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12/01/2023 15:02 Problemas de Psicologia nas obras de Karl Marx

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Problemas de Psicologia nas


obras de Karl Marx
Sergei L. Rubinstein

1934

Primeira Edição: Artigo originalmente publicado na revista soviética Sovetskaya Psikhotekhnika,


em 1934.
Fonte: https://medium.com/katharsispodcast/rubinstein-marx-psicologia-16927974c17d
Tradução: Bruno Daniel Bianchi - a partir do original russo, intitulado Проблемы психологии в
трудах Карла Маркса, cotejando com a edição alemã, publicada como Problema der Psychologie
in den Arbeiten von Karl Marx na coletânea Probleme der Allgemeinen Psychologie (1981)
HTML: Fernando Araújo.
Direitos de Reprodução: licenciado sob uma Licença Creative Commons.

A psicologia não é uma das disciplinas, como a Economia Política, que foram
sistematicamente desenvolvidas por Marx. Não encontraremos, como é sabido,
nenhum tratado psicológico nas obras completas de Marx. Mas em seus vários
escritos, como se incidentalmente, esta mente genial dispersou uma série de
observações sobre várias questões da psicologia. Se pensarmos nestas
observações aparentemente díspares, torna-se claro que elas são um sistema de
ideias internamente coerente. Conforme seu conteúdo se desdobra, as
observações se fundem umas com as outras e se tornam um todo monolítico,
permeado pela unidade da visão de mundo de Marx que procede de seus
fundamentos.

Portanto, no campo da psicologia, Marx pode e deve agora ser tratado não
como um grande representante do passado, sujeito a estudos históricos e
comentários filológicos. Devemos nos aproximar dele como o mais
contemporâneo de nossos contemporâneos e confrontá-lo com os problemas
mais urgentes, sobre os quais o pensamento psicológico moderno se debate, a
fim de entender antes de tudo as respostas às questões centrais da psicologia
nas declarações de Marx tomadas à luz dos fundamentos gerais da metodologia
marxista-leninista, e quais as formas de desenvolvimento da psicologia por ele
delineadas.

Como se sabe, a psicologia estrangeira moderna está em crise. Esta crise,


que coincidiu com o período de desenvolvimento significativo da pesquisa
experimental, é, como a crise da física moderna, sobre a qual Lenin escreveu em
“Materialismo e empiriocriticismo”, uma crise metodológica. Reflete a luta
ideológica geral travada na ciência moderna e manifestada na crise dos
fundamentos metodológicos de várias disciplinas, começando com a matemática
moderna. Na psicologia, essa crise levou ao fato de que a psicologia se

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desintegrou em psicologias, e os psicólogos se dividiram em escolas que estão


em guerra entre si. A crise da psicologia tornou-se tão aguda e aberta que não
pôde ser ignorada por seus representantes mais importantes. [Muitos psicólogos
importantes observaram em seus trabalhos o caráter de crise do período vivido
pela psicologia. Também em congressos de psicólogos, esta questão foi
repetidamente “levantada”. No XII Congresso de Psicólogos Alemães em
Hamburgo (1931), K. Bühler, como presidente, salientou em seu discurso de
abertura que uma reflexão profunda sobre os fundamentos da psicologia havia se
tornado uma necessidade urgente (Relatório sobre o XII Congresso..., 1932, p.
3ss.). Anteriormente, em um livro dedicado especificamente à “crise da
psicologia”, ele havia enfatizado que a hora decisiva havia atingido a psicologia,
que ela havia entrado em crise, de cuja superação dependia todo o seu destino
futuro (Bühler 1929). No X Congresso Internacional de Psicologia em
Copenhague (em agosto de 1932), W. Köhler advertiu que “seremos
definitivamente atomizados se não encontrarmos os fios condutores da psicologia
num futuro próximo” (ver relatório de Walentiner, 1933)](1).

Sem aceitar a solução das principais problemáticas da crise moderna da


psicologia, que Bühler tentou dar em sua obra “A Crise da Psicologia” (“Die Krise
der Psychologie”), talvez possamos concordar com ele que a chave é que um
problema que se tornou particularmente agudo no conflito entre a psicologia
introspectiva, o behaviorismo e a chamada psicologia humanista. A tarefa deste
artigo, dedicado a Marx, não pode, evidentemente, incluir uma análise dessas
tendências, que, em sua especificidade, são formações históricas sujeitas a
estudo e análise históricos. A tarefa aqui é essencialmente diferente: revelar com
a máxima acuidade teórica os principais problemas da psicologia moderna, a fim
de esclarecer com toda a clareza possível, com base no estudo das afirmações
psicológicas de Marx, que solução para esses problemas-chave deve constituir a
base da construção da psicologia marxista-leninista.

O conceito dominante de psique, estabelecido pela psicologia introspectiva


tradicional, identifica a psique com os fenômenos da consciência; a tarefa da
psicologia, de acordo com essa corrente, é estudar os fenômenos da consciência
dentro dos limites da consciência individual à qual estão diretamente dados; o
ser do psiquismo se esgota com a sua vivência de consciência. Ao contrário de
todas as outras ciências, que revelam a essência dos fenômenos que estudam, a
psicologia, desse ponto de vista, está, pela própria natureza de seu objeto,
condenada a sempre permanecer na posição machiana de puro fenomenalismo.
De acordo com isso, as aparências coincidem com a essência (E. Husserl). Marx
observou que, se a essência interna das coisas e a forma externa de sua
manifestação coincidissem diretamente, qualquer ciência seria supérflua. Nesta
concepção, a psicologia se revela uma ciência supérflua que se propõe a
apresentar o que, de qualquer forma, é imediatamente dado.

Se analisarmos esta concepção, então em sua base, como sua posição


definidora, encontraremos o princípio de que o psiquismo é imediatamente dado.
A tarefa da introspecção como método consiste em isolar o psíquico de toda
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mediação objetiva. Esta é em essência uma tese radicalmente idealista: tudo o


que é material, externo, físico, é mediado pela consciência, pelo psíquico; mas o
psiquismo é uma realidade primordial e imediata. Em seu imediatismo, ele se
fecha no mundo interior e se transforma em uma propriedade puramente
pessoal. Cada sujeito recebe apenas os fenômenos de sua consciência, e os
fenômenos de sua consciência são dados apenas a ele. Eles são
fundamentalmente inacessíveis para outro observador. A possibilidade de
conhecimento objetivo da psique de outra pessoa, que só poderia ser mediado,
inevitavelmente desaparece. Mas, ao mesmo tempo - e esta é a raiz da questão -
o conhecimento objetivo da psique também se torna impossível do lado do
sujeito que a experimenta. Os únicos introspeccionistas extremos e, de fato,
consistentes argumentaram que os dados da introspecção são absolutamente
confiáveis.

Isso significa que não há instância capaz de refutá-los, o que é tão


verdadeiro quanto o fato de que não há instância capaz de confirmá-los. Se o
psiquismo é puro imediatismo, não determinado em seu próprio conteúdo por
mediações objetivas, então geralmente não há instância objetiva para verificar os
dados da introspecção. A possibilidade de verificação, que permite distinguir
conhecimento de crença, desaparece assim para a psicologia; é tão impossível
para o próprio sujeito quanto para um observador externo. Assim, a psicologia se
torna impossível como conhecimento objetivo, como ciência.

No entanto, este conceito de psique definiu todos os sistemas psicológicos,


incluindo aqueles fortemente hostis à psicologia introspectiva. Em sua luta contra
a consciência, os representantes do behaviorismo - americano e russo - sempre
procederam a partir da compreensão da consciência que foi estabelecida pelos
introspeccionistas. Toda a argumentação deles justifica a necessidade de excluir
a consciência da psicologia e de tornar o comportamento um assunto da ciência
psicológica, resumindo-se principalmente ao fato de que os fenômenos mentais,
ou fenômenos de consciência, são, em princípio, acessíveis a apenas um
observador; eles “não podem ser verificados objetivamente e, portanto, nunca
podem ser objeto de pesquisa científica” (ver J. B. Watson, Psikhologiya kak
nauka o povedenii, 1926, p. 1). Em última análise, esse argumento contra a
consciência se apoiava em um conceito introspeccionista de consciência. Em vez
de reconstruir o conceito introspeccionista de consciência para implementar uma
abordagem objetiva dos fenômenos mentais, o behaviorismo rejeitou a
consciência, porque o conceito de consciência que encontrou pronto em seus
oponentes, aceitou como algo imutável, como algo que você pode aceitar, ou
rejeitar, mas não mudar.

Procedendo precisamente desta concepção de psiquismo – criado pela


psicologia introspectiva – e, assim, demonstrando a unidade do idealismo e
mecanicismo, a psicologia comportamental chegou ao seu entendimento da
atividade humana como comportamento, como um conjunto de reações externas
aos estímulos ambientais.

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A primeira operação que o comportamentalismo realizou na atividade


humana concreta a fim de liberá-la de sua conexão com a consciência, que havia
sido retirada da psicologia e pela qual praticamente desistiu de seu objeto,
consistiu no fato de que a atividade do homem, concebida como uma totalidade
de reações externas aos estímulos ambientais externos, foi desligada do sujeito
atuante como uma personalidade histórica consciente, concreta. A psicologia
comportamental opôs a atividade à consciência divorciada da atividade -
comportamento divorciado da consciência.

E depois disso, inevitavelmente, uma segunda operação foi realizada na


mesma atividade. A atividade do homem, considerada como dependente apenas
de mecanismos fisiológicos, com a ajuda dos quais é realizada, também foi
libertada da conexão com os produtos desta atividade e com aquele ambiente no
qual é realizada. Como resultado, foi privada tanto do caráter social quanto do
conteúdo psicológico, e das esferas social e psicológica foi transferido
exclusivamente para as esferas fisiológicas.

Por meio dessa segunda operação - a separação da atividade dos produtos


ou resultados dessa atividade, na qual ela é realizada e graças à qual se torna
significativa - o comportamento executou uma operação na atividade humana
análoga àquela a que a psicologia introspectiva sujeitou a consciência humana.
Fechando a consciência de uma pessoa no mundo interior, a psicologia
introspectiva afastou-a não apenas da atividade objetiva, mas também isolou a
consciência dos vínculos com a ideologia que a mediam.

O antipsicologismo das correntes da filosofia idealista de Husserl e Rickert,


que contrastava externamente o lógico, o ideológico - na forma da ideia ou valor
- com o psicológico, ancorou assim a supressão das conexões objetivas do
psiquismo, que mediam psicologia com ideologia, realizadas pelas correntes
mecanicistas em psicologia. A “psicologia humanista” tentou transformar as
conexões semânticas dessa consciência com a ideologia, que foi excluída da
consciência, em um objeto autossuficiente e torná-la o sujeito da verdadeira
psicologia (der “eigentlichen Psychologie”) como uma ciência do espírito
subjetivo. Mas essas conexões semânticas (“Sinnbänder” de E. Spranger),
isoladas do sujeito psicofísico real, poderiam tão pouco ou menos se tornar um
sujeito de pleno direito de uma psicologia unificada, como a consciência da
psicologia introspectiva ou o comportamento dos behavioristas e reflexologistas.
Como resultado, a psicologia se viu diante de três construções abstratas,
produtos peculiares da decadência, resultantes do desmembramento da
consciência real e da atividade real de uma pessoa viva como personalidade
histórica concreta. A psicologia foi então confrontada com a tarefa de elevar-se
acima desses conceitos limitados em que a psicologia se desintegrou.

O primeiro caminho, que K. Bühler tentou pavimentar no Ocidente de uma


forma muito sutil (e que K. N. Kornilov tomou em um plano diferente em sua
tentativa de criar uma psicologia marxista) foi simplesmente chegar a uma
psicologia unificada como resultado da síntese das psicologias diferentes como

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aspectos complementares entre si. Bühler procurou combinar a abordagem do


objeto da psicologia introspectiva, da psicologia do behaviorismo e da psicologia
humanista, considerando-as como três aspectos de uma mesma disciplina da
psicologia. Esse caminho estava fadado ao fracasso antecipadamente. Isso
apenas leva à unificação do conceito idealista subjetivo de consciência com o
conceito mecanicista de atividade humana. Como resultado de tal união, nada
pode resultar dela senão um somatório dos erros cometidos pelas direções
sintetizadas - a combinação de um conceito insustentável de consciência com um
falso conceito de atividade humana e uma compreensão errada da relação entre
psicologia e ideologia.

A verdadeira tarefa, obviamente, não pode ser tal “síntese”, mas deve ser a
“luta em duas frentes”, não aceitando tudo o que é reconhecido em cada uma
dessas concepções, mas superando aquelas premissas comuns das quais
procedem todas essas teorias mutuamente hostis e sua hostilidade umas às
outras. É necessário não combinar o conceito de consciência da psicologia
introspectiva com o conceito comportamental de atividade humana etc., mas
superar esses conceitos, transformando a compreensão tanto da consciência
quanto da atividade humana, estabelecida em conceitos psicológicos que
determinaram a crise da psicologia moderna. O erro da psicologia introspectiva
não foi o de querer fazer da consciência o objeto da pesquisa psicológica, mas da
forma como ela concebeu a consciência, a psique do homem. O erro do
behaviorismo não foi que na sua psicologia se quisesse estudar uma pessoa em
sua atividade, mas sobretudo em como ela entendia essa atividade. E a ilusão da
psicologia humanista não está no reconhecimento da mediação da consciência
por sua relação com a cultura, com a ideologia, mas em como ela interpreta essa
atitude. Portanto, o caminho para superar a crise não pode consistir em rejeitar
totalmente a consciência, procedendo de uma falsa compreensão
introspeccionista da consciência e, como o behaviorismo, tentando construir uma
psicologia sem psique, ou, procedendo de uma falsa compreensão -
comportamental - da atividade humana, tentar – como a psicologia subjetiva da
consciência - construir uma psicologia sem levar em conta a atividade humana,
ou, finalmente, tentar corrigir o erro de uma falsa compreensão da consciência
adicionando a ela outro erro - uma falsa compreensão da atividade humana, etc.

Só pode haver uma maneira de resolver a crise, expressa na luta dessas


correntes: somente uma mudança radical na concepção da consciência e da
atividade do próprio homem, inseparavelmente ligada a uma nova concepção de
sua interrelação, pode levar a uma compreensão adequada do objeto da
psicologia. Este é precisamente - esta é nossa posição básica - o caminho que
está claramente indicado nas afirmações psicológicas de Marx. Elas claramente
delineiam uma interpretação diferente tanto da consciência quanto da atividade
humana, que fundamentalmente supera sua lacuna e cria a base para a
construção da psicologia marxista-leninista como uma “ciência real, plena de
conteúdo efetivo” (MARX, 2004, p. 111)(2).

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O ponto de partida dessa reestruturação é o conceito marxista de ação


humana. Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx, usando a
terminologia hegeliana, define a atividade humana como a objetivação do
sujeito, que ao mesmo tempo é a desobjetificação do objeto. “A grandeza da
‘Fenomenologia’ hegeliana e de seu resultado – a dialética, a negatividade
enquanto princípio motor e gerador – é que Hegel toma, por um lado, a
autoprodução do homem como um processo, a objetivação como desobjetivação,
como exteriorização e suprassunção dessa exteriorização; é que compreende a
essência do trabalho e concebe o homem objetivo, verdadeiro, porque homem
efetivo, como o resultado de seu próprio trabalho” (MARX, 2004, p. 123). Toda
atividade humana para Marx é a objetivação de si mesmo ou, em outras
palavras, o processo de revelação objetiva de suas “forças essenciais”. No
“Capital”, ele dirá simplesmente que no trabalho “o sujeito se transpõe ao
objeto”. Assim, a atividade não é uma reação a um estímulo externo, nem
mesmo o fazer, como uma operação externa de um sujeito sobre um objeto - é
“a transposição do sujeito para o objeto”. Mas isto fecha a relação não só entre o
sujeito e sua atividade, mas também a conexão entre a atividade e seus
produtos. A própria compreensão da atividade como objetivação já contém esse
pensamento: Marx o enfatiza quando, analisando o trabalho n’O Capital, diz que
“Atividade e objeto se interpenetram”. Na medida em que a atividade do homem
é sua objetivação [opredmechivanie], objetificação [ob’yektivirovaniye] ou a
transposição do sujeito para o objeto, a revelação de sua atividade, seus poderes
essenciais, incluindo seus sentidos, sua consciência nos objetos, a existência
objetiva da indústria é o livro aberto das forças essenciais humanas, a psicologia
humana presente sensivelmente. Portanto, “uma psicologia para a qual este
livro, portanto precisamente a parte mais presente e perceptível de modo
sensível, a parte mais acessível da história, está fechado, não pode[ndo] tornar-
se uma ciência real, plena de conteúdo efetivo” (MARX, 2004, p. 111).

Mas por trás da conexão fechada, portanto, que vai do sujeito ao objeto, na
atividade humana, outra dependência fundamental se revela imediatamente, que
vai do objeto ao sujeito. A objetivação ou objetificação não é a “transição para o
objeto” de um sujeito já acabado, dada independentemente da atividade, cuja
consciência é meramente projetada para fora. Na objetificação, no processo de
transição para um objeto, o próprio sujeito é formado. “É apenas pela riqueza
objetivamente desdobrada da essência humana que a riqueza da sensibilidade
humana subjetiva, que um ouvido musical, um olho para a beleza da forma, em
sua as fruições humanas todas se tornam sentidos capazes, sentidos que se
confirmam como forças essenciais humanas, em parte recém-cultivados, em
parte recém-engendrados. Pois não só os cinco sentidos, mas também os assim
chamados sentidos espirituais, os sentidos práticos (vontade, amor etc.), numa
palavra o sentido humano, a humanidade dos sentidos, vem a ser primeiramente
pela existência do seu objeto, pela natureza humanizada” (MARX, 2004, p. 110).
E ainda: “portanto, a objetivação da essência humana, tanto do ponto de vista
teórico quanto prático, é necessária tanto para fazer humanos os sentidos do
homem quanto para criar sentido humano correspondente à riqueza inteira do
ser humano e natural” (MARX, 2004, p. 110).
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Assim, ao se objetificar [ob’yektivirovaniye] e se moldar nos produtos de sua


própria atividade, o homem expressa seus próprios sentidos, sua consciência
(que ele “em parte expressa, em parte produz primeiro”) de acordo com a
maneira marcada pela conhecida formulação no “Capital”: “agindo sobre a
natureza externa e modificando-a, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria
natureza”. Não é por imersão nas incalculáveis profundezas do imediatismo, não
na inatividade, mas no trabalho, na própria atividade do homem de
transformação do mundo que sua consciência é formada.

Para finalmente delinear o pensamento de Marx e dissociá-lo do conceito


idealista de Hegel de sujeito autogerado, é necessário incluir outro elo essencial
nessa cadeia de raciocínio de Marx.

Quando me objetifico [ob’yektivirovaniye] em minha atividade, intervenho


assim no contexto objetivo de uma situação que é independente de mim e de
minha vontade. Eu entro, no processo de interpenetração da ação e do objeto,
em uma situação objetiva, socialmente determinada, e os resultados objetivos da
minha atividade são determinados pelas relações sociais objetivas nas quais eu
entrei: os produtos da minha atividade são os produtos da atividade social. “A
atividade e a fruição, assim como o seu conteúdo, são também os modos de
existência segundo a atividade social e a fruição social” (MARX, 2004, p. 106).

E isso se aplica não apenas à minha atividade prática em sentido estrito, mas
também à minha atividade teórica. Cada pensamento que formulei adquire um
significado objetivo, um sentido objetivo no uso social que adquire, dependendo
da situação objetiva em que foi formulado, e não dependendo apenas das
intenções e motivos subjetivos pelos quais procedi; os produtos da minha
atividade teórica, bem como os produtos da minha atividade prática, em seu
conteúdo objetivo, são produtos da atividade social: “a atividade social e a
fruição social de modo algum existem unicamente na forma de uma atividade
imediatamente comunitária e de uma fruição imediatamente comunitária”, isto é,
na atividade e no espírito que se expressa “imediatamente, em sociedade efetiva
com outros homens [...]. Posto que também sou cientificamente ativo etc., uma
atividade que raramente posso realizar em comunidade imediata com outros,
então sou ativo socialmente porque o sou enquanto homem”. (MARX, 2004, p.
107).

Assim, uma pessoa não é um sujeito autogerado hegeliano: se minha


consciência é formada em minha atividade por meio dos produtos dessa
atividade, ela é formada objetivamente por meio dos produtos da atividade
social. Minha consciência em sua essência interior é mediada por conexões
objetivas que se estabelecem na prática social e nas quais me associo, entro com
cada ato de minha atividade, prático e teórico. Cada ato de minha atividade, e eu
mesmo nela, está entrelaçado com milhares de fios, com diversas conexões
incluídas nas formações objetivas de uma cultura historicamente desenvolvida, e
minha consciência é mediada por meio delas.

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Este conceito central de Marx sobre a formação da psique humana no


processo de atividade, mediado pelos produtos dessa atividade, resolve o
problema-chave da psicologia moderna e abre o caminho para uma solução
fundamentalmente diferente para a questão de seu objeto do que fazem as
correntes conflitantes da psicologia moderna.

Em contraste com a concepção básica da psicologia introspectiva do


imediatismo do psiquismo (experiência direta como objeto da psicologia), Marx
formula com toda a clareza possível a tese da mediação objetiva da consciência.
De fato, “é apenas pela riqueza objetivamente desdobrada da essência” que se
obtém a riqueza da sensibilidade humana subjetiva. Essa ideia da mediação
objetiva da psique é realizada com grande consistência por Marx em todas as
suas afirmações psicológicas: para Marx, a linguagem é “a consciência real,
prática, que existe para os outros homens e que, portanto, também existe para
mim mesmo” (MARX e ENGELS, 2007, p. 34), “é somente mediante a relação
com Paulo como seu igual que Pedro se relaciona consigo mesmo como ser
humano” (MARX, 2013, p. 129), etc. Isso abre a possibilidade fundamental de
um estudo objetivo da psique. A psique não se apresenta apenas
subjetivamente, apenas de forma indireta mediada pela cognição; ela pode ser
conhecida diretamente através da atividade do homem e dos produtos desta
atividade, porque é objetivamente mediada por eles. Com base nesta concepção,
a introspecção per se não deve ser eliminada por completo, mas pode e deve ser
reconstruída. A psique, a consciência, pode se tornar o objeto da psicologia -
uma psicologia real e plena de conteúdo. A objetividade em psicologia é
alcançada não excluindo a psique, mas por uma transformação fundamental do
conceito de consciência humana e do conceito de atividade humana.

A análise de Marx da consciência humana e do trabalho na forma em que é o


bem exclusivo do homem revela com toda a clareza como essa reestruturação se
expressa, como ela muda radicalmente toda a situação, abrindo caminho para o
conhecimento objetivo do psiquismo.

As fórmulas básicas de Marx sobre a consciência são bem conhecidas. “Os


homens são os produtores de suas representações, de suas ideias e assim por
diante, mas os homens reais, ativos, tal como são condicionados por um
determinado desenvolvimento de suas forças produtivas e pelo intercâmbio que a
ele corresponde [...]. A consciência (das Bewußtsein) não pode jamais ser outra
coisa do que o ser consciente (das bewußte sein), e o ser dos homens é o seu
processo de vida real” (MARX e ENGELS, 2007, p. 94), isto é, a consciência como
um reflexo do ser - de acordo com a fórmula de Lenin. Ao lado desta primeira
formulação está uma segunda: “minha relação com meu ambiente é minha
consciência” (MARX e ENGELS, 2007, p. 35) onde, ao contrário do animal, que
não “se relaciona” com nada, a relação do homem com os outros é dada como
uma relação, e finalmente no contexto imediato da mesma: a linguagem é a
consciência prática, que existe para os outros homens e, portanto, também
existe para mim. Tomadas em sua relação interna e em conexão com o conceito
marxista de atividade humana como trabalho em uma forma que é propriedade

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exclusiva do homem, essas fórmulas definem completamente o conceito marxista


de consciência. A essência da consciência consiste no fato de que minha relação
com meu ambiente é dada como uma relação na consciência do próprio homem,
ou seja, a relação real do homem com o ambiente é mediada - através de seu
reflexo ideal, que se realiza na prática pela linguagem. A linguagem serve como
aquele plano no qual eu fixo o ser refletido por mim e no qual eu projeto minha
operação. Assim, o plano ideal está incluído entre a situação imediatamente
presente, que eu conheço, e a operação ou ação pela qual modifico o mundo.
Nesse sentido, a própria estrutura da ação é inevitavelmente diferente. O
surgimento de um plano ideal mediador liberta a ação da dependência exclusiva
da situação imediatamente presente. Graças a isso, o “homem consciente” se
distingue da natureza, como escreve Lenin, e se opõe ao mundo objetivo. O
homem deixa de ser escravo da situação imediata; suas ações, tornando-se
mediadas, podem ser determinadas não apenas pela estimulação proveniente da
situação imediatamente presente, mas por metas e objetivos que estão fora
dela: elas se tornam seletivas, direcionadas e obstinadas; são esses traços que
caracterizam a atividade humana em suas diferenças específicas do
comportamento animal. “O trabalho sob a forma de pertencer exclusivamente ao
ser humano” é marcado principalmente por duas características. “No final do
processo de trabalho, chega-se a um resultado que já estava presente na
representação do trabalhador no início do processo, portanto, um resultado que
já existia idealmente”: um plano ideal se insere na atividade real, mediando-a e,
nesse sentido, “não se limita a uma alteração da forma do elemento natural; ele
realiza neste último, ao mesmo tempo, seu objetivo, que ele sabe que
determina, como lei, o tipo e o modo de sua atividade e ao qual ele também tem
de subordinar sua vontade” (MARX, 2013, p. 256). A presença do nível ideal de
consciência está relacionada à mudança no caráter da própria atividade.

[Esta caracterização das formas especificamente humanas de consciência e


atividade em sua conexão recíproca interna encontrou uma brilhante confirmação
nos estudos experimentais em animais, bem como nas pesquisas sobre material
patológico. Nas investigações de W. Köhler sobre o intelecto dos macacos são
apontadas duas características que distinguem o animal mais próximo do
humano: 1. A falta de fala significativa, aquela função que K. Bühler chama de
“função de representação”, na presença de uma “fala” efetiva, movimentos e
sons expressivos, caracteriza o nível de “consciência”, 2. A dependência do
macaco, mesmo em suas operações mais inteligentes, da situação imediata
segundo a qual o animal é “escravo do campo de visão” caracteriza a natureza
de sua atividade. A conexão interna entre estes dois momentos não pode ser
negligenciada. Eles confirmam, por exemplos negativos, as relações recíprocas
reveladas na análise da consciência e do trabalho humano feita por Karl Marx.

Igualmente característicos neste aspecto são os novos estudos de distúrbios


da fala e do movimento - afasias e apraxias. [Em particular, a pesquisa de Head,
que acompanhou Jackson, e os estudos de Gelb e Goldstein demonstram a
conexão muito próxima e interna entre a possibilidade de transmitir a ação no
nível ideal, por meio de uma “forma simbólica”, e o caráter volitivo e proposital
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de atividade]. A ruptura da capacidade de formular um plano de ação e,


idealmente, mediar a própria atividade está associada à transformação da ação
em uma reação simples, que é apenas uma descarga mecânica, sob a influência
de um estímulo diretamente disponível; o homem se torna mais uma vez escravo
da situação imediata; cada ação sua está, por assim dizer, acorrentada a ela; ele
não está em posição de regulá-la de acordo com tarefas ou objetivos que estão
fora dela. O plano ideal é abandonado e o tipo e “modo de atividade” do homem
deixam de ser determinados “como por lei” por um objetivo consciente ao qual a
pessoa subordina sua vontade, ou seja, a forma de atividade que é propriedade
exclusiva do homem, é destruída. Esta conexão entre a peculiaridade da
consciência humana e a peculiaridade da atividade humana é positiva e
fundamentalmente apresentada por Marx na análise da consciência e do
trabalho.

Agora vale a pena comparar a relação entre consciência em sua concepção


introspectiva e o comportamento como um conjunto de reações por um lado, e a
relação entre trabalho e consciência em Marx, por outro. A relação entre os dois
primeiros é puramente externa; os segundos estão interrelacionados de forma a
abrir uma possibilidade real de iluminar, por assim dizer, a consciência do homem
por meio da análise de sua atividade, na qual a consciência é formada e
desenvolvida. Quando Marx determina a especificidade da consciência humana
como minha relação com meu ambiente, que me é dada indiretamente como
uma relação, ele determina a própria consciência, partindo daquelas mudanças
nas relações reais do homem com seu meio que estão ligadas à gênese e ao
desenvolvimento da consciência humana. Este é um ponto metodologicamente
decisivo.

Como uma condição prévia da forma especificamente humana de atividade -


o trabalho - a consciência humana também é, antes de tudo, seu resultado. Na
atividade voltada para a transformação do mundo externo, para a moldagem de
objetos, a consciência é formada em sua essência interior. Esta influência da
prática social, que penetra e forma a consciência humana desde dentro, é o
momento decisivo da concepção de Marx. Para verificar isso, bastam algumas
comparações. Bergson também enfatiza o papel da prática na formação da
inteligência; o intelecto é formado para as necessidades da prática a fim de
influenciar o mundo material externo. A partir desta tese, entretanto, Bergson,
como é bem conhecido, conclui que o intelecto não expressa a consciência em
sua essência interior, mas meramente reescreve os contornos da matéria em sua
divisão determinada pela influência prática sobre ela (ver especialmente
Bergson, Evolution creatice, 1911). O psicólogo e o filósofo devem, portanto,
romper essa casca externa, ir além do mundo material, e voltar novamente aos
“dados diretos da consciência”, pois a prática apenas reforma, e não forma o
mundo interno da consciência. A escola sociológica francesa de E. Durkheim
também apresentará a posição sobre a natureza social da consciência, mas a
partir dessa compreensão da consciência como uma formação social, alguns,
como Durkheim, Lévy-Bruhl, chegam à redução da psicologia à ideologia, outros
à surpreendente conclusão de que a consciência, precisamente por sua natureza
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social, é completamente inadequada à realidade psíquica (C. Blondel), de que a


consciência e a psique, a consciência e o campo da psicologia são
completamente externos e estranhos um ao outro (Wallon, Le
problemebiologique de la conscience, 1929).

Finalmente, Freud reconhece o “eu”, a consciência, em certo sentido, como


um produto social, mas novamente as forças motrizes internas do
desenvolvimento psicológico da personalidade estarão então na esfera do
inconsciente; entre o consciente e o inconsciente são estabelecidas relações
externas, que estão sob a influência das forças antagônicas da repressão.

Assim, para a concepção marxista-leninista, a superação da oposição entre o


social e o indivíduo, o externo e o interno, é decisiva. Isto se dá na concepção
básica da formação da essência interior da consciência humana no processo de
ação do homem sobre o mundo externo, no processo da práxis social, no qual
ação e objeto penetram um no outro e sujeito e consciência são formados
através dos produtos da práxis social.

A tese contém como um momento central a proposição da historicidade da


consciência. Formada no processo de prática social, ela se desenvolve
simultaneamente com esta prática. “Portanto, a consciência já é um produto
social e continuará sendo”, acrescenta Marx, “enquanto existirem homens”
(MARX e ENGELS, 2007, p. 35).

Às vezes encontramos a visão de que o reconhecimento da historicidade da


psique, mesmo o reconhecimento do ponto de vista genético em geral, é
específico da psicologia marxista-leninista. Certamente não é o caso. Sem
mencionar o ponto de vista genético, o reconhecimento do princípio do
desenvolvimento, que desde a época de Spencer em sua versão evolutiva tem
sido praticamente a ideia dominante da psicologia burguesa contemporânea, a
ideia básica da historicidade da consciência não é, como é bem conhecido, uma
característica específica e não é propriedade exclusiva da psicologia marxista. Por
isso, a essência da questão não é apenas em geral reconhecer a historicidade da
consciência, mas em como compreendê-la.

Os momentos decisivos emergem claramente ao comparar o conceito


marxista com o conceito de L. Levy-Bruhl. Levy-Bruhl também, como você sabe,
reconhece não apenas a reestruturação quantitativa, mas qualitativa da psique
no processo de desenvolvimento sócio-histórico, uma mudança não apenas no
conteúdo, mas também na forma ou estrutura. Ele considera esse
desenvolvimento histórico da consciência fundamentalmente impossível de
reduzir a fatores de ordem individual, mas o associa a mudanças nas formações
sociais. Assim, ele parece abordar esse problema dialeticamente, reconhecendo a
natureza social do processo de desenvolvimento psicológico. Porém, a própria
sociabilidade é reduzida por Levy-Bruhl à pura ideologia, à qual, por outro lado,
ele também reduz a psicologia. Para ele, as relações sociais se situam
principalmente no nível da consciência social. O ser social é essencialmente a
experiência socialmente organizada. Do comportamento social desaparece assim
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qualquer relação real com a natureza, com o mundo objetivo, e desaparece o


impacto real sobre ele pela prática humana.

De acordo com isso, no estudo do desenvolvimento histórico da psique,


aquelas formas de consciência que estão associadas à esfera da prática saem do
campo de visão do pesquisador, e apenas a ideologia, principalmente a mitologia
religiosa do período correspondente, permanece como as únicas fontes que
determinam a psicologia humana nos estágios iniciais do desenvolvimento sócio-
histórico. Com base apenas na ideologia, sem qualquer conexão com a prática,
Levy-Bruhl define a psicologia do “homem primitivo”. Como resultado, descobriu-
se que todo o seu pensamento é pré-lógico e místico, impenetrável à experiência
e insensível à contradição. Nos primeiros estágios do desenvolvimento sócio-
histórico, o homem também perde aqueles elementos de intelectualidade que W.
Köhler reconheceu em seus macacos quando usava ferramentas; falta-lhe
elementos - de qualquer tipo - de operações intelectuais, de pensamento que
reflitam objetivamente a realidade; portanto, ele essencialmente sai, mesmo
como um estágio inicial, do plano de desenvolvimento mental da humanidade;
não é a diferença qualitativa, mas a oposição total de duas estruturas que se
estabelece: é necessário deixar um para poder penetrar no outro. Qualquer
sucessão e não apenas a continuidade no desenvolvimento do pensamento é
quebrada: basicamente, o desenvolvimento se mostra impossível. E em relação
com essa universalização fundamentalmente incorreta e politicamente
reacionária das diferenças estabelecidas com base na comparação das formas
primitivas da ideologia com as formas do conhecimento científico moderno, o
principal, em relação ao qual deriva o misticismo ideológico, é colocado em
segundo plano: não o misticismo, mas um pragmatismo estreito das formas
primárias de pensamento, seu apego a situações concretas imediatamente
disponíveis, uma fraca estruturação do plano ideal.

Como resultado dessa interpretação idealista das relações sociais em termos


de consciência social, a compreensão das forças motrizes do desenvolvimento é
perdida. As formações sociais, que devem corresponder a várias estruturas
psicológicas, são elas próprias formações estáticas.

Os conceitos de Marx diferem desse conceito em sua própria essência. E a


principal diferença reside, é claro, no fato de que a sociabilidade, as relações
sociais das pessoas não se opõem à sua relação com a natureza. Elas não
excluem, mas incluem uma relação com a natureza. “O trabalho é, antes de
tudo, um processo entre o homem e a natureza” (MARX, 2013, p. 255). E ele
também é a principal categoria social. As relações sociais são, antes de tudo,
relações reais de produção entre pessoas que se desenvolvem no processo de
seu impacto na natureza. Somente uma compreensão correta da relação
estabelecida por Marx entre a natureza e a essência social do homem pode levar
a uma compreensão suficientemente profunda e fundamentalmente correta do
desenvolvimento histórico da psique.

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Marx formula seu ponto de vista sobre a relação do homem com a natureza
com total clareza. “O homem”, escreve Marx, “é imediatamente ser natural”
(MARX, 2004, p. 127), “o homem é o objeto imediato da ciência natural”, “a
natureza é o objeto imediato da ciência do homem. O primeiro objeto do homem
- o homem - é natureza”. E, portanto, “A história mesma é uma parte efetiva da
história natural, do devir da natureza até ao homem” (MARX, 2004, p. 112). Um
pré-requisito essencial para uma compreensão correta desse “devir da natureza
pelo homem” é a compreensão de Marx da “suprassunção” [Aufhebung], que
difere fundamentalmente de sua interpretação hegeliana. Sobre a compreensão
hegeliana de “suprassunção”, Marx diz que ela contém “a raiz do falso
positivismo de Hegel ou de seu criticismo apenas aparente” (MARX, 2004, p.
130) – aquele positivismo, que encontrou sua expressão teórica na tese “tudo o
que é real é razoável” e levou praticamente à justificação da realidade do estado
monárquico prussiano. A “suprassunção” em Hegel é uma operação puramente
ideal: a transição da forma inferior para uma superior está ligada à concepção
dialética desta forma inferior como “não-verdadeira”, imperfeita, como inferior.
Mas depois desta “suprassunção” a forma inferior, sobre a qual a superior foi
agora construída, permanece completamente imaculada no que era. “O homem
que reconheceu levar no direito, na política etc., uma vida exteriorizada, leva
nesta vida exteriorizada, enquanto tal, sua verdadeira vida humana” (MARX,
2004, p. 130). E assim, “depois da suprassunção, por exemplo, da religião,
depois do reconhecimento da religião como um produto da autoexteriorização,
encontra-se, não obstante, confirmado na religião como religião” (MARX, 2004,
p. 130).

Para Marx, a suprassunção não é apenas uma operação ideal, mas um


processo de verdadeira transformação; ela requer não “crítica” (um termo
favorito dos Jovens Hegelianos), mas revolução. No processo de
desenvolvimento, incluindo o desenvolvimento psicológico, o surgimento de
novas formas superiores está associado não com a consciência da inverdade e da
imperfeição das formas inferiores, mas com sua real reestruturação. O
desenvolvimento do homem não é, portanto, um processo de acrescentar o ser
social do homem à natureza, é um processo de “devir da natureza até ao
homem”. Este desenvolvimento se manifesta em “até que ponto a essência
humana veio a ser para o homem natureza ou a natureza essência humana do
homem” (MARX, 2004, p. 104), “até que ponto o comportamento natural do ser
humano se tornou humano, até que ponto a essência humana se tornou para ele
essência natural, até que ponto a sua natureza humana tornou-se para ele
natureza” (MARX, 2004, p. 105). No que diz respeito ao desenvolvimento
psicológico do homem, o desenvolvimento histórico da psique não se reduz à
superestrutura do “reino do espírito” sobre a sensibilidade e os instintos do ser
natural; não se limita ao fato de que “sentimentos espirituais superiores” são
construídos sobre instintos animais primitivos, e o homem pensante é construído
sobre “sentimentos grosseiros”. O processo de desenvolvimento é mais profundo;
ele captura todas as suas manifestações mais primitivas. Os instintos tornam-se
necessidades dos homens, que no processo de desenvolvimento histórico
tornam-se necessidades humanas.
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Os sentidos humanos se desenvolvem; eles estão envolvidos em todo o


processo de desenvolvimento histórico: “A formação dos cinco sentidos é um
trabalho de toda a história do mundo até aqui” (MARX, 2004, p. 110). E Marx
aponta de uma só vez qual é a principal essência desse desenvolvimento:
“imediatamente em sua práxis, os sentidos se tornaram teoréticos. Relacionam-
se com a coisa por querer a coisas, mas a coisa mesma é um comportamento
humano objetivo consigo própria e com o homem” (MARX, 2004, p. 109). Esta
observação de Marx expressa em uma breve formulação o fato fundamental e
mais significativo estabelecido pelas mais profundas pesquisas contemporâneas
sobre o desenvolvimento histórico da percepção: a libertação da percepção
absorvida pela ação, a transformação dos objetos situacionais da ação em
objetos constantes, e das formas superiores de percepção humana -
especialmente visual, tátil - em formas de consciência objetiva, “categórica”,
teórica, que é tanto o resultado quanto a condição de formas mais aperfeiçoadas
de atividade humana. [Uma comparação dos sentidos em níveis inferiores de
desenvolvimento, como o olfato, segundo as pesquisas de Henning, com as
formas superiores de percepção “categórica” na esfera visual no sentido de Gelb
e Goldstein, ou então uma comparação das percepções visuais dos animais,
mesmo dos macacos de Köhler (para os quais os objetos não retêm a
independência da situação real necessária para a livre escolha da ação), com a
percepção do homem revela todo o significado das observações de Marx. O maior
resultado do desenvolvimento dos próprios sentidos, que não foi alcançado em
todas as áreas, é realmente que “os sentidos se tornaram teoréticos”; para eles,
abre-se um “comportamento humano objetivo” “com a coisa por querer a
coisa”]. Esta é uma profunda transformação à qual os próprios sentidos estão
sujeitos no processo de desenvolvimento histórico. Ao mesmo tempo, Marx
enfatiza a historicidade deste processo, mostrando como, dependendo da
mudança das condições sócio-históricas, este comportamento “com a coisa por
querer a coisa” se perde. Quando um mineral se torna uma mercadoria, um valor
de troca, o olho humano deixa de ver a beleza de sua forma, deixa de se
relacionar com uma coisa por querer a coisa (MARX, 2004, p. 110).

Assim, tanto os sentidos como os instintos elementares - a psique humana


como um todo - estão envolvidos no processo de desenvolvimento histórico;
todas as áreas da consciência são transformadas; nem em todas as áreas a
reestruturação é uniforme: há áreas avançadas, há funções que historicamente
são reconstruídas mais rapidamente, há áreas atrasadas. A consciência não é
uma entidade plana: diferentes partes dela estão em diferentes estágios de
desenvolvimento; mas de todas as maneiras ela participa do processo de
desenvolvimento histórico. É exatamente como o processo do “devir da natureza
até ao homem” que o desenvolvimento psicológico do homem deve ser
compreendido; somente deste ponto de vista o problema do desenvolvimento
psicológico pode e deve receber uma interpretação realmente profunda e radical.

Revelando o processo de desenvolvimento como evolução e mudança da


própria natureza do homem, sobretudo sua natureza psicológica, Marx revela a
condicionalidade sócio-histórica desse processo. Ele mostra muito concretamente
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como as várias formas de divisão do trabalho reconstroem as habilidades


psicológicas de uma pessoa, como a propriedade privada distorce e devasta a
psique humana. Neste conceito de desenvolvimento, a teoria revolucionária
conduz naturalmente à prática revolucionária. Da percepção da dependência da
natureza psíquica do homem em relação às formas de sociedade que a distorcem
e dificultam seu pleno desenvolvimento, surgem inevitavelmente as exigências
de uma transformação dessas condições sociais. As referências tão frequentes na
ciência burguesa à suposta natureza imutável do homem para justificar a
imutabilidade da ordem existente, que na realidade determina essa “natureza”,
revelam-se incorretas. O conceito superficialmente idealista de uma mudança de
consciência como uma simples mudança de opiniões e ideias, que se dá de forma
autogênica e é o motor do processo histórico, também desmorona. Somente na
transformação real da prática social - transformação no sentido mais verdadeiro
da palavra -, no difícil processo de formação e luta, cheio de contradições
internas, a consciência humana se reconstrói em sua essência interior. Todas as
exigências politicamente agudas que a prática da construção socialista nos coloca
- mudar a consciência dos homens, superar os resquícios do capitalismo não
apenas na economia, mas também na consciência dos homens - todas têm como
base teórica esta concepção, originada de Marx, do desenvolvimento histórico da
consciência sob a influência da prática social transformadora. E por outro lado, a
consciência, que é o resultado do desenvolvimento histórico, é ao mesmo tempo
a condição prévia do desenvolvimento histórico como seu componente
dependente, mas ainda assim essencial.

“A consciência humana não apenas reflete o mundo objetivo, mas também o


cria”, escreveu Lenin. A mudança de consciência - tanto de seu conteúdo quanto
de sua forma em seu contexto inseparável - não é de forma alguma um
componente insignificante do processo histórico: é tão pouco um epifenômeno do
processo sócio-histórico, como também do processo fisiológico.

O ser determina a consciência. Mas mudanças na consciência, determinadas


por mudanças no próprio ser, por sua vez, significam mudanças nas condições
em que a determinação das atividades das pessoas é realizada ao determiná-las
- em grande medida mediadas por sua consciência - por fatores objetivos. O
problema da espontaneidade e da consciência de Lenin (ver Lenin, V.I., O que
Fazer?, 1959, p. 383.) vai naturalmente além da estrutura da psicologia, mas a
transição da espontaneidade para a consciência inclui, ao mesmo tempo, uma
profunda alteração da psique humana.

Em uma conexão inextricável com todo esse sistema de ideias psicológicas


de Marx, como um de seus elos centrais, surge a interpretação de Marx do
problema da personalidade. Em conexão com a crise da psicologia burguesa, o
problema da personalidade foi um dos mais controversos. A psicologia
essencialmente perdeu completamente de vista a personalização. A psicologia
introspectiva, que limita o problema psicológico a uma análise dos fenômenos de
consciência, era fundamentalmente incapaz de colocar este problema da maneira
correta. O behaviorismo, que reduz a atividade humana à totalidade de

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habilidades sobrepostas ou encadeadas mecanicamente, acabou por aplicar ao


comportamento a mesma metodologia analítica, mecânica e sumativa que a
psicologia introspectiva aplicou à consciência. Cada uma dessas concepções
psicológicas dividiu a personalidade, primeiro separando sua consciência de sua
atividade, e depois dividindo a consciência em inúmeras funções e processos e
comportamento em habilidades ou reações individuais.

Atualmente, a ideia de personalidade ocupa um dos lugares centrais da


psicologia, mas sua interpretação é determinada pela “psicologia profunda” do
sentido freudiano ou ultimamente determinado pelo personalismo de W. Stern,
que vem atraindo cada vez mais atenção, o que lhe confere uma posição
fundamentalmente estranha e irreconciliável com a que encontramos em K.
Marx. E profundamente sintomático para o estado da psicologia na URSS é o fato
de que nossa psicologia - uma psicologia que quer ser marxista - não percebeu a
importância e o lugar do problema da personalidade; em seu tratamento
episódico, entretanto, apenas as ideias freudiano-adlerianas e sternianas
encontraram expressão naqueles poucos autores que não passaram por ela.

Enquanto isso, no sistema da psicologia marxista-leninista, o problema da


personalidade deveria ocupar um dos lugares centrais e, é claro, receber uma
interpretação completamente diferente. Sem ligação com a personalidade, é
impossível compreender o desenvolvimento psicológico, porque “os homens, ao
desenvolverem sua produção e seu intercâmbio materiais, transformam também,
com esta sua realidade, seu pensar e os produtos de seu pensar” (MARX e
ENGELS, 2007, p. 94).

As formas de consciência não se desenvolvem por si mesmas - na ordem da


autogênese, mas como atributos ou funções do todo real a que pertencem. Fora
da personalidade, a interpretação da consciência só poderia ser idealista. Essa
forma de consideração, que parte da consciência, é contraposta por Marx com
outra, que corresponde à vida real, na qual “parte-se dos próprios indivíduos
reais, vivos, e se considera a consciência apenas como sua consciência” (MARX e
ENGELS, 2007, p. 94).

Assim, a psicologia marxista não pode ser reduzida a uma análise de


processos e funções impessoais alienados da personalidade. Esses processos ou
funções são, para Marx, os “órgãos da sua individualidade”. “O homem”, escreve
Marx, “se apropria da sua essência omnilateral de uma maneira omnilateral,
portanto como um homem total. Isto envolve cada uma das suas “relações
humanas com o mundo, ver, ouvir, cheirar, degustar, sentir, pensar, intuir,
perceber, querer, ser ativo, amar, enfim todos os órgãos da sua individualidade.”
(MARX, 2004, p. 108).

Sem esta concepção, a tese fundamental da concepção marxista, segundo a


qual a consciência do homem é um produto social e seu psiquismo é socialmente
determinado, não seria realizável. As relações sociais são relações nas quais
entram não sentidos separados ou processos psicológicos, mas um homem, uma

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personalidade. A influência determinante das relações sociais de trabalho na


formação da psique é realizada apenas indiretamente por meio da personalidade.

Mas a inclusão do problema da personalidade nas problemáticas psicológicas,


é claro, em nenhum caso deve significar sua psicologização. A personalidade não
é idêntica à consciência ou à autoconsciência [Selbstbewußtsein]. Essa
identificação, realizada na psicologia da consciência, visto que geralmente
colocava o problema da personalidade por si mesma é, para Marx,
evidentemente inaceitável.

Analisando os erros da Fenomenologia de Hegel, Marx observa entre eles que


também para Hegel o sujeito é sempre consciência ou autoconsciência, ou,
melhor, o objeto sempre aparece apenas como consciência abstrata. Porém, por
não ser idêntico à personalidade, a consciência e a autoconsciência são
essenciais para a personalidade.

A personalidade só existe quando ela tem consciência: suas relações com


outras pessoas devem ser dadas a ele como relações. A consciência, sendo uma
propriedade da matéria, que pode e não pode ter consciência (o marxismo não é
panpsiquismo!), é uma qualidade da personalidade humana, sem a qual ela não
seria o que é.

Mas a essência da personalidade é a totalidade das relações sociais.

[Trendelenburg (Zur Geschichte des Wortes “Person”, 1908) descobriu em


um artigo de pesquisa especial dedicado à história da palavra persona que a
palavra latina persona, da qual o termo personalidade deriva na maioria das
línguas da Europa Ocidental e que é emprestado dos etruscos, era usada pelos
romanos no contexto de persona patris, regis, accusatoris e, portanto, não
marcava uma individualidade concreta, mas uma função social exercida por uma
pessoa.] Com referência a esta pesquisa de Trendelenburg, K. Bühler observa
que o significado desta palavra mudou hoje: não designa uma função social do
homem, mas seu ser interior (natureza), e ele se pergunta em que medida é
razoável, com base em como um homem desempenha sua função social, concluir
sobre sua essência interior. Aqui, para Bühler, a essência interna da
personalidade e suas relações sociais revelam-se externas umas às outras, e o
termo “personalidade” significa uma ou outra; a personalidade entra em certas
relações sociais e as abandona, colocando-as e retirando-as como máscaras
(significado original da palavra etrusca, da qual se origina o termo persona); não
define o rosto da pessoa, sua essência interior. Uma série de funções sociais, que
o homem tem que desempenhar na sociedade civil, permanecem externas à sua
personalidade, mas em última análise a personalidade não denota nem uma
função social nem a natureza do homem, mas a natureza do homem
determinada pelas relações sociais!

A personalidade humana como um todo é formada apenas por meio de suas


relações com outras pessoas. Somente na medida em que estabeleço relações
humanas com outros homens é que me formo como ser humano: “É somente
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mediante a relação com Paulo como seu igual que Pedro se relaciona consigo
mesmo como ser humano. Com isso, porém, também Paulo vale para ele, em
carne e osso, em sua corporeidade paulínia, como forma de manifestação do
gênero humano” (MARX, 2013, p. 129).

Em contraste com as doutrinas dominantes na psicologia e psicopatologia


modernas, nas quais a personalidade aparece em seu isolamento biológico como
um dado primário imediato, como uma singularidade absoluta existente em si
mesma, determinada por impulsos profundos e biologicamente determinados ou
características constitucionais, independentemente de conexões e mediações
sociais, para Marx a personalidade e, ao mesmo tempo, sua consciência são
mediadas por suas relações sociais, e seu desenvolvimento é determinado
principalmente pela dinâmica dessas relações. Assim como evitar a
psicologização da personalidade não significa a exclusão da consciência e da
autoconsciência, a rejeição da biologização não significa a exclusão da biologia,
do organismo, da natureza da personalidade. A natureza psicofísica não é
suplantada ou neutralizada, mas é mediada pelas relações sociais e reconstruída
- a natureza se torna humana!

Do ponto de vista psicológico, a compreensão de Marx das necessidades


humanas é de fundamental importância para a realização, na própria
compreensão da natureza da personalidade, do conceito histórico que a
revolucionou.

O conceito de necessidade [potrebnosti] deverá, como contrapeso ao


conceito de instinto, ocupar um lugar importante na psicologia marxista-
leninista, entrando no inventário de seus conceitos básicos. Deixar de levar em
conta a necessidade de compreender a motivação do comportamento humano
leva inevitavelmente a um conceito idealista. “Os homens acostumaram-se”,
escreve Engels “a explicar seus atos como resultantes de seus pensamentos, ao
invés de explicá-los como consequência de suas necessidades (que,
rapidamente, se refletem e atingem a consciência, ou seja, o cérebro). E assim
surgiu, no decorrer do tempo, essa concepção idealista do mundo a qual,
principalmente depois do ocaso do mundo antigo, dominou a maioria das
cabeças” (ENGELS, 2000, p. 222). Com base no conceito de necessidade, toda a
doutrina da motivação do comportamento humano recebe uma formulação
fundamentalmente diferente daquela que normalmente lhe é dada com base na
doutrina dos instintos e impulsos. Em contraste com todas as concepções
racionalistas, as necessidades levam em conta os interesses da “natureza”
humana, do organismo humano. Mas as necessidades, que a esse respeito se
aproximam dos instintos e impulsos, são fundamentalmente diferentes deles.
Mediadas por relações sociais por meio das quais são refratadas
[prelomlyayutsya], são um produto da história, em contraste com os instintos
apenas como formações fisiológicas; além disso, possuem uma ontogênese em
contraste com os instintos como produtos de filogênese.

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O conceito de necessidade está começando a ganhar um lugar significativo


na psicologia moderna. Como observa D. Katz em seu relatório no X Congresso
Internacional de Psicologia, que desenvolve especialmente o problema da fome e
do apetite no aspecto da “psicologia das necessidades”: “A noção de necessidade
terá que substituir decisivamente a noção de instinto, que se revelou de pouca
utilidade para começar a trabalhar em novos problemas”; o conceito de
necessidade “abrange as necessidades naturais e artificiais, tanto as
necessidades inatas quanto as adquiridas”. No mesmo congresso, a importância
da necessidade e seu lugar na psicologia foi especialmente enfatizada por E.
Claparede (La psychologie fonctionnelle, 1933). Estabelecendo que o
comportamento humano é movido por necessidades, a psicologia moderna nos
trabalhos de K. Lewin (Vorsatz Wille und Bedürfnis, 1926), descobre, juntamente
com as necessidades instintivas inatas, necessidades temporárias que surgem na
ontogênese, que, entretanto, parecem ser quase-necessidades, em contraste
com as necessidades reais e genuínas, e que são construídas sobre as
necessidades primárias. Estas teorias das necessidades, que enfatizam a
variabilidade, a dinâmica das necessidades, ainda permanecem no nível
biológico; esta atitude biológica é particularmente clara em Claparede. Em
contraste com todas essas teorias basicamente biológicas, Marx revela o
condicionamento histórico-social das necessidades humanas, novamente não
abolindo, mas mediando a “natureza” humana. Ao mesmo tempo, no
desenvolvimento histórico, não apenas novas necessidades são construídas em
cima das necessidades instintivas primárias, mas estas últimas também são
transformadas, repetidamente refratadas por meio do sistema de relações sociais
em transformação: de acordo com a formulação de Marx, as necessidades do
homem tornam-se necessidades humanas. Assim, em contraste com os conceitos
idealistas abstratos, as necessidades impulsionam o comportamento humano,
mas em contraste com as teorias biologizantes, essas necessidades não são
impulsos instintivos imutáveis ​fixados na natureza ahistórica, mas necessidades
históricas que são mediadas e reconstruídas de novas maneiras na história.

As necessidades apresentadas em lugar de impulsos instintivos, portanto,


concretizam a historicidade na doutrina dos motivos, das forças motrizes do
comportamento. Revelam também a riqueza da personalidade humana e os
motivos de seu comportamento, superando o estreitamento dos principais
impulsos da atividade humana, aos quais conduz inevitavelmente a teoria dos
impulsos instintivos, o que em seu extremo - na teoria freudiana da pulsão
sexual - leva à ideia de um único motor ao qual tudo é reduzido. A riqueza e a
diversidade das necessidades historicamente emergentes criam fontes cada vez
maiores de motivação para a atividade humana, cujo valor depende, além disso,
de condições históricas específicas. “Vimos”, escreve Marx, “que significado tem,
sob o pressuposto do socialismo, a riqueza das carências humanas e, portanto,
tanto um novo modo de produção, quanto um novo objeto de produção. Nova
atividade da força essencial humana e novo enriquecimento da essência
humana” (MARX, 2004, p. 139). “No interior da propriedade privada” Marx
enfatiza a determinação social dessa tese, “o significado inverso”: cada nova
necessidade também cria uma sujeição. Mas, “sob o pressuposto do socialismo”,
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essa riqueza de necessidades em desenvolvimento histórico - cada vez mais


diversificada e criada em um nível cada vez mais alto - abre as perspectivas para
um desenvolvimento rico, significativo, dinâmico e ascendente a um nível cada
vez mais alto de estimulação da atividade humana.

Dentro da teoria da motivação, a teoria dos interesses se baseia na teoria


das necessidades, e aqui, na concepção de Marx, a determinação sócio-histórica,
baseada na classe, das forças motrizes da atividade humana aparece mais uma
vez com particular força.

A teoria de Marx da historicidade das necessidades também está associada à


teoria do condicionamento histórico das diferenças de capacidades. “A diferença
dos talentos naturais”, escreve Marx, “não é tanto a causa como o efeito da
divisão do trabalho” (MARX, 2004, p. 150). Isso significa que tais capacidades
diferentes, aparentemente inerentes a pessoas empregadas em várias profissões
e que atingiram a idade adulta, não são tanto uma causa quanto uma
consequência da divisão do trabalho; não tanto uma causa como um efeito, mas
não apenas um efeito, mas também uma causa. No Capital, Marx escreve: “As
diversas operações que o produtor de uma mercadoria executa alternadamente e
que se entrelaçam na totalidade de seu processo de trabalho colocam-lhe
exigências diferentes. Numa ele tem de desenvolver mais força, noutra, mais
destreza, numa terceira, mais concentração mental etc., e o mesmo indivíduo
não dispõe dessas qualidades no mesmo grau. Depois da separação,
autonomização e isolamento das diferentes operações, os trabalhadores são
separados, classificados e agrupados de acordo com suas qualidades
predominantes. Se suas especificidades naturais(3) constituem a base sobre a
qual se ergue a divisão do trabalho, a manufatura, uma vez introduzida,
desenvolve forças de trabalho que, por natureza, servem apenas para funções
específicas unilaterais (MARX, 2013, p. 423).

Assim, “suas especificidades naturais constituem a base sobre a qual se


ergue a divisão do trabalho”, mas uma vez introduzida, a divisão do trabalho
desenvolve as capacidades humanas e as transforma. Surgindo a partir dos
“traços naturais”, não são essências invariáveis, absolutas, mas obedecem em
seu desenvolvimento às leis da vida social que as transformam. Marx revela a
dependência da estrutura das habilidades humanas nas formas historicamente
mutáveis ​da divisão do trabalho, demonstrando em uma análise brilhante e sutil
a mudança na psique humana durante a transição do artesanato para a
manufatura, da manufatura para a grande indústria, de suas formas capitalistas
iniciais para as posteriores, maduras. Aqui, é de importância central descobrir
como o desenvolvimento da manufatura e a divisão do trabalho conduzem à
extrema especialização das habilidades, à formação de um “indivíduo parcial,
mero portador de uma função social de detalhe”, e o desenvolvimento posterior
da automação, em que o trabalho perde o caráter de uma especialidade, leva à
sua substituição por um indivíduo “para o qual as diversas funções sociais são
modos alternantes de atividade” (MARX, 2013, p. 558).

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Em suas necessidades e capacidades, a natureza psicológica da


personalidade se concretiza. Ao mesmo tempo, em sua própria essência, ela
acaba sendo condicionada, mediada por aquelas condições sócio-históricas
específicas em que se forma. Essa dependência da personalidade, sua estrutura
e destino na formação sócio-histórica, Marx revela ainda com acuidade e clareza
impressionante, revelando o destino da personalidade sob o domínio da
propriedade privada e sob o comunismo. Ele começa com uma crítica pontual do
“comunismo rude”, como Marx chama o comunismo anárquico de Proudhon.
“Este comunismo – que por toda a parte nega a personalidade do homem”, está
imbuído de uma tendência ao igualitarismo. É assim apenas porque busca não a
superação, mas a realização do princípio da propriedade privada. Seu ideal é que
tudo seja propriedade privada de todos; portanto, “ele quer aniquilar tudo que
não é capaz de ser possuído por todos como propriedade privada; ele quer
abstrair de um modo violento do talento etc.” (MARX, 2004, p. 103). A negação
da personalidade de uma pessoa é, em essência, “apenas uma forma fenomênica
da infâmia da propriedade privada que quer se assentar como a coletividade
positiva” (MARX, 2004, p. 105).

Os produtos da atividade humana, que são a essência “objetivada” e


objetificada do homem (suas forças essenciais), graças ao ser objetivo do qual a
riqueza subjetiva interior do homem é formada, sob o domínio da propriedade
privada, tornam-se coisas alienadas, estranhadas. Como resultado, cada nova
necessidade humana, que poderia ser uma nova manifestação e uma nova fonte
de riqueza da natureza humana, torna-se uma fonte de nova sujeição; toda
capacidade, na medida em que produz novas necessidades como resultado de
sua realização, multiplica esta sujeição, e como resultado, o homem, por assim
dizer, continuamente aliena seu próprio conteúdo interior e, assim, é esvaziado,
tornando-se cada vez mais dependências externas. Somente a superação deste
estranhamento, que é realizada não de forma ideal metafísica, mas brutalmente
na realidade pelo regime da propriedade privada, ou seja, somente a realização
do comunismo pode garantir um verdadeiro desenvolvimento da personalidade.
“A suprassunção da propriedade privada é, por conseguinte, a emancipação
completa de todas as qualidades e sentidos humanos; mas ela é esta
emancipação justamente pelo fato desses sentidos e propriedades terem se
tornado humanos, tanto subjetiva quanto objetivamente” (MARX, 2004, p. 109).

Somente a implementação de relações verdadeiramente humanas


coletivamente garantirá o desenvolvimento da personalidade humana. A riqueza
das relações reais entre os homens torna-se aqui a riqueza espiritual real do
homem, e em um coletivo forte a personalidade também será forte. A luta pelo
igualitarismo, pela despersonalização, é estranha ao verdadeiro comunismo. Mais
tarde Marx aprofundou seu questionamento sobre o igualitarismo de habilidades
na polêmica contra Lassalle na “Crítica do Programa Gotha”. As páginas
dedicadas à questão da igualdade no “O Estado e a Revolução” de Lenin
fornecem um maior desenvolvimento dessas ideias. A luta atual contra o
“igualitarismo” e toda nossa prática atual com sua cuidadosa consideração das
capacidades individuais de cada operário e de cada trabalhador e o sistema de
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demanda pessoal representam a realização desta tese teórica de Marx na prática


da construção socialista.

“É somente na comunidade”, Marx desenvolve ainda mais suas teses sobre o


papel do verdadeiro coletivo no desenvolvimento do indivíduo, “[com outros que
cada] indivíduo tem os meios de desenvolver suas faculdades em todos os
sentidos; somente na comunidade, portanto, a liberdade pessoal torna-se
possível. [...] Na comunidade real, os indivíduos obtêm simultaneamente sua
liberdade na e por meio de sua associação” (MARX e ENGELS, 2007, p. 64). Aqui,
Marx usa o termo “liberdade pessoal” com um significado fundamentalmente
diferente daquele que se estabeleceu na sociedade burguesa e que Marx criticou
em O Capital, falando dos proletários, como os pássaros que tem a liberdade de
morrer de fome. A liberdade pessoal pode ser formal e negativa, ou significativa
e positiva. A primeira pergunta: livre do que? A segunda pergunta: livre para
quê? Para a primeira, todos os laços e vínculos são apenas grilhões; a segunda
sabe que eles também podem ser um suporte, e a questão decisiva é: que
possibilidades reais de desenvolvimento e ação são garantidas. Marx mostra que,
nesse sentido positivo e real, só a comunidade real proporciona liberdade
pessoal, pois abre a possibilidade do desenvolvimento integral e completo do
indivíduo. Ele resume nos Manuscritos Econômico-filosóficos de 1844 o
significado da comunidade real: “O comunismo na condição de suprassunção
positiva da propriedade privada, enquanto estranhamento-de-si humano, e por
isso enquanto apropriação efetiva da essência humana pelo e para o homem. Por
isso, trata-se do retorno pleno, tornado consciente e interior a toda riqueza do
desenvolvimento até aqui realizado, retorno do homem para si enquanto homem
social, isto é, humano. Este comunismo é, enquanto naturalismo consumado =
humanismo, e enquanto humanismo consumado = naturalismo. Ele é a
verdadeira dissolução do antagonismo do homem com a natureza e com o
homem; a verdadeira resolução do conflito entre existência e essência, entre
objetivação e autoconfirmação, entre liberdade e necessidade, entre indivíduo e
gênero. É o enigma resolvido da história e se sabe como esta solução” (MARX,
2004, p. 105).

Este artigo, é claro, está longe de esgotar toda a riqueza de ideias que a
psicologia pode extrair da obra de Marx. Aqui, apenas um esboço superficial é
dado da solução de várias questões-chave, contidas nas declarações de Marx,
como a questão do sujeito da psicologia (o problema da consciência em sua
relação com a atividade humana), o problema do desenvolvimento e o problema
da personalidade. Mas, a partir desse esboço superficial, parece óbvio que nas
declarações externamente dispersas de Marx sobre questões de psicologia,
temos um sistema integral de ideias; no contexto dos fundamentos gerais da
metodologia marxista-leninista, eles delineiam as linhas principais do sistema
psicológico e delineiam o caminho ao longo do qual a psicologia pode se tornar
“uma ciência real, plena de conteúdo efetivo”. A psicologia soviética agora
enfrenta uma grande tarefa: no trabalho de pesquisa concreto, perceber esta
oportunidade que se abre diante da psicologia e, perceber a unidade indissolúvel
da metodologia e do material factual que ela permeia, bem como da teoria e da
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prática, para criar uma ciência psicológica que tenha um firme ponto de vista
metodológico e uma aspiração consciente em serviço do estabelecimento de uma
sociedade socialista sem classes, que é forjada em nossa URSS pelos discípulos
de Marx e Lenin, que continuam a obra que foi o mais importante trabalho de
vida de Marx.

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Referências Bibliográficas:
ENGELS, F. A Dialética da Natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2000.
MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2004.
MARX, K. O Capital: Crítica da economia política. São Paulo: Boitempo, 2013.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.

Notas de rodapé:

(1) Os trechos em colchetes foram retirados do artigo de Rubinstein em uma segunda publicação
do texto em meados dos anos 1980, após a morte do autor. O conselho editorial da revista
Voprosy psikhologii [Questões de psicologia] explica a retirada dos trechos da seguinte forma: “O
conselho editorial considera útil publicar este artigo com algumas abreviaturas nas páginas da
revista, levando em consideração, ao mesmo tempo, que a psicologia soviética moderna
percorreu um longo caminho e obteve sucesso significativo na implementação da metodologia
marxista”. Considerando a fidelidade ao texto original de Rubinstein, os trechos aqui são
reproduzidos na íntegra – N.T. (retornar ao texto)

(2) As citações usadas no original foram extraídas por Rubinstein das obras completas de Marx e
Engels publicadas à época. Aqui, foram usadas as referidas passagens a partir das traduções de
J. Ranieri dos Manuscritos Econômico-Filosóficos (Boitempo, 2004), R. Enderle, N. Schneider e
L.C. Martorano da Ideologia Alemã (Boitempo, 2007), e R. Enderle do primeiro livro d’O Capital
(Boitempo, 2013) – N.T. (retornar ao texto)

(3) Nos Manuscritos Econômico-Filosóficos de 1844, Marx enfatiza fortemente esta base natural
da capacidade: “O homem é imediatamente ser natural. Como ser natural, e como ser natural
vivo, está, por um lado, munido de forças naturais, de forças vitais, é um ser natural ativo; estas
forças existem nele como possibilidades e capacidades (MARX, 2004, p. 127). (retornar ao texto)
Inclusão: 12/04/2021

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