Você está na página 1de 3

04/04/2022 - Bioética – estudo de caso 3: Eutanásia, suicídio assistido e testamento vital

“Só existem dois dias com menos de 24 horas em nossas vidas, que esperam como dois
parênteses que abrem e fecham nossa existência: um deles o comemoramos a cada ano, embora
seja o outro o que faz darmos valor à vida”.
Kathryn Mannix em With the End in Mind: Dying, Death and Wisdom in an Age of Denial

Frequentemente, quando as pessoas se deparam com a iminência da morte tendem a fazer


uma reflexão de como foi sua vida, do que acertaram, do que erraram e sem dúvida, do que fariam
diferente se tivessem uma segunda chance. Oliver Sacks (1933-2015), um famoso médico e escritor
anglo-americano de romances envolvendo Química e Neurociências, após ser diagnosticado com
câncer em metástase, voltou-se para si e relembrou de sua vida. Ele empregou esse tom
retrospectivo na sua última obra, intitulada Gratidão, de onde foram retirados os trechos a seguir:
“Beirando os oitenta, com esparsos problemas de saúde e cirurgias, nenhum deles
incapacitante, me sinto feliz por estar vivo — ‘Estou feliz por não estar morto!’ é uma frase que às
vezes irrompe lá dentro de mim quando o tempo está perfeito...
Faz nove anos que descobriram um tumor raro em um dos meus olhos, um melanoma
ocular. Radiação e aplicações a laser para remover o tumor acabaram me deixando cego daquele
olho. No entanto, embora os melanomas oculares apresentem metástase em talvez 50% dos
portadores, no meu caso, devido às suas particularidades, a probabilidade era muito menor. E eu
me insiro na desafortunada minoria. Sou grato porque me foram concedidos nove anos de boa
saúde e produtividade desde o primeiro diagnóstico, mas agora estou face a face com a morte. O
câncer ocupa um terço do meu fígado e, embora seja possível desacelerar seu avanço, esse tipo
específico não pode ser detido. Agora devo escolher como viver durante os meses que me restam.
Tenho de viver do modo mais rico, profundo e produtivo que puder. Encorajam-me as palavras de
um dos meus filósofos favoritos, David Hume, que, ao saber-se portador de uma doença mortal aos
65 anos, escreveu uma breve autobiografia em um único dia de abril de 1776. Intitulou-a ‘My Own
Life’...
Lamento ter perdido (e ainda perder) tanto tempo; lamento ser tão angustiantemente tímido
aos oitenta quanto era aos vinte; lamento não falar outra língua além da materna e não ter viajado
ou vivenciado outras culturas de modo tão produtivo quanto deveria. Sinto que precisaria tentar
concluir minha vida, seja o que for ‘concluir uma vida’. Alguns dos meus pacientes nonagenários
ou centenários dizem nunc dimittis — ‘Tive uma vida plena, agora estou pronto para ir’. Para
alguns deles, isso significa ir para o céu... Quanto a mim, não creio em (nem desejo) uma existência
1
após a morte, exceto na memória dos amigos e na esperança de que alguns dos meus livros ainda
possam ‘falar’ às pessoas depois que eu morrer.”
Estes trechos mostram a visão otimista que Sacks tinha do mundo. Apesar do relato das
metástases extensivas de seu câncer, aparentemente, sua qualidade de vida não havia sido
impactada de maneira definitiva. Mesmo perdendo a visão do olho acometido pela massa tumoral,
ele se manteve produtivo e um dos contos apresentados nessa obra da qual estes fragmentos foram
extraídos foi escrito semanas antes do óbito. Infelizmente, essa realidade não se aplica a outros
doentes terminais, que veem suas forças vitais se esvaindo por entre os dedos, pela perda
progressiva do controle de suas vidas e da qualidade delas. Deste modo, para esses pacientes viver
torna-se penoso demais, exige um controle físico e psíquico que eles já não possuem. Como diz
Sêneca (4 a.C.-65 d.C.), um famoso pensador romano, em sua obra Sobre a brevidade da vida /
Sobre a firmeza do sábio:
“Brevíssima e demasiado angustiosa é a vida daqueles que se esquecem do passado,
negligenciam o presente e temem o futuro.”. Pela situação limite com a qual os pacientes se
deparam, o passado é apenas uma vaga lembrança, o presente constitui uma realidade complexa
demais e o futuro é dolorosamente certo, a morte, muitas vezes em meio a dores e sofrimento.
Nesse contexto, as práticas de eutanásia e suicídio assistido - segundo os seus defensores -
representariam uma saída para essa vida, de certo modo, indigna. Qualquer uma dessas ações é
algo de natureza bastante polêmica e gera desconforto à grande maioria da população e à classe
médica, justamente porque para muitos a morte ainda é um tabu e, portanto, dispor da vida de
alguém seria um intento inimaginável. Quando o caso se aplica à vida de uma criança, o diálogo
de saberes médicos, religiosos, seculares ou de qualquer outro tipo se torna urgente e de uma
complexidade sem precedentes.
Há alguns anos, um caso dessa natureza surgiu no Reino Unido. A condição de um bebê
portador de um quadro clínico raríssimo, a síndrome da depleção do DNA mitocondrial, foi objeto
de discussão entre médicos britânicos e estrangeiros, pais, representantes do Estado e a sociedade
civil. Enquanto o Estado e a maioria dos médicos locais acreditavam que desligar os aparelhos seria
a melhor solução, os pais nutriam uma esperança de cura e para isso, contavam com apoio de
médicos norte-americanos, que sugeriram um procedimento experimental. A descrição do caso
encontra-se no portal do Fantástico no G1, disponível no link:
http://g1.globo.com/fantastico/noticia/2017/07/pais-lutam-para-deixarem-ligadas-maquinas-que-
mantem-filho-vivo.html. Leiam a matéria e assistam ao vídeo para terem mais informações sobre
o caso. Depois, postem a resposta das seguintes questões.

2
Com base nos conceitos apresentados nesse texto, na aula, no capítulo do livro base da
disciplina sobre Eutanásia e na matéria do G1 sobre o bebê britânico:

Você acredita que a prática deva ser liberada mundialmente? Sob que condições?
Você concorda que existe uma possibilidade da técnica ser utilizada nos dias de hoje como
uma ferramenta de higiene social, na qual os indesejáveis seriam eliminados, assim como a Grécia
e Roma Antigas ou na Alemanha nazista?
No caso do bebê britânico portador da síndrome de depleção do DNA mitocondrial,
infelizmente, pelo rápido avanço da doença enquanto o caso era discutido por todas as partes, não
foi possível tentar nenhum procedimento, nem mesmo experimental. Por isso, o bebê veio a óbito.
Você acredita que o melhor seria desligar os aparelhos com base no quadro clínico apresentado ou
eles deveriam ter tentado algo experimental, mesmo que fossem procedimentos obstinados que
trouxessem dor e sofrimento? Como ficariam os 6 princípios bioéticos – os 4 de Beauchamp e
Childress e os dois do Biodireito – nesse caso? O fato de crianças constituírem população
vulnerável muda a sua percepção da aplicabilidade da eutanásia? Elabore a sua resposta em no
máximo 45 linhas e submeta um arquivo pdf.
Empreender ações terapêuticas, às vezes obstinadas, faz parte do repertório de atividades
diárias de um médico atuando na área clínica, especialmente na emergência. A visão atual do cuidar
médico traz de forma bastante relevante o respeito à vontade do paciente, que pode ser
instrumentalizada por meio de um documento conhecido como Diretivas antecipadas de vontade
ou testamento vital. Ele afirma em que condições o paciente deseja ser tratado em caso de uma
ocorrência médica grave. Com base no que foi conversado/mostrado em aula, elabore o seu
testamento vital. Você escolhe se será válido em um país no qual eutanásia e suicídio assistido são
permitidos ou proibidos. Uma fonte interessante de consulta está disponível no link:
https://www.testamentovital.com.br/post/guia-para-manifestação-de-vontade-do-paciente-1. Este
site tem outras publicações e esclarecimentos sobre o tema.
Coloquem as respostas do caso e o testamento vital no mesmo arquivo.

Você também pode gostar