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"Franz Brentano", escrito por Sávio Passafaros Peres,

presente no livro História da Psicologia


Fenomenológica

João Gabriel de Castro Neves Sousa Lucas - 202310281111

“ Nós podemos, como outros já tem feito, caracterizar a psicologia como a ciência do futuro,
ou seja, como a ciência a qual pertence o futuro - mais do que qualquer outra ciência teórica,
… à qual todas elas estarão subordinadas. ”
Franz Brentano

O final do Século XX é indubitavelmente o momento chave do nascimento da psicologia,


dita científica, que hoje estudamos, tanto pelas suas condições sócio-políticas, quanto pelo
panorama intelectual da época. Neste meio, a figura de Franz Brentano, não pode deixar de
ser mencionada, como peça crucial para todo o desenvolvimento futuro da disciplina, no que
tange ao seu “empirismo-aristotélico” com pinceladas de escolasticismo - com o qual se opôs
ao idealismo alemão ( já decaia na época ), o neocriticismo e o projeto de psicologia
wundtiana ( apesar do seu comum afeto ao método científico) - e ao seus inúmeros e
prolíficos discípulos, dentre os quais estão o pai da psicanálise (Freud), o mestre da
fenomenologia (Husserl) e o “avô” da Gestalt, Ehrenfels. O texto do professor Sávio
Passafaro Peres, “Franz Brentano”, realiza este trabalho de exposição da vida e obra de
Brentano, dentro da obra de Marina Massimi “História da Psicologia Fenomenológica”. Ele se
divide em 3 partes, segundo o autor - embora possa se dizer que tenha 5 pela subdivisão da
parte 2 em outras 3 (que por sua vez serão aqui resumidas em dois pontos, aglutinando a
seção I e II, que se centram na ideia do fenômeno psíquico, e depois apresentando a III, sobre
a ontologia do fenômeno). A primeira parte, resume a trajetória biográfica de Brentano, e base
de seu pensamento; a segunda expõe suas ideias centrais, encontradas no livro Psicologia do
ponto de vista empírico; e a terceira, por fim, aponta a psicologia como uma ciência com dois
objetos formais, e consequentemente métodos, possíveis: o da psicognose e da psicogenética.

Parte 1 - Biografia

Franz Brentano, nasceu no antigo império austríaco, em 1838, no esplêndido berço da


família Brentano, conhecida pela “alta erudição e por grandes contribuições culturais”, como
a de seu tio Clemens Brentano, poeta e novelista romântico. Desde muito novo procurou uma
formação intelectual de alto nível, tendo em vista não só sua natural aptidão, como também
seu desejo de seguir na carreira sacerdotal, passando em cursos de filosofia em Munique,
Wurzburg, Tubingen, Munster e Berlim, sendo este último crucial para sua carreira, devido à
influência de seu professor Trendelenburg, “ um dos maiores estudiosos de Aristóteles de seu
tempo”, que o inspirou na sua dissertação de doutorado “ Sobre os múltiplos sentidos em
Aristóteles”, assim como muito de sua filosofia posterior. Neste meio tempo, se aprofundou
em sua vida de fé até que em 1864, foi ordenado sacerdote católico.
O ambiente intelectual da época refletia o processo de avanço científico e tecnológico que
culminará na revolução industrial, e o ânimo anti-idealista - reafirmado por este mesmo
“boom” das ciências naturais, tidas pelos idealistas como algo inferior às
Geisteswissenschaften (ciências do espírito). Brentano, assim como seus contemporâneos, via
que a resposta não está no “além” das ideias ( ou do espírito), mas na concretude empírica em
que o método científico se baseia. Foi nesse mesmo período em que se tornou professor em
Wurzburg, e o seu círculo de pupilos teve início na pessoa de Carl Stumpf. Voltando seu
trabalho ao campo da psicologia, do qual já tinha interesse a certo tempo, Brentano escreve A
psicologia de Aristóteles, em particular sua doutrina do intelecto ativo, em 1967 e a sua mais
famosa obra Psicologia do ponto de vista empírico. Sua abordagem, no entanto, não visava
desassociar a psicologia da filosofia, como queriam os psicofísicos da época ( Weber, Wundt
…) , mas buscava na primeira a solução para a segunda. Assim como Comte, ele via nas
ciências naturais o modo mais apropriado de se abordar a realidade, num geral, e que entre
elas há uma hierarquia, onde as mais básicas são sucedidas pelas mais complexas. Para ele, no
entanto, a psicologia - impossível aos olhos de Comte- era o suprassumo de todas elas e o
ponto de início da filosofia . Essa figura de “um padre, especialista em aristóteles e em
filosofia escolástica” (PERES,p.25) que ao mesmo tempo é “um positivista ferrenho, defensor
das ciências naturais” (PERES,p.25), o levou tanto à fama quanto à infâmia. De um lado tem
se os seus colegas professores, que o acusavam de ser um jesuíta disfarçado, e um
‘escolástico” - o que no meio intelectual modernista da época era indicativo de retrógrado ou
limitado - e do outro uma gama cada vez maior de admiradores, dentre os quais estão o jovem
Sigmund Freud e o doutor em matemática Edmund Husserl. Freud que optou por cursar
quatro sucessivas disciplinas com Brentano, apesar da discordância religiosa, compartilhava
com seu mestre o apreço pelas ciências naturais e a noção de que todo ato representativo
carregava consigo não só um juízo como um afeto (o que Freud usou para apontar a carga
afetiva das representações, no seu caso no inconsciente - que é incapaz de representar aos
olhos de Brentano). Outro aluno da escola de Brentano foi Ehrenfels, professor de Franz
Kafka, e autor do livro Sobre as Qualidades Gestálticas, em que une a psicologia descritiva de
Brentano com as ideias de Ernst Mach.
Em 1873, após uma controvérsia com a infalibilidade papal dogmaticamente proclamada
pelo Concílio Vaticano I, convocado por Pio IX abandona a batina, e começa um
relacionamento com sua aluna Ida von Lieben, que aos olhos do governo da Áustria - país
majoritariamente católico - nunca poderia se consumar em casamento, devido ao caráter
indelével do sacerdócio. Forçado então a negar sua pátria em prol de seu amor, Brentano se
transfere para a Alemanha luterana, onde consegue cidadania e recebe Ida por sua esposa, em
1880. Retorna a Viena pouco depois e consegue um cargo de professor, bem menos
prestigiado que o seu anterior, mas em que conseguiu escrever uma série de pequenas obras e
promover a criação de um laboratório de psicologia na Faculdade de Filosofia de Viena. Após
a morte de Ida, em 1888 e suas crescentes frustrações com o ambiente austríaco, Brentano
parte de Viena e acaba, por fim, a se estabelecer em Florença, onde ainda exerce notável
influência nos círculos intelectuais.
Parte 2 - Psicologia do Ponto de Vista Empírico

Seção A- O domínio da psicologia: o fenômeno psíquico, e seu fundamento na


representação.

A filosofia e a psicologia de Brentano se encontram condensadas - ao menos as suas partes


fundamentais- no livro Psicologia do ponto de vista empírico. Ele inicia o trabalho com a
distinção do objeto da psicologia em relação às outras ciências, aquilo que chama de
fenômenos psíquicos. Sua abordagem, consonante aos positivistas e empiristas, procura se
afastar da mera especulação metafísica para basear suas proposições, e se funda nos métodos
empíricos para encontrar afirmar a solidez dos seus argumentos, o que faz por forte inspiração
no movimento empirista inglês. O Locke, o maior desses - a nível de fama - afirma que os
fenômenos são ideias, isto é, representações do objeto feitas a partir dos estímulos recebidos
dele pelos sentidos, “impressões feitas na tábua da mente por ação do objeto exterior”
(PERES, p.29). Essas ideias, são formadas a partir de qualidades presentes no objeto e na
imagem (qualidades primárias) e aquelas que são apenas mentais (qualidades secundárias).
No entanto “ o acesso ao fenômeno não é o acesso à própria coisa” (PERES, p.30), pois é este
uma “ representação subjetiva da coisa… é imanente à consciência” (PERES, p.30).
Brentano concorda com o ponto de vista de Locke, afirmando que a transcendência de um
fenômeno é contraditória. Mas para que não acabe por tomar todos os fenômenos psíquicos, e
excluir os outros, ele faz uma distinção do tipo de fenômeno segundo a sua intencionalidade -
isto é se tende ou não a um objeto. Há dois tipos de fenômenos: os físicos, que é o “algo de
que se é consciente” (PERES, p.31), o conteúdo ou objetividade imanente que emite o
estímulo que captamos; e os psíquicos, o ato de direcionado ao objeto imanente, que toma
consciência do objeto, formando assim um par de representado-representação. A exemplo
disso podemos dizer que a cor vermelha é o objeto imanente e ver a cor vermelha o ato
psíquico. Qualquer ato (mental) que possua esse caráter intencional- seja o imaginar, o se
apaixonar, o duvidar- é um fenômeno psíquico. Brentano, enquanto discípulo de Aristóteles e
Comte, não pode deixar de realizar a análise e a classificação destes atos em 3 grandes
grupos: atos de representar, atos de julgar e atos volitivo/afetivos (desiderativos por assim
dizer). Dentre os três o ato de representar ganha destaque pois é o princípio de todo ato
psíquico. “Todo ato psíquico é um ato de representar ou tem um ato de representar na sua
base. É o ato de representar que estabelece pela primeira vez, a relação da psique a um objeto
intencional” (PERES, p.32). O que varia então os atos psíquicos é o segundo passo após a
representação (não só o tipo, mas se existe ou não). O julgar é afirmar ou negar algo do objeto
da representação; o querer o objeto da representação é ato desiderativo.
A grande diferença entre a “fenomenologia” empirista e a brentaniana está na distinção
entre o representar e o representado. Para a primeira, o que vejo - por exemplo - é o próprio
ato de representar, sem distinção entre ato e conteúdo (tenho a representação de um
computador) enquanto que, para a segunda, o meu ver é um representar cujo conteúdo é o que
vejo ( tenho um ato de representar que tem o computador por conteúdo). O imaginar, por
exemplo, é um ato de - literalmente- representar algo, mas não é ele próprio o objeto
representado - imagino um cavalo, ou seja meu imaginar toma como objeto direto a figura de
um cavalo, mas não é o cavalo. Isso é a raiz da qualidade intencional do fenômeno psíquico: “
toda consciência é consciência de algo”.

Seção B - O status ontológico do ato intencional e de seu objeto

Brentano, até aqui, já deixou claro que o representar presume um representado, para qual se
direciona. No entanto, ainda não fica esclarecido a questão da transcendência ou imanência do
objeto representado - o conteúdo do representar está na mente ou fora dela ? Essa questão
quanto ao fenômeno psíquico foi respondida por ele da seguinte forma :

Todo fenômeno psíquico é caracterizado por aquilo que os escolásticos chamavam


de inexistência intencional ( ou mental) de um objeto e o que nós , não totalmente
sem equívocos, podemos expressar como relação a um conteúdo, o direcionamento a
um objeto( pelo qual não se entende uma realidade), ou uma objetividade imanente.
(1874, p.115)

Isso quer dizer que assim como o fenômeno psíquico, o objeto - que nada mais é que o
fenômeno físico - é imanente, ou seja está na própria mente, justamente por sua inexistência
intencional ( in - dentro + existência / in- para - tencional = direcionada), ou seja sua presença
no ato intencionado. Contudo ,não basta apenas dizer que o objeto é “intraexistente”, mas é
preciso comprovar a sua realidade na consciência, seu “status ontológico (PERES, p.34). Ora,
assim como Locke, Brentano afirma que uma sensação “ só existe se existe no e para o sujeito
que a sente… como algo que é para a consciência” (PERES, p.35), sendo que a coisa física,
de onde emana o fenômeno físico, não é objetivamente dotada desta propriedade (a qualidade
secundária de Locke).
Em outro livro postumamente publicado, Psicologia descritiva, ele afirma que o estímulo
não é o que vemos, mas os seus efeitos em nossa mente. O que, em contraposição aos
empiristas, ele afirma não significar a imanência do conteúdo em si, enquanto estado anímico,
mas expressa que é ele um modo do ato, que,por excelência é intramental, e assim, por ser
objeto deste mesmo ato, também é ele abstrato. Uma possível analogia seria analisar os
objetos materiais e formais de uma ciência. A geografia, por exemplo, tem por objeto material
a superfície da terra, e por objeto formal a descrição de seus elementos ( grafia), enquanto a
geologia, apesar de ter o mesmo objeto material, tem por objeto formal a compreensão dos
elementos da crosta terrestre. O estímulo físico, assim como o objeto material, é um dado da
realidade, mas o ato de representar e o estudo do objeto material), juntamente ao objeto
intencional, análogo ao objeto formal ( o modo como se estuda o objeto) são entes mentais (
ou lógicos no caso das ciências).Essa percepção interna, como chama Brentano, é uma
coconsciência que toma noção do estímulo dando-lhe forma, sendo depois objeto da
consciência no ato. Mas o objeto, ao contrário dos atos, não é real, pois é uma abstração
gerada pelo estímulo, sendo efeito e não efetivo. O estímulo se direciona à consciência através
do objeto intencional e a consciência se direciona ao estímulo neste.
Portanto, se o objeto imanente é apenas a forma de acesso, o intermédio, ao objeto real,
sendo seu signo, a psicologia deve focar naquilo que é realmente psíquico, o ato de
representar, em detrimento daquilo que ou está fora da mente, ou não vem da mesma - o
estímulo e o conteúdo, respectivamente. Diz-se então que Brentano delimita o campo da
psicologia ao estudo dos fenômenos ditos psíquicos, marcados por sua realidade,
intencionalidade e posse de objetos irreais aos quais tendem. Destes três pontos, apenas a
intencionalidade resistiu às controvérsias que seus alunos apontaram, tendo o próprio
Brentano abandonado a imanência do objeto intencional em 1905, como aponta Boer (1978,
p.10).

Parte 3 - A psicognose como propedêutica à psicogenética

Em Psicologia descritiva, uma reunião póstuma de algumas de suas aulas entre os anos de
1885 e 1890, além de reiterar o que havia exposto em Psicologia do ponto de vista empírico
ele divide o campo da psicologia - a ciência da vida interior da alma captada pela percepção
interior - em duas ciências correlatas :

I - Psicognose ( conhecimento da alma) : que visa “ a determinação exaustiva ( se possível


dos elementos da consciência humana e das formas pelas quais eles estão conectados” (
BRENTANNO,2002, p.3).

II - Psicognética ( a origem psíquica) : que procura “a descrição das condições causais a que
os fenômenos particulares estão sujeitos” ( BRENTANNO,2002, p.3).

A primeira é fundamento para a outra, pois é preciso primeiro descrever o fenômeno, para
que se possa encontrar suas causas. Essa investigação causal não é uma psicologia mista, já
que é preciso se entender os mecanismos físicos que geram os estímulos, sendo então
psicofísica, enquanto que a psicognose é psicologia propriamente dita, sendo livre de qualquer
noção extramental anterior para cumprir seu com objetivo. Além disso, ela é a base para
qualquer esforço epistemológico, ético e estético, devido a respectiva correlação entre essas
áreas e as três classes de fenômenos psicológicos : o representar, o julgar e o querer/sentir. É a
partir desta noção de psicognose brentaniana, que a fenomenologia nasce, na figura do seu
pupilo Husserl.

Referências:
● BOER, T. D. The development of Husserl's thought. The Hague/Boston: Nijhoft, 1978.
● BRENTANO, F. C. Psychologie vom empirischen Standpunkt: Leipzig: Ver- lag von Duncker:
Humblot, 1874. Disponível em shttps://archive.org/ details/psychologievome02brengoog>. Aceso
em: 4abr. 2015. Descriptive Psychology. New York: Routledge, 202.
● PERES, S. P., Franz Brentano em História da Psicologia Fenomenológica/ Marina Massimi(org)-
São Paulo : Edições Loyola, 2019

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