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CIÊNCIA DA VIDA

Há cerca de 250 milhões de


anos criaturas marinhas começaram
a se diversificar aceleradamente. A
enorme explosão ,d e vida
provavelmente foi impulsionada pela
evolução de diminutos seres
fotossintetizantes conhecidos
coletivamente como fitopl~cton
Por Ronald Martin e
Antonietta Quigg

DIATOMÁCEAS e outros componentes


do fitoplâncton vermelho começaram a
suplantar o fitoplâncton verde há cerca de
~ 250 milhões de anos. Aparentemente eles
ajudaram a impulsionar a acelerada diver-
sificação de criaturas marinhas, dando
origel!l à fauna aquática moderna. _
Ronald Martin é professor de geologia CE
University of Qelaware. Sua pesquiSê ;o
voltada para a evolução de ecossistema3 =
ciclos biogeoquímiCJ:E.

E FOSSE POSSÍVEr- EMBARCAR EM UMA MÁQUINA DO TEMPO E ..


Antonietta Quigg é professora c=
biologi~ marinha da Texas A&M un· ·
visitar a Terra há 500 milhões de anos, durante a era-
sity, em Galveston, onde estuda eco.:-
Paleozoica, um observador estaria perdoado se pen- ; gia e fisiologia de f1toplânác'
sasse que não viajou para outro período de tempo,
para um planeta completamente diferente - e
razão. A maior parte dos continentes situava-se
no hemisfério sul; os oceanos tinham configurações e de nutrientes de organismos fotossinteti-
zantes microscópicos, conhecidos como
correntes muito diferentes; os Alpes 'e o Saara ainda estavam para se toplâncto~, que formam a base·da pirânri-
"
formar; e as plantas terrestres ainda não haviam evoluído. A diferen- , de alimentar màrinha, acompanhou c
ça mais impressionante, no éntanto, talvez estivesse nos animais · nascimento impressionante de nov~
formas de vida oceânicas no Mesozoico e
que habitavam essa Terra primitiva. Naquela época, a maioria das Cenozoico. Sugerimos que a evoluçãc
criaturas multicelulares vivia no mar. Organismos parecidos com desses minúsculos organismos autótrofos
moluscos, chamados 9-e braquiópodes, e trilobitos - primos extin- estimulou o aumento da fauna marinhE.
· modema. Essa nova compreensão de
tos das atuais lagostas e insetos, com exoesqueletos rígidos, antenas como o fitoplâncton transformou a vida
longas e olhos compostos-, reinavam supremos. nos mares primitivos também se aplica ao
futuro do planeta. O fitoplâncton continua
A cliversidade de animais marinhos aumentou substancialmen- sustentando a pirâmide alimentar atual, mas se a contínua mudan-
te no decorrer dos 250 milhões de anos seguintes, até o chamado . ça climática e o desmatamento descontrolarem sua proliferação,
"evento de extinção do Permiano" eliminar mais de 90% das espé- como começaram a fazer, esses pequenos autótrofos poderian:
cies oceânicas, encerrando a era Paleozoica A perda de vidas foi transformar-se em uma força destrutiva.
avassaladora; mas a mudança já despontava no horizonte. Enquan-
to a vida terrestre passava por uma transformação radical, com o CÉLULAS DE COMBUSTÍVEL
apareCimento dos clinossauros e, em seguida, dos mamíferos, a vida Para entender o papel vital do fitoplân~on na evolução dos animai5
oceânica entrava em uma fase de profunda reorganização. Esse marinhos é essencial conhecer um pouco a sua biologia e relação corr::
processo estabeleceu o domínio de muitos grupos de animais que seres microscópicos que se alimentam deles. Como as plantas o fito.
prevalecem até hoje - entre eles, peixes predadores modernos, mo- plâncton converte a energia do Sol em alimentos pela fotossíntese.
luscos, crustáceos, ouriços-do-mar e bolachas-da-praia. Em seguida, minúsculos herbívoros à deriva, coletivamente conheci-
O registro fóssil mostra que ao longo das eras Mesozoica e Ceno- dos como zooplâncton, se alimentam deles, consumidos por anima.Ê
zoica seguintes a vida mannha se diversificou a uma velocidade sem que se encontram mais acima na pirâmide alimentar. O nitrogênio.
precedentes - tanto que os cientistas costumavam se questionar se ferro, fósforo e outros nutrientes na água agem como fertilizante;:
o padrão refletia apenas a preservação preferencial de fósseis geolo- para estimular o crescimento do fitoplâncton. Quanto maior a dispcr
gicamente mais jovens, com menos tempo para sofrer uma erosão. nibilidade desses nutrientes; mais o fitoplâncton cresce e mais zoo-
As análises posteriores, no entanto, inclicaram que esse aparente flo- plâncton se alimenta dele, continuando a proliferar desse modo.
rescimento de espécies no mar de fato foi réal. Para explicar o fenô- Além de aumentar o número de organismos no fitoplâncton ;:.
meno os pesquisadores se voltaram para diversos fatores que pode- abundância de nutrientes pode tomar esses microrganismos mai=:
riam ter oferecido novas oportunidades, como mudanças do clima, nutritivos para o zooplâncton - deixando os minúsculos herbÍm-
do nível do mar e extinções em massa. Mas, embora todos esses ros mais recheados do combustível prontamente clisponível e, po~­
acontecimentos possam ter contribuído para a diversificação que tanto, maís capazes de se sustentar, crescer e se reproduzir. _2_
começàu há cerca de 250 milhões de anos, não são suficientes para medida que as populações crescem, espalham, geram novas pop
explicar o padrão da explosão observado. lações isoladas de seus antecessores, adaptam-se a novas circum-
Há outro fator subestimado a considerar: a disponibilidade de tâncias e constituem novas espécies.
alimentos. Como se constatou, o aumento da quantidade e do teor Um dos primeiros indícios de que um aumento na abundância dt

Depois de uma extinção em massa dizimar a vida plosão evolutiva a fatores físicos, como mudanças conhecidos como fitOplâncton, foi negligenciado.
marinha há 250 milhões de anos, os organismos ma ri· do nível dos mares. O aumento da quantidade e qualidade do fuoplânc·
nhos começaram a se diversificar desenfreadamente. Evidências crescentes, porém, sugerem que o papel ton parece ter impulsionado o surgimento de grupos
Tradicionalmente, cientistas atribuíram essa ex· de diminutos organismos aquátioos fotossintetizantes, de animais marinhos modernos.

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DESCOBERTAS

O efeito fitoplâncton
Uma extinção em massa no f1nal do Pa leozoico, há cerca de 250 explosão a fatores físicos, como as mudanças de nível do mar, r.-~
milhões de anos, eliminou mais de 90% das espécies marinhas. evidências crescentes sugerem que a evolução dÓfitoplân cton -
Durante os períodos Mesozoico e Cenozoico que se seguiram, os microscópicos seres fotossintetizantes que formam a base da
porém, os an imais oceânicos f1zeram um grande retorno à vida, cadeia alimentar marinha -desempenhou um papel até agora
atingindo níveis de divers idade muito mais elevados q ue em qual - subvalorizado como fator estimulante do florescimento da vida
quer época anterior. Tradiciona lmente os cientistas atribuíram essa anima l nos mares.

Há milhões de anos 400 300 200 100 Hoje

PALEOZOICO MESOZOICO

Cambriano Paleozoico Era Moderna :'


Os trilobites segmentados, Criaturas semelhantes a moluscos, Caramujos, bivillves e peixes
O registro fóssi l de criaturas marinhas de carapaça dura, e outros conhecidas como braquiópodes, ósseos e cartilaginosos, entre
consiste em três conjuntos sucessivos, invertebrados dominaram corais e outros invertebrados outras criaturas, dominavam
reconhecidos inicialmente em 1981 pelo a fauna desse período. tornaram-se proeminentes na na fauna moderna.
paleontólogo J. John Sepkoski, Jr., da fauna paleozoica.
University of Chicago.

Ao longo do tempo a história da diversidade do fitoplâncton acompanha de


perto o enredo da dos animais marinhos e sugere que esses organismos
microscópicos foram capazes de sustentar uma fauna cada vez. maior e
diversificada; especialmente depois que o fitoplâncton vermelho,
Diversidade relativa {altura das linhas coloridas)
mais rico em nutrientes que as variedades verdes, tomou-se o
centro dos acontecimentos no Mesozoico.

-----····················································-- - - ·

.............................. . . ....
Cocolitóforos

Dinoflagelados
Análises da proporçâo de diferentes fonnas do elemento estrôncio {Sr) em conchas fossilizadas indicam um aumento de
nutrientes do chamado intemperismo continental. Esse"desgaste" provocado pelaaçâo de agentes atmosféricos e Diatomáceas
biológicos ocasionou a destruiçâo física e a decomposiçâo química dos minerais das rochas durante o Mesozoico e
Cenozoico e estimulou ocrescimento e a especiaçâo do fitoplâncton,que promoveu a diversif1caçâo de animais mais acima
na cadeia alimentar. Proporções isotópicas elevadas de estrôncio durante o início do Paleozoico também sugerem que os
nutrientes e alimentos podemter desempenhado papel fundamental na diversificaçâo inicialde organismos marinhos.
0,709 (B7SrJB6Sr)

0,708

0,707

W\vw.sciam.co!IÚli" 3.5
fitopiâncton pode ter contribuído para ativar a explosão de vida após Mesozoico, no entanto, não explicam plenamente a asce - :::._
o Paleozoico surgiu na década de 90. Pesquisadores, inclusive Ri- algas vermelha à dominância. Sugerimos que mudanças na e:6- -
chard Bambach, atualmente no Instituto Smithsonian, e um de nós cia de macronutrientes (necessários em concentrações m ai-: "'=---"
(Martin) independentemente deduziram· do registro fóssil de ani- das), como o fósforo, também contribuíram signifi~
mais marinhos que a disponibilidade de alimentos deve ter aumen- para o sucesso desses grupos. Thdo indica que esses macronL.- -
tado entre o período Paleozoico e o Cenozoico. Eles chegaram a essa tes, usados pelo fitoplâncton em processos bioquímicos tão : - -
conclusão porque os predadores e outras espécies com necessidades mentais como a síntese de DNA, parecem te~ entrado nos ~ ~
energéticas maiores que o zooplâncton constituíram uma proporção consequência de eventos que ocorreram em terra firme.
cresrente da vida marinha ao longo do tempo. Mais recentemente, No final do Paleozoico e no Mesozoico as florestas esta\'2.=. -;_ -
nós dois (Martin e Quigg), juntamente com Victor Podkovyrov, da palhando em terra e o clima foi ficando mais úmido, ~ -
Academia de Ciências da Rússia, encontramos evidências no registro índices de intemperismo nos continentes. O aumento desse;;-=-~­
fóssil de plâncton marinho para apoiar essa conclusão. tes" físico e químico, resultantes da fragn1entação da terra po::- -~
Descobrimos que durante o Paleozoico um fitoplâncton enigmá- de árvores, decomposição de folhas e formação de solos, teria pro
tico, agrupado sob o nome informal de algas verdes, formava a base cado o escoamento de nutrientes do solo e de plantas mortas para
da pirâmide alimentar marinha e que os predadores eram relativa- mares interiores, mais rasos, onde o plâncton prosperava. O apareci-
mente raros. Depois da extinção em massa durante o Permiano, que mento de plantas angiospermas (que florescem) durante o Mesozoico
dizimou grande parte da vida marinha, inclusive a maioria das teria enriquecido esse escoamento porque suiu> folhas espalhadas no
algas verdes, surgiram novos tipos de fitoplâncton, começando chão decaem muito mais rapidamente que as de coníferas, cicadófitas
pelos cocolitóforos, que devem seu nome às carapaças formadas por e outras árvores que formavam as florestas primitivas.
pequenas placas de carbonato de cálcio, ou "cocólitos'; que secretam As evidências do intemperismo continental vêm de análises da
possivelmente para se proteger. A essas plantas distintas logo se jun- propórção de formas diferentes do elemento estrôncio, encontrado
taram os dinoflagelados e as diatomáceas, que viriam a se tomar o em conchas fósseis. Como as rochas continentais são mais ricas e1p
fitoplâncton mais diverso e abundante nos oceanos. Esses três estrôncio 87 em comparação com as rochas oceânicas, o aumento
grupos - apelidados de algas vermelhas devido ao tipo de clorofila observado na proporção do .estrôncio 87 em relação ao estrôncio 86
que utilizam no processo de fotossíntese - substituíram em grande em conchas ao longo do tempo indica que os nutrientes fluíam da
parte as algas verdes do Paleozoico, preparando o cenário para as terra para o oceano em quantidades cada vez maiores, como seria
espécies animais que podiam explorar essa nova riqueza. de esperar se estivesse ocorrendo um intempeqsmo continental.
Estudos de isótopos de lítio confirmam a tendência.
VERDE VERSUS VERMELHO Os estudos de isótopos não só confirmam a existência desses
A compreensão de que as algas vermelhas eram tão fundamentais fluxos vindos da terra como conferem credibilidade à ideia - pro-
nos levou a ponderai o que lhes permitiu prevalecer sobre as formas posta inicialmente por Martin em 1996 - de que o escoamento de
verdes que sobreviveram à extinção em massa. Mudanças na dispo- nutrientes resultantes do intemperismo continental podia aumen-
nibilidade de micronutrientes (necessário em baixas concentrações) tar a biodiversidade marinha, tanto do fitoplâncton como dos ani-
utilizados na fotossíntese parecem ter desempenhado um papel im- mais que se iilimentam deles. Se a entrada de nutrientes da terra no
portante. Estudos do conteúdo de micronutrientes em algas verdes mar realmente foi fundamental para a diversificação do plâncton,
e vermelhas modernas, realizados por Quigg e seus colegas da Rut- e, portanto, de outros organismos, durante o Mesozoico e o Ceno-
gers University, sugerem que, como -ocOrre atualmente, as algas zoico, seria de esperar um aumento da proporção do estrôncio 87
verdes tinham concentrações mais altas de ferro, zinco e cobre que para o 86 nas conchas para acompanhar a crescente diversidade da
as variedades vermelhas, que revelaram quantidades maiores de vida marinha ao longo do tempo. De fato, recentes análises de pro-
manganês, cobalto e cádmio. Essas diferenças significam que os mi- porções de estrôncio acompanham passo a passo a curva de djversi-
cronutrientes essenciais às algas vermelhas devem ter-se tomado dade desenvolvida em 2010 por JohnAlroy, daMacquarie Universi-
mais abundantes que os necessários para algas verdes. ty, na Austrália. Outro estudo, publicado no mesmo ano por Andrés
As evidências geológicas apoiam essa opinião. A abundância de Cárdenas e Peter Harries, da University of South Florida, encontrou
rochas ricas em carbono, conhecidas como xisto negro, que datam uma correlação similar.
do Paleozoico, indica que os níveis de oxigênio nos oceanos devem Níveis de oxigênio mais elevados nos oceanos e a propagação de
ter sido baixos naquele período porque uma exposição a níveis mais florestas e plantas florescentes em terra não teriam sido os únicos fa-
altos desse elemento teria provocado a decomposição do carbono. tores a contribuir para o aumento da disponibilidade de nutrientes
Nessas condições de baixo teor de oxigênio o ferro e os outros micro- para os fitoplânctons. O aparecimento generalizado de montanhas,
nutrientes, que permitem ao fitoplâncton verde prosperar, teriam se decorrentes das colisões continentais que originaram o superconti-
dissolvido mais facilmente no oceano, tomando-se, portanto, mais nente Pangeia, e a queda dos níveis dos mares daquela era teriam au-
prontamente disponíveis para serem utilizados na fotossíntese. mentado os índices de intemperismo e o escoamento de nutrientes
Comparativamente, os xistos negros do Mesozoico são muito mais para os mares antes do Mesozoico. Além disso as geleiras continen-
raros e só existiram durante breves períodos, quando os mares fica- tais, que ocupavam o hemisfério sul durante a maior parte do Paleo-
ram depauperados de oxigênio. A relativa raridade de xistos negros zoico tardio, teriam promovido uma circulação e oxigenação relativa-
mesozoicos sugere que, de modo geral, os níveis de oxigênio eram mente rápidas dos oceanos, além de uma ressurgência de águas pro-
muito mais altos naquela era. Essas condições teriam ajudado os mi- fundas, enriquecidas com o fósforo da decomposição de matéria or-
cronutrientes absorvidos pelo fitoplâncton vermelho a permanecer gânica e diminutas quantidades de metais sensíveis ao oxigênio. Em
dissolvidos nos oceanos e disponíveis para consumo. síntese: todos esses fatores teriam criado condições favoráveis para
As mudanças na disponibilidade de micronutrientes durante o as algas vermelhas florescerem por terem acesso em abundância aos

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tipos exatos de micro e macronutrientes mais adequados para elas. mente que eles podem não se adaptar com a velocidaàe ~-ec:s;c;::a
O reinado das linhagenS de algas verdes, pobres em nutrientes, A perda desses organismos poderia intensificar o aqiQeCb:!:ll:::.
durante a primeira metade do Paleozoico parece ter mantido sob Atualmente, florescências de cocolitóforos Emüiania -
controle a evolução de animais marinhos, atrasando o aparecimen- podem cobrir áreas superiores a 100 mil km2; e elas pn::C::::3:::.
to de novas formas com taxas metabólicas mais elevadas. Quando, quantidades signifi<;ativas do composto dimetilsulfureto (oo
porém, as algas vermelhas, ricas em nutrientes, assumiram o centro tiometano), que promove a formação de nuveHS que refletem c. ·
do palco, os animais marinhos que se alimentavam desse tipo de fi- solar de volta ao espaço, resfriando o planeta. Sem cocol:itó
toplâncton passaram por uma diversificação impressionante, como portanto, a Terra absorveria mais energia solar que hoje.
mostra o registro fóssil. Grupos inéditos de peixes predadores apa- Fitoplâncton calcificado que vive em comunidades de recifes 5::-
receram subitamente no cenário evolutivo, ao lado de novas varie- frerá um golpe duplo do co2 antropogênico. . acidificação não -
dades de moluscos, crustáceos, bivalves e corais, entre outros seres. dissolverá seus esqueletos, mas o aquecimento superará rapida-
Dois experimentos de campo realizados recentemente compro- mente os limites de sua tolerância de temperatura (as espécies de
vam que o tipo de escoamento de nutrientes que descrevemos pode- recifes tendem a viver próximas aos limites superiores de sua tole-
ria ter suscitado a diversificação de animais multicelulares. No pri- rância de temperatura).
meiro, Tron Frede Thingstad, da Universidade de Bergen, na Norue- As emissões de dióxido de carbono não são a única ameaça
ga, e colaboradores adicionaram fósforo às águas superficiais do humana para o fitoplâncton. A erosão do solo resultante do desma-
mar Mediterrâneo oriental, muito pobres em nutrientes em geral e tamento e outras atividades do homem estão ilmndando sistemas
especificamente carentes de fósforo. Essas águas se assemelham às costeiros - onde proliferam espécies de recifes - com nutrientes,
condições que Martin supôs existirem no princípio do Paleozoico. O provocando um crescimento excessivo e a subsequente decomposi-
acréscimo experimental do fósforo estimulou uma rápida absorção ção de plantas aquáticas. Os recifes serão devastados pela invasão
do elemento pelo fitoplâncton local - muito mais que o necessário de novas espécies que competirão e suplantarão as formas de cres-
para um crescimento normal-, enriquecendo, assim, o teor de nu- cimento mais lento. Embora a entrada de nutrientes nos oceanos
trientes dos diminutos organismos fotossintetizantes em pouco tenha estimulado a diversificação da vida ao longo de centenas de
mais de uma semana. milhões de anos, o ritmo atual é obviamente excessivo.
No segundo experimento, James Elser, da Arizona State Univer- Amedida que os ocearios se aquecem, eles também podem se
sity, acrescentou fósforo a comunidades das chamadas cianobacté- tomar cada vez mais estratificados: a água quente age como uma
rias em um córrego em Coahuila, no México. Essas "algas azuis" ob- tampa sobre a água fria, impedindo a circulação e o afloramento de
tinham seus alimentos pela fotossíntese, como as plantas, e eram águas mais profundas. Nessas condições os dinoflagelados domi-
semelhantes às que viveram durante os primórdios do Paleozoico. nam, o que poderia aumentar a frequência com que as áreas super·
O fósforo adicional reduziu as proporções de carbono (elemento ficiais ficam cobertas por florescências tóxicas em hábitat.s costei·
não nutriente) e fósforo nessas comunidades de até 1.100:1 para ros. Como esses hábitat.s também servem como pontos de reabaste-
150:1, ponto em que a taxa de crescimento, a quimtidade total de cimento-para aves migratórias, e "berçários" de peix~ e crustáceos
tecido vivo e o índice de sobrevivência dos caramujos que se abaste- comercialmente importantes, nós, l}umanos, sentiremos profunda-
ciam de cianobactérias aumentaram acentuadamente. mente os efeitos de sua degradação.
Embora esses experimentos não demonstrassem uma diversifi- Estudos futuros expandirã.o o entendimento de como as mudan·
cação evolutiva (devido à sua curta duração), comprovaram que a ças ambientais afetaram a evolução do fitoplân$n no passado e
maior disponibilidade de nutrientes essenciais nos mares pode ter como a ascensão das formas vermelhas acelerou a diversificação de
elevado rapidamente o teor de nutrientes de fitoplâncton. Enrique- animais marinhos. Estamos ansiosos para determinar como as con·
cidos, os diminutos organismos autótrofos podem ter repassado o dições de baixo teor de oxigênio em áreas como o delta do rio Missis·
benefício em pouco tempo para os animais que se alimentavam sippi, por exemplo, afetam a absorção de nutrientes pelo fitoplânc-
deles, permitindo a essas criaturas despender mais energia em sua ton e como essa mudança afeta a comunidade de animais que se ali·
reprodução, um requisito para a diversificação. mentam deles. Estudos semelhantes foram realizados em ambien-
tes lacustres em que a estrutura da comunidade é rapidamente alte-
RETORNO AO PALEOZOICO rada pelo efeito dominó. Essas descobertas podem ajudar a prever o
Entender como o fitoplâncton respondeu às mudanças de condições futUro do fitoplâncton moderno e de espécies que dele dependem.
ambientais no passado poderia ajudar a prever o que o futuro reserva Uma coisa, porém, está clara. Embora pessoas que negam as mu-
para a vida marinha em um mundo em mutação. O dióxido de carbo- danças climáticas argumentem que a vida na Thrra se adaptou roti-
no emitido como consequência das atividades humanas está aque- neiramente a alterações ambientais no passado e, portanto, é capaz
cendo a Terra e acidificando os mares. Nos próximos séculos os ocea- de lidar com flutuações futuras, essa é a maneira errada de pensar
nos se assemelharão, até certo ponto, aos do Mesozoico ou do Paleo- sobre a situação atual. As atividades humanas estão alterando as
zoico. Nas profundezas oceânicas, espessos depósitos ricos em carbo- condições oceânicas a uma velocidade inédita na história do nosso
nato de cálcio, formados pelo acúmulo de conchas de cocolitóforos, mundo. Assim, estamos conduzindo inadvertidamente um experi·
tel).derã.o a neutralizar o dióxido de <?Jl'bono dissolvido. Nas águas su- menta que nunca foi realizado neste planeta. O resultado exato não
perficiais, porém, essas algas unicelulares e outros componentes cal- será conhecido até que tenha se manifestado. 11
cificados do fitoplânctons poderão ser devastados pela acidificação,
PARA CONHECER MAIS I
que reduz a disponibilidade de minerais necessários para construir e
manter suas conchas. Embora organismos desse tipo tenham resisti- Evolving phytoplankton stoichiometry fueled diversmcation of the marine
do a mudanças ambientais durante centenas de milhões de anos, o biosphere. Ronald Martin e Antonietta Quigg, em Geosciences. vol. 2, na 2. págs.
130-146, junho de 2012.
atual acréscimo de dióxido de carbono está ocorrendo tão rapida-

www.sciam.com.br $7

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