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Texto e Reflexão 5

S U B J E T I V I D AD E , D AN O S PSÍQUICOS E PROTEÇÃO D AS
C R I AN Ç AS
Edna Muniz*
Shirley Santos**

A discriminação racial afeta todos domínios do desenvolvimento, o


cognitivo, social, emocional, físico, psicológico e desenvolvimento moral.
Crianças maltratadas podem ter seu desenvolvimento acadêmico afetado
negativamente, com diminuição das habilidades cognitivas. Pode ainda provocar
consumo ou uso abusivo de substancias químicas, gerar problemas de saúde,
incluindo depressão, ansiedade, agressividade, transtornos alimentares, de
conduta e somatização.
Crianças negras obesas, por exemplo, sofrem mais de hipertensão do que
brancas1. O trauma infantil também repercute na adolescência de forma negativa
podendo gerar abandono escolar, abuso de substancias, atividade sexuais
precoces, aumento de transmissões de DST, gravidez e pais precoces.
Há estudos dentro e fora do Brasil que mostram como sofrer
sistematicamente com o racismo torna as pessoas mais sujeitas a
ansiedade, depressão e problemas com drogas2. Há indícios que da existência
de uma distribuição social desigual das experiências estressoras conforme a
raça, principalmente associadas a situações de racismo, cujos efeitos são
determinantes para a saúde psicossocial (FARO & PEREIRA, 2011).
As crianças expostas a um trauma agudo ou crônico podem apresentar
variações de humor, impulsividade, irritabilidade emocional, raiva, agressividade,

*Edna Muniz – Assistente social, psicóloga e militante das questões raciais, foi uma das fundadoras do
Grupo Negro da PUC (1979-1988) e da Soweto Organização Negra (1991). Contribuiu para a construção
da política de saúde da população negra em âmbito nacional; na criação do Sistema Único de Saúde (SUS);
atuou na Secretaria de Saúde do Município de São Paulo; participou da construção e implementação do
uso do quesito raça/cor pelos serviços públicos. Foi colaboradora do Centro de Estudos das Relações de
Trabalho e Desigualdade (CEERT) por 22 anos.

Shirley Santos – Psicóloga; coordenadora de projetos; pesquisadora da temática racial nas áreas de
**

Educação e Direitos Humanos; acompanhante em equipe multidisciplinar do Programa de Direito do


CEERT; coautora de artigos com foco na temática racial e de saúde mental. Atua no CEERT há 24 anos.

1 Pesquisa americana comparou crianças com o mesmo nível de obesidade. Pressão arterial dos negros
foi, em média, 8% maior. Em < http://www.abeso.org.br/noticia/criancas-obesas-negras-sofrem-mais-de-
hipertensao-do-que-brancas> Acessado em 15 de maio de 2019.
2 Um artigo sobre o tema foi divulgado no ano passado na publicação de ciência Addictive Behaviors.

Fonte: < http://exame.abril.com.br/tecnologia/noticias/racismo-causa-ansiedade-e-depressao-em-vitimas-


diz-pesquisa> Acessado em 15 de maio de 2019.
ansiedade, depressão e dissociação. Os primeiros traumas, em particular nas
mãos dos responsáveis, podem marcar a percepção da criança quanto à
autoestima, confiança nos outros, percepção do mundo, levando-a a diminuir as
suas expectativas e sonhos relacionados com o futuro. Dentre os efeitos mais
devastadores do trauma na primeira infância encontra-se a restrição na
capacidade de confiar, relaxar e explorar seus próprios sentimentos, ideias ou
interesses.
Os espaços educacionais devem ser organizados acima de tudo como
territórios de convívio e de encontros que possibilitem às crianças crescerem e
se desenvolverem em um clima coletivo, se relacionarem com outras crianças e
adultos, e aprenderem através dessas relações; sentirem-se bem, amadas e
respeitadas e desenvolver atitudes e padrões de pensamento construtivos.
Crianças e adolescentes necessitam fazer escolhas, realizar projetos,
engajarem-se em experiências enriquecedoras e envolventes com seu grupo
etário e crianças de idades variadas. Necessitam ainda participar, dentro das
possibilidades, das decisões que envolvem suas vidas. Precisam brincar
livremente. Neste sentido, educar é uma ação que envolve não só a cognição,
mas a saúde e nutrição, bem como o corpo, mente, espírito, sentimento, emoção,
religião, cultura e arte.
De outro lado, é preciso treinar os profissionais da educação e da saúde
mental a identificarem formas de racismos diretas, específicas e sutis, bem como
o assédio racial. É importante, pois tais iniciativas podem permitir aos
profissionais minimizarem o sentimento deculpa que ocorre quando tais
incidentes são interpretados como resultado de uma falha pessoal.
Os treinamentos devem evidenciar também que os diferentes grupos
raciais podem experienciar e expressar suas reações emocionais de diferentes
formas. Por essa razão, trabalhar o conceito de identidade racial seria um dos
principais condutores desse processo, pois é vista como um fator mediador das
relações de conflito, compensando efeitos isolados da experiência de racismo.
Ou seja, ao manter uma maior integração com seu grupo de pertença, o
indivíduo acessa melhores formas de lidar com o impacto do racismo, posto a
possibilidade de buscar suporte social entre os pares e assim atenuar as
consequências da discriminação (PILLAY, 2005 apud FARO & PEREIRA, 2011
Talvez os programas devessem incluir a dimensão multicultural e as
particulares formas de estresse e trauma racial. Os participantes deste
treinamento precisariam problematizar e desenvolver sua identidade racial, para
que esta não se torne uma barreira na avalição de lesões traumáticas com base
em raça. E, principalmente, assumir nova postura perante o corpo negro a fim
de criar espaços de "escuta" nos espaços institucionais.

Referências

FARO, André & PEREIRA, Manoel Marcos. Raça, racismo e saúde: a desigualdade social da
distribuição do estresse. Estudos de Psicologia, vol.16, nº3, 271-278, set-dez. 2011.
MUNIZ, Edna & SANTOS, Shirley. Impacto do racismo na saúde mental de crianças e
adolescentes negros. In Discriminação racial é sinônimo de maus tratos: a importância do ECA
para a proteção das crianças negras. SILVA JÚNIOR, Hédio & TEIXEIRA, Daniel (Orgs). São
Paulo: Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdade – CEERT, 2016.
Material complementar: “Vó, ser negra é feio”?
https://www.youtube.com/watch?v=YLqcrMw46GE
Encenação do relato de uma jovem exposta ao racismo explícito em seu ambiente escolar e os
impactos gerados em sua saúde mental e física.

Para Refletir

As escolas devem ser ambientes de socialização, em clima de relações


amistosas entre crianças e adultos que possibilitem desenvolvimento, em, onde
todas se sintam seguras, amadas e respeitadas.
Para conhecer a perspectiva das crianças negras sobre esses ambientes,
onde muitas vezes estão sujeitas a vivências desagradáveis, desqualificadoras
e hostis, você poderia descobrir e registrar:
a) Quais são suas representações de escola e de professoras/es;
b) Qual o seu desejo em relação ao tratamento dos colegas e àquilo que é
ensinado;
c) E sobre seus sentimentos de pertencimento ou não ao mundo da escola

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