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ISSN 0103-8559
SOCIEDADE SOCESP
DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Volume 16 — No 3 — Jul/Ago/Set de 2006
“CHECK-UP”
CARDIOLÓGICO
EDITOR CONVIDADO:
NELSON KASINSKI
Figura 2
(página 167)
INFLAMAÇÃO E DOENÇAS
CARDIOVASCULARES
EDITOR CONVIDADO:
CARLOS VICENTE SERRANO JR.
Figura 2
(página 217)
www.socesp.org.br
REVISTA DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
Diretoria da SOCESP Presidentes Regionais
Biênio 2006/2007 ABCDM: José Luiz Aziz
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A Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (ISSN 0103-8559) é editada trimestralmente pela
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quaisquer textos constantes desta edição sem autorização formal e expressa de seus editores.
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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
Publicação Trimestral / Published Quarterly
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)
CDD16 616.105
NLM W1
ISSN 0103-8559 WG100
RSCESP 72594 CDU 616.1(05)
SUMÁRIO
iv Carta do Editor Convidado vi Comunicado Importante
Nelson Kasinski viii Eventos
v Carta do Editor Convidado
Carlos V. Serrano Jr.
“CHECK-UP” INFLAMAÇÃO E
CARDIOLÓGICO DOENÇAS CARDIOVASCULARES
EDITOR CONVIDADO: EDITOR CONVIDADO:
NELSON KASINSKI CARLOS VICENTE SERRANO JR.
127 “Check-up” cardiológico: avaliação clínica 178 Síndromes coronárias agudas e inflamação
e fatores de risco Acute coronary syndromes and inflammation
Heart check-up: clinical examination and Juliano Lara Fernandes
risk factors Alexandre Soeiro
João Lourenço Villari Herrmann César Biselli Ferreira
José Augusto Marcondes de Souza Carlos V. Serrano Jr.
iii
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
CARTA DO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
EDITOR Antes prevenir do que remediar. Esse antigo ditado expressa a importância da
prevenção primária em Cardiologia, com ênfase especial à doença arterial coronária, já que
CONVIDADO algumas conseqüências dela advindas podem ser catastróficas no momento de sua
instalação clínica.
A verdadeira prevenção demanda aferição de sua eficácia. Para tanto, são importantes
as informações obtidas do paciente nas esferas epidemiológica e clínica. Essa avaliação
se completa com os dados objetivos oriundos de exames subsidiários, que compõem,
assim, o verdadeiro “check-up” cardiológico.
As avaliações que pretendiam afastar problemas cardiocirculatórios sofreram
inicialmente numerosas críticas por sua baixa sensibilidade e baixa especificidade.
Entretanto, essas limitações foram desaparecendo com a rápida evolução de métodos
diagnósticos não-invasivos, determinando o desenho de uma programação com elevados
índices de acerto no que tange ao conceito de coração normal.
Nesse contexto, para esta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado
de São Paulo foram escolhidos temas descritos por especialistas proeminentes e experientes,
que analisam com cuidado, critério e crítica o conjunto de exames que devem compor em
diferentes circunstâncias o “check-up” do coração.
A escolha de procedimentos como a eletrocardiografia convencional, o teste de
esforço, a ecocardiografia nas suas diferentes modalidades e a sofisticada utilização da
medicina nuclear, da angiotomografia e da ressonância magnética não foi casual, tendo
como objetivo trazer ao conhecimento do cardiologista as verdadeiras aplicações e
limitações desses procedimentos.
Dessa forma, acredito que as informações contidas nesta edição possam servir de guia
para a realização e a interpretação das avaliações daqueles que buscam conhecer a saúde
dos corações.
Nelson Kasinski
Editor Convidado
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RSCESP
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CARTA DO INFLAMAÇÃO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES
EDITOR Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo,
“Inflamação e Doenças Cardiovasculares” é o segundo tema abordado, cuja organização
CONVIDADO contou com a colaboração de colegas de renome de várias instituições do Estado de São
Paulo. São cinco capítulos ao todo, em que vários aspectos relevantes são analisados, como
dados epidemiológicos e pesquisa básica, além de métodos diagnósticos e terapêuticos.
O ponto de vista sobre os mecanismos fisiopatológicos das doenças cardiovasculares
tem se desviado de modo marcante nesta última década. No passado, acreditava-se que
tanto as estenoses arteriais, com repercussão no fluxo sanguíneo, como os índices
funcionais de isquemia de órgãos poderiam direcionar nossas terapias. Culpávamos as
estenoses críticas como sendo responsáveis pelas complicações isquêmicas da
aterosclerose. Achados clínicos recentes importantes têm nos obrigado a reconsiderar
esses conceitos. As evidências atuais têm estabelecido a importância dos aspectos
qualitativos das placas como determinantes na propensão a levar a complicações agudas.
Entre as características funcionais das placas, em associação à vulnerabilidade, a inflamação
tem surgido como mecanismo fisiopatológico fundamental, oferecendo alvos terapêuticos
potenciais e novas estratégias de estratificação de risco. É nessa linha de raciocínio que
os tópicos aterosclerose, fatores de risco coronário e síndromes coronárias agudas foram
baseados.
Por outro lado, dentro da fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a inflamação exerce
papel importante, principalmente, na fase avançada da falência cardíaca, em que o estado
de hipercatabolismo está predominando, assunto que também é discutido.
A resposta inflamatória vascular desencadeada pelos fatores de risco induz disfunção
endotelial, caracterizada por apoptose e perda da integridade endotelial. Esse cenário
facilita a entrada de lipoproteínas aterogênicas e a migração de leucócitos para o espaço
endotelial. Evidências recentes sugerem que as células progenitoras circulantes têm papel
regenerador importante no endotélio na presença de fatores de risco aterosclerótico.
Dentro desse raciocínio, esperamos ter cumprido nosso objetivo de abordar a atualização
dos avanços dessa interação “inflamação” e “doenças cardiovasculares”.
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COMUNICADO IMPORTANTE
Estamos republicando, nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São
Paulo, as figuras que ilustraram o artigo "Aspectos fisiopatológicos e estruturais da vasculopatia
pulmonar", de autoria da Dra. Vera Demarchi Aiello, veiculado no trimestre Abril/Maio/Junho de
2006, Volume 16, No 2, às páginas 71 a 78. Na época, por problemas técnicos com as figuras originais,
a qualidade final de impressão saiu prejudicada. Nestas páginas, as figuras estão publicadas correta-
mente, em cores.
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JUL/AGO /SET 2006
Figura 4. Veia pulmonar ocluída por
fibrose intimal, mostrando desorgani-
zação e proliferação de fibras elásti-
cas (em preto). Coloração pela técni-
ca de Muller para fibras elásticas,
objetiva 40X.
vii
RSCESP
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EVENTOS SOCESP
2007
28, 29 e 30 de Abril
XXVIII Congresso da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
São Paulo — SP
Informações:
SOCESP EVENTOS
www.socesp.org.br
eventos@socesp.org.br
Tel.: (11) 3179-0044 — ramal 2
viii
RSCESP
JUL/AGO /SET 2006
HERRMANN JLV
e col.
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO: AVALIAÇÃO CLÍNICA “Check-up”
E FATORES DE RISCO cardiológico:
avaliação clínica
e fatores de risco
Idade
Colesterol 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
total (mg/dl) H M H M H M H M H M
< 160 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
160-199 4 4 3 3 2 3 1 1 0 1
200-239 7 8 5 6 3 6 1 2 0 1
240-279 9 11 6 8 4 8 2 3 1 2
> 280 11 13 8 10 5 10 3 4 1 2
Idade
20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Cigarros H M H M H M H M H M
Não 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Sim 8 9 5 7 3 4 1 2 1 1
HDL-colesterol
(mg/dl) H M
> 60 -1 -1
50-59 0 0
40-49 1 1
< 40 2 2
H = homens; M = mulheres.
continua na página seguinte
Valores acima de 88 cm para mulheres e de 102 parte dos critérios utilizados para o diagnóstico
cm para homens estão associados à presença de de síndrome metabólica, analisando mais profun-
risco cardiovascular muito aumentado.23 Esses damente as alterações lipídicas nos estados de re-
valores integram os critérios do “National Cho- sistência à insulina observa-se aumento do núme-
lesterol Education Program” (NCEP-ATPIII). ro de partículas pequenas e densas dessa lipopro-
Diversos fatores agrupados sob o denomina- teína, reconhecidamente mais aterogênicas que as
dor comum de resistência à insulina são compo- partículas maiores.24
nentes dessa síndrome: obesidade visceral, into-
132 lerância à glicose, hipertensão arterial sistêmica,
hipertrigliceridemia, e níveis baixos de HDL.
ASPIRINA
RSCESP Embora o valor do LDL-colesterol não faça Vários são os estudos que demonstram o be-
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Tabela 2. Escore de risco de Framingham (continuação). e col.
“Check-up”
Pressão arterial Não-tratada Tratada cardiológico:
sistólica (mmHg) H M H M avaliação clínica
e fatores de risco
< 120 0 0 0 0
120-129 0 1 1 3
130-139 1 2 2 4
140-159 1 3 2 5
> 160 2 4 3 6
<0 <1
0 1
1 1
2 1
3 1
4 1
5 2
6 2
7 3
8 4 <1
9 5 1
10 6 1
11 8 1
12 10 1
13 12 2
14 16 2
15 20 3
16 25 4
17 > 30 5
18 6
19 8
20 11
21 14
22 17
23 22
24 27
> 25 > 30
H = homens; M = mulheres.
nefício da aspirina na prevenção de eventos vas- ta para indivíduos que apresentem risco de evento
culares coronários. A redução de eventos vascula- cardiovascular superior a 10% em 10 anos.25, 26 A
res cerebrais é menos consistente e o efeito prote- dose recomendada varia entre 75 mg e 160 mg
tor parece ser mais claro em homens que em mu- por dia.
lheres. Outro ponto a ser levado em conta é que o
benefício deve superar as possíveis complicações, TESTES NÃO-INVASIVOS PARA
como o risco de sangramento. AVALIAÇÃO DE ISQUEMIA SILENCIOSA
Por esse motivo, devem ser identificados indi-
víduos com risco suficiente para que se justifique
seu emprego. Em geral, as principais sociedades
Eletrocardiografia de esforço
Poucos são os dados a respeito desse exame
133
médicas recomendam que a aspirina seja prescri- em pacientes assintomáticos. Apenas a positivi- RSCESP
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e col. dade desse teste com carga baixa teria valor prog- risco, são recomendados os exames complemen-
“Check-up” nóstico relevante, eventualidade bastante rara nessa tares necessários.
população. Sua realização nesse subgrupo parece Quando há suspeita de cardiopatia solicita-se
cardiológico: só ser justificável na presença de pelo menos um o exame apropriado. A eletrocardiografia faz par-
avaliação clínica fator de risco para coronariopatia.27, 28 te da avaliação cardiológica inicial.
e fatores de risco Caso haja suspeita de valvopatia, insuficiên-
Ecocardiografia com estresse (farmacológico cia cardíaca ou cardiomiopatia, a ecocardiografia
ou esforço) é o exame que mais pode auxiliar o cardiologista.
Baseia-se na premissa de que a isquemia mio- Quando a queixa é de arritmia, o Holter de 24
cárdica induz alteração da contratilidade miocár- horas auxilia no diagnóstico do tipo de arritmia.
dica. Não existem dados que justifiquem seu em- Finalmente, quando há suspeita de cardiopatia
prego em indivíduos assintomáticos de risco bai- isquêmica, a ergometria e os testes não-invasivos
xo ou de risco intermediário. Pode ter algum va- de imagem são os recomendados.
lor em pacientes do sexo feminino e idosos (> 75 A maior parte dos pacientes submetidos a “check-
anos) com risco intermediário.29 up” cardiológico não apresenta evidências de doen-
ça cardíaca estrutural. É para esse grupo que a
Cintilografia miocárdica de perfusão conduta é mais controversa.
(farmacológico ou esforço) Em pacientes assintomáticos de baixo risco
Seu emprego parece não ser justificado em pa- para doença coronariana (< 10% de doença co-
cientes de baixo risco. Da mesma forma que a eco- ronária em 10 anos), o teste ergométrico positi-
cardiografia com estresse, pode ter alguma utili- vo tem grande possibilidade de ser um falso
dade em mulheres na menopausa e idosos (> 75 positivo, levando a condutas inadequadas, como
anos) de risco intermediário.30 menor investigação e exposição do paciente a
exames invasivos, que se acompanham da pos-
Monitorização ambulatorial da sibilidade de complicações, podendo acarretar
eletrocardiografia estigma psicológico e conduzir a tratamentos
É recomendação classe III (não deve ser indi- desnecessários.
cada) para pacientes assintomáticos na tentativa No extremo oposto, a rigidez na indicação de
de estimar o risco de eventos maiores, como in- exames pode não detectar o portador de obstrução
farto agudo do miocárdio ou morte súbita, por não grave, cuja primeira manifestação pode ser a mor-
fornecer informação prognóstica.31 te súbita.
Os diabéticos constituem um grupo particular-
Tomografia por emissão de pósitrons mente importante. Considerando a elevada inci-
Além de procedimento diagnóstico de alto cus- dência de doença cardiovascular como causa de
to, não oferece vantagem sobre outros testes mais óbito (75%) e a freqüência e a importância da is-
simples, como eletrocardiografia de esforço.32 quemia silenciosa nos diabéticos, a investigação
de assintomáticos é desafiadora.
Avaliação do escore de cálcio O estudo “Detecção de Isquemia em Pacientes
A presença de calcificação coronária é exce- Diabéticos Assintomáticos” (DIAD) relatou ima-
lente marcador da presença de processo ateroscle- gens de perfusão miocárdica alteradas em 16% dos
rótico e pode ser detectada com precisão pela to- pacientes, porém apenas 1% apresentavam defei-
mografia helicoidal. No entanto, não existem da- to grande.33
dos de longo prazo determinando a utilidade de Outros estudos não apresentaram dados tão be-
sua detecção e o desenvolvimento de eventos co- nignos em assintomáticos. A síndrome metabóli-
ronários. A presença de baixo escore de cálcio está ca é outra condição que parece acarretar grande
ligada a baixa probabilidade de eventos coronári- risco cardiovascular.
os. A abordagem dos assintomáticos nessas duas
situações ainda não é satisfatória e constitui moti-
Proteína C-reativa ultra-sensível vo de grande controvérsia.
Marcador sanguíneo com alta sensibilidade na A utilização de exames não-invasivos que de-
detecção de processos inflamatórios, em especial tectam isquemia miocárdica deve ser mais liberal
a inflamação vascular. Pode ter valor na detecção nessas duas situações. O resultado do teste isquê-
de eventos coronários futuros. mico indicativo de mau prognóstico deve ser acom-
panhado da cinecoronariografia.
134 CONSIDERAÇÕES FINAIS No “check-up” cardiológico, a arte médica con-
siste no encontro do equilíbrio que traga seguran-
RSCESP Com base no exame clínico e nos fatores de ça ao paciente e tranqüilidade ao médico.
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e col.
HEART CHECK-UP: CLINICAL EXAMINATION “Check-up”
AND RISK FACTORS cardiológico:
avaliação clínica
e fatores de risco
The increasing importance of heart diseases as a major factor for morbidity and mortality is
well known. The onset of the disease may be devastating. The knowledge of the risk
factors presented by some patients is the basis for prophylaxis of heart diseases. Clinical
examination is essential to heart check-up and together with risk factors for coronary
atherosclerosis analysis, suggest suitable additional examination. Through clinical
examination and presented risk factors, we’ve used the Framingham risk model and for
those patients more vulnerable, strong measures on the risk factors and medication
when necessary.
Key words: heart disease, clinical examination, risk factors, event prediction.
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avaliação clínica
e fatores de risco
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MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
ELETROCARDIOGRAFIA E TESTE ERGOMÉTRICO
teste ergométrico NO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
no “check-up”
cardiológico
Tabela 1. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor
torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo masculino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%;
baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.
Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilida-
de clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)
Tabela 2. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor
torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo feminino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%;
baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.
Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilida-
de clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)
Figura 1. Manuseio clínico em indivíduos assintomáticos, com pelo menos dois fatores maiores de
risco.
FR = fatores de risco; masc = masculino; TE = teste de esforço; CVAS = cardiovascular; ECG = eletro-
cardiografia; GATED-SPECT = cintilografia tomográfica de perfusão e função sincronizada com o
143
ciclo cardíaco (intervalo RR); Intermed = intermediário. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols. Tabela 4. Métodos comuns para a avaliação da resposta cronotrópica7.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico 䊳 Valor atingido da freqüência cardíaca ou freqüência cardíaca de pico.
no “check-up” 䊳 Porcentual da reserva cardíaca utilizada < 80% = alto risco.
cardiológico
FC pico ou alcançada - FC repouso/(220 - idade) - FC repouso x 100
FC = freqüência cardíaca.
2 A) Eletrocardio-
grama clássico de
12 derivações, com
alterações inespecí-
ficas da repolariza-
ção ventricular.
2 B) Eletrocardio-
grama clássico de
12 derivações na
fase imediata de re-
cuperação, eviden-
ciando intensifica-
ção das alterações
prévias.
145
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico
no “check-up”
cardiológico
2 C) Derivações
modificadas, apenas
com alterações da
repolarização ven-
tricular discretas.
2 D) Derivações
modificadas duran-
te pico de exercício,
evidenciando-se in-
fradesnível do seg-
mento ST até 2,5
mm medido após 80
ms do ponto J, nas
derivações MC5 (I),
II e aVL modifica-
das.
MC5 = derivação
bipolar utilizada em
ergometria, com o
eletrodo do braço
direito (negativo)
posicionado no ma-
núbrio e o eletrodo
do braço esquerdo
(positivo), na posi-
ção original de V5.
terminado, com múltiplos fatores de risco. Indiví- sença de resposta isquêmica, têm indicação de
duos com testes negativos para aterosclerose sub- estudo invasivo, objetivando o binômio revascu-
clínica, como escore de cálcio coronário avaliado larização/melhora da sobrevida ou qualidade de
por tomografia computadorizada = 0 ou espessu- vida. Adicionalmente, algumas considerações
ra das camadas íntima/média da carótida por ul- merecem destaque no que concerne à prevenção
tra-som distribuída abaixo do percentil 50%, sem primária e ao enfoque dos novos testes:
placa carotídea, são considerados como de baixo a) A presença de diabetes não seria considera-
risco, na ausência de fatores de risco. Na presença da equivalente de risco de doença arterial coroná-
desses fatores, os indivíduos são reclassificados ria na ausência de aterosclerose subclínica54. Des-
para moderado risco, devendo como metas de tra- sa forma, o teste ergométrico como “check-up”
tamento alcançar níveis de lipoproteína de baixa nessa população não encontra indicação consen-
densidade (LDL) < 130 mg/dl53. Os indivíduos com sual, a não ser naqueles que pretendem ou estão
testes positivos traduzidos por escores de cálcio > em prática de atividades físicas. Na condição de
1 ou espessura das camadas íntima/média da ca- provas comprobatórias de aterosclerose clínica,
rótida > percentil 50% ou presença de placa caro- passam a ser considerados como de alto risco, se-
tídea são reestratificados de acordo com a magni- guindo a logística habitual de investigação.
tude da carga de aterosclerose em subcategorias b) Outros testes podem ser considerados para
(Tab. 5). aplicação opcional, como, por exemplo, proteína
Dentro do cenário para a avaliação do grupo C-reativa elevada55.
proposto à aplicação de testes não-invasivos de ate- c) Provas adicionais para avaliação estrutural
rosclerose subclínica, considerado como “vulne- e funcional, como ressonância nuclear magnética
rável” e candidato a tratamentos individualizados, de aorta e artérias carotídeas56, e abordagem da
testes de isquemia miocárdica, como o teste ergo- disfunção endotelial57 e da perda da elasticidade
métrico, estariam indicados apenas para o grupo arterial, entre outras, têm se mostrado preditoras 147
de risco muito elevado. Tais indivíduos, na pre- de eventos. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols. Tabela 5. Categorias de risco baseadas na presença de aterosclerose subclínica52.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico Risco moderado/elevado
– Escore de cálcio < 100 (mas > 1) e < percentil 75; ou CMIT < 1 mm e < percentil 75 (> 50), sem
no “check-up”
placa evidenciável em carótida.
cardiológico Risco elevado
– Escore de cálcio entre 100 e 399 ou > percentil 75; ou CMIT > 1 mm; ou > percentil 75; ou placa
evidenciável em carótida com lesão < 50%.
Risco muito elevado
– Escore de cálcio > 100 e > percentil 90; ou escore de cálcio > 400; ou estenose carotídea > 50%.
Figura 3 (A, B e C). MCT, 45 anos, do sexo masculino, encaminhado em 13/4/2006 para a realização
de teste ergométrico, objetivando “check-up” e prática de atividades esportivas. Assintomático, com
antecedentes familiares de insuficiência vascular cerebral. Peso = 85 kg; estatura = 1,82 m. Considera-
do como baixa probabilidade pré-teste de doença arterial coronária. Realizou 8,5 minutos do protocolo
de Ellestad (IV estágio), com freqüência cardíaca de 175 bpm (100% da freqüência cardíaca máxima)
e respostas clínica e hemodinâmica normais.
153
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
CAMPOS FILHO O
e cols.
A ecocardiografia
A ECOCARDIOGRAFIA NO “CHECK-UP”
no “check-up” CARDIOLÓGICO
cardiológico
159
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
CAMPOS FILHO O
e cols.
A ecocardiografia
ROLE OF ECHOCARDIOGRAPHY IN ROUTINE
no “check-up” CARDIOVASCULAR EVALUATION (CHECK-UP)
cardiológico
162
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CORONÁRIO PELA Estratificação de risco
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA coronário pela
tomografia
computadorizada
Figura 1. A) Imagens de tomografia computadorizada sem injeção de contraste, que servem para
demonstrar a presença de cálcio (setas). Essa informação é a base para a determinação do escore de
cálcio coronário. B) Reconstruções tridimensionais e longitudinais do coração e das artérias coronárias,
165
que permitem a visibilização e a análise das artérias coronárias. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols. que 1.00015. Os pacientes foram acompanhados por Anand e colaboradores17, que empregaram proto-
Estratificação de risco cinco anos e no final desse período a mortalidade colo semelhante em 220 pacientes com média de
ajustada foi de 1% para os casos de cálcio de 10 idade de 61 anos e dos quais 85% eram homens.
coronário pela ou menos e de 5% quando o escore era maior que Com resultados semelhantes aos do estudo de
tomografia 1.000. Um importante achado foi o de que a inci- Moser16 e colaboradores, os autores demonstraram
computadorizada dência de eventos aumentava de acordo com a pro- que houve isquemia à cintilografia em 18% dos
porção do cálcio coronário (Tab. 1)15. Avançando 119 pacientes que apresentavam índice de cálcio
na análise dos dados, os pacientes foram dividi- entre 101 e 400, incidência que aumentou para
dos em três subgrupos, de acordo com o escore de 45% nos 101 casos nos quais o escore de cálcio
risco de Framingham, isto é, baixo com 1.302 ca- era maior que 40117.
sos, moderado com 5.876 indivíduos e alto com Greenland e colaboradores também abordaram
3.194 pacientes. Em todos houve relação direta a associação entre a determinação dos fatores de
entre o maior escore de cálcio e a mortalidade por risco clássicos e o índice de cálcio coronário18. Eles
todas as causas. Os próprios autores reconhecem avaliaram 1.461 pacientes assintomáticos e de-
que o trabalho incluiu casos que apresentavam al- monstraram que naqueles nos quais o escore de
guns fatores de risco por terem sido referidos por cálcio era superior a 330 a chance de ocorrência
seus médicos e isso pode não refletir o desempe- de eventos adversos aumentava 3,9 vezes. Contu-
nho do exame na população geral. Eles concluem, do, ao subdividir os pacientes conforme o escore
afirmando que o cálculo do índice de cálcio esta- de risco de Framingham, os autores demonstra-
ria indicado em especial nos indivíduos que mos- ram que quando perfil de risco pré-teste era me-
trassem perfil de risco pré-teste intermediário. nor que 10% o índice de cálcio não apresentou
A relação entre presença de calcificação nas nenhum impacto nos pacientes. O impacto da de-
artérias coronárias e existência de insuficiência co- terminação do índice de cálcio coronário se apre-
ronária foi confirmada em trabalho de Moser e co- sentava em sua plenitude quando os pacientes apre-
Tabela 1. Mortalidade por todas as causas e taxa de risco relativo em cada uma das faixas de escore de
cálcio, revelando que esse índice teve impacto em todos os subgrupos avaliados. (Adaptado de Shaw
e cols.15)
Mortalidade
Escore Número de por todas Taxa de
de cálcio pacientes as causas (%) risco relativo
laboradores16. Esses autores estudaram 794 paci- sentavam taxa de risco acima de 10%. Era neste
entes que também foram submetidos a cintilogra- último subgrupo que a prevalência de eventos au-
fia do miocárdio. Dos indivíduos incluídos no es- mentou 3,9 vezes (intervalo de confiança: 2,0-
tudo, 422 apresentavam escore igual ou inferior a 10,4). Embora com menor casuística, esse estudo
100 e nestes não houve nenhum caso de defeito confirma as impressões de Moser e colaborado-
transitório ou fixo no exame de perfusão miocár- res, que especularam que, embora taxas de cálcio
dica. Por outro lado, dos 59 pacientes que apre- elevado sejam elementos de pior prognóstico para
sentavam escore de cálcio entre 101 e 400 houve todos os casos, o impacto desse parâmetro é mais
6% de defeitos transitórios à cintilografia e nos importante nos indivíduos que apresentam perfil
38 casos com índice de cálcio maior que 400 a de risco pré-teste intermediário. Conclusões seme-
proporção de casos de isquemia no teste de medi- lhantes foram recentemente relatadas por Hecht e
166 cina nuclear aumentou para 35%16.
A associação entre cálcio coronário e isque-
colaboradores em revisão feita do tema19.
É importante lembrar que em todos os traba-
RSCESP mia miocárdica foi confirmada no trabalho de lhos descritos houve grande destaque para o fato
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
de que com índices de cálcio reduzidos, em espe- tratificar o risco de eventos coronários. A experi- e cols.
cial quando esse valor é zero, a possibilidade de ência de nosso serviço demonstrou que o exame Estratificação de risco
existir doença coronária é reduzida20, 21. pode realizar, de modo efetivo, a estratificação de
Por outro lado, existem limitações relaciona- risco após a revascularização cirúrgica do miocár-
coronário pela
das à quantificação do índice de cálcio coronário, dio. O exame pode, com facilidade, demonstrar a tomografia
tais como o fato de que esse parâmetro não deve patência de enxertos arteriais e venosos utiliza- computadorizada
ser utilizado para o seguimento dos pacientes, além dos, além de identificar a presença de obstruções
de que ele não se reduz ao longo da vida do paci- naqueles vasos (Fig. 2). Avaliando 136 pacientes
ente, por mais eficaz que seja o tratamento em- submetidos a angiotomografia e a cinecoronario-
pregado, e, de modo muito importante, a avalia- grafia, encontramos sensibilidade de 91% e espe-
ção do escore de cálcio não faculta a análise da cificidade de 96% para encontrar obstruções nas
parede do vaso ou a identificação de placas não- artérias coronárias. Acompanhando esses pacien-
calcificadas. Isso fez com que alguns centros pas- tes por 14 meses, determinamos valor preditivo
sassem a realizar a complementação do exame positivo de 94% para definir a incidência de even-
utilizando para tanto a injeção de contraste ioda- tos adversos.
do, a fim de realizar a angiotomografia das artéri-
as coronárias.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO:
ANGIOTOMOGRAFIA DAS
ARTÉRIAS CORONÁRIAS
Figura 3. Angiotomografia das artérias coronárias nativas demonstrando doença coronária extensa na
artéria descendente anterior, na qual existem placas de ateroma significativas.
monstraram a possibilidade de utilizar a angioto- Nestes, o índice de cálcio era superior àquele en-
mografia das artérias coronárias para tipificar a contrado nos indivíduos sem eventos (242 + 73
composição das placas que comprometam esses vs. 64 + 8; p < 0,001), havia mais diabéticos (18,
vasos. Nossa experiência nesse sentido demons- 33% vs. 62, 10,5%; p < 0,05), e escore de placas
tra que é possível revelar diferenças entre síndro- não-calcificadas (258 + 57 vs. 42 + 21; p < 0,0001).
mes coronárias utilizando a tomografia computa- A análise estatística multivariada demonstrou es-
dorizada de múltiplos detectores. Comparando 150 ses elementos como os únicos preditores indepen-
pacientes com síndromes coronárias agudas com dentes dos eventos adversos.
150 pacientes portadores de angina estável, de-
168 monstramos que o índice de cálcio era igualmente
elevado nos dois subgrupos, mas que o coeficien-
CONCLUSÃO
RSCESP te de atenuação das placas, isto é, o modo como A tomografia computadorizada por múltiplos
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols.
Estratificação de risco
coronário pela
tomografia
computadorizada
detectores vem ocupando posição de destaque na tivo de 97% e mostra sensibilidade e especificida-
estratificação de risco de pacientes com suspeita de acima de 90%. Naturalmente o exame apresen-
de apresentar doença coronária, assim como em ta ainda algumas limitações e exige que certos
indivíduos sintomáticos e após revascularização avanços sejam feitos, mas seu uso clínico pode
cirúrgica do miocárdio. A realização combinada identificar subgrupos de maior risco e contribuir
do cálculo do índice de cálcio coronário e da an- de modo muito importante para a prática clínica
giotomografia dá ao exame valor preditivo nega- da cardiologia.
169
RSCESP
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PINTO IMF
e cols.
Estratificação de risco
CORONARY RISK STRATIFICATION BY
coronário pela COMPUTED TOMOGRAPHY
tomografia
computadorizada
Multi slice computed tomography may be a useful tool to the non-invasive evaluation of
patients with suspected coronary artery disease. It offers the possibility of calculating the
coronary calcium score and to perform the non-invasive angiography of the coronary
arteries. The medical literature reports high positive and, specially, negative predictive
values. It is also possible to detect the presence of obstructions in the coronary arteries and
may be used to the follow-up of patients undergoing surgical myocardial revascularization
for it allows the risk stratification even in this subset of patients.
171
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
e col.
Análise crítica
ANÁLISE CRÍTICA DOS MÉTODOS NÃO-INVASIVOS
dos métodos PARA AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA
não-invasivos
para avaliação
cardiológica
FAUSTO HARUKI HIRONAKA
GUSTAVO KEN HIRONAKA
EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA ARTERIAL das mortes por doença arterial coronariana ocor-
CORONARIANA ATEROSCLERÓTICA rem fora do hospital, metade das mortes ocorre de
forma súbita e inesperada, e metade das mortes
Aterosclerose é moléstia crônica que acomete súbitas ocorre sem história clínica de doença arte-
de forma generalizada as artérias do corpo huma- rial coronariana3; c) um em cada seis síndromes
no. O processo fisiopatológico tem componente isquêmicas agudas se manifesta por meio de mor-
genético mas é afecção predominantemente adqui- te súbita como primeiro, último e único sintoma1;
rida e evolui desde tenra idade de forma progres- d) um em cada três infartos agudos de miocárdio é
siva. Forma tardia de manifestação é a doença ar- silencioso ou não reconhecido, embora o prognós-
terial clínica, com sintomas agudos de isquemia tico seja semelhante ao sintomático3, 4. Existe, por-
ou necrose da região irrigada. Entretanto, grande tanto, na população geral, um contingente de por-
parcela da população portadora de aterosclerose tadores de doença arterial coronariana ateroscle-
evolui assintomática, chamada de fase pré-clíni- rótica cuja história natural pode ser modificada
ca, e a compreensão dessa fase da moléstia se faz com identificação e tratamento.Como a ateroscle-
por meio de estudos populacionais. O estudo de rose se apresenta como um contínuo de intensida-
Framingham possibilitou acompanhar a história des de comprometimento e existem várias alter-
clínica da doença durante 50 anos na população nativas de tratamento, há necessidade de se ade-
geral, e estabelecer sem viés de seleção a real im- quar a intensidade do tratamento à do comprome-
portância da doença coronariana aterosclerótica1. timento, tornando possível maiores ganhos abso-
172 Constatou-se que: a) aos 40 anos, um em cada dois
homens e uma em cada três mulheres desenvolve-
lutos nos casos de maior gravidade. Assim, para a
ação clínica, torna-se indispensável estratificar risco
RSCESP rão a doença durante a existência2; b) dois terços individual para evento coronariano grave. Define-se
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
como evento coronariano grave a morte súbita de dos no estudo de Framingham os seguintes fato- e col.
origem coronariana e o infarto agudo do miocárdio. res: tabagismo, hipertensão arterial, hipercoleste- Análise crítica
rolemia, diabetes melito, e baixa taxa de coleste-
LIÇÕES DE ANATOMIA rol associado à lipoproteína de alta densidade
dos métodos
(HDL-colesterol). Esses fatores de risco justificam não-invasivos
A trombose é o acontecimento determinante 90% do excesso de risco dos portadores de doen- para avaliação
da instabilidade da doença arterial coronariana ate- ça arterial coronariana11. A idade é fator de risco cardiológica
rosclerótica e responsável pelo evento grave5, 6. por representar a somatória do tempo de exposi-
Acontece por duas principais lesões na placa ate- ção aos outros fatores de risco, aumentando a car-
rosclerótica, denominada de placa vulnerável: ga aterosclerótica e a probabilidade de rotura ou
1) Erosão endotelial – na superfície de capa fibro- erosão de placa. São também fatores de risco ina-
sa, que é a estrutura que separa o núcleo lipídico tividade física, história familiar de doença arterial
da luz vascular. Ocorre freqüentemente em artéri- coronariana e obesidade, denominados de predis-
as com estenoses significativas e artérias de me- ponentes. Avaliação de risco global são modelos
nor calibre5. matemáticos em que se obtêm, por meio da pon-
2) Rotura da capa fibrosa – mais freqüente, inde- deração de fatores de risco, números que repre-
pendentemente do grau de estenose. A seguir es- sentam a somatória total de risco. São derivados
tão descritos os fatores locais que predispõem à do estudo de Framingham, e é possível estimar o
rotura: a) maior infiltração de monócitos, respon- risco de evento coronariano grave em 10 anos. Para
sáveis pela produção de proteases, como as meta- tanto, incorpora as seguintes variáveis: idade, sexo,
loproteinases, que destroem a matriz colágena (a colesterol total, HDL-colesterol, tabagismo, pres-
lesão instável é caracterizada por intenso proces- são arterial sistólica e tratamento de hipertensão12.
so inflamatório, especialmente nas proximidades Permite classificar os indivíduos em: baixo risco
da linha de rotura)7; b) apoptose de fibra muscular (6% de eventos em 10 anos), sem fatores de risco;
lisa da capa fibrosa8; c) as lesões com rotura agu- médio risco (6% a 20% de eventos em 10 anos),
da de placa têm freqüentemente núcleo lipídico com pelo menos um fator de risco; e alto risco
cujas dimensões ocupam área de 34% + 17% da (20% de eventos em 10 anos), que é o nível da
área total da placa e medem em média 3,8 mm2 + doença arterial coronariana sintomática estável. No
5,5 mm2 e 9 mm de comprimento9; d) capa fibrosa grupo de alto risco estão também os portadores de
fina, definida como espessura menor que 65 mi- doença vascular em outra artéria que não as coro-
cra quando está associada a 95% das roturas agu- nárias (aneurisma de aorta, doença vascular peri-
das de placa (para identificá-la por método de férica, lesão carotídea sintomática)12. Estima-se
imagem, a capacidade de resolução espacial deve que na população adulta americana 35% se en-
estar no mínimo em 50 micra)8, 9. quadrem no grupo de baixo risco; 40%, no grupo
de médio risco; e 25%, no grupo de alto risco13.
CALCIFICAÇÃO DE PLACA Os doentes portadores de diabetes melito são con-
siderados de alto risco.
A deposição de cálcio ocorre precocemente
no núcleo lipídico e em região com presença de Métodos de imagem na avaliação de risco
lípides extracelulares. A extensão da calcifica- cardiovascular: o coração como alvo
ção correlaciona-se com a soma dos estreitamen- A importância da caracterização e da quantifi-
tos maiores das artérias coronárias 10. Mas a fra- cação da aterosclerose pré-clínica em cada paci-
ca correlação com o grau de estenose não per- ente decorre da premissa de que cada indivíduo
mite inferir a artéria de maior estenose em de- apresenta, além da suscetibilidade genética, inte-
terminado coração. Não há achados que justifi- ração e potencializações específicas dos fatores de
quem a idéia de que a calcificação provoque risco e tempo de exposição individualizado aos
instabilidade de placa, pois se trata de resposta mesmos. Acrescente-se que o que não é mensurá-
orgânica secundária 8, 10. vel certamente não pode ser ponderado, o que faz
com que hábitos de vida não sejam comumente
AVALIAÇÃO DE RISCO contabilizados em índices de riscos. Apesar de
CARDIOVASCULAR lógica e racional, a comprovação dessa idéia não
é simples, pois a população com aterosclerose pré-
Avaliação de risco cardiovascular inicial clínica tem baixa ocorrência de eventos graves, o
no consultório que implica o estudo de grande número de paci-
Consta de identificação e determinação da gra-
vidade dos fatores de risco. Os fatores de risco
entes além de acompanhamento em longo perío-
do. Tem especial importância no grupo de médio
173
maiores são independentes, tendo sido identifica- risco quando a informação fundamenta a decisão RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
e col. de estabelecer tratamento intensivo apropriado portância prognóstica para eventos cardiovascu-
Análise crítica para alto risco ou acompanhamento adequado para lares, pelo fato de ser afecção caracteristicamente
baixo risco. sistêmica. A intensidade do comprometimento
dos métodos Eletrocardiografia pode ser mensurada por meio de um contínuo de
não-invasivos A eletrocardiografia, apesar de ser o méto- valores, e pode-se inferir que haja acometimento
para avaliação do complementar mais utilizado, não é método paralelo nas artérias coronárias.
cardiológica de rastreamento eficiente em indivíduos assin- Índice de pressão sistólica tornozelo braço
tomáticos14, 15. Entretanto, no grupo de alto ris- A relação das pressões sistólicas nos membros
co os achados positivos estabelecem diferentes inferior e superior é método de detecção de obs-
patamares de gravidade. trução vascular periférica de alta sensibilidade
Teste de esforço (90%) e alta especificidade (98%) para lesões es-
O uso diagnóstico de teste de esforço e dos tenótica maiores que 50%22. O índice tem valor
testes de indução de isquemia é limitado pela sen- prognóstico para mortalidade cardiovascular, mes-
sibilidade e pela especificidade imperfeita. Como mo após ajuste multivariado para fatores de ris-
se trata de população de baixa prevalência de situ- co23.
ações com reserva coronariana comprometida, o Ultra-sonografia
fato repercute na baixa capacidade preditiva do a) Espessura íntima média
teste positivo e, portanto, no elevado número de A espessura íntima média das carótidas, quan-
falsos positivos. Digno de nota são os estudos de do adequadamente sistematizada e padroniza-
sensibilidade, com exclusão do viés de verifica- da, por ser segura e relativamente pouco one-
ção, em que a sensibilidade do teste de esforço foi rosa, é extremamente apropriada para estudos
de 45%16, o que tende a diminuir a acurácia predi- epidemiológicos. Esses estudos demonstram
tiva. O uso prognóstico, porém, tem sido preconi- relação com eventos cardiovasculares e incre-
zado, por meio de mensurações não relacionadas mento progressivo de risco com aumento de
ao segmento ST17. espessura. A associação com eventos perma-
Tomografia computadorizada por meio de nece mesmo após ajustes para fatores de risco
feixe de elétrons tradicionais24-27. A repetição da medida permi-
A calcificação está associada ao processo ate- te detectar progressão da espessura íntima
rosclerótico e a tomografia computadorizada é mé- média, e a eventual regressão após interven-
todo acurado para medir a quantidade de cálcio ções terapêuticas28.
nas artérias coronárias. O índice de cálcio está re- b) Estudos de função endotelial
lacionado à quantidade de aterosclerose coronari- O ácido nítrico produzido pelas células endo-
ana, e é um possível marcador de instabilidade de teliais tem papel relevante na fisiopatologia da
placa18. Não é apropriado para rastreamento de do- aterosclerose. Participa também da resposta va-
ença arterial coronariana, e o valor aditivo à infor- sodilatadora pós-isquêmica, estimada medin-
mação obtida por meio dos índices de risco é con- do-se a variação do diâmetro ultra-sonográfi-
trovertida19, 20. co das artérias. É método extremamente sensí-
Tomografia computadorizada e ressonância vel, sendo influenciado por tabagismo recen-
magnética te, ingestão de refeição gordurosa e ciclo mens-
A imagem do coração e das artérias coronári- trual22. Necessita sistematização e padroniza-
as requer do equipamento resolução tanto tempo- ção, mas é método promissor na avaliação de
ral como espacial. Como parâmetro de compara- risco cardiovascular.
ção, a cineangiocoronariografia tem resolução
temporal de 4 ms a 7 ms e resolução espacial de A CARDIOPATIA ATEROSCLERÓTICA
0,1 mm. Os tomógrafos com multidetectores têm SUBCLÍNICA
resolução espacial de 0,4 mm e temporal de 60 ms
a 300 ms21. Embora a possibilidade de estudar as O estudo populacional “Multi-Ethnic Study of
alterações induzidas pela aterosclerose na parede Atherosclerosis” (MESA)29 demonstrou a presen-
das artérias coronárias em pacientes por meio de ça de disfunção cardíaca em indivíduos assinto-
tomografia ou ressonância seja idéia atraente, hoje máticos. A função ventricular medida pelo encur-
a resolutividade técnica dos métodos está abaixo tamento circunferencial, que decorre de torção (ro-
do apropriado. tação inversa do ápice em relação à base), está glo-
bal e regionalmente comprometida. Existe corre-
Métodos de imagem na avaliação do risco lação inversa entre encurtamento circunferencial
174 cardiovascular: o sistema vascular como alvo
A detecção de alterações decorrentes de ate-
e espessura íntima media da carótida30. A reserva
coronariana está diminuída nesses indivíduos e se
RSCESP rosclerose em outros territórios vasculares tem im- correlaciona inversamente ao índice de Framing-
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
31 34
ham . A reserva coronariana regional está tam- preditor independente de risco , mesmo em gru- e col.
bém deprimida e se correlaciona inversamente ao po de alto risco, como o dos portadores de diabe- Análise crítica
índice de cálcio da artéria coronária correspon- tes melito35. O valor prognóstico da detecção da
dente32. A correlação direta da disfunção ventri- cardiopatia aterosclerótica subclínica ainda pre- dos métodos
cular regional com a menor resposta vasodilata- cisa ser definido. O método de diagnóstico por não-invasivos
dora está igualmente sugerida no estudo MESA33. imagem, hoje, apesar das limitações apontadas, para avaliação
É possível, portanto, constatar que a doença coro- representa alternativa concreta para individua- cardiológica
nariana subclínica não é distinta da sintomática, e lizar a investigação e o tratamento, paradigma
que evolui paralelamente à arteriopatia sistêmica. da medicina exercida com qualidade e compe-
A detecção de doença aterosclerótica subclínica é tência.
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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
FERNANDES JL
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Síndromes
SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS E INFLAMAÇÃO
coronárias agudas
e inflamação JULIANO LARA FERNANDES
ALEXANDRE SOEIRO
CÉSAR BISELLI FERREIRA
CARLOS V. SERRANO JR.
motos. Na aterosclerose, essas citocinas e os ti- versas células são capazes de sintetizar a IL-6,
pos celulares selecionados da circulação sanguí- entre elas os monócitos, os fibroblastos e as cé-
nea determinam um estereótipo de resposta bas- lulas endoteliais, sendo a citocina atuante como
tante específico, conhecido como resposta Th110, 19. diferenciador de linfócitos B e fator de ativação
Essa resposta caracteriza-se, principalmente, de linfócitos T. A IL-6, em conjunto com as de-
pela presença do interferon gama 20, interleuci- mais citocinas pró-inflamatórias mencionadas
na (IL)-1221 e TNF-α)22, 23, todas elas agindo si- anteriormente, determinam ampla resposta imu-
nergicamente no processo imunológico. nológica frente a estímulos na fase aguda de
A presença desse tipo de resposta imunoló- instabilização da placa de aterosclerose.
gica na aterosclerose foi demonstrada em diver-
sos estudos prévios. Nas chamadas placas vul- Instabilização da placa: ruptura e erosão
neráveis ou propensas a se romper, observa-se Ruptura de placa
a presença de altas concentrações das citocinas O que faz exatamente com que uma “placa
pró-inflamatórias Th1, como interferon gama24, 25 vulnerável” se rompa diante das dezenas de ou-
e IL-1226, 27. Essa ativação particular do sistema tras que permanecem estáveis ou regridem? Um
imune pode também ser identificada não só pelo provável mecanismo está relacionado com as
aumento local mas também pela amplificação forças físicas envolvidas no local de formação
sistêmica dos níveis séricos desses marcadores das placas, principalmente em suas extremida-
inflamatórios10, 28-30. Essa amplificação sistêmi- des, em que o impacto do fluxo sanguíneo e da
ca pode também ser demonstrada, ainda que de angulação da placa é mais intenso36. Uma análi-
forma inespecífica, pelo aumento de proteínas se mais profunda desse mecanismo foge, porém,
que caracterizam uma resposta inflamatória de do escopo desse texto. Um segundo mecanismo
baixa magnitude, como proteína C-reativa31, IL- mais específico envolve a ativação inflamatória
632 ou, mais recentemente, pelo fator de cresci- presente na placa, por meio do processo de de-
mento placentário33. A proteína C-reativa é co- gradação da matriz extracelular pela secreção
nhecida como uma proteína de fase aguda, cu- de enzimas proteolíticas, como as metaloprotei-
jos níveis plasmáticos se elevam em respostas nases e as proteases cisteínas37. Estas são cons-
inespecíficas a agentes infecciosos e não-infec- tituídas por colagenases, elastases, gelatinases,
ciosos34. Mais sensível que a velocidade de he- entre outras, capazes de degradar a capa fibró-
mossedimentação ou que a contagem leucoci- tica protetora da placa, deixando-a predisposta
tária, a proteína C-reativa é produzida no fíga- à ruptura38. As metaloproteinases e demais pro-
180 do e se eleva rapidamente após o estímulo in-
flamatório. A principal citocina que estimula a
teases são produzidas a partir do estímulo in-
flamatório local da placa, sobretudo a partir de
RSCESP produção da proteína C-reativa é a IL-635. Di- citocinas do tipo Th1, especialmente o interfe-
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FERNANDES JL
e cols.
Síndromes
coronárias agudas
e inflamação
ron gama39. A regulação das metaloproteinases télio e, portanto, a erosão da placa1. Além dis-
é feita por alguns inibidores específicos (conhe- so, o fator tecidual proveniente de células en-
cidos como inibidores teciduais de metalopro- doteliais apoptóticas pode favorecer a trombo-
teases), cujos níveis séricos estão inversamente se nesses locais1.
correlacionados com o prognóstico em pacien- Após a erosão de um ateroma, o grau de
tes com síndromes coronárias agudas40. trombose originado depende profundamente da
Embora muito promissores, os estudos des- presença de fatores de risco coronário e da quan-
sas proteases e seus inibidores têm gerado da- tidade de fator tecidual circulante2. Fatores como
dos ainda contraditórios. Alguns trabalhos de- tabagismo, dislipidemia e diabetes melito estão
monstram o aumento da extensão das placas com associados com aumento da trombogenicidade
a maior expressão das metaloproteinases, en- sanguínea. Em pacientes com diabetes melito,
quanto outros evidenciam exatamente o contrá- por exemplo, observa-se hiperatividade e agre-
rio. De qualquer forma, o bloqueio das metalo- gabilidade plaquetárias, gerando aumento da
proteinases parece constituir um possível me- deposição de plaquetas sobre a parede do vaso
canismo terapêutico na tentativa de se evitar a sanguíneo2, 8. O tabagismo aumenta a atividade
progressão de placas instáveis para a ruptura e nervosa simpática e a liberação de catecolami-
o surgimento de eventos agudos. Estudos clíni- nas, que potencializa a ativação plaquetária e
cos já estão sendo investigados nesse sentido 41. aumenta os níveis de fibrinogênio8. Moléculas
Erosão de colesterol de lipoproteína de baixa densida-
A erosão é freqüentemente implicada nos de (LDL-colesterol) também induzem a expres-
eventos agudos de indivíduos do sexo femini- são de fator tecidual em macrófagos e diminu-
no, idosos e portadores de diabetes melito e hi- em a atividade anticoagulante do endotélio por
pertrigliceridemia 1 . Diferentes mecanismos interferir com a expressão de transmodulina e
moleculares e celulares justificam a erosão su- inativam a via de inibição do fator tecidual. Es-
perficial. A degradação excessiva de moléculas tudos recentes sugerem que o estado trombogê-
da matriz e a apoptose de células endoteliais,
ambas as condições promovidas por estímulos
nico associado a dislipidemia, tabagismo e dia-
betes melito podem apresentar uma via comum,
181
inflamatórios, facilitam a descamação do endo- pela ativação da interação entre leucócitos e pla- RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
FERNANDES JL
e cols. quetas associada à produção de fator tecidual e com a redução da proteína C-reativa foram tão
Síndromes de ativação de trombina2, 8. importantes quanto os obtidos com os níveis de
LDL após o seguimento de aproximadamente
coronárias agudas MARCADORES INFLAMATÓRIOS NAS 2,5 anos, sendo a melhor sobrevida obtida em
e inflamação SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS indivíduos com LDL < 70 mg/dl e proteína C-
reativa ultra-sensível < 2 ml/l (Fig. 3). Deve-se
Proteína C-reativa ressaltar que a sobrevida foi independente do
Nas síndromes coronárias agudas, os meca- tipo ou da dose de estatina utilizada no traba-
nismos imunológicos descritos são extremamen- lho, demonstrando que a obtenção dos valores é
te redundantes e complexos. Dessa forma, aná- importante, não a forma de obtê-los.
lises individuais de apenas um determinado pas- O estudo REVERSAL também demonstrou
so desse intricado sistema mostraram-se pouco esse fato, acrescentando que os valores de pro-
específicas para a determinação tanto diagnós- teína C-reativa não podem ser preditos pela que-
tica como prognóstica de pacientes que se apre- da da LDL, sendo independentes entre si. O es-
sentam com quadros coronários agudos. Entre- tudo REVERSAL demonstrou não a regressão
tanto, a determinação da proteína C-reativa pelo clínica mas a própria progressão da placa de ate-
método ultra-sensível vem se mostrando o mé- rosclerose medida por ultra-som intracoronário.
todo mais robusto para a caracterização prática Seguindo a mesma linha proposta pelo PRO-
no dia-a-dia clínico da identificação da infla- VE-IT e pelo REVERSAL, o estudo “A-to-Z”
mação em situações agudas, com importantes demonstrou que a dosagem da proteína C-reati-
informações prognósticas e com possíveis re- va aos 30 dias ou 4 meses após o evento agudo
percussões terapêuticas. A proteína C-reativa é foi preditiva para mortalidade em 2 anos49. Esse
o único marcador atualmente aceito para iden- mesmo estudo também demonstrou que pacien-
tificação do estado inflamatório de pacientes tes que fizeram uso de estatina de forma mais
com doença arterial coronária, sendo sua utili- intensa (80 mg/dia de sinvastatina) tiveram mai-
zação orientada em diretrizes específicas nos or probabilidade de atingir níveis menores de
Estados Unidos42, 43, incluindo situações de sín- proteína C-reativa no seguimento crônico. Jun-
dromes coronárias agudas (recomendação IIa). tando os dados dos três trabalhos, pode-se con-
Não se sabe ao certo qual o papel da proteí- cluir que o uso da proteína C-reativa ultra-sen-
na C-reativa na modulação da resposta inflama- sível na fase aguda tem, além de importância
tória nas fases crônica ou aguda da doença. As- prognóstica, também importância na determina-
sim, ainda é debatido se a proteína C-reativa tem ção precoce da terapia com estatinas nesses pa-
papel ativo ou é simplesmente um marcador in- cientes.
flamatório sem participação ativa na fisiopato- Recentemente, um estudo comparando os
logia da doença 44. Independentemente dessas achados do PROVE-IT e do “A to Z”, em que os
conclusões, sabe-se que níveis elevados de pro- autores demonstram que o primeiro, com uma
teína C-reativa na fase aguda estão associados a redução mais rápida da proteína C-reativa que
alto risco de eventos futuros, mesmo em situa- o segundo, obteve melhores benefícios em até
ções em que a troponina não é detectada 45. 30 dias, sendo os achados crônicos semelhan-
Mais que o interesse apenas em mostrar que tes50. Propõe-se, assim, que a terapia intensiva
a proteína C-reativa é útil para determinação com estatinas ainda na fase aguda pode ter be-
prognóstica, os estudos mais atuais vêm centran- nefícios mais significativos em pacientes com
do sua atenção na observação de que as estati- síndromes coronárias, embora essa hipótese ain-
nas parecem reduzir os níveis da proteína C-re- da precise ser testada num estudo randomizado
ativa de uma maneira independente da redução e desenhado para tal aspecto. Fica ainda a dúvi-
de LDL, sugerindo, assim, que os benefícios da da se essa proposta terapêutica teria valia ape-
estatina podem estar também relacionados à re- nas em pacientes que estivessem com níveis
dução da inflamação e não apenas à redução dos mais elevados de proteína C-reativa ou poderia
níveis de colesterol 46. Dados de grandes estu- ser aplicada em qualquer situação de proteína
dos recentes, como o “Pravastatin or Atorvasta- C-reativa inicial.
tin Evaluation and Infection Therapy” (PROVE- Outros marcadores
IT)47 e o “Reversal of Atherosclerosis With Li- Além da proteína C-reativa ultra-sensível,
pitor” (REVERSAL)48, demonstram que o tra- novos marcadores têm sido apresentados recen-
tamento com estatinas baseado no valor de até temente com potencial para adicionar informa-
182 30 dias da proteína C-reativa após um evento
agudo pode ter algum benefício clínico.
ções na fase aguda das síndromes coronárias.
Entretanto, nenhum deles demonstrou agregar
RSCESP No estudo PROVE-IT, os valores obtidos tantas informações quanto a proteína C-reativa, não
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FERNANDES JL
e cols.
Síndromes
coronárias agudas
e inflamação
Figura 3. Níveis de sobrevida livre de eventos (infarto agudo do miocárdio ou morte cardiovascular)
estratificadas pela proteína C-reativa ultra-sensível e LDL após tratamento com estatinas. (Com
autorização de Ridker e colaboradores.47)
LDL-colesterol = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; PCR = proteína C-reativa.
devendo, portanto, ainda ser utilizados de forma ro- síndromes agudas, os níveis de mieloperoxida-
tineira na prática clínica. Uma lista mais extensa de se foram preditores de eventos cardiovascula-
todos os marcadores inflamatórios estudados nas sín- res após seis meses, independentemente dos ní-
dromes coronárias agudas pode ser encontrada na veis de troponina iniciais 53.
revisão de Tsimikas e colaboradores51. Fosfolipase A2 lipoproteína-associada
sCD40 ligante (Lp-PLA2)
O CD40 é uma proteína de sinalização en- A Lp-PLA2 atua na hidrólise de fosfolipí-
contrada em leucócitos e plaquetas. Valores ele- deos oxidados, dando origem a um ácido graxo
vados de sCD40 ligante foram encontrados em oxidado e a lisofosfaditilcolina, criando dois
pacientes com síndromes coronárias agudas com potenciais elementos pró-inflamatórios e pró-
importante valor prognóstico. Entretanto, a di- aterogênicos de apenas uma partícula inicial.
ficuldade em se estabelecer medidas precisas Secretada por diversas células inflamatórias pre-
desse marcador tem limitado seu uso de roti- sentes na fase aguda da instabilização de placas
na52. ateroscleróticas, a Lp-PLA2 mostrou estar as-
Mieloperoxidase sociada a pior prognóstico em pacientes com
A mieloperoxidase está presente em sítios doença arterial coronária 54, embora seu fator
de inflamação ativa e é liberada por monócitos aditivo aos níveis de LDL ainda não pôde ser
em respostas oxidativas. A mieloperoxidase pa- esclarecido, limitando seu potencial clínico. Na
rece estar envolvida em processos de modifica- fase aguda, estudos com esse marcador são ain-
ção da LDL, e, portanto, tem implicação direta da menos numerosos 55, não se tendo ainda uma
na fisiopatologia da formação e da instabiliza- resposta definitiva sobre seu valor nessa situa- 183
ção da placa aterosclerótica. Em pacientes com ção clínica. RSCESP
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FERNANDES JL
e cols.
Síndromes
ACUTE CORONARY SYNDROMES AND INFLAMMATION
coronárias agudas
e inflamação
JULIANO LARA FERNANDES
ALEXANDRE SOEIRO
CÉSAR BISELLI FERREIRA
CARLOS V. SERRANO JR.
The abrupt rupture of atherosclerotic plaques has been considered the major cause of acute
coronary syndromes, including unstable angina, acute myocardial infarction and sudden
death. However, the mechanisms responsible for the weakness of the fibrous cap and its
subsequent rupture are not completely understood. Some recent studies have shown that the
inflammatory process is narrowly related to the pathophysiology of the atherosclerotic
plaque rupture. In this revision, we have shown the major mechanisms involving the
inflammatory and atherothrombotic processes in acute coronary syndromes, besides the
manner how to identify and treat the clinical event.
186
RSCESP
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MONTEIRO CMC
e cols.
ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO Aterosclerose
e inflamação
CARLOS M. C. MONTEIRO
FRANCISCO A. H. FONSECA
190
RSCESP
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MONTEIRO CMC
e cols.
ATHEROSCLEROSIS AND INFLAMMATION Aterosclerose
e inflamação
CARLOS M. C. MONTEIRO
FRANCISCO A. H. FONSECA
192
RSCESP
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ARMAGANIJAN D
e cols.
FATORES DE RISCO E INFLAMAÇÃO VASCULAR Fatores de risco e
inflamação vascular
DIKRAN ARMAGANIJAN
LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN
MAURICIO RODRIGUES JORDÃO
193
RSCESP
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ARMAGANIJAN D
e cols. INTRODUÇÃO pressão de moléculas de adesão leucocitária (mo-
Fatores de risco e lécula de adesão intracelular – ICAM-1 e selecti-
A inflamação vascular foi identificada em to- nas P, E e L) e pelo aumento da produção de subs-
inflamação vascular das as etapas evolutivas das lesões ateroscleróti- tâncias quimiotáticas (proteína quimiotática deri-
cas e a reação inflamatória é uma resposta aos es- vada de monócitos – MCP-1 e fator estimulador
tímulos nocivos, caracterizada pelo movimento de de colônia de monócitos – MCSF), ambas ampli-
células sanguíneas para o interior da parede vas- ficadoras da cascata inflamatória (Fig. 1).
cular, sob a influência de fatores quimiotáticos Os monócitos intraparietais adquirem carac-
produzidos no local da lesão. A persistência des- terísticas de macrófagos tissulares e células espu-
ses estímulos mantém o processo inflamatório crô- mosas, secretam espécies reativas de oxigênio, ci-
nico infiltrado por células imunitárias (macrófa- tocinas pró-inflamatórias, metaloproteinases
gos, linfócitos e células plasmáticas). A resposta (MMP), fatores de crescimento e fator tissular,
parietal inadequada compromete a função e a ana- amplificando a reação inflamatória. No interior do
tomia vascular, originando a placa ateroscleróti- ateroma, os linfócitos T podem se converter em
ca. células secretoras denominadas Th1 e Th2. As
A liberação de mediadores inflamatórios e sua células Th1, em maior número, secretam citoci-
dosagem sanguínea podem constituir possíveis nas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-alfa e interfe-
identificadores do ciclo inflamatório. Nos estudos ron gama – IFN-gama) e as células Th2 secretam
epidemiológicos moleculares, a identificação e a citocinas antiinflamatórias (IL-4 e IL-10).
dosagem desses marcadores inflamatórios têm sido O núcleo lipídico da placa aterosclerótica con-
utilizadas para prevenção, diagnóstico e tratamento tém células espumosas, macrófagos e restos ne-
da doença aterosclerótica. Contudo, há necessi- cróticos. A capa fibrosa estável tem maior espes-
dade de se estabelecer quais são os marcadores sura e é constituída por colágeno e células muscu-
inflamatórios ideais, padronizar os métodos labo- lares lisas. A capa fibrosa vulnerável é composta
ratoriais, demonstrar seus efeitos aditivos quando por pouco colágeno, passível de ruptura; quando
associados aos fatores de risco clássicos, e reava- rota, expõe o tecido conjuntivo subendotelial, pro-
liar os resultados dos estudos epidemiológicos piciando maior incidência de trombose vascular.
prospectivos. Os linfócitos T secretam IFN-gama e reduzem
Estímulos nocivos, tais como hipercolestero- a síntese de colágeno, adelgaçando a espessura da
lemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade e capa fibrosa. Os macrófagos secretam MMP, de-
tabagismo, entre outros, danificam o endotélio e gradam a matriz extracelular, favorecem a ruptura
estimulam uma reação inflamatório-proliferativa da placa e expõem elementos pró-trombóticos (fa-
na parede vascular. A reação inflamatória aumen- tor tissular), mediadores da trombose intravascu-
ta a secreção de citocinas pró-inflamatórias pri- lar.
márias (interleucina 1 – IL-1 e fator de necrose A reação inflamatória aumenta os níveis san-
tumoral alfa – TNF-alfa), responsáveis pela ex- guíneos das proteínas de fase aguda, cuja concen-
194
RSCESP Figura 1. Recrutamento dos monócitos sanguíneos pelas moléculas de adesão das células endoteliais.
JUL/AGO/SET 2006
ARMAGANIJAN D
tração sérica aumenta (proteínas positivas) ou di- lesões ateroscleróticas iniciais, formadas por pe- e cols.
minui (proteínas negativas), em pelo menos 25%, quenos depósitos de lípides na íntima, podem evo- Fatores de risco e
durante o processo inflamatório. As citocinas pro- luir para lesões complicadas e denominadas pla-
duzidas no local do processo inflamatório podem cas ateroscleróticas.
inflamação vascular
estimular a produção de outras citocinas, tanto Embora os macrófagos sejam responsáveis pela
locais como à distância. A IL-6, citocina pró-in- formação das células espumosas, em culturas de
flamatória secundária, estimula a síntese hepática tecido essas células não têm a mesma capacidade
de proteínas da fase aguda produzidas em baixa de absorver as gorduras, pela sua reduzida expres-
concentração (proteína C-reativa – PCR e subs- são de receptores de LDL-colesterol. A demons-
tância amilóide A – SAA) e de proteínas da fase tração de que as partículas de LDL-colesterol ace-
aguda produzidas em alta concentração (fibrino- tiladas são rapidamente assimiladas pelos macró-
gênio). fagos, em pacientes expostos a níveis elevados de
colesterol, sugere que essas lipoproteínas penetram
DISLIPIDEMIAS E INFLAMAÇÃO na camada íntima e são submetidas a oxidação por
VASCULAR meio de três mecanismos:
1) ação de íons metálicos – cobre e ferro;
Em 1970, Goldestein descreveu a hipercoles- 2) ação de espécies reativas – oxigênio, peróxido
terolemia familiar como uma doença monogênica de hidrogênio, radical hidroxila, óxido nítrico e
ligada às mutações do receptor de colesterol liga- peroxinitrato;
do à lipoproteína de baixa densidade (LDL-coles- 3) ação de enzimas – lipoxigenases, mieloperoxi-
terol) e demonstrou que concentrações sanguíne- dases, dinucleotídeo de nicotinamida adenina fos-
as elevadas dessa lipoproteína induziam ateroscle- fato (NADPH) oxidase e citocromo P-450.
rose acelerada. Simultaneamente, vários estudos O LDL-colesterol oxidado é fagocitado pelos
relacionaram a doença aterosclerótica a níveis sé- macrófagos e dá início à formação das células es-
ricos baixos de colesterol ligado à lipoproteína de pumosas (Fig. 2).
alta densidade (HDL-colesterol), principalmente O acúmulo de lípides modificados ativa as cé-
em mulheres e idosos, e níveis séricos elevados lulas endoteliais e estimula a migração de células
de triglicérides, ambos considerados importantes inflamatórias e o recrutamento de células muscu-
fatores de risco cardiovascular. Os mediadores da lares lisas responsáveis pela síntese da matriz e
relação entre os lípides e a aterosclerose envol- pela formação da capa fibrosa. Os fatores de cres-
vem polimorfonucleares (monócitos/macrófagos, cimento também aumentam o recrutamento de cé-
linfócitos) e células musculares lisas parietais. As lulas musculares lisas e a formação da capa fibro-
195
Figura 2. LDL e células espumosas. RSCESP
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e cols. sa. A degradação da matriz e a apoptose de célu- destaque e sua elevação nos níveis sanguíneos
Fatores de risco e las musculares lisas estimulam a ruptura da placa, aumenta a incidência de eventos coronários.
expõem o tecido conjuntivo subendotelial, aumen- Os efeitos protetores do HDL-colesterol na
inflamação vascular tam a agregação de plaquetas e estimulam a trom- placa aterosclerótica advêm de vários mecanismos:
bose.1 1) aumenta o efluxo do colesterol – remoção do
Os macrófagos são responsáveis pela remoção colesterol dos tecidos periféricos para o fígado ou
e pelo seqüestro das partículas de LDL-colesterol para os órgãos denominados esteroidogênicos, que
na parede vascular. A morte celular programada utilizam o colesterol na síntese de alguns hormô-
desses macrófagos pode ter efeitos benéficos ou nios;
maléficos. A apoptose benéfica remove os corpos 2) inibição e oxidação do LDL-colesterol da pla-
apoptóicos e reduz a destruição de fibras coláge- ca aterosclerótica – transferência dos hidroperó-
nas. A apoptose maléfica acumula corpos apop- xidos lipídicos das partículas de LDL-colesterol
tóicos na parede vascular, ativa a trombina e, con- para as partículas de HDL-colesterol, lipoproteí-
seqüentemente, aumenta a incidência de trombo- na rapidamente metabolizada pelas células hepá-
se intraparietal. Os macrófagos secretam a proteí- ticas e redutora da oxidação do LDL-colesterol por
na quimiotática (MCP-1) e o fator estimulador de meio da via enzimática (paroxinase);
colônia de macrófagos (MCSF), responsáveis pelo 3) estimula a produção de óxido nítrico via sinali-
recrutamento de novos macrófagos e retenção de zação de membrana, inibindo a expressão da mo-
macrófagos preexistentes. A ativação desses ma- lécula de adesão nas células endoteliais e redu-
crófagos expressa genes que estimulam a produ- zindo o processo inflamatório. A ação deletérea
ção de citocinas, fatores de crescimento e altera- das citocinas e das lipoproteínas provoca no leito
ções fenotípicas das células musculares lisas, au- vascular alterações da lipase lipoprotéica, colabo-
mentando a proliferação e sua migração para ou- rando para o aumento de triglicérides e para a re-
tros segmentos vasculares.2 dução do HDL-colesterol.
Os macrófagos e os linfócitos têm importante O crescimento progressivo das estrias gordu-
papel na formação da placa vulnerável, liberando rosas modifica a anatomia vascular, inicialmente
citocinas responsáveis pela inflamação vascular. com remodelamento positivo, sem alterações de
Citocinas, TNF-alfa, IL-1, IL-6 e INF-gama am- fluxo sanguíneo, permitindo ao paciente hiperco-
plificam a resposta imunológica e alteram a fun- lesterolêmico evoluir de forma assintomática du-
ção da célula endotelial, favorecendo o processo rante décadas. No “Women’s Health Study”3, em
pró-trombótico. A IL-6 e o TNF-alfa têm papel de 28.262 mulheres pós-menopausa, aparentemente
196
RSCESP Figura 3. Inibição da aterosclerose pela HDL.
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normais, foi avaliado o risco de doença arterial a reação inflamatória, aumenta a produção de ra- e cols.
coronária, infarto não-fatal, acidente vascular ce- dicais livres e diminui a produção de óxido nítri- Fatores de risco e
rebral e necessidade de revascularização miocár- co.4
dica. Durante o seguimento de três anos, os níveis
inflamação vascular
sanguíneos dos marcadores inflamatórios eram DIABETES DO TIPO 2 E
mais elevados nas mulheres que tiveram eventos INFLAMAÇÃO VASCULAR
cardiovasculares. Os níveis sanguíneos elevados
de LDL-colesterol e de apoproteína B-100 e a re- Estudos têm demonstrado que a inflamação
lação colesterol/HDL-colesterol estiveram direta- vascular está implicada na gênese do diabetes do
mente relacionados com os níveis elevados dos tipo 2. O estresse crônico e a ingestão de alimen-
marcadores inflamatórios. tos ricos em gordura saturada, em pacientes pre-
dispostos, aumentam a secreção de citocinas, IL-
HIPERTENSÃO ARTERIAL E 1, IL-2 e TNF-alfa e a resistência à insulina. Ade-
INFLAMAÇÃO VASCULAR mais, a associação entre aumento da resistência à
insulina e níveis sanguíneos elevados de PCR, PAI-
A função endotelial normal resulta do estado 1, fibrinogênio e leucocitose corrobora a impor-
de equilíbrio entre as substâncias produzidas no tância dessas afirmações nos pacientes diabéticos.
endotélio e os elementos celulares adjacentes. Nes- O endotélio é essencial na distribuição da in-
se estado de equilíbrio funcional há predisposição sulina e sua integridade pode ser comprometida
para vasodilatação, inibição do crescimento celu- por ação de citocinas, lipoproteínas oxidadas, ta-
lar, e ações antiagregante, antioxidante e antiin- bagismo e estresse crônico em pacientes portado-
flamatória. A disfunção endotelial predispõe a res de diabetes do tipo 2. A persistência desses
vasoconstrição, inflamação, adesão tanto plaque- agentes nocivos produz alterações capilares da li-
tária como leucocitária, trombose, proliferação pase lipoprotéica, aumentando os níveis de LDL-
celular, aterosclerose e hipertensão arterial. colesterol e triglicérides e reduzindo os níveis sé-
Pacientes hipertensos com disfunção endote- ricos de HDL-colesterol. Tais alterações reduzem
lial têm resposta paradoxal à acetilcolina e, nes- a perfusão capilar, diminuem a produção de óxido
ses pacientes, os níveis sanguíneos de angiotensi- nítrico, e aumentam os níveis sanguíneos de PAI-
na II freqüentemente estão elevados. A angioten- 1 e do fator de von Willebrand, agravando a dis-
sina II é um potente vasoconstritor, age sobre as função endotelial. O comprometimento da barrei-
células endoteliais e essa ligação é feita por meio ra endotelial reduz a perfusão tecidual da insulina
de receptores do tipo AT1. Nessas células, a angi- e disponibiliza menor quantidade desse hormônio
otensina II ativa a enzima NADH/NADH oxida- aos receptores na membrana celular. Essa barrei-
se, aumentando a produção de superóxido e dimi- ra endotelial aumenta a resistência à insulina.
nuindo a produção de óxido nítrico. A ligação da Em estudos experimentais, os níveis sanguí-
angiotensina II com as células musculares lisas é neos elevados de marcadores inflamatórios aumen-
feita por meio de receptores específicos que ati- taram o risco de desestabilização da placa ateros-
vam a produção da enzima fosfolipase C, respon- clerótica em pacientes com aumento de resistên-
sável pelo aumento da concentração de cálcio in- cia à insulina. Nesses estudos, a incubação de PCR
tracelular e pela contração muscular. Simultanea- recombinante com células endoteliais promoveu
mente, a angiotensina II aumenta a atividade da a inibição da síntese do óxido nítrico, aumentou a
lipoxigenase, propiciando maior oxidação do produção do fator tissular pelos macrófagos, pro-
LDL-colesterol e inflamação vascular. piciou maior ligação dos macrófagos às lipopro-
Os efeitos pró-inflamatórios da hipertensão ar- teínas, principalmente do LDL-colesterol e do
terial aumentam: colesterol ligado à lipoproteína de densidade muito
1) a produção do peróxido de hidrogênio e radi- baixa (VLDL-colesterol), facilitando sua agrega-
cais livres (ânion superóxido e radicais hidroxi- ção e acúmulo nas lesões ateroscleróticas incipi-
la); entes. Outra evidência da importância dos marca-
2) as substâncias que reduzem a produção do óxi- dores inflamatórios é a relação observada entre
do nítrico endotelial; doenças inflamatórias crônicas e níveis sanguíne-
3) as substâncias que aumentam a aderência leu- os do TNF-alfa. Nas doenças periodontais, os ní-
cocitária e a resistência periférica. veis sanguíneos do TNF-alfa são até 32 vezes
Assim, a angiotensina II estimula os fatores maiores que o normal e a freqüência de infartos
de crescimento responsáveis pela hipertrofia tan- do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais pode
to cardíaca como vascular, aumenta a secreção da
matriz extracelular, aumenta a produção de cito-
ser 2,8 vezes maior que nos não-portadores de
doença inflamatória.5
197
cinas inflamatórias, ativa os monócitos, estimula Os níveis de PCR correlacionam-se com o ín- RSCESP
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e cols. dice de massa corpórea. Em pacientes com diabe- arterial coronária sugere efeitos protetores dessa
Fatores de risco e tes do tipo 2 e aumento da circunferência abdomi- proteína. “In vitro”, a adiponectina recombinante
nal, a perda de 10% do peso reduz significativa- humana suprime a expressão endotelial das molé-
inflamação vascular mente os níveis sanguíneos da PCR. culas de adesão, a proliferação do músculo liso
vascular e a transformação de macrófagos em cé-
OBESIDADE E INFLAMAÇÃO VASCULAR lulas espumosas. Em células endoteliais aórticas
humanas, a adiponectina inibe a adesão de monó-
A prevalência da obesidade nas sociedades oci- citos, induzida pelo TNF-alfa, e suprime níveis de
dentais tem aumentado nos últimos anos e o risco RNAm e VCAM-1. A leptina participa da etiolo-
de doença cardiovascular nos obesos é superior gia da doença hipertensiva e da doença cardiovas-
ao dos não-obesos. cular pelos seus efeitos sobre o sistema nervoso
O tecido adiposo, considerado armazenador simpático no tecido adiposo, no rim e na glândula
passivo de gordura, tem importante atividade en- adrenal.
dócrina e participa efetivamente do metabolismo A redução do peso melhora os fatores hemos-
orgânico. Os adipócitos produzem citocinas, mo- táticos associados às doenças cardiovasculares, in-
léculas de baixo peso molecular farmacologica- cluindo o antígeno PAI-1 e o antígeno ativador te-
mente ativas e com efeitos autócrinos e parácri- cidual do plasminogênio. A melhora da função en-
nos.6 Várias citocinas têm sido amplamente estu- dotelial macrovascular está associada à redução
dadas no tecido adiposo: TNF-alfa, IL-6, adipo- do peso e dos marcadores da ativação endotelial,
nectina, leptina, resistina e PAI-1. O tecido adipo- da inflamação e da coagulação, incluindo redução
so é a principal fonte de TNF-alfa, cujos efeitos de ICAM-1, TNF-alfa, PCR e PAI-1.11
incluem importante ação pró-inflamatória.7 Ape-
nas 30% da IL-6 circulante têm origem no tecido TABAGISMO E INFLAMAÇÃO
adiposo e dois terços advêm do tecido adiposo VASCULAR
visceral. A adiponectina é uma proteína plasmáti-
ca do tipo colágeno-específica, exclusivamente O tabagismo é um importante fator de risco
expressa no tecido adiposo humano. A resistina é modificável e tem consistente associação epide-
uma molécula rica em cisteína, expressa predo- miológica com doenças cardiovasculares, tanto em
minantemente no tecido adiposo, detectável no homens como em mulheres. Aproximadamente
soro e com atuação em outros sítios de forma se- 50% dos pacientes de meia-idade portadores de
melhante à de outras adipocinas. A leptina é um doença cardiocirculatória são fumantes ou ex-fu-
hormônio derivado do adipócito e está intensamen- mantes.12 As alterações vasculares decorrentes do
te ligada às citocinas pró-inflamatórias. Sabe-se tabagismo envolvem disfunção endotelial, altera-
pouco sobre o envolvimento e a interação entre ções da coagulação sanguínea e anormalidades do
inflamação e tecido adiposo; na aterogênese, as metabolismo lipídico. A contribuição da inflama-
adipocinas exercem importante papel na relação ção vascular na doença aterosclerótica dos fuman-
entre inflamação, resistência à insulina e diabe- tes foi demonstrada em estudos que avaliaram os
tes. níveis séricos da PCR em fumantes e não-fuman-
Diversos estudos têm demonstrado vinculação tes. No “Women’s Health Study”, foram analisa-
entre TNF-alfa e doença cardiovascular, indepen- dos cinco marcadores inflamatórios sistêmicos em
dentemente da sensibilidade à insulina. Os efeitos mulheres aparentemente normais. No grupo das
do TNF-alfa sobre o endotélio podem ser diretos mulheres fumantes, os níveis séricos de PCR (p =
ou indiretos, por meio da liberação de outros me- 0,032), IL-6 (p < 0,002), ICAM-1 (p < 0,001),
diadores produzidos nos próprios adipócitos ou em selectina P (p = 0,025) e selectina E (p = 0,007)
células de outros tecidos orgânicos. Nas células, o foram significativamente maiores que no grupo das
TNF-alfa aumenta a adesão de leucócitos no en- não-fumantes. Na análise multivariada, após ajuste
dotélio, ativa as vias pró-inflamatórias e induz à da idade, índice de massa corpórea, história de
expressão da molécula de adesão de célula vascu- hipertensão, diabetes, consumo de bebida alcoó-
lar (VCAM-1) e da endotelina.8-10 lica, atividade física, história familiar de infarto
A ligação entre adipocinas e risco cardiovas- do miocárdio antes dos 60 anos de idade, terapia
cular foi demonstrada pela relação existente entre de reposição hormonal, e níveis séricos de LDL e
níveis sanguíneos de adipocinas, IL-6 e PCR. A HDL, as pacientes fumantes apresentaram níveis
IL-6 promove a liberação de moléculas de adesão séricos mais elevados em quatro dos cinco marca-
endotelial, quimocinas, e aumenta os níveis san- dores inflamatórios avaliados nessa população:
198 guíneos da PCR.
A concentração sérica baixa de adiponectina
PCR (p = 0,034), IL-6 (p = 0,002), ICAM-1 (p <
0,001) e selectina E (p = 0,036).13 Resultados se-
RSCESP na obesidade, no diabetes do tipo 2 e na doença melhantes foram observados numa população de
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médicos em que se utilizou a PCR como marca- coagulação. Contudo, a ruptura da placa estimula e cols.
dor de inflamação. a trombose e o trombo sanguíneo é fundamental Fatores de risco e
A relação entre níveis de PCR e tabagismo é na evolução da doença. Em pacientes idosos, a
proporcional ao número de cigarros fumados. No placa aterosclerótica é complexa e resulta de um
inflamação vascular
estudo de Mendall e colaboradores14, a elevação processo evolutivo lento. Participam desse proces-
dos níveis séricos de PCR e IL-6 em homens foi so mecanismos lentos de coagulação, rupturas
diretamente proporcional ao número de cigarros múltiplas da placa e complicações clínicas, tais
consumidos. Nas mulheres, os níveis séricos de como morte súbita e insuficiência cardíaca.
selectina P foram o melhor indicador do número A doença vascular crônica ativa a coagulação
de cigarros consumidos.15 sanguínea e o trombo pode não estar associado à
evolução da doença, porém freqüentemente parti-
ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO cipa do processo inflamatório.
VASCULAR Considerando essas hipóteses verdadeiras, as
medidas preventivas controlariam uma fração im-
A relação entre aterosclerose, inflamação e fa- portante da população jovem e com doença ate-
tores de risco sugere a existência de múltiplos me- rosclerótica, fato que tem se observado nos últi-
canismos fisiopatológicos. Em pacientes jovens, mos anos. Nos processos ateroscleróticos crôni-
a trombose e a ruptura de placa respondem pela cos, a redução da doença sugere a necessidade de
evolução rápida da doença aterosclerótica. Nes- se controlar os componentes inflamatórios, inclu-
ses pacientes, o endotélio pode estar relativamen- sive das co-morbidades freqüentemente presentes
te intacto e com pouca evidência de ativação da na população idosa.
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e cols.
Fatores de risco e
RISK FACTORS AND VASCULAR INFLAMMATION
inflamação vascular
DIKRAN ARMAGANIJAN
LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN
MAURICIO RODRIGUES JORDÃO
Vascular inflammation was identified in all stages of atherosclerotic lesions and the
inflammatory reaction is a response to noxious stimuli. Hypercholesterolemia, hypertension,
diabetes mellitus, obesity and smoking, among others, damage the endothelium and
stimulate an inflammatory reaction in the vascular wall. The mediators between lipids and
atherosclerosis involve nuclear polymorphs (monocytes/macrophages, lymphocytes) and
smooth muscle cells. The confirmation that oxidized LDL-cholesterol particles are rapidly
assimilated by macrophages, in patients submitted to high levels of cholesterol, suggest that
these lipoproteins penetrate the inner layer and get oxidized. The pro-inflammatory action of
hypertension increases the formation of hydrogen peroxide and free radicals; these
substances reduce the formation of nitric oxide by the endothelium, and increase leukocyte
adhesion and peripheral resistance. The endothelium is essential in insulin distribution and
its structure may be impaired by cytokines, oxidized lipoproteins, smoking and chronic
stress, in patients with type 2 diabetes. Various cytokines have been widely researched in the
adipose tissue: TNF-α, IL-6, adiponectine, leptine, resistine and PAI-1. The adiponectine is
a specific-collagen plasmatic protein, exclusively expressed in human adipose tissue; the
resistine is mainly expressed in the adipose tissue and the leptine is a hormone derived from
adipocyte and is linked to pro-inflammatory cytokines. The binding between adipocines and
cardiovascular risk was demonstrated by the relation among plasma levels of adipocines, IL-
6 and CRP. IL-6 releases adipocytes, cytokines and increases CRP levels. The contribution
of vascular inflammation in the atherosclerotic disease of smokers was demonstrated in
studies that evaluated the blood levels of CRP in smokers and non-smokers.
201
RSCESP
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e cols.
Inflamação e
INFLAMAÇÃO E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
insuficiência
cardíaca
FERNANDO BACAL
CHRISTIANO P. SILVA
VICTOR SARLI ISSA
Figura 1. Disfunção ventricular levando ao estado de hipercatabolismo, com participação dos media-
dores pró-inflamatórios.
como o “Studies Of Left Ventricular Dysfuncti- chamento pós-prandial e má absorção dos alimen-
on” (SOLVD)4 e o “Vesnarinone Trial” (VEST)5, tos. Pode, também, ocorrer inapetência, motivada
demonstraram ainda implicação prognóstica ne- pela orientação de dieta hipossódica, pelo efeito
gativa em pacientes com elevação dos níveis séri- colateral dos medicamentos e, finalmente, pela li-
cos de citocinas inflamatórias. beração do TNF-α, antigamente denominado ca-
quectina.
ASPECTOS CLÍNICOS E A liberação dessa citocina é principalmente de
FISIOPATOLOGIA origem miocárdica, secundariamente a baixo dé-
bito, hipoxia e aumento de estresse intramiocár-
As principais fontes de citocinas inflamatóri- dico, embora também tenha sido identificada li-
as são: miocárdio (não necessariamente relacio- beração intestinal, como resposta à má perfusão
nado com a morte de miócitos), leucócitos circu- tecidual e à translocação bacteriana tanto intesti-
lantes, plaquetas, células endoteliais, pulmões, fí- nal como esplâncnica. Diversos estudos confirma-
gado e macrófagos teciduais. ram esses resultados, demonstrando que pacien-
Pacientes com insuficiência cardíaca freqüen- tes com insuficiência cardíaca de etiologia isquê-
temente manifestam sinais compatíveis com do- mica, hipertensiva ou idiopática têm níveis plas-
enças inflamatórias, como anorexia, anemia e ca- máticos de TNF-α elevados e que esses níveis
quexia. Marcadores inflamatórios, como a proteí- aumentam de acordo com a gravidade da insufici-
na C-reativa (PCR), encontram-se elevados em pa- ência cardíaca7-9 Além disso, essas citocinas têm
cientes com insuficiência cardíaca.6 Essas obser- valor prognóstico independente de classe funcio-
vações e a descoberta de que a caquexia de paci- nal, consumo de oxigênio ou fração de ejeção do
entes com câncer é mediada por citocinas levaram ventrículo esquerdo.10
a investigações do papel dessas substâncias em pa- Estudos em animais geneticamente modifica-
cientes com insuficiência cardíaca. dos demonstraram, ainda, que a expressão aumen-
Nesse contexto, na prática clínica costumeira- tada de TNF-α em miócitos cardíacos induz o sur-
mente identificamos emagrecimento progressivo gimento de cardiomiopatia dilatada11 e que pode
e anorexia em portadores de insuficiência cardía- ser atenuada por antagonistas do TNF-α.12 Estu-
ca em suas fases mais avançadas. O paciente pode dos imuno-histoquímicos comprovaram a presen-
emagrecer em decorrência do baixo débito e da
conseqüente má perfusão esplâncnica. A insufici-
ça de TNF-α em amostras de miocárdio de paci-
entes com cardiomiopatia dilatada.13
203
ência cardíaca direita pode, ainda, levar a empa- O TNF-α tem diversos efeitos que podem es- RSCESP
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e cols. tar relacionados ao desenvolvimento da insufici- pos de pacientes com insuficiência cardíaca. Em
Inflamação e ência cardíaca: redução da contratilidade miocár- 1996, Torre-Amione e colaboradores descreveram
dica,14 apoptose de miócitos cardíacos, remodela- que os níveis plasmáticos de TNF-α e de IL-6 se
insuficiência ção da matriz extracelular,15 alterações da perme- encontravam elevados em portadores de insufici-
cardíaca abilidade capilar, hipotensão arterial, acidose me- ência cardíaca em classes funcionais I a III.21 Mun-
tabólica e indução de caquexia16 (Tab. 1). ger e colaboradores relataram o achado de con-
centrações elevadas de IL-6 no plasma de pacien-
tes em classes funcionais II a IV.22 Anker e cola-
Tabela 1. Efeitos do TNF-α na insuficiência car- boradores descreveram níveis plasmáticos eleva-
díaca. dos de IL-6 em portadores de insuficiência cardí-
aca e caquexia cardíaca.23 Orus e colaboradores
1. Disfunção vascular relataram que a IL-6 era um fator de risco para
2. Estresse oxidativo óbito, necessidade de hospitalização por insufici-
3. Apoptose ência cardíaca ou necessidade de transplante car-
4. Proteólise díaco, independentemente da classe funcional e
5. Ativação imune de outros marcadores de ativação neuro-hormo-
6. Efeito inotrópico negativo nal e inflamatória.24 Mais recentemente, Deswal e
7. Aumento do metabolismo basal colaboradores, em um estudo de 1.169 pacientes,
8. Anorexia encontraram níveis aumentados de IL-6 em cerca
de 30% dos pacientes em classes funcionais III e
Esses efeitos são mediados por dois tipos de IV, e demonstraram que níveis mais elevados de
receptores na superfície celular: TNF-R1 e TNF- IL-6 estão associados a pior prognóstico.25
R2. Após a ligação do TNF-α a seus receptores, Outra citocina, a endotelina, também tem re-
estes são liberados da membrana celular, dando levante impacto na fisiopatologia da insuficiência
origem a suas formas solúveis sTNF-R1 e sTNF- cardíaca26. Esse peptídeo vasoativo tem importan-
R2. Esses fragmentos de receptores mantêm a ca- te papel vasoconstritor, resultando em remodela-
pacidade de se ligar ao TNF-α e podem inibir ou mento vascular pulmonar e conseqüente hiperten-
potencializar seus efeitos, na dependência do mo- são e hiper-resistência vascular pulmonar, aspec-
delo estudado. As concentrações plasmáticas de tos fundamentais na evolução clínica, no prognós-
sTNF-R1 e de sTNF-R2 podem ser úteis para ava- tico e no planejamento do tratamento cirúrgico, já
liar a atividade do sistema do TNF-α e encontram- que pode se tornar fator limitante para indicação
se aumentadas em pacientes com insuficiência car- de transplante cardíaco.
díaca, principalmente naqueles mais sintomáticos. Outras citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-
De maneira similar ao observado com o TNF-α, 18) também foram estudadas em pacientes com
seus valores aumentam de acordo com a classe insuficiência cardíaca, mas os resultados obtidos
funcional, tendo importante valor prognóstico, ainda não permitem definir um quadro claro de
independentemente de variáveis clínicas ou fun- seu comportamento na insuficiência cardíaca.27, 28
cionais. Em mais uma evidência a favor da impor- Alguns trabalhos sugerem que as concentra-
tância do TNF-α na insuficiência cardíaca, o an- ções de citocinas antiinflamatórias, como IL-10
tagonismo da ação do TNF-α com etanercept, uma e “transforming growth factor beta 1”, também
molécula sintética derivada do sTNF-R2, parece se encontram elevadas em pacientes com insu-
melhorar a função ventricular.17 ficiência cardíaca, possivelmente não sendo su-
Estudos epidemiológicos têm sugerido que, ficiente para compensar o desequilíbrio existente
associados ao TNF-α, níveis séricos elevados de e que favorece a manutenção do processo infla-
proteína C-reativa podem constituir risco poten- matório.29, 30
cial para o desenvolvimento de insuficiência car-
díaca18. Também tem sido descrito que o aumento RELAÇÃO ENTRE INFLAMAÇÃO E
da proteína C-reativa eleva a mortalidade em pa- ETIOLOGIA DA CARDIOMIOPATIA
cientes com cardiomiopatia dilatada19. A proteína
C-reativa é uma proteína inflamatória associada à As evidências disponíveis sugerem que a in-
secreção de outras citocinas, como TNF-α, IL-6 e suficiência cardíaca é um estado pró-inflamatório
IL-1. Modelos “in vitro” demonstram que a pro- e que a inflamação crônica pode estar relacionada
teína C-reativa induz a liberação de TNF-α pelos à evolução da doença e ao prognóstico dos paci-
macrófagos humanos. Provavelmente há uma ação entes. Entretanto, esse modelo não é uniformemen-
204 sinérgica entre o TNF-α e a proteína C-reativa na
patogênese da cardiomiopatia dilatada20.
te aplicável. Apenas uma fração (40% a 60% na
maioria dos estudos) dos pacientes tem concen-
RSCESP A IL-6 também foi estudada em diversos gru- trações aumentadas de citocinas pró-inflamatóri-
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4
as no plasma, e há evidências de que a ativação se doença cardíaca em 20% a 65% das famílias e cols.
inflamatória seja modulada pela etiologia da do- de pacientes com cardiomiopatia dilatada); 3) auto- Inflamação e
ença cardíaca. imunidade, hipótese formulada a partir do achado
Hogye e colaboradores estudaram portadores de infiltrado inflamatório na ausência de agentes
insuficiência
de cardiomiopatia dilatada em classe funcional infecciosos identificáveis em tecido miocárdico, cardíaca
avançada e pacientes com cardiomiopatia hiper- aumento da expressão de moléculas do complexo
trófica sem disfunção ventricular importante (em maior de histocompatibilidade e presença de auto-
classe funcional média 1,5 da “New York Heart anticorpos circulantes em pacientes com cardio-
Association” – NYHA)31. Os níveis séricos de IL- miopatia dilatada;34, 35 4) miocardite infecciosa, em
6 e TNF-α foram encontrados elevados nos dila- que o genoma viral tem sido detectado em 10% a
tados, mas apenas a IL-6 permanecia elevada nos 71% dos pacientes com cardiomiopatia dilatada36-38.
hipertróficos, o que sugere a possibilidade de essa Outros agentes etiológicos também têm sido des-
citocina não se relacionar apenas com o grau de critos.39 Entretanto, a relação causal entre o acha-
disfunção ventricular. do de agentes infecciosos e o desenvolvimento de
Mocelin e colaboradores investigaram a ativa- doença ainda é motivo de debate. Os mecanismos
ção inflamatória na cardiopatia chagásica, em tra- pelos quais agentes infecciosos podem levar a le-
balho desenvolvido no Instituto do Coração (In- são miocárdica incluem agressão direta a cardio-
Cor/HC-FMUSP). Essa afecção, caracterizada por miócitos, imunomodulação e indução de defeitos
miocardite crônica, poderia resultar em padrões nos mecanismos de contração e relaxamento mio-
de atividade inflamatória diferentes dos descritos cárdicos.40 O modelo atualmente proposto prevê
em outras etiologias de insuficiência cardíaca. ocorrência de lesão tecidual inicial causada por
Nesse trabalho foram comparadas as concentra- ação direta do agente infeccioso. Acredita-se que
ções de TNF-α, sTNF-R1 e IL-6 no plasma de durante o processo inflamatório decorrente da
pacientes com insuficiência cardíaca decorrente agressão infecciosa possam surgir fenômenos auto-
de cardiopatia chagásica ou de cardiomiopatia di- imunes, envolvendo tanto a imunidade celular
latada idiopática32. Foi observado que: a) as con- como a imunidade humoral.41, 42 Agressões repeti-
centrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 em por- das ao miocárdio, seja por exposição recorrente
tadores de cardiomiopatia chagásica foram signi- ao agente infeccioso seja por processo inflamató-
ficativamente maiores que em indivíduos normais; rio persistente, culminariam com o desenvolvimen-
b) as concentrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 to de cardiomiopatia dilatada.
em portadores de etiologia chagásica foram signi-
ficativamente maiores que as observadas em paci- PAPEL DO TRATAMENTO
entes dilatados idiopáticos, após estratificação pela ANTIINFLAMATÓRIO NA
classe funcional (Figs. 2 e 3); c) as concentrações INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
de sTNF-R1 foram significativamente menores nos
pacientes chagásicos que nos portadores de cardi- O tratamento moderno da insuficiência cardí-
omiopatia dilatada idiopática, após estratificação aca ainda não é suficiente para conter os signifi-
pela classe funcional; e d) as concentrações plas- cativos números relacionados à mortalidade dos
máticas de IL-6 estiveram significativamente as- pacientes, o que pode sugerir que algum outro me-
sociadas à ocorrência de óbito ou transplante car- canismo fisiopatológico importante mantém-se
díaco em situação de prioridade para ambos os ativo e sem modalidades terapêuticas específicas.
grupos de pacientes. A atividade inflamatória na insuficiência cardíaca
Acredita-se que também em pacientes com car- pode ter papel nesse processo, o que desperta in-
diomiopatia dilatada idiopática o sistema inflama- teresse na descoberta de agentes específicos para
tório possa ter papel fisiopatológico. Aceita-se atu- inibir a imunopatogênese da doença.
almente que essa etiologia reúna grupo heterogê- Adamopoulos e colaboradores demonstraram
neo de pacientes. Possíveis etiologias para cardi- que o treinamento físico pode reduzir citocinas in-
omiopatias categorizadas como idiopáticas são: 1) flamatórias, como TNF-α e IL-6, enquanto o “des-
condições clínicas cuja relação causal com a car- treinamento” tem papel oposto43.
diomiopatia não é evidente ou não é passível com- O primeiro imunomodulador a mostrar bene-
provação em bases clínicas (como, por exemplo, fício na insuficiência cardíaca foi a pentoxifilina.
diabetes melito e obesidade); 2) mutações genéti- Em portadores de cardiomiopatia dilatada, o uso
cas, que podem envolver diferentes proteínas do dessa medicação melhorou os sintomas e aumen-
citoesqueleto e do sarcômero de cardiomiócitos, tou a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. En-
encontradas em 30% a 50% dos pacientes com
cardiomiopatia dilatada idiopática33 (algumas for-
tretanto, esses efeitos podem ter maior relação com
o fato de a pentoxifilina ser um inibidor de fosfo-
205
mas da doença têm caráter familiar, encontrando- diesterase que com sua ação imunomoduladora44. RSCESP
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BACAL F
e cols. As estatinas possuem ação imunomoduladora, atenção (Tab. 2). Entretanto, estudos clínicos com
Inflamação e antitrombótica, protetora da função endotelial e etanercept (Fig. 4)48, droga redutora da bioativi-
antiinflamatória, e também reduzem o colesterol45. dade do TNF-α (“Randomized Etanercept World-
insuficiência Além de inibir a produção de citocinas, como a wide Evaluation” – RENEWAL49), foram inter-
cardíaca IL-1ß, no endotélio, as estatinas têm mostrado re- rompidos precocemente pela falta de eficácia, e
duzir a inflamação e a produção de radicais livres um estudo com infliximab (anticorpo monoclonal
na parede vascular46. Estudos “in vitro” e em mo- anti-TNF-α) foi associado a aumento de hospita-
delos animais têm demonstrado prevenção do de- lizações e mortalidade no grupo intervenção
senvolvimento de hipertrofia miocárdica com o uso (“Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart
de estatinas, o que sugere o potencial benefício do failure” – ATTACH50).
uso dessas medicações na insuficiência cardíaca47. Da mesma forma, a tentativa de bloquear pro-
Por causa do importante papel do TNF-α na cessos inflamatórios e imunológicos relacionados
fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a modu- ao desenvolvimento de cardiomiopatia após infec-
lação terapêutica dessa citocina tem recebido muita ção levou diferentes autores a experimentar regi-
206 Figura 2. Distribuição das concentrações plasmáticas de IL-6, de acordo com a etiologia e a classe
RSCESP funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.)
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BACAL F
e cols.
Inflamação e
insuficiência
cardíaca
Figura 3. Distribuição das concentrações plasmáticas de TNF-α, de acordo com a etiologia e a classe
funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.)
matória (definida como aumento de expressão de tes com cardiomiopatia dilatada. Os interferons fo-
moléculas do HLA) em 84 pacientes. Esses paci- ram originalmente identificados e nomeados por
entes foram, então, randomizados para receber sua capacidade de interferir com a replicação vi-
imunossupressão (prednisona + azatioprina) ou ral. Por possuírem efeitos imunomoduladores, são
placebo por três meses. Houve melhora no grupo capazes, por exemplo, de aumentar a expressão
que recebeu imunossupressão no que se refere a molecular do complexo maior de histocompatibi-
classe funcional, fração de ejeção, diâmetro dias- lidade e estimular os efeitos líticos de linfócitos T
tólico ventricular esquerdo e volume diastólico citotóxicos e de macrófagos. Um estudo avaliou o
ventricular esquerdo.53 Não houve diferença na efeito do interferon beta em 22 pacientes com car-
mortalidade. Sugere-se, portanto, que subgrupos diomiopatia dilatada e persistência de genoma de
de pacientes com cardiomiopatia dilatada e per- enterovírus (14 pacientes) e adenovírus (8 paci-
sistência de inflamação podem se beneficiar de tra- entes) no miocárdio.9 Houve aumento da fração
tamento imunossupressor. de ejeção e redução dos diâmetros do ventrículo
Finalmente, estudos recentes têm avaliado o esquerdo após o tratamento. Não há, entretanto,
impacto da administração de interferon a pacien- estudos que tenham avaliado de maneira contro-
Objetivos Objetivos
Estudo n primários Resultados secundários Resultados
* Diferença encontrada entre placebo e infliximab 10 mg/kg. Não foi encontrada diferença entre pla-
cebo e infliximab 5 mg/kg.
n = número de pacientes; RENEWAL = “Randomized Etanercept Worldwide Evaluation”; RENAIS-
SANCE = “Randomized Etanercept North American Estrategy to Study Antagonism of Cytokines”;
208 RECOVER = “Research into Etanercept: Cytokines Antagonism in Ventricular Dysfunction”; ATTA-
RSCESP CH = “Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart failure”.
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lada e prospectiva essa questão. com efeitos múltiplos e predominantemente pará- e cols.
Estudo recente selecionou 82 pacientes com crinos. É possível que a inibição de apenas um Inflamação e
achado de genoma viral e existência de atividade dos componentes desse sistema não seja eficaz,
inflamatória (segundo critérios imuno-histológi- como foi observado em estudos de pacientes com
insuficiência
cos, que incluíam a contagem de células CD2, bem sepse,56 e que apenas com o desenvolvimento de cardíaca
como expressão de HLA I, HLA II, CD 68, e CD novas estratégias anticitocinas possamos modifi-
54) para receber imunossupressão (prednisolona) car, com sucesso, esse mecanismo fisiopatológi-
ou interferon beta. O tratamento foi seguro e hou- co. Até o presente momento, as estratégias tera-
ve melhora em todos os grupos de tratamento.54 pêuticas que visaram ao bloqueio específico das
A aplicação de imunoglobulinas por via intra- citocinas, por meio de novas drogas ou até mesmo
venosa também é controversa na insuficiência car- de anticorpos monoclonais, não atingiram os re-
díaca. Esses agentes parecem ter papel duplo so- sultados esperados. No entanto, o controle desse
bre as citocinas, promovendo aumento em alguns complexo sistema de ativação pró-inflamatório
mediadores, como IL-10, e diminuição em outros, permanece alvo de investigações, principalmente
como IL-8 e IL-155. pelo fato de sua relação direta com a pior evolu-
Devemos lembrar também que as citocinas for- ção e o prognóstico dos pacientes portadores de
mam uma rede altamente complexa e redundante, insuficiência cardíaca.
FERNANDO BACAL
CHRISTIANO P. SILVA
VICTOR SARLI ISSA
212
RSCESP
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LEITE PF
Células-tronco e
CÉLULAS-TRONCO E INFLAMAÇÃO inflamação
Figura 1. Regeneração endotelial após lesão vascular. A) Fatores de risco para doença arterial coroná-
ria lesam o endotélio e, como conseqüência, causam apoptose e descamação de células endoteliais.
Essas células são denominadas células endoteliais circulantes (CECs) e podem ser mensuradas pela
citometria de fluxo no sangue periférico. B) O processo regenerativo endotelial pode ocorrer por duas
vias: 1) pela proliferação e migração de células endoteliais maduras localizadas na vizinhança da célula
endotelial lesada (angiogênese); e 2) pela migração de células-tronco da medula óssea na parede vascu-
lar, liberando fatores angiogênicos, ou talvez pela incorporação direta de células progenitoras endote-
liais (EPCs) circulantes no endotélio (vasculogênese). Esse processo ainda não está claro.
Até recentemente, acreditava-se que a renova- ção de células CD34+ na parede vascular é direta-
ção das células endoteliais era muito lenta e feita mente proporcional à extensão da lesão, ou seja,
pela proliferação e pela extensão de células endo- quanto mais intensa for a lesão mecânica vascular
teliais vizinhas (angiogênese). Em condições fisi- maior será a incorporação de células-tronco pro-
ológicas, vasos sanguíneos de adultos se regene- venientes da medula óssea no vaso9. Esses acha-
214 ram lentamente. A meia-vida de uma célula endo-
telial de um adulto foi descrita como sendo de 3,1
dos indicaram a existência de uma fonte celular
localizada na medula óssea que poderia ser recru-
RSCESP anos. Mais recentemente, contudo, alguns estudos tada no sítio de reparação vascular, contribuindo
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LEITE PF
para a expansão da trama vascular, num processo zam tais marcadores na citometria de fluxo, por- Células-tronco e
denominado vasculogênese (Fig. 1). que nenhum deles é específico para células pro- inflamação
genitoras endoteliais. Por exemplo, CD34 é um
DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE marcador hematopoiético e pode ser achado em
CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS outras células-tronco provenientes da medula ós-
sea6. Na realidade, a população CD34 de células
Células-tronco são definidas por duas caracte- representa uma pequena fração de células-tronco
rísticas: devem ser capazes de se renovar por si da medula ou de sangue periférico21. CD34 pode
só, e devem ter a capacidade de diferenciar em também ser encontrado nas células endoteliais cir-
diferentes tipos celulares10. As células progenito- culantes22. Assim, CD34 deve ser sempre usado
ras endoteliais, por sua vez, são células circulan- em conjunto com outros marcadores17.
tes derivadas de uma população de células da me- Admite-se que a função óbvia das células
dula óssea que parecem participar tanto da forma- progenitoras endoteliais seria uma contribuição
ção de novos vasos (vasculogênese) como da ho- direta na parede endotelial. Contudo, dois fenóti-
meostase vascular10. Essa população única de cé- pos celulares diferentes têm emergido de dados
lulas mononucleares existente no sangue periféri- sobre a diferenciação de células progenitoras en-
co (0,0001%) tem um perfil que se assemelha doteliais: como já mencionado, um se integraria
muito ao das células-tronco hematopoiéticas, e in- diretamente ao endotélio e o outro tomaria resi-
corpora no vaso em situações de estresse em res- dência imediatamente próximo ao endotélio (Fig.
posta a vários fatores de crescimento angiogêni- 1). A função deste segundo grupo celular seria pre-
cos11-15. Muito do que se conhece hoje sobre essas sumidamente providenciar sinais parácrinos às
células pode ser creditado a dois estudos pionei- células endoteliais17, 22, 23. Estudos recentes de-
ros. Asahara e colaboradores, em 1997, isolaram monstram que tais células constituem a maioria
angioblastos circulantes de sangue periférico co- das células progenitoras endoteliais e são diferen-
lhido de humanos adultos, que tinham o potencial ciadas pela citometria de fluxo pelos marcadores
de diferenciar “in vitro” em células endoteliais e CD14+ e CD3421. De fato, esses monócitos “pró-
contribuíam para a angiogênese após isquemia angiogênicos” parecem secretar fatores de cresci-
vascular “in vivo”16. Logo depois da publicação mento às células endoteliais adjacentes24. Além
de Asahara, Shi e colaboradores cultivaram célu- disso, células CD14+ exibem em cultura algumas
las CD34+ provenientes da medula óssea e desco- características funcionais que têm sido utilizadas
briram que tais células tinham a capacidade de em muitos estudos para caracterizar células pro-
diferenciar em células endoteliais7. Desde então, genitoras endoteliais CD34+. Por exemplo, tais
diversos grupos têm procurado definir essa popu- células incorporam DiLDL e fixam lectina25. É
lação de células mais profundamente. Como as interessante observar que células CD14+ isoladas
células progenitoras endoteliais e as células-tron- imediatamente do sangue periférico e não expan-
co hematopoiéticas têm em comum muitos mar- didas em cultura não aumentam a vasculogênese,
cadores de superfície, não existe uma definição chamando atenção para o fato de quanto o meio
simples de células progenitoras endoteliais. As- de cultura pode influenciar o comportamento ce-
sim, o termo células progenitoras endoteliais en- lular26. Células progenitoras multipotentes deriva-
globa um grupo de células que existe numa varie- das da medula óssea, assim como células tecidu-
dade de estágios, desde hemangioblastos até cé- ais (tecido adiposo, células progenitoras cardía-
lulas endoteliais. No estágio atual das pesquisas, cas e células neuroprogenitoras), também possu-
é impossível diferenciar células progenitoras en- em a habilidade de diferenciar em células proge-
doteliais mais “imaturas” (ou seja, células menos nitoras endoteliais27. Juntas, essas informações
diferenciadas) das células-tronco hematopoiéticas permitem concluir dois pontos importantes: 1) é
primitivas, uma vez que estas últimas comparti- concebível que células provenientes da medula
lham os mesmos marcadores de superfície, como, poderiam ajudar no estabelecimento de novos ca-
por exemplo, CD133, CD34, e VEGFR2 (KDR). pilares, providenciando sinais parácrinos impor-
Na prática, são utilizados os marcadores CD133 e tantes e não apenas incorporando na parede endo-
VEGFR2 numa população de células CD34+17. telial; e 2) esses monócitos “pró-angiogênicos”
CD133 é um marcador que diferencia células pro- pela definição atual não são células progenitoras
genitoras endoteliais mais primitivas. À medida endoteliais. As observações apresentadas acima
que essas células se diferenciam, os marcadores mudam o paradigma da vasculogênese, cuja visão
CD133 e VEGF são extintos11, 13, 18. Nesse estágio, simplista seria baseada num único tipo celular
são utilizados marcadores endoteliais como VE
caderina e E-selectina19, 20. Contudo, algumas li-
como responsável pelo crescimento vascular em
humanos adultos. Novos dados sugerem que vas-
215
mitações devem ser consideradas quando se utili- culogênese e/ou regeneração endotelial são pro- RSCESP
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Células-tronco e cessos em que múltiplos grupos celulares prove- endoteliais. Antecedente positivo de morte prema-
inflamação nientes da medula óssea parecem estar envolvi- tura familiar por doença coronária19, homocistei-
dos. nemia33 e aumento da proteína C-reativa34, 35 são
alguns exemplos. A proteína C-reativa é um mar-
INFLAMAÇÃO VASCULAR E CÉLULAS cador importante de inflamação e está associado à
PROGENITORAS ENDOTELIAIS disfunção endotelial e à aterosclerose. Quando
células progenitoras endoteliais são incubadas com
Observações de pacientes com doença ateros- proteína C-reativa, esta diretamente inibe a dife-
clerótica ou com fatores de risco para aterosclero- renciação, a sobrevivência e a função de células
se enfatizam o papel das células progenitoras en- progenitoras endoteliais35.
doteliais na manutenção da saúde vascular20, 28-31. Síndromes isquêmicas agudas estão relaciona-
Estudos demonstram que a presença de doença das a número elevado de células progenitoras en-
vascular ou de fatores de risco para doença vascu- doteliais, indicando que a movimentação de célu-
lar tem correlação com número diminuído e com las progenitoras endoteliais com o objetivo de re-
redução da capacidade funcional de células pro- parar o vaso e o tecido é um evento fisiológico36, 37.
genitoras endoteliais circulantes20, 28-31. Em paci- Contudo, células progenitoras endoteliais prove-
entes sem doença cardiovascular documentada, nientes da medula óssea estão deprimidas funcio-
existe correlação inversa entre escore preditor de nalmente nessas circunstâncias38. Resultado simi-
risco de doença cardiovascular de Framingham e lar foi obtido em outro ambiente de inflamação
número de células progenitoras endoteliais28. De crônica e diminuição de óxido nítrico (ou seja,
fato, esse estudo demonstrou que o número de pacientes com insuficiência cardíaca). Heeschen
células progenitoras endoteliais circulantes foi e colaboradores demonstraram, num modelo de
melhor preditor de reatividade vascular preserva- isquemia em camundongos imunodeficientes
da que a presença de fatores tradicionais de risco (“nude mice”), que células progenitoras endoteli-
promotores da aterosclerose, reatividade essa re- ais colhidas desses indivíduos com insuficiência
lacionada à atividade funcional do endotélio e ao cardíaca eram menos capazes de aderir ao vaso no
prognóstico de pacientes com doença arterial co- membro isquêmico de camundongos, além de pos-
ronária28. Em sintonia com tal achado, Werner e suírem menor capacidade migratória29.
colaboradores determinaram em 519 pacientes Em estudos investigando células progenitoras
com doença arterial coronária, documentada pela endoteliais em pacientes com insuficiência renal
angiografia, que número aumentado de células crônica e sem evidência de doença arterial coro-
CD34+/KDR+ se correlacionava com menor mor- nária, a insuficiência renal está associada com re-
talidade cardiovascular18. Em outro estudo, célu- dução marcada de número e colônias de células
las progenitoras endoteliais circulantes colhidas progenitoras endoteliais39. Esses achados parecem
de pacientes com múltiplos fatores de risco apre- ocorrer independentemente dos fatores de risco
sentavam alta taxa de envelhecimento “in vitro” para eventos cardiovasculares. Em concordância
quando comparadas às daqueles com poucos fato- com os achados mencionados, pacientes com ar-
res de risco18, 28. Uma hipótese que explicaria tais trite reumatóide apresentam número reduzido de
achados é que pacientes expostos a lesão endote- células progenitoras endoteliais circulantes, que
lial contínua pelos fatores de risco teriam exauri- melhoraram marcadamente após receber terapia
do depósitos presumidamente limitados de célu- com inibidor de fator de necrose tumoral alfa40.
las progenitoras endoteliais localizadas na medu- Esses dados permitem especular que a inflama-
la óssea28. Essa hipótese é suportada pela obser- ção crônica diminui o número e a função de célu-
vação de que células progenitoras endoteliais co- las progenitoras endoteliais, contribuindo para o
lhidas de camundongos ApoE-/- estão reduzidas aumento da morbidade e da mortalidade cardio-
em número e habilidade em participar na repara- vasculares (Fig. 2).
ção vascular32. Em pacientes sem doença cardio-
vascular, correlação inversa também existe entre MECANISMOS PELOS QUAIS A
idade e número de células progenitoras endoteli- INFLAMAÇÃO PODE INTERFERIR
ais na circulação periférica28. Tal achado sugere COM AS CÉLULAS PROGENITORAS
que número diminuído de células progenitoras ENDOTELIAIS
endoteliais pode explicar, em parte, o aumento sig-
nificativo de mortalidade cardiovascular observa- A redução do número e da função de células
do com o aumento da idade. progenitoras endoteliais na presença de inflama-
216 Vários outros fatores de risco promotores de
eventos cardiovasculares estão associados com re-
ção pode ter diferentes causas: a) exaustão do
“pool” de células progenitoras endoteliais residen-
RSCESP dução de número e função de células progenitoras tes na medula, conforme discutido anteriormente;
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Células-tronco e
inflamação
Figura 2. Inflamação e células progenitoras endoteliais (EPCs) circulantes. Fatores de risco para doen-
ça arterial coronária promovem inflamação vascular, que induz apoptose de células endoteliais. Células
que sofreram apoptose precisam ser regeneradas para que o endotélio permaneça íntegro. Contudo, a
inflamação gerada reduz a capacidade regenerativa de células endoteliais maduras e de EPCs. Assim,
apoptose aumentada e reparação reduzida podem levar a um círculo vicioso, formando a placa ateros-
clerótica.
Figura 3. A inflamação pode interferir com as células progenitoras endoteliais, mediando proteção
vascular por diferentes mecanismos. Fatores de risco para doença coronária podem interferir com célu-
las-tronco hematopoiéticas na medula óssea, reduzindo sua mobilização ou afetando sua sobrevivência
pela queda de suas defesas antioxidantes ou, ainda, por efeito em sua diferenciação. De forma seme-
lhante, a inflamação pode bloquear intracelularmente a resposta ao VEGF, dificultando a incorporação
de células progenitoras endoteliais na parede vascular.
EPCs = células progenitoras endoteliais; NO = óxido nítrico.
dotelial e células musculares lisas. Quando se al- mantida a expressão de VEGF, sugerindo que a
tera o meio de cultura de células CD34+, esta pode resposta ao VEGF está bloqueada intracelularmen-
se diferenciar em monócitos. Além disso, a admi- te20. Em resumo, os fatores de risco podem inter-
nistração de lipoproteína de baixa densidade ferir na proteção vascular mediada pelas células
(LDL) oxidada bloqueia a diferenciação de célu- progenitoras endoteliais por diferentes mecanis-
las progenitoras endoteliais “in vitro”44. Assim, al- mos e assim modular o processo de regeneração
terações locais ou sistêmicas gerando inflamação endotelial (Fig. 3).
poderiam promover um desvio na diferenciação
de células progenitoras endoteliais no sentido de REGULAÇÃO DAS CÉLULAS
células musculares lisas, levando ao desenvolvi- PROGENITORAS ENDOTELIAIS
mento da lesão aterosclerótica.
Finalmente, outro mecanismo aventado pode- Se os fatores de risco para eventos coronários
ria ser uma resposta diminuída das células proge- reduzem o número e a função de células progeni-
nitoras endoteliais ao VEGF na presença de fato- toras endoteliais e contribuem para a progressão
res de risco. Vias de sinalizações VEGF-depen- da doença aterosclerótica, o oposto (ou seja, o au-
dentes (como, por exemplo, AKT) estão alteradas mento das células progenitoras endoteliais) é bas-
quando células são incubadas com LDL oxidada45. tante atrativo (Fig. 4). Evidências recentes suge-
Similarmente, células progenitoras endoteliais iso- rem que as estatinas aumentam o número e a ati-
218 ladas de sangue periférico de pacientes com do-
ença coronária demonstram capacidade migrató-
vidade funcional de células progenitoras endote-
liais “in vitro” em camundongos e em pacientes
RSCESP ria reduzida na presença de VEGF, apesar de estar com angina estável8, 19, 46. Assim, parte dos efeitos
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50, 51
pleiotrópicos das estatinas, melhorando a função tadas de estresse oxidativo . Notadamente, foi Células-tronco e
endotelial e reduzindo os eventos cardiovascula- demonstrado que as enzimas superóxido dismuta- inflamação
res, decorreria do aumento de células progenito- se manganês (localizada nas mitocôndrias, dismuta
ras endoteliais. Algo similar também ocorre com o ânion superóxido), catalase (dismuta o peróxi-
os inibidores da enzima de conversão ativada. do de hidrogênio) e glutationa peroxidase tinham
Mecanismo postulado seria a redução do envelhe- suas expressões aumentadas nas células progeni-
cimento e a apoptose de células progenitoras en- toras endoteliais quando comparadas às células
doteliais8, 19, 46. O estrógeno parece também aumen- controles. Esses resultados sugerem que células
tar o número e a função de células progenitoras progenitoras endoteliais estão equipadas com um
endoteliais, reduzindo o espessamento neo-intimal sistema eficiente de proteção, tornando essas cé-
num modelo experimental de lesão mecânica vas- lulas atrativas para terapia celular.
cular47. A eritropoietina aumenta as células pro-
genitoras endoteliais em animais e em homens, e CONCLUSÕES
esse hormônio está diretamente relacionado com
o número de células progenitoras endoteliais em Populações de células distintas dentro do or-
pacientes com doença arterial coronária48, 49. O ganismo adulto possuem habilidade de contribuir
exercício físico também aumenta o número de para a homeostase vascular ou vasculogênese.
células progenitoras endoteliais42. Todos esses fa- Contudo, a caracterização da principal célula pre-
tores promovem aumento das células progenito- cursora endotelial ainda não está clara. Talvez o
ras endoteliais pela estimulação da 3-quinase/ foco correto não seja identificar a célula precur-
AKT, sugerindo que essa pode ser uma via co- sora endotelial, mas entender quais são os meca-
mum na sobrevivência de células progenitoras nismos que levam uma célula progenitora endote-
endoteliais45, 49. Deve-se ressaltar que dois autores lial a reparar o endotélio lesado. Identificar meios
independentemente demonstraram que células pro- de cultura adequados para tais células também é
genitoras endoteliais estão equipadas com um sis- necessário, uma vez que o meio tem papel funda-
tema de enzimas antioxidantes, permitindo a so- mental na diferenciação de células progenitoras
brevivência dessas células em condições aumen- em células endoteliais. Além disso, é necessário
Figura 4. Moduladores da quantidade de células progenitoras endoteliais. Terapias, tais como estati-
nas, inibidores da enzima de conversão ativada (IECAs), eritropoietina e estrógenos, assim como exer-
cícios físicos promovem aumento de células progenitoras endoteliais circulantes, constituindo uma
opção agradável na prevenção da doença arterial coronária. O mesmo pode ser observado com VEGF,
fator derivado do estroma (SDF-1), fator estimulador celular-granulócito macrófago (GM-CSF), e óxi-
do nítrico (NO). Esse aumento por ser verificado pela imunofluorescência (células em laranja), após as
células progenitoras endoteliais captarem DiLDL (vermelho) e fixarem lectina. As imagens revelam
células progenitoras endoteliais circulantes cultivadas em meio especial por 7 dias (x 10), e nem todos
219
os resultados acima se referem a experimentos com humanos. RSCESP
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Células-tronco e comparar o impacto terapêutico de células colhi- melhora funcional de tais células em ambiente
inflamação das do sangue periférico e de células mononucle- de inflamação vascular constituem uma opção
ares extraídas da medula óssea. atrativa. Assim, parece imperativo conhecer o
Apesar de as células progenitoras endoteli- papel específico das várias enzimas antioxidan-
ais serem provenientes de diferentes fontes, é tes na função das células progenitoras endoteli-
inegável que tais células possuem uma intera- ais. Enquanto o tratamento prévio da doença
ção com o endotélio lesado, por mecanismos aterosclerótica estava limitado à eliminação das
parácrinos ou talvez pela incorporação direta, fontes de lesão endotelial, novas abordagens
e, dessa forma, limitam a formação da ateros- podem agora focar na reparação vascular pela
clerose. Métodos que possam contribuir para a restauração de células progenitoras endoteliais.
XXVIII CONGRESSO DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
28 A 30 DE ABRIL DE 2007
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