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Pinturas Más

Pinturas Más
O Diagrama, o Espaço e o Pluralismo

Mestrado em Artes Plásticas - especialização em Pintura

Relatório de projeto apresentado na FBAUP para obtenção do grau de Mestre


em Artes Plásticas sob a orientação do Professor Doutor D o m i n g o s L o u r e i r o

João Miguel Faria Ramos


Setembro 2020
Pinturas Más

O presente trabalho reflete sobre a arte no século XXI, tendo, como
enquadramento, a pintura na sua intrínseca relação com o pluralis-
mo sentido no panorama artístico. Com isto, procura-se questionar o
discurso da sua legitimação enquanto género, de forma a abrir cami-
nho a discussões sobre tendências museográficas e de sintetização
de arte. Mais do que pensar qual é o papel da pintura tradicional –
considerando-a como reduto ‘vitalista’ à complexidade da condição
atual da imagem e como contraposto à virtualidade dos novos media
- trata-se aqui de pensar a problemática da sua especificidade e
limite como género e dispositivo. Deste modo, através da apresen-
tação da noção de diagrama, de uma incursão sobre as categorias
de espaço e tempo e da, subsequente, conceção de pluralismo no
panorama artístico, propõe-se estabelecer uma condição alternativa
para a pintura enquanto meio.

Pintura
Diagrama
Espaço/Tempo
Pluralismo
Teoria da Arte
Índice

Introdução 12

Parte I

Ainda a pintura 16
Service Economy 20
Diagrama 35
Interstício 47

Parte II

Projeto autoral 63

Balões 64
Mesa de Ping-pong com cabeça 67
Pinturas Más #40, #41 e #42 68
Pinturas Más #60 e Sem Título 68
Pinturas de Leipzig e Berlim 72
Nuvola 74
Figura-Lugar 75

Conclusão 79

Bibliografia 85
Índice de Imagens 87
Catálogo de imagens 91
Exposições 139

9
Introdução

Dispondo o projeto artístico a que este texto se refere de uma


forte ligação com a pintura – tanto num sentido mais convencio-
nal como numa aceção mais alargada do termo – proponho-me a
trabalhar sobre um programa, que não tendo um modo de atua-
ção especificamente definido, assenta nesse meio como rede que
baliza uma metodologia. Mais do que pensar qual é o papel da
pintura tradicional, trata-se aqui de pensar a problemática da sua
especificidade e limite como género e dispositivo face ao surgi-
mento dos novos modos de atuação e novos medias – a pintura
será, neste caso, o espelho onde se reverão as questões refe-
rentes ao pluralismo da arte. No entanto, e ao invés de se tentar
estabelecer qualquer axioma para circunscrição da pintura na arte
contemporânea por intermédio da especificidade de um projeto
artístico, pretende-se analisar a situação da arte contemporânea
tendo como correlação o meio da pintura no sentido alargado do
conceito. De seguida, e em função de uma melhor delimitação,
espera-se precisar o pensamento que rege este projeto confron-
tando-o com outros campos de atuação e categorias da arte con-
temporânea. Deste modo, pretende-se idealizar um conjunto de
questões - a validade do discurso sobre a imanência da pintura,
as aporias quanto a ideias de espaço e volume na pintura, os pro-
blemas sistemáticos da sua relação com outras disciplinas como
a instalação e adiante - que, originando do panorama artístico do
século XXI, serão aqui examinadas. Mais do que determinar, atra-
vés da ótica particular que orienta este projeto, a situação atual da
arte e da pintura, tenciona-se, com este texto, gerar um conjunto
de questões que permitam, ao tentar definir este ponto de vista,
produzir a intuição de um futuro na pintura - uma sensação de
possibilidade da sua continuação.
De modo a enformar a estratégia de raciocínio, de que
este trabalho artístico resulta, vai sugerir-se a apresentação de um
conjunto de questões, que partindo de um modo de ver profunda-
mente pictórico, vão propor a pintura como sistema de enquadra-
mento de um panorama artístico contemporâneo. Auspicia-se, en-
tão, a redação de um texto que, mais do que relatar a organização
de um projeto artístico autoral, pretende reproduzir o fluxo lógico
que constitui a sua metodologia.
Visa introduzir-se, primeiramente, uma síntese geral da
pintura, não só face às condições específicas que circunscreve
atualmente, como enquanto meio constituinte de um conjunto
alargado de instrumentos que orientam o panorama artístico con-
temporâneo. É em, Ainda a Pintura, que uma primeira interpreta-
ção do meio, bem como uma aceção geral de algumas das prin-
cipais ideias que a incorporam, é oferecida em correspondência
com o contexto artístico contemporâneo. Serão ainda fornecidas
algumas luzes sobre tópicos, bem como exemplos, que serão de-
senvolvidos mais adiante.
Service Economy, parte do estudo do trabalho de dois ar-
tistas, para aprofundar o horizonte de questões com que iremos
trabalhar, demonstrando a permanência da pintura pela decisão
do artista. Aqui, apresentar-se-ão já algumas propostas, funda-
mentadas pela incursão na análise de duas exposições conco-

Pinturas Más #14 e #15


Balões
Atelier Brum

2017
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mitantes, de diferentes estratégias artísticas, indicadas como chaves
para o resultado ddo presente relatório de projeto. Assim, no traje-
to deste capítulo, o discurso consequente do trabalho de Martin Ki-
ppenberger e Wade Guyton, será instrumento para se questionar, já,
alguns paradigmas atuais da pintura - com destaque para o axioma
da morte da pintura - e com fim a desbravar caminho para um discur-
so alternativo.
A necessidade de formulação de uma narrativa alternativa,
que justifique a posição atual da pintura, motiva, deste modo, o esfor-
ço em determinar os três capítulos seguintes. Tentar-se-á, em primei-
ro lugar, estabelecer uma noção de Diagrama, consciente das suas
múltiplas aceções. Esta noção servirá de análise enquanto sucessora
das problemáticas, relativas à imagem, suscitadas pela rutura do vi-
sual, de que as aporias do séc. XX são origem. A aceção, incómoda
– é um termo polissémico, de difícil resolução terminológica -, des-
te termo, será inferida, primeiramente, através dos artistas Francis
Picabia (1879-1953), Marcel Duchamp (1887–1968), Francis Bacon
(1909–1992) e Jutta Koether (1958) e depois conforme os autores
George Baker, David Joselit, Gilles Deleuze e Félix Guattari.
A breve alusão à condição fetichista da pintura e qualidades
espaciais/temporais, que advêm da condição do diagrama, darão azo
aos motivos de estudo seguintes. Assim, em Interstício, parte-se das
noções já estabelecidas para aprofundar as capacidades da pintura
encadeadas com noções de espaço e tempo. Aqui a questão do dia-
grama, os conceitos propostos por Isabelle Graw, Delfim Sardo, David
Joselit, e a análise do trabalho dos artistas Kurt Schwitters (1887–
1948), Kazimir Malevitch (1879–1935), Lazar Lissitsky (1890–1941),
Barnett Newman (1905–1970) e Luc Tuymans (1958), pretendem
avaliar a qualidade virtual da pintura.
Na segunda parte, será introduzido o relatório de projeto
autoral, que redunda do pensamento conceptual compreendido na
dissertação até ao momento. É apresentado, em primeiro lugar, um
excerto que baliza o processo metodológico, e de seguida uma breve
reformulação dos conceitos que abarca. Será instituído aqui uma pre-
missa do projeto, especificando a sua natureza delimitada por noções
pictóricas, interesse nas noções de espaço e instalação e a sua posi-
ção formal e conceptual, aludindo para preocupações com as ideias
de trabalho ou ofício, estratégia e relativização. A sua anexação num
contexto social e global contemporâneo e manifesta reclamação de
uma tradição pictórica será, também, fundamentada com exemplos.
De seguida, é exposta, de uma forma mais profunda, os vários seg-
mentos do corpo de trabalho que constituem este projeto. A descrição
das obras, realizadas, de grosso modo, entre 2017 e 2020, serão ex-
postas, de forma individual e quase cronológica, pensando descons-
truir a sua metodologia em relação com a fundamentação teórica de-
senvolvida na primeira parte deste relatório. Este trabalho produzido,
essencialmente, entre os Açores, Bélgica, Leipzig e Porto, é, então,
apresentado em conformidade com um conjunto de propostas expo-
sitivas.
Produzir-se-á, por fim, a dedução de uma qualidade pluralista
prevalecente no quadro artístico contemporâneo, do qual a pintura
será um instrumento indicativo. Aqui, será demonstrada a polivalência
da pintura através da revisão de alguns dos conceitos já apresenta-
dos.

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Parte I
Ainda a Pintura

A vinculação deste texto, que se dirige ao projeto autoral desenvol-


vido, com a pintura numa aceção mais tradicional tem a pretensão
de estabelecer um campo alargado de atuação do meio, desenvol-
vendo as suas concepções. Deste modo, torna-se forçoso ponderar
o seu enquadramento no panorama artístico. O estudo parte da de-
composição da pintura enquanto métier que abarca uma bagagem
cultural muito própria, consagrada disciplina de eleição da história
da arte, como dispositivo de produção de imagens numa realidade
tecnológica, e enquanto meio que, constantemente, procura a sua
atualização no interior de uma pluralidade de discursos também em
constante evolução. Com este paralelismo entre a pintura e o todo
em que se insere, podemos não só estabelecer uma trajetória que
subentende a expansão do seu campo como também questionar o
discurso sobre a sua morte/ressurreição, legitimando-a como um gé-
nero válido com a capacidade de abrir caminho a outras discussões.
É numa tentativa de correlacionar, através das suas capacidades
de “indexação” - capacidade de um objeto transmitir uma sensação
de presença ausente do seu autor, de evocar uma ligação física -,
a pintura tradicional com a pintura no campo expandido, e até com
a escultura, que Isabelle Graw distingue o meio da pintura pela sua
“imensidão de argumentos históricos” (Graw, 2016, p.95). Segundo
Graw o recorrente foco no meio pintura enquanto exemplo histórico
é uma situação que por si só destaca o próprio campo – esta de-
marcação pela sua historicidade transforma-a num assunto em si.
É referente a uma citação a “Aesthetics” de Hegel que Graw refere:
“Despite this, it is still important to note it is painting (and not sculp-
ture) that Hegel used as an example here; it was painting, after all,
that provided him with an occasion and reason of such a projection”
(Graw, 2016, p.95). Evitando qualquer tentativa de especificação do
meio é, no entanto, importante referir como o destaque da pintura na
bagagem cultural universal é um motivo de distinção do médium de
outros assuntos.
É igualmente importante distinguir a matéria da pintura de
um contexto de produção de imagens de uma sociedade ocidental
globalizante, em que a imagem domina maioritariamente o espaço
da cultura – em que a maior parte das experiências que compõem o
nosso dia se fazem acompanhar de uma componente estética que
serve como dispositivo de sedução. É a capacidade de indicação de
subjetividade da pintura – de se tornar um reduto ‘vitalista’ à comple-
xidade da arte atual e contraposto à virtualidade dos novos media –
que está aqui posta em questão. Torna-se importante então revelar
quais os atributos deste meio que a validam enquanto instrumento
ideológico para representar o mundo de um modo crítico. Mais uma
vez, é a noção de “indexicalidade especifica” da pintura – de “vi-
talidade” e “tempo de vida” do artista, num sentido mais marxista:
“Living Labor”, - de Isabelle Graw que prevalece. É a fantasia de
vitalidade, de sensação de que o tempo de vida e trabalho do autor
se transpõe na pintura e que requer em contramão a presença física

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de quem a vê que enriquece o próprio campo. A relação metonímica
que existe entre o autor e a pintura – que sendo uma relação satu-
rada pelo autor, no entanto não se reduz a ele – revela uma situa-
ção de presença “fantasmagórica”, da presença imaginária de um
artista ausente. É ainda esta capacidade de “produção de vida”, de
vitalidade na pintura que serve como reduto a um ímpeto capitalista
de absorção da vida e trabalho. Mais, é a simultaneidade de ritmos
com que se pode captar todo este trabalho contido numa pintura
que a torna cativante e a faz sobressair. Entre outras qualidades,
como a eficiência diagramática - pela sua estrita relação com o tem-
po enquanto matéria - da possibilidade de ser pensada a partir dos
seus elementos particulares, a pintura tem sido capaz de, não só
evitar quaisquer axiomas sobre a sua imanência, como também de
se destacar como meio que reclama o seu próprio espaço dentro da
multitude de novas formas de arte que surgem.
Contudo, é na relação da pintura com a escultura, e deste
meio com as noções de espaço e espectador, que proponho discer-
nir de um modo diferente estas conceções. Desta forma, é numa
aproximação aos conceitos que compõem os outros médios com
que pretendo entender um novo modo de ver a pintura, em que a
sua instalação se torna tão fulcral para a “entidade singular” (Bishop,
2005, p.6) com que deverá ser visto o espaço que a acolhe como
também para a individualidade da obra. Por isto, advém a necessi-
dade de termos em conta o espectador como presença física num
espaço com a capacidade de manter uma relação crítica e direta
com a pintura e a experiência de espaço que se lhe subjaz – experi-
ência que não é uma pertença intrínseca e exclusiva da instalação.
São, para além dos conceitos de ‘temporalidade’ e ‘liveliness’ de
Isabelle Graw de que já falamos, as noções de ‘aura’ e ‘origem’ re-
lembradas por Georges Didi-Huberman que aqui nos interessarão
como também o trabalho de inúmeros artistas que sobre estas parti-
cularidades têm trabalhado. Podendo passar-se de um modo rápido
pelos trabalhos de El Lissitzky (Project proun, 1922), Kurt Schwitters
(Merzbau, 1923) e Duchamp (First papers od Surrealism, Mile of
String, 1942) – em que a noção de espaço é trabalhada pelos dis-
positivos empregados, uma predeterminação do percurso do espec-
tador, a aproximação à disciplina da arquitetura ou a criação de um
dispositivo que impede a aproximação do espectador às obras, e
aliada a uma conceção de pintura, ainda que muito próxima do cam-
po expandido – é em artistas como Malevich, Martin Kippenberger,
Wade Guyton e Luc Tuymans que a tónica se afirma. Será, contudo,
em Barnett Newman que poderemos analisar, segundo Didi-Huber-
man a questão da hibridização e complexidade das transferências
de espaço e tempo na pintura. Aqui será uma qualidade virtual de
espaço, de que a pintura é capaz de produzir, segundo uma premis-
sa aurática – mediada pela noção benjaminiana de “imagem dialéti-
ca” – que será relacionada.

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Service Economy
Martin Kippenberger e Wade Guyton

Para introduzir algumas das questões com que iremos traba-


lhar, e de forma a traduzir a questão da permanência da pintura,
iremos analisar os trabalhos dos artistas Martin Kippenberger
(1953-1997) - nascido em Dortmund e tendo estudado na Ho-
chschule für Bildende Künste de Hamburgo, sobre a influência
indireta de Sigmar Polke (1941-2010), foi um dos responsáveis
pelo movimento de pintura de Colónia dos ano 80 – e Wade
Guyton (1972) – nascido em Indiana, nos Estados Unidos, estu-
dou na Universidade do Tennessee e depois na Hunter College
em Nova Iorque, é um dos artistas frequentemente encontrado
nas maiores exposições de pintura. Do trabalho destes dois ar-
tistas será analisado, em particular, as suas apresentações re-
trospetivas, nomeadamente Bitteschön Dankeschön e MCMX-
CIX-MMXIX Zwei Dekaden - apresentadas respetivamente na
Bundeskunsthalle em Bonn e no Ludwig Museum em Colónia.
Estas duas exposições, praticamente coincidentes a nível tem-
poral e espacial - Bitteschön Dankeschön é inaugurada a 1 de
Novembro de 2019 e fica patente até 16 de Fevereiro de 2020 e
MCMXCIX-MMXIX Zwei Dekaden inaugura a 16 de Novembro
de 2019 e fica patente até 1 de Março de 2020, em duas cidades
que distam sensivelmente 24km de distância entre si -, serão
dois índices de uma interpretação que evidencia o diálogo, bem
como a narrativa processual algumas vezes concomitante do
trabalho artístico de dois artistas. O que se pretende aqui expor,
através da intersecção das duas linhas de pensamento que re-
gem estes trabalhos, e que se manifestam fisicamente na rela-
ção entre duas exposições que pretendem de forma muito clara
salientar isso mesmo, é a ideia de um projeto de pintura que se
pretende colocar para além de si[da pintura] própria.
No caso do artista alemão Martin Kippenberger destaca-
-se um mecanismo de produção que ataca noções pertinentes
para o motor da pintura como é o caso de um projeto de trabalho
centrado na personificação de uma ideia de “artista típico”; a ce-
dência de noções básicas de autoria, autonomia, originalidade,
apropriação, valor ou linguagem; ou até a origem de uma noção
de um atlas particular que se concilia com o estabelecimento
de um sistema de referência pessoal (Cosmos Kippenberger).
Mas é o vínculo com “informatização pós-conceptual e princípios
económicos” (Service economy) do seu trabalho; o seu motor de
pensamento; o processo pelo qual o artista transforma um input
em output, que se torna essencial para percebermos a lógica
que transcende o projeto de Kippenberger para além do seu tra-
balho – um trabalho que parte da escala do particular para a do
geral.

Martin Kippenberger
Uno di voi, un tedesco in Firenze
Óleo s/tela, 56 telas
41: 60 x 50 cm; 15: 50 x 60 cm
1976/77
Bitteschön Dankeschön
Bundeskunsthalle, Bonn
2019
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Desde o seu princípio, a complexidade do trabalho de Mar-
tin Kippenberger deve ser estabelecida para além da mítica figura
de um provocador artista cómico, repleto de atitudes ousadas e iró-
nicas. A ousadia do trabalho deste artista deverá ser vista enquanto
uma sucessão de momentos singulares, em que cada um destes
momentos – sendo eles cópias, reconfigurações, contradições, re-
petições, aperfeiçoamentos, etc - devem, por sua vez, ser vistos de
forma particular - não obstante da necessidade de manter em mente
a sua integração na totalidade de um plano que referência tanto uma
“problemática de organização e continuidade inata de uma praxis”
(Service economy) como uma intenção de uma simbiose radical da
produção artística com a vida – Gesamtkunstwerk. Da imensida-
de das suas obras/séries de trabalhos, e pela dificuldade que seria
mencionar todas, poderemos destacar um conjunto que, na impos-
sibilidade de redução da sua ideia no interior do projeto do artista,
sintetizam momentos-chave do seu percurso. Assim, na obra ‘Uno
di voi, un Tedesco in Firenze’ de 1976/77 - uma das primeiras séries
com uma escala maior – produzida pelo artista numa viagem a Itá-
lia com propósito de iniciar uma carreira como ator, motivada pela
trágica morte da sua mãe e somente alguns meses após uma breve
estadia com o pintor Sigmar Polke, manifestam-se já alguns elemen-
tos-chave que estruturam o pensamento do artista como estratega
artístico versado em procedimentos económicos. A obra constituída
por uma instalação de 56 pinturas a preto e branco, medindo 50 x 60
cm ou vice-versa, faz simultaneamente alusão ao método de traba-
lho do artista baseado em amostragens, combinações e referências
à sua vida e ao universo artístico – as pinturas referenciam a situa-
ção cliché de um artista alemão que vive o quotidiano italiano atra-
vés dos seus motivos, as composições em tons cinza podem fazer
um pequeno aceno de cabeça à austeridade das primeiras pinturas
a preto e branco de Gerhard Richter (1932) – como também à inte-
ligência económica da estrutura de processamento de informação
com que o artista é distinguido – a obra apresenta uma astúcia na
forma como é composta seguindo um conjunto de diretrizes como a
escolha da tonalidade cinzenta para simular uma objetividade trans-
parente aliada aos seus motivos. A sua instalação é decomposta
para atingir uma escala que mede aproximadamente a altura do ar-
tista culminando nesta associação do trabalho à sua vida pessoal.
Noções de apropriação e coleção, mais especificamente em relação
ao trabalho de Richter, voltam a ser questionadas nas obras ‘Peter
Sculpture’ de 1987, em que um conjunto de esculturas, distribuídas
segundo o princípio de montagem de Petersburgo - esquema muito
em voga na época, elaborado a partir da estrutura de montagem do
Museu Hermitage em São Petersburgo, em que as obras são mon-
tadas em género de nuvem, não seguindo quaisquer regras - forma
uma instalação densa que vai questionar as instituições, a limpeza
do “white cube”, bem como levantar questões como heterogeneida-
de e hierarquia entre obras. Entre as peças que constituem estas
obras destacam-se ‘Wenn’s anfängt durch die Decke zu tropfen’, em

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que réplicas de poliuretano são construídas a partir de obras de Pe-
ter Fischli (1952) e David Weiss (1946-2012) e ‘Modell Interconti’ em
que uma das pinturas ‘Grau’ de Richter é reformulada num objeto de
fabricação massificada, uma mesa de café. Para além da natureza
crítica e jocosa deste último objeto quanto ao mercado da arte – a
pintura é adquirida a Richter e vendida com o nome de Kippenberger
perdendo alguma percentagem do seu valor de mercado – e quanto
a Richter – a transformação de uma pintura num objeto que convida
a uma ideia de conversa, torna-se uma alusão à natureza contida/
anti-social ou um pouco elitista do autor da pintura – é nas várias
camadas de narrativas que a peça é capaz rasar que reside a sua
importância. É desta forma que as obras ‘Wenn’s anfängt durch die
Decke zu tropfen’ e ‘Modell Interconti’ se inserem numa série rode-
ada de outras peças, reservando para si uma qualidade de objetos
colecionados, mas ao mesmo tempo mantêm a sua validade indivi-
dual e desenvolvem a sua própria narrativa dentro dessa estrutura.
O conceito de coleção é então visto como um meio de pro-
dução de arte em si, como uma operação económica sustentada
no seio do projeto do artista, onde a despesa da coleção de obras
estava coberta pelos rendimentos da venda do seu próprio trabalho.
Finalmente na série de trabalhos ‘Lieber Maler, male mir’ de 1981,
Kippenberger comissiona um conjunto de pinturas a um designer de
posters - Hans Siebert; “Meister Werner” - com base em fotografias
tiradas pelo próprio artista. Neste grupo de pinturas, que se tornam
coincidentemente uma rutura com as bases conceptuais da Neue
Wilde – o até então movimento ‘Pós-moderno’ constituído por artis-
tas como Werner Büttner (1954), Marcus e Albert Oehlen (1956) e
(1954), Georg Herold (1947), Günther Förg (1953-2013), entre ou-
tros – e, mais uma vez, uma referência ao fotorrealismo de Gerhard
Richter, surge um abandono da noção de autoria, de supressão da
caligrafia e mão do artista, que vai dar ênfase a um modo de pro-
dução artística baseado no controlo de decisões e abrir caminho à
criação do sistema pessoal de referências do artista. Este dispositi-
vo é aprofundado mais tarde em duas situações distintas: a primeira
aquando de ‘Heavy Burschi’/’Heavy Lad’ de 1991, onde o artista co-
missiona ao seu assistente Merlin Carpenter um conjunto de pintu-
ras feitas a partir de fotos de obras de Kippenberger documentadas
em catálogos, e que são subsequentemente fotografadas e destru-
ídas, sendo o resultado uma instalação que mostra estes destroços
dentro de um contentor rodeado pelas imagens. Nesta instalação a
noção de autoria é ultrapassada quando a própria edição e poder de
decisão, nas inúmeras mediações que a obra sofre, são entregues
ao seu assistente – dando espaço á eclosão de um número de pos-
sibilidades a serem examinadas segundo uma lógica diagramática,
em que erros e fracassos podem ser conceptualizados; e a segunda
nas inúmeras obras que foram fruto da relação entre Kippenberger
e Albert Oehlen, que desenvolveram em conjunto um sistema de
programação artística que resulta da verbalização de obras entre si.
Após o tempo entre esta verbalização e o seu esquecimento uma
obra surge sem autor para ser instrumentalizada.

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Martin Kippenberger
Modell Interconti
Madeira, metal, pintura de Gerhard Rich-
ter de 1973
33 x 79 x 60 cm
1987

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Martin Kippenberger
Heavy Burschi/ Heavy Lad
Contentor com pinturas destruídas
Fotografias

Bitteschön Dankeschön
Bundeskunsthalle, Bonn
2019
É deste modo que podemos, com algumas obras de Martin
Kippenberger, aferir uma delimitação de um projeto artístico centra-
do, mas não circunscrito, na pintura que a supera e direcione para
domínios que a complexificam para além das proposições habitu-
ais. É, como já vimos, na complexidade de enquadramento de um
projeto que se propõe total e simbiótico com a vida do artista, na
examinação do seu trabalho enquanto uma rede devido a aplicação
de estratégias de autopromoção como referências, apropriações,
combinações, etc., aproximação do seu processo de trabalho a es-
truturas de desenvolvimento social - entre as noções económicas,
estratégias publicitárias, e reprodução de entidades empresariais
como o Kippenberger büro-, na capacidade de atuação como cata-
lisador para a recessão e transformação de informação -“Everting”
– conceito que define a ação de perceção ou má compreensão e
subsequente apropriação por parte do artista de obras, ideias e con-
ceitos exteriores - que reside a natureza do seu trabalho, capaz de
oferecer uma deslocação dos paradigmas atuais da pintura, valori-
zando uma perceção que enaltece o diálogo ou narrativa entre artis-
tas contemporâneos e consequente pluralismo.
Outro artista, que obedece a um sistema operativo seme-
lhante, é Wade Guyton. Este artista é um descendente incontestável
- quer pela sua capacidade de alcance, semelhança de linguagem
e estratégia, e até mesmo pela referência direta - na série de dese-
nhos impressos do artista – em que se apropria do termo desenhar
quando trabalha impressão sobre papel usando softwares rudimen-
tares como o software Microsoft Office – o artista trabalha sobre uma
fotografia de um catálogo de Kippenberger em que este surge re-
presentado – da genealogia de Martin Kippenberger. Tal como em
Martin Kippenberger, no trabalho do artista americano Wade Guyton
promove-se um conjunto de diretrizes que estabelece um papel da
arte enquanto esforço de progressão localizada e descentralizada.
Apesar de, em parte, o seu trabalho se debruçar com maior pro-
fundidade no paralelismo entre tecnologia e sociedade, no digital/
virtual, e na ideia de certa maneira tradicional da ilusão na pintura
, é nos conceitos de continuidade e diagramatismo, das operações
económicas e estratégias expositivas, e finalmente no emprego de
apropriações e referências que iremos questionar esta sucessão e
paridade.
Uma primeira aceção do trabalho de Guyton remete-nos
imediatamente, através das suas propriedades físicas, para alguns
postulados mais ou menos evidentes, como por exemplo um foco
na utilização de mecanismos tecnológicos e de reprodução. A fo-
tografia, impressa sobre linho, serve várias funções no trabalho de
Guyton, dos quais poderíamos apressadamente associar a uma po-
ética noção da adequação da pintura aos novos tempos. Contudo, é
na ideia de uma diferenciação entre a pintura e os processos digitais,
realizada a partir de uma aproximação dos seus pressupostos orga-
nizacionais, que melhor podemos conceber essa relação. Assim, o
foco não se prende na estratégia ilusória de apresentar fotografia
como pintura, mas de tratar ambos através de um mecanismo seme-

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lhante, de tratar impressão digital com pressupostos organizacionais
da pintura. A reprodução tecnológica estabelece-se, ainda, como um
elemento que permite a criação de uma estratégia expositiva que
extrapola a pintura para além dos seus limites enquanto objeto com
um conjunto de características historicamente definidas. A fotografia
vem então acrescentar uma condição exterior, um conceptualismo,
ao meio da pintura - uma não pintura inscrita dentro do meio da pin-
tura – descortinando uma exteriorização da especificidade do meio
da pintura. A especificação de Gilles Deleuze da fotografia enquanto
meio que se relaciona com a pintura, como nos explica nas suas
reflexões sobre o trabalho de Bacon – uma utilização ainda diferente
da que estamos a ver mas pertinente de igual modo, é a de um meio
que reclamou para si, enquanto detentora do espaço imagético do
mundo atual, as funções de ilustração e de documentação previa-
mente concedidas à pintura antiga, vinculada ainda por “possibili-
dades religiosas”. O argumento é de que o sentimento religioso lhe
permitia, não um sustento na figuração - ilustrativo e narrativo -, mas
uma libertação da figura, e subsequente reivindicação da figuração
para fotografia. Esta figuração não seria do motivo mas da sua for-
ma, a fotografia aspira então reinar sobre a visão e pintura - torna-
-se “aquilo que o homem moderno vê” - profusão de imagens, ruído
visual, etc. O que assistimos, então, em Guyton é uma renúncia à
relação estética que ocorre entre a fotografia e a pintura. Sobra a
questão de se saber se este movimento constitui a pintura enquanto
“coisa vista”, coisa em si-mesma capaz de impor a verdade de ima-
gens inverosímeis, ou se destitui a fotografia desse papel, através
dos “maltratos à imagem impressa” necessária para se quebrar os
clichés que preenchem a tela em branco.
Com a mesma significação que Martin Kippenberger, a par-
tir de Jeff Koons (1955), compreendia a capacidade destes meios de
reprodução, também Wade Guyton se apercebe da sua vantagem
no que toca ao aumento da capacidade de circulação que possi-
bilitam na sua produção. Guyton cria, então, um sistema que lhe
permitiu realizar um conjunto de 3 exposições – Galeria Friedrich
Petzel, Nova Iorque, 2007; Galeria Chantal Crousel, Paris, 2008 e
Portikus, Frankfurt, 2008 – onde apresenta, pela primeira vez, um
conjunto de monocromias pretas em grande formato, que resulta-
vam da impressão de um ficheiro em formato Tiff preto sobre con-
junto de telas fracassadas, e um chão de contraplacado preto, que
replicava o chão do sítio de produção original. A ocupação do chão
da galeria pelo contraplacado negro é um mecanismo utilizado por
Guyton para diferenciar a experienciação das pinturas da sua expo-
sição dos restantes pintores representados pela galeria – a escolha
do elemento chão é implicada pela relação que o pintor tem com
ele, já que as telas são empilhadas horizontalmente no chão do seu
estúdio antes de serem apresentadas. Os elementos de madeira,
os únicos pintados à mão, são transportados para o próximo local,
os ficheiros impressos novamente em tela, simulando um ficheiro
digital para ser executado.

26
Esta estratégia de replicação de exposições não seria mais
do que uma estratégia de exploração económica, não diferente das
que qualquer meio ou técnicas de impressão emprega, não fosse
pela decisão consciente de retenção de algumas pinturas pelo ar-
tista. A motivação encontra-se então, não na rentabilização ou na
democratização da pintura, mas na criação de um universo que
permite uma continuação de momentos expositivos e consequente
transposição da pintura, enquanto matéria, para o campo da exposi-
ção, enquanto evento, em exposições que têm como motivo último
o valor de bilheteira – num sentido em que se aproximam mais do
modelo expositivo das artes do espetáculo.
Assim, as noções de continuidade e diagramatismo são
questões inerentes da globalidade do trabalho do artista pela dire-
ção, ou vontade de evitar uma direção, que adota. O movimento
com que ataca noções do geral para o particular cria o impasse –
momento súbito de stress de produção – de se precisar qual o cami-
nho a seguir. Ou seja, manifesta-se a questão de que direção seguir
quando um apogeu, uma totalidade ou resumo a essência, surgem
a cada passo. Na série de trabalho ‘Black Monochrome’ de Guyton,
que descreverei mais a frente em mais pormenor, apresentada em
2007, temáticas de cariz definitivas e apoteóticas são questionadas
como as contestadas em obras-chave representativas de movimen-
tos artísticos concretos em outros artistas como: ‘Quadrado preto’
de Kazimir Malevitch, ‘Pinturas Negras’ de Robert Rauschenberg e
Frank Stella, ou ainda alguns trabalhos de Mark Rothko e Ad Rei-
nhardt.
É na consequente atitude descentralizadora, de desalinha-
mento com a direção originalmente pressuposta ou com um objetivo
definido à priori – de, em retrospetiva, se perceber a necessidade de
negar totalmente a questão de ‘que caminho seguir’ - que o trabalho
de Guyton se estabelece como relevante para se tentar equacionar
uma possível síntese do panorama da arte atual.
Outro modo de deduzir a estrutura de organização centra-
da na ideia de continuação é através da intrínseca relação que o
trabalho de Guyton tem, ou não, com a ideia do erro ou acidente,
que apreendidos pelo artista apenas pela sua realidade factual, são
desvalorizados em função de qualidades estéticas somente capa-
zes de um poder de sedução. O artista prefere, então, evitar estes
conceitos em função do abandono da noção de objetivo – porque
o erro assume um objetivo não concretizado. Esta é uma interpre-
tação singularmente coincidente com a noção de ‘Acaso’ que De-
leuze tem sobre o trabalho de Francis Bacon – a posição de Bacon
quanto ao acaso é, similarmente à sua posição sobre a fotografia,
de um fascínio e autoabandono simultâneos, direcionada por regras
de ação e rejeição específicas. Este acaso, que segundo Deleuze
não é conjunto de probabilidades - probabilidades são algo dado à
partida, antes do trabalho de pintura- mas um tipo de escolha não
científica e não estética, é subordinado e apenas efetivado - tornado
pictural - segundo a manipulação do pintor – no sentido em que,

27
como marcas representativas, não dizem respeito à imagem visual
mas à mão do pintor. O conceito é, ainda, visto em Deleuze como
um modo processual de pré-atuação do pintor, capaz de possibilitar
um distanciamento, como uma estratégia de combater os clichés e
as probabilidades que preenchem a tela em branco.
Assim, o trabalho de Guyton revela a sua pertinência ao de-
senvolver estes processos organizacionais no sentido em que a fun-
ção do seu trabalho se prende com a tentativa de se organizar a si
própria. Esta desembraiagem do projeto do artista, de forma a criar
vias paralelas dentro de uma mesma projeção, pode rapidamente
ser associado às diretrizes de crítica institucional orientadas por Ki-
ppenberger, em que uma hierarquia estética entre obras é refutada
e um conjunto de obras fundamentalmente distintas são justapos-
tas.
A sucessiva rutura dos processos mentais de cada sé-
rie apresentada por Guyton, oriundas deste método diagramático,
transformam as propriedades do trabalho dentro de um contínuo,
como se se tratasse de um movimento de aprendizagem dum novo
alfabeto, em que cada letra nova apreendida é uma nova adição
para a sua gramática.
Mais uma vez, este ruminar de informação, prendido pela ló-
gica de pensamento macro/micro de Wade Guyton, condessa-se no
trabalho em diferentes camadas: tanto nas ‘U paintings’, ‘X paintin-
gs’ e ‘U sculptures’ – com o surgimento de aliterações com as letras
X, U e outros motivos. Encontra-se, igualmente, nas transformações
virtuais, que acontecem num não-espaço, no computador do artista,
que cada imagem sofre – tendo como exemplo as ‘Bitmap paintings’
em que processos de resampling e zoom para o aumento de ima-
gens são usados, distorções da sua capacidade de resolução para
níveis ínfimos são realizadas de forma a criar uma dinâmica entre
alta e baixa resolução.
No caso destas pinturas com a reprodução das letras ‘X’ e
‘U’, surge ainda uma subordinação do pictórico à função linguística.
Para além de todos os substratos de implicações, como por exem-
plo enquanto elementos coordenadores geográficos ou virtuais - X
– aqui, U – Aí; ou linguagem computacional 0 ou 1 -, enquanto ideias
de afirmação ou negação, enquanto signo identificador de uma mar-
ca - X-men, X-box, etc.-, ou enquanto presença antropomórfica,
é a qualidade referenciadora deles que se torna relevante. Numa
dimensão diferente, esta lógica de produção, é ainda repetida no
corpo de trabalho do artista a nível logístico – no sentido em que o
trabalho se prende com o seu contexto exterior, com o atelier, com
os seus assistentes e funcionários, com o local em que se encontra,
com o modo como se desloca, etc. Deste modo, o trabalho suspen-
de-se num equilíbrio em que cada alteração ao seu processo de
trabalho subordina simultaneamente o passado e o futuro do seu
trabalho – desde a inclusão de trabalho impresso, a substituição de
uma impressora ou a criação de uma obra a partir dos feltros forneci-
dos pela transportadora para embalagem das obras do artista após
uma falha logística pela galeria que o acolhe, etc.

28
Martin Kippenberger
Farbeier
Paint Bombs
Estante de plexiglass, 48 pinturas de óleo s/tela
270 x 44,4 x 34,5 cm
1992
Wade Guyton
4 pilhas de pinturas
MCMXCIX-MMXIX Zwei Dekaden
Museu Ludwig, Colónia
2019
Este modo de sistematizar a produção de trabalho é, desde
logo, alusiva às operações económicas que já vimos serem mani-
festadas em Kippenberger. No caso de Guyton vemos um aprofun-
damento destas operações para um patamar relacionado com pro-
cedimentos virtuais e meta- narrativos, contudo questões que, de
certo modo, se relacionam com a especificidade da arte e da pintura
numa aceção mais tradicional – e que de igual modo foram motivos
de Kippenberger, como o atelier do artista, os seus utensílios ou o
mercado da arte – continuam a ser amplamente questionados. É,
como exemplo, na exposição Patagonia, na Galeria Petzel em Nova
Iorque, onde o artista mostra um conjunto de pinturas apelidadas
de ‘Scenes of the studio’ representando cenas do quotidiano do seu
atelier, como embalagens que restam do almoço, assistentes em
conversa, trabalho exposto no chão, que o motor que rege o seu
trabalho é exposto através de uma associação com motivos cate-
gorizados como convencionais da pintura até ao século XVII - re-
ferindo as cenas de atelier de pintores como Courbet em ‘Artist’s
studio’, ou ‘The allegory of painting’ de Johannes Vermeer, etc. Em
‘Siamo Arrivati’ no Madre – Museu d’Arte Contemporania Donna-
regina, em Nápoles, o artista decide preparar a exposição in situ,
como meio de economizar recursos, tendo, para isso, transportado
consigo duas novas impressoras e alguns dos seus assistentes. A
impossibilidade dos elementos necessários à criação da exposição,
como as impressoras, as mesas de montagem e as caixas e tecido
de embalagem, serem retirados a tempo da inauguração conver-
teu a experiência de exportação de um mecanismo expositivo num
modelo turístico e decomposto do próprio mecanismo. As mesas,
impressoras e materiais de embalagem passam a ser introduzidos
como obras na exposição e integrados no léxico do artista para se-
rem utilizadas em futuras exposições. Outras estratégias utilizadas
pelo artista, salvo os já referidos meios de produção tecnológicos,
a exteriorização da especificidade da pintura, salientam-se ainda a
transferência conceptual e prática do meio empresarial/Escritório
para a pintura - como também já fora visto por Kippenberger em
Kippenberger Burö-, e a ideia de aglomeração, de que toda a pro-
dução escrita e visual consequente da exposição, passar a ser uma
ferramenta de autopromoção do artista.
Em suma, é nestas qualidades distintas, não inerentes ao
meio da pintura, presente no trabalho destes dois artistas que me-
lhor percebemos a narrativa subliminar e subjetiva que descreve a
linha de que sucedem. Este burilar de informação transmitida de um
artista para outro é, para além de uma evidência da imprescindibili-
dade da noção de trabalho/labor no íntimo do meio, uma evidência
de vias alternativas à questão da imanência da pintura.

31
Kazimir Malevitch
Black Square
0,10 Exhibition
São Petersburgo
1915
Wade Guyton
Black paintings
Ficheiros Tiff pretos impressos a inket s/ telas defeituosas
Chão coberto com contraplacado pintado de preto
Frederich Petzel Gallery, Nova Iorque
2007
Diagrama

“Bacon: Com muita frequência acontece que as marcas in-


voluntárias são muito mais profundamente sugestivas do
que as outras, e é nesse momento que se sente que tudo
pode acontecer.

Sylvester: Sente-o no próprio momento em que faz essas


marcas?
Bacon: Não, fazem-se as marcas e atenta-se nelas como
se faria com uma espécie de diagrama. E, no interior desse
diagrama, vêem-se aparecer possibilidade de factos de to-
dos os tipos. É uma questão difícil; não estou a exprimir-me
bem. Mas repare, por exemplo, se pensa num retrato, num
certo momento terá de colocar a boca num certo sítio, mas
de súbito, por intermédio desse diagrama, você vê que a
boca podia ir de um lado ao outro do rosto. E, de algum
modo, num retrato, gostar-se-ia de fazer daquilo que apa-
rece um Sara, fazer o retrato tão parecido e apesar disso
aparentando ter a distâncias do Sara […].”
David Sylvester - entrevista a Francis Bacon

Apesar do axioma composto por todas as reformas ou esforços para


restaurar a pintura enquanto meio, face às conceções suscitadas
pela rutura do visual de que as aporias do seculo XX são anuncia-
doras, é na redefinição dos seus parâmetros mais intrínsecos com
que poderemos apreender a deslocação a que se tem submetido de
forma a estabelecer exemplos alternativos. Mais do que debruçar-
mo-nos nestas repercussões, quer em termos físicos - como por
exemplo na criação de subgéneros como a pintura mural, a associa-
ção da pintura à instalação ou à performance, etc. -, quer em termos
mais abstratos - como por exemplo na subversão de categorias já
existentes, dissolvendo assim a circunscrição da pintura não só a
outros meios como a escultura, o vídeo como a outras movimentos
como a crítica institucional, etc.-, dos limites que a pintura enquanto
meio tem para si, pretende-se reconsiderar que condições ou qua-
lidades mais razoavelmente a estabelecem. Com isto, pretende-se
colocar a Pintura, enquanto meio dialogante com o mundo e com o
contexto artístico, em confronto com diferentes modos de perceção,
evitando os habituais discursos sobre a sua imanência em função de
uma lógica que se mostra mais interessante pela sua complexidade.
De facto podemos determinar 3 eventos que compõem não
linearmente a pintura enquanto meio: Um passado que é simultane-
amente a sua bagagem e ponto de origem; um presente que é a sua
ação e direção e; um futuro enquanto lugar de especulação. Sendo
este passado referente à decisão - coletiva=proposta de decisão -

35
que propõe uma história de arte, e consequentes movimentos que
a constituem, e o futuro um recipiente dos veredictos que advêm
do panorama/horizonte artístico contemporâneo, a atenção estará
centrada na argumentação a partir do momento em que nos encon-
tramos.
Deste modo, a delimitação atual da pintura enquanto meio
é sintoma de um conjunto de problemáticas que não se vão subs-
tituindo, mas sobrepondo e alterando os seus pontos de foco. Dos
eventos inultrapassáveis que incorporam a tradição de que falamos,
podemos apontar o nascimento da capacidade de reprodução téc-
nica da obra de arte e, em particular, a fotografia. O nascimento da
fotografia incitou, como é sabido, a consequente dessacralização da
pintura, o desprendimento da ligação olho-mão no interior do pro-
cesso artístico, e libertação de categorias como o tempo, autonomia
e originalidade da obra de arte (Walter Benjamin). Mas veio também
invadir o universo imagético contemporâneo com a sua pretensão
de função documentativa do “real” que, por sua vez, emancipa cer-
tas categorias da pintura – como elucida Deleuze sobre a relação
fotografia-pintura de Francis Bacon: “Ela [a fotografia] não é uma
figuração do que se vê, é antes aquilo que o homem moderno vê”.
e “A fotografia não é simplesmente perigosa por ser figurativa, mas
sim porque pretende reinar sobre a visão, e consequentemente so-
bre a pintura.” (Deleuze, 2011, p.46 e 47).
A classificação, por Gilles Deleuze, da fotografia, é portan-
to, de uma última detentora da capacidade de impor a verdade de
imagens inverosímeis e traficadas, como opressora de sensação,
excetuando casos raros, em oposição à pintura. Da resistência des-
te meio a este evento sucederam-se pressupostos de corte com as
ideias de representação interior à pintura – ideias que se resumem
dos postulados do Modernismo, Dadaísmo e Surrealismo. Aqui, a
sua renúncia é realizada a partir de um momento de introspeção –
este processo é executado através de uma alegoria da pintura que
coincide com a sua corporalização pronunciada pelo Modernismo,
iniciado pelo Cubismo, e Vanguardas históricas, e respetivamente
pelo grupo Dadaísta, liderado por Marcel Duchamp e Francis Pi-
cabia (Baker, 2001, p.54). Se, com o Cubismo de Braque e Picas-
so a retórica da representação se prende com um colapsar da sua
própria representação sobre a sua semiótica, a estratégia dadaísta
prende-se com a utilização expansiva do elemento diagrama – num
procedimento investido nas coordenadas e relações entre eventos.
“Cubism’s effect is implosive:objects collapse under their own moun-
ting semiotic obscurity. Apollinaire’s poem, on the other hand, is ex-
pansive - diagrammatic - in its impulse to establish (...) the “vectors
and relations leading to a possible order of events.” (Joselit, 2005,
p.231). É na resposta a estas questões quanto à significação e lugar
da pintura enquanto métier que poderemos chegar às questões que
a situam atualmente.
Neste caso, a alusão à pintura dadá de Francis Picabia tor-
na-se crucial como elemento meta narrativo divisório da natureza da
Pintura. Efetivamente, em “Natures Mortes”, em que o pintor apre-
senta um brinquedo representando um macaco preso numa tela

36
Francis Picabia
Natures Mortes
1920
onde regista os nomes de 3 pintores, respetivamente Rembrandt,
Cézanne e Renoir, como possível simulação de um retrato que se
transfigura em natureza-morta, Picabia concebe, não só um prelúdio
da noção de ready-made, embora ainda aprisionado à convencio-
nal estrutura física da pintura, como o faz evocando uma nova con-
juntura para a estrutura simbólica da pintura – evocação esta que
destina à pintura uma condição agenciadora da representação que
se inscreve na intenção cómica inicial de apresentar realmente um
macaco vivo - indo ao encontro do “Tableau Vivant” que seria o seu
titulo inicial. De facto, em “Natures Mortes” encontra-se intrínseca
a ligação entre o ready-made e a pintura, esta relação adensa-se
mais se correspondermos a estratégia processual do ready-made
às categorias pictóricas anteriores ao Modernismo – nas naturezas-
-mortas e retratos a conceção de um motivo pressupõe desde logo
a existência de um ready-made. Deste modo, e como veremos atra-
vés de George Baker, a equação da noção de ready-made ao meio
da pintura valida-a pela libertação dos postulados de autorreferen-
ciação herdados do Modernismo.
Mas é ainda em “The artwork caught by the tail”, do mesmo
autor, que a função diagramática da pintura é apresentada por inter-
médio do trabalho de Francis Picabia e Marcel Duchamp. Trata-se,
aqui, da moção iniciada por Picabia com o 12º número da sua publi-
cação 391 onde replica, juntamente com uma referência a “Natures
Mortes”, uma imagem da Mona Lisa desfigurada previamente apre-
sentada como “L.H.O.O.Q” por Marcel Duchamp. A obra criada por
Duchamp, quando ainda vivia em Paris com Picabia, mas que se
encontrava em Nova Iorque no momento da sua apropriação, con-
sistia na reprodução da Mona Lisa ostentando um bigode e barba e
soletrando as letras “L.H.O.O.Q” logo abaixo. Esta inscrição instiga-
va os espectadores de fonética inglesa a “olhar” enquanto simulta-
neamente remetia, aos de fonética francesa, para a anedota “Elle a
chaud au cul” - Ela tem um rabo quente - a quem a soletrasse.
A versão desautorizada apresentada por Picabia mostra en-
tão a mesma imagem sem a barba, e apresentando o bigode alonga-
do, acentuando a presença fálica de que o trabalho do artista vinha a
explorar. Estes, então, “Tableau Dada”, como vieram a ser designa-
dos, viriam a colocar em questão noções de linguagem, noções de
grafia – da escrita, ou do desenho - como elementos de rasura da
representação, e de rejeição aos antigos mestres por meio de uma
via freudiana, de uma presença de ideias fálicas, de castração e de
patriarcado – de que Duchamp vem mais tarde a desvincular-se.
É, no entanto, nesta moção enquanto catalisadora de uma
correlação entre o trabalho destes dois artistas, que se verifica com
os consequentes “Dessin Dada”, que se encontra a relevância para
a tónica do diagramatismo. A seguinte reprodução fotográfica para a
sua revista por parte de Picabia de um bilhete de corridas de cavalo
com o intento de servir de parelha para a, desta vez renomeada
“Dessin Dada” de forma consentida, apropriação do desenho “Tzan-
ck Check” de Marcel Duchamp – uma reprodução manual de um
cheque em tamanho maior que o real com o valor de 115 dólares
americanos e com o destinatário Daniel Tzanck – anuncia-se desta
vez como uma apropriação efetiva. Esta dupla mediação da imagem
de um cheque, que por si só equaciona a cópia de um documento

38
burocrático que intima um valor monetário com a obra de arte e,
por sua vez, o mundo da arte - no sentido em que o destinatário se
torna o espectador de arte, a obra surge datada e assinada por um
autor que, como num cheque, garante autenticidade - [Daniel Tzan-
ck, dentista de profissão, foi um agente fomentador da criação de
um museu de arte contemporânea em Paris; nesta situação o mu-
seu funcionaria em si como agente autoritário suportando a garantia
de autenticidade análoga ao papel de um banco numa transação
financeira] vem então questionar já as noções de autoria, valor e
convertibilidade mas também originar uma proposição com Picabia.
A justaposição da proposta de Picabia vem, por sua vez, decompor
as mesmas questões apresentando-as como “duplas, como instá-
veis, como indeterminadas” (Baker, 2001, p.71) através da parelha
entre ready-made e desenho – no sentido dos seus mecanismos de
escolha, decisão e economia. Na reprodução do bilhete de corridas
de cavalo, em que o desenho se assume como um “Ready-made
abstrato” - é apresentada sem alterações ou adições inscrevendo-se
apena um título e assinatura-, associando-se depois um conjunto de
inscrições que o aproximam dos “desenhos mecanomórficos”. Neste
sentido, o ready-made reconhece-se numa vertente aberta e incerta;
um bilhete de lotaria com ou sem prémio; redefinindo a estratégia
Dadaísta de conversão do quotidiano em valor estético, numa espé-
cie de toque de toque de Midas.
Assim, a conceção tomada por Picabia para os seus dese-
nhos Diagramáticos, entre os quais os desenhos ‘Mechanomorphs’,
onde apresenta vários retratos de amigos e colegas transfigurados
em máquinas diagramáticas. Nestes desenhos Picabia parte de um
simbólico universo maquinal, em que nenhum mecanismo é, na ver-
dade, coerentemente representado, para estabelecer um sistema de
diferentes conexões capaz de transcender a distinta marcação pela
relação escrita/imagem.

“Far more important than Picabia’s adoption of a vocabulary
drawn from industry in his “machine drawings” is the model
of polymorphous connectivity between discrete elements
that these works deploy in order to capture the uneven eco-
nomic and psychological transformations and the jarring di-
sequilibrium characteristic of modernity. ”
(David Joselit, 2005, p.232).

É, como iremos ver na difícil aceção desta noção de Dia-
grama – que pelas suas qualidades abrangentes, abstratas e com
terminologias variadas tornam a sua categorização morosa -, que
estabeleceremos melhor a condição presente da pintura face ao
quadro pós-moderno da arte. Como vemos, para David Joselit o
diagrama aparece-nos enquanto recurso complementar da Gestalt,
como capacidade de criar elos entre os fragmentos de representa-
ção - na lógica expansiva que caracteriza o diagrama e se opõe à
implosão Cubista - propostos pelo Modernismo. Como o autor refere
relativamente a ‘Unhappy ready-made’ ou ‘ready-made Malheureux’,
trabalho de Marcel Duchamp – composto por um livro de geometria,

39
Marcel Duchamp
L.H.O.O.Q
1919
Francis Picabia
Tableau Dada por Marcel Duchamp (L.H.O.O.Q)
Reproduzido em 391
Março, 1920
oferecido como presente de casamento à sua irmã, com o propósito
de ser pendurado por cordas na sua varanda para que “o tempo es-
colhesse os seus problemas” levando a que só restem 3 documen-
tos da sua existência - uma pintura feita pela irmã e duas fotografias
- após a sua destruição pelo vento - o ato de “dessublimação” que é
inferido no trabalho, e que é característica do trabalho de Duchamp,
deve-se ao diagrama inscrito não pela prensa mas pela realização
da inscrição pelos elementos posteriores. Posto de outra forma, e
como se vê num das fotografias produzidas pelo artista, a questão
da “dessublimação” passível de ser expressa somente através de
um contraposto com um momento de abstração, Duchamp sobre-
põe ambos os diagramas e textos referentes aos problemas geomé-
tricos confrontando assim o diagrama prestado pelas condições at-
mosféricas com a “abstração universal da geometria” (Joselit, 2005,
p.222).
E se, como em muito do trabalho de Duchamp, em ‘Unha-
ppy readymade’ o Diagrama ainda se opõe ou aproxima do texto
ou a noções que assimilam à noção de livro – e em que esta última
assume por sua vez características que a afastam do campo escul-
tórico que lhe é geralmente atribuída, em função de uma aceção em
que a sua bidimensionalidade é enfatizada num conjunto de vetores
que se expandem numa rede e em que todos os seus elementos se
relacionam e contrapõem; empreendimento na desterritorialização
do livro dentro do diagrama, como visto em “Paroles en liberté”, em
que o livro assume-se como paginas soltas - como já vimos no de-
senho de máquinas de Picabia o texto e a imagem são articulados
no mesmo plano semiótico. É, então, neste último sentido de rede,
da sua função enquanto “network”, da qual o diagrama será indicati-
vo na pintura.
Como nos refere ainda David Joselit, uma aceção destes
Diagramas Dadaístas pode ser encontrada no conceito de “Máqui-
na” - enquanto “principio heterogéneo de Assemblagem” (Joselit,
2005, p.234) entre elementos e signos – como propostos por Gilles
Deleuze e Félix Guattari aquando de uma discussão sobre diferen-
tes regimes semióticos. Nesta proposta os elementos que consti-
tuem, num sentido abstrato, a máquina - diferindo aqui da tecnologia
de uma máquina real, em que os seus elementos funcionam num
sistema fechado - operam de um modo aberto funcionando como
um conjunto de possibilidades discursivas. Então, estas máquinas
diagramáticas, na verdade “regimes de significação”, obedecem, se-
gundo Delleuze e Guattari, a diferentes princípios como o “compo-
nente generativo”, demonstrando a forma determinada como todos
os regimes de signos ou semióticos estão intricados; o “componente
transformacional” que estabelece como podem regimes abstratos
traduzirem-se, transformarem-se noutros; e, finalmente, um de “mu-
dança perpetua” que institui a produção de um espaço represen-
tacional que é em si não-objetivo. Esta realidade diagramática é,
então, independente de qualquer significação real; sem qualquer
referente: “As in Picabia’s “machine drawings,” mimetic units may be
deployed within a diagram, but their function is to undermine objecti-
vity rather than to represent it.” (Joselit, 2005, p.235).

42
Marcel Duchamp
Unhappy Readymade
Fotografia
1919

Marcel Duchamp ou Rrose Sélavy


Unhappy Readymade
Fotografia preparada para publicação
em “Box en Valise
1919

Suzanne Duchamp
Marcel Duchamp’s Unhappy
Readymade,
Óleo s/tela
1920
A esta aplicação do diagrama de Deleuze e Guattari, de que
como nos sugere David Joselit, e como veremos mais à frente, se
assume do campo da teoria política e económica, poderemos ane-
xar a noção de Diagrama de Bacon, como vista por Gilles Deleuze.
Nesta, o Diagrama assume-se como, para além de “conjunto ope-
ratório das linhas e das zonas, dos traços e das manchas a-sig-
nificantes e não representativos” (Deleuze, 2011, p.172), forma de
sugestão – o diagrama é para Bacon uma ferramenta de introdução
de “possibilidades de facto” capazes de romper com a figuração de
forma a revelarem a Figura. Definido visualmente como um “Sara”
ou como o “estender da pele de um rinoceronte vista ao microscó-
pio”, o diagrama propõe-se como uma catástrofe, ou um sistema
em que unidades figurativas se substituem por tanto unidades mi-
crométricas como cósmicas, capaz de se sobrepor sobre os “da-
dos figurativos e probabilísticos” pré-existentes na tela. Estes dados
como explica Deleuze, são, de grosso modo, o conjunto de clichés
virtualmente pré-existentes na tela e/ou na cabeça do pintor - como
a figuração prévia em relação à pintura que são fotografias enquanto
ilustrações, jornais enquanto narrações, imagens de cinema ou de
televisão - que terão de ser maltratados e quebrados e o “tipo de es-
colha ou de ação sem probabilidade” - portanto não cientifica e não
estética (Deleuze, 2011, p.161) - que debilita o momento inicial, o da
tela em branco, em que todos os lugares se equivalem, em função
da extração da Figura e de uma conceção (mais) fiel de representa-
ção.
O diagrama enquanto “caos-germe” garante, então, o tér-
mino do trabalho preparatório e o começo do ato de pintar. Este ca-
os-germe refere-se, por sua vez, ao facto de, à noção de catástrofe
implicada sobre os dados figurativos, do colapso das coordenadas
visuais, se lhe poder associar a noção de parasita de “ordem” e “rit-
mo” quanto à tónica da pintura. Francis Bacon torna-se um modelo
híbrido de distinção de duas grandes vias onde, para Deleuze, este
caos não-figurativo, o diagrama, é abarcado pela pintura: na pintura
abstrata uma via ótica advém de um ascetismo que é responsá-
vel pela redução ao mínimo do caos - e do manual - elevando-se
assim dos dados figurativos, aqui o diagrama é antes um código
digital simbólico - no sentido em que o digito são as unidades que
reagrupam visualmente termos em oposição -; no expressionismo
abstrato está em questão uma via manual referente ao caos que
se desenvolve ao máximo sobrepondo o diagrama à totalidade da
obra - inserindo-se como um mapa de escala 1:1 -, aqui a geometria
composicional dilui-se numa tónica que não delimita nada.

“Defined diagrammatically in this way, an abstract machine
is neither an infrastructure that is determining in the last instan-
ce nor a transcendental Idea that is determining in the supreme
instance. Rather, it plays a piloting role. The diagrammatic or
abstract machine does not function to represent, even some-
thing real, but rather constructs a real that is yet to come, a new
type of reality.”
(Delleuze e Guattari, 1987, p.142)

44
Contudo, é a difícil capacidade de aceção, a dificuldade de
consenso na terminologia e a quantidade de desfechos que a ideia
de diagrama permite que nos dificulta a tarefe de definir o concei-
to. O termo é polissémico, e de difícil resolução terminológica entre
autores. Neste caso, e como nos explica David Joselit sobre a sua
proposta de uma pintura que se situa “à margem”, e demonstran-
do-o a partir de entre outros com o trabalho de Jutta Koether, uma
relação estreita pode ser alcançada entre a noção de diagrama e a
noção de transitividade na pintura. Este vínculo, que se justifica pela
capacidade de disrupção da representação de objetos estáveis e a
sua consequente reificação - reificação no sentido marxista é o pro-
cesso pelo qual o produto e a mercadoria é contemplada enquanto
sujeitos ativos e os agentes enquanto objetos passivos - e que Jo-
selit observa primeiramente nos desenhos diagramáticos Dada, vai
condicionar ainda o próprio meio através da sua correspondência
com o espectador e a sua perceção, abrindo um lugar para o ques-
tionamento da relação da pintura com o seu espaço/tempo. Des-
te modo, esta noção de transitividade, que se alcança de variadas
formas, mas que em Koether se assume como uma moção para
se contornar a tónica da visualização da rede/networking – como
iremos ver a condição de personagem que atribui à pintura reverte
a relação que revela a rede, não a partir dos seus contornos gerais,
mas a partir do próprio sujeito, neste caso a personagem/pintura -, é
estabelecida em Joselit como “a expressão de uma ação que passa
para um objeto”; enquanto “capacidade de aguentar em suspensão
os movimentos internos e externos de uma tela”. É neste sentido de
projeção de uma ação num objeto que surge esta ideia de transitivi-
dade, e do consequente entendimento da ideia de espectador ine-
rente à anulação da tónica do diagrama na ausência de um ato de
interpretação, que a análise do espaço/tempo da pintura se formula
como passo lógico seguinte.

45
Interstício

O terceiro aspeto que que consideramos analisar, para o


estudo corrente, em o Interstício, concerne as capacidades da pin-
tura encadeadas com as noções de espaço e tempo. Através de um
conjunto de exemplos será proposto, também, uma outra condição
para a interpretação da pintura.
Como nos propõe, então, Joselit, o diagrama deviria ser re-
conhecido como um dos grandes recursos que incorporam o Da-
daísmo, logo ao lado da foto-montagem e do ready-made. A sua
relevância entende-se pela capacidade estratégica destas três es-
truturas criarem mecanismos de rutura dos objetos com a sua semi-
ótica mercantil. Sendo a foto-montagem o processo que multiplica e
viola os limites da imagética da cultura de massas através da justa-
posição de imagens heterogéneas e; o ready-made se apresentar
como uma estratégia que requer a apropriação de um objeto remo-
vendo-o do seu valor de uso e da sua representação. Consequente-
mente a foto-montagem quebrando a sua capacidade de articulação
comercial, e o ready-made, referenciando a proliferação consumista
de objetos, estamos perante uma rejeição da mobilidade semiótica
da noção moderna de mercadoria e da sua estabilidade enquanto
fetiche. Contudo, esta barreira é só um exemplo de uma competên-
cia que, no que toca à pintura, é capaz da conceção de um espaço
que se encontra apenas assumido nas margens do seu núcleo. A
capacidade espacial aqui referida é facilmente observável nas disci-
plinas da escultura e instalação, mas é a sua associação à discipli-
na da pintura, que, pelas suas condições específicas, a confere um
cariz simples na sua forma – a partir da sua sentença com o plano
bidimensional, bagagem histórica e condição enquanto objeto -, que
se torna pertinente e de difícil classificação. Como o espaço entre
a justaposição de duas imagens numa foto-montagem ou entre o
objeto apropriado e as suas várias documentações, o diagrama é
o catalisador de um “espaço intersticial” (Joselit, 2005, p.234) que
pretende conferir relações. Esta é, como veremos também mais à
frente, uma relação que, quando aplicada à pintura revela uma qua-
lidade cognitiva que preenche o espaço entre o plano bidimensional
do quadro e o espectador. E como o Diagrama é em si inseparável
da noção de observador e de perceção, a apresentação de objetos,
e por sua vez do espaço, determinado por si é subjetivo e sem refe-
rente algum, construindo “um real que ainda está para vir, um novo
tipo de realidade” (Deleuze and Guattari, 1987, p.142).
Estabelecer esta virtualidade que deriva da pintura resul-
ta no esclarecimento do modo como uma nova visão sobre aquilo
que é uma noção histórica de meio – neste caso a atribuição de
um conjunto de competências da ordem do espaço atribuídas a um
meio tido convencionalmente como da ordem do bidimensional –
pode suscitar novos discursos e questões sobre definições de arte
enquanto linguagem, e neste caso enquanto proto-linguagem, no
sentido em que, como Slavoj Žižek enuncia, existe uma separação
entre as aceções de discurso-em-si de discurso-para-si, e em que

47
Martin Kippenberger
Lieber Maler, male mir...
Óleo s/tela
200 x 130cm
1983
Wade Guyton
Untitled (Martin Kippenberger, “Kindliches Lächeln nach einer blöden Antwort,”
1960, Foto Gerd Kippenberger 16)
inkjet s/ página de livro
21 x 14,7 cm
2004
o antecedente, este proto-discurso, se mantém virtual e preenchido
de significado, embora de significado não especifico. Slavoj Žižek
equaciona esta proto-linguagem, irredutivelmente ambígua e inde-
terminável até ao momento da sua simbolização, com a carta que
Bertrand Russell escreve a sua amada onde declara que a ama,
mas que só soube que a amava quando se ouviu a si próprio dizer
que a amava. (Žižek, 2009, P.54).
Este espaço materializa-se por exemplo, no que já vimos do
trabalho de Martin Kippenberger quando utiliza ferramentas exterio-
res ao meio da pintura, como impressões fotográficas, mas que so-
bem ao seu “estatuto” (Graw) utilizando o meio como um veículo de
autopropaganda, motivada por uma certa atitude diletante, que figu-
ra uma condição, que, podendo ser de um campo espacial-temporal,
vai atribuir algo que lhe é exterior – exterior à bidimensionalidade
do quadro. De igual forma, na sua série de pinturas Untitled Lieber
Maler, male mir… que comissiona a um pintor de letreiros, vai não só
adicionar uma camada extra de mediatização da imagem pintada,
produzindo um discurso sobre aquilo que é a autenticidade e autoria
da imagem, como vai, também, de um modo mais idiossincrático,
criar outra camada de significação, talvez mais performática, que
se pode considerar que salta do plano da pintura para o do espaço/
tempo.
A “abertura de um nível bem para além da pintura enquanto
tal” (Bitte Shön, Rein Wolfs) concedida pela criação de novos con-
textos, pelo uso de ironia e pela transformação gerada enquanto ca-
talisador para o que absorvia do seu meio envolvente, é igualmente
percebida na lógica que comunga um processo de trabalho de Wade
Guyton, que se aproxima dos procedimentos do mundo empresarial
e da estética do escritório - e que reitera por sua vez ideias tidas por
Warhol e Kippenberger - com uma apropriação altruísta das con-
vecções da pintura tradicional. É em Guyton que, como nos mostra,
de novo, Isabelle Graw, a “sensação de uma presença latente do
artista” (Graw, 2016, p.93) é transmitida pela pintura, mesmo sendo
as pinturas do artista realizadas por uma máquina e muitas vezes
co-produzidas com assistentes, à semelhança de muito do trabalho
de Warhol. Assim, e mesmo sem o toque físico direto do artista, esta
presença é presumida na decisão dos erros e imperfeições delibera-
damente expostos, nas melhorias realizadas e nas cores utilizadas,
bem como num regime de trabalho que valoriza o trabalho e tempo
de vida despendido em cada objeto – em que pintura se sucede
como evidência material de uma economia do espaço de trabalho,
como se verifica nas pinturas em que retrata cenas do estúdio, em-
balagens com comida dispostas numa mesa referem-se a elemen-
tos consumidos pelos assistentes que farão a pintura, simbolizando
um combustível para o motor da sua produção. Neste caso, é ainda
a condição histórica do meio da pintura, ou o seu “poder enquanto
sujeito” (Graw, 2016, p.93), como nos propõe Graw, que é apropria-
do em função da entrada de uma ideia exterior no interior da sua
estrutura. É a dinâmica gerada com o poder do objeto pintura – en-
quanto detentor de uma autoridade histórica - capaz de transmitir
esta sensação espacial/temporal de um conjunto de impressões.

50
A descrição aqui proposta, de um espaço/tempo exterior ao
plano bidimensional da pintura, é ainda diferente do que se pode
demarcar da aceção de pintura no campo expandido ou pintura num
sentido alargado do termo. Embora observável nesta aceção de pin-
tura, que propõe um encadeamento físico com noções de espaço e
tempo, o que se pretende estabelecer é ainda outra condição. É a
partir da noção do “Das Unheimliche” - uncanny transposto para o
universo artístico como aceção de um estranhamento familiar que
roça as ideias de sublime - de Freud, que as ideias de produção
de espaço conduzidas pela arquitetura primeiro entraram na Pintura
através de obras como “Merzbau” de kurt Schwitters. A obra, que
surge a partir de uma acumulação de material em torno de uma co-
luna no espaço de atelier/habitação - embora com uma relação mais
estrita com o campo da instalação - é inseparável do seu vínculo
com a pintura enquanto métier, pela sua inseparabilidade com o res-
to do trabalho de Schwitters, por todas as preocupações estéticas do
âmbito pictórico - acabamento concedido à instalação evidenciando
qualidades específicas da pintura -, e pelo seu encadeamento dis-
ruptor - inserindo-se no movimento que possibilitou a introdução de
elementos comuns na arte de qual viria a ser seguimento das cola-
gens de Picasso e Braque.
De facto, o que podemos retirar do trabalho “Merzbau” de
Schwitters é que o cunho deste termo assolado por toda a sua ale-
atoriedade - a palavra resulta de um fragmento de uma das suas
colagens encontrado ao acaso -, vem instituir-se como uma espécie
de campanha de propaganda, mostrando-se como proposta de um
trabalho total e mesclando em perfeita simbiose a sua vida e o seu
trabalho – Merz foi então adotado como nome de todos os seus
trabalhos de pintura ditos convencionais, para além do seu próprio
segundo nome. É esta proposta de trabalho que recorre a uma ter-
ceira dimensão que não é da ordem do espacial, mas de uma ‘virtu-
alização do espaço’ (Sardo, 2017, p.150), que podemos tomar como
posição através da ideia de aura repensada por Didi-Huberman. As-
sim, será importante referir que o tom axiomático dos discursos de
especificidade “tem como consequência o pronunciamento de sen-
tenças de morte supostamente definitivas” (Didi-Huberman, 2017,
p.301). Mas, é na particular capacidade de inscrição da pintura, tida
como convencional, posta neste espaço e na sua capacidade de
produção de um ambiente a partir do bidimensional que se situa
uma melhor proposta das noções espaço/tempo que se pretende
referenciar.
Neste ponto, torna-se essencial referirmos a problemática
do mecanismo de crença na viabilidade das imagens pictóricas em
Malevitch. Como estabelece Delfim Sardo, a temática é abordada
particularmente em relação ao corte com as ideias de representação
interior à pintura – ideias que, como já vimos, se resumem dos pos-
tulados do modernismo sobre a representação -, no entanto, uma
possível aceção de uma noção de exterior é só ligeiramente refe-
renciada: a ideia de que “a imagem da pintura pode estabelecer em
si mesma um sistema “real” de coordenadas espaciais e cromáticas
que a instauram como uma realidade em si mesma e um campo

51
Kurt Schwitters
Merzbau
1933
total de liberdade” (Sardo, 2017, p.96). Apesar do amplo ênfase na
tónica do fim da arte/pintura a ideia de Ícone que nos é proposta, e
de que Malevitch é descendente através de referências como Ru-
blev (1360/70 – 1427/1430) e Dyonisus (1440 – 1502), é essencial
para perceber a qualidade aurática – qualidade de simultânea “ori-
gem e destino” - concedida à pintura por Malevitch, que possibilita
já uma nova visão das capacidades espaciais que esta pode tomar.
É exemplo desta noção do ponto de vista aérea, da planta de ar-
quitetura mas também da colocação no espaço, de que a pintura
de Malevitch parte, não só para a instrução da colocação do Ícone
“O Quadrilátero” (0,10, Petrogrado, 1915) no canto mais oriental da
divisão das casas russas como a predeterminação por Lissitzky do
percurso tomado, em sentido anti-horário, pelos espectadores na
exposição “Projeto Proun” (1919). Se é verdade que, segundo Lazar
Lissitzky, a pintura de Malevitch acaba com a era da representação
ela também inaugura o espaço real – isto será dizer que o ponto de
vista, literal, de quem vê pintura passa a fazer parte da equação.
Um outro formato com que poderemos fixar uma viável con-
ceção de virtualidade, que a pintura produz segundo uma premissa
aurática, é em Barnett Newman segundo Didi-Huberman – e me-
diada pela noção benjaminiana de “imagem dialética”, de uma ori-
gem entendida como presente reminiscente (Didi-Huberman, 2017,
p.305). É de facto em Newman que questões de revivalismos são
preteridas em função de um “pensamento da origem que carrega
o questionamento de uma modernidade radical” (Didi-Huberman,
2017, p.310). Didi-Huberman reporta-se sobre o texto “Ohio, 1949”
de Newman – texto em que este relata a experiência de uma apa-
rição, de um “aqui… e mais além” e de um “visível… e mais além”,
que teve durante a visita a um dos túmulos índios no Ohio em que
as paredes eram cobertas de lama, desprovidas de ornamentos e
consequentemente irreproduzíveis em museus e fotografias - a ideia
de uma experiência de “suposição do lugar”. É sobre este critério
que Didi-Huberman define não só a ideia de um espetáculo do visí-
vel, mas de uma experiência do lugar - na qual o espaço, espaço da
pintura ou do espectador, se abre sobre. É, finalmente, sugerido que
em Newman essa experiência, de cariz subjetivo, na verdade uma
“sensação física de tempo”, se constitui como um primórdio para a
definição de aura de Benjamim.
Embora a presença da ideia de uma capacidade imersiva
de uma exposição de pintura não esteja explicita em “O exercício
experimental da Liberdade”, de Delfim Sardo, a presença da ideia
de um exterior da pintura, ‘cortada pelos limites do quadro’ (Sardo,
2017, p.94), vem coincidir, em alguma parte, com a noção que se
propõe. Quanto à asserção de que a pintura, através da imposição
que carrega de ser simultaneamente representação e metarrepre-
sentação – “isto é, ser inevitavelmente uma representação, mesmo
se uma representação de uma possibilidade de abstração , e uma
representação das possibilidades que estão contidas na atividade
representacional” – não possui nenhum exterior a si própria, ne-
nhum fora-de-campo visual, o que Sardo argumenta é que existe
alguma qualidade háptica presente na história do suporte ou con-

53
Luc Tuymans
Doha II e III
Óleo sobre tela
Absent Museum
Wiels, Bruxelas
2017
Jutta Koether
Hot Rod (after Poussin)
Acrílico, pastel e técnica mista s/tela
200 x 260 cm
Lux Interior
Galeria Reena Spaulings, Nova Iorque
2009
texto da obra. Quando Delfim Sardo menciona Robert Storr e a obra
“Himmler” (1998) de Luc Tuymans é para nos assegurar da materia-
lidade historicamente definida da cor por ele utilizado e da evidente
indexação da viabilidade do motivo social e político da pintura en-
quanto agentes capazes de a vincular ao exterior. Existe, segundo
Sardo, uma oposição entre o poder interior de autossuficiência das
qualidades da pintura (i.e a cor) e a sua forte ligação com o contexto
pictórico simbólico em que se insere. Um contexto produtor de sen-
tido e que se situa para lá de cada imagem. Sardo remata, ainda,
com a ideia de criar um ver-específico através de um “ponto de vista
aéreo…situado do lado exterior da superfície da tela com consequ-
ências efetivas dentro desta, etc.” do qual nos propõe a colocação
do ponto de vista do espectador coincidente com o retrato da família
real em ‘Las Meninas’ (1656), de Diego Velázquez, e a necessidade
de uma colocação especial para apreender a caveira em ‘Embai-
xadores’ (1533), de Hans Holbein, como exemplos mais rigorosos.
Porém, não é a necessidade imediata de perspetiva de um espec-
tador para a apreensão das competências espaciais de uma pintura
que se pretende tratar, mas antes, num movimento inverso, da im-
posição crua destas competências no espectador. Aqui seria mais
proficiente fazer referência às obras ‘Doha I-III’ (2016), de Tuymans,
incluídas na exposição “The absent Museum”, Museu Wiels. Estas
obras expostas em três paredes adjacentes mimicam janelas para a
representação do espaço expositivo do Museu Galeria do Qatar al
Riwaq, para as paredes vazias, características de um qualquer white
cube, do espaço onde Tuymans teve a sua grande retrospetiva em
2016. O relevante deste trabalho para o contexto, é o facto de as
obras criarem uma sensação de espaço, motivado pelas caracterís-
ticas formais das pinturas e do modo como são instaladas, preen-
chendo 3 paredes de uma sala, em que o espectador se encontra
circunscrito ao exterior de qualquer pintura em todos os momentos,
e de simultaneamente serem representações, não de fotos do es-
paço expositivo previamente ou após a instalação da retrospetiva
de Tuymans, mas de fotos da própria instalação em que as obras
da exposição foram intencionalmente deixadas de parte na pintura
– deixando assim a ideia de um espaço que alberga resquícios de
uma vivência de que não podemos ter a certeza; e que vem evocar
a ausência de um corpo desaparecido. A disposição destas obras
que se pode dizer que, pelo facto de se assumirem como conjunto,
simula uma situação de instalação é deste modo uma ilustração sin-
tética da competência da pintura enquanto possuidora de um campo
fora-de-si; de um exterior que transpõe a grade em que se monta e
sincronicamente impacta e é impactada pelo espaço físico – o seu e
de quem a vê.
Num último exemplo, na exposição ‘Lux Interior’ 2009 de
Jutta Koether na galeria Reena Spaulings, em Nova Yorque, o tra-
balho da artista surge, como sugere David Joselit, como uma inter-
seção de performance, instalação e pintura em tela equacionando
a obra em si como detentora de uma qualidade “transitiva”. A expo-
sição que consistindo de uma única tela, uma reinterpretação mo-
nocromática de “Paisagem durante uma tempestade com Pyramus

56
e Thisbe” de Poussin, é exposta diagonalmente flutuando com um
pé dentro e outro fora do palco que define o espaço expositivo da
galeria. Esta organização da exposição, que assume a tela enquan-
to uma personagem, é enfatizada pela iluminação, ocasionalmente
intermitente, de um foco de luz antigo, proveniente de uma antiga
discoteca gay fechada em 1988 como consequência da crise de HIV,
e por 3 performances conduzidas pela artista em que, ao recitar vá-
rios textos, se movia em redor da pintura. A transitividade com que
Joselit caracteriza a pintura de Koether vem surgir então como uma
materialização do comportamento dos objetos dentro de um rede/
network – tendo isto sido realizado primeiro num modo diacrónico
em que cada pincelada da sua reencenação da pintura de Poussin
“marca a passagem do tempo” e depois de um modo sincrónico pela
encenação do comportamento da pintura enquanto uma persona-
gem. Esta transitividade da pintura, definida então como a capaci-
dade de aguentar em suspensão as passagens internas e externas
de uma tela, é também mais uma evocação de um espaço cognitivo
que perdura na Pintura.

57
Parte II
Mesa de Ping-pong com Cabeça
Acrílico spray e óleo s/madeira, poliuretano e gesso, motor, ferro e rede.
200 x 176 x 100 cm,
Cosmografias, história e outras cores
Galeria Fonseca Macedo
2019
Projecto autoral


Pinturas Más parte de um correspondência com a tradição da pintura
má, mais própria da Alemanha dos anos 80, – contestada em artis-
tas como Albert Oehlen (- série ‘bad’ paintings) ou Martin Kippenber-
ger (- série invention of a joke)- e a instância que é o momento físico
de um sujeito sobre um suporte físico(a tela e a marcação que se faz
nela). Em concreto, este paralelismo só se efetiva na condição da
mudança simbólica que une os dois campos – a relação estrita entre
o ‘neoexpressionismo’ com a procura ou rejeição do simbolismo e o
momento em que uma marca é adicionada ou retirada do suporte.
As imagens desenvolvem-se com base numa reflexão crí-
tica sobre o contexto social e político do modelo predominante de
sociedade. Uma sociedade ocidental globalizante, em que a ima-
gem domina maioritariamente o espaço da cultura, que se inscreve
num tardo capitalismo, e é pensada a partir dos seus elementos
particulares. Esta análise é feita através da representação de uma
simultaneidade de espaços, que pretende estruturar de um modo
simbólico um conjunto de relações. Esta rede baseia-se na inten-
ção de elaborar as imagens, que em função de uma ideia ou tema,
possam ser sobrepostas ou conjugadas em função de uma certa
noção de abstração da imagem figurativa. O tipo de registo, em que
a justaposição serve como método de esconder ou revelar os vários
espaços diminuindo o índice de hierarquia pictórica – retirando a
perspicuidade geralmente associada à pintura do mesmo “género” –
vai questionar, de um modo entrópico, o modo de existir em que “o
tudo é nada, e o nada é tudo”.
Este prelúdio de abstração – marcado por uma disparidade
de imagens a que se refere a época da sobrevalorização estética –
distingue uma certa característica existencialista – uma atitude exis-
tencial (que é, talvez, um dos principais fundamentos do movimento
de contracultura). É assim necessário alcançar um resultado que
perceba a inviabilidade da decoração, a “desumanidade ou aridez”
da abstração, e o narrativismo da figuração – um confronto entre a
pintura ilusória, como imitação da natureza, uma bidimensionalidade
que não cede o seu espaço ótico e esta relação entre estes dois
campos, que está à partida condenada. É esta impossibilidade ou
indecisão que, de uma outra perspetiva, permite a quebra de con-
venções e garante uma maior autonomia estética.
A direção deste trabalho é a de pensar o binómio forma e
conteúdo, desconstruir estas questões e procurar um resultado que
encontre a sua totalidade (que viva ou sobreviva) a partir de uma
ideia fragmentada. Assim, estes objetos que são pensados num
conjunto de fases que se complementam abrem uma questão que
ultrapassa a ideia de pensar o nosso mundo através da sua exten-
são.
O corpo de trabalho deste projeto, em que faço ampla alu-
são ao meio da pintura é, na realidade, constituído não só por su-
portes de tela convencionais, como por variados objetos tridimen-
sionais, em que a pintura é muitas vezes só o ponto de partida. Esta

63
tónica em que a pintura ocupa um local de destaque num conjunto
de obras que abrange escultura, e em que muitas vezes o próprio
suporte é desvirtuado, prende-se com a reflexão sobre a dimensão
espacial da pintura e com uma preocupação com a consideração
global do espaço expositivo.
Assim, nas obras “Balões”, motivos da (minha)história da
pintura são traduzidos em elementos tridimensionais redondos, re-
presentando balões de festa feitos em gesso. A ideia do balão en-
quanto elemento, que sendo uma unidade é, no entanto, preenchido
por ar e, portanto, vazio, é uma analogia à possibilidade da pintura
enquanto meio. O balão é, como tal, um elemento festivo, passível
de ser encontrado numa festa, e um elemento que pela sua volu-
metria impede a apreensão total da pintura. O diálogo com a his-
tória da pintura é um corpo a corpo com o peso de uma tradição,
questionando o que dela se pode fazer na atualidade. Nestas obras
expostas em “Código Postal 9500 – Três Residentes Artistas” no
Centro Municipal de Cultura de Ponta Delgada, é sua individualida-
de e a localização no espaço a eles atribuída, que se torna capaz
de captar a sua totalidade. A situação de festividade, com que nos
relacionamos, quando os defrontamos é indicadora de um ambiente
que associamos a um certo espaço. Assim, estes balões em gesso
que ostentam pinturas de referências da história da pintura, são en-
tendidos para serem dispostos por uma sala, simulando o momento
em que suspenderiam o seu voo numa situação real. Desta maneira
a noção alegórica de pintura, que é sugerida pela sua envolvên-
cia em objetos tridimensionais concisos, adquire uma qualidade de
dispositivo, que transfigura a individualidade de cada balão para a
ideia de produto. Mais uma vez é deturpação da pintura, enquanto
conceito, que se está a ponderar – a pintura é envolta num elemento
tridimensional sem possibilitar o acesso à totalidade da imagem. A
ideia da pintura que é sobreposta a um elemento que, figurativamen-
te é constituído por ar, mas ao mesmo tempo dispõe desta noção
de unidade, é reforçada com a sua localização no plano do chão
– chão enquanto plano de atuação, desvalorizado e sem destaque.
Do mesmo modo que a instalação “Mile of String” de Duchamp se
torna um dispositivo de suspensão do espaço, os “balões” são ele-
mentos que interrompem o plano de movimento do espectador e o
obrigam a olhar para o chão, num movimento que é responsável
por uma criação de consciência espacial. Serve isto para dizer que
a localização destes balões, que não possuem mais do que 30 cm
de altura e escapam uma visualização do nível do olhar do especta-
dor, é, idealmente, feita de forma indiscriminada pela totalidade do
local de exposição, e em contacto com o próprio chão – evitando a
pompa que um plinto poderia conceder e dando enfase à questão
da expansão espacial da sua instalação. A condição simbólica, atri-
buída ao elemento balão, suscitou, ainda, um conjunto de 4 obras,
“cabeça sobre balão”, que figuraram na mesma exposição - pela
sua morfologia e instalação, estas três peças, motivam uma quebra
na suspensão da descrença previsto no entendimento das anterio-
res. Nestas obras, a cabeça de uma estátua helénica, apropriada
de uma escultura decorativa, é sobreposta a um conjunto de quatro

64
Balões
Acrílico e óleo s/ gesso e borracha

2018
Balões com cabeça
Spray sobre poliuretano, óleo s/ gesso e borracha
2018
balões em gesso, posteriormente pintados a óleo com as cores pri-
marias e branco. Com o grupo de peças, para além de se salientar
a noção alegórica de meio – em que a escultura é sobreposta a um
balão cujo papel da cor é exaltado – a noção de produto é destacada
através da reprodução quase idêntica do objeto – os objetos que
funcionaram expositivamente enquanto conjuntos separados (um
polo com os 3 balões com cores primarias e outro só com o balão
branco) exploram então a questão da peça enquanto dispositivo e
do valor inerente. Esta relação foi também revertida com a obra Pin-
turas más#14 em que 2 esculturas em gesso retiradas do mesmo
molde servem de um suporte à pintura. Neste caso, a escultura é o
elemento que sustem a pintura elevando-a do plano do chão.
De um modo diferente, em “Mesa de Ping-pong com ca-
beça”, a autonomia do plano bidimensional da pintura, é deturpada
pela sua funcionalidade e posição no espaço, numa reflexão autor-
referencial - da arte e da história da arte sobre um princípio greco-
-romano. Deste modo, nesta obra, apresentada na exposição “Cos-
mografias, a história e as outras cores” na galeria Fonseca Macedo,
é exibido um suporte de ténis de mesa, enquanto elemento perten-
cente à tradição ocidental, onde uma cabeça em gesso e poliuretano
é colocada em movimento num dos lados do campo. A rotação desta
cabeça, que representa o imperador Adriano, é tida como referência,
pelo seu estoicismo (pela contradição que é simultânea capacidade
de atos de violência e capacidade de razão de que resultou a abo-
lição da política de conquistas romanas) em relação a um elemento
que, sendo de uma tipologia diferente, ostenta uma ideia de com-
bate lúdico entre dois campos. A associação deste Imperador à sua
atitude estoica é simbolizada pelo seu olhar intermitente, face a uma
rede, que passa, então, a aludir à muralha de Adriano. Por outro
lado, o suporte apesar de assumir todas as características formais
de uma mesa de ping-pong, é construída de raiz, num formato stan-
dard de trabalho, em que a pintura, é primeiro pensada como um
elemento convencional e em que depois é adicionada uma velatura
a simular o acabamento característico - é a ideia de transporte de
uma especificidade que é do campo da pintura para um objeto que
é facilmente associado ao campo da tridimensionalidade que se im-
põe aqui. Com a planificação da mesa, a rede análoga à muralha de
Adriano converte-se, aludindo à política contemporânea de constru-
ção de fronteiras, como o espaço Schengen, Israel/Palestina, E.U.A/
México. No interior desta exposição coletiva (de que fizeram parte
as artistas Beatriz Brum (1993) e Isabel Madureira Andrade(1991))
esta mesa assume um papel de ponte de contacto entre as várias
obras por se colocar num plano horizontal no meio da galeria e de
disrupção por assumir quase a totalidade de uma dos polos da ex-
posição, deixando uma margem de poucos centímetros para a vi-
sualização das obras que a rodeiam. Contudo, é ainda a escolha
desta obra e o seu papel central pela sua instalação que, tendo uma
dimensão maior do que a considerada convencional para o modo
como o espaço seria habitualmente ocupado, que vai descaracteri-
zar um pouco aquilo que é uma convenção da exposição. Apesar de
esta peça ocupar uma grande parte daquilo que seria o plano do es-

67
pectador(horizontal), é o seu movimento que assume uma parte re-
levante ao núcleo da exposição. A dialética de sobreposição em que
esta peça rotativa, que é da tradição da estatuária, é colocada sobre
uma pintura no plano horizontal, é a de uma estética mais formal, de
uma economia gráfica, da qual a utilização consequente de mate-
riais sobresselentes é empenhada na pintura. As telas construídas a
partir dos materiais excedentes da construção de objetos, de grosso
modo aproveitamentos, descrevem retroativamente momentos dos
próprios objetos num material que lhes sendo inadequado se torna
imprescindível. Aqui, o impasse entre a figuração e a abstração e o
cruzamento entre a pintura e a escultura, é motivada por um desejo
de entender uma suposta desconfiança nas imagens – uma noção
de abstração da imagem figurativa. De tradução de uma imagem,
que é em todos os sentidos representativa, e que é, no entanto, pen-
sada de um modo abstrato. “É produzir uma hipótese, considerando
que a hipótese – também ela “por baixo” – se torna capaz de ofere-
cer não só o “assunto” principal de uma obra de arte, como ainda o
seu “principio” mais profundo.”(Didi-Huberman, 2017, p.300)
Em “Pintura más #40, #41 e #42”, a introdução da paisa-
gem é uma charneira para trabalhar sobre questões que se prendem
com a própria natureza do meio. A praia, enquanto motivo é tida
como hipótese de trabalhar sobre um local que, sendo fruto de um
processo de degradação de um elemento geológico, é, no entanto,
espaço para uma atividade lúdica. Deste modo, a ideia do mineral
que compõe a praia é subvertida na própria degradação a que o
pigmento da pintura é sujeito – a pintura é velada, posteriormente,
com ácido ou solvente. Este processo vai no mesmo movimento que
conjuga a imaterialidade do motivo com a materialidade da pintura,
elogiar e destruir a própria representação.
“Pintura Má #60”, exposta em Entre|Tanto no CACE Cul-
tural do Porto, é uma pintura feita com lixívia, óleo e spray sobre
um tecido preto preparado com cola, com as dimensões de 200 por
176 cm. A pintura pelas suas qualidades formais – sendo pensada
desde a sua fase inicial, em que tanto o tecido como a preparação
tradicional são substituídos (o tecido é um algodão preto tingido com
lixívia e a preparação é feita somente com cola) – é apresentada
suspensa sobre um andaime revelando o seu verso. É montado,
neste lado de trás da pintura, um sistema de iluminação sobre o an-
daime que, sendo propositadamente acessório, converte a pintura e
a estrutura que a suporta num dispositivo e liga-a, figurativamente, à
obra “Sem Título” (2019). Esta segunda obra, concebida no espaço
através de um conjunto de peças de gesso e arame, exibem braços
em diferentes poses e escalas e um segundo busto do imperador
Adriano dispostos segundo a posição em que se quebraram – a
composição é resultante de um conjunto de ações, desenvolvidas
sobre as peças tridimensionais, num campo previamente delimitado
e do qual resultou um filme da montagem. Este grupo de peças,
que representa um conjunto de membros - e que podemos associar
aos fragmentos de estátuas antigas, que se nos tornam inacessí-
veis através das intempéries associadas ao seu transporte, ou aos
presentes devocionais em forma de partes do corpo, previamente

68
Mesa de Ping-pong com Cabeça
Acrílico spray e óleo s/madeira, poliuretano e gesso, motor, ferro e rede.
200 x 176 x 100 cm,
Cosmografias, história e outras cores
Galeria Fonseca Macedo
2019
Pinturas Más #60
Lixívia, spray e óleo s/tecido preparado, Andaime
200 x 176 x 100 cm
Sem Título
Gesso e arame
“Entre Tanto”
CACE Cultural, Porto
2019
adoecidas, conhecidas como ex-votos - são então ladeados pela luz
encandeada pela estrutura que suporta a pintura. Mais uma vez, o
assunto tratado na pintura é fruto da recuperação, quer formalmente
quer simbolicamente, do trabalho anterior. O confronto que há entre
o retratado e a peça de chão, é a de uma fluidez da marca do pincel
na pintura com a materialidade da estatuária despedaçada. A pintura
e a sua estrutura é, então, um dispositivo que a liga à peça de chão,
gerando um conjunto de espaços construídos não fisicamente, mas
virtualmente. A criação desta situação de exposição instalativa em
duas obras, que dialogam intrinsecamente, pretende gerar uma si-
tuação de divergência de espaços. Esta pretensão tem, desde já,
como referente a própria ideia de desvirtuamento da pintura enquan-
to métier, numa lógica que é meta-narrativa. Assim, simultaneamen-
te à intenção de deslocar o objeto pintura e as características que
o acompanham do seu local comum e privilegiado de exposição, o
plano da parede com um valor de cota que permita a observação,
acresce o fim de criar uma divisão de espaço que, embora condi-
cionado pela sua construção espacial física, é sobretudo da ordem
de uma construção espacial estética. É nesta noção de abstração
de uma imagem figurativa, de uma busca de percetibilidade, que
a fluidez da pintura oferece em oposição à capacidade matéria da
escultura, que esta estratégia espacial é aplicada. Como Huber Da-
misch refere em “A theory o /Cloud/: Toward a History of Painting” se
no meio da pintura, mais concretamente na paisagem, o elemento /
nuvem/, acarreta, na época medieval e renascentista, valores sim-
bólicos de integrador - na medida em que serve de elemento que
possibilita uma unidade de representação, ou até de função ou ferra-
menta (figura quando é necessário inserir um anjo ou santo sobre),
no modernismo, começando com Turner, ganha valores de disrup-
ção, no sentido em que deixa de funcionar como signo e passa a
funcionar como figura, numa visão secular dos espetáculos que a
natureza possibilita. Neste caso, a obra “Pinturas Más#60” assume
um papel fragmentado já que partindo de um método em que lixívia
é usada para desbotar tecido numa tentativa de sugestão de for-
mas(sendo depois controlado por tinta), ele é ainda capaz da “força
transitiva ou comutativa” do signo, por se cumprir como fundo à figu-
ra de Adriano. A referência a Adriano, é aqui mais uma vez alegórica
ao seu estoicismo, como é enfatizado pela falta de perspicuidade
com que é apresentada (como se encontrasse em movimento ou flu-
xo) e pela sua colocação face à obra de chão. A obra de chão gera,
por sua vez, através de um conjunto de membros o próprio corpo de
Adriano. A sua disposição fragmentada é reminiscente de uma ação,
encapsulada temporalmente, que desfigura o corpo. Similarmente, a
destruição do conjunto de peças de gesso, que formam este corpo
fragmentado, é análogo ao corpo que o destrói. É mais uma vez a
tentativa de aproximar, não só a intenção do artista ao espectador,
mas também as qualidades físicas do meio da escultura (robustez e
matéria) às da pintura (fluidez da tinta) que esta ação, de simultânea
violência e delicadeza, é produzida – num ímpeto que pretende real-
çar a qualidade entrópica desta disposição.

71
A série de pinturas, realizadas em Leipzig e Berlim, e que
teve o seu princípio no último semestre de 2019, assinala uma von-
tade de redefinir ideias estruturais do meu trabalho. Isto diferiu do
questionamento do papel do local de criação na obra – se por um
lado questões de identidade não são pertinentes, por outro lado, sur-
ge a imposição de pensar como é que esse espaço se introduz nele.
De perceber o que difere, quer no trabalho, quer no meu posiciona-
mento em relação a ele, o contexto da sua realização. Aqui, não só
os constrangimentos de trabalho como a influência de um saudosis-
mo técnico manifestado no meio académico de Leipzig, são origem
do questionamento do trabalho desenvolvido até então – desde logo
estas imposições de materiais, espaço e tempo compeliram para a
redefinição e padronização da estrutura de trabalho, com uma pre-
paração diferente e com o uso da fotografia. O conjunto de pinturas,
que medem 113 cm por 100 cm, foi concebido, então, em simultâneo
com formação de um sistema que veio reger o seu próprio proces-
so. A partir de uma organização, que permitiu o trabalho de 3 telas
em simultâneo, e que através de um sistema de engradar e desen-
gradar acessível, me permitiu a reutilização dos mesmos suportes,
produziu-se este conjunto de pinturas de modo que, 3 fases de uma
mesma pintura pudessem ser contempladas ao mesmo tempo. A
eleição, a partir de um conjunto de imagens de uma seleção de fo-
tografias (tiradas com o telemóvel) da Berliner Fernsehtum (também
conhecida como Alex Tower, estas imagens foram captadas no dia
das festividades dos 30 anos da queda do muro de Berlim), é feita
para garantir uma variedade de opções de trabalho. Esta torre que
mede 368 metros, e como o nome indica serviu como transmissora
de rádio, é um marco de Berlim – sendo construída na altura da
RFA/RDA, tempo em que a cidade é conhecida como a central da
espionagem. Na obra, a torre é apresentada coberta por nevoeiro
onde só se vêm descoberto os limites iniciais da torre e a luz que
a delimita. A utilização desta imagem fotográfica, que referencia o
centro da capital Alemã, é uma estratégia de citação de um espa-
ço. As pinturas, previstas para serem expostas em Portugal, farão
esta relação virtual com o espaço de origem da imagem. Esta ati-
tude documentativa do uso fotográfico, pretende instituir a pintura
de uma qualidade figurativa. Assim, a imagem fotográfica utilizada
é transferida por meio de um processo, em que a pigmentação de
uma impressão inkjet, é transmitida através um composto de gesso
transparente ou mistura de cola com pó de mármore, para um su-
porte de algodão preparado com uma primeira camada. Este pro-
cesso, característico do meio da gravura, é realizado à priori com
o tecido estendido numa parede, é depois engradado para agilizar
o processo de pintura que é, só então, revertido com sobreposição
de uma velatura azul. A utilização sintética desta imagem pretende,
deste modo, evidenciar o conjunto de erros programáticos resultan-
tes do processo e sistema de construção da própria imagem. Neste
conjunto de trabalhos, a cor avermelhada surge como uma primeira
camada que é intencionalmente exposta. A escolha deste tom sur-
ge como uma predefinição para um hipotético retrato – uma possí-
vel imprimitura standard pelos parâmetros da pintura convencional.

72
Pinturas Más #80 e #81
Acrílico , transferência de injet e óleo s/ tela de algodão preparada
100 x 114 cm
Lets Call it a Day
Leipzig
2020
Uma fotografia selecionada é então introduzida num determinado
local, variando-se apenas na sua proporção – a foto tem as suas co-
ordenadas inferiores direitas fixas, assumindo consoante a sua pro-
porção uma dimensão razoavelmente semelhante à das dimensões
do próprio suporte – esta primeira determinação, que advém de uma
fórmula compreendida no trabalho anterior, foi primeiramente testa-
da num conjunto de desenhos e colagens. Consequentemente, em
função de uma ideia de impossibilidade de visualização da imagem,
em que o acontecimento atmosférico “nuvem”, é tida como alegoria,
uma última camada é acrescentada – a nuvem é simultaneamente
um corpo visível com massa, mas permeável; com uma localização,
mas de perspetiva difícil de situar. Este elemento é justaposto; a
mancha é disposta rasurando a fotografia parcialmente e inserindo
um último elemento manual. O desenvolvimento deste grupo de pin-
turas é, desde do seu princípio, assinalado pelo escrutínio de cada
decisão que estreita o conjunto de possibilidades que se seguem.
O modo diagramático de abordagem, que é rigidamente seguido,
propõe oferecer um conjunto eventualidades que pelo próprio de-
senvolvimento se tornam particulares – do processo de engradar
e desengradar com objetivo de tingir a tela e transferir a imagem
fotográfica, pequenos erros de enquadramento ocorrem, ou após os
primeiros testes de reprodução fotográfica em formatos pequenos
erros sugestivos são incorporados nas dimensões maiores.
Simultaneamente, foi desenvolvido um conjunto de dese-
nhos de diferentes formatos. Estes desenhos pretendem descrever
um conjunto de máquinas, agrupadas pelo nome “Nuvola”, que se
mantiveram em uso a partir do séc. XIV e que desde então nenhum
documento gráfico representativo da sua totalidade chegou aos
nossos tempos. Estes aparatos, utilizados em cerimónias religiosas
e procissões, pretendiam retratar uma situação de ascensão aos
céus, no caso do exemplo utilizado em procissões, ou de uma situ-
ação de resolução performática, estilo Deus ex-Machina, no caso
utilizado no teatro. A escolha desta máquina enquanto motivo de-
veu-se a, para além de se constituírem como objetos passiveis só
de se formalizarem hoje como hipótese, ao facto de esteticamente
terem sido criados para sugerirem uma situação ascética através
da aproximação à plasticidade do elemento Nuvem – os componen-
tes principais que tratariam de fazer elevar um ator aos céus, era
revestido de algodão – e pelo facto de, tendo sido imensamente
representados nos anos subsequentes à sua extinção, tendo sido
entendidos não como representações analíticas de um objeto mas
como situações simbólicas. Aqui, está em função uma permuta do
significante pelo significado - a representação de um objeto que fun-
cionaria de uma maneira passa então a expor simbolicamente esse
momento. A desconstrução efetuada nestes desenhos prendeu-se
com o afastamento da possibilidade de apresentar um objeto 3D, em
que os desenhos seriam apenas documentação para o efeito - os
desenhos seriam validação suficiente para o entendimento da ideia
de “apparatus”, emergiu a necessidade de se realizar os desenhos
tendo em conta a sua apresentação e não a sua produção posterior,
reforçando assim o seu valor de qualidade hipotética. A produção

74
destes desenhos, realizados a grafite e compostos num papel em
que o desenvolvimento do processo de trabalho é sugerido nas mar-
gens, estabelece a função hipotética do objeto e a qualidade manual
de obtenção de um resultado – sendo o desenho, aqui, visto como
meio que propõe uma ideia de registo do processo mental num de-
senho de produto.
Por fim, a exposição Figura-Lugar, no atelier Brum, em São
Miguel, 2020, surge como uma proposta trabalho, em residência ar-
tística, entre dois ateliers (atelier Brum e atelier Caldeiras). O proje-
to nasce da necessidade de colaboração entre estes dois espaços
numa aceção expositiva aberta e continuada – em que a exposição
se assumiu aberta em concomitância com o tempo de trabalho e
independentemente dos 3 momentos de abertura oficiais. Este tem-
po de trabalho em residência que se situou, então, em simultâneo
com os vários momentos expositivos, pretendia encontrar situações
expositivas democráticas entre o trabalho divergente de três artistas
(onde me acompanham Beatriz Brum e Rodrigo Queirós (1994)).
Deste modo, e assumindo a problemática de localizar uma linha co-
erente entre o trabalho desenvolvido – entre a proposta de trabalho
do atelier Brum já encerrada em si, onde apresenta um conjunto de
peças que se assumem de um carácter mais artificial e que con-
tam com uma intervenção na estrutura do espaço expositivo e a
proposta de trabalho desenvolvida no local pelo atelier Caldeiras,
em que uma relação de referência é tida com os presépios cria-
dos pelos bonecreiros da zona da Lagoa e com as figuras criadas
para as cascatas de São João no Porto – desenvolvo um conjunto
de pinturas divididos em dois núcleos. Num conjunto de 2 pinturas
medindo 120cm por 137cm referenciavam os presépios de lapinha
– estruturas características dos Açores criados com rochas, plantas
e elementos marítimos como conchas e onde se representam ce-
nas da natividade – de uma forma solta emulando paisagens. Aqui
a imagem enquadra-se desproporcionada ao limite da tela relacio-
nando-se com o seu local expositivo e subentendendo uma noção
de hipótese compositiva – a imagem é colocada numa escala infe-
rior ao quadro exibindo limites aleatórios em cada margem de onde
rompe o vermelho utilizado como primeira camada. A formulação
semelhante a uma pintura de paisagem configura as 2 telas como
dispositivos que enquadram as figuras de presépio em que o enqua-
dramento em caixa a devolve para a tónica modernista de pintura.
Num segundo conjunto de telas medindo 23cm por 20cm, um con-
junto de imagens documentativas do processo expositivo são im-
pressas sobre tela tingida de vermelha e que são, ocasionalmente,
rasuradas com uma velatura azul. Estas imagens que evidenciam
uma particularidade laboriosa da construção dos vários elementos
que constituem os diversos momentos expositivos – apresentando
por exemplo a construção dos moldes para a criação dos presépios
ou a pintura da parede do local de exibição -, e que se determinam
a enquadrar o restante trabalho desenvolvido, acabam por pontuar
várias situações, ora como referência montada em situação conven-
cional, ora como elemento intrusivo nos outros componentes da ex-
posição.

75
Pinturas Más #90 e #91 (Presépios de Lapinha)
Acrílico , e óleo s/ tela
120 x 137 cm
Figura-Lugar
Açores
9 Julho 2020
Pinturas Más #95, #94 e #93
Acrílico , impressão inkjet, e óleo s/ tela
10 x 15 cm
Figura-Lugar
Açores
16 Julho 2020
Conclusão

Em suma, a linha discursiva, que a projeção desta seleção de traba-


lhos toma, propõe uma direção que tem como mira a fundamentação
imposta na primeira parte deste texto. É, deste modo, com o com-
prometimento progressivo, com uma estratégia metodológica, que
ao questionar a pintura, a sua especificidade e capacidade enquanto
género e dispositivo em confronto com um mundo globalizado, se
propõe a sua utilização enquanto sistema de enquadramento. Foi,
então, através das noções de diagrama e da referência ao interstício
oriundo das capacidades espácio/temporais na pintura, que um pla-
no condutor se definiu rumo à identificação da condição pluralista da
arte. Em primeiro lugar, partiu-se das aporias de corte com a noção
de representação suscitadas pelo Modernismo, para se introduzir a
estratégia dadaísta composta pela utilização expansiva do elemen-
to diagrama. É por intermédio do trabalho de Marcel Duchamp e
Francis Picabia, e por uma breve incursão sobre a noção de máqui-
na, que a difícil aceção de diagrama é equacionada, dentro de um
sistema identificativo de uma rede, enquanto capacidade disruptiva
da representação de um objeto. A pintura passa a ser detentora de
uma qualidade “transitiva”, onde são suspensos os seus movimentos
internos externos através da expressão, pela tela, de uma ação. A
noção, perspética, da noção de espaço e tempo que daqui advém
induz a compreensão de uma virtualização da pintura que é definida
em interstício. Através dos textos de vários autores e dos trabalhos
de artistas, que se nivelam entre a pintura dita tradicional e a pintura
no campo expandido, é feita a descrição um espaço/tempo exterior
ao plano bidimensional da pintura, de uma capacidade cognitiva que
perdura na Pintura.. Estas condições são atestadas através de dois
casos de estudo simultaneamente particulares e análogos. É através
das estratégias organizacionais pressupostas no trabalho de Martin
Kippenberger e Wade Guyton, e da narrativa subliminar e subjetiva
que descrevem de forma genealógica, que encontramos dois casos
práticos de uma situação ideológica de “continuidade inata de uma
praxis”. Mais, nestes dois casos, o burilar de informação transmitida
de um artista para outro é, para além de uma evidência da imprescin-
dibilidade da noção de trabalho/labor no íntimo do meio, uma evidên-
cia de vias alternativas à questão da imanência da pintura. É nesta
dedução de uma qualidade pluralista prevalecente no quadro artísti-
co contemporâneo, do qual a pintura será um instrumento indicativo,
onde se torna correspondente a um elemento de enquadramento,
que se situa a premissa para o projeto autoral proposto aqui.
Como vimos anteriormente a aplicação da proposição de
Diagrama de Deleuze e Guattari, como proposta por David Joselit
sobre o trabalho dos Dadaístas Francis Picabia e Marcel Duchamp,
advém de uma teoria política e económica. Isto deve-se à caracteri-
zação da condição não referencial do Diagrama, enquanto detentora
de um papel agenciador (“plays a piloting role”) e pela sua associa-
ção a não-lugares e utopias (“Constructs a real that is yet to come, a
new type of reality”), como constituintes de um “limite à condição de
fetichismo da mercadoria”. Como nos demonstra Joselit, é o carácter
híbrido deste princípio constituindo como encarnação de uma utopia,

79
ao se estabelecer paradoxalmente enquanto corpo fenomenológico
e enquanto pura semiótica, que o torna motor para o colapso desta
condição fetichista. Esta mobilidade física e semiótica, a transitivi-
dade aqui já referida, funciona então como contraposto à rede de
reificação a que o objeto pintura, ao combinar não só uma bagagem
histórica e intelectual maior como também uma condição física pró-
pria e conveniente, é mais genericamente, apesar de erroneamente,
associado. São estas características, como a ideia de ativação que
recorre da possibilidade de mobilidade permanente, a ideia de re-
ferenciação, continuidade, de deslocação de barreiras – por outras
palavras, este conjunto de características semióticas - capazes de
conferir ao meio da pintura uma liberdade que difunde os limites para
se estabelecer uma tendência estética contemporânea.
Será, no entanto, mais proveitoso perceber como, precisa-
mente, estas qualidades evasivas romperam com um sistema enrai-
zado num princípio de evolução em prol de um sistema com base na
referenciação e no diálogo entre movimentos contemporâneos. É,
paradoxalmente, na revogação do seu próprio fundamento – funda-
mento corroborado por um prestígio intelectual de que a disciplina é
inevitavelmente portadora - que a pintura, enquanto meio, é capaz
de infringir os próprios limites que guarda para si. Se a pintura tem,
ao mesmo tempo, ocupado um lugar único no panorama artístico
contemporâneo, no sentido em que a sua bagagem histórica a trans-
porta para um lugar atípico no seio da arte atual - como observado
na sua marcada ausência em eventos como Bienais, que privilegiam
obras baseadas em instalações e vídeo, e simultânea pertinência em
eventos como feiras de arte considerada como meio predileto ou em
grandes exposições que pretendem equacionar o estado do mundo
e do próprio meio (como é o caso de “Painting 2.0: Expression in
the Information Age” em Munique, 2015/2016, “The Forever Now:
Contemporary Painting in an Atemporal World”, no MoMa, 2014-
2015, ou Pintura: Herbert Brandl, Helmut Dorner, Adrian Shiesse, em
Serralves, 2004) – ela será desse modo um elemento de instrução
e enquadramento. É nesta situação de enquadramento que o meio
se traduz como predileto para alcançar novas vias, mesmo quando
implicada no centro de uma multiplicidade de outros meios – em que
alcançaram reverência a instalação, abordagens multimédia e situ-
ações imersivas de exposição -, no interior de uma visão de mundo
global, altamente tecnológico e digital – em que a natureza da pintura
está em constante oposição e coalescência com a construção ima-
gética da comunicação de massas, em que qualquer pintor conse-
gue trabalhar com uma base de referências sem fronteiras, e em que
os meios tecnológicos enformam cada vez mais os seus processos
tradicionais.
E, no entanto, se a pintura alcançou este cenário em que
se mostra em profunda interação vital com um contexto que lhe é
exterior, o meio propôs, ainda, suplantar a sua dialética aberta. É,
a partir de uma reformulação dos conceitos induzidos por Isabelle
Graw aparente numa conversa desta com Merlin Carpenter (1967)
– artista já mencionado enquanto assistente de Martin Kippenberger
-, que poderemos reiterar a polivalência da pintura. Nesta conversa,
o artista começa por instituir uma noção de pintura, apresentando-a,

80
ao mesmo tempo, como “qualquer estrutura teorética atual que a
envolve no mundo da arte”, e enquanto (apenas) “uma obra de arte
destinada a ser vendida” (Graw, 2018, p.183). A equação, de Car-
penter, da pintura a uma mercadoria e a um instrumento de capitali-
zação – como descreve: um meio de manter liberdade intelectual no
mundo na arte, essencialmente um modo de fazer dinheiro – reverte,
aqui, a ideia de vitalidade de Graw, demonstrando, ainda, uma nova
esfera do meio. Deste modo, é o papel ativo da capacidade de dis-
curso do objeto pintura que é questionado em função de uma tónica
de valência puramente comercial. A noção de vitalidade é, apenas,
simulada, através de estratégias conceptuais que a mistificam den-
tro do seu contexto. A especificidade da pintura é, mais uma vez,
ponderada enquanto ready-made, desta vez, porque o pintor é, “ao
movimentar-se de uma maneira familiar para criar um efeito total de
irrefutabilidade completa”, um ready-made em si.
A dialética, proposta pelo artista, em que a situação atual da
pintura é fruto de um número infindável de estratégias de legitima-
ção antitéticas – como por exemplo, o movimento de anti-pintura dos
anos 90 é agora um movimento conservador - é demonstrativa da
incontestabilidade de um diálogo contínuo inerente ao meio em si.
Mais, este diálogo é, com efeito, a estratégia que corresponde a pin-
tura ao contexto económico e social do mundo – no sentido em que,
as relações e a produção artística representam, de certa forma, o
mercado de trabalho ou organizações capitalistas. É, neste sentido,
que Carpenter alude, ainda, para a distinção entre a pintura e a arte,
numa aceção geral, através da utilização livre da pintura no trabalho
de uma geração de artistas, discípulos de um Krebber pós-columbia,
de 2010 – como Mathieu Malouf (1984), Nic Ceccaldi (1983), ou Mi-
chaela Eichwald (1967). Aqui, a “forma hippie” (Graw, 2018, p.186)
da instrumentalização da pintura é, paradoxalmente, um método de
negação das “estratégias de legitimação do mundo da arte”, rejeitan-
do a versão da pintura conceptual convencional e institucionalizada
que a precedeu, enquanto, ao mesmo tempo, se legitima ao cumprir
um papel crítico ainda mais abrangente, ao reclamar para si um es-
paço integralmente distinto do mercado artístico, inserindo-se num
vácuo conceptual.
Consegue observar-se, então, que será a capacidade de de-
senvolvimento de diálogos, de uma “reabilitação continuada” (Graw,
2018, p. 186), e de uma comunicação com o seu contexto, em todas
as suas vertentes, que subjaz a progressão dos discursos promo-
vidos pela pintura. É referente, então, à falta de substância crítica
contemporânea, ocasionada pela sobrevalorização estética intrínse-
ca na nossa sociedade, e pela dispersão imagética gerada pela glo-
balidade tecnológica, a que se impõem estas características no seio
da pintura. Assim, a impossibilidade de consolidação de um discurso
unificado terá, possivelmente, de ser substituída por um discurso dos
discursos. E, esta, multiplicidade de discursos, a que nos referimos
com o pluralismo, se bem aplicada, suportar-se-á, pela sua valoriza-
ção dos diálogos e do trabalho dos artistas, como um grande contra-
posto à uniformidade do globalismo, promovendo uma retórica local
e informada – posto de outra forma, um auspicioso momento para,
ainda, a pintura.

81
Pinturas Más #90 e #91 (Presépios de Lapinha)
Acrílico , e óleo s/ tela
120 x 137 cm
Figura-Lugar
Açores
16 Julho 2020
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phia, PA: The Pew Center for Arts & Heritage.
ISBN 978-0-9708346-1-4

Mattusch, Carol C. (1997): The victorious youth. Los Angeles, Calif:


J. Paul Getty Museum.ISBN 0-89236-470-X

Meinhardt, Johannes (2005): abstracção depois da abstracção. Por-


to: fundação de Serralves. ISBN 989-619-008-9

Sabino, Isabel (2000): A pintura depois da pintura. Lisboa: Faculda-


de de Belas Artes, Univ. de Lisboa.

Sardo, Delfim (2017): O exercício experimental da liberdade: dispo-


sitivos da arte no século XX. Lisboa: Orfeu Negro.
ISBN 978-989-8327-82-6

Sardo, Delfim; Pinheiro, Gabriela Vaz (2013): Flatland (redux). Gui-


marães: Guimarães 2012 Capital Europeia da Cultura, Área de Arte
e Arquitetura. ISBN 978-989-98292-3-7

Schwabsky, Barry (2010): Vitamin P: new perspectives in painting.


London: Phaidon. ISBN 978-0-7148-4446-6

Schwabsky, Barry (2011): Vitamin P2: new perspectives in painting.


London: Phaidon. ISBN 978-0-7148-6942-1

Sylvester, David (1987): The Brutality of Fact – Interviews with Fran-


cis Bacon. New York:

Serota, Nicholas (2000): Experience or interpretation: the dilemma of


museums of modern art. London: Thames and Hudson. ISBN 0-500-
28216-1

Wolfs, Rein; Kleine, Susanne (2019): Martin Kippenberger: Bittes-


chön Dankeschön. Köln: Snoeck. ISBN 978-3-86442-290-4

Žižek Slavoj (2009): The ticklish subject: the absent centre of political
ontology. London: Verso. ISBN 1-85984-291-7

86
Índice de Imagens

P.5 Pinturas Más #14 e #15, Balões, Atelier Brum, 2017; Fotografia:
João Ramos

P.11 Martin Kippenberger, Uno di voi, un tedesco in Firenze, Óleo s/


tela, 56 telas, 41: 60 x 50 cm; 15: 50 x 60 cm, 1976/77, Bitteschön
Dankeschön, Bundeskunsthalle, Bonn, 2019, Frederico Christian
Flick Coleção im Hamburger Bahnhof, Berlin / Foto: Peter Paul
Weiler, 2019 © Arte e Salão de exposições da República Federal
da Alemanha Lda; retirado de: facebook.com/Bundeskunsthalle/
photos/a.503280336364728/4080443478648378/?type=3&theater

P.14 Martin Kippenberger, Modell Interconti, Madeira, metal, pintura


de Gerhard Richter de 1973, 33 x 79 x 60 cm, 1987; Coleção de
Gaby and Wilhelm Schürmann, Herzogenrath; Petzel Gallery;
créditos: ARA H. MERJIAN retirado de: frieze.com/article/tracing-le-
gacy-asger-jorn-vandal-vanguard

P.17 Martin Kippenberger, Heavy Burschi/ Heavy Lad, Contentor


com pinturas destruídas, Fotografias; 1989/90; Bitteschön Dankes-
chön; Bundeskunsthalle, Bonn, 2019; Cortesia de: Galeria Gizela
Capitain; retirado de: miriskum.de/category/unterwegs/

P.21 Martin Kippenberger, Farbeier, Paint Bombs, Estante de


plexiglass, 48 pinturas de óleo s/tela, 270 x 44,4 x 34,5 cm,1992;
Coleção Cranford, Londres; retirado de: snoeck.de/book/538/Mar-
tin-Kippenberger%3A-Bittesch%C3%B6n.-Dankesch%C3%B6n

P.22 Wade Guyton, 4 pilhas de pinturas, MCMXCIX-MMXIX Zwei


Dekaden, Museu Ludwig, Colónia, 2019; Fotografia: Thomas Pirot;
retirado de: ignant.com/2019/11/22/the-work-of-art-in-the-age-of-
-compulsive-reproduction-two-decades-in-the-oeuvre-of-wade-guy-
ton/

P.24 Kazimir Malevitch, Black Square, 0,10 Exhibition, São Peter-


sburgo, 1915; retirado de: umbigomagazine.com/um/2017-01-11/
quadrado-negro-de-kazimir-malevich.html

P.25 Wade Guyton, Black paintings, Ficheiros Tiff pretos impressos


a inket s/ telas defeituosas, Chão coberto com contraplacado pinta-
do de preto, Frederich Petzel Gallery, Nova Iorque, 2007; Retirado
de: petzel.com/exhibitions/wade-guyton/a-exhibitions

P.28 Francis Picabia , Natures Mortes, 1920; Retirado de: vanguar-


dia.com.mx/articulo/francis-picabia-el-dadaista-playboy

P.31 Marcel Duchamp, L.H.O.O.Q, 1919; Retirado de: artecapital.


net/estado-da-arte-24-augusto-m-seabra-a-obra-de-arte-na-era-
-da-sua-reprodutibilidade-digital-iii-conclusao-

87
P.32 Francis Picabia, Tableau Dada por Marcel Duchamp,
(L.H.O.O.Q), Reproduzido em 391, Março, 1920; Retirado de:
kettererkunst.de/kunst/kd/details.php?obnr=411500898&anum-
mer=421&detail=1

P.34 Marcel Duchamp, Unhappy Readymade, Fotografia,1919;


Retirado de: toutfait.com/unmaking_the_museum/Unhappy%20
Readymade.html

Marcel Duchamp ou Rrose Sélavy, Unhappy Readymade , Fo-


tografia preparada para publicação em “Box en Valise”, 1919;
Retirado de: toutfait.com/unmaking_the_museum/Unhappy%20
Readymade.html

Suzanne Duchamp, Marcel Duchamp’s Unhappy Readymade, Óleo


s/tela , 1920; Retirado de: duchamp-villon-crotti.com/artistes/suzan-
ne-duchamp/

P.39 Martin Kippenberger, Lieber Maler, male mir..., Acrílico s/tela,


200 x 130cm, 1983; Coleção Pinault; Retirado de: www.saatchigal-
lery.com/artists/artpages/kippenberger_untitled_pair.htm

P.40 Wade Guyton, Untitled (Martin Kippenberger, “Kindliches


Lächeln nach einer blöden Antwort,” 1960, Foto Gerd Kippenberger
16), inkjet s/ página de livro, 21 x 14,7 cm, 2004; ZWEI DEKADEN
MCMXCIX–MMXIX; Fotografia: João Ramos

P.42 Kurt Schwitters, Merzbau,1933; Fotografia: Wilhelm Rede-


mann, 1933, Retirado de: tate.org.uk/research/publications/tate-pa-
pers/08/kurt-schwitters-reconstructions-of-the-merzbau

P.46 Luc Tuymans, Doha II e III, Óleo sobre tela, Absent Museum,
Wiels, Bruxelas, 2017; Fotografia: Kristien Daem; Retirado de:
artlead.net/content/journal/absent-museum-wiels-brussels/

P.47 Jutta Koether, Hot Rod (after Poussin), Acrílico, pastel e téc-
nica mista s/tela, 200 x 260 cm, Lux Interior, Galeria Reena Spau-
lings, Nova Iorque, 2009; Retirado de: reenaspaulings.com/hotrod.
htm

P.50 Balões com cabeça , Spray sobre poliuretano, óleo s/ gesso e


borracha, 2018; Fotografia: João Ramos

P.52 Mesa de Ping-pong com Cabeça, Acrílico spray e óleo s/ma-


deira, poliuretano e gesso, motor, ferro e rede, 200 x 176 x 100 cm,
Cosmografias, história e outras cores, Galeria Fonseca Macedo,
2019; Fotografia: João Ramos

P.55 Balões, Acrílico e óleo s/ gesso e borracha, Atelier Brum,


2018; Fotografia: João Ramos
P.57 Pinturas Más #60, Lixívia, spray e óleo s/tecido preparado,
Andaime, 200 x 176 x 100 cm, Sem Título, Gesso e arame; “Entre
Tanto”, CACE Cultural, Porto, 2019; Fotografia: João Ramos

P.59 Pinturas Más #80 e #81, Acrílico , transferência de injet e óleo


s/ tela de algodão preparada, 100 x 114 cm, Lets Call it a Day
Leipzig, 2020; Fotografia: Einav Zilber

88
P.61 Nuvola, Grafite s/ papel, 116 x 81 cm, 2020; Leipzig; Fotogra-
fia: João Ramos

P.63 Pinturas Más #90 (Presépios de Lapinha), Acrílico , e óleo s/


tela, 120 x 137 cm, Figura-Lugar, Açores, 9 Julho 2020; Fotografia:
Sara Pinheiro

P.65 Pinturas Más #90 (Presépios de Lapinha), Acrílico , e óleo s/


tela, 120 x 137 cm, Figura-Lugar, Açores, 9 Julho 2020; Fotografia:
Sara Pinheiro

P.68 Pinturas Más #90 e #91 (Presépios de Lapinha), Acrílico , e


óleo s/ tela, 120 x 137 cm, Figura-Lugar, Açores, 16 Julho 2020;
Fotografia: Mariana Lopes

P.69 Pinturas Más #95, #94 e #93, Acrílico , impressão inkjet, e


óleo s/ tela, 10 x 15 cm, Figura-Lugar, Açores, 16 Julho 2020; Foto-
grafia: Mariana Lopes

89
Catálogo de imagens
Pinturas Más #2
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

Pinturas Más #3
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

92
Pinturas Más #6
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

Pinturas Más #7
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

93
Pinturas Más #8
Acrílico, óleo e spray s/ tela
42 x 37 cm
2017

Pinturas Más #9
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

Pinturas Más #11


Acrílico, óleo, papel e moedas
s/ tela
42 x 37 cm
2017

94
Pinturas Más #12
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

Pinturas Más #13


Acrílico, spray e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2017

95
Pinturas Más #14; cabeças
Acrílico, óleo, grafite e carvão s/ tela; gesso
200 x 176 cm
2018

96
Pinturas Más #15; cabeças
Acrílico, óleo, grafite e carvão s/ tela; gesso
200 x 176 cm
2018

97
Pinturas Más #20; Balões
Acrílico, óleo s/ tela, alumínio; gesso
2018

98
Pinturas Más #19
Acrílico, óleo, spray, grafite e carvão s/ tela; gesso
137 x 120 cm
2018

99
Pinturas Más #21; Balões
Acrílico, óleo s/ tela, alumínio; gesso
2018

100
Pinturas Más #22
Acrílico, spray e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2018

Pinturas Más #23


Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2018

101
Pinturas Más #24
Acrílico e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2018

Pinturas Más #25


Acrílico, spray e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2018

102
Pinturas Más #26
Acrílico, spray e óleo s/ tela
42 x 37 cm
2018

Pinturas Más #27


Acrílico e óleo s/ tela
40 x 33 cm
2018

103
Pinturas Más #33
Acrílico, spray tela e óleo s/ tela
137 x 120 cm
2018

104
Pinturas Más #34
Acrílico, spray e óleo s/ tela
40 x 33 cm
2018

Pinturas Más #35


Acrílico, spray e óleo s/ tela
40 x 33 cm
2018

105
Pinturas Más #36
Acrílico, spray e óleo s/ tela
40 x 33 cm
2018

Pinturas Más #37


Acrílico, spray, grafite e óleo s/ tela
40 x 33 cm
2018

106
Pinturas Más #38
Acrílico, spray, grafite e óleo s/ tela
120 x 137 cm
2018

107
Balão #1 Martin Kippenberger
Óleo sobre gesso, borracha e moedas
24 x 18 x 17.5 cm
2018

Balão #2 Picasso
Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x 17 cm
2018

Balão #3 Domingos Rebelo


Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

108
Balão #4 Albert Oehlen
Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

Balão #5 David Ostrowski


Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

Balão #6 António Dacosta


Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

109
Balão #7 Gustave Courbet
Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

Balão #8 Matisse
Óleo sobre gesso e borracha
25 x 17 x16 cm
2018

Balão #9 Lucien Freud


Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

110
Balão #10 Goya
Óleo sobre gesso e borracha
25 x 17 x16 cm
2018

Balão #11 Cézane


Óleo sobre gesso e borracha
24 x 18 x17 cm
2018

111
Balões com cabeça
Spray sobre poliuretano, óleo s/ gesso e borracha
2018

112
Balões com cabeça
Spray sobre poliuretano, óleo s/ gesso e borracha
23 x 40 x 18 cm
2018

113
Pinturas Más #40
Acrílico e óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

Pinturas Más #41


Acrílico e óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

Pinturas Más #42


Acrílico e óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

114
Pinturas Más #43
Acrílico e óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

Pinturas Más #44


Acrílico e óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

Pinturas Más #46


Óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

115
Pinturas Más #47
Óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

Pinturas Más #48


Óleo s/ tela
17 x 15 cm
2019

116
Pinturas Más #49
Óleo s/ tela
42 x 37 cm
2019

Pinturas Más #51


Óleo s/ tela
40 x 33 cm
2019

117
Pinturas Más #55
Acrílico, óleo e spray s/ tela
40 x 33 cm
2019

Pinturas Más #56


Acrílico, óleo e spray s/ tela
40 x 33 cm
2019

Pinturas Más #57


Acrílico, óleo e spray s/ tela
90 x 79 cm
2019

118
Pinturas Más #52
Óleo s/ tela
40 x 33 cm
2019

Pinturas Más #59


Acrílico, óleo e spray s/ tela
42 x 37 cm
2019

119
Pinturas Más #64
Óleo s/ tela
42 x 37 cm
2019

Pinturas Más #65


Óleo s/ tela
42 x 37 cm
2019

Pinturas Más #63


Óleo s/ tela
42 x 37 cm
2019

120
Sem Título (Adriano no canto)
Acrílico e óleo s/ madeira; poliuretano e motor
20 x 40 x 25 cm
2019

121
Pinturas Más #60
Acrílico, óleo e spray s/ tela
200 x 176 cm
2019

Sem Título
Gesso e ferro
2019

122
Pinturas Más #60 e Sem Título
2019

123
Mesa de ping-pong com cabeça
Acrílico spray e óleo s/madeira, poliuretano e gesso, motor, ferro e rede
200 x 176 x 100 cm
2019
Sem Título (Adriano na parede)
Acrílico e óleo s/ madeira; poliuretano e motor
20 x 40 x 25 cm
2019

126
Gabinete online
Instalação digital interactiva
2019

127
Pinturas Más #83
Acrílico e óleo s/ tela
23 x 20 cm
2020

128
Pinturas Más #75
Acrílico, transferência inkjet e óleo s/ tela
114 x 100 cm
2020

Pinturas Más #76


Acrílico, transferência inkjet e óleo s/ tela
114 x 100 cm
2020

129
Pinturas Más #82
Acrílico e óleo s/ tela
23 x 20 cm
2020

130
Pinturas Más #77
Acrílico, impressão inkjet s/ tela
114 x 100 cm
2020

Pinturas Más #78


Acrílico, transferência inkjet e óleo s/ tela
114 x 100 cm
2020

131
Pinturas Más #80
Acrílico e óleo s/ tela
114 x 100 cm
2020

Pinturas Más #81


Acrílico, transferência inkjet, óleo e spray s/ tela
114 x 100 cm
2020

132
Pinturas Más #79
Acrílico e óleo s/ tela
23 x 20 cm
2020

133
Nuvola
Grafite s/ papel
39,5 x 29 cm
2020

134
Nuvola
Grafite s/ papel
39,5 x 29 cm
2020

135
Nuvola
Grafite s/ papel
39,5 x 29 cm
2020

136
Nuvola
Grafite s/ papel
116 x 81 cm
2020

Nuvola
Grafite s/ papel
116 x 81 cm
2020

137
Exposições
Atelier Brum
São Miguel
2018

140
141
9500 - Três Residentes Artistas
Centro Municipal de Cultura Ponta Delagada
São Miguel
2018

142
143
Cosmografias, a história e outras cores
Galeria Fonseca Macedo
São Miguel
2019

144
145
Entre-Tanto
CACE Cultural
Porto
2019

146
147
Unsere Meinung
URBN Jungle
Leipzig
2019

148
149
Let’s Call it A Day
Handstand und Moral
Leipzig
2020

150
151
Figura-Lugar
Atelier Brum
São Miguel
2020

152
153
Pinturas Más
O Diagrama, o Espaço e o Pluralismo
Faculdade de Belas Artes - Universidade do Porto
Porto
2020

154
155

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