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Bioquímica

Exame de Bioquímica Laboratorial https://doi.org/8059/114820

Preparação de soluções tampão de fosfatos a


diferentes phs e avaliação das suas capacidades
tampão
Madalena Nunes1,
1
Instituto Universitário Egas Moniz, Campus Universitário – Quinta da Granja, Monte de Caparica, 2825-
084 Caparica, Portugal

E-mail: madalena.nena2002@gmail.com

Resumo
A maior parte das reações químicas a nível celular ocorrem a temperatura e pH constantes. O pH da água pura no seu estado
líquido é muito sensível à adição de ácidos ou bases, logo são utilizadas soluções tampão para o estabilizar. As soluções tampão
são soluções constituídas por um ácido fraco e pela sua base conjugada e cujo pH irá depender não só do pKa do ácido como
também da concentração relativa de ácido e da sua base conjugada. Esta atividade experimental tem como objetivo a preparação
de soluções tampão de fosfatos a diferentes phs. Estas soluções são as mais comumente utilizadas no laboratório de bioquímica
para mimetizar condições fisiológicas. Adicionalmente pretende-se avaliar a capacidade tampão destas mesmas soluções, ou
seja, a sua capacidade para resistir à variação de ph após a adição de ácido (HCl) e base (NaOH) fortes, sendo que pelo menos
umas das soluções deverá apresentar o valor de pH igual ao de pKa. Como tal, preparar-se-ão 3 soluções (A, B e C) a ph de
6,2; 7,2 e 8,2 respetivamente com volumes finais de 40 ml. Para se medir o pH utilizou-se o potenciómetro verificando-se assim
a ocorrência ou não de variações do pH. Para preparar as soluções tampão recorreu-se à equação de Hendersen-Hasselbalch e
utilizaram-se as soluções de 𝑵𝒂𝑯𝟐 𝑃𝑂4 e 𝑁𝑎2 𝐻𝑃𝑂4 . Os resultados evidenciaram que quanto mais próximo o valor inicial de
ph de uma solução tampão está do pKa do par HPO42-/H2PO4- maior é a sua capacidade de resistência às variações de pH perante
a adição de um ácido e de uma base forte.

Palavras-Chave: solução tampão, pH, ácidos, bases, tampão de fosfatos, bioquímica, potenciómetro.

1. Introdução adicionar à solução. Como tal, uma solução contendo o ácido


e a sua base conjugada, tem a capacidade de resistir a
As reações químicas, nas células, ocorrem a valores de variações de pH, o que significa que atua como tampão.
temperatura e pH constantes [1]. Porém, a água pura no seu Ao adicionar-se ácido (H3O+) à solução tampão, este será
estado líquido é pouco resistente às mudanças de pH quando neutralizado pela base conjugada (A-) em solução. Da mesma
na presença de ácidos ou bases [2]. Uma solução tampão é forma, a adição de base (OH-) à solução tampão é neutralizada
uma solução aquosa capaz de resistir ás variações de pH pela reação com a forma ácida (HA):
quando se adicionam ácidos ou bases [3]. Os tampões são
substâncias químicas que mantêm o valor de pH relativamente H3O+ + A- → H2O OH- + HA → A- + H2O
estável, perante a adição de ácidos ou bases fortes ao meio
celular. Estes são formados pela combinação de ácidos fracos Os sistemas tampão mais eficazes contêm concentrações
com as suas bases conjugadas em uma solução de pH próximo iguais da forma ácida e da sua base conjugada. Segundo a
ao pKa do ácido. A equação de Hendersen-Hasselbalch (pH = equação de Hendersen-Hasselbalch, quando [HA]=[A-], o
pKa + log ([A-] / [HA])), define a relação entre o pH e as valor de pH é igual ao valor de pKa. Desta forma, o valor de
concentrações do ácido e da sua base conjugada. Esta pode ser pKa representa o valor de pH para o qual a capacidade tampão
usada na determinação do pH de uma solução, conhecendo-se é máxima. O valor de pH do meio pode assim, ter impacto nas
a razão molar do par ácido/base conjugada que se encontra a reações químicas e a difusão de moléculas pelas membranas
tamponar a solução e o pKa do ácido. Quando se pretende biológicas, havendo variadas aplicações laboratoriais,
preparar um tampão para um determinado valor de pH, apenas biológicas, bioquímicas, químicas, farmacêuticas, médicas e
é necessário conhecer o pKa de um determinado ácido para industriais das soluções tampão.
determinar as quantidades de ácido e base conjugada a

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Preparação de uma Solução Tampão Madalena Nunes

Esta atividade experimental tem como objetivo a A: [HA] = CT / 1 + 10 pH-pKa = 0,1/1 + 10 6,2 – 7,2 = 0,09 mol/L
preparação de soluções tampão de fosfatos a diferentes phs e
a avaliação da capacidade tampão destas mesmas soluções, ou B: [HA] = CT / 1 + 10 pH-pKa = 0,1/1 + 10 7,2 – 7,2 = 0,05 mol/L
seja, a sua capacidade para resistir à variação de ph após a C: [HA] = CT / 1 + 10 pH-pKa = 0,1/1 + 10 8,2 – 7,2 = 0,01 mol/L
adição de ácidos e bases fortes, sendo que pelo menos umas
das soluções deverá apresentar o valor de pH igual ao de pKa. Sabendo-se as concentrações de ácido é possível calcular-se
O valor de pKa da solução tampão deve estar na faixa do pH as concentrações de base através da fórmula [A-] = CT - [HA].
ótimo para o sistema em estudo, isto é, a capacidade tampão Assim,
da solução é maior quanto mais próximo o valor de pH da A: [A-] = CT - [HA] = 0,1 – 0,09 = 0,01 mol/L
solução estiver do pKa do par ácido/base, uma vez que a B: [A-] = CT - [HA] = 0,1 – 0,05 = 0,05 mol/L
quantidade de ácido relativamente à sua base conjugada em C: [A-] = CT - [HA] = 0,1 – 0,01 = 0,09 mol/L
solução está aproximadamente em igualdade. Como tal,
preparar-se-ão 3 soluções (A, B e C) a ph de 6,2; 7,2 e 8,2 Para calcular o volume a utilizar das soluções “stock” de ácido
respetivamente com volumes finais de 40 ml. Para a medição ou base conjugada a 0,1M pode-se recorrer à equação que diz
de pH utilizou-se o potenciómetro verificando-se assim a que vi*c i= vf*cf, o que é equivalente a dizer que o volume da
ocorrência ou não de variações do pH. Para preparar as solução inicial a utilizar (Vi) = Vf*Cf / Ci. Assim,
soluções tampão recorreu-se à equação de Hendersen- A: Vi = Vf*Cf/Ci = 40 * 0,09/0,1 = 36 ml de ácido
Hasselbalch e utilizou-se as soluções de 𝑁𝑎𝐻2 𝑃𝑂4 e B: Vi = Vf*Cf/Ci = 40 * 0,05/0,1 = 20 ml de ácido
𝑁𝑎2 𝐻𝑃𝑂4 . C: Vi = Vf*Cf/Ci = 40 * 0,01/0,1 = 4 ml de ácido

2. Procedimento experimental Para se calcular o volume de base conjugada de cada solução


retira-se ao volume final (40 ml) o volume de ácido calculado,
Reagentes assim:
Soluções-padrão de pH 4 e 7 para a calibração do A: Vf-Vi = 40-36 = 4 ml de base conjugada
potenciómetro que foram fornecidas pela Merck, KGaA, B: Vf-Vi = 40-20 = 20 ml de base conjugada
Darmstadt, Germany; 𝑁𝑎2 𝐻𝑃𝑂4 a 0,1M e 𝑁𝑎𝐻2 𝑃𝑂4 a 0,1M A: Vf-Vi = 40-4 = 36 ml de base conjugada
ambos fornecidos pela empresa Sigma Aldrich (Company
3050, Spruce saint Louis, MO 63103 USA), HCl 0,1 M e Tabela 1 - Resultados dos cálculos para a resolução da atividade
NaOH 0,1 M. laboratorial
Solução pH Vf [HA] [A-] V V
Materiais: [HA] [A-]
Foram utilizadas 2 buretas de 25 ml (erro de 0,03ml), 2 pipetas A 6,2 40 0,09 0,01 36 4
graduadas de 20 ml (erro de 0,02 ml), 12 gobelets de 100 ml, B 7,2 40 0,05 0,05 20 20
1 placa de agitação Agimatic-N, 1 magnete, 1 potenciómetro C 8,2 40 0,01 0,09 4 36
de ph M21 da METRIA e 1 pompete.
Protocolo:
Cálculos: Após a realização de todos os cálculos organiza-se todo o
Para se prepararem as 3 soluções (A, B e C) a ph de 6,2; 7,2 e material e reagentes devidamente identificados necessários
8,2 respetivamente com volumes finais de 40 ml é necessário para a elaboração da atividade laboratorial. Faz-se a lavagem
inicialmente calcular-se a concentração final de ácido e da das buretas com água destilada e de seguida com HCl e NaOH
base conjugada tendo em conta que concentração total de respetivamente. Na hotte preparam-se as 6 soluções (duas de
fosfatos deve ser de 0,1M e o pka do ácido a utilizar é de 7,2. cada uma) A, B e C uma vez que se vão realizar 2 titulações
[A−]
Sabendo que 𝑝𝐻 = 𝑝𝐾𝑎 + log ([𝐻𝐴]) e que a concentração diferentes, de acordo com os volumes calculados
anteriormente e que estão presentes na tabela anterior,
total é igual à soma entre a concentração de ácido e pipetando-se com pipetas graduadas de 20 ml o respetivo
concentração de base (CT = [A-] + [HA]), pode-se resolver a
volume de 𝑁𝑎𝐻2 𝑃𝑂4 e 𝑁𝑎2 𝐻𝑃𝑂4 para cada gobelet. Calibra-
primeira equação em função da concentração de base.
se o potenciómetro de pH com as soluções padrão de pH 4 e
Conclui-se assim que [A-] = [HA] * 10 pH-pKa. Substituindo a
7. De seguida, coloca-se a solução A em cima da placa de
segunda equação passa-se a ter que CT = [HA] * 10 pH-pKa +
agitação com o magnete e o elétrodo de pH no seu interior e
[HA]. Resolvendo esta equação em função da concentração de
inicia-se a titulação com HCL a 0,1M. Mede-se o valor de pH
ácido chega-se à conclusão de que esta é igual a [HA] = CT /
inicial da solução A. Adiciona-se 1 gota de HCl a 0,1M,
1 + 10 pH-pKa. A concentração de base pode agora ser calculada
homogeneíza-se a solução e determina-se o valor de pH. De
a partir da fórmula inicial que diz que a concentração total é
seguida adiciona-se HCl a 0,1M até o volume total adicionado
igual ao somatório da concentração do ácido e base conjugada.
ser de 1ml, homogeneíza-se e determina-se novamente o valor
Desta forma, [A-] = CT - [HA].
de ph. Adiciona-se HCL a 0,1M até o volume total adicionado
Utilizando estas fórmulas pode-se assim calcular a ser de 5ml, homogeneíza-se e determina-se mais uma vez o
concentração de ácido para cada uma das soluções, obtendo- valor de pH. Finalizando-se a solução A repetem-se os
se os seguintes resultados: mesmos passos para as soluções B e C tendo-se o cuidado de

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Preparação de uma Solução Tampão Madalena Nunes

lavar com água destilada o elétrodo de pH e o magnete antes caso verifica-se um desvio entre os valores experimentais e os
de mudar de solução. No fim de realizada a titulação com HCl valores teóricos.
(ácido forte) realiza-se a titulação com NaOH (base forte). O
procedimento é todo igual. Titulação das soluções tampão a 0,1 M:

Análise de dados: Nas tabelas seguintes (tabela 4 e 5) encontram-se os valores


Os resultados foram analisados através do software Excel da de pH das soluções tampão antes e após a adição dos volumes
Microsoft. de HCl a 0,1 M e de NaOH a 0,1 M.
Tabela 4 - Variação do pH das soluções tampão com a adição de
HCl
3. Resultados
Solução C pH pH 0,1 1 5
Valores de pH das soluções-tampão a 0,1 M preparadas com (Fosfatos) Calculado inicial ml ml ml
diferentes relações entre o ácido e a base conjugada:
A 0,1 6,2 5,82 5,80 5,70 3,67
Na tabela 2 encontram-se os valores de pH pretendidos para
as soluções, obtidos através da equação Henderson- B 0,1 7,2 6,81 6,80 6,77 6,61
Hasselbach e os valores de pH determinados C 0,1 8,2 7,82 7,81 7,67 7,23
experimentalmente com recurso ao potenciómetro.
  A variação do valor de pH das soluções tampão após a adição
Tabela 2 - Valores de pH pretendidos, utilizando a equação de HCl foi diferente nas três soluções, tendo sido maior na
HendersonHasselbach e os valores de pH determinados solução tampão com o valor de pH inicial de 5,82 e menor na
experimentalmente solução tampão com valor de pH inicial de 6,81.

Tabela 5 - Variação do pH das soluções tampão com a adição de


PH pretendido PH experimental Diferença
NaOH

Solução C pH pH 0,1 1 5
6,2 5,82 0,38
(Fosfatos) Calculado inicial ml ml ml

7,2 6,81 0,39 A 0,1 6,2 5,84 5,89 5,92 6,21


B 0,1 7,2 6,83 6,84 6,86 7,00
8,2 7,82 0,38
C 0,1 8,2 7,86 7,87 7,96 9,45
Os valores de pH iniciais antes de se adicionar HCl variam
entre 0,38 e 0,39 unidades de pH e apresentam um erro médio
A variação do valor de pH das soluções tampão após a adição
de 0,38. Numa situação ideal o erro deveria ser zero, mas neste
de NaOH foi diferente nas três soluções, tendo sido maior na
caso verifica-se um desvio entre os valores experimentais e os
solução tampão com o valor de pH inicial de 7,86 e menor na
valores teóricos.
solução tampão com valor de pH inicial de 6,83.

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Tabela 3-Valores de pH pretendidos e valores de pH determinados
experimentalmente para a adição de NaOH
8 y = -0,1171x + 7,8112

PH pretendido PH experimental Diferença


6
y = -0,0395x + 6,8077
6,2 5,84 0,36
4
y = -0,4417x + 5,9211
7,2 6,83 0,37
2

8,2 7,86 0,34


0
0 1 2 3 4 5 6
Os valores de pH iniciais antes de se adicionar NaOH variam Solução A Solução B
entre 0,34 e 0,37 unidades de pH e apresentam um erro médio Solução C Linear (Solução A)
Linear (Solução B) Linear (Solução C)
de 0,36. Numa situação ideal o erro deveria ser zero, mas neste
Figura 1 – Gráfico da variação do valor de pH da titulação das
soluções tampão A, B e C com HCl a 0,1 M

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Preparação de uma Solução Tampão Madalena Nunes

10 [2] Ben-Chioma, AE, Jack, AS and Philipokeere, GK (2015)


International Journal of Applied Chemistry Vol. 1 No.3
8 y = 0,3267x + 7,7868
y = 0,0336x + 6,8313 [3] Chandra Mohan (2006) Buffers. A Guide for the
6 Preparation and Use of Buffers in Biological Systems; EMD,
y = 0,0702x + 5,858 San Diego, California, USA.
4

0
0 1 2 3 4 5 6

Solução A Solução B
Solução C Linear (Solução A)
Linear (Solução B) Linear (Solução C)

Figura 2 – Gráfico da variação do valor de pH da titulação das


soluções tampão A, B e C com NaOH a 0,1 M

4. Discussão
Esta atividade laboratorial teve como objetivo a preparação de
soluções tampão de fosfatos a diferentes phs e a avaliação da
capacidade tampão destas mesmas soluções, ou seja, a sua
capacidade para resistir à variação de ph após a adição de
ácidos e bases fortes. Como a capacidade de um solução
tampão depende da proximidade entre o valor de pH da
solução e o valor de pKa do par ácido/base, foram realizadas
três soluções tampão A, B e C com três valores teóricos
iniciais de pH 6,2; 7,2 e 8,2 respetivamente sendo que uma
delas apresentava o valor de ph inicial igual ao de pKa. Foi
determinado o valor experimental de pH obtido para cada uma
das três soluções e concluiu-se que apesar da existência de
diferenças entre os valores teóricos e experimentais, estas
sugerem uma preparação talvez imprecisa das soluções stock
2-
de HPO /H PO -, ou também um erro na calibração do
4 2 4
potenciómetro que poderá́ ter influenciado os resultados
finais. A acrescentar, existem sempre os erros do material
utilizado e dos arredondamentos feitos nos cálculos.

5. Conclusões
Com esta atividade laboratorial conclui-se que quanto mais
próximo está o valor de pH de uma solução tampão do pKa do
par ácido/base que a compõe, maior é a sua capacidade para
resistir a variações de pH perante a adição de um ácido ou de
uma base forte.

Referências
[1] Quintas, A (2008) Bioquímica: Organização Molecular da
Vida 2008; 1ª Edição, LIDEL, Lisboa, Portugal.

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