéis que
exerço como estudante, mãe, professora, mas não são as únicas justificativas sobre
a necessidade de falar sobre saúde emocional. Existe um jeito certo de lidar? De
início, é importante buscar uma maneira dialógica que sempre tive na minha prática:
a observação, a escuta e o estudo.

O que é Saúde Emocional? De forma simples: é a capacidade de você saber


lidar com suas emoções, seus sentimentos e também compreendê-los no outro.
Outros termos utilizados para tratar esse assunto tem sido Inteligência Emocional
ou Habilidades Sócio Emocionais, que hoje é currículo, pois foi uma das habilidades
contempladas na Base Nacional Curricular Comum.

Podemos trazer dentro desse tema cinco tópicos:

Autoconhecimento: a capacidade de reconhecer e saber lidar com suas emoções,


valores, crenças e pensamentos;

Autocontrole: diferente do que foi dito por muitos anos, o autocontrole não é
sufocar o choro, ser frio ou imparcial. Ter autocontrole é identificar as suas
emoções, saber nomeá-las e ter o controle diante das situações adversas e
desafiadoras.

Empatia: é saber se colocar no lugar no outro e demostrar isso com ações, mesmo
que seja uma escuta atenta. Como diz a psicóloga Gisele Baptista, “é mergulhar
junto”;

Decisões Responsáveis: é compreender que as minhas atitudes/decisões


impactam na minha vida reforçando o papel da responsabilidade.

Habilidades Sociais: é ser capaz de se conectar com o outro e gerar boas conexões
em grupo respeitando as diferenças.

7
O objetivo da saúde emocional nas instituições é capacitar as crianças e
adolescentes e jovens para que eles saibam selecionar informações, ter senso
crítico na administração emocional delas, tomar decisões, resolver problemas de
maneira criativa e desenvolver suas emoções para conseguir trabalhar em grupo,
respeitando outros pontos de vista e o diferente. Eles precisam entender como
separar o sujeito e as atitudes dessa pessoa para poder agir com empatia, sem
preconceitos e julgamentos.

Nos três exemplos supracitados, há a necessidade de o adulto ter equilíbrio


emocional para saber mediar a criança e o adolescente, bem como as situações
apresentadas exigiam que eles soubessem lidar, acolher suas emoções e
sentimentos ou compreender os dos outros.

Por isso, os espaços educacionais precisam tratar esses temas sim de uma forma
séria e importante. É necessário auxiliar filhos e estudantes a saberem acolher
o diferente sabendo separar o sujeito e as atitudes deles para que isso não se
transforme em rótulos ou julgamentos, assim, afetando os relacionamentos, a
autoimagem e a autoestima das pessoas.

Para que isso aconteça, é necessário ter maturidade e autoconhecimento,


habilidades que pais e professores podem estimular, mediar e ensinar nas suas
práticas cotidianas. A escola é muitas vezes é o primeiro espaço de sociabilização
da criança. Ao sair de casa, do seu núcleo familiar, será a primeira vez que ela vai
encontrar diferentes crenças, valores, gostos e maneiras de enfrentar os problemas.

Por isso, entendemos que esse espaço é muito fértil para trabalhar as emoções.
É comum acharmos que desenvolver o campo emocional é tarefa da família, de
quem a criança recebe, em boa parte da sua infância, a formação. No entanto,
quando vai para a escola, os espaços educacionais se tornam também espaços
formadores de identidades, estimulam as capacidades da criança e vemos a
importância de se entender a escola como um ambiente de desenvolver as
habilidades cognitivas - que por muito tempo foram privilegiadas na escola e
formadas culturalmente - e as habilidades socioemocionais – aquelas que sempre
estiveram dentro da escolas e muitas vezes não foram tratadas como importantes,
pois eram entendidas como um papel das famílias, o que também é.

8
De acordo com estudos desenvolvidos pela ‘Organização para a Cooperação e
Desenvolvimento Econômico – OCDE’, saúde emocional é uma necessidade para o
mundo do trabalho e as profissões do século XXI.

Professores podem ter ou não o entendimento de tratar os problemas que se


apresentam nas relações dentro de sala de aula como material de ensino. De fato, é
um “conteúdo” já contemplado e faz parte do processo de ensino e aprendizagem.
Uma lei, por exemplo, poderia trazer clareza nessa intencionalidade. Mas, como o
paradigma da formação do professor por muitos anos foi outro, mais pautado no
conhecimento científico, pode ser que esses profissionais precisem de orientação.

9
POR QUE AS ESCOLAS
PRECISAM OLHAR PARA
A SAÚDE EMOCIONAL DE
SEUS ALUNOS?

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Aqui, é necessário explicar com base em pesquisas científicas.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) apresenta dados que nos ajudam a


entender a relevância da saúde emocional. Ao todo, de 10% a 20% das crianças e
adolescentes apresentam algum tipo de transtorno mental ou emocional. Sendo
assim, vemos que crianças confiantes e bem-aceitas no ambiente que vivem tem o
diálogo como forma de falar dos seus sentimentos e emoções. Portanto, são mais
abertas para o processo de aprendizagem e entendem que o erro faz parte desse
processo.

O último levantamento feito pelo Programa de Avaliação Internacional de


Estudantes (PISA, na sigla em inglês), em 2018, apresenta que, no Brasil, 56% dos
alunos analisados são ansiosos e tensos. É o país que ocupa o segundo lugar
de ansiosos para provas, mesmo tendo se preparado anteriormente à avaliação
e assim, há possibilidade de surgir problemas como síndrome de Burnout e
depressão infantil.

Na revista Sociedade, em 27 de abril de 2017, há a informação de que em 2016, a


Organização Mundial de Saúde alertava para o fato “de o suicídio ser a segunda
maior causa de morte de jovens entre os 15 e os 29 anos.” E no Brasil é a quarta
causa de mortes nessa faixa etária.

Infelizmente, por tabu, muitos pais e professores não entendiam os diversos


pedidos de ajuda que essas crianças e jovens demandavam na escola por
considerarem saúde emocional, coloquialmente expressando, uma “frescura”.
Ou por acharem que escola é lugar de aprender e não de falar de sentimentos e
emoções.

É uma crença construída socialmente e culturalmente, que gera falta de


autoconhecimento, frustação emocional dentre outros problemas. Com isso,
crianças e jovens têm sua saúde emocional tão afetadas a ponto de necessitarem
da ajuda de um especialista, de um profissional para tratar os distúrbios adquiridos
e, por vergonha ou preconceito, não vão se cuidar.

11
O Senso da Educação, divulgado em 2015, relativo à trajetória dos estudantes nas
universidades, apresenta um aumento significativo de 2010 a 2013 chegando a 43%
no número de desistência dos alunos matriculados.

Outra pesquisa realizada em 2015 pelo International Stress Mangement Association


(Isma Brasil) mostrou que chega em 63% os casos de insatisfação com o trabalho e
que são atribuídos à problemas de relacionamento.

Outro dado interessante a apresentar vem de uma reportagem no G1, em


18/09/2018, que apresentava o levantamento realizado pela Page Personnel, na
qual aponta que 90% dos colaboradores são desligados das empresas por conduta
inesperada ou inapropriada. Muitos têm um belo currículo, uma capacidade técnica
maravilhosa, mas, a forma de se relacionar com as pessoas, de resolver problemas,
de trabalhar em equipe não são as adequadas para os dias de hoje.

“87% das organizações demitem profissionais em razão de suas atitudes,


temperamento, falta de garra ou por problemas de relacionamento interpessoal.”
(revista Você S/A)

Em 2013, foi realizada uma pesquisa pela Catho com 50 mil profissionais. Nela,
vemos que o principal problema para demissão é a dificuldade de relacionamento
com o chefe, colegas, atrasos e faltas, ou seja: questões comportamentais.
Portanto, são dados que apontam os impactos futuros da falta de um
desenvolvimento emocional na vida de crianças a adolescentes.

Já a revista ÉPOCA¹ , com base nas palavras do psicólogo e educador australiano


Richard D. Robert, afirma que a educação emocional nas escolas proporciona
ganhos econômicos e menos gastos públicos, pois a probabilidade de um
estudante ser bem-sucedido e não se submeter a caminhos ilegais para ter uma
qualidade de vida é alta. Pois são alunos formados com identidade fortalecida,
autoestima, sonhos para conquistar, resiliência e autoconhecimento estruturado,
sabendo outras formas de resolver problemas.

Além disso, as taxas de evasão serão menores, pois o desempenho escolar melhora
e isso causará um impacto de longo prazo no próprio crescimento econômico do
país. E, claro, não basta realizar atividades pontuais, uma vez por semana, fazer
um “trabalhinho”, é ter como missão no projeto político pedagógico construído
coletivamente a educação cognitiva e emocional dando as duas o mesmo valor.

¹ http://escoladainteligencia.com.br/a-educacao-emocional-pode-gerar-uma-revolucao-social/

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Trabalhar a saúde emocional nas escolas não é ser médico, psicólogo ou psiquiatra,
mas sim desenvolver um trabalho preventivo que pode ser conduzido por qualquer
adulto que se envolva na educação de jovens e criança, ou seja, por toda a
comunidade escolar. Por isso, não entendo que a educação emocional precisa ser
uma matéria específica. Ela precisa estar entranhada na intencionalidade de todo
adulto que lida com crianças e jovens e que este saiba ouvir, acolher, questionar e
trazer a reflexão.

Isso cabe ao professor de filosofia, matemática, português, educação física e


etc. Mas, é fundamental que seja uma prática de toda a comunidade escolar, que
esta ação seja construída coletivamente e que pais, professores, coordenadores,
funcionários administrativos, da limpeza e gestores sejam parceiros uns dos outros.
É preciso valer o que chamamos de Projeto Político Pedagógico de uma escola.
Algo que também é lei, mas ainda pouco praticado nos cotidianos.

E vale lembrar: as habilidades socioemocionais estão descritas em lei


(Base Nacional Comum Curricular), mas isso é apenas um começo que não
necessariamente será cumprido e praticado nos cotidianos, pois, se os professores
e gestores de escolas são as pessoas que implementam a política com os
estudantes não estiverem convencidos da necessidade e não se sentirem seguros,
eles não irão implementar.

Os estudos da Ciência Política explicam: esses profissionais que lidam direto com
o público têm discricionariedade para decidir se implementam ou não e nessa hora,
entram em jogo suas crenças, valores e a própria formação, além da experiência de
vida, ou seja, a subjetividade faz parte do processo de implementação.

Para isso, se faz necessário uma mudança de paradigma na construção do


conhecimento escolar entendendo que não é mais uma matéria, mas sim mudança
na metodologia da maneira de ensinar, de se relacionar com o estudante e com o
conhecimento. É preciso investimento em formação para os educadores, além do
engajamento do professor para desenvolver a reflexão na sua prática cotidiana.
Escutar com empatia e valorizar a capacidade de transformação de todo e qualquer
ser humano.

13
É um argumento que pode ser defendido pela dissertação da estudiosa Marina
Meira de Oliveira (2017). O trabalho aponta para o quanto as crenças e valores dos
professores influenciam na entrega da política ao aluno, bem como interfere no
processo de aprendizagem.

Diante de tudo isso, é inegável que a educação precisa mudar, ampliar o seu modo
de pensar, agir e sentir. Ela precisa se integrar onde a emoção e a razão fazem
parte de um mesmo ser. É um ambiente para abrir para debates, no qual todo o
conhecimento adquirido se transforme em opiniões críticas, projetos e ações. As
atividades relacionais devem ser valorizadas e estimuladas. E, como podemos
perceber, o conhecimento acadêmico precisa estar respaldado pelo conhecimento
emocional e vice-versa. Eu só sou incrível se eu souber lidar comigo e com o outro.

14
MEU RELATO

15
Eu, Aldenira Mota, trabalho com educação desde 1988 e, diante de tudo que já vivi
dentro da escola, com meus pares de trabalho, pais, estudantes e gestores, comecei
a estudar sobre o tema. Minha iniciativa atual é ser uma profissional da educação
que acredita na potencialidade da saúde emocional na área.

Afirmo isso relatando a minha primeira experiência como educadora, ainda nem
formada no magistério, mas por uma necessidade e pela escassez de profissional,
no período de estágio, durante o primeiro ano do magistério. Fui convidada a
participar da equipe de professores da escola que estagiava e, por coincidência, era
a instituição que eu estudei quando criança. Trabalhei como professora na Rede
Municipal do Município de Ji-Paraná.

Nesta escola, me jogaram em uma turma de crianças repetentes por três anos
consecutivos. Quer saber como eram os estudantes? Bom, eles se batiam, se
xingavam, não respeitavam autoridade, não sabiam ler, escrever e, além disso,
tinham famílias cheias de problemas com drogas, violência e maus tratos.
Muitas vezes chegavam na escola com odores, sem a higiene adequada e quando
eu ia até a carteira deles para ajudar nas atividades, pegava os piolhos que desciam
pelas costas e tirava com minha mão.

Foi a minha prova de fogo, podem acreditar, mas, vejo que os valores que
perpassavam minha formação familiar e meu relacionamento com meus pais
contribuíram para que eu entrasse nessa missão tão importante que é a educação.
Minha mãe não sabia ler, mas, mesmo diante da sua dificuldade, trabalhava o dia
todo e nos levava de noite para uma paróquia local onde davam aulas. Víamos o
desejo daqueles adultos em aprender escrever e ler, a vergonha que minha mãe
tinha em não assinar o nome e, como nós aprendemos e ela não.

Meu pai tinha pouco estudo, mas era presente na escola e sempre nos apoiou e
incentivou nessa parte. Além disso, sempre tivemos uma relação de muito diálogo.
Com ele eu tinha liberdade para falar sobre tudo, era um bom ouvinte e um ótimo
negociador, fazia perguntas muito sábias, mas eu que tinha que responder.

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Todos os problemas que enfrentei na minha primeira escola de trabalho quase me
fizeram desistir. Chorei algumas vezes sim, porém, resolvi ir para a afetividade com
os alunos.

Fui querendo saber onde eles moravam (era uma cidade pequena). Eu os
acompanhava no caminho de casa, falava bom dia, perguntava o que eram as
marcas de machucados e queria entender o motivo de tanta agressividade por parte
de alguns ou tanta timidez em outros casos. Não foi fácil!

Dessa forma, consegui ler o perfil dos meus dois alunos mais agressivos, que se
batiam muito e muitas vezes se juntavam para bater em outros. Eram crianças
muito sofridas. Em um deles, o pai batia muito e quando chegava bêbado o marcava
com o cigarro. O outro acordava de madrugada para ir pegar a lavagem dos porcos
antes de ir para a escola. Também era uma vítima de violência doméstica por parte
do pai.

O menino chegava sujo na escola porque só tirava a roupa - que usava para buscar
a lavagem - e colocava o uniforme. O odor era motivo de muitos comentários entre
os colegas e isso gerava raiva e constrangimento no aluno.

Antes de eu assumir essa turma, já tinham passado três professoras que não
ficaram, mas, posso dizer que esse grupo de estudantes me fez entender que eu
tinha um propósito. São muitas lembranças felizes com esses alunos.
Posso afirmar que consegui construir o desejo de aprender em algumas crianças, o
respeito pelo colega e pelo educador. Consegui fazer a diferença na vida de alguns
e eles fizeram na minha.

Nesse mesmo ano, fiquei doente de caxumba e recebi a visita de três alunos. Eles
foram até a minha casa, se preocuparam e não queriam ir embora. Vocês podem
me perguntar: “E os pais? Eles não ficaram preocupados?” Acredito que não. Isso
era normal, pois nem a escola comentou. No dia dos professores recebi sabonete
Lux, frascos de perfume Tabu pela metade, batons usados. Eles queriam me
presentear, mas as condições eram outras.

Foi ali que aprendi que a afetividade, a intencionalidade, flexibilidade, escuta ativa e
a empatia caminham junto com a aprendizagem. Aprendi o quanto rótulos que nós
professores e gestores assumimos colaboram para o fracasso escolar. Foi aquela
experiência que me fez educar de forma dialógica, reflexiva, com flexibilidade e
afeto.

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Isso é saúde emocional e, hoje, com toda a ferramenta que eu tenho, sei que
posso ajudar muitos pais, professores e estudantes. Vale a pena investir na sua
saúde emocional e das crianças e jovens. Hoje eu sei, através da neurociência, que
podemos reprogramar crenças, estabelecer novos caminhos neurais e aprender
novos comportamentos e habilidades através de atividades que muitas vezes são
simples, mas que fazem toda diferença.

Agora, pais e professores nunca podemos esquecer que a saúde emocional é


transmitida por atitudes de exemplo, que o conhecimento cognitivo não é apartado
da vida. E que precisamos olhar, em primeiro lugar, também para a nossa saúde
emocional.

18
ENTREVISTA COM:
GISELE BAPTISTA,
PSICÓLOGA.

19
Para aprofundar o tema, convidei a psicóloga Gisele Baptista, que além dos estudos
e da atuação profissional na área de psicologia, atua como orientadora educacional
da Escola Sesc de Ensino Médio, no Rio de Janeiro.

Confira a entrevista:

1. Qual é o maior alerta que você faz para os pais que não estão preocupados
com a saúde emocional dos filhos? Existem dados alarmantes sobre crianças,
adolescentes e jovens adultos?

R: A saúde emocional envolve aspectos que necessitam de atenção e cuidado


familiar. Neste contexto, as aprendizagens de habilidades sociais estimulam
comportamentos em situações específicas aprendidas que são demonstrados
em determinados contextos sociais e necessários para interagir de maneira eficaz
com seus pares. No caso de crianças e adolescentes, as habilidades sociais são
consideradas um fator de desenvolvimento e atuam na prevenção de problemas
na infância e questões de saúde mental na vida adulta. Pesquisas apontam que
um estilo parental com elementos de negligência ou privação destas habilidades
podem contribuir para que as crianças e adolescentes apresentem dificuldades no
desenvolvimento psicossocial, com a possibilidade de apresentar problemas de
relacionamento social e aprendizagem. Dentro deste aspecto a OMS (1997) reforça
a importância de aplicar preventivamente programas fundamentados no modelo de
habilidades de vida, com foco em desenvolvimento de competências que indicam os
aspectos cognitivos, sociais e afetivos para a promoção de saúde mental.

2. Qual deve ser o papel da escola no desenvolvimento da construção de uma


saúde emocional nos alunos?

R: O papel da escola na construção da inteligência emocional é promover no


aluno o protagonismo sobre o próprio aprendizado para que se tornem cidadãos
mais empáticos para a vida em sociedade, compreendendo seus papéis e
responsabilidades em ambientes colaborativos. Uma das fontes motivacionais
do ensino e da aprendizagem está estabelecido no vínculo entre o professor e o
aluno. A afetividade é um fator que impulsiona a criança e o jovem na aderência de
atividades que estimulam a ampliação de repertórios comportamentais, com isso o
desenvolvimento de habilidades sócio emocionais na escola, atinge de forma positiva
toda comunidade escolar.

20
3. De qual maneira pais e alunos também podem ser afetados pela ausência de
uma saúde emocional?

R: Pais e alunos podem se beneficiar do aprendizado de habilidades fundamentais


como respeito, resolução de problemas e cooperação. Esses conceitos envolvem
expectativas básicas da convivência. Quando não há um olhar para a saúde
emocional no contexto familiar um sistema disfuncional pode ser afetado e podem
ocorrer problemas de convivência e invalidação de sentimentos.

4. Cite exemplos e atividades básica do cotidiano que podem fortalecer a saúde


emocional de pais, alunos e professores.

R: Promova situações que estimulem o contato com outras pessoas, por exemplo:
solicitar ajuda, expressar sentimentos de forma adequada, reconhecer o sentimento
em outras pessoas, estimular a colaboração em atividades que beneficiam causas e
valores pessoais.

5. Como a tecnologia se relaciona diretamente com esse problema?

R: A tecnologia é um meio e não uma finalidade, estamos vivendo um momento em


que estamos centrados em nós mesmos e utilizamos esse recurso para justificar
nosso afastamento. Buscar compreender qual vazio a tecnologia preenche pode
ser um ponto de partida para a reflexão de questões pessoais importantes. Prestar
atenção que nossas crianças e jovens ficam horas expostos as telas e não buscam
outros entretenimentos pode estar relacionada a forma descomprometida em que
lidamos com essa questão. Quando oferecemos um celular a uma criança, temos
que ter a responsabilidade de olhar para essa escolha. Supervisionar e educar dá
trabalho, mas é nossa função como pais e educadores. Com afeto e informação
podemos oferecer a melhor orientação para nossas crianças e jovens.

21
FORMAS DE TRABALHAR A
SAÚDE EMOCIONAL DE UMA
CRIANÇA OU ADOLESCENTE

22
Se pais, professores e gestores não entenderem que o desenvolvimento da saúde
emocional faz parte das necessidades de uma criança ou adolescente, o tema
estará restrito às leis sem implementação.

Por isso, quero dizer que faz-se necessário desenvolver uma nova cultura escolar
em que as habilidades socioemocionais sejam tão importantes quanto as
habilidades cognitivas.

Será muito importante os professores serem ouvidos para poderem falar da


sua insegurança, dúvidas e necessidades, bem como, faz-se necessário esse
profissional usar dos seus espaços políticos para fazer valer um Projeto Político
Pedagógico, construído coletivamente a partir da necessidade daquele espaço
escolar, dos estudantes e famílias que estão naquele contexto.

Se não for algo construído coletivamente, onde toda a comunidade escolar tenha
espaço de participação, isso não será possível.

Sendo assim, acredito que o melhor projeto, mentoria ou curso de formação só será
eficiente se for construído para cada realidade escolar, pois a escola é um espaço
vivo de relação e carrega em si suas idiossincrasias, peculiaridades, complexidades
e potencias. É necessário ter como foco a intencionalidade, flexibilidade, afetividade
e estar aberto para aprender, reaprender e desaprender.

Algo que parece simples, mas não é porque o novo sempre nos causa estranheza e,
se você já fazia, nunca percebeu em que momento fazia e por que motivo age de tal
forma.

Agora, eu, como forma de ajudar esse movimento de construção, deixo aqui
algumas dicas de atividades que já realizei em sala de aula e que deram bons
resultados, mas, digo, é uma dica, não uma fórmula, pois cada sala de aula, cada
escola, cada grupo de professores é único e precisa ser olhado dessa maneira. Sei
que são atividades que pedem adaptação e incentivo. Você, pai, mãe ou professor,
tenha ousadia! Faça a diferença!

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1. Incentive reflexão e pensamento crítico

Vejo que muitas atividades, como roda de debates, conversas e trabalhos em


grupos são tarefas que desenvolvem saúde emocional. Vamos aos exemplos².
Na escola, é eficiente que os alunos desenvolvam um trabalho sobre dependência
química ou qualquer outro tema que requer debate e conscientização na atualidade.
A tarefa é a mesma de sempre: pesquisar, ler e fazer um pequeno fichamento,
resumo, do material pesquisado.

A proposta de pesquisa temática e em grupo, sobre temas que refletem a


atualidade, abre várias possibilidades de troca onde eles podem refletir, pensar
e falar sobre o que estudaram, ouviram e sentiram ao se depararem com aquela
situação.

Com uma mediação adequada, um aluno que faz parte da realidade do tema pode
ser ajudado e até mesmo compartilhar sua história. Mas, se não houver a troca,
a atividade passa a ser apenas mais uma que cumpriu seu papel cognitivo e não
trabalhou questões sócio emocionais. Também é momento de ouvir, pois podem
surgir opiniões diferentes e cabe aqui desenvolver a escuta ativa e empatia.

Em casa, os pais precisam e deve trabalhar o diálogo a respeito de qualquer


assunto. Normalmente, existe a delicada questão onde os responsáveis julgam que
os filhos ainda não possuem idade para debater tal tema.

Mero engano, quanto mais um responsável adiar o debate de certas temáticas com
os filhos, mais ele buscará aprender sobre o assunto em outros meios.

2. Para crianças pequenas, divirta e ensine!

Com as crianças, não há outra maneira, a diversão precisa estar envolvida!


Aqui, sugiro uma atividade em específico, para ser aplicada em qualquer ambiente:
dê um espelho, peça que eles se olhem e façam diferentes caras e bocas. Será
um resultado divertido, mas internamente, todos estarão criando mais costume
e adaptação com a própria aparência. Uma atividade que, de forma inconsciente,
fortalece autoestima e autoaceitação.

² Muitas dessas atividades eu aprendi através de pesquisas realizadas por cientistas que eu
li em livros ao longo dos estudos; outras e adaptei a minha realidade e necessidade; outras
criei a partir de conceitos trazidos por pensadores/educadores/filósofos/Diretor de teatro
como: Paulo Freire, Brené Brown, Célestin Freinet, Jacques Ranciêre, Augusto Boal.

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Para a outra brincadeira que vou sugerir, indico utilizar um canudo esterilizado com
cada criança, preferencialmente ecológico. Se não tiver o material, pode adaptar e
utilizar algum de sua preferência, com o mesmo formato.

O ideal é dividir o grupo de crianças em três, mas se for fazer com uma
individualmente, transforme essa divisão em etapas. Feito isso, peça que o primeiro
grupo prenda o canudo entre os dentes, o segundo com os lábios, formando um
bico, e o terceiro com as mãos.

No resultado, cada um terá uma percepção diferente. Os participantes que


segurarem o objeto com os dentes terão uma experiência mais feliz e divertida,
enquanto os outros dois podem ter reações mistas.

É uma atividade que estuda as emoções e mostra como é possível enganar o


próprio cérebro para ser feliz. A hipótese do feedback facial.

A comprovação científica dessa tarefa vem diretamente dos anos 80³ e explica que
o movimento facial influencia a experiência emocional. Uma brincadeira para ajudar
qualquer pessoa na compreensão dos próprios sentimentos.

Outra dica bacana para ser feita com grupos de crianças é pedir que eles olhem no
olho do amigo e, sem dizer palavras, desejem coisas boas e abracem.

Por sinal, há outras maneiras de trabalhar qualidades. Aqui vai uma: peça que eles
digam as qualidades de um amigo todo dia e escrevam em uma folha na parede
da sala. Depois, basta pedir para as pessoas lerem em voz alta e perguntar quais
qualidades elas não reconheciam em si.

Faça isso com um grupo inteiro, é um exercício para aumentar a autoestima. Se for
um professor, já verá diferença no final dessa atividade.

³ Dados disponíveis em: https://amenteemaravilhosa.com.br/feedback-facial-enganar-cerebro/

4 Dados disponíveis em: https://www.gazetadopovo.com.br/viver-bem/comportamento/pro-


fessora-usa-experimento-para-provar-o-poder-positivo-e-negativo-das-palavras/

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3. O poder positivo das palavras

Aqui, deixo uma sugestão bem precisa para trabalhar com crianças e adolescentes,
tanto em casa quanto nas escolas. O experimento é de um cientista japonês
chamado Masaru Emoto.

Você pode utilizar uma maçã embrulhada no papel alumínio ou uma quantidade
exata de arroz cozido, dentro de um pote de vidro. Mas, é necessário ter de forma
duplicada, em duas quantidades, a maçã ou o arroz.

Feito isso, basta pedir que os envolvidos nas atividades depositem as palavras
negativas em um e coloquem as positivas no outro.

Quando eles fizerem a atividade demandada, basta selar os alimentos por algum
tempo (30 ou 60 dias). Ao abrir, o alimento que recebeu as palavras negativas
estará em péssimas condições, com podridão ou mofo.

Já o outro, que ganhou palavras positivas, estará em bom estado. É o que acontece
com o nosso corpo, quando exposto a críticas negativas e não construtivas.

De acordo com a explicação de Masaru Emoto , o pensamento do ser humano


gera uma emoção e reação bioquímica, que se manifestam no organismo de três
sistemas, pelo imunitário, nervoso central e endócrino.

Outras atividades para diversificar!

• Pense em assuntos complicados na escola e peça que o grupo de alunos traga em


soluções;

• Crie jogos colaborativos;

• Desenvolva atividades de monitoria onde um colega ajuda o outro ou colabora


com outra turma;

• Show de talentos;

• Meditação;

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• Trabalhar com imagens onde se dá círculos de vários tamanhos, focar em um
ponto e observar. Desenvolve a concentração!

• Assoprar uma bola de ping-pong com um canudo grosso para ficar calmo e
mostrar o quanto a respiração ajuda nos momentos de crise!

• Ajudar crianças e adolescentes a nomear o que eles sentem, em qualquer


situação.

Em sala de aula, eu já ousei e contei sobre mim. Pois é, meus medos, desafios,
histórias de vida, acontecimentos na escola...as crianças amavam e se
identificavam. Não tenha vergonha de se mostrar vulnerável.

As possibilidades são várias, sei que pais e professores, coletivamente,


encontram ideias, estratégias e farão da educação um espaço de inovação. A
troca é fundamental porque o entendimento é que os estudantes são de todos os
professores. O senso de pertencimento é fundamental.

Aqui, destaco também as técnicas do Teatro do Oprimido, em que os personagens


trazem um acontecimento vivido nas escolas e os alunos precisam resolver a
situação indo fazer os papéis dos personagens e encontrar a solução.

Fico aqui com gostinho de quero mais porque amo esse tema, mas, agora está com
você!

Compartilha, entra para essa rede e vamos juntas(os) construir um ambiente


melhor para nós e os estudantes. Sei que mais fortes emocionalmente saberemos
nos juntar para valorizar mais a saúde emocional de crianças e adolescentes e
reivindicar uma educação de qualidade.

Ah! E não pense que eu tenho uma visão romanceada da realidade. Eu já vivi muitas
experiências e situações. Sei do desafio que é implementar isso na prática, mas, se
eu não tiver esperança, como continuarei sendo educadora? É preciso acreditar e
agir.

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