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REVISTA DA

ISSN 0103-8559
SOCIEDADE SOCESP

DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO
Volume 16 — No 3 — Jul/Ago/Set de 2006

“CHECK-UP”
CARDIOLÓGICO
EDITOR CONVIDADO:
NELSON KASINSKI

Figura 2
(página 167)

INFLAMAÇÃO E DOENÇAS
CARDIOVASCULARES
EDITOR CONVIDADO:
CARLOS VICENTE SERRANO JR.
Figura 2
(página 217)

www.socesp.org.br
REVISTA DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA DO ESTADO DE SÃO PAULO
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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
Órgão Oficial da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
Publicação Trimestral / Published Quarterly
Dados de Catalogação na Publicação Internacional (CIP)

Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo


São Paulo - SP, Brasil. v. 1 - 1991 -
Inclui suplementos e números especiais.
Substitui Atualização Cardiológica, 1981 - 91.

1991, 1: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A)


1992, 2: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1993, 3: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1994, 4: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1995, 5: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1996, 6: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1997, 7: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
1998, 8: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 4 (supl B),
5 (supl A), 6 (supl A)
1999, 9: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2000, 10: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2001, 11: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 3 (supl B), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2002, 12: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2003, 13: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2004, 14: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A), 4 (supl A),
5 (supl A), 6 (supl A)
2005, 15: 1 (supl A), 2 (supl A), 3 (supl A), 4 (supl A), 5 (supl A),
5 (supl B), 6 (supl A)
2006, 16: 1 (supl A), 2 (supl A), 2 (supl B), 3 (supl A)

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São Paulo, Ed. Polígono, 1972.

Indexada no INDEX MEDICUS Latino Americano


Impressa no Brasil
ii Tiragem: 6.500 exemplares
RSCESP
JUL/AGO /SET 2006
Nelson Kasinski

SUMÁRIO
iv Carta do Editor Convidado vi Comunicado Importante
Nelson Kasinski viii Eventos
v Carta do Editor Convidado
Carlos V. Serrano Jr.

“CHECK-UP” INFLAMAÇÃO E
CARDIOLÓGICO DOENÇAS CARDIOVASCULARES
EDITOR CONVIDADO: EDITOR CONVIDADO:
NELSON KASINSKI CARLOS VICENTE SERRANO JR.

127 “Check-up” cardiológico: avaliação clínica 178 Síndromes coronárias agudas e inflamação
e fatores de risco Acute coronary syndromes and inflammation
Heart check-up: clinical examination and Juliano Lara Fernandes
risk factors Alexandre Soeiro
João Lourenço Villari Herrmann César Biselli Ferreira
José Augusto Marcondes de Souza Carlos V. Serrano Jr.

138 Eletrocardiografia e teste ergométrico no 187 Aterosclerose e inflamação


“check-up” cardiológico Atherosclerosis and inflammation
Electrocardiography and stress test in Carlos M. C. Monteiro
routine cardiovascular evaluation (check-up) Francisco A. H. Fonseca
Luiz Eduardo Mastrocolla
João Manoel Rossi 193 Fatores de risco e inflamação vascular
Susimeire Buglia Risk factors and vascular inflammation
Dikran Armaganijan
154 A ecocardiografia no “check-up” Luciana Vidal Armaganijan
cardiológico Mauricio Rodrigues Jordão
Role of echocardiography in routine
cardiovascular evaluation (check-up) 202 Inflamação e insuficiência cardíaca
Orlando Campos Filho Inflammation and congestive heart failure
Wercules A. Alves Oliveira Fernando Bacal
Adriana Cordovil Christiano P. Silva
Victor Sarli Issa
163 Estratificação de risco coronário pela
tomografia computadorizada 213 Células-tronco e inflamação
Coronary risk stratification by computed Stem cells and inflammation
tomography Paulo Ferreira Leite
Ibraim Masciarelli F. Pinto
Walther Ishikawa
Roberto Sasdelli Neto Edição Anterior: Hipertensão Pulmonar
Amanda G. M. R. Sousa Editor Convidado: Antonio Augusto Lopes
172 Análise crítica dos métodos não-invasivos Próxima Edição:
para avaliação cardiológica Atualização em Perioperatório de Cardiopatas
Critical analysis of noninvasive methods in Submetidos a Cirurgia Não-Cardíaca
cardiologic evaluation Editores Convidados: Bruno Caramelli/Cláudio Pinho
Fausto Haruki Hironaka
Gustavo Ken Hironaka Anticoagulação para o Cardiologista
Editor Convidado: Cyrillo Cavalheiro Filho

iii
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
CARTA DO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
EDITOR Antes prevenir do que remediar. Esse antigo ditado expressa a importância da
prevenção primária em Cardiologia, com ênfase especial à doença arterial coronária, já que
CONVIDADO algumas conseqüências dela advindas podem ser catastróficas no momento de sua
instalação clínica.
A verdadeira prevenção demanda aferição de sua eficácia. Para tanto, são importantes
as informações obtidas do paciente nas esferas epidemiológica e clínica. Essa avaliação
se completa com os dados objetivos oriundos de exames subsidiários, que compõem,
assim, o verdadeiro “check-up” cardiológico.
As avaliações que pretendiam afastar problemas cardiocirculatórios sofreram
inicialmente numerosas críticas por sua baixa sensibilidade e baixa especificidade.
Entretanto, essas limitações foram desaparecendo com a rápida evolução de métodos
diagnósticos não-invasivos, determinando o desenho de uma programação com elevados
índices de acerto no que tange ao conceito de coração normal.
Nesse contexto, para esta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado
de São Paulo foram escolhidos temas descritos por especialistas proeminentes e experientes,
que analisam com cuidado, critério e crítica o conjunto de exames que devem compor em
diferentes circunstâncias o “check-up” do coração.
A escolha de procedimentos como a eletrocardiografia convencional, o teste de
esforço, a ecocardiografia nas suas diferentes modalidades e a sofisticada utilização da
medicina nuclear, da angiotomografia e da ressonância magnética não foi casual, tendo
como objetivo trazer ao conhecimento do cardiologista as verdadeiras aplicações e
limitações desses procedimentos.
Dessa forma, acredito que as informações contidas nesta edição possam servir de guia
para a realização e a interpretação das avaliações daqueles que buscam conhecer a saúde
dos corações.

Nelson Kasinski
Editor Convidado

iv
RSCESP
JUL/AGO /SET 2006
CARTA DO INFLAMAÇÃO E DOENÇAS CARDIOVASCULARES
EDITOR Nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo,
“Inflamação e Doenças Cardiovasculares” é o segundo tema abordado, cuja organização
CONVIDADO contou com a colaboração de colegas de renome de várias instituições do Estado de São
Paulo. São cinco capítulos ao todo, em que vários aspectos relevantes são analisados, como
dados epidemiológicos e pesquisa básica, além de métodos diagnósticos e terapêuticos.
O ponto de vista sobre os mecanismos fisiopatológicos das doenças cardiovasculares
tem se desviado de modo marcante nesta última década. No passado, acreditava-se que
tanto as estenoses arteriais, com repercussão no fluxo sanguíneo, como os índices
funcionais de isquemia de órgãos poderiam direcionar nossas terapias. Culpávamos as
estenoses críticas como sendo responsáveis pelas complicações isquêmicas da
aterosclerose. Achados clínicos recentes importantes têm nos obrigado a reconsiderar
esses conceitos. As evidências atuais têm estabelecido a importância dos aspectos
qualitativos das placas como determinantes na propensão a levar a complicações agudas.
Entre as características funcionais das placas, em associação à vulnerabilidade, a inflamação
tem surgido como mecanismo fisiopatológico fundamental, oferecendo alvos terapêuticos
potenciais e novas estratégias de estratificação de risco. É nessa linha de raciocínio que
os tópicos aterosclerose, fatores de risco coronário e síndromes coronárias agudas foram
baseados.
Por outro lado, dentro da fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a inflamação exerce
papel importante, principalmente, na fase avançada da falência cardíaca, em que o estado
de hipercatabolismo está predominando, assunto que também é discutido.
A resposta inflamatória vascular desencadeada pelos fatores de risco induz disfunção
endotelial, caracterizada por apoptose e perda da integridade endotelial. Esse cenário
facilita a entrada de lipoproteínas aterogênicas e a migração de leucócitos para o espaço
endotelial. Evidências recentes sugerem que as células progenitoras circulantes têm papel
regenerador importante no endotélio na presença de fatores de risco aterosclerótico.
Dentro desse raciocínio, esperamos ter cumprido nosso objetivo de abordar a atualização
dos avanços dessa interação “inflamação” e “doenças cardiovasculares”.

Carlos Vicente Serrano Jr.


Editor Convidado

v
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
COMUNICADO IMPORTANTE
Estamos republicando, nesta edição da Revista da Sociedade de Cardiologia do Estado de São
Paulo, as figuras que ilustraram o artigo "Aspectos fisiopatológicos e estruturais da vasculopatia
pulmonar", de autoria da Dra. Vera Demarchi Aiello, veiculado no trimestre Abril/Maio/Junho de
2006, Volume 16, No 2, às páginas 71 a 78. Na época, por problemas técnicos com as figuras originais,
a qualidade final de impressão saiu prejudicada. Nestas páginas, as figuras estão publicadas correta-
mente, em cores.

Figura 2. Artérias pré-acinares com


proliferação intimal oclusiva e alar-
gamento adventicial. Coloração pela
hematoxilina-eosina, objetiva 20X.

Figura 3. Fotomicrografia de lesão


complexa (plexiforme) em artéria
pulmonar periférica. Coloração pela
hematoxilina-eosina, objetiva 20X.

vi
RSCESP
JUL/AGO /SET 2006
Figura 4. Veia pulmonar ocluída por
fibrose intimal, mostrando desorgani-
zação e proliferação de fibras elásti-
cas (em preto). Coloração pela técni-
ca de Muller para fibras elásticas,
objetiva 40X.

Figura 5. Múltiplos pequenos vasos


infiltrando o parênquima pulmonar e
a parede de um bronquíolo (metade
direita e canto superior direito), em
caso de microvasculopatia pulmonar.
Coloração pela hematoxilina-eosina,
objetiva 40X.

Figura 6. Fotomicrografia de artéria


intra-acinar com inflamação na pare-
de. O corte histológico foi submetido
a reação de imuno-histoquímica para
marcação de macrófagos. Objetiva
40X.

vii
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
EVENTOS SOCESP

2007

28, 29 e 30 de Abril
XXVIII Congresso da
Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo
São Paulo — SP

Eventos sujeitos a alterações.


Confirmar data e local no “website” da SOCESP:
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Tel.: (11) 3179-0044 — ramal 2

viii
RSCESP
JUL/AGO /SET 2006
HERRMANN JLV
e col.
“CHECK-UP” CARDIOLÓGICO: AVALIAÇÃO CLÍNICA “Check-up”
E FATORES DE RISCO cardiológico:
avaliação clínica
e fatores de risco

JOÃO LOURENÇO VILLARI HERRMANN


JOSÉ AUGUSTO MARCONDES DE SOUZA

Universidade Federal de São Paulo – EPM

Endereço para correspondência:


Rua Castro Alves, 806 – ap. 31 – CEP 01532-000 – São Paulo – SP

A importância crescente das doenças cardiovasculares como principal causa de morbidade e


mortalidade é conhecida. A manifestação inicial da doença pode ser devastadora. O
conhecimento de alguns fatores de risco, que, quando presentes, tornam a pessoa mais
vulnerável à aquisição da doença, constitui os alicerces da profilaxia das doenças
cardiovasculares. O exame clínico é parte essencial do “check-up” cardiológico e aliado à
análise dos fatores de risco seleciona os exames complementares adequados. A partir do
exame clínico e dos fatores de risco presentes utiliza-se o modelo de previsão de eventos de
Framingham; para aqueles mais vulneráveis, adota-se uma atitude mais enérgica sobre os
fatores de risco, devendo, quando necessário, ser indicada terapêutica medicamentosa.

Palavras-chave: doenças cardiovasculares, exame clínico, fatores de risco, previsão de


eventos.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:127-37)


RSCESP (72594)-1606

INTRODUÇÃO soluto de óbitos por doenças cardiovasculares, o


que é, em parte, resultado do crescimento popula-
As doenças cardiovasculares se tornarão, em cional, e, em parte, decorrente da redução da mor-
breve, a principal causa de morte em todo o mun- talidade por outras causas, particularmente por
do.1 No Brasil, as doenças cardiovasculares repre- doenças infecciosas.2
sentam atualmente a causa principal de morte em O “check-up” cardiológico é um procedimen-
todas as capitais dos Estados e no Distrito Fede- to que permite fazer diagnóstico das condições mo-
ral. mentâneas de funcionamento do coração, além de
A mortalidade por doença cardiovascular deve avaliar a presença de risco para cardiopatia isquê-
ser medida pelo que ela representa proporcional- mica.
mente ao total de óbitos. Assim, no biênio 1980- Nos pacientes que apresentam risco elevado
1981, correspondeu a 33,3% do total de óbitos, para doença coronariana, a mudança enérgica do
enquanto no biênio 1999-2000 representou 34,8% estilo de vida e o controle rigoroso dos fatores de
dos óbitos. risco podem modificar o prognóstico da doença.
No biênio 1980-1981, o número de óbitos por Para justificar a procura de uma doença antes
doença cardiovascular foi de 190.743, passando
para 258.867 no biênio 1999-2000 (Tab. 1), ou seja,
da fase sintomática, algumas condições devem ser
satisfeitas: a doença a ser investigada deve ser
127
aumento de 35,7%. Houve aumento do número ab- importante, em relação tanto ao risco de morbida- RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
HERRMANN JLV
e col. Tabela 1. Mortes por doença cardiovascular no Brasil.
“Check-up”
cardiológico: 1980-1981 1999-2000
Doença n % n %
avaliação clínica
e fatores de risco Doença reumática crônica 1.521 0,8 1.869 0,7
Doença hipertensiva 12.830 6,7 22.917 8,9
Doença isquêmica do coração 53.486 28 77.540 30,0
Acidente vascular cerebral 63.154 33,1 84.082 32,5
Outras 59.752 31,3 72.459 28,0
Total 190.743 100 258.867 100,0

de e mortalidade como ao impacto sobre a quali- de determinados grupos de indivíduos assintomá-


dade de vida; o método empregado para seu diag- ticos previne a cardiopatia isquêmica.
nóstico deve ser eficaz; e, acima de tudo, o trata- O tratamento de pacientes assintomáticos com
mento precoce, na fase pré-sintomática da doen- comprometimento da contração ventricular sem-
ça, deve diminuir sua morbidade e mortalidade.3 pre mereceu muito descrédito por parte dos cardi-
As duas doenças cardiovasculares responsáveis ologistas.
pelo maior número de internações hospitalares e Com o objetivo de elucidar essa dúvida, paci-
de óbitos são a cardiopatia isquêmica e a insufici- entes assintomáticos com fração de ejeção igual
ência cardíaca. ou inferior a 0,35 foram randomizados para rece-
O “West of Scotland Coronary Prevention Stu- ber maleato de enalapril ou placebo. O objetivo
dy” (WOSCOPS” – Estudo de Prevenção Primá- era verificar se a droga poderia diminuir o núme-
ria) demonstrou que pacientes com hiperlipidemia ro de mortes ou o desenvolvimento de insuficiên-
moderada sem antecedente de infarto agudo do cia cardíaca. Após acompanhamento médio de 37,4
miocárdio, quando recebiam pravastatina, apresen- meses, o grupo que recebeu enalapril apresentou
tavam redução da incidência de infarto e de morte redução de 29% no objetivo composto (morte e
cardiovascular, quando comparados a pacientes nas insuficiência cardíaca). Em conclusão, em assin-
mesmas condições que não usaram estatina. tomáticos com disfunção sistólica ventricular, o
A pravastatina reduziu em 20% o nível de co- inibidor da enzima conversora da angiotensina
lesterol plasmático e em 26% o nível de coleste- (enalapril) reduziu significantemente a incidência
rol ligado à lipoproteína de baixa densidade (LDL- de insuficiência cardíaca. Houve também tendên-
colesterol). Acompanhando essa redução, foi ob- cia a menor número de mortes nesse grupo.6
servada diminuição de 31% na ocorrência de in- Como demonstrado até agora, a importância
farto agudo do miocárdio não-fatal ou morte car- do exame cardiológico preventivo periódico é
diovascular. enorme. Além das razões mencionadas, a doença
Em conclusão, em homens com hipercoleste- cardíaca pode ter como primeira apresentação
rolemia moderada, sem infarto agudo do miocár- morte súbita ou infarto agudo do miocárdio, even-
dio prévio, o tratamento com pravastatina redu- tos que podem ser acompanhados de grande mor-
ziu, de maneira significativa, a ocorrência de in- bidade. A detecção de indivíduos suscetíveis de
farto e de morte cardiovascular.4 serem vítimas desses eventos e a atuação enérgica
O “Air Force/Texas Coronary Atherosclerosis sobre os fatores de risco podem atenuar o número
Prevention Study” (AFCAPS/TexCAPS) analisou de casos.
os possíveis benefícios da prevenção primária, es- A doença isquêmica do coração é isoladamen-
tendida a homens e mulheres com níveis normais te a maior causa de morte de homens e mulheres
de LDL-colesterol e níveis baixos de colesterol nos Estados Unidos: 50% dos homens e 64% das
ligado à lipoproteína de alta densidade (HDL-co- mulheres vítimas de morte súbita não apresenta-
lesterol) submetidos a tratamento prolongado com vam sintomas prévios da doença. Entre 70% e 89%
20 mg/dia a 40 mg/dia de lovastatina. Após perío- das mortes cardíacas súbitas ocorrem em homens
do médio de 5,2 anos, o grupo tratado apresentou e a incidência anual é três a quatro vezes mais alta
redução do risco de evento coronariano agudo, sem em homens que em mulheres.7
produzir aumento do risco de morte não-cardio- O “check-up” cardiológico é composto do exa-
128 vascular ou câncer.5
Os dois estudos citados anteriormente demons-
me clínico, da investigação dos fatores de risco,
da solicitação de exames complementares basea-
RSCESP traram de maneira inequívoca que o tratamento dos nos dados encontrados nos dois primeiros, e
JUL/AGO/SET 2006
HERRMANN JLV
na recomendação de intervenções preventivas. emocional. Apresenta caráter de aperto ou quei- e col.
mação e dura em geral de 2 a 5 minutos, mas pode “Check-up”
EXAME CLÍNICO ter a duração de segundos ou estender-se por até
15 a 20 minutos. Pode ter outras localizações, além
cardiológico:
O exame clínico é composto de história clíni- de apresentar irradiação e melhora com o repouso avaliação clínica
ca e exame físico. ou com o uso de nitratos sublinguais. Outras afec- e fatores de risco
ções cardíacas e extracardíacas podem produzir
História clínica dor torácica, porém as características em geral são
A história clínica tem sido subestimada e sua diferentes.
realização muitas vezes é delegada, pelo cardio- A dispnéia é definida como a percepção de des-
logista, a um assistente, a uma técnica em enfer- conforto ou dificuldade para respirar. É um dos
magem ou a um questionário previamente prepa- principais sintomas das doenças cardíacas e pul-
rado e aplicado igualmente a todos os pacientes. monares. Quando ocasionada por cardiopatia, re-
Essa prática é desaconselhada, pois a anamnese sulta de congestão pulmonar secundária ao aumen-
diligente e interessada representa um elo impor- to da pressão de enchimento ventricular ou do átrio
tante na relação médico-paciente, que deve ser esquerdo. Em alguns portadores de insuficiência
amigável e impregnada de confiança bilateral. coronariana, principalmente idosos e diabéticos,
Estão bastante difundidas no universo da prá- o episódio de isquemia miocárdica se exterioriza
tica médica as diretrizes brasileiras e internacio- clinicamente por dispnéia sem dor precordial
nais, os consensos e as forças-tarefa, que padroni- (equivalente isquêmico).
zam o atendimento médico e preconizam a apli- A síncope, definida como perda de consciên-
cação prática da medicina baseada em evidências. cia, resulta, com freqüência, da redução abrupta
Estudantes, estagiários, residentes, pós-gradu- da perfusão cerebral. Pode decorrer de bloqueio
andos e médicos fazem uso de recursos de infor- atrioventricular (Stokes-Adams), de taquicardia
mática que lhes permitem acesso instantâneo a bi- ventricular e de obstrução da via de saída do ven-
blioteca médica atualizada. trículo esquerdo (estenose aórtica ou cardiomio-
As diretrizes têm como preocupação principal patia hipertrófica). A anamnese é muito importante
o tratamento, usando, via de regra, alguns resulta- para diagnosticar a causa da síncope, inclusive para
dos de exames para orientar as diversas opções excluir episódio convulsivo.
terapêuticas. Assim, por exemplo, na síndrome Os outros achados são menos comuns, porém
coronariana aguda, o resultado eletrocardiográfi- devem ser interrogados.
co norteia as diferentes opções terapêuticas. O interrogatório complementar, parte impor-
O atendimento ambulatorial de especialidade tante da história clínica no “check-up” cardioló-
no sistema público é precário, de tal maneira que gico, compreende os seguintes itens:
os pacientes cardiopatas são atendidos com fre- – Hábitos e antecedentes epidemiológicos: local
qüência nos serviços de emergência. Os socorris- de nascimento – se é zona rural ou urbana; tipo
tas, pela necessidade de decisões imediatas, são de moradia – se pode haver epidemiologia po-
objetivos no atendimento, fazendo anamnese cur- sitiva para doença de Chagas; tabagismo – não-
ta e dirigida e um exame físico rápido. Essa con- fumante, ex-fumante ou fumante (em caso po-
juntura assistencial faz com que o exame clínico sitivo, número de cigarros e há quanto tempo
seja desvalorizado. A subutilização costumeira da faz uso da droga); uso de drogas mais pesadas
história clínica faz com que o médico comece a – como, por exemplo, cocaína; hábito alcoóli-
perder a técnica para sua realização. co – com informação sobre quantidade e tipo
Cada médico, em geral, desenvolve sua pró- ingeridos, diariamente ou semanalmente.
pria técnica de anamnese, permitindo aos pacien- – Antecedentes pessoais: é parte importante da
tes a exposição espontânea de seus problemas, anamnese, particularmente doenças pregressas
para, a seguir, com perguntas pertinentes, apro- que podem ter relação com eventuais afecções
fundar as características de suas queixas. As quei- cardíacas futuras.
xas mais comuns na anamnese cardiológica são – Fatores de risco de aterosclerose: questionar
dor torácica, dispnéia, síncope, edema, palpitação, sobre a presença de diabetes e hipertensão ar-
tosse, cianose e dor abdominal. terial, sobre a realização de exames periódi-
A dor torácica é o sintoma mais importante da cos, e sobre os valores da pressão arterial – se
cardiopatia isquêmica. A dor anginosa possui ca- já fez uso de hipotensores. Questionar também:
racterísticas bem definidas, que, quando investi- conhecimento dos valores dos lípides plasmá-
gadas cuidadosamente, permitem o diagnóstico.
Localiza-se na região precordial ou retroesternal
ticos, inatividade física, atividade profissional,
nível de estresse compatível com o desempe-
129
e é desencadeada por esforço físico ou estresse nho da atividade profissional, e presença de RSCESP
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HERRMANN JLV
e col. obesidade e de síndrome metabólica. um parâmetro que pode prever um evento cardio-
“Check-up” – História familiar: interrogar sobre manifestações vascular futuro. O importante a respeito de um
de cardiopatias em familiares – existência de fator de risco é sua capacidade preditiva, a facili-
cardiológico: cardiopatias congênitas em familiares (é co- dade de obtê-lo e o custo para sua obtenção.
avaliação clínica nhecida a incidência familiar da comunicação Os fatores de risco para doença coronária são
e fatores de risco interatrial). Sabe-se que a complicação mais classificados em tratáveis e não-tratáveis. Os tra-
temível da cardiomiopatia hipertrófica é a táveis compreendem: tabagismo, hipertensão ar-
morte súbita. Dois fatores são considerados de terial sistêmica, LDL-colesterol alto, HDL-coles-
risco para esse evento: aparecimento da doen- terol baixo, e diabetes melito. Os não-tratáveis
ça na juventude e antecedente de morte súbita compreendem: sexo masculino, sexo feminino
em parente jovem de primeiro grau. As infor- após a menopausa, história familiar de doença ate-
mações sobre antecedentes familiares e seus rosclerótica prematura em parentes de primeiro
fatores de risco devem ser habitualmente mais grau (homem < 55 anos; mulher < 65 anos), e ida-
detalhadas: valores do colesterol plasmático, de (homem > 45 anos; mulher > 55 anos).
existência de diabetes, hipertensão arterial e A estimativa do risco cardiovascular em paci-
outras manifestações ateroscleróticas nos pa- entes sem cardiopatia conhecida é ferramenta im-
rentes, e existência de outros casos de cardio- portante na avaliação de pacientes assintomáticos,
patia isquêmica na família. São mais impor- definindo estratégia para abordagem diagnóstica
tantes as doenças que acometem os parentes nessa população e possível implementação de
de primeiro grau, principalmente homens com medidas terapêuticas e mudança de estilo de vida.
menos de 55 anos de idade e mulheres com Sabe-se que 90% dos pacientes com doença ate-
menos de 65 anos. rosclerótica apresentam pelo menos um fator de
risco para essa condição, e a associação de um ou
Exame físico mais fatores tem efeito aditivo. Por outro lado, a
Deve ser dividido em exame geral, exame car- presença de doença aterosclerótica é muito me-
diovascular e pesquisa de outras manifestações de nos freqüente em pacientes sem fatores de risco.9
doença aterosclerótica. O escore de risco de Framingham (Tab. 2) é
O exame geral é feito como em todo paciente, um dos mais antigos e mais utilizados na prática
com análise de cabeça-pescoço, tórax e abdômen. médica. Incorpora variáveis como idade, sexo, ní-
Devem ser preocupação de todo cardiologista o veis de colesterol, pressão arterial, tabagismo e
peso e a altura do paciente, para estimativa do ín- presença de diabetes no cálculo estimado do risco
dice de massa corporal e da medida da cintura ab- de desenvolvimento de doença coronária ateros-
dominal. clerótica em 10 anos. Uma revisão desse escore
O exame cardiovascular inicia-se com a deter- pelo “National Cholesterol Education Program
minação da pressão e do pulso. A seguir, deve ser Expert Panel on Detection, Evaluation, and Treat-
realizado exame do sistema cardiovascular, com ment of High Blood Cholesterol in Adults” reco-
palpação do icto, pesquisa de frêmitos e ausculta mendou a retirada do diabetes do escore e elevou
cardíaca, para detecção de sopros, arritmias e pre- sua condição a equivalente de doença coronária.
sença de 3a e 4a bulhas, estalidos de abertura de Com base na presença desses fatores, os indi-
valvas ou estalido mesossistólico característico de víduos são classificados em:
prolapso da valva mitral. a) baixo risco (< 10% de incidência de doença
O exame de outras manifestações de ateros- coronária em 10 anos);
clerose deve ser uma preocupação do “check-up” b) risco intermediário (10% a 20% de incidên-
cardiológico, compreendendo: características do cia de doença coronária em 10 anos);
pulso arterial, endurecimento das artérias, presença c) risco elevado (> 20% de incidência de do-
de xantelasma e xantomas, sopro carotídeo, pul- ença coronária em 10 anos).
sos palpáveis nas artérias dos membros inferiores Outros escores de risco existem e foram de-
e palpação da aorta abdominal para diagnóstico senvolvidos com o propósito de melhorar sua acu-
de aneurisma da aorta abdominal. rácia e, especialmente, para ser aplicados em de-
terminadas populações.
FATORES DE RISCO A despeito de suas limitações, sabe-se que a
implementação de medidas agressivas para con-
Em relato sobre o estudo de Framingham, Kan- trole dos fatores de risco tem importante impacto
nel e colaboradores usaram pela primeira vez o prognóstico.
130 termo “fator de risco” associado ao aparecimento
da cardiopatia isquêmica.8 Tabagismo
RSCESP O termo fator de risco geralmente aplica-se a Vários são os estudos que relacionam o taba-
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gismo ao aumento da incidência de doença vascu- Inatividade física e col.
lar aterosclerótica, nos quais observa-se risco re- Estudos observacionais demonstram relação “Check-up”
lativo de morte por doença coronária de 1,7.10 inversa entre nível de atividade física e risco de
Muitas são as evidências de que o abandono do doença coronária, e ainda parece haver um gradi-
cardiológico:
hábito de fumar tem efeito contrário, diminuindo ente no qual quanto maior o nível de atividade fí- avaliação clínica
o risco pela metade após um ano, e caindo a ní- sica menor esse risco. No que tange à prevenção e fatores de risco
veis próximos aos dos não-fumantes após vários primária, deve-se recomendar um mínimo de 20
anos sem fumar.11, 12 Por tudo isso os tabagistas minutos de atividade física, como caminhar, de
deveriam ser incentivados a abandonar esse vício. quatro a seis vezes por semana. A realização de
uma prova isquêmica, como o teste ergométrico,
Hipertensão arterial sistêmica deve ser recomendada para todos os sedentários
É importante fator de risco para doença coro- que planejam se engajar em uma atividade física
nária, para doença cerebrovascular e para insufi- mais vigorosa.17
ciência cardíaca. A hipertensão tanto sistólica
como diastólica contribui para esse aumento de Obesidade
incidência. Vários são os estudos que demonstram Está associada a vários dos fatores relaciona-
o benefício da redução da pressão arterial na di- dos à doença cardiovascular, como hipercoleste-
minuição de eventos cerebrovasculares e na inci- rolemia, resistência à insulina, baixos níveis de
dência de insuficiência cardíaca.13 O benefício com HDL-colesterol e hipertrigliceridemia, entre ou-
relação à diminuição de eventos coronários não é tros. Segundo o estudo de Framingham, existe as-
tão claro.14 sociação positiva entre peso ponderal e presença
Segundo as recomendações do “Seventh Re- de coronariopatia, assim como sua distribuição,
port of the Joint National Committee on Preventi- estando os pacientes com obesidade predominan-
on, Detection, Evaluation, and Treatment of High temente abdominal com o maior risco.18, 19
Blood Pressure” (JNC 7), a terapêutica da hiper- A presença de obesidade também eleva o risco
tensão arterial deve levar em conta os níveis pres- de insuficiência cardíaca e de acidente vascular ce-
sóricos e a presença de outros fatores de risco. rebral. Todos os indivíduos obesos devem ser escla-
Mesmo pacientes com hipertensão arterial leve e recidos quanto aos benefícios da redução de peso.
sem outros fatores de risco se beneficiam da nor-
malização da pressão arterial.14 Diabetes melito
A introdução do tratamento farmacológi- É importante fator de risco para o desenvolvi-
co deve ser uma continuidade das medidas mento de coronariopatia e doença oclusiva cere-
não-farmacológicas de controle da hiperten- brovascular. No entanto, se o controle glicêmico
são arterial. rigoroso parece ser importante na diminuição das
Perda de peso e estímulo à atividade física re- microangiopatias, o mesmo não parece ser tão
gular devem ser as recomendações iniciais na abor- óbvio com relação às macroangiopatias, como
dagem de todo paciente hipertenso. angina instável, infarto do miocárdio e acidente
Pacientes considerados portadores de pressão vascular cerebral.
normal a elevada com diabetes melito ou presen- Por outro lado, o controle de outros fatores de
ça de lesão em órgão-alvo devem ser considera- risco, como hipertensão arterial, dislipidemia e ta-
dos para tratamento farmacológico, dando-se pre- bagismo, a perda de peso e o consumo diário de
ferência aos inibidores da enzima de conversão da baixas doses de ácido acetilsalicílico em pacien-
angiotensina ou aos bloqueadores dos receptores tes diabéticos parecem ter grande influência so-
da angiotensina II. bre a redução da mortalidade cardiovascular.20, 21

Dislipidemia SÍNDROME METABÓLICA


Vários são os estudos que demonstram que a
redução dos níveis de colesterol é benéfica na pre- Reaven, em 1988, introduziu o conceito de sín-
venção primária da doença aterosclerótica. O es- drome X, que atualmente passou a ser chamada
tudo WOSCOPS demonstrou diminuição de even- de síndrome metabólica.
tos cardiovasculares em homens de meia-idade A síndrome metabólica, cuja prevalência é es-
tratados com estatinas e que apresentavam LDL- timada em 20% a 25% da população geral, au-
colesterol médio de 155 mg/dl.4 Vários outros es- menta com o avançar da idade, chegando a 42%
tudos demonstraram o mesmo achado, como o em indivíduos com mais de 60 anos de idade.22
AFCAPS/TexCAPS e o “Anglo-Scandinavian Car-
diac Outcomes Trial-Lipid Lowering Arm” (AS-
A gordura visceral é avaliada pela medida da
circunferência da cintura, e é o método mais usa-
131
COT-LLA).15, 16 do na literatura para avaliar adiposidade visceral. RSCESP
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e col. Tabela 2. Escore de risco de Framingham.
“Check-up”
cardiológico: Idade H M
avaliação clínica
20-34 -9 -7
e fatores de risco
35-39 -4 -3
40-44 0 0
45-49 3 3
50-54 6 6
55-59 8 8
60-64 10 10
65-69 11 12
70-74 12 14
75-79 13 16

Idade
Colesterol 20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
total (mg/dl) H M H M H M H M H M

< 160 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
160-199 4 4 3 3 2 3 1 1 0 1
200-239 7 8 5 6 3 6 1 2 0 1
240-279 9 11 6 8 4 8 2 3 1 2
> 280 11 13 8 10 5 10 3 4 1 2

Idade
20-39 40-49 50-59 60-69 70-79
Cigarros H M H M H M H M H M

Não 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0
Sim 8 9 5 7 3 4 1 2 1 1

HDL-colesterol
(mg/dl) H M

> 60 -1 -1
50-59 0 0
40-49 1 1
< 40 2 2
H = homens; M = mulheres.
continua na página seguinte

Valores acima de 88 cm para mulheres e de 102 parte dos critérios utilizados para o diagnóstico
cm para homens estão associados à presença de de síndrome metabólica, analisando mais profun-
risco cardiovascular muito aumentado.23 Esses damente as alterações lipídicas nos estados de re-
valores integram os critérios do “National Cho- sistência à insulina observa-se aumento do núme-
lesterol Education Program” (NCEP-ATPIII). ro de partículas pequenas e densas dessa lipopro-
Diversos fatores agrupados sob o denomina- teína, reconhecidamente mais aterogênicas que as
dor comum de resistência à insulina são compo- partículas maiores.24
nentes dessa síndrome: obesidade visceral, into-
132 lerância à glicose, hipertensão arterial sistêmica,
hipertrigliceridemia, e níveis baixos de HDL.
ASPIRINA

RSCESP Embora o valor do LDL-colesterol não faça Vários são os estudos que demonstram o be-
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Tabela 2. Escore de risco de Framingham (continuação). e col.
“Check-up”
Pressão arterial Não-tratada Tratada cardiológico:
sistólica (mmHg) H M H M avaliação clínica
e fatores de risco
< 120 0 0 0 0
120-129 0 1 1 3
130-139 1 2 2 4
140-159 1 3 2 5
> 160 2 4 3 6

Total Risco absoluto – 10 anos (%)


de pontos H M

<0 <1
0 1
1 1
2 1
3 1
4 1
5 2
6 2
7 3
8 4 <1
9 5 1
10 6 1
11 8 1
12 10 1
13 12 2
14 16 2
15 20 3
16 25 4
17 > 30 5
18 6
19 8
20 11
21 14
22 17
23 22
24 27
> 25 > 30

H = homens; M = mulheres.

nefício da aspirina na prevenção de eventos vas- ta para indivíduos que apresentem risco de evento
culares coronários. A redução de eventos vascula- cardiovascular superior a 10% em 10 anos.25, 26 A
res cerebrais é menos consistente e o efeito prote- dose recomendada varia entre 75 mg e 160 mg
tor parece ser mais claro em homens que em mu- por dia.
lheres. Outro ponto a ser levado em conta é que o
benefício deve superar as possíveis complicações, TESTES NÃO-INVASIVOS PARA
como o risco de sangramento. AVALIAÇÃO DE ISQUEMIA SILENCIOSA
Por esse motivo, devem ser identificados indi-
víduos com risco suficiente para que se justifique
seu emprego. Em geral, as principais sociedades
Eletrocardiografia de esforço
Poucos são os dados a respeito desse exame
133
médicas recomendam que a aspirina seja prescri- em pacientes assintomáticos. Apenas a positivi- RSCESP
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e col. dade desse teste com carga baixa teria valor prog- risco, são recomendados os exames complemen-
“Check-up” nóstico relevante, eventualidade bastante rara nessa tares necessários.
população. Sua realização nesse subgrupo parece Quando há suspeita de cardiopatia solicita-se
cardiológico: só ser justificável na presença de pelo menos um o exame apropriado. A eletrocardiografia faz par-
avaliação clínica fator de risco para coronariopatia.27, 28 te da avaliação cardiológica inicial.
e fatores de risco Caso haja suspeita de valvopatia, insuficiên-
Ecocardiografia com estresse (farmacológico cia cardíaca ou cardiomiopatia, a ecocardiografia
ou esforço) é o exame que mais pode auxiliar o cardiologista.
Baseia-se na premissa de que a isquemia mio- Quando a queixa é de arritmia, o Holter de 24
cárdica induz alteração da contratilidade miocár- horas auxilia no diagnóstico do tipo de arritmia.
dica. Não existem dados que justifiquem seu em- Finalmente, quando há suspeita de cardiopatia
prego em indivíduos assintomáticos de risco bai- isquêmica, a ergometria e os testes não-invasivos
xo ou de risco intermediário. Pode ter algum va- de imagem são os recomendados.
lor em pacientes do sexo feminino e idosos (> 75 A maior parte dos pacientes submetidos a “check-
anos) com risco intermediário.29 up” cardiológico não apresenta evidências de doen-
ça cardíaca estrutural. É para esse grupo que a
Cintilografia miocárdica de perfusão conduta é mais controversa.
(farmacológico ou esforço) Em pacientes assintomáticos de baixo risco
Seu emprego parece não ser justificado em pa- para doença coronariana (< 10% de doença co-
cientes de baixo risco. Da mesma forma que a eco- ronária em 10 anos), o teste ergométrico positi-
cardiografia com estresse, pode ter alguma utili- vo tem grande possibilidade de ser um falso
dade em mulheres na menopausa e idosos (> 75 positivo, levando a condutas inadequadas, como
anos) de risco intermediário.30 menor investigação e exposição do paciente a
exames invasivos, que se acompanham da pos-
Monitorização ambulatorial da sibilidade de complicações, podendo acarretar
eletrocardiografia estigma psicológico e conduzir a tratamentos
É recomendação classe III (não deve ser indi- desnecessários.
cada) para pacientes assintomáticos na tentativa No extremo oposto, a rigidez na indicação de
de estimar o risco de eventos maiores, como in- exames pode não detectar o portador de obstrução
farto agudo do miocárdio ou morte súbita, por não grave, cuja primeira manifestação pode ser a mor-
fornecer informação prognóstica.31 te súbita.
Os diabéticos constituem um grupo particular-
Tomografia por emissão de pósitrons mente importante. Considerando a elevada inci-
Além de procedimento diagnóstico de alto cus- dência de doença cardiovascular como causa de
to, não oferece vantagem sobre outros testes mais óbito (75%) e a freqüência e a importância da is-
simples, como eletrocardiografia de esforço.32 quemia silenciosa nos diabéticos, a investigação
de assintomáticos é desafiadora.
Avaliação do escore de cálcio O estudo “Detecção de Isquemia em Pacientes
A presença de calcificação coronária é exce- Diabéticos Assintomáticos” (DIAD) relatou ima-
lente marcador da presença de processo ateroscle- gens de perfusão miocárdica alteradas em 16% dos
rótico e pode ser detectada com precisão pela to- pacientes, porém apenas 1% apresentavam defei-
mografia helicoidal. No entanto, não existem da- to grande.33
dos de longo prazo determinando a utilidade de Outros estudos não apresentaram dados tão be-
sua detecção e o desenvolvimento de eventos co- nignos em assintomáticos. A síndrome metabóli-
ronários. A presença de baixo escore de cálcio está ca é outra condição que parece acarretar grande
ligada a baixa probabilidade de eventos coronári- risco cardiovascular.
os. A abordagem dos assintomáticos nessas duas
situações ainda não é satisfatória e constitui moti-
Proteína C-reativa ultra-sensível vo de grande controvérsia.
Marcador sanguíneo com alta sensibilidade na A utilização de exames não-invasivos que de-
detecção de processos inflamatórios, em especial tectam isquemia miocárdica deve ser mais liberal
a inflamação vascular. Pode ter valor na detecção nessas duas situações. O resultado do teste isquê-
de eventos coronários futuros. mico indicativo de mau prognóstico deve ser acom-
panhado da cinecoronariografia.
134 CONSIDERAÇÕES FINAIS No “check-up” cardiológico, a arte médica con-
siste no encontro do equilíbrio que traga seguran-
RSCESP Com base no exame clínico e nos fatores de ça ao paciente e tranqüilidade ao médico.
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HERRMANN JLV
e col.
HEART CHECK-UP: CLINICAL EXAMINATION “Check-up”
AND RISK FACTORS cardiológico:
avaliação clínica
e fatores de risco

JOÃO LOURENÇO VILLARI HERRMANN


JOSÉ AUGUSTO MARCONDES DE SOUZA

The increasing importance of heart diseases as a major factor for morbidity and mortality is
well known. The onset of the disease may be devastating. The knowledge of the risk
factors presented by some patients is the basis for prophylaxis of heart diseases. Clinical
examination is essential to heart check-up and together with risk factors for coronary
atherosclerosis analysis, suggest suitable additional examination. Through clinical
examination and presented risk factors, we’ve used the Framingham risk model and for
those patients more vulnerable, strong measures on the risk factors and medication
when necessary.

Key words: heart disease, clinical examination, risk factors, event prediction.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:127-37)


RSCESP (72594)-1606

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cardiológico:
dial perfusion abnormalities by positron emis- asymptomatic diabetic subjects: The Diad Stu-
sion tomography after long-term, intense risk dy. Diab Care. 2004;27:1954-61.
avaliação clínica
e fatores de risco

137
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
ELETROCARDIOGRAFIA E TESTE ERGOMÉTRICO
teste ergométrico NO “CHECK-UP” CARDIOLÓGICO
no “check-up”
cardiológico

LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA


JOÃO MANOEL ROSSI
SUSIMEIRE BUGLIA

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP

Não existe estudo epidemiológico, até o momento, avaliando diretamente quando a


eletrocardiografia deveria ser usada como ferramenta de triagem para doenças
cardiovasculares em grandes populações. Em jovens atletas e pacientes de alto risco ou com
suspeita de cardiopatia, porém, a eletrocardiografia deve ser parte integrante da avaliação
inicial. O teste ergométrico em pacientes assintomáticos não encontra aceitação consensual
e tem relação custo-efetividade questionável. No entanto, diretrizes destacam o sugestivo
valor da ergometria em pacientes diabéticos que planejam se exercitar, em pacientes com
múltiplos fatores de risco que necessitam orientação médica para a prevenção secundária,
em homens com mais de 45 anos de idade e em mulheres com idade superior a 55 anos que
pretendem iniciar programa de atividades físicas intensas, e naqueles envolvidos em
ocupações de alto risco e que envolvam a coletividade ou com elevado risco para doença
arterial coronária em decorrência de co-morbidades como insuficiência renal crônica e
doença vascular periférica. Adicionalmente ao conhecimento das limitações da análise do
infradesnível do segmento ST à população assintomática, variáveis não-eletrocardiográficas
aplicadas nessa população têm sido incorporadas e comprobatórias na valorização
prognóstica dos testes de esforço, como: a) capacidade funcional; b) incapacidade de a
freqüência cardíaca elevar-se normalmente durante o exercício ou incompetência
cronotrópica; c) retorno ou recuperação lenta da freqüência cardíaca após a interrupção do
esforço; e d) arritmia ventricular na fase de recuperação do teste ergométrico. Com o
objetivo de detecção e tratamento da aterosclerose subclínica, recentemente tem-se levado
em consideração a avaliação de pacientes assintomáticos com métodos de imagem e a
inclusão do teste ergométrico como parte desse processo de triagem nos homens de 45 a 75
anos e nas mulheres de 55 a 75 anos.

Palavras-chave: eletrocardiografia, teste ergométrico, assintomáticos, triagem.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:138-53)


RSCESP (72594)-1607

INTRODUÇÃO mes de rotina, antes de procedimentos cirúrgicos


138 Tem sido considerada normal a prática comum
e em admissões hospitalares de pacientes sem evi-
dências de doença cardíaca e sem fatores de risco
RSCESP de incluir a eletrocardiografia como parte de exa- maiores. Esses exames podem ser importantes na
JUL/AGO/SET 2006
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detecção de anormalidades desconhecidas, apre- Ressalta-se, finalmente, a ampla variedade de e cols.
sentando valor para eventos cardiovasculares fu- situações para a aplicação da eletrocardiografia,
Eletrocardiografia e
turos, prestando-se também à análise evolutiva considerando-se sua simplicidade de realização e
quando traçados anteriores são disponíveis1. Não baixo custo, embora sempre deva ser dependente teste ergométrico
há evidências científicas comprobatórias de tal da avaliação conjunta pelo médico, baseada em no “check-up”
prática, e a sensibilidade da eletrocardiografia clás- dados como idade, sexo, história clínica e exame cardiológico
sica de 12 derivações para identificar doentes com físico.
afecções específicas que desencadearão eventos
ou que sofrerão modificações diagnósticas e tera- TESTE ERGOMÉTRICO
pêuticas é habitualmente limitada e não poderia
reforçar a aplicação universal do método como Entre os portadores de doença arterial coroná-
triagem2-4. Em diretriz recente publicada5 objeti- ria, principal causa de morte nos países desenvol-
vando a avaliação de atletas jovens, destaca-se a vidos e em crescente e alarmante freqüência nos
necessidade da pré-participação médica na libe- países em desenvolvimento, muitos dos que apre-
ração para atividades esportivas competitivas, ten- sentam implicações prognósticas importantes são
do como base: a) eficácia comprovada da triagem assintomáticos7. No entanto, a investigação clíni-
sistemática pela eletrocardiografia de 12 deriva- ca complementar por provas não-invasivas nesse
ções (associada à história e ao exame físico) para grupo de indivíduos não encontra aceitação con-
identificar hipertrofia ventricular e cardiomiopa- sensual e de relação custo-efetividade questioná-
tia, principais causas de morte súbita relacionada vel, existindo recomendações recentes contrárias
ao esporte; e b) potencial de triagem na detecção à aplicação dos testes de esforço como ferramenta
de outras doenças cardiovasculares letais associa- de “screening”8. Entre as evidências para a justifi-
das a anormalidades do eletrocardiograma. cativa de tais posturas ressaltam-se as limitações
Da mesma forma, a realização da eletrocardi- das alterações do segmento ST desencadeadas
ografia na rotina pré-operatória de cirurgias de pe- durante e após o esforço para o diagnóstico de
queno porte é questionável, considerando-se o doença arterial coronária, especialmente em mu-
menor poder de estratificação de risco e a peque- lheres, resultando em investigação e tratamentos
na chance de adequações decorrentes nos proce- considerados não apropriados (classe III de indi-
dimentos pré, intra e pós-operatórios. Nessas si- cação)7. Adicionalmente, a ausência de estudos
tuações, a indicação torna-se vinculada mais ao randomizados com número elevado de adultos
julgamento clínico que baseada em diretrizes mé- assintomáticos, na tentativa de demonstrar bene-
dicas ou protocolos estabelecidos. Por outro lado, fícios clínicos da aplicação de tais provas, reforça
quando na presença de doença cardíaca conheci- as recomendações, além do conhecimento de que
da, há indicação formal para seu emprego como fatores metodológicos como modificações da in-
parte do exame clínico inicial, após terapêutica que terpretação do segmento ST, análise de outras va-
produza modificações eletrocardiográficas que riáveis e avaliação preferencial prognóstica pos-
estejam relacionadas aos efeitos do tratamento, à sam ter subestimado o poder prognóstico dos tes-
progressão da doença ou a efeitos adversos. Adi- tes de “check-up”9. No entanto, diretrizes desta-
cionalmente, é apropriada no seguimento de mo- cam o sugestivo valor da ergometria em diabéti-
dificações dos sinais ou sintomas ou, ainda, dian- cos assintomáticos que planejam se exercitar (clas-
te de achados laboratoriais pertinentes, por vezes se IIa), em pacientes com múltiplos fatores de ris-
mesmo sem alterações clínicas. Em pacientes con- co que necessitam orientação médica para a pre-
siderados de alto risco ou com suspeita de cardio- venção secundária (classe IIb), em homens com
patia, a eletrocardiografia encontra também apli- mais de 45 anos e mulheres com idade superior a
cação consensual, sendo integrante da avaliação 55 anos que pretendem iniciar programa de ativi-
inicial6. Nesse contexto, incluem-se, além dos por- dades físicas intensas, naqueles envolvidos em
tadores de fatores de risco como tabagismo, dia- ocupações de alto risco e que envolvam a coletivi-
betes, doença vascular periférica, hipertensão ar- dade ou com elevado risco para doença arterial
terial, história familiar de doença cardíaca (sín- coronária em decorrência de co-morbidades como
drome do QT longo, pré-excitação, etc.) ou de insuficiência renal crônica e doença vascular pe-
morte súbita prematura de causa desconhecida, os riférica (classe IIb), entre outros10. Estudos recen-
pacientes em uso de medicações cardíacas espe- tes11 recomendam que indivíduos classificados
cíficas, durante “follow-up” de eventos clínicos como de baixo risco de eventos após avaliação
ou em intervalos prolongados (habitualmente global de risco cardiovascular pelo escore de Fra-
iguais ou superiores a um ano), e diante de estabi-
lidade clínica como pré-operatório de intervenções
mingham ou chance inferior a 0,6% por ano não
necessitam avaliação complementar, ao passo que
139
maiores, etc. aqueles com possibilidade estabelecida superior a RSCESP
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e cols. 2% demandam investigação e tratamento agressi- nhecidos os resultados do teste aplicado. Pode-se,
vo12, 13. Para as avaliações intermediárias de risco, ainda, estabelecer a máxima eficiência do teste de
Eletrocardiografia e
entre 0,6% e 2,0% de chance de eventos no segui- esforço em indivíduos com probabilidade inter-
teste ergométrico mento de um ano, provas como eletrocardiografia mediária de doença, beneficiados de modo mais
no “check-up” de esforço, ultra-som de carótida, detecção de cál- apropriado e após reavaliação clínica das provas
cardiológico cio nas coronárias e índice tornozelo-braquial (ra- associadas à cintilografia miocárdica de perfusão19-21.
zão entre a maior pressão obtida por técnica de Tais populações incluem também indivíduos as-
Doppler em artérias tibiais posteriores ou pedio- sintomáticos com teste de esforço “isquêmicos”,
sas e artéria braquial) destacaram-se como de va- com dois ou mais fatores de risco considerados
lor incremental nessas populações11. maiores, como, por exemplo, diabetes e hiperco-
lesterolemia. Outros métodos de medida de pro-
ANÁLISE BAYESIANA E MULTIVARIADA babilidade pré-teste de doença também têm sido
NA INTERPRETAÇÃO DOS RESULTADOS descritos, incorporando dados como idade, sexo e
DO TESTE ERGOMÉTRICO fatores de risco22.
Torna-se, portanto, dedutiva a informação de
A capacidade diagnóstica de um teste de es- que nenhum teste diagnóstico é perfeitamente sen-
forço é relacionada ao tipo de população selecio- sível e/ou específico, de que os resultados são afe-
nada, podendo-se criar vícios ou vieses, como, por tados pela probabilidade pré-teste de doença, e de
exemplo, quando seletivamente se encaminham que a interpretação das alterações de ST/T deve
pacientes com resultados “positivos”, “alterados” ser feita à luz da análise multifatorial, combinan-
ou “isquêmicos” para estudo cinecoronariográfi- do respostas clínicas e hemodinâmicas. Além de
co, o que poderá diminuir a especificidade ou a melhora da acurácia diagnóstica, nitidamente adi-
capacidade do método em selecionar os indivídu- ciona valor prognóstico à prova23 que resgata, de
os sadios de uma população (aumentará a chance modo racional, o teste de esforço dentro de algo-
de ser um falso positivo)14, 15. Por outro lado, a es- ritmos de decisão clínica24, 25. No entanto, na prá-
pecificidade será extremamente elevada se a po- tica, faz-se mister o conhecimento de que a sensi-
pulação caracterizar-se por mínima probabilidade bilidade e a especificidade de vários testes diag-
pré-teste de doença ou, ao contrário, a sensibili- nósticos variam entre os diferentes centros, sob a
dade será expressivamente elevada naqueles en- influência de fatores como população analisada,
caminhados com alta prevalência de sintomas. Em controle de qualidade, técnica empregada, experi-
estudo que incluiu 814 pacientes com história de ência e conhecimento médicos. Adicionalmente,
dor torácica, os quais concordaram com a realiza- as limitações da cineangiografia coronária como
ção de teste ergométrico e cinecoronariografia de padrão de comparação tornam claras as possibili-
modo independente dos resultados e conseqüen- dades da prova e otimizam a análise dos resulta-
temente com redução de vieses metodológicos, dos (Tab. 3).
foram evidenciadas menor sensibilidade e maior Finalmente, além da análise bayesiana, as téc-
especificidade (45% e 84%, respectivamente)16, nicas estatísticas que empregam a análise multi-
comparativamente a publicações prévias. Adicio- variada para a estimativa de risco pós-teste tam-
nalmente observou-se que a análise computadori- bém podem fornecer informações diagnósticas de
zada do segmento ST foi similar à análise visual importância, com a vantagem de não requerer que
para a caracterização de isquemia, e o emprego de os testes sejam independentes entre si ou que os
equações incorporando variáveis não-eletrocardi- índices diagnósticos (sensibilidade e especificida-
ográficas aumentou o poder diagnóstico. Reafir- de) sejam mantidos constantes em populações com
ma-se, portanto, a importante participação do teo- diferentes prevalências de doença26.
rema de probabilidades condicionais ou de Bayes,
segundo o qual um teste diagnóstico não pode ser PARTICIPAÇÃO DO TESTE ERGOMÉTRICO
adequadamente interpretado sem a referência da NO PROCESSO DE DECISÃO CLÍNICA
prevalência da doença na população avaliada, es-
tabelecendo-se que a probabilidade pós-teste é fun- Considerando-se as evidências disponíveis na
ção também, além da prevalência pré-teste, da sen- literatura, as publicações que documentam a acu-
sibilidade e da especificidade. A partir da demons- rácia diagnóstica do teste ergométrico para doen-
tração da prevalência angiográfica de coronario- ça arterial coronária incluem, de modo predomi-
patia aterosclerótica obstrutiva em estudo clássi- nante, estudos de meta-análise27, naturalmente não
co de 4.952 pacientes17, 18, demonstrou-se que a isentos de vícios ou vieses28. Esses estudos, em-
140 probabilidade pré-teste pode ser determinada a
partir da idade, do sexo e dos sintomas (Tabs. 1 e
bora evidenciando larga variabilidade de resulta-
dos, quando reunidos englobam uma população
RSCESP 2) e utilizada no manuseio clínico depois de co- de 24.074 indivíduos (147 trabalhos), submetidos
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a testes ergométricos e cinecoronariografia, tor- apropriado, as exigências para se analisar testes e cols.
nando os resultados de credibilidade aceitável na diagnósticos, a sensibilidade média foi de 67% e
Eletrocardiografia e
tomada de decisão. A sensibilidade foi de 68%, a especificidade, de 72%. Também devem estar
com variação de 23% a 100% (desvio padrão de incluídos, na análise dos resultados, fatores que teste ergométrico
16%), e a especificidade foi de 77%, com varia- interferem no desempenho dos testes diagnósti- no “check-up”
ção de 17% a 100% (desvio padrão de 17%). Cum- cos, como utilização de fármacos (digital e beta- cardiológico
pre ressaltar que quando são excluídos pacientes bloqueadores), presença de hipertrofia ventricu-
com infarto prévio, respeitando-se, de modo mais lar esquerda, alterações eletrocardiográficas de ST/

Tabela 1. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor
torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo masculino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%;
baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.

Dor Dor atípica/


Idade Assintomáticos incaracterística provável angina Angina

30-39 Mínima Baixa Intermediária Intermediária


40-49 Baixa Intermediária Intermediária Elevada
50-59 Baixa Intermediária Intermediária Elevada
60-69 Baixa Intermediária Intermediária Elevada

Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilida-
de clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)

Tabela 2. Classificação da probabilidade pré-teste de doença coronária aterosclerótica, considerando-se sintomas (dor
torácica), sexo e idade em indivíduos do sexo feminino. Prevalência de doença coronária aterosclerótica: mínima, < 5%;
baixa, < 10%; intermediária, entre 10% e 90%; e elevada, > 90%.

Dor Dor atípica/


Idade Assintomáticos incaracterística provável angina Angina

30-39 Mínima Mínima Mínima Intermediária


40-49 Mínima Mínima Baixa Intermediária
50-59 Mínima Baixa Intermediária Intermediária
60-69 Baixa Intermediária Intermediária Elevada

Obs.: o termo “incaracterística” foi empregado como dor “não-anginosa”, diferente de “dor atípica”, na qual há possibilida-
de clínica de manifestação de equivalente anginoso. (Modificado de Gibbons e cols.10)

Tabela 3. Algumas limitações da cinecoronario- T em repouso, tipos de protocolos e sistemas de


grafia convencional como padrão de compara- monitorização e registro empregados, quantidade
ção. de trabalho total realizado, porcentual alcançado
de frequência cardíaca, etc. Uma vez que todos
– Disparidade entre anatomia e função. esses fatores sejam de conhecimento do médico
– Dificuldade de interpretação tanto qualitativa assistente, bem como a tríade fundamental de in-
como quantitativa entre observadores. formações obtidas pelos testes ergométricos (di-
– Impossibilidade de visibilização da microcir- agnósticas, prognósticas e funcionais), algoritmos
culação. clínicos podem ser sugeridos e implementados, de
– Avaliação da reserva coronária, especialmente acordo com as características da população estu-
em vasos pequenos.
dada. Na população assintomática encaminhada
– Detecção de isquemia oriunda de espasmos ou
de constrição de pontes miocárdicas, induzi- para “check-up” e considerada inicialmente como
classe IIB de indicação para pesquisa de doença
141
das pelo exercício.
coronária naqueles indivíduos com múltiplos fa- RSCESP
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e cols. tores de risco, a prevalência de teste de esforço VARIÁVEIS
alterado varia de 5% a 12%29 em homens a partir NÃO-ELETROCARDIOGRÁFICAS
Eletrocardiografia e da quarta década e de 20% a 30% em mulheres, APLICADAS À POPULAÇÃO
teste ergométrico exteriorizando-se por si só a limitação do método ASSINTOMÁTICA
no “check-up” na avaliação diagnóstica quando são empregados
cardiológico critérios isolados como análise morfológica e in- Adicionalmente, ao lado do conhecimento das
fradesnível de segmento ST. A despeito de o risco limitações da análise do infradesnível do segmen-
relativo de aparecimento de angina na evolução to ST nessa população (inabilidade em refletir a
ser cerca de nove vezes maior nos indivíduos com carga e a intensidade da isquemia miocárdica)34,
resultados anormais, o valor preditivo positivo em presença de vícios de seleção nos estudos de lite-
cinco anos de seguimento é baixo (em torno de ratura35, utilização de padrão de referência inade-
25%). Este é ligeiramente mais elevado quando o quado, etc., outras variáveis têm sido incorpora-
valor de corte considerado para infradesnível de das e comprobatórias na valorização prognóstica
segmento ST foi > 2 mm ou de ocorrência dentro dos testes de esforço, como: a) capacidade funci-
dos seis minutos iniciais de exercício ou, ainda, onal36; b) incapacidade de a freqüência cardíaca
em freqüência cardíaca alcançada durante o es- se elevar normalmente durante exercício ou incom-
forço menor ou igual a 163 – 0,66 x idade30. En- petência cronotrópica37; c) retorno ou recuperação
tretanto, para alguns subgrupos assintomáticos, lenta da freqüência cardíaca após a interrupção do
aparentemente saudáveis, obesos e com idade su- esforço38, 39; e d) arritmia ventricular na fase de
perior a 45 anos, a análise do segmento ST e do recuperação do teste ergométrico40.
consumo máximo de oxigênio foi discriminante,
ao final de sete anos de seguimento, para eventos CAPACIDADE FUNCIONAL
como angina, revascularização do miocárdio, an-
gioplastia transluminal coronária, infarto do mio- Destaca-se provavelmente como a de maior im-
cárdio e morte31. De forma geral, o manuseio clí- portância para a classificação de risco cardiovas-
nico dessa população deve levar em consideração cular e para a previsão de mortalidade, especial-
os fatores interferentes, como: a impossibilidade mente em indivíduos assintomáticos e sobrepujan-
de se estabelecer a acurácia da prova (população do fatores de risco demográficos e clássicos41, 42.
assintomática não é encaminhada a estudo cine- Estudo envolvendo grande número de homens
coronariográfico); a larga variação de valores pre- verificou que a aparente associação entre obesi-
ditivos positivos; a limitação do método para le- dade e risco aumentado poderia ser justificada pela
sões “não-significativas”, considerando-se que inerente limitação funcional dessa população43.
muitos eventos coronários ocorrem por rotura de Adicionalmente e com base em avaliações popu-
placas em lesões menores; além da necessidade lacionais incorpora-se também como forte predi-
de avaliar os resultados com o envolvimento de tora independente de risco em mulheres44. Da abor-
outros parâmetros clínicos e hemodinâmicos ob- dagem de 5.721 indivíduos do sexo feminino sub-
tidos no teste. Além disso, diante das considera- metidos a teste de esforço limitados por sintomas
ções prognósticas de grandes estudos32 eviden- e/ou máximos com a avaliação da capacidade fun-
ciando risco relativo de eventos até 30 vezes cional em unidades metabólicas (MET), estabele-
maior somente em pacientes com um ou mais ceu-se um nomograma para permitir estimar os
fatores de risco e alterações específicas ao teste valores porcentuais da capacidade de exercício
de esforço (dor torácica, tempo de exercício predita baseando-se na idade e na capacidade al-
menor que dois estágios no protocolo de Bruce, cançada de esforço. O nomograma foi aplicado
freqüência cardíaca alcançada menor que 90% tanto na coorte inicial de mulheres como em uma
do valor predito ou infradesnível de segmento população encaminhada composta por 4.471 mu-
ST) e que a modificação dos fatores de risco lheres com sintomas cardiovasculares igualmente
pode ganhar maior adesão após o resultado po- submetidas a teste de esforço limitadas por sinais
sitivo de um teste, otimiza-se, de modo racio- e/ou sintomas. A equação de regressão linear para
nal, a aplicação do teste de esforço e o manu- a capacidade de exercício (em MET) em relação à
seio clínico desses indivíduos33 (Fig. 1). O co- idade nas mulheres assintomáticas foi: MET pre-
nhecimento de novas evidências de aterosclero- dito = 14,7 - (0,13 x idade), sendo o risco de mor-
se subclínica, como a detecção de cálcio nas te para aquelas cuja capacidade alcançou menos
coronárias, em indivíduos assintomáticos, co- de 85% do valor predito o dobro em relação às
incidente com outros fatores de risco convenci- que atingiram ou ultrapassaram o valor estabele-
142 onais e testes ergométricos isquêmicos, associa-
se com risco aumentado para eventos, tornando
cido45 (Fig. 2 A/B/C/D/E). A despeito da não acei-
tação consensual de valores de corte de gasto me-
RSCESP a intervenção clínica obrigatória. tabólico ou consumo de oxigênio alcançado em
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MET (estimado de acordo com o protocolo apli- mento do consumo de oxigênio em função do tem- e cols.
cado) para indivíduos assintomáticos, sugerem-se po e das cargas aplicadas dentro de determinados
Eletrocardiografia e
limites < 5 MET, entre 5 e 8 MET e > 8 MET, consi- limites, sendo inversamente proporcional à idade
derados respectivamente como estratificadores de e os valores máximos estimados derivados de equa- teste ergométrico
risco alto, médio e baixo46. Outros estudos utilizam ções de regressão estabelecidas. São várias as no “check-up”
valores anormais derivados de idade e sexo43, 47. maneiras empregadas para a caracterização da in- cardiológico
suficiência cardíaca, como o porcentual alcança-
INCOMPETÊNCIA CRONOTRÓPICA do da freqüência cardíaca máxima estimada, o
porcentual utilizado da reserva de freqüência car-
Em indivíduos normais, a elevação da freqüên- díaca e a observação simples do pico da freqüên-
cia cardíaca durante o exercício é resultado da des- cia cardíaca, todas de valor prognóstico estabele-
carga adrenérgica por aumento do tônus simpáti- cido37, 49 (Tab. 4).
co e inibição concomitante da atividade parassim- Finalmente, e à semelhança da capacidade fun-
pática. Já em portadores de diferentes graus de cional determinada pelo teste ergométrico, estu-
insuficiência cardíaca pode ocorrer menor aumento dos de populações com indivíduos assintomáticos
da freqüência cardíaca diante de estímulos habi- têm evidenciado que a incompetência cronotrópi-
tuais por sensibilidade diminuída do nó sinusal à ca se associa a taxas mais elevadas de eventos car-
estimulação simpática48. O comportamento dian- díacos maiores, incluindo morte, mesmo após
te do esforço obedece relação linear com o au- abordagens pelo escore de Framingham42.

Figura 1. Manuseio clínico em indivíduos assintomáticos, com pelo menos dois fatores maiores de
risco.
FR = fatores de risco; masc = masculino; TE = teste de esforço; CVAS = cardiovascular; ECG = eletro-
cardiografia; GATED-SPECT = cintilografia tomográfica de perfusão e função sincronizada com o
143
ciclo cardíaco (intervalo RR); Intermed = intermediário. RSCESP
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e cols. Tabela 4. Métodos comuns para a avaliação da resposta cronotrópica7.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico 䊳 Valor atingido da freqüência cardíaca ou freqüência cardíaca de pico.
no “check-up” 䊳 Porcentual da reserva cardíaca utilizada < 80% = alto risco.
cardiológico
FC pico ou alcançada - FC repouso/(220 - idade) - FC repouso x 100

䊳 Freqüência cardíaca alcançada em função da idade < 0,85 (220 - idade)

䊳 Incapacidade de a freqüência cardíaca alcançar valores no esforço que se situem abaixo


de dois desvios padrão da freqüência cardíaca máxima estimada, em torno de 24 batimentos.

FC = freqüência cardíaca.

RECUPERAÇÃO DA FREQÜÊNCIA rante a fase de recuperação foi maior preditora de


CARDÍACA APÓS A INTERRUPÇÃO risco que quando a arritmia predominou durante a
DO ESFORÇO fase de exercício. Foram avaliados 29.244 indiví-
duos, 70% do sexo masculino, com média de ida-
É expressão da reativação vagal após a cessa- de de 56 anos (desvio padrão 11), sendo conside-
ção da estimulação simpática predominante na fase rada arritmia ventricular freqüente sete ou mais
de esforço, uma vez que a queda rápida da fre- extra-sístoles por minuto, bigeminismo ou trige-
qüência cardíaca na fase imediata de recuperação minismo, episódios pareados, em salva, taquicar-
pode ser prevenida pela injeção de atropina50 em dia ventricular, “flutter” ventricular, “torsade de
indivíduos assintomáticos normais e atletas. A pointes” ou fibrilação ventricular. Apenas 945
partir do conhecimento da associação entre risco (3%) desenvolveram os episódios durante o exer-
cardíaco e tônus vagal alterado, estudos objetivan- cício, 589 (2%) na fase de recuperação, e 491 (2%)
do a análise da recuperação da freqüência cardía- em ambas as etapas. Houve 1.862 mortes na po-
ca na etapa de recuperação do teste ergométrico pulação total no período médio de seguimento de
verificaram que a queda lenta nos minutos inici- 5,3 anos, sendo a arritmia durante o exercício pre-
ais após o exercício se associou à maior incidên- ditora de risco aumentado de morte quando com-
cia de morte no seguimento39, 51. Houve validação parada à ausência da arritmia (9% x 5%; p < 0,001),
dos mesmos achados em vários estudos de coorte mas de maior poder quando exclusiva da etapa de
e epidemiológicos envolvendo indivíduos assin- recuperação (11% x 5%; p < 0,001), mesmo quan-
tomáticos38. Os valores de corte para a queda da do após correção de variáveis de confusão40 (Fig.
freqüência cardíaca no primeiro e segundo minu- 3 A/B/C).
tos da recuperação são relacionados ao protocolo
empregado e a diferença é calculada a partir da AVALIAÇÃO DE ASSINTOMÁTICOS
freqüência cardíaca de pico. No que emprega a CONSIDERANDO-SE MODALIDADES DE
recuperação ativa (caminhando na velocidade de IMAGEM RECENTES E INCLUSÃO DO
1,5 mph) a diminuição > 12 batimentos no pri- TESTE ERGOMÉTRICO COMO “CHECK-UP”
meiro minuto é considerada normal, com poder
discriminante para melhor evolução em relação ao Atualmente existem diretrizes para “screening”
risco de morte. ou “check-up” cardiovascular por métodos não-
invasivos na população assintomática considera-
ARRITMIA VENTRICULAR da de alto risco, incluindo homens de 45 a 75 anos
e mulheres de 55 a 75 anos, objetivando a detec-
A prevalência de arritmia ventricular freqüen- ção e o tratamento de aterosclerose subclínica52.
te durante e após o exercício em assintomáticos é Modificam inclusões e aplicações do teste ergo-
pequena, mas tem sido associada a risco aumen- métrico a populações com características especí-
tado de morte40, podendo representar instabilida- ficas, justificadas pela tentativa do encontro de
de elétrica ou alterações do tônus autonômico. Em melhor relação custo-efetividade. Tal estratégia,
um grande estudo de coorte de população enca- considerada conservadora, advém da percepção
144 minhada a realização de teste de esforço, foi evi- que mais dados são necessários para a demonstra-
RSCESP denciado que a atividade ectópica ventricular du- ção e a comprovação de que a investigação por
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MASTROCOLLA LE
Figura 2 (A, B, C, D e E). NKN, 56 anos, sexo feminino, encaminhada em 12/4/2006 para a realização e cols.
de teste ergométrico associado a cintilografia miocárdica de perfusão com 99mTc-MIBI, objetivando
avaliação periódica e prática de atividades esportivas. Assintomática, com antecedentes pessoais de Eletrocardiografia e
dislipidemia e hipertensão controladas, em uso de bloqueadores dos receptores da angiotensina e esta- teste ergométrico
tina. Antecedentes familiares para doença arterial coronária. Pratica exercícios físicos diariamente. Em no “check-up”
conseqüência de teste ergométrico “alterado”, realizou cintilografia “normal” em 1999. Prova atual em
uso da medicação. Realizou 10 minutos do protocolo de Ellestad (V estágio), freqüência cardíaca = 134 cardiológico
bpm (82% da freqüência cardíaca máxima), respostas clínica e hemodinâmica normais.
99m
Tc-MIBI = 2 metoxi-isobutil-isonitrila marcada com tecnécio 99 meta-estável.

2 A) Eletrocardio-
grama clássico de
12 derivações, com
alterações inespecí-
ficas da repolariza-
ção ventricular.

2 B) Eletrocardio-
grama clássico de
12 derivações na
fase imediata de re-
cuperação, eviden-
ciando intensifica-
ção das alterações
prévias.

145
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico
no “check-up”
cardiológico

2 C) Derivações
modificadas, apenas
com alterações da
repolarização ven-
tricular discretas.

2 D) Derivações
modificadas duran-
te pico de exercício,
evidenciando-se in-
fradesnível do seg-
mento ST até 2,5
mm medido após 80
ms do ponto J, nas
derivações MC5 (I),
II e aVL modifica-
das.
MC5 = derivação
bipolar utilizada em
ergometria, com o
eletrodo do braço
direito (negativo)
posicionado no ma-
núbrio e o eletrodo
do braço esquerdo
(positivo), na posi-
ção original de V5.

novos métodos sobrepujará a avaliação do risco pertence à classificação intermediária de risco, em


por meio de fatores convencionais, como tabagis- que o poder preditivo dos fatores de risco é me-
mo, hipertensão, hipercolesterolemia e diabetes nor, torna-se dedutiva a limitação no estabeleci-
melito, considerando ainda que não são ferramen- mento de metas e tratamento para a orientação
tas difundidas e implementadas na prática clínica individual. Dessa forma, como muitos pacientes
diária. Ainda, no conhecimento de que as estraté- deixarão de ser classificados e investigados de
gias de prevenção primária, com a estratificação modo adequado, recomenda-se o uso de testes não-
baseada nos fatores de risco, têm a capacidade de invasivos que possam identificar estrutura e fun-
identificar de modo apropriado indivíduos de bai- ção arteriais anormais como opções para aborda-
146 xo ou elevado risco para eventos cardíacos maio-
res e acidente vascular cerebral no seguimento de
gem profunda e estratificação avançada de risco
em indivíduos selecionados, especialmente aque-
RSCESP 10 anos, e que a maior parte de uma população les pertencentes ao grupo intermediário ou inde-
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico
no “check-up”
cardiológico

2 E) Imagens por cinti-


lografia tomográfica de
perfusão nos eixos me-
nor, maior horizontal e
maior vertical, com cap-
tação homogênea do ra-
diofármaco.

terminado, com múltiplos fatores de risco. Indiví- sença de resposta isquêmica, têm indicação de
duos com testes negativos para aterosclerose sub- estudo invasivo, objetivando o binômio revascu-
clínica, como escore de cálcio coronário avaliado larização/melhora da sobrevida ou qualidade de
por tomografia computadorizada = 0 ou espessu- vida. Adicionalmente, algumas considerações
ra das camadas íntima/média da carótida por ul- merecem destaque no que concerne à prevenção
tra-som distribuída abaixo do percentil 50%, sem primária e ao enfoque dos novos testes:
placa carotídea, são considerados como de baixo a) A presença de diabetes não seria considera-
risco, na ausência de fatores de risco. Na presença da equivalente de risco de doença arterial coroná-
desses fatores, os indivíduos são reclassificados ria na ausência de aterosclerose subclínica54. Des-
para moderado risco, devendo como metas de tra- sa forma, o teste ergométrico como “check-up”
tamento alcançar níveis de lipoproteína de baixa nessa população não encontra indicação consen-
densidade (LDL) < 130 mg/dl53. Os indivíduos com sual, a não ser naqueles que pretendem ou estão
testes positivos traduzidos por escores de cálcio > em prática de atividades físicas. Na condição de
1 ou espessura das camadas íntima/média da ca- provas comprobatórias de aterosclerose clínica,
rótida > percentil 50% ou presença de placa caro- passam a ser considerados como de alto risco, se-
tídea são reestratificados de acordo com a magni- guindo a logística habitual de investigação.
tude da carga de aterosclerose em subcategorias b) Outros testes podem ser considerados para
(Tab. 5). aplicação opcional, como, por exemplo, proteína
Dentro do cenário para a avaliação do grupo C-reativa elevada55.
proposto à aplicação de testes não-invasivos de ate- c) Provas adicionais para avaliação estrutural
rosclerose subclínica, considerado como “vulne- e funcional, como ressonância nuclear magnética
rável” e candidato a tratamentos individualizados, de aorta e artérias carotídeas56, e abordagem da
testes de isquemia miocárdica, como o teste ergo- disfunção endotelial57 e da perda da elasticidade
métrico, estariam indicados apenas para o grupo arterial, entre outras, têm se mostrado preditoras 147
de risco muito elevado. Tais indivíduos, na pre- de eventos. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols. Tabela 5. Categorias de risco baseadas na presença de aterosclerose subclínica52.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico Risco moderado/elevado
– Escore de cálcio < 100 (mas > 1) e < percentil 75; ou CMIT < 1 mm e < percentil 75 (> 50), sem
no “check-up”
placa evidenciável em carótida.
cardiológico Risco elevado
– Escore de cálcio entre 100 e 399 ou > percentil 75; ou CMIT > 1 mm; ou > percentil 75; ou placa
evidenciável em carótida com lesão < 50%.
Risco muito elevado
– Escore de cálcio > 100 e > percentil 90; ou escore de cálcio > 400; ou estenose carotídea > 50%.

CMIT = espessura das camadas íntima/média da carótida.

Figura 3 (A, B e C). MCT, 45 anos, do sexo masculino, encaminhado em 13/4/2006 para a realização
de teste ergométrico, objetivando “check-up” e prática de atividades esportivas. Assintomático, com
antecedentes familiares de insuficiência vascular cerebral. Peso = 85 kg; estatura = 1,82 m. Considera-
do como baixa probabilidade pré-teste de doença arterial coronária. Realizou 8,5 minutos do protocolo
de Ellestad (IV estágio), com freqüência cardíaca de 175 bpm (100% da freqüência cardíaca máxima)
e respostas clínica e hemodinâmica normais.

3 A) Eletrocardiograma de 12 derivações modificadas, em que I corresponde à derivação MC5, não se


148 verificando anormalidades morfológicas. MC5 = derivação bipolar utilizada em ergometria, com o
eletrodo do braço direito (negativo) posicionado no manúbrio e o eletrodo do braço esquerdo (positi-
RSCESP vo), na posição original de V5.
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MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
teste ergométrico
no “check-up”
cardiológico

3 B) Registros durante exercício máximo, observando-se episódios de taquicardia ventricular não-sus-


tentada.

3 C) Adicionalmente aos episódios de taquicardia ventricular não-sustentada, até 10 batimentos, infra-


desnível de pequena magnitude de segmento ST nas derivações aVL e V5 modificadas, imediatamente
após o registro da arritmia. Ecocardiograma normal. Encaminhado pelo médico assistente a Holter,
cintilografia de perfusão com radiofármacos e ressonância nuclear magnética, objetivando afastar car-
149
diopatia estrutural. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MASTROCOLLA LE
e cols.
Eletrocardiografia e
ELECTROCARDIOGRAPHY AND STRESS TEST
teste ergométrico IN ROUTINE CARDIOVASCULAR EVALUATION
no “check-up”
cardiológico (CHECK-UP)

LUIZ EDUARDO MASTROCOLLA


JOÃO MANOEL ROSSI
SUSIMEIRE BUGLIA

No epidemiologic study directly approached the question of whether the electrocardiogram


should be used to screen large populations for cardiovascular disease. However, in young
athletes, in high risk patients or in patients with suspicion of cardiopathy, the
electrocardiogram must be part of the initial evaluation. The value of treadmill test in
asymptomatic patients is not consensual and its cost-effectiveness is questionable. However,
guidelines emphasize the value of the treadmill test in diabetic patients looking to start a
fitness program, in patients with multiple risk factors that need medical orientation for
secondary prevention, in men more than 45 years of age and in women more than 55 years
of age beginning an intense fitness program, those involved in occupations responsible for
people’s life, and those at high risk for coronary artery disease due to comorbidities as
chronic renal failure and peripheral vascular disease. Additionally to the knowledge of the
limitations of the analysis of the ST segment depression in the asymptomatic population,
non-electrocardiographic variables applied in this population, have been incorporated and
evidential in the prognostic value of the exercise test, as: a) functional capacity; b)
incapacity of the heart rate to normally raise during the exercise or chronotropic
incompetence; c) return or slow recovery of the heart rate after the interruption of the effort;
d) ventricular arrhythmia in the recovery phase of the exercise test. With the aim to detect
and treat sub-clinical atherosclerosis in asymptomatic men ranging from age 45 to 75 years
and in women from 55 to 75 years, imaging methods and treadmill test have been recently
incorporated to the screening evaluation.

Key words: electrocardiography, treadmill test, stress test, asymptomatic, screening.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:138-53)


RSCESP (72594)-1607

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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
CAMPOS FILHO O
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A ecocardiografia
A ECOCARDIOGRAFIA NO “CHECK-UP”
no “check-up” CARDIOLÓGICO
cardiológico

ORLANDO CAMPOS FILHO


WERCULES A. ALVES OLIVEIRA
ADRIANA CORDOVIL

Setor de Ecocardiografia – Escola Paulista de Medicina – UNIFESP

Endereço para correspondência:


Rua Maestro Cardim, 1251 – cj. 53 – CEP 01323-001 – São Paulo – SP

A versatilidade da ecocardiografia como ferramenta diagnóstica justifica seu uso na


avaliação individual de pacientes assintomáticos expostos a fatores de risco para doença
cardiovascular, embora não seja recomendado no rastreamento de cardiopatia na população
geral. Subgrupos especiais de indivíduos assintomáticos que podem se beneficiar da
avaliação ecocardiográfica incluem hipertensos, diabéticos, dislipidêmicos, obesos e os com
antecedentes familiares de doença cardiovascular, na tentativa de se identificar possíveis
alterações estruturais (dilatação e/ou hipertrofia ventricular/atrial) ou funcionais (disfunção
sistólica global/regional, disfunção diastólica) sugestivas de comprometimento cardíaco
subclínico passível de intervenções profiláticas. Outra área atual de interesse do uso da
ecocardiografia em indivíduos assintomáticos é na complementação da avaliação
cardiovascular para a prática de exercícios físicos, a fim de se excluir doenças miocárdicas
incipientes, sobretudo naqueles com histórico de cardiopatia, aortopatia ou morte súbita na
família. Por fim, este artigo avalia o papel diagnóstico e o valor prognóstico da
ecocardiografia sob estresse com esforço na detecção da doença arterial coronariana latente,
particularmente em mulheres e diabéticos assintomáticos.

Palavras-chave: ecocardiografia, “check-up” cardiológico.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:154-62)


RSCESP (72594)-1608

INTRODUÇÃO Como método não-invasivo, a ecocardiografia


é considerada segura, largamente disponível e al-
Qualquer processo de investigação diagnósti- tamente acurada no diagnóstico de alterações ana-
ca envolve a relação custo-benefício do exame tomofuncionais da maioria das doenças estrutu-
diante de determinada situação clínica. Particular- rais cardíacas. No entanto, seu custo impede que
mente no “check-up” cardiológico, a predisposi- seja sistematicamente indicada no rastreamento em
ção do paciente assintomático a certas cardiopati- larga escala de possíveis cardiopatias na popula-
as (fatores de risco ou antecedentes familiares) ção geral assintomática, sem fatores de risco car-
154 constitui o principal determinante para a escolha
individual dos métodos apropriados para detecção
diovascular conhecidos1. Por outro lado, tem im-
portante papel na avaliação individual de pacien-
RSCESP precoce de condições cardiológicas subclínicas. tes assintomáticos expostos a determinados fato-
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res de risco (hipertensão arterial sistêmica, obesi- dade de desenvolvimento futuro de doença cardi- e cols.
dade, dislipidemia, diabetes melito e história fa- ovascular. Por outro lado, doenças estruturais, A ecocardiografia
miliar de cardiopatia), visando à prevenção pri- como certas cardiomiopatias na ausência de coro-
mária de cardiopatias a eles relacionadas2. nariopatia, podem ser definidas facilmente pela
no “check-up”
A disfunção ventricular esquerda decorrente ecocardiografia. A Tabela 1 apresenta alguns cardiológico
desses fatores de risco pode ser identificada pela exemplos de subgrupos especiais de indivíduos as-
ecocardiografia em seus estágios iniciais, com o sintomáticos, com ou sem fatores de risco para
paciente ainda assintomático. Geralmente, antes doença cardiovascular, em que a ecocardiografia
da disfunção se tornar clinicamente manifesta, poderia ser útil.
ocorrem mudanças na morfologia e na geometria Neste artigo, serão discutidos aspectos parti-
do ventrículo esquerdo, chamadas de remodela- culares de cada subgrupo, avaliando implicações
mento ventricular. Essa mudança estrutural, além prognósticas da ecocardiografia e eventual impacto
de reduzir progressivamente o desempenho me- na modificação da história natural da doença car-
cânico cardíaco, está fortemente relacionada ao au- diovascular latente assintomática. Cabe lembrar
mento da mortalidade cardiovascular3. Na fase la- que, nessas circunstâncias, o ecocardiograma deve
tente da disfunção ventricular, tais alterações re- ser avaliado no contexto clínico, integrado a ou-
fletem a expressão de mecanismos adaptativos que tras modalidades diagnósticas não-invasivas (ele-
podem ser reconhecidos precocemente à ecocar- trocardiografia, teste ergométrico, monitorização
diografia e envolvem a avaliação das dimensões ambulatorial da pressão arterial, etc.) para uma
cavitárias e da massa miocárdica, além das fun- análise mais abrangente.
ções sistólica e diastólica globais ou regionais
pelos índices tradicionais. Embora novos elemen- RASTREAMENTO DE DISFUNÇÃO
tos de função regional venham sendo progressiva- VENTRICULAR ESQUERDA EM
mente agregados à análise ecocardiográfica con- INDIVÍDUOS ASSINTOMÁTICOS
vencional, como o Doppler tecidual e seus deriva-
dos (“strain”, “strain rate”), ainda não se conhece As atuais diretrizes para diagnóstico e trata-
o significado diagnóstico e o valor prognóstico de mento da insuficiência cardíaca crônica2 identifi-
alterações incipientes desses índices em uma po- cam quatro estágios na história natural dessa sín-
pulação assintomática para doença cardiovascu- drome, sendo os dois primeiros (A e B) no paci-
lar. ente assintomático. O estágio A consiste no alto
Dessa forma, a ecocardiografia pode ser po- risco de desenvolvimento dessa afecção (diabetes
tencialmente aplicável a uma série de situações melito, aterosclerose e hipertensão arterial sistê-
clínicas em que se objetiva a identificação preco- mica), porém sem alterações cardíacas estruturais.
ce de anormalidades cardíacas latentes em indiví- Já o estágio B é definido como presença de altera-
duos assintomáticos, porém com maior probabili- ção estrutural cardíaca (remodelamento e disfun-

Tabela 1. Condições clínicas em indivíduos assintomáticos com potencial indicação de ecocardiografia.

Avaliação cardiológica do adulto para prática esportiva


- Rastreamento de cardiomiopatia dilatada ou hipertrófica
- Rastreamento de displasia arritmogênica do ventrículo direito
- Rastreamento de miocárdio não compactado
- Rastreamento de síndrome de Marfan
Avaliação cardiológica de atleta profissional
- Idem
Avaliação de grupos de risco para doença cardiovascular
- Familiar de primeiro grau com cardiomiopatia ou antecedente de morte súbita
- Portadores de hipertensão arterial sistêmica
- Pacientes com diabetes melito
- Indivíduos com obesidade significativa
- Pacientes com síndrome metabólica
Condições especiais em valvopatias
- Indivíduos jovens com sopro cardíaco supostamente inocente
- Mulheres grávidas com sopros sistólicos funcionais 155
- Idosos com discreto sopro ejetivo RSCESP
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e cols. ção sistólica) no paciente assintomático. Com base querdo é considerado fator de risco independente
A ecocardiografia nessa nova classificação, a ecocardiografia tem para eventos cardiovasculares, especialmente fi-
papel fundamental na tomada da decisão clínica, brilação atrial e acidente vascular cerebral.
no “check-up” já que pode detectar precocemente a cardiopatia Outra situação relacionada à hipertensão arte-
cardiológico estrutural em pacientes assintomáticos (estágio B), rial sistêmica é a disfunção sistólica do ventrículo
bem como identificar pacientes com alto risco de esquerdo assintomática (fração de ejeção à eco-
insuficiência cardíaca (estágio A) ainda sem car- cardiografia < 0,50) sem sinais ou sintomas de in-
diopatia. suficiência cardíaca. Desenvolve-se em cerca de
4% dos pacientes hipertensos sem doença arterial
HIPERTENSÃO ARTERIAL SISTÊMICA coronariana e correlaciona-se com o aumento da
massa ventricular esquerda. É um fator preditor
Na hipertensão arterial sistêmica, o remodela- de eventos cardiovasculares nessa população e
mento ventricular é, a princípio, uma forma útil pode ser reversível com adequado tratamento anti-
de compensar a sobrecarga hemodinâmica anor- hipertensivo.9
mal ao miocárdio. No entanto, é também o pri- Associada ou não à disfunção sistólica, a dis-
meiro indício do desenvolvimento de síndromes função diastólica em seus diversos graus, sobre-
clínicas, como insuficiência cardíaca, isquemia mi- tudo a de grau leve (alteração de relaxamento),
ocárdica e arritmias cardíacas. A identificação eco- está presente em aproximadamente 40% dos pa-
cardiográfica da hipertrofia ventricular esquerda cientes hipertensos assintomáticos. Embora a dis-
em populações assintomáticas representa um for- função diastólica relacionada à hipertensão arte-
te preditor de mortalidade cardiovascular4, e a re- rial, com ou sem hipertrofia ventricular esquerda,
dução da massa ventricular dos pacientes hiper- seja motivo de intensa investigação atual, seu va-
tensos com hipertrofia ventricular esquerda está lor prognóstico ainda não está totalmente esclare-
associada à redução do risco de doenças cardio- cido nessa população.
vasculares5.
Dentre as principais informações a serem ob- DIABETES MELITO
servadas pela ecocardiografia no paciente assin-
tomático com hipertensão arterial estão o tipo e o A freqüente associação entre diabetes melito e
grau de hipertrofia ventricular esquerda. Além dis- outros fatores de risco determina sabidamente
so, a ecocardiografia permite caracterizar a geo- maior prevalência de doença coronariana nesse
metria ventricular a partir da relação entre a mas- subgrupo de pacientes, com distribuição difusa e
sa ventricular indexada pela superfície corpórea evolução acelerada, mesmo com manifestações
(índice de massa de ventrículo esquerdo) e a es- atípicas que incluem o infarto do miocárdio silen-
pessura relativa das paredes miocárdicas6. Assim, cioso. Nessa situação, a ecocardiografia conven-
podem ser estabelecidos diferentes padrões geo- cional pode ser útil na detecção de alterações con-
métricos com significado clínico diverso: hiper- tráteis segmentares sugestivas de comprometimen-
trofia ventricular esquerda (aumento do índice de to coronariano assintomático. Isso acontece ami-
massa de ventrículo esquerdo) concêntrica (espes- úde nos pacientes com neuropatia diabética, nos
sura relativa das paredes > 0,42) ou excêntrica (es- quais é mais freqüente a isquemia miocárdica si-
pessura relativa das paredes < 0,42) e remodela- lenciosa10.
mento concêntrico do ventrículo esquerdo (espes- O alto risco de eventos coronarianos nessa po-
sura relativa das paredes > 0,42 sem aumento do pulação justifica meios de investigação de doença
índice de massa de ventrículo esquerdo). Essa clas- coronariana latente, que incluem eletrocardiogra-
sificação tem relevância clínica na indicação da fia, teste ergométrico, Holter e até mesmo ecocar-
terapia medicamentosa nos pacientes com hiper- diografia sob estresse com esforço físico.
tensão arterial sistêmica limítrofe6, além de apre- Mesmo na ausência de hipertensão arterial sis-
sentar valor prognóstico, uma vez que maiores têmica e coronariopatia associadas, o paciente por-
índices de morbidade e de mortalidade tardia fo- tador de diabetes melito pode apresentar maior
ram observados em pacientes com geometria con- tendência a disfunção miocárdica, tanto sistólica
cêntrica (hipertrofia ou remodelamento) em rela- como diastólica, resultantes dos efeitos diretos da
ção àqueles com geometria excêntrica7. doença sobre o coração, constituindo a assim cha-
Outro elemento ecocardiográfico com relevân- mada cardiomiopatia diabética. Possivelmente esse
cia prognóstica no hipertenso assintomático é o fenômeno decorra do acúmulo de produtos meta-
volume atrial esquerdo, presente em cerca de 44% bólicos no interstício miocárdico, com conseqüen-
156 dos casos, mesmo em vigência de função diastóli-
ca normal8. Apesar de associar-se à hipertrofia ven-
te aumento de sua espessura e diminuição de seu
desempenho mecânico.11, 12
RSCESP tricular esquerda, o aumento do volume atrial es- Ao se utilizar técnicas mais modernas (Dop-
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pler tecidual e “color M-mode”), são descritas ele- cem ser mais evidentes quanto maior o grau ou o e cols.
vadas taxas de disfunção diastólica em até 75% tempo da obesidade.20 A ecocardiografia
dos portadores de diabetes do tipo 2 normotensos Estudos hemodinâmicos e ecocardiográficos
e sem coronariopatia.13 Essa anormalidade ocorre demonstraram elevadas pressões de enchimento
no “check-up”
a despeito do controle glicêmico adequado e pa- em ventrículo esquerdo associadas a índices de cardiológico
rece estar correlacionada à duração do diabetes e massa corporal aumentados, mesmo naqueles in-
a outras microangiopatias diabéticas, tais como re- divíduos com fração de ejeção normal no repou-
tinopatia e neuropatia13, 14. so. Isso decorre primordialmente da disfunção di-
Portadores de diabetes do tipo 1, normotensos astólica concomitante ao remodelamento ventri-
e assintomáticos do ponto de vista cardiovascular, cular nos pacientes obesos21. Por sua vez, tem sido
apresentam aumento da massa miocárdica15, as- demonstrado que a redução do peso em obesos de
sociado por alguns à albuminúria e à duração da grau avançado pode resultar na normalização da
doença16. Embora anormalidades na função sistó- disfunção diastólica prévia22. Nessa população de
lica de pacientes com diabetes do tipo 1 ocorram obesos graves, a disfunção sistólica assintomática
tardiamente, há consenso de que a disfunção dias- foi observada em até 36% dos casos.
tólica nesses pacientes represente a manifestação Além das alterações miocárdicas nos obesos
cardíaca pré-clínica mais precoce da cardiomio- graves, também é descrito aumento da pressão
patia diabética, com função sistólica preservada17. média da artéria pulmonar estimada à ecodoppler-
Em pacientes com diabetes do tipo 1, a disfunção cardiografia, que pode estar associado à síndrome
diastólica precoce (padrão de relaxamento anor- da apnéia obstrutiva do sono, muito freqüente no
mal ao Doppler convencional) tem sido relacio- grupo obeso.20
nada tanto a complicações microvasculares não-
cardíacas (retinopatia, nefropatia e neuropatia di- O CORAÇÃO DO ATLETA
abéticas) como a duração da doença e controle
metabólico inadequado17, 18, o que tem sido con- A doença cardiovascular, conhecida ou não,
testado por outros15. Mais recentemente, estudos está entre as principais causas de eventos fatais
com Doppler tecidual têm demonstrado alterações durante atividade física. Assim, a avaliação cardi-
diastólicas em ambos os ventrículos17, sobretudo ológica tem como objetivo identificar alterações
em adolescentes do sexo feminino sem sintomas estruturais e funcionais que poderiam aumentar o
cardiovasculares19. risco de morbidade e de mortalidade durante a
prática esportiva, bem como analisar o impacto
OBESIDADE do treinamento sobre o sistema cardiovascular.23
Antes de analisar o ecocardiograma do atleta,
Algumas particularidades são observadas no é necessário conhecer os achados fisiológicos des-
ecocardiograma de indivíduos obesos assintomá- sa condição. O “coração de atleta”, descrito há
ticos. Embora fisiologicamente os diâmetros das mais de dois séculos, caracteriza-se por inúmeras
cavidades cardíacas aumentem conforme o índice adaptações morfofuncionais de caráter benigno e
de massa corporal, a obesidade é um fator de risco transitório relacionadas à maior demanda energé-
independente para o desenvolvimento de hipertro- tica. Em termos gerais, consiste no aumento da
fia ventricular esquerda caracterizada ao ecocar- massa miocárdica a níveis que podem atingir aque-
diograma. Isso ocorre, provavelmente, como con- les dos pacientes com cardiomiopatia hipertrófi-
seqüência do aumento do volume intravascular, do ca24. As alterações estruturais do coração do atleta
aumento do débito cardíaco e do aumento do con- dependem da intensidade, do tipo de esforço, da
sumo global de oxigênio associados à maior mas- duração, da idade e da raça.24, 25 Ghorayeb e cola-
sa adiposa. Somados ao risco de desenvolvimento boradores24 demonstraram, em maratonistas pro-
de disfunção miocárdica inerente à hipertrofia fissionais, valores significantemente maiores da
ventricular, estão presentes também os fatores de cavidade ventricular esquerda, da espessura dias-
risco que acompanham o paciente obeso, tais como tólica do septo ventricular e da parede posterior, e
hipertensão arterial sistêmica, dislipidemia, ate- da massa ventricular esquerda determinada ao eco-
rosclerose e diabetes, que podem concorrer para o cardiograma, quando comparados com um grupo
desenvolvimento de doença arterial coronariana. controle de sedentários sadios.
As alterações morfológicas que acontecem no Os esportes, de forma geral, têm sido classifi-
coração do paciente obeso podem estar relaciona- cados em dois grandes grupos: esportes de força
das ao acúmulo de gordura entre as fibras cardía- ou estáticos, em que predominam exercícios iso-
cas, com conseqüente degeneração miocelular e
disfunção cardíaca. Todas essas alterações estru-
métricos (como, por exemplo, halterofilismo), e
os esportes de resistência, em que predominam as
157
turais no miocárdio dos indivíduos obesos pare- formas isotônicas de exercícios dinâmicos (como, RSCESP
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e cols. por exemplo, maratonismo). Na maioria das ve- repercussão hemodinâmica, disfunção diastólica
A ecocardiografia zes, no entanto, os dois componentes estão pre- leve (alteração do relaxamento ventricular) e ate-
sentes no condicionamento físico. Há uma tendên- romatose discreta do arco aórtico. Tais aspectos
no “check-up” cia de que o aumento da massa ventricular esquer- devem ser levados em consideração ao se utilizar
cardiológico da seja do tipo concêntrico nos atletas cujo esfor- a ecocardiografia no paciente idoso assintomáti-
ço seja predominantemente isométrico e excêntri- co.
co nos esforços predominantemente isotônicos. A
hipertrofia concêntrica tem sido considerada uma HÁ LUGAR PARA A ECOCARDIOGRAFIA
resposta à sobrecarga de pressão e a hipertrofia SOB ESFORÇO FÍSICO NO “CHECK-UP”?
excêntrica, uma adaptação à sobrecarga de volu-
me24, 25. A ecocardiografia sob estresse com esforço
A diferenciação entre cardiomiopatia hipertró- físico constitui a integração de imagens ecocardi-
fica e resposta fisiológica ao exercício físico é uma ográficas ao teste ergométrico convencional, em
questão controversa na literatura. Entretanto, em indivíduos com capacidade física preservada. Além
termos práticos, pode ser feita pela análise das de custo-efetivo, a ecocardiografia sob estresse
funções sistólica e diastólica do ventrículo esquer- com esforço físico tem ótimo perfil de seguran-
do, de forma que o encontro de disfunção ventri- ça28, equivalente ao teste ergométrico isolado na
cular, sistólica ou diastólica, concomitante com população geral.
hipertrofia cardíaca deve levantar a suspeita de Estudos recentes confirmam a superioridade
cardiomiopatia hipertrófica.24, 26 Técnicas ecocar- do teste ergométrico sobre a análise isolada dos
diográficas recentes para o estudo da função mio- fatores de risco na previsão de eventos cardíacos
cárdica global e regional, envolvendo o Doppler em indivíduos assintomáticos com baixa probabi-
tecidual e suas variantes (“strain” e “strain rate”), lidade para doença arterial coronária, justificando
podem auxiliar na caracterização de disfunção seu uso em “check-up” de rotina29. Entretanto, não
ventricular nessa situação clínica. A ecocardiogra- há evidências atuais que suportem essa indicação
fia sob estresse com esforço físico pode ser útil na para a ecocardiografia sob estresse com esforço
detecção de uma resposta anormal do miocárdio físico. Ao contrário, as diretrizes vigentes da So-
hipertrófico ao exercício26, seja por alterações da ciedade Brasileira de Cardiologia consideram
função sistólica ao esforço seja pelo desenvolvi- como classe III a indicação desse teste na avalia-
mento de obstrução subaórtica dinâmica com gra- ção inicial de indivíduos assintomáticos com bai-
diente sistólico ausente em repouso, sugestivo de xa probabilidade de doença arterial coronária, ou
cardiomiopatia hipertrófica com obstrução laten- seja, ecocardiografia sob estresse com esforço fí-
te. sico nesses indivíduos é desnecessária ou não apli-
cável1. É necessário enfatizar que a ecocardiogra-
O CORAÇÃO NA GRAVIDEZ NORMAL fia sob estresse com esforço físico não substitui o
teste ergométrico quando a análise eletrocardio-
A avaliação de sopros funcionais pela eco- gráfica é adequada, mesmo em assintomáticos.
cardiografia na gestante assintomática pressu- Nossas diretrizes, porém, recomendam o uso da
põe o conhecimento das adaptações fisiológi- ecocardiografia sob estresse físico ou farmacoló-
cas cardíacas durante a gravidez. O aumento do gico em indivíduos assintomáticos quando o teste
débito cardíaco e da volemia determina discre- ergométrico é positivo ou duvidoso (classe IIa) ou,
tos aumentos reversíveis das cavidades atriais e eventualmente, com bloqueio de ramo esquerdo,
ventriculares, dentro dos limites da normalida- para reduzir a probabilidade de doença arterial co-
de. A função sistodiastólica está preservada, e ronária1.
há maior prevalência de refluxos funcionais Os estudos sobre valor diagnóstico e prognós-
multivalvares (pulmonar, tricúspide e mitral, tico da ecocardiografia sob estresse com esforço
mas não aórtico) relacionados à dilatação osti- físico na população geral avaliam uma ampla fai-
al, sem repercussão clínica27. xa de probabilidade pré-teste de doença arterial
coronária, que incluem desde indivíduos assinto-
O CORAÇÃO DO IDOSO máticos com fatores de risco até pacientes com
doença arterial coronária definitiva. Os resultados
A ecocardiografia pode identificar facilmente derivados desses pacientes, portanto, não podem
elementos estruturais e funcionais muito prevalen- ser extrapolados para uma população assintomá-
tes no idoso saudável, não necessariamente pato- tica. Contudo, em uma grande série de pacientes
158 lógicos: septo interventricular sigmóide, esclero-
se valvar aórtica e calcificação focal do anel mi-
de ambos os sexos (61% homens), de meia-idade
(média de idade, 62 anos), na maioria assintomá-
RSCESP tral associados a refluxos valvares discretos sem tica ou com dor atípica (90%), porém com alguns
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CAMPOS FILHO O
33
fatores de risco presentes, observou-se excelente lhor orientar a prescrição do nível de exercício . e cols.
prognóstico naqueles com ecocardiografia sob Particularmente em mulheres, nas quais sabi- A ecocardiografia
estresse com esforço físico negativa para isque- damente o teste ergométrico apresenta menor acu-
mia miocárdica, independentemente da probabi- rácia diagnóstica em relação ao sexo masculino,
no “check-up”
lidade pré-teste30. Já em pacientes com baixa pro- as diretrizes das sociedades americanas de cardi- cardiológico
babilidade pré-teste de doença arterial coronária, ologia sugerem que um teste de estresse com ima-
os resultados da estratificação de risco de doença gem pode ser uma alternativa inicial eficiente ao
arterial coronária pela ecocardiografia sob estres- teste ergométrico34. A ecocardiografia sob estres-
se com esforço físico são controversos. Alguns se com esforço físico em mulheres é reconhecida-
acreditam que para pacientes com dor torácica atí- mente mais sensível, mais acurada e mais custo-
pica e baixa probabilidade de doença arterial co- efetiva que o teste ergométrico para o diagnóstico
ronária, a ecocardiografia sob estresse com esfor- de doença arterial coronária35, além de apresentar
ço físico possa ser mais custo-efetiva que o teste valor prognóstico independente e adicional às in-
ergométrico convencional31. Em outro estudo, po- formações clínicas e aos resultados do teste ergo-
rém, embora a ecocardiografia sob estresse com métrico36. O valor prognóstico do exame sob es-
esforço físico tenha identificado alguns desses tresse em mulheres pode ser otimizado se, ao in-
pacientes com risco de eventos futuros, não foi vés da simples análise dicotômica do resultado
considerada custo-efetiva pela baixa taxa de des- positivo ou negativo, for avaliada quantitativamen-
fechos clínicos32. te a resposta do teste pelo escore de motilidade
Apesar dessas considerações, acredita-se que parietal37. Mesmo não havendo estudos exclusi-
o exame sob esforço físico pode ser válido em vos de ecocardiografia sob estresse com esforço
subgrupos específicos de indivíduos assintomáti- físico em mulheres assintomáticas, é possível que
cos. Assim, a ecocardiografia sob estresse com as vantagens desse exame possam também bene-
esforço físico pode ser útil no “check-up” cardio- ficiar esse subgrupo ao se submeter a “check-up”
lógico nas seguintes condições: presença de alte- cardiológico.
rações eletrocardiográficas em repouso que pos- Em diabéticos, o uso de exames de imagem
sam prejudicar a interpretação do eletrocardiogra- com estresse farmacológico ou físico para avalia-
ma no esforço; indivíduos com história familiar ção de isquemia tem sido recomendado pela “Ame-
de cardiomiopatia hipertrófica; pacientes com in- rican Heart Association”. Nos diabéticos em ge-
dicação de realizar ecocardiografia além do teste ral, a ecocardiografia sob estresse com esforço fí-
ergométrico (avaliação para academia, atletas, sico tem valor prognóstico incremental aos dados
etc.), e, sobretudo, quando houver maior probabi- clínicos e à eletrocardiografia de esforço, acres-
lidade de testes falsos positivos (mulheres) e em centando informações para previsão de eventos
indivíduos assintomáticos com risco elevado para cardiovasculares futuros, sobretudo quando o tes-
doença arterial coronária (diabéticos). Um estudo te ergométrico for não-diagnóstico38. Embora de-
recente propõe um protocolo para avaliação car- rivados de um estudo com diabéticos sintomáti-
diovascular em indivíduos normais que vão se sub- cos e assintomáticos, esses dados reforçam a im-
meter a treinamento físico aeróbico, que inclui a portância da avaliação ecocardiográfica tanto em
realização de ecocardiografia sob estresse com repouso como ao esforço nesse subgrupo de paci-
esforço físico além do teste cardiopulmonar para entes, justificando, em nossa opinião, sua realiza-
estabelecer a segurança da atividade física e me- ção em diabéticos assintomáticos.

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RSCESP
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CAMPOS FILHO O
e cols.
A ecocardiografia
ROLE OF ECHOCARDIOGRAPHY IN ROUTINE
no “check-up” CARDIOVASCULAR EVALUATION (CHECK-UP)
cardiológico

ORLANDO CAMPOS FILHO


WERCULES A. ALVES OLIVEIRA
ADRIANA CORDOVIL

Echocardiography is a versatile diagnostic noninvasive tool that can be applied in the


cardiac evaluation of asymptomatic subjects with risk factors for cardiovascular diseases,
although not recommended for routine screening in large populational studies. Special
subgroups of asymptomatic individuals for echocardiographic evaluation includes
hypertensive patients, diabetics, dislipidemic, obeses, in an attempt to identify structural or
functional signs of subclinical cardiac abnormalities which can lead to profilatic
proceedings. Cardiac evaluation of candidates to physical activities constitutes another
application of echocardiography for asymptomatic subjects, mainly with familial story of
cardiac disease or sudden death, in order to exclude latent myocardial or aortic diseases.
Finally, this article discusses the diagnostic and prognostic role of exercise
echocardiography in diagnosing latent artery coronary disease, particularly in asymptomatic
women and diabetics.

Key words: echocardiography, check-up.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:154-62)


RSCESP (72594)-1608

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162
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols.
ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO CORONÁRIO PELA Estratificação de risco
TOMOGRAFIA COMPUTADORIZADA coronário pela
tomografia
computadorizada

IBRAIM MASCIARELLI F. PINTO


WALTHER ISHIKAWA
ROBERTO SASDELLI NETO
AMANDA G. M. R. SOUSA

Serviço de Tomografia Computadorizada


Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia
Hospital do Coração (HCor) – Associação do Sanatório Sírio

Endereço para correspondência: Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera –


CEP 04012-180 – São Paulo – SP

A tomografia computadorizada por múltiplos detectores pode ser empregada para a


avaliação não-invasiva de indivíduos com suspeita de apresentar doença coronária, uma vez
que ela possibilita calcular o escore de cálcio coronário e realizar a angiotomografia não-
invasiva daqueles vasos. A experiência mundial revela que esse exame apresenta elevados
valores preditivos negativo e positivo. O exame também logra revelar a presença de
obstruções coronárias e pode ser utilizado para o acompanhamento não-invasivo de
pacientes submetidos a cirurgia de revascularização do miocárdio por possibilitar a
estratificação de risco nesses casos.

Palavras-chave: tomografia computadorizada, insuficiência coronária, prognóstico.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:163-71)


RSCESP (72594)-1609

INTRODUÇÃO te artigo é rever, de modo objetivo e crítico, o de-


sempenho da tomografia computadorizada por
A tomografia computadorizada de múltiplos múltiplos detectores na complementação da estra-
detectores vem ganhando grande aceitação como tificação de risco não-invasiva.
forma de avaliação não-invasiva das artérias coro-
nárias. Uma de suas principais aplicações é a de PRINCÍPIOS FÍSICOS, AVALIAÇÃO
identificar subgrupos de pacientes em maior risco DO ESCORE DE CÁLCIO E
para apresentar eventos cardíacos adversos, tais ANGIOTOMOGRAFIA CORONÁRIA
como procedimentos de revascularização, interna-
ção por angina, infarto e morte súbita cardíaca. A tomografia por múltiplos detectores das ar-
Isso ocorre porque esse exame fornece dados so- térias coronárias baseia-se na emissão de raios X
bre o índice de calcificação coronária, sobre a pre-
sença de placas não-calcificadas e, mais recente-
por um tubo gerador que gira ao redor do paciente
em velocidades de, pelo menos, 400 ms por ciclo.
163
mente, sobre a função ventricular. O objetivo des- A radiação incide sobre múltiplas fileiras de de- RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols. tectores, que podem variar de 4 a 64, dependendo se possam localizar as obstruções, para que estas
Estratificação de risco do modelo utilizado. Nesses detectores, então, a possam ser quantificadas e também para que se
radiação incidente gera uma corrente elétrica que possa estimar a composição das placas. As recons-
coronário pela será submetida à conversão análogo-digital, dan- truções volumétricas, por sua vez, são úteis para a
tomografia do lugar às imagens fontes.1, 2 avaliação da função ventricular e para documen-
computadorizada Paralelamente, o traçado eletrocardiográfico do tar a anatomia coronária (Fig. 1). Essas imagens
paciente é registrado durante todo o período de são, por fim, documentadas para fornecer ao mé-
aquisição. Ao término da aquisição o operador dico solicitante todas as informações necessárias
realiza o pareamento entre as imagens e as dife- para a estratificação de risco.
rentes fases do ciclo cardíaco. Desse modo, todas
as estruturas cardíacas, inclusive as artérias coro- ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO:
nárias, podem ser avaliadas em todas as etapas da PAPEL DO ESCORE DE CÁLCIO
movimentação do coração.1, 2
Uma forma alternativa de obter imagens do co- A potencial contribuição do escore de cálcio
ração inclui o registro da anatomia cardíaca em para determinar a faixa de risco dos pacientes ava-
fases predeterminadas do ciclo cardíaco, num liados tem sido sugerida há mais de uma década8.
modo conhecido como aquisição prospectiva. Essa Pesquisas nesse sentido foram realizadas a partir
opção tem a vantagem de expor o paciente a doses do conhecimento da relação clara que existe entre
menores de radiação, mas, por outro lado, é mais a presença de aterosclerose e a existência de cál-
sujeita à presença de artefatos de movimento, uma cio8-11. Sabe-se que a presença de placas de atero-
vez que a sincronização entre a fase do ciclo car- ma na parede arterial é acompanhada da presença
díaco e as imagens registradas pode não ser per- de diferentes graus de calcificação, que são facil-
feita.3, 4 mente identificáveis pela tomografia computado-
A dose de radiação incidente sobre o paciente rizada. Assim, estabeleceu-se desde logo a asso-
tem sido alvo de controvérsia e pode variar de acor- ciação entre o grau de cálcio na parede das artéri-
do com o fabricante, com o modelo de tomografia as coronárias e a maior possibilidade de existir
utilizado e com o protocolo de exame. Todos os doença coronária9.
envolvidos lançam mão de recursos eletrônicos Detrano e Molloi9 defendiam a aplicação do
para reduzir a dose total de radiação necessária método de análise das tomografias das artérias co-
para a realização do exame, mas esta é semelhan- ronárias desenvolvido por Agatston e colaborado-
te àquela necessária em outros exames de imagem, res8, por entender que o depósito de fosfatos de
sendo muito baixa para a realização do escore de cálcio nas placas de ateroma que se formam nas
cálcio e algo mais elevada para a realização da artérias coronárias é um fenômeno relativamente
angiotomografia.3 precoce e que poderia trazer implicações clínicas
A determinação do índice de calcificação das relevantes. Mais tarde, o mesmo grupo12 relatou
artérias coronárias compreende uma etapa única, os resultados da utilização desse método em 491
sem necessidade de procedimentos adicionais. Por indivíduos assintomáticos e que foram submeti-
outro lado, a realização da angiotomografia tam- dos a quantificação do escore de cálcio coronário
bém exige a aquisição de imagens radiográficas e também a cinecoronariografia invasiva. Os au-
simultaneamente à injeção de meio de contraste tores definiram, arbitrariamente, o valor de 200
iodado, com a finalidade de opacificar aqueles como o nível que caracterizava escore elevado.
vasos assim como as cavidades cardíacas e facul- Eles relataram 13 óbitos cardíacos e 1 infarto não-
tar a visibilização não-invasiva das estruturas do fatal, chamando a atenção para o fato de que a
coração.3, 5-7 quantidade de cálcio nas artérias coronárias foi um
A análise das imagens exige que todas as es- preditor de eventos mais significativo que o nú-
truturas sejam revistas em estações de trabalho mero de vasos comprometidos por estenoses. Con-
computadorizadas que possibilitam a reconstru- tudo, os autores caracterizaram a relação entre o
ção das artérias coronárias e das cavidades cardí- índice de calcificação e a incidência de eventos
acas em diferentes planos, inclusive as tridimen- como sendo moderada, uma vez que houve a pre-
sionais. A primeira fase é o cálculo do escore de sença de eventos adversos mesmo em percentis
cálcio coronário, realizado de modo simples, em de risco não muito elevados12.
que o operador delimita a área das artérias coro- O interesse pelo uso desse método ampliou-se
nárias nas quais pode haver calcificação e o com- e o mesmo grupo confirmou a utilidade da reali-
putador determina automaticamente a taxa de cál- zação do escore de cálcio em pacientes de alto-
164 cio naquela região.3, 5-7 Em seguida, são feitas re-
construções longitudinais e transversais das arté-
risco, mesmo que assintomáticos13. Avaliando
1.461 pacientes, esses autores determinaram nú-
RSCESP rias coronárias e das cavidades cardíacas, para que mero de vasos calcificados, idade, colesterol to-
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
tal, diabetes e hipertrofia ventricular ao eletrocar- negativo tem elevado poder preditivo negativo e cols.
diograma como preditores independentes de even- (90%, na experiência dos autores)14. Estratificação de risco
tos coronários adversos. Kennedy e colaborado- Um dos mais importantes trabalhos avaliando
res14 acompanharam 366 casos em quatro centros o impacto da mensuração do cálcio coronário foi
coronário pela
e lograram demonstrar que o grau de calcificação o estudo de Shaw e colaboradores, que acompa- tomografia
nas artérias coronárias e o sexo masculino foram nharam 10.377 indivíduos assintomáticos subme- computadorizada
os únicos preditores independentes de eventos ad- tidos a esse exame, com média de idade de 53 anos
versos. Além disso, de 71 pacientes que não de- e com 60% desses indivíduos do sexo masculi-
monstravam nenhum resquício de cálcio nas arté- no15. Nesse trabalho foi utilizada a divisão, hoje
rias coronárias, 64 apresentavam exames invasi- aceita em quase todos os centros mundiais, dos
vos completamente normais, demonstrando, des- valores do escore de cálcio como 10 ou menos, de
sa forma, que a determinação de escore de cálcio 11 a 100, de 101 a 400, de 401 a 1.000, e maior

Figura 1. A) Imagens de tomografia computadorizada sem injeção de contraste, que servem para
demonstrar a presença de cálcio (setas). Essa informação é a base para a determinação do escore de
cálcio coronário. B) Reconstruções tridimensionais e longitudinais do coração e das artérias coronárias,
165
que permitem a visibilização e a análise das artérias coronárias. RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols. que 1.00015. Os pacientes foram acompanhados por Anand e colaboradores17, que empregaram proto-
Estratificação de risco cinco anos e no final desse período a mortalidade colo semelhante em 220 pacientes com média de
ajustada foi de 1% para os casos de cálcio de 10 idade de 61 anos e dos quais 85% eram homens.
coronário pela ou menos e de 5% quando o escore era maior que Com resultados semelhantes aos do estudo de
tomografia 1.000. Um importante achado foi o de que a inci- Moser16 e colaboradores, os autores demonstraram
computadorizada dência de eventos aumentava de acordo com a pro- que houve isquemia à cintilografia em 18% dos
porção do cálcio coronário (Tab. 1)15. Avançando 119 pacientes que apresentavam índice de cálcio
na análise dos dados, os pacientes foram dividi- entre 101 e 400, incidência que aumentou para
dos em três subgrupos, de acordo com o escore de 45% nos 101 casos nos quais o escore de cálcio
risco de Framingham, isto é, baixo com 1.302 ca- era maior que 40117.
sos, moderado com 5.876 indivíduos e alto com Greenland e colaboradores também abordaram
3.194 pacientes. Em todos houve relação direta a associação entre a determinação dos fatores de
entre o maior escore de cálcio e a mortalidade por risco clássicos e o índice de cálcio coronário18. Eles
todas as causas. Os próprios autores reconhecem avaliaram 1.461 pacientes assintomáticos e de-
que o trabalho incluiu casos que apresentavam al- monstraram que naqueles nos quais o escore de
guns fatores de risco por terem sido referidos por cálcio era superior a 330 a chance de ocorrência
seus médicos e isso pode não refletir o desempe- de eventos adversos aumentava 3,9 vezes. Contu-
nho do exame na população geral. Eles concluem, do, ao subdividir os pacientes conforme o escore
afirmando que o cálculo do índice de cálcio esta- de risco de Framingham, os autores demonstra-
ria indicado em especial nos indivíduos que mos- ram que quando perfil de risco pré-teste era me-
trassem perfil de risco pré-teste intermediário. nor que 10% o índice de cálcio não apresentou
A relação entre presença de calcificação nas nenhum impacto nos pacientes. O impacto da de-
artérias coronárias e existência de insuficiência co- terminação do índice de cálcio coronário se apre-
ronária foi confirmada em trabalho de Moser e co- sentava em sua plenitude quando os pacientes apre-

Tabela 1. Mortalidade por todas as causas e taxa de risco relativo em cada uma das faixas de escore de
cálcio, revelando que esse índice teve impacto em todos os subgrupos avaliados. (Adaptado de Shaw
e cols.15)

Mortalidade
Escore Número de por todas Taxa de
de cálcio pacientes as causas (%) risco relativo

< 10 5.946 1,0 —


11-100 2.044 2,6 2,5
101-400 1.432 3,8 3,6
401-1.000 632 6,3 6,2
> 1.000 332 12,3 12,3

laboradores16. Esses autores estudaram 794 paci- sentavam taxa de risco acima de 10%. Era neste
entes que também foram submetidos a cintilogra- último subgrupo que a prevalência de eventos au-
fia do miocárdio. Dos indivíduos incluídos no es- mentou 3,9 vezes (intervalo de confiança: 2,0-
tudo, 422 apresentavam escore igual ou inferior a 10,4). Embora com menor casuística, esse estudo
100 e nestes não houve nenhum caso de defeito confirma as impressões de Moser e colaborado-
transitório ou fixo no exame de perfusão miocár- res, que especularam que, embora taxas de cálcio
dica. Por outro lado, dos 59 pacientes que apre- elevado sejam elementos de pior prognóstico para
sentavam escore de cálcio entre 101 e 400 houve todos os casos, o impacto desse parâmetro é mais
6% de defeitos transitórios à cintilografia e nos importante nos indivíduos que apresentam perfil
38 casos com índice de cálcio maior que 400 a de risco pré-teste intermediário. Conclusões seme-
proporção de casos de isquemia no teste de medi- lhantes foram recentemente relatadas por Hecht e
166 cina nuclear aumentou para 35%16.
A associação entre cálcio coronário e isque-
colaboradores em revisão feita do tema19.
É importante lembrar que em todos os traba-
RSCESP mia miocárdica foi confirmada no trabalho de lhos descritos houve grande destaque para o fato
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
de que com índices de cálcio reduzidos, em espe- tratificar o risco de eventos coronários. A experi- e cols.
cial quando esse valor é zero, a possibilidade de ência de nosso serviço demonstrou que o exame Estratificação de risco
existir doença coronária é reduzida20, 21. pode realizar, de modo efetivo, a estratificação de
Por outro lado, existem limitações relaciona- risco após a revascularização cirúrgica do miocár-
coronário pela
das à quantificação do índice de cálcio coronário, dio. O exame pode, com facilidade, demonstrar a tomografia
tais como o fato de que esse parâmetro não deve patência de enxertos arteriais e venosos utiliza- computadorizada
ser utilizado para o seguimento dos pacientes, além dos, além de identificar a presença de obstruções
de que ele não se reduz ao longo da vida do paci- naqueles vasos (Fig. 2). Avaliando 136 pacientes
ente, por mais eficaz que seja o tratamento em- submetidos a angiotomografia e a cinecoronario-
pregado, e, de modo muito importante, a avalia- grafia, encontramos sensibilidade de 91% e espe-
ção do escore de cálcio não faculta a análise da cificidade de 96% para encontrar obstruções nas
parede do vaso ou a identificação de placas não- artérias coronárias. Acompanhando esses pacien-
calcificadas. Isso fez com que alguns centros pas- tes por 14 meses, determinamos valor preditivo
sassem a realizar a complementação do exame positivo de 94% para definir a incidência de even-
utilizando para tanto a injeção de contraste ioda- tos adversos.
do, a fim de realizar a angiotomografia das artéri-
as coronárias.

ESTRATIFICAÇÃO DE RISCO:
ANGIOTOMOGRAFIA DAS
ARTÉRIAS CORONÁRIAS

A angiotomografia das artérias coronárias é um


exame não-invasivo, que utiliza a técnica dos exa-
mes de tomografia computadorizada por múltiplos
detectores associada à injeção de meio de contraste
iodado para revelar a anatomia das artérias coro-
nárias, para identificar a presença de obstruções
arteriais coronárias e também para permitir o es-
tudo das placas de ateroma.
Knez e colaboradores 6 demonstraram que,
mesmo com os equipamentos de primeira gera-
ção, que adquiriam oito imagens por segundo, já
era possível demonstrar a anatomia da árvore ar-
terial coronária e detectar a presença de obstru-
ções. Leber e colaboradores22 confirmaram os re-
sultados favoráveis e o trabalho de Nieman e co-
laboradores23 revelou que a avaliação tridimensi-
onal do coração a partir das imagens da tomogra- Figura 2. Angiotomografia das artérias coronárias
fia computadorizada de múltiplos detectores fa- demonstrando a presença de uma anastomose de
cultava a completa análise das artérias coronárias artéria torácica interna esquerda com a artéria
e a identificação da presença de obstruções. Os descendente anterior e uma ponte de safena para a
autores apontaram algumas limitações do exame, artéria marginal que se encontram pérvias.
tais como a dificuldade em realizar a análise com-
pleta das artérias coronárias e alguma imprecisão
na quantificação das obstruções intermediárias, A mesma estratégia pode ser empregada no es-
mas concluíram que esse exame apresentava gran- tudo das artérias coronárias nativas. Nikolaou e
de potencial. colaboradores25 demonstraram que até 30% das
Tanto a sensibilidade como a especificidade do placas encontradas nas artérias de pacientes com
exame foram sendo aprimoradas conforme a téc- insuficiência coronária eram puramente não-cal-
nica progredia; com o lançamento dos equipamen- cificadas. Estudo posterior do mesmo grupo26 re-
tos de 64 imagens por rotação, a literatura passou velou que as imagens conseguidas pela tomogra-
a relatar valores de 83% e 97%, respectivamente, fia computadorizada por múltiplos detectores po-
para identificar obstruções que diminuíssem em deria ser efetivamente empregada para determi-
mais de 75% a luz dos vasos24.
Tais resultados favoráveis estimularam o em-
nar a carga total de aterosclerose que comprome-
tia cada paciente em particular.
167
prego mais amplo dessa técnica também para es- A avaliação das artérias coronárias nativas com RSCESP
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PINTO IMF
e cols. a tomografia computadorizada de múltiplos detec- os ateromas interagem com os raios X, permitia
Estratificação de risco tores demonstrou bons resultados conseguidos na distinguir os portadores de síndromes instáveis.
avaliação dos enxertos (Fig. 3). Nossa experiência Nossa experiência também demonstrou que a
coronário pela demonstra que temos sensibilidade de 89% e espe- determinação de placas não-calcificadas contribui
tomografia cificidade de 93%, além de valor preditivo positivo para a estratificação de risco de pacientes com
computadorizada de 91%. Chama muito a atenção o fato de que o va- suspeita de insuficiência coronária. Acompanha-
lor preditivo negativo do exame foi de 97%. mos 643 pacientes, calculando neles o índice de
Uma importante aplicação desse método sur- cálcio e a quantidade de placas não-calcificadas
giu com os trabalhos de Kunimasa e colaborado- (Fig. 4). Ao final de 30 meses de evolução, foram
res27 e de Hoffmann e colaboradores28, que de- observados eventos adversos em 54 pacientes.

Figura 3. Angiotomografia das artérias coronárias nativas demonstrando doença coronária extensa na
artéria descendente anterior, na qual existem placas de ateroma significativas.

monstraram a possibilidade de utilizar a angioto- Nestes, o índice de cálcio era superior àquele en-
mografia das artérias coronárias para tipificar a contrado nos indivíduos sem eventos (242 + 73
composição das placas que comprometam esses vs. 64 + 8; p < 0,001), havia mais diabéticos (18,
vasos. Nossa experiência nesse sentido demons- 33% vs. 62, 10,5%; p < 0,05), e escore de placas
tra que é possível revelar diferenças entre síndro- não-calcificadas (258 + 57 vs. 42 + 21; p < 0,0001).
mes coronárias utilizando a tomografia computa- A análise estatística multivariada demonstrou es-
dorizada de múltiplos detectores. Comparando 150 ses elementos como os únicos preditores indepen-
pacientes com síndromes coronárias agudas com dentes dos eventos adversos.
150 pacientes portadores de angina estável, de-
168 monstramos que o índice de cálcio era igualmente
elevado nos dois subgrupos, mas que o coeficien-
CONCLUSÃO

RSCESP te de atenuação das placas, isto é, o modo como A tomografia computadorizada por múltiplos
JUL/AGO/SET 2006
PINTO IMF
e cols.
Estratificação de risco
coronário pela
tomografia
computadorizada

Figura 4. Reconstrução longitudinal de angiotomografia mostrando a forma como se procede para


determinar o escore de cálcio (áreas em bege) e o escore de placas lipídicas (áreas em azul) que
comprometem as artérias coronárias.

detectores vem ocupando posição de destaque na tivo de 97% e mostra sensibilidade e especificida-
estratificação de risco de pacientes com suspeita de acima de 90%. Naturalmente o exame apresen-
de apresentar doença coronária, assim como em ta ainda algumas limitações e exige que certos
indivíduos sintomáticos e após revascularização avanços sejam feitos, mas seu uso clínico pode
cirúrgica do miocárdio. A realização combinada identificar subgrupos de maior risco e contribuir
do cálculo do índice de cálcio coronário e da an- de modo muito importante para a prática clínica
giotomografia dá ao exame valor preditivo nega- da cardiologia.

169
RSCESP
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e cols.
Estratificação de risco
CORONARY RISK STRATIFICATION BY
coronário pela COMPUTED TOMOGRAPHY
tomografia
computadorizada

IBRAIM MASCIARELLI F. PINTO


WALTHER ISHIKAWA
ROBERTO SASDELLI NETO
AMANDA G. M. R. SOUSA

Multi slice computed tomography may be a useful tool to the non-invasive evaluation of
patients with suspected coronary artery disease. It offers the possibility of calculating the
coronary calcium score and to perform the non-invasive angiography of the coronary
arteries. The medical literature reports high positive and, specially, negative predictive
values. It is also possible to detect the presence of obstructions in the coronary arteries and
may be used to the follow-up of patients undergoing surgical myocardial revascularization
for it allows the risk stratification even in this subset of patients.

Key words: computed tomography, coronary artery disease, prognosis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:163-71)


RSCESP (72594)-1609

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171
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
e col.
Análise crítica
ANÁLISE CRÍTICA DOS MÉTODOS NÃO-INVASIVOS
dos métodos PARA AVALIAÇÃO CARDIOLÓGICA
não-invasivos
para avaliação
cardiológica
FAUSTO HARUKI HIRONAKA
GUSTAVO KEN HIRONAKA

Departamento de Radiologia – Faculdade de Medicina – FMUSP

Endereço para correspondência:


Rua Dr. Ovídio Pires de Campos, s/no – CEP 05430-010 – São Paulo – SP

Por conseqüência da importância da doença vascular aterosclerótica assintomática na


morbidade e na mortalidade das doenças cardiovasculares, tornaram-se prioritários a
identificação e o tratamento adequado dos pacientes de alto risco. A detecção desses
pacientes de alto risco deve ser baseada em fatores de risco maiores. A utilização de
métodos complementares de imagem em adição aos índices derivados de fatores
de risco é discutida.

Palavras-chave: aterosclerose, diagnóstico por imagem, doenças vasculares, fatores de


risco, isquemia miocárdica.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:172-7)


RSCESP (72594)-1610

EPIDEMIOLOGIA DA DOENÇA ARTERIAL das mortes por doença arterial coronariana ocor-
CORONARIANA ATEROSCLERÓTICA rem fora do hospital, metade das mortes ocorre de
forma súbita e inesperada, e metade das mortes
Aterosclerose é moléstia crônica que acomete súbitas ocorre sem história clínica de doença arte-
de forma generalizada as artérias do corpo huma- rial coronariana3; c) um em cada seis síndromes
no. O processo fisiopatológico tem componente isquêmicas agudas se manifesta por meio de mor-
genético mas é afecção predominantemente adqui- te súbita como primeiro, último e único sintoma1;
rida e evolui desde tenra idade de forma progres- d) um em cada três infartos agudos de miocárdio é
siva. Forma tardia de manifestação é a doença ar- silencioso ou não reconhecido, embora o prognós-
terial clínica, com sintomas agudos de isquemia tico seja semelhante ao sintomático3, 4. Existe, por-
ou necrose da região irrigada. Entretanto, grande tanto, na população geral, um contingente de por-
parcela da população portadora de aterosclerose tadores de doença arterial coronariana ateroscle-
evolui assintomática, chamada de fase pré-clíni- rótica cuja história natural pode ser modificada
ca, e a compreensão dessa fase da moléstia se faz com identificação e tratamento.Como a ateroscle-
por meio de estudos populacionais. O estudo de rose se apresenta como um contínuo de intensida-
Framingham possibilitou acompanhar a história des de comprometimento e existem várias alter-
clínica da doença durante 50 anos na população nativas de tratamento, há necessidade de se ade-
geral, e estabelecer sem viés de seleção a real im- quar a intensidade do tratamento à do comprome-
portância da doença coronariana aterosclerótica1. timento, tornando possível maiores ganhos abso-
172 Constatou-se que: a) aos 40 anos, um em cada dois
homens e uma em cada três mulheres desenvolve-
lutos nos casos de maior gravidade. Assim, para a
ação clínica, torna-se indispensável estratificar risco
RSCESP rão a doença durante a existência2; b) dois terços individual para evento coronariano grave. Define-se
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
como evento coronariano grave a morte súbita de dos no estudo de Framingham os seguintes fato- e col.
origem coronariana e o infarto agudo do miocárdio. res: tabagismo, hipertensão arterial, hipercoleste- Análise crítica
rolemia, diabetes melito, e baixa taxa de coleste-
LIÇÕES DE ANATOMIA rol associado à lipoproteína de alta densidade
dos métodos
(HDL-colesterol). Esses fatores de risco justificam não-invasivos
A trombose é o acontecimento determinante 90% do excesso de risco dos portadores de doen- para avaliação
da instabilidade da doença arterial coronariana ate- ça arterial coronariana11. A idade é fator de risco cardiológica
rosclerótica e responsável pelo evento grave5, 6. por representar a somatória do tempo de exposi-
Acontece por duas principais lesões na placa ate- ção aos outros fatores de risco, aumentando a car-
rosclerótica, denominada de placa vulnerável: ga aterosclerótica e a probabilidade de rotura ou
1) Erosão endotelial – na superfície de capa fibro- erosão de placa. São também fatores de risco ina-
sa, que é a estrutura que separa o núcleo lipídico tividade física, história familiar de doença arterial
da luz vascular. Ocorre freqüentemente em artéri- coronariana e obesidade, denominados de predis-
as com estenoses significativas e artérias de me- ponentes. Avaliação de risco global são modelos
nor calibre5. matemáticos em que se obtêm, por meio da pon-
2) Rotura da capa fibrosa – mais freqüente, inde- deração de fatores de risco, números que repre-
pendentemente do grau de estenose. A seguir es- sentam a somatória total de risco. São derivados
tão descritos os fatores locais que predispõem à do estudo de Framingham, e é possível estimar o
rotura: a) maior infiltração de monócitos, respon- risco de evento coronariano grave em 10 anos. Para
sáveis pela produção de proteases, como as meta- tanto, incorpora as seguintes variáveis: idade, sexo,
loproteinases, que destroem a matriz colágena (a colesterol total, HDL-colesterol, tabagismo, pres-
lesão instável é caracterizada por intenso proces- são arterial sistólica e tratamento de hipertensão12.
so inflamatório, especialmente nas proximidades Permite classificar os indivíduos em: baixo risco
da linha de rotura)7; b) apoptose de fibra muscular (6% de eventos em 10 anos), sem fatores de risco;
lisa da capa fibrosa8; c) as lesões com rotura agu- médio risco (6% a 20% de eventos em 10 anos),
da de placa têm freqüentemente núcleo lipídico com pelo menos um fator de risco; e alto risco
cujas dimensões ocupam área de 34% + 17% da (20% de eventos em 10 anos), que é o nível da
área total da placa e medem em média 3,8 mm2 + doença arterial coronariana sintomática estável. No
5,5 mm2 e 9 mm de comprimento9; d) capa fibrosa grupo de alto risco estão também os portadores de
fina, definida como espessura menor que 65 mi- doença vascular em outra artéria que não as coro-
cra quando está associada a 95% das roturas agu- nárias (aneurisma de aorta, doença vascular peri-
das de placa (para identificá-la por método de férica, lesão carotídea sintomática)12. Estima-se
imagem, a capacidade de resolução espacial deve que na população adulta americana 35% se en-
estar no mínimo em 50 micra)8, 9. quadrem no grupo de baixo risco; 40%, no grupo
de médio risco; e 25%, no grupo de alto risco13.
CALCIFICAÇÃO DE PLACA Os doentes portadores de diabetes melito são con-
siderados de alto risco.
A deposição de cálcio ocorre precocemente
no núcleo lipídico e em região com presença de Métodos de imagem na avaliação de risco
lípides extracelulares. A extensão da calcifica- cardiovascular: o coração como alvo
ção correlaciona-se com a soma dos estreitamen- A importância da caracterização e da quantifi-
tos maiores das artérias coronárias 10. Mas a fra- cação da aterosclerose pré-clínica em cada paci-
ca correlação com o grau de estenose não per- ente decorre da premissa de que cada indivíduo
mite inferir a artéria de maior estenose em de- apresenta, além da suscetibilidade genética, inte-
terminado coração. Não há achados que justifi- ração e potencializações específicas dos fatores de
quem a idéia de que a calcificação provoque risco e tempo de exposição individualizado aos
instabilidade de placa, pois se trata de resposta mesmos. Acrescente-se que o que não é mensurá-
orgânica secundária 8, 10. vel certamente não pode ser ponderado, o que faz
com que hábitos de vida não sejam comumente
AVALIAÇÃO DE RISCO contabilizados em índices de riscos. Apesar de
CARDIOVASCULAR lógica e racional, a comprovação dessa idéia não
é simples, pois a população com aterosclerose pré-
Avaliação de risco cardiovascular inicial clínica tem baixa ocorrência de eventos graves, o
no consultório que implica o estudo de grande número de paci-
Consta de identificação e determinação da gra-
vidade dos fatores de risco. Os fatores de risco
entes além de acompanhamento em longo perío-
do. Tem especial importância no grupo de médio
173
maiores são independentes, tendo sido identifica- risco quando a informação fundamenta a decisão RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
HIRONAKA H
e col. de estabelecer tratamento intensivo apropriado portância prognóstica para eventos cardiovascu-
Análise crítica para alto risco ou acompanhamento adequado para lares, pelo fato de ser afecção caracteristicamente
baixo risco. sistêmica. A intensidade do comprometimento
dos métodos Eletrocardiografia pode ser mensurada por meio de um contínuo de
não-invasivos A eletrocardiografia, apesar de ser o méto- valores, e pode-se inferir que haja acometimento
para avaliação do complementar mais utilizado, não é método paralelo nas artérias coronárias.
cardiológica de rastreamento eficiente em indivíduos assin- Índice de pressão sistólica tornozelo braço
tomáticos14, 15. Entretanto, no grupo de alto ris- A relação das pressões sistólicas nos membros
co os achados positivos estabelecem diferentes inferior e superior é método de detecção de obs-
patamares de gravidade. trução vascular periférica de alta sensibilidade
Teste de esforço (90%) e alta especificidade (98%) para lesões es-
O uso diagnóstico de teste de esforço e dos tenótica maiores que 50%22. O índice tem valor
testes de indução de isquemia é limitado pela sen- prognóstico para mortalidade cardiovascular, mes-
sibilidade e pela especificidade imperfeita. Como mo após ajuste multivariado para fatores de ris-
se trata de população de baixa prevalência de situ- co23.
ações com reserva coronariana comprometida, o Ultra-sonografia
fato repercute na baixa capacidade preditiva do a) Espessura íntima média
teste positivo e, portanto, no elevado número de A espessura íntima média das carótidas, quan-
falsos positivos. Digno de nota são os estudos de do adequadamente sistematizada e padroniza-
sensibilidade, com exclusão do viés de verifica- da, por ser segura e relativamente pouco one-
ção, em que a sensibilidade do teste de esforço foi rosa, é extremamente apropriada para estudos
de 45%16, o que tende a diminuir a acurácia predi- epidemiológicos. Esses estudos demonstram
tiva. O uso prognóstico, porém, tem sido preconi- relação com eventos cardiovasculares e incre-
zado, por meio de mensurações não relacionadas mento progressivo de risco com aumento de
ao segmento ST17. espessura. A associação com eventos perma-
Tomografia computadorizada por meio de nece mesmo após ajustes para fatores de risco
feixe de elétrons tradicionais24-27. A repetição da medida permi-
A calcificação está associada ao processo ate- te detectar progressão da espessura íntima
rosclerótico e a tomografia computadorizada é mé- média, e a eventual regressão após interven-
todo acurado para medir a quantidade de cálcio ções terapêuticas28.
nas artérias coronárias. O índice de cálcio está re- b) Estudos de função endotelial
lacionado à quantidade de aterosclerose coronari- O ácido nítrico produzido pelas células endo-
ana, e é um possível marcador de instabilidade de teliais tem papel relevante na fisiopatologia da
placa18. Não é apropriado para rastreamento de do- aterosclerose. Participa também da resposta va-
ença arterial coronariana, e o valor aditivo à infor- sodilatadora pós-isquêmica, estimada medin-
mação obtida por meio dos índices de risco é con- do-se a variação do diâmetro ultra-sonográfi-
trovertida19, 20. co das artérias. É método extremamente sensí-
Tomografia computadorizada e ressonância vel, sendo influenciado por tabagismo recen-
magnética te, ingestão de refeição gordurosa e ciclo mens-
A imagem do coração e das artérias coronári- trual22. Necessita sistematização e padroniza-
as requer do equipamento resolução tanto tempo- ção, mas é método promissor na avaliação de
ral como espacial. Como parâmetro de compara- risco cardiovascular.
ção, a cineangiocoronariografia tem resolução
temporal de 4 ms a 7 ms e resolução espacial de A CARDIOPATIA ATEROSCLERÓTICA
0,1 mm. Os tomógrafos com multidetectores têm SUBCLÍNICA
resolução espacial de 0,4 mm e temporal de 60 ms
a 300 ms21. Embora a possibilidade de estudar as O estudo populacional “Multi-Ethnic Study of
alterações induzidas pela aterosclerose na parede Atherosclerosis” (MESA)29 demonstrou a presen-
das artérias coronárias em pacientes por meio de ça de disfunção cardíaca em indivíduos assinto-
tomografia ou ressonância seja idéia atraente, hoje máticos. A função ventricular medida pelo encur-
a resolutividade técnica dos métodos está abaixo tamento circunferencial, que decorre de torção (ro-
do apropriado. tação inversa do ápice em relação à base), está glo-
bal e regionalmente comprometida. Existe corre-
Métodos de imagem na avaliação do risco lação inversa entre encurtamento circunferencial
174 cardiovascular: o sistema vascular como alvo
A detecção de alterações decorrentes de ate-
e espessura íntima media da carótida30. A reserva
coronariana está diminuída nesses indivíduos e se
RSCESP rosclerose em outros territórios vasculares tem im- correlaciona inversamente ao índice de Framing-
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HIRONAKA H
31 34
ham . A reserva coronariana regional está tam- preditor independente de risco , mesmo em gru- e col.
bém deprimida e se correlaciona inversamente ao po de alto risco, como o dos portadores de diabe- Análise crítica
índice de cálcio da artéria coronária correspon- tes melito35. O valor prognóstico da detecção da
dente32. A correlação direta da disfunção ventri- cardiopatia aterosclerótica subclínica ainda pre- dos métodos
cular regional com a menor resposta vasodilata- cisa ser definido. O método de diagnóstico por não-invasivos
dora está igualmente sugerida no estudo MESA33. imagem, hoje, apesar das limitações apontadas, para avaliação
É possível, portanto, constatar que a doença coro- representa alternativa concreta para individua- cardiológica
nariana subclínica não é distinta da sintomática, e lizar a investigação e o tratamento, paradigma
que evolui paralelamente à arteriopatia sistêmica. da medicina exercida com qualidade e compe-
A detecção de doença aterosclerótica subclínica é tência.

CRITICAL ANALYSIS OF NONINVASIVE METHODS


IN CARDIOLOGIC EVALUATION

FAUSTO HARUKI HIRONAKA


GUSTAVO KEN HIRONAKA

As consequence of importance of asymptomatic atherosclerotic vascular disease related to


morbility and mortality of cardiovascular disease, identification and adequate treatment of
high risk patients became a priority. The detection of high risk patients must be performed
based on major risk factors. The utilization of complementary imaging methods in addition
to scores derived from risk factors is discussed.

Key words: atherosclerosis, diagnostic imaging, myocardial infarction, risk factors,


vascular diseases.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:172-7)


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Síndromes
SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS E INFLAMAÇÃO
coronárias agudas
e inflamação JULIANO LARA FERNANDES
ALEXANDRE SOEIRO
CÉSAR BISELLI FERREIRA
CARLOS V. SERRANO JR.

Unidade Clínica de Coronariopatia Aguda − Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

A ruptura abrupta da capa fibrótica de placas de aterosclerose, com conseqüente agregação


plaquetária e trombose, é responsável por cerca de 75% dos casos de síndromes isquêmicas
agudas, incluindo angina instável, infarto agudo do miocárdio e mortes súbitas. No entanto,
a presença dessas placas não prediz totalmente um evento coronário agudo, de modo que os
mecanismos responsáveis pelo enfraquecimento da capa fibrótica e ruptura subseqüente
ainda precisam ser totalmente elucidados. Nesse contexto, grande número de trabalhos vem
demonstrando que o processo inflamatório está intimamente ligado à fisiopatologia da
ruptura da placa aterosclerótica e conseqüente expressão clínica das síndromes coronárias
agudas. Nesta revisão serão apresentados os principais mecanismos que envolvem os
processos inflamatórios e trombóticos nas síndromes coronárias agudas, além de ser
demonstrado como o processo pode ser identificado clinicamente e seu possível manejo.

Palavras-chave: síndrome coronária aguda, inflamação, trombose.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:178-86)


RSCESP (72594)-1611

INTRODUÇÃO lhos vem demonstrando que o processo infla-


matório está intimamente ligado à fisiopatolo-
A ruptura abrupta da capa fibrótica de pla- gia da ruptura da placa aterosclerótica e à con-
cas de aterosclerose, com conseqüente agrega- seqüente expressão clínica das síndromes coro-
ção plaquetária e trombose, é responsável por nárias agudas4. Células inflamatórias locais po-
cerca de 75% dos casos de síndromes isquêmi- dem gerar e expressar uma série de citocinas
cas agudas, incluindo angina instável, infarto com potencial para ativação endotelial, rever-
agudo do miocárdio e mortes súbitas1. Alguns tendo parte de sua estrutura naturalmente antia-
tipos de placas são mais suscetíveis a rupturas, desiva e anticoagulante. Além disso, a redução
denominadas “placas vulneráveis” 2, usualmen- da síntese da matriz de colágeno na placa, além
te caracterizadas por núcleo lipídico rico e capa do aumento de proteinases que degradam a mes-
fibrosa afilada, em geral com diâmetros inferi- ma, também contribui para a aceleração do pro-
ores a 65 µm. Entretanto, sabe-se que, em um cesso. Finalmente, esse mesmo ambiente pró-
dado paciente, ocorrem dezenas de placas com inflamatório intensifica a expressão de fatores
essas características ao mesmo tempo, embora pró-coagulantes e oxidantes, não só aumentan-
a maioria delas permaneça intacta e nunca se do a reatividade celular a mais células inflama-
rompa3. Assim, fica claro que a mera presença tórias como ativando o sistema de coagulação,
dessas placas não prediz totalmente um evento criando situação sistêmica não mais da existên-
coronário agudo e que os mecanismos respon- cia de “placas vulneráveis” mas de “paciente
sáveis pelo enfraquecimento da capa fibrótica e vulnerável”, com a tríade disfunção endotelial,
178 pela subseqüente ruptura ainda precisam ser to-
talmente elucidados.
inflamação e pró-coagulação caracterizando
uma situação de aterotrombose5, 6.
RSCESP Na última década, grande número de traba- Nesta revisão serão apresentados os princi-
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pais mecanismos que envolvem os processos in- tidades aumentadas dessa imunoglobulina, sen- e cols.
flamatórios e trombóticos nas síndromes coro- do aqui, mais uma vez, a expressão de citocinas Síndromes
nárias agudas, além de ser demonstrado como o inflamatórias fundamental para que isso ocor-
processo pode ser identificado clinicamente e ra, sobretudo por meio da formação do fator de
coronárias agudas
seu possível manejo. necrose tumoral alfa (TNF-α)11. Depois de fi- e inflamação
xados, os leucócitos migram, então, para o es-
MECANISMOS INFLAMATÓRIOS E paço subendotelial pelas junções intercelulares
IMUNOLÓGICOS NAS SÍNDROMES do endotélio, guiados pelo gradiente de citoci-
CORONÁRIAS AGUDAS nas e, principalmente, pela lipoproteína de bai-
xa densidade (LDL) oxidada.
Disfunção endotelial
A disfunção endotelial, um dos primeiros LDL oxidada, resposta inata e resposta
processos que dão origem à formação das pla- adaptativa
cas aterotrombóticas, é caracterizada pela redu- A presença de LDL oxidadas no espaço su-
ção da expressão e síntese do óxido nítrico7. A bendotelial promove o aumento da resposta in-
disfunção endotelial está intimamente ligada aos flamatória inicial, descrita anteriormente, pela
processos inflamatórios, permitindo a entrada e ativação de uma resposta imunológica inata e
a oxidação de lipoproteínas circulantes à região adaptativa12. A resposta inata é mediada sobre-
subendotelial, atraindo monócitos e linfócitos tudo por receptores “scavengers”, principalmen-
para o local e promovendo um estado pró-trom- te o SR-A e o CD-36, responsáveis pela inter-
bótico dentro da luz do vaso (Fig. 1). Mediadas nalização de LDL oxidadas no macrófago, trans-
por diversos fatores de risco tradicionais (hiper- formando-as em células espumosas. Essa res-
tensão arterial sistêmica, diabetes melito, taba- posta inata também promove a ativação de me-
gismo, hipercolesterolemia), as células endote- canismos intracelulares mediados pelo NF-ka-
liais passam inicialmente a expressar molécu- ppa-B, promovendo a amplificação do sinal in-
las da superfamília das selectinas (E- e P-selec- flamatório com a síntese de novas quimiocinas,
tinas). As selectinas são proteínas que se ligam como MCP-1 e M-CSF. Outro mecanismo de
a sítios comuns de carboidratos, cuja função resposta inata também ativada pelas LDL oxi-
principal é a de promover a migração de leucó- dadas ocorre por meio dos receptores “toll-like”
citos para diversos tecidos, sobretudo o endoté- (TLRs). Esses receptores, como, por exemplo,
lio. Essas selectinas promovem a redução da o TLR4, que se localiza junto às placas de ate-
velocidade de circulação de monócitos e linfó- rosclerose em artérias coronárias, reconhecem
citos sanguíneos, permitindo o contato íntimo especificamente lipopolissacarídeos bacteria-
dessas células inflamatórias com a parede en- nos, sendo capazes de interagir também com a
dotelial 8, 9. fibronectina e com as proteínas “heat shock”.
A partir do rolamento celular inicial, é ne- A resposta adaptativa envolve mecanismos
cessário um próximo passo para a fixação defi- muito mais complexos que a imunidade inata e
nitiva desses leucócitos ao local da lesão. Cito- pode levar até semanas para estar totalmente mo-
cinas e quimiocinas atuando localmente são fun- bilizada, envolvendo células bastante específi-
damentais nessa etapa, ativando os leucócitos cas (Fig. 2). Dentre essas células específicas,
por meio da expressão, nessas células, das inte- destacam-se, no processo de aterosclerose, os
grinas β2. Destacam-se aqui as quimiocinas linfócitos T do tipo CD4+ e os monócitos capa-
CCL2 (MCP-1), fatores quimiotáticos específi- zes de reconhecer antígenos protéicos, e tam-
cos para monócitos/macrófagos, e CXCL9 e bém a LDL oxidada13, inclusive com a forma-
CXCL10 com receptor CXCR3, grupo de qui- ção de anticorpos anti-LDL oxidada 14. Esses
miocinas ligadas à resposta do tipo T “helper” dois tipos celulares têm sido encontrados infil-
(Th)-1 10. trando as placas de ateroma 15, 16, modulando o
Na resposta inflamatória inicial das placas equilíbrio entre respostas pró-inflamatória e
de aterosclerose, a etapa seguinte corresponde antiinflamatória, e fazendo com que as placas
à fixação dos leucócitos previamente ativados adquiram um fenótipo mais ou menos estável17, 18.
ao endotélio. Nessa etapa, é fundamental a in- A evolução para estabilidade ou instabilidade
teração entre integrinas leucocitárias, expressas da placa de aterosclerose é determinada a partir
anteriormente, e moléculas da superfamília das da definição de como essas células se comuni-
imunoglobulinas, como molécula de adesão in- cam entre si, com sinais que podem estimular
tercelular 1 (ICAM-1) e molécula de adesão da
célula vascular 1 (VCAM-1), expressas na cé-
ou bloquear sua ativação. Essa comunicação é
realizada por meio de diversas citocinas produ-
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lula endotelial8. A célula endotelial produz quan- zidas no local da placa e também em sítios re- RSCESP
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Figura 1. Processo de disfunção endotelial e inflamação.


ICAM = molécula de adesão intercelular; VCAM = molécula de adesão da célula vascular.

motos. Na aterosclerose, essas citocinas e os ti- versas células são capazes de sintetizar a IL-6,
pos celulares selecionados da circulação sanguí- entre elas os monócitos, os fibroblastos e as cé-
nea determinam um estereótipo de resposta bas- lulas endoteliais, sendo a citocina atuante como
tante específico, conhecido como resposta Th110, 19. diferenciador de linfócitos B e fator de ativação
Essa resposta caracteriza-se, principalmente, de linfócitos T. A IL-6, em conjunto com as de-
pela presença do interferon gama 20, interleuci- mais citocinas pró-inflamatórias mencionadas
na (IL)-1221 e TNF-α)22, 23, todas elas agindo si- anteriormente, determinam ampla resposta imu-
nergicamente no processo imunológico. nológica frente a estímulos na fase aguda de
A presença desse tipo de resposta imunoló- instabilização da placa de aterosclerose.
gica na aterosclerose foi demonstrada em diver-
sos estudos prévios. Nas chamadas placas vul- Instabilização da placa: ruptura e erosão
neráveis ou propensas a se romper, observa-se Ruptura de placa
a presença de altas concentrações das citocinas O que faz exatamente com que uma “placa
pró-inflamatórias Th1, como interferon gama24, 25 vulnerável” se rompa diante das dezenas de ou-
e IL-1226, 27. Essa ativação particular do sistema tras que permanecem estáveis ou regridem? Um
imune pode também ser identificada não só pelo provável mecanismo está relacionado com as
aumento local mas também pela amplificação forças físicas envolvidas no local de formação
sistêmica dos níveis séricos desses marcadores das placas, principalmente em suas extremida-
inflamatórios10, 28-30. Essa amplificação sistêmi- des, em que o impacto do fluxo sanguíneo e da
ca pode também ser demonstrada, ainda que de angulação da placa é mais intenso36. Uma análi-
forma inespecífica, pelo aumento de proteínas se mais profunda desse mecanismo foge, porém,
que caracterizam uma resposta inflamatória de do escopo desse texto. Um segundo mecanismo
baixa magnitude, como proteína C-reativa31, IL- mais específico envolve a ativação inflamatória
632 ou, mais recentemente, pelo fator de cresci- presente na placa, por meio do processo de de-
mento placentário33. A proteína C-reativa é co- gradação da matriz extracelular pela secreção
nhecida como uma proteína de fase aguda, cu- de enzimas proteolíticas, como as metaloprotei-
jos níveis plasmáticos se elevam em respostas nases e as proteases cisteínas37. Estas são cons-
inespecíficas a agentes infecciosos e não-infec- tituídas por colagenases, elastases, gelatinases,
ciosos34. Mais sensível que a velocidade de he- entre outras, capazes de degradar a capa fibró-
mossedimentação ou que a contagem leucoci- tica protetora da placa, deixando-a predisposta
tária, a proteína C-reativa é produzida no fíga- à ruptura38. As metaloproteinases e demais pro-
180 do e se eleva rapidamente após o estímulo in-
flamatório. A principal citocina que estimula a
teases são produzidas a partir do estímulo in-
flamatório local da placa, sobretudo a partir de
RSCESP produção da proteína C-reativa é a IL-635. Di- citocinas do tipo Th1, especialmente o interfe-
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Figura 2. Resposta imunológica do tipo T “helper” 1 presente em placas ateroscleróticas.


Th1 = T “helper” tipo 1; TNF-alfa = fator de necrose tumoral alfa; IL-1 = interleucina 1.

ron gama39. A regulação das metaloproteinases télio e, portanto, a erosão da placa1. Além dis-
é feita por alguns inibidores específicos (conhe- so, o fator tecidual proveniente de células en-
cidos como inibidores teciduais de metalopro- doteliais apoptóticas pode favorecer a trombo-
teases), cujos níveis séricos estão inversamente se nesses locais1.
correlacionados com o prognóstico em pacien- Após a erosão de um ateroma, o grau de
tes com síndromes coronárias agudas40. trombose originado depende profundamente da
Embora muito promissores, os estudos des- presença de fatores de risco coronário e da quan-
sas proteases e seus inibidores têm gerado da- tidade de fator tecidual circulante2. Fatores como
dos ainda contraditórios. Alguns trabalhos de- tabagismo, dislipidemia e diabetes melito estão
monstram o aumento da extensão das placas com associados com aumento da trombogenicidade
a maior expressão das metaloproteinases, en- sanguínea. Em pacientes com diabetes melito,
quanto outros evidenciam exatamente o contrá- por exemplo, observa-se hiperatividade e agre-
rio. De qualquer forma, o bloqueio das metalo- gabilidade plaquetárias, gerando aumento da
proteinases parece constituir um possível me- deposição de plaquetas sobre a parede do vaso
canismo terapêutico na tentativa de se evitar a sanguíneo2, 8. O tabagismo aumenta a atividade
progressão de placas instáveis para a ruptura e nervosa simpática e a liberação de catecolami-
o surgimento de eventos agudos. Estudos clíni- nas, que potencializa a ativação plaquetária e
cos já estão sendo investigados nesse sentido 41. aumenta os níveis de fibrinogênio8. Moléculas
Erosão de colesterol de lipoproteína de baixa densida-
A erosão é freqüentemente implicada nos de (LDL-colesterol) também induzem a expres-
eventos agudos de indivíduos do sexo femini- são de fator tecidual em macrófagos e diminu-
no, idosos e portadores de diabetes melito e hi- em a atividade anticoagulante do endotélio por
pertrigliceridemia 1 . Diferentes mecanismos interferir com a expressão de transmodulina e
moleculares e celulares justificam a erosão su- inativam a via de inibição do fator tecidual. Es-
perficial. A degradação excessiva de moléculas tudos recentes sugerem que o estado trombogê-
da matriz e a apoptose de células endoteliais,
ambas as condições promovidas por estímulos
nico associado a dislipidemia, tabagismo e dia-
betes melito podem apresentar uma via comum,
181
inflamatórios, facilitam a descamação do endo- pela ativação da interação entre leucócitos e pla- RSCESP
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e cols. quetas associada à produção de fator tecidual e com a redução da proteína C-reativa foram tão
Síndromes de ativação de trombina2, 8. importantes quanto os obtidos com os níveis de
LDL após o seguimento de aproximadamente
coronárias agudas MARCADORES INFLAMATÓRIOS NAS 2,5 anos, sendo a melhor sobrevida obtida em
e inflamação SÍNDROMES CORONÁRIAS AGUDAS indivíduos com LDL < 70 mg/dl e proteína C-
reativa ultra-sensível < 2 ml/l (Fig. 3). Deve-se
Proteína C-reativa ressaltar que a sobrevida foi independente do
Nas síndromes coronárias agudas, os meca- tipo ou da dose de estatina utilizada no traba-
nismos imunológicos descritos são extremamen- lho, demonstrando que a obtenção dos valores é
te redundantes e complexos. Dessa forma, aná- importante, não a forma de obtê-los.
lises individuais de apenas um determinado pas- O estudo REVERSAL também demonstrou
so desse intricado sistema mostraram-se pouco esse fato, acrescentando que os valores de pro-
específicas para a determinação tanto diagnós- teína C-reativa não podem ser preditos pela que-
tica como prognóstica de pacientes que se apre- da da LDL, sendo independentes entre si. O es-
sentam com quadros coronários agudos. Entre- tudo REVERSAL demonstrou não a regressão
tanto, a determinação da proteína C-reativa pelo clínica mas a própria progressão da placa de ate-
método ultra-sensível vem se mostrando o mé- rosclerose medida por ultra-som intracoronário.
todo mais robusto para a caracterização prática Seguindo a mesma linha proposta pelo PRO-
no dia-a-dia clínico da identificação da infla- VE-IT e pelo REVERSAL, o estudo “A-to-Z”
mação em situações agudas, com importantes demonstrou que a dosagem da proteína C-reati-
informações prognósticas e com possíveis re- va aos 30 dias ou 4 meses após o evento agudo
percussões terapêuticas. A proteína C-reativa é foi preditiva para mortalidade em 2 anos49. Esse
o único marcador atualmente aceito para iden- mesmo estudo também demonstrou que pacien-
tificação do estado inflamatório de pacientes tes que fizeram uso de estatina de forma mais
com doença arterial coronária, sendo sua utili- intensa (80 mg/dia de sinvastatina) tiveram mai-
zação orientada em diretrizes específicas nos or probabilidade de atingir níveis menores de
Estados Unidos42, 43, incluindo situações de sín- proteína C-reativa no seguimento crônico. Jun-
dromes coronárias agudas (recomendação IIa). tando os dados dos três trabalhos, pode-se con-
Não se sabe ao certo qual o papel da proteí- cluir que o uso da proteína C-reativa ultra-sen-
na C-reativa na modulação da resposta inflama- sível na fase aguda tem, além de importância
tória nas fases crônica ou aguda da doença. As- prognóstica, também importância na determina-
sim, ainda é debatido se a proteína C-reativa tem ção precoce da terapia com estatinas nesses pa-
papel ativo ou é simplesmente um marcador in- cientes.
flamatório sem participação ativa na fisiopato- Recentemente, um estudo comparando os
logia da doença 44. Independentemente dessas achados do PROVE-IT e do “A to Z”, em que os
conclusões, sabe-se que níveis elevados de pro- autores demonstram que o primeiro, com uma
teína C-reativa na fase aguda estão associados a redução mais rápida da proteína C-reativa que
alto risco de eventos futuros, mesmo em situa- o segundo, obteve melhores benefícios em até
ções em que a troponina não é detectada 45. 30 dias, sendo os achados crônicos semelhan-
Mais que o interesse apenas em mostrar que tes50. Propõe-se, assim, que a terapia intensiva
a proteína C-reativa é útil para determinação com estatinas ainda na fase aguda pode ter be-
prognóstica, os estudos mais atuais vêm centran- nefícios mais significativos em pacientes com
do sua atenção na observação de que as estati- síndromes coronárias, embora essa hipótese ain-
nas parecem reduzir os níveis da proteína C-re- da precise ser testada num estudo randomizado
ativa de uma maneira independente da redução e desenhado para tal aspecto. Fica ainda a dúvi-
de LDL, sugerindo, assim, que os benefícios da da se essa proposta terapêutica teria valia ape-
estatina podem estar também relacionados à re- nas em pacientes que estivessem com níveis
dução da inflamação e não apenas à redução dos mais elevados de proteína C-reativa ou poderia
níveis de colesterol 46. Dados de grandes estu- ser aplicada em qualquer situação de proteína
dos recentes, como o “Pravastatin or Atorvasta- C-reativa inicial.
tin Evaluation and Infection Therapy” (PROVE- Outros marcadores
IT)47 e o “Reversal of Atherosclerosis With Li- Além da proteína C-reativa ultra-sensível,
pitor” (REVERSAL)48, demonstram que o tra- novos marcadores têm sido apresentados recen-
tamento com estatinas baseado no valor de até temente com potencial para adicionar informa-
182 30 dias da proteína C-reativa após um evento
agudo pode ter algum benefício clínico.
ções na fase aguda das síndromes coronárias.
Entretanto, nenhum deles demonstrou agregar
RSCESP No estudo PROVE-IT, os valores obtidos tantas informações quanto a proteína C-reativa, não
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Síndromes
coronárias agudas
e inflamação

Figura 3. Níveis de sobrevida livre de eventos (infarto agudo do miocárdio ou morte cardiovascular)
estratificadas pela proteína C-reativa ultra-sensível e LDL após tratamento com estatinas. (Com
autorização de Ridker e colaboradores.47)
LDL-colesterol = colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade; PCR = proteína C-reativa.

devendo, portanto, ainda ser utilizados de forma ro- síndromes agudas, os níveis de mieloperoxida-
tineira na prática clínica. Uma lista mais extensa de se foram preditores de eventos cardiovascula-
todos os marcadores inflamatórios estudados nas sín- res após seis meses, independentemente dos ní-
dromes coronárias agudas pode ser encontrada na veis de troponina iniciais 53.
revisão de Tsimikas e colaboradores51. Fosfolipase A2 lipoproteína-associada
sCD40 ligante (Lp-PLA2)
O CD40 é uma proteína de sinalização en- A Lp-PLA2 atua na hidrólise de fosfolipí-
contrada em leucócitos e plaquetas. Valores ele- deos oxidados, dando origem a um ácido graxo
vados de sCD40 ligante foram encontrados em oxidado e a lisofosfaditilcolina, criando dois
pacientes com síndromes coronárias agudas com potenciais elementos pró-inflamatórios e pró-
importante valor prognóstico. Entretanto, a di- aterogênicos de apenas uma partícula inicial.
ficuldade em se estabelecer medidas precisas Secretada por diversas células inflamatórias pre-
desse marcador tem limitado seu uso de roti- sentes na fase aguda da instabilização de placas
na52. ateroscleróticas, a Lp-PLA2 mostrou estar as-
Mieloperoxidase sociada a pior prognóstico em pacientes com
A mieloperoxidase está presente em sítios doença arterial coronária 54, embora seu fator
de inflamação ativa e é liberada por monócitos aditivo aos níveis de LDL ainda não pôde ser
em respostas oxidativas. A mieloperoxidase pa- esclarecido, limitando seu potencial clínico. Na
rece estar envolvida em processos de modifica- fase aguda, estudos com esse marcador são ain-
ção da LDL, e, portanto, tem implicação direta da menos numerosos 55, não se tendo ainda uma
na fisiopatologia da formação e da instabiliza- resposta definitiva sobre seu valor nessa situa- 183
ção da placa aterosclerótica. Em pacientes com ção clínica. RSCESP
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Síndromes
ACUTE CORONARY SYNDROMES AND INFLAMMATION
coronárias agudas
e inflamação
JULIANO LARA FERNANDES
ALEXANDRE SOEIRO
CÉSAR BISELLI FERREIRA
CARLOS V. SERRANO JR.

The abrupt rupture of atherosclerotic plaques has been considered the major cause of acute
coronary syndromes, including unstable angina, acute myocardial infarction and sudden
death. However, the mechanisms responsible for the weakness of the fibrous cap and its
subsequent rupture are not completely understood. Some recent studies have shown that the
inflammatory process is narrowly related to the pathophysiology of the atherosclerotic
plaque rupture. In this revision, we have shown the major mechanisms involving the
inflammatory and atherothrombotic processes in acute coronary syndromes, besides the
manner how to identify and treat the clinical event.

Key words: acute coronary syndromes, inflammation, thrombosis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:178-86)


RSCESP (72594)-1611

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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
MONTEIRO CMC
e cols.
ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO Aterosclerose
e inflamação

CARLOS M. C. MONTEIRO
FRANCISCO A. H. FONSECA

Setor de Lípides, Aterosclerose e Biologia Vascular – Disciplina de Cardiologia –


Universidade Federal de São Paulo

Endereço para correspondência:


Rua Pedro de Toledo, 458 – Vila Clementino – CEP 04039-001 – São Paulo – SP

A aterosclerose é considerada uma doença inflamatória da parede vascular. De fato, desde o


início do processo de formação da placa é característica a presença de células inflamatórias
como macrófagos, linfócitos, neutrófilos e mastócitos, participando ativamente do processo
de aterogênese, influenciando a remodelação vascular e a desestabilização de placas mais
avançadas e vulneráveis a complicações, por meio de estímulos a maior expressão e
liberação de citocinas inflamatórias, fatores de crescimento, metaloproteases e fatores
quimiotáticos.
Assim, com o reconhecimento da aterosclerose e suas complicações como doença
inflamatória, passou-se a buscar marcadores desse processo que adicionassem valor
prognóstico a suas principais complicações, como acidente vascular cerebral ou desfechos
coronarianos, e que também pudessem refletir sua progressão anatômica. E que, em caso de
redução da atividade inflamatória, permitissem o reconhecimento de uma situação de maior
estabilidade clínica e dos efeitos do tratamento de fatores de risco associados, como
diabetes, hipertensão ou dislipidemias. Dentre vários marcadores propostos, a proteína C-
reativa adiciona valor prognóstico, apresenta boa reprodutibilidade, e possui padronização
laboratorial e disponibilidade para auxílio à prática clínica.

Palavras-chave: aterosclerose, inflamação, disfunção endotelial, citocinas.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:187-92)


RSCESP (72594)-1612

INTRODUÇÃO res de risco, como hipertensão arterial, dislipide-


mias, tabagismo, resistência à insulina, obesida-
A aterosclerose é a doença mais prevalente da de, sedentarismo e diabetes, entre outros.
sociedade moderna. Durante muitos anos, pensou-
se que a aterosclerose fosse o resultado da deposi- ENDOTÉLIO E INFLAMAÇÃO
ção lipídica na parede arterial, contínua, inerente
à idade; mas, com o tempo, a evolução do conhe- O endotélio normal participa ativamente da re-
cimento mostrou que, apesar da origem multifa- gulação do tônus vascular, produz uma série de
torial, a aterosclerose possuía vários mecanismos substâncias relacionadas com a inflamação, além
comuns e era fortemente influenciada pela mag- de influenciar fortemente o balanço da hemosta-
nitude da atividade inflamatória. De fato, a inten-
sidade do processo inflamatório, freqüentemente,
sia e a própria resposta imune.
As células endoteliais produzem uma das subs-
187
está associada à falta de melhor controle de fato- tâncias de maior importância clínica, o óxido nítri- RSCESP
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MONTEIRO CMC
e cols. co, fundamental na proteção vascular, pelas múl- vantes na instabilização da placa. Os macrófagos
Aterosclerose tiplas propriedades desse gás, que influencia for- incorporam grande quantidade de lipoproteínas
temente o tônus vascular, além de possuir efeitos modificadas, principalmente LDL oxidada, o que
e inflamação relevantes como antiagregante plaquetário e exer- determina, nessas células, a presença de grande
cer efeitos antiinflamatórios e atenuar a atividade quantidade de lipídeos (células espumosas), que
proliferativa das células musculares lisas. tardiamente estão associadas a morte celular pro-
A presença de fatores de risco como hiperco- gramada (apoptose), o que propicia a formação
lesterolemia, hipertensão arterial, diabetes melito de depósitos lipídicos extracelulares. Esses ma-
e tabagismo promove reações químicas intracelu- crófagos também estão associados a maior produ-
lares que levam à disfunção endotelial e, conse- ção de catepsinas, que degradam a matriz3.
qüentemente, à menor produção de óxido nítrico, Outra célula de grande importância no proces-
além de aumentar a produção de espécies reativas so de aterosclerose é o linfócito. Uma família de
de oxigênio, expressão da interleucina-6 (IL-6), quimiotáticos linfocitários atrai linfócitos T para
da expressão de moléculas de adesão ou recruta- o subendotélio. Linfócitos CD4+ e CD8+ são en-
mento vascular, como a proteína quimiotática de contrados em grande quantidade nas lesões ate-
monócitos (MCP-1), e de moléculas de adesão da roscleróticas, especialmente em síndromes agudas.
célula vascular (VCAM-1). Essas alterações no Os linfócitos são a fonte principal de interfe-
endotélio promovem inflamação do vaso, permi- ron gama, cuja ação principal sobre as células
tindo o estabelecimento das lesões iniciais da ate- musculares lisas é impedir a síntese da matriz ex-
rosclerose1. tracelular, além de induzirem apoptose dos ma-
A infiltração de leucócitos entre as células en- crófagos e das células musculares lisas, pela esti-
doteliais e seu acesso às camadas mais profundas mulação do receptor-1 de TNF-α e caspase-84.
da íntima vascular são mediados por moléculas Além de macrófagos e linfócitos, os mastóci-
de adesão, como VCAM-1, ICAM-1 e E-selecti- tos são células inflamatórias que também são en-
na, entre outras. A maior expressão dessas molé- contrados na parede arterial e quando ativados
culas de adesão é induzida por citocinas, geral- podem contribuir para um estado inflamatório e
mente sintetizadas em pequenas concentrações para a progressão das lesões ateroscleróticas.
pelo endotélio arterial, como interleucina-1ß (IL- Os mastócitos ativados produzem proteases
1 ß), interleucina-4 (IL-4) e interleucina-6 (IL-6), séricas, citocinas e proteoglicanos. Substâncias
mas que podem, principalmente na presença de como triptase, TNF-α e histamina ativam células
fatores de risco não controlados, também ser esti- endoteliais para expressar moléculas de adesão,
muladas pela maior expressão de angiotensina II especialmente P-selectina e VCAM-1. Ao produ-
e de seu receptor AT1, proteína C-reativa, recep- zirem TNF-α e fator de crescimento tumoral beta
tor da LDL oxidada (LOX-1) e CD40/CD40L. (TGF-ß), estimulam a produção de MCP-1, suge-
Nas disfunções endoteliais, caracterizadas por rindo que os mastócitos facilitam o recrutamento
alterações de vasorreatividade ou do balanço de de leucócitos para a região subendotelial, além de
hemostasia, verifica-se maior inativação do óxido induzir apoptose das células musculares lisas e
nítrico, geralmente por estresse oxidativo, associ- células endoteliais5.
ado com substancial aumento das citocinas, de- Finalmente, os neutrófilos também são encon-
terminando maior expressão das moléculas de ade- trados em lesões ateroscleróticas, especialmente
são e favorecendo o recrutamento e a adesão dos nas síndromes coronarianas agudas e em locais de
monócitos à superfície endotelial2. desnudação endotelial.
Estão ativados na circulação coronariana des-
AS CÉLULAS INFLAMATÓRIAS E A ses pacientes com síndromes coronarianas agudas,
ATEROSCLEROSE não exclusivamente no território da artéria culpa-
da, mas em todo o sistema arterial coronário6.
Os macrófagos são as células inflamatórias
mais importantes no processo aterosclerótico. INFLAMAÇÃO E ATIVAÇÃO DE
Quando ativados, produzem fator de necrose tu- SINAIS INTRACELULARES
moral alfa (TNF-α), Fasl e angiotensina II, que
são citotóxicos. Produzem e secretam várias in- O fator nuclear “kappa” B (NFKB) integra uma
terleucinas (IL-6, IL-8, IL-18), além de espécies família de fatores de transcrição redox presentes
reativas de oxigênio, que contribuem para manter em células endoteliais, células musculares lisas
o processo inflamatório. Sintetizam e secretam me- vasculares, macrófagos, leucócitos, cardiomióci-
188 taloproteases de matriz 1 e 9, que degradam com-
ponentes da matriz extracelular (colágeno, elasti-
tos e fibroblastos7.
O NFKB encontra-se em forma inativa no ci-
RSCESP na) e da matriz pericelular, aspectos muito rele- toplasma, ligado a proteínas inibitórias chamadas
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MONTEIRO CMC
IKB. Entretanto, essas proteínas podem ser fosfo- contribuir para iniciar alterações estruturais da e cols.
riladas por diversos estímulos, incluindo espécies placa, como ulcerações e fissuras, favorecendo o Aterosclerose
reativas de oxigênio, lipopolissacarídeos, citoci- início do processo trombogênico10.
nas e anoxia, tornando a proteína ativa que passa A quantidade de matriz em um tecido é deter-
e inflamação
a influenciar no núcleo a transcrição de vários minada pelo equilíbrio entre síntese e degradação.
genes relacionados à atividade inflamatória e à A síntese da matriz secretada por células muscu-
hemostasia. Como exemplo, o NFKB permite a lares lisas de fenótipo sintético e não contrátil é
modificação da expressão gênica que codifica ci- um fenômeno conhecido na formação do atero-
tocinas, iNOS, COX-2, moléculas de adesão, imu- ma, na resposta vascular à angioplastia e no es-
norreceptores, IL-8, proteínas da fase aguda e pessamento da parede vascular associado com a
metaloproteinases da matriz. hipertensão arterial. Entretanto, o remodelamento
O NFKB pode ser ativado por citocinas como da matriz extracelular é um importante fenômeno
o TNF-α, IL-1, hiperglicemia, força de cisalha- da reparação tecidual, como a que ocorre na ate-
mento vascular, LDL oxidada e estresse oxidati- rosclerose.
vo. O NFKB pode contribuir para a progressão do Tanto as células musculares lisas ativadas como
processo aterosclerótico, pois a maioria dos ge- os macrófagos da placa do ateroma podem produ-
nes pró-inflamatórios expressos nas células endo- zir e ativar metaloproteases, enzimas relaciona-
teliais durante a fase inicial da lesão e em resposta das com a degradação da matriz, principalmente
a mediadores inflamatórios é dependente desse de colágeno, com perda da resistência da capa fi-
fator nuclear8. brosa do ateroma, propiciando sua rotura e com-
plicações11.
FISIOPATOLOGIA DA INFLAMAÇÃO O ateroma se manifesta clinicamente pela de-
E ATEROSCLEROSE posição de um trombo mural oclusivo. A forma-
ção do trombo pela via intrínseca da coagulação é
Uma das propriedades do endotélio vascular, bem conhecida e é desencadeada pela exposição
particularmente via secreção de óxido nítrico, é de elementos trombogênicos subendoteliais, como
promover inibição crônica da adesão e infiltração colágeno tipo IV, ou pelo núcleo necrótico da pla-
das células inflamatórias no espaço subendoteli- ca.
al. Essa ação do óxido nítrico decorre da inibição Nos últimos anos, a importância da via extrín-
da expressão das moléculas de adesão na parede seca da coagulação mediada pelo fator tecidual tem
vascular. Assim, um déficit da biodisponibilidade sido mais reconhecida. O fator tecidual é uma pro-
do óxido nítrico significa primariamente um es- teína expressa principalmente pelo endotélio, mas
tímulo pró-inflamatório. também pelo macrófago e por outras células vas-
A disfunção endotelial está associada a um culares.
desequilíbrio redox, que, pelas razões descritas, Essa maior expressão do fator tecidual pelos
contribui para o processo inflamatório. Esse dese- macrófagos determina maior trombogenicidade da
quilíbrio redox, além de resultar do acúmulo da placa e maior potencial para complicações locais
quantidade de LDL oxidada, também está associ- de maior gravidade. Do ponto de vista conceitual,
ado com a geração intracelular de espécies reati- a via do fator tecidual representa uma importante
vas de oxigênio decorrente de proliferação, mi- conexão entre inflamação e trombose12.
gração e apoptose, ou seja, com todas as etapas de Outro aspecto relacionado com a inflamação é
formação da placa. o vasoespasmo. Os mediadores do vasoespasmo
Dentre os fatores pró-inflamatórios sensíveis estão associados à ativação plaquetária e incluem
ao estresse oxidativo, o fator de trascrição NFKB a serotonina e o tromboxano A2.
deflagra um programa gênico ligado à resposta Mediadores inflamatórios como leucotrienos
inflamatória, desde moléculas de adesão e citoci- também podem estar envolvidos. O efeito de to-
nas até enzimas antioxidantes9. dos esses mediadores é modulado pela função en-
Um dos aspectos interessantes do ateroma ins- dotelial e amplificado por uma deficiência da bio-
tável é a redução do número de células muscula- disponibilidade do óxido nítrico13.
res lisas responsáveis pela formação da capa fi- A fosfolipase A2 (enzima lisossomal dos leu-
brosa, e que pode estar associado a aumento de cócitos) atua sobre os fosfolipídeos das membra-
apoptose. nas celulares, levando à formação de ácido ara-
A apoptose dessas células, bem como das cé- quidônico, que, sob ação da cicloxigenase, origi-
lulas inflamatórias do ateroma, contribui para a na a formação de prostaglandinas.
formação do centro necrótico da placa, que é alta-
mente trombogênico.
As prostaglandinas podem amplificar a infla-
mação vascular. Por meio de uma segunda via
189
A apoptose de células endoteliais também pode metabólica, mediada pela 5-lipoxigenase, o ácido RSCESP
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e cols. araquidônico é convertido em uma série de leuco- Marcadores plasmáticos têm sido analisados,
Aterosclerose trienos, potentes mediadores da resposta inflama- incluindo fibrinogênio, amilóide sérico A, proteí-
tória, que promovem aumento da permeabilidade na C-reativa e lipoproteína-fosfolipase A2 (Lp-
e inflamação vascular e da adesão de leucócitos à parede vas- PLA2).
cular. A proteína C-reativa parece influenciar a evo-
No início da década passada, descobriu-se que lução da aterosclerose. Na placa, liga-se à LDL,
a cicloxigenase existe sob duas isoformas: ciclo- ativando o sistema de complemento que participa
xigenase-1 (cox-1) e cicloxigenase-2 (cox-2). A da formação do ateroma. Também estimula os
cox-1 está presente uniformemente nas células e macrófagos a produzirem o fator tecidual, um dos
tecidos, mas a cox-2 é expressa principalmente em responsáveis pela trombose que ocorre nas síndro-
resposta a processos inflamatórios, ou seja, é in- mes vasculares agudas.
duzida diante de determinados estímulos que al- Estudos prospectivos em portadores de doen-
teram a homeostasia vascular. ça coronariana, acidente vascular cerebral e insu-
A importância da cox-2 no sistema cardiovas- ficiência circulatória periférica indicam que a pro-
cular reside no fato de essa enzima estar presente teína C-reativa elevada está associada a maior in-
na placa de ateroma, endotélio e macrófagos. Foi cidência de complicações e de mortalidade15.
observado que a maior expressão de cox-2 intra-
vascular está também associada a maior prolife- CONCLUSÃO
ração de células musculares lisas.
A atividade inflamatória vascular mediada pela O processo inflamatório não só causa disfun-
cox-2 pode estar associada com o caráter evoluti- ção endotelial como desencadeia proliferação e
vo da doença aterosclerótica14. migração celulares, estresse oxidativo, degrada-
ção da matriz extracelular, apoptose, trombose e
MARCADORES INFLAMATÓRIOS necrose celular. Os marcadores inflamatórios plas-
máticos estão sendo avaliados para diagnosticar
Com esse novo conceito de que a ateroscle- precocemente a aterosclerose, bem como identifi-
rose é um fenômeno inflamatório, a identifica- car pacientes de alto risco para o desenvolvimen-
ção de marcadores clínicos tem sido investiga- to de eventos cardiovasculares futuros. Dentre es-
da de forma a contribuir para que esses marca- tes, a quantificação da proteína C-reativa propicia
dores se tornem indicadores da intensidade ou informações clínicas relacionadas ao risco cardi-
da gravidade da aterosclerose, como a predição ovascular que podem ser particularmente úteis na
de eventos cardiovasculares, ou mesmo ferra- estratégia terapêutica, sobretudo para pacientes
mentas de monitoramento ou alvo de aspectos com risco intermediário dos principais desfechos
terapêuticos. coronarianos.

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RSCESP
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MONTEIRO CMC
e cols.
ATHEROSCLEROSIS AND INFLAMMATION Aterosclerose
e inflamação
CARLOS M. C. MONTEIRO
FRANCISCO A. H. FONSECA

Atherosclerosis is now considered an inflammatory disease of vascular wall. In fact, since


its beginning, plaque formation is a process characterized by the presence of inflammatory
cells, such as macrophages, lymphocytes, neutrophils and mastocytes, influencing vascular
remodeling and plaque destabilization. These processes are also mediated by a variety of
stimuli by cytokines, growth factors, metalloproteinases and chemo attractant factors.
Therefore, atherosclerosis has been recognized as an inflammatory disease and efforts have
been made to identify inflammatory markers that may add prognostic value for major
complications such as stroke or coronary events and its anatomic progression as well.
Furthermore, reduction in inflammatory markers can be related to plaque stabilization and
may reflect the results of risk factors treatment, as diabetes, hypertension or dyslipidemias.
Among several markers, C-reactive protein add prognostic value, its measurement is well
established and is currently available for clinical practice.

Key words: atherosclerosis, inflammation, endothelial dysfunction, cytokines.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:187-92)


RSCESP (72594)-1612

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RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
ARMAGANIJAN D
e cols.
FATORES DE RISCO E INFLAMAÇÃO VASCULAR Fatores de risco e
inflamação vascular

DIKRAN ARMAGANIJAN
LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN
MAURICIO RODRIGUES JORDÃO

Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Dante Pazzanese, 500 – Ibirapuera – CEP 04012-180 – São Paulo – SP

A inflamação vascular foi identificada em todas as etapas evolutivas das lesões


ateroscleróticas e a reação inflamatória é uma resposta aos estímulos nocivos. Fatores como
hipercolesterolemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade e tabagismo, entre outros,
danificam o endotélio e estimulam uma reação inflamatório-proliferativa na parede vascular.
Os mediadores da relação entre os lípides e a aterosclerose envolvem polimorfos nucleares
(monócitos/macrófagos, linfócitos) e células musculares lisas. A demonstração de que as
partículas de colesterol ligado à lipoproteína de baixa densidade acetiladas são rapidamente
assimiladas pelos macrófagos, em pacientes expostos a níveis elevados de colesterol, sugere
que essas lipoproteínas penetram na camada íntima e são submetidas a oxidação. Os efeitos
pró-inflamatórios da hipertensão arterial aumentam a produção de peróxido de hidrogênio e
radicais livres, substâncias que reduzem a produção do óxido nítrico endotelial e aumentam
a aderência leucocitária e a resistência periférica. O endotélio é essencial na distribuição da
insulina e sua integridade pode ser comprometida por ação de citocinas, lipoproteínas
oxidadas, tabagismo e estresse crônico, em pacientes portadores de diabetes do tipo 2.
Várias citocinas têm sido amplamente estudadas no tecido adiposo: fator de necrose tumoral
alfa (TNF-alfa), interleucina 6 (IL-6), adiponectina, leptina, resistina e PAI-1. A
adiponectina é uma proteína plasmática do tipo colágeno-específica, exclusivamente
expressa no tecido adiposo humano; a resistina é expressa predominantemente no tecido
adiposo; e a leptina é um hormônio derivado do adipócito e está intensamente ligada às
citocinas pró-inflamatórias. A ligação entre adipocinas e risco cardiovascular foi
demonstrada pela relação existente entre níveis sanguíneos de adipocinas, IL-6 e proteína C-
reativa. A IL-6 promove a liberação de moléculas de adesão endotelial quimocinas e
aumenta os níveis sanguíneos da proteína C-reativa. A contribuição da inflamação vascular
na doença aterosclerótica dos fumantes foi demonstrada em estudos que avaliaram os níveis
séricos da proteína C-reativa em fumantes e não-fumantes.

Palavras-chave: fatores de risco, inflamação, aterogênese.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:193-201)


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e cols. INTRODUÇÃO pressão de moléculas de adesão leucocitária (mo-
Fatores de risco e lécula de adesão intracelular – ICAM-1 e selecti-
A inflamação vascular foi identificada em to- nas P, E e L) e pelo aumento da produção de subs-
inflamação vascular das as etapas evolutivas das lesões ateroscleróti- tâncias quimiotáticas (proteína quimiotática deri-
cas e a reação inflamatória é uma resposta aos es- vada de monócitos – MCP-1 e fator estimulador
tímulos nocivos, caracterizada pelo movimento de de colônia de monócitos – MCSF), ambas ampli-
células sanguíneas para o interior da parede vas- ficadoras da cascata inflamatória (Fig. 1).
cular, sob a influência de fatores quimiotáticos Os monócitos intraparietais adquirem carac-
produzidos no local da lesão. A persistência des- terísticas de macrófagos tissulares e células espu-
ses estímulos mantém o processo inflamatório crô- mosas, secretam espécies reativas de oxigênio, ci-
nico infiltrado por células imunitárias (macrófa- tocinas pró-inflamatórias, metaloproteinases
gos, linfócitos e células plasmáticas). A resposta (MMP), fatores de crescimento e fator tissular,
parietal inadequada compromete a função e a ana- amplificando a reação inflamatória. No interior do
tomia vascular, originando a placa ateroscleróti- ateroma, os linfócitos T podem se converter em
ca. células secretoras denominadas Th1 e Th2. As
A liberação de mediadores inflamatórios e sua células Th1, em maior número, secretam citoci-
dosagem sanguínea podem constituir possíveis nas pró-inflamatórias (IL-6, TNF-alfa e interfe-
identificadores do ciclo inflamatório. Nos estudos ron gama – IFN-gama) e as células Th2 secretam
epidemiológicos moleculares, a identificação e a citocinas antiinflamatórias (IL-4 e IL-10).
dosagem desses marcadores inflamatórios têm sido O núcleo lipídico da placa aterosclerótica con-
utilizadas para prevenção, diagnóstico e tratamento tém células espumosas, macrófagos e restos ne-
da doença aterosclerótica. Contudo, há necessi- cróticos. A capa fibrosa estável tem maior espes-
dade de se estabelecer quais são os marcadores sura e é constituída por colágeno e células muscu-
inflamatórios ideais, padronizar os métodos labo- lares lisas. A capa fibrosa vulnerável é composta
ratoriais, demonstrar seus efeitos aditivos quando por pouco colágeno, passível de ruptura; quando
associados aos fatores de risco clássicos, e reava- rota, expõe o tecido conjuntivo subendotelial, pro-
liar os resultados dos estudos epidemiológicos piciando maior incidência de trombose vascular.
prospectivos. Os linfócitos T secretam IFN-gama e reduzem
Estímulos nocivos, tais como hipercolestero- a síntese de colágeno, adelgaçando a espessura da
lemia, hipertensão arterial, diabetes, obesidade e capa fibrosa. Os macrófagos secretam MMP, de-
tabagismo, entre outros, danificam o endotélio e gradam a matriz extracelular, favorecem a ruptura
estimulam uma reação inflamatório-proliferativa da placa e expõem elementos pró-trombóticos (fa-
na parede vascular. A reação inflamatória aumen- tor tissular), mediadores da trombose intravascu-
ta a secreção de citocinas pró-inflamatórias pri- lar.
márias (interleucina 1 – IL-1 e fator de necrose A reação inflamatória aumenta os níveis san-
tumoral alfa – TNF-alfa), responsáveis pela ex- guíneos das proteínas de fase aguda, cuja concen-

194
RSCESP Figura 1. Recrutamento dos monócitos sanguíneos pelas moléculas de adesão das células endoteliais.
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tração sérica aumenta (proteínas positivas) ou di- lesões ateroscleróticas iniciais, formadas por pe- e cols.
minui (proteínas negativas), em pelo menos 25%, quenos depósitos de lípides na íntima, podem evo- Fatores de risco e
durante o processo inflamatório. As citocinas pro- luir para lesões complicadas e denominadas pla-
duzidas no local do processo inflamatório podem cas ateroscleróticas.
inflamação vascular
estimular a produção de outras citocinas, tanto Embora os macrófagos sejam responsáveis pela
locais como à distância. A IL-6, citocina pró-in- formação das células espumosas, em culturas de
flamatória secundária, estimula a síntese hepática tecido essas células não têm a mesma capacidade
de proteínas da fase aguda produzidas em baixa de absorver as gorduras, pela sua reduzida expres-
concentração (proteína C-reativa – PCR e subs- são de receptores de LDL-colesterol. A demons-
tância amilóide A – SAA) e de proteínas da fase tração de que as partículas de LDL-colesterol ace-
aguda produzidas em alta concentração (fibrino- tiladas são rapidamente assimiladas pelos macró-
gênio). fagos, em pacientes expostos a níveis elevados de
colesterol, sugere que essas lipoproteínas penetram
DISLIPIDEMIAS E INFLAMAÇÃO na camada íntima e são submetidas a oxidação por
VASCULAR meio de três mecanismos:
1) ação de íons metálicos – cobre e ferro;
Em 1970, Goldestein descreveu a hipercoles- 2) ação de espécies reativas – oxigênio, peróxido
terolemia familiar como uma doença monogênica de hidrogênio, radical hidroxila, óxido nítrico e
ligada às mutações do receptor de colesterol liga- peroxinitrato;
do à lipoproteína de baixa densidade (LDL-coles- 3) ação de enzimas – lipoxigenases, mieloperoxi-
terol) e demonstrou que concentrações sanguíne- dases, dinucleotídeo de nicotinamida adenina fos-
as elevadas dessa lipoproteína induziam ateroscle- fato (NADPH) oxidase e citocromo P-450.
rose acelerada. Simultaneamente, vários estudos O LDL-colesterol oxidado é fagocitado pelos
relacionaram a doença aterosclerótica a níveis sé- macrófagos e dá início à formação das células es-
ricos baixos de colesterol ligado à lipoproteína de pumosas (Fig. 2).
alta densidade (HDL-colesterol), principalmente O acúmulo de lípides modificados ativa as cé-
em mulheres e idosos, e níveis séricos elevados lulas endoteliais e estimula a migração de células
de triglicérides, ambos considerados importantes inflamatórias e o recrutamento de células muscu-
fatores de risco cardiovascular. Os mediadores da lares lisas responsáveis pela síntese da matriz e
relação entre os lípides e a aterosclerose envol- pela formação da capa fibrosa. Os fatores de cres-
vem polimorfonucleares (monócitos/macrófagos, cimento também aumentam o recrutamento de cé-
linfócitos) e células musculares lisas parietais. As lulas musculares lisas e a formação da capa fibro-

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Figura 2. LDL e células espumosas. RSCESP
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e cols. sa. A degradação da matriz e a apoptose de célu- destaque e sua elevação nos níveis sanguíneos
Fatores de risco e las musculares lisas estimulam a ruptura da placa, aumenta a incidência de eventos coronários.
expõem o tecido conjuntivo subendotelial, aumen- Os efeitos protetores do HDL-colesterol na
inflamação vascular tam a agregação de plaquetas e estimulam a trom- placa aterosclerótica advêm de vários mecanismos:
bose.1 1) aumenta o efluxo do colesterol – remoção do
Os macrófagos são responsáveis pela remoção colesterol dos tecidos periféricos para o fígado ou
e pelo seqüestro das partículas de LDL-colesterol para os órgãos denominados esteroidogênicos, que
na parede vascular. A morte celular programada utilizam o colesterol na síntese de alguns hormô-
desses macrófagos pode ter efeitos benéficos ou nios;
maléficos. A apoptose benéfica remove os corpos 2) inibição e oxidação do LDL-colesterol da pla-
apoptóicos e reduz a destruição de fibras coláge- ca aterosclerótica – transferência dos hidroperó-
nas. A apoptose maléfica acumula corpos apop- xidos lipídicos das partículas de LDL-colesterol
tóicos na parede vascular, ativa a trombina e, con- para as partículas de HDL-colesterol, lipoproteí-
seqüentemente, aumenta a incidência de trombo- na rapidamente metabolizada pelas células hepá-
se intraparietal. Os macrófagos secretam a proteí- ticas e redutora da oxidação do LDL-colesterol por
na quimiotática (MCP-1) e o fator estimulador de meio da via enzimática (paroxinase);
colônia de macrófagos (MCSF), responsáveis pelo 3) estimula a produção de óxido nítrico via sinali-
recrutamento de novos macrófagos e retenção de zação de membrana, inibindo a expressão da mo-
macrófagos preexistentes. A ativação desses ma- lécula de adesão nas células endoteliais e redu-
crófagos expressa genes que estimulam a produ- zindo o processo inflamatório. A ação deletérea
ção de citocinas, fatores de crescimento e altera- das citocinas e das lipoproteínas provoca no leito
ções fenotípicas das células musculares lisas, au- vascular alterações da lipase lipoprotéica, colabo-
mentando a proliferação e sua migração para ou- rando para o aumento de triglicérides e para a re-
tros segmentos vasculares.2 dução do HDL-colesterol.
Os macrófagos e os linfócitos têm importante O crescimento progressivo das estrias gordu-
papel na formação da placa vulnerável, liberando rosas modifica a anatomia vascular, inicialmente
citocinas responsáveis pela inflamação vascular. com remodelamento positivo, sem alterações de
Citocinas, TNF-alfa, IL-1, IL-6 e INF-gama am- fluxo sanguíneo, permitindo ao paciente hiperco-
plificam a resposta imunológica e alteram a fun- lesterolêmico evoluir de forma assintomática du-
ção da célula endotelial, favorecendo o processo rante décadas. No “Women’s Health Study”3, em
pró-trombótico. A IL-6 e o TNF-alfa têm papel de 28.262 mulheres pós-menopausa, aparentemente

196
RSCESP Figura 3. Inibição da aterosclerose pela HDL.
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normais, foi avaliado o risco de doença arterial a reação inflamatória, aumenta a produção de ra- e cols.
coronária, infarto não-fatal, acidente vascular ce- dicais livres e diminui a produção de óxido nítri- Fatores de risco e
rebral e necessidade de revascularização miocár- co.4
dica. Durante o seguimento de três anos, os níveis
inflamação vascular
sanguíneos dos marcadores inflamatórios eram DIABETES DO TIPO 2 E
mais elevados nas mulheres que tiveram eventos INFLAMAÇÃO VASCULAR
cardiovasculares. Os níveis sanguíneos elevados
de LDL-colesterol e de apoproteína B-100 e a re- Estudos têm demonstrado que a inflamação
lação colesterol/HDL-colesterol estiveram direta- vascular está implicada na gênese do diabetes do
mente relacionados com os níveis elevados dos tipo 2. O estresse crônico e a ingestão de alimen-
marcadores inflamatórios. tos ricos em gordura saturada, em pacientes pre-
dispostos, aumentam a secreção de citocinas, IL-
HIPERTENSÃO ARTERIAL E 1, IL-2 e TNF-alfa e a resistência à insulina. Ade-
INFLAMAÇÃO VASCULAR mais, a associação entre aumento da resistência à
insulina e níveis sanguíneos elevados de PCR, PAI-
A função endotelial normal resulta do estado 1, fibrinogênio e leucocitose corrobora a impor-
de equilíbrio entre as substâncias produzidas no tância dessas afirmações nos pacientes diabéticos.
endotélio e os elementos celulares adjacentes. Nes- O endotélio é essencial na distribuição da in-
se estado de equilíbrio funcional há predisposição sulina e sua integridade pode ser comprometida
para vasodilatação, inibição do crescimento celu- por ação de citocinas, lipoproteínas oxidadas, ta-
lar, e ações antiagregante, antioxidante e antiin- bagismo e estresse crônico em pacientes portado-
flamatória. A disfunção endotelial predispõe a res de diabetes do tipo 2. A persistência desses
vasoconstrição, inflamação, adesão tanto plaque- agentes nocivos produz alterações capilares da li-
tária como leucocitária, trombose, proliferação pase lipoprotéica, aumentando os níveis de LDL-
celular, aterosclerose e hipertensão arterial. colesterol e triglicérides e reduzindo os níveis sé-
Pacientes hipertensos com disfunção endote- ricos de HDL-colesterol. Tais alterações reduzem
lial têm resposta paradoxal à acetilcolina e, nes- a perfusão capilar, diminuem a produção de óxido
ses pacientes, os níveis sanguíneos de angiotensi- nítrico, e aumentam os níveis sanguíneos de PAI-
na II freqüentemente estão elevados. A angioten- 1 e do fator de von Willebrand, agravando a dis-
sina II é um potente vasoconstritor, age sobre as função endotelial. O comprometimento da barrei-
células endoteliais e essa ligação é feita por meio ra endotelial reduz a perfusão tecidual da insulina
de receptores do tipo AT1. Nessas células, a angi- e disponibiliza menor quantidade desse hormônio
otensina II ativa a enzima NADH/NADH oxida- aos receptores na membrana celular. Essa barrei-
se, aumentando a produção de superóxido e dimi- ra endotelial aumenta a resistência à insulina.
nuindo a produção de óxido nítrico. A ligação da Em estudos experimentais, os níveis sanguí-
angiotensina II com as células musculares lisas é neos elevados de marcadores inflamatórios aumen-
feita por meio de receptores específicos que ati- taram o risco de desestabilização da placa ateros-
vam a produção da enzima fosfolipase C, respon- clerótica em pacientes com aumento de resistên-
sável pelo aumento da concentração de cálcio in- cia à insulina. Nesses estudos, a incubação de PCR
tracelular e pela contração muscular. Simultanea- recombinante com células endoteliais promoveu
mente, a angiotensina II aumenta a atividade da a inibição da síntese do óxido nítrico, aumentou a
lipoxigenase, propiciando maior oxidação do produção do fator tissular pelos macrófagos, pro-
LDL-colesterol e inflamação vascular. piciou maior ligação dos macrófagos às lipopro-
Os efeitos pró-inflamatórios da hipertensão ar- teínas, principalmente do LDL-colesterol e do
terial aumentam: colesterol ligado à lipoproteína de densidade muito
1) a produção do peróxido de hidrogênio e radi- baixa (VLDL-colesterol), facilitando sua agrega-
cais livres (ânion superóxido e radicais hidroxi- ção e acúmulo nas lesões ateroscleróticas incipi-
la); entes. Outra evidência da importância dos marca-
2) as substâncias que reduzem a produção do óxi- dores inflamatórios é a relação observada entre
do nítrico endotelial; doenças inflamatórias crônicas e níveis sanguíne-
3) as substâncias que aumentam a aderência leu- os do TNF-alfa. Nas doenças periodontais, os ní-
cocitária e a resistência periférica. veis sanguíneos do TNF-alfa são até 32 vezes
Assim, a angiotensina II estimula os fatores maiores que o normal e a freqüência de infartos
de crescimento responsáveis pela hipertrofia tan- do miocárdio e acidentes vasculares cerebrais pode
to cardíaca como vascular, aumenta a secreção da
matriz extracelular, aumenta a produção de cito-
ser 2,8 vezes maior que nos não-portadores de
doença inflamatória.5
197
cinas inflamatórias, ativa os monócitos, estimula Os níveis de PCR correlacionam-se com o ín- RSCESP
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e cols. dice de massa corpórea. Em pacientes com diabe- arterial coronária sugere efeitos protetores dessa
Fatores de risco e tes do tipo 2 e aumento da circunferência abdomi- proteína. “In vitro”, a adiponectina recombinante
nal, a perda de 10% do peso reduz significativa- humana suprime a expressão endotelial das molé-
inflamação vascular mente os níveis sanguíneos da PCR. culas de adesão, a proliferação do músculo liso
vascular e a transformação de macrófagos em cé-
OBESIDADE E INFLAMAÇÃO VASCULAR lulas espumosas. Em células endoteliais aórticas
humanas, a adiponectina inibe a adesão de monó-
A prevalência da obesidade nas sociedades oci- citos, induzida pelo TNF-alfa, e suprime níveis de
dentais tem aumentado nos últimos anos e o risco RNAm e VCAM-1. A leptina participa da etiolo-
de doença cardiovascular nos obesos é superior gia da doença hipertensiva e da doença cardiovas-
ao dos não-obesos. cular pelos seus efeitos sobre o sistema nervoso
O tecido adiposo, considerado armazenador simpático no tecido adiposo, no rim e na glândula
passivo de gordura, tem importante atividade en- adrenal.
dócrina e participa efetivamente do metabolismo A redução do peso melhora os fatores hemos-
orgânico. Os adipócitos produzem citocinas, mo- táticos associados às doenças cardiovasculares, in-
léculas de baixo peso molecular farmacologica- cluindo o antígeno PAI-1 e o antígeno ativador te-
mente ativas e com efeitos autócrinos e parácri- cidual do plasminogênio. A melhora da função en-
nos.6 Várias citocinas têm sido amplamente estu- dotelial macrovascular está associada à redução
dadas no tecido adiposo: TNF-alfa, IL-6, adipo- do peso e dos marcadores da ativação endotelial,
nectina, leptina, resistina e PAI-1. O tecido adipo- da inflamação e da coagulação, incluindo redução
so é a principal fonte de TNF-alfa, cujos efeitos de ICAM-1, TNF-alfa, PCR e PAI-1.11
incluem importante ação pró-inflamatória.7 Ape-
nas 30% da IL-6 circulante têm origem no tecido TABAGISMO E INFLAMAÇÃO
adiposo e dois terços advêm do tecido adiposo VASCULAR
visceral. A adiponectina é uma proteína plasmáti-
ca do tipo colágeno-específica, exclusivamente O tabagismo é um importante fator de risco
expressa no tecido adiposo humano. A resistina é modificável e tem consistente associação epide-
uma molécula rica em cisteína, expressa predo- miológica com doenças cardiovasculares, tanto em
minantemente no tecido adiposo, detectável no homens como em mulheres. Aproximadamente
soro e com atuação em outros sítios de forma se- 50% dos pacientes de meia-idade portadores de
melhante à de outras adipocinas. A leptina é um doença cardiocirculatória são fumantes ou ex-fu-
hormônio derivado do adipócito e está intensamen- mantes.12 As alterações vasculares decorrentes do
te ligada às citocinas pró-inflamatórias. Sabe-se tabagismo envolvem disfunção endotelial, altera-
pouco sobre o envolvimento e a interação entre ções da coagulação sanguínea e anormalidades do
inflamação e tecido adiposo; na aterogênese, as metabolismo lipídico. A contribuição da inflama-
adipocinas exercem importante papel na relação ção vascular na doença aterosclerótica dos fuman-
entre inflamação, resistência à insulina e diabe- tes foi demonstrada em estudos que avaliaram os
tes. níveis séricos da PCR em fumantes e não-fuman-
Diversos estudos têm demonstrado vinculação tes. No “Women’s Health Study”, foram analisa-
entre TNF-alfa e doença cardiovascular, indepen- dos cinco marcadores inflamatórios sistêmicos em
dentemente da sensibilidade à insulina. Os efeitos mulheres aparentemente normais. No grupo das
do TNF-alfa sobre o endotélio podem ser diretos mulheres fumantes, os níveis séricos de PCR (p =
ou indiretos, por meio da liberação de outros me- 0,032), IL-6 (p < 0,002), ICAM-1 (p < 0,001),
diadores produzidos nos próprios adipócitos ou em selectina P (p = 0,025) e selectina E (p = 0,007)
células de outros tecidos orgânicos. Nas células, o foram significativamente maiores que no grupo das
TNF-alfa aumenta a adesão de leucócitos no en- não-fumantes. Na análise multivariada, após ajuste
dotélio, ativa as vias pró-inflamatórias e induz à da idade, índice de massa corpórea, história de
expressão da molécula de adesão de célula vascu- hipertensão, diabetes, consumo de bebida alcoó-
lar (VCAM-1) e da endotelina.8-10 lica, atividade física, história familiar de infarto
A ligação entre adipocinas e risco cardiovas- do miocárdio antes dos 60 anos de idade, terapia
cular foi demonstrada pela relação existente entre de reposição hormonal, e níveis séricos de LDL e
níveis sanguíneos de adipocinas, IL-6 e PCR. A HDL, as pacientes fumantes apresentaram níveis
IL-6 promove a liberação de moléculas de adesão séricos mais elevados em quatro dos cinco marca-
endotelial, quimocinas, e aumenta os níveis san- dores inflamatórios avaliados nessa população:
198 guíneos da PCR.
A concentração sérica baixa de adiponectina
PCR (p = 0,034), IL-6 (p = 0,002), ICAM-1 (p <
0,001) e selectina E (p = 0,036).13 Resultados se-
RSCESP na obesidade, no diabetes do tipo 2 e na doença melhantes foram observados numa população de
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médicos em que se utilizou a PCR como marca- coagulação. Contudo, a ruptura da placa estimula e cols.
dor de inflamação. a trombose e o trombo sanguíneo é fundamental Fatores de risco e
A relação entre níveis de PCR e tabagismo é na evolução da doença. Em pacientes idosos, a
proporcional ao número de cigarros fumados. No placa aterosclerótica é complexa e resulta de um
inflamação vascular
estudo de Mendall e colaboradores14, a elevação processo evolutivo lento. Participam desse proces-
dos níveis séricos de PCR e IL-6 em homens foi so mecanismos lentos de coagulação, rupturas
diretamente proporcional ao número de cigarros múltiplas da placa e complicações clínicas, tais
consumidos. Nas mulheres, os níveis séricos de como morte súbita e insuficiência cardíaca.
selectina P foram o melhor indicador do número A doença vascular crônica ativa a coagulação
de cigarros consumidos.15 sanguínea e o trombo pode não estar associado à
evolução da doença, porém freqüentemente parti-
ATEROSCLEROSE E INFLAMAÇÃO cipa do processo inflamatório.
VASCULAR Considerando essas hipóteses verdadeiras, as
medidas preventivas controlariam uma fração im-
A relação entre aterosclerose, inflamação e fa- portante da população jovem e com doença ate-
tores de risco sugere a existência de múltiplos me- rosclerótica, fato que tem se observado nos últi-
canismos fisiopatológicos. Em pacientes jovens, mos anos. Nos processos ateroscleróticos crôni-
a trombose e a ruptura de placa respondem pela cos, a redução da doença sugere a necessidade de
evolução rápida da doença aterosclerótica. Nes- se controlar os componentes inflamatórios, inclu-
ses pacientes, o endotélio pode estar relativamen- sive das co-morbidades freqüentemente presentes
te intacto e com pouca evidência de ativação da na população idosa.

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e cols.
Fatores de risco e
RISK FACTORS AND VASCULAR INFLAMMATION
inflamação vascular

DIKRAN ARMAGANIJAN
LUCIANA VIDAL ARMAGANIJAN
MAURICIO RODRIGUES JORDÃO

Vascular inflammation was identified in all stages of atherosclerotic lesions and the
inflammatory reaction is a response to noxious stimuli. Hypercholesterolemia, hypertension,
diabetes mellitus, obesity and smoking, among others, damage the endothelium and
stimulate an inflammatory reaction in the vascular wall. The mediators between lipids and
atherosclerosis involve nuclear polymorphs (monocytes/macrophages, lymphocytes) and
smooth muscle cells. The confirmation that oxidized LDL-cholesterol particles are rapidly
assimilated by macrophages, in patients submitted to high levels of cholesterol, suggest that
these lipoproteins penetrate the inner layer and get oxidized. The pro-inflammatory action of
hypertension increases the formation of hydrogen peroxide and free radicals; these
substances reduce the formation of nitric oxide by the endothelium, and increase leukocyte
adhesion and peripheral resistance. The endothelium is essential in insulin distribution and
its structure may be impaired by cytokines, oxidized lipoproteins, smoking and chronic
stress, in patients with type 2 diabetes. Various cytokines have been widely researched in the
adipose tissue: TNF-α, IL-6, adiponectine, leptine, resistine and PAI-1. The adiponectine is
a specific-collagen plasmatic protein, exclusively expressed in human adipose tissue; the
resistine is mainly expressed in the adipose tissue and the leptine is a hormone derived from
adipocyte and is linked to pro-inflammatory cytokines. The binding between adipocines and
cardiovascular risk was demonstrated by the relation among plasma levels of adipocines, IL-
6 and CRP. IL-6 releases adipocytes, cytokines and increases CRP levels. The contribution
of vascular inflammation in the atherosclerotic disease of smokers was demonstrated in
studies that evaluated the blood levels of CRP in smokers and non-smokers.

Key words: risk factors, inflammation, atherogenesis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:193-201)


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tions and improvement after weight loss over events. Circulation. 2001;103:491-5.

201
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
BACAL F
e cols.
Inflamação e
INFLAMAÇÃO E INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
insuficiência
cardíaca
FERNANDO BACAL
CHRISTIANO P. SILVA
VICTOR SARLI ISSA

Unidade de ICC e Transplante – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – Cerqueira César – CEP 05403-904 – São Paulo – SP

A ativação pró-inflamatória exerce papel importante na fisiopatologia da insuficiência


cardíaca. Os mediadores inflamatórios envolvidos no estado de hipercatabolismo, que marca
o estágio avançado da doença, são: fator de necrose tumoral alfa (TNF-α), interleucina-6,
interleucina-1 e endotelina. Valores plasmáticos elevados dessas substâncias se
correlacionam com piora da classe funcional, tolerância ao exercício, caquexia cardíaca e
óbito. Até o presente momento as drogas que visam ao bloqueio específico desses
mediadores pró-inflamatórios não demonstraram o impacto esperado, do ponto de vista de
melhora do prognóstico dos pacientes portadores de insuficiência cardíaca. Novos estudos
estão em andamento, com o objetivo de documentar o real impacto e a necessidade do
bloqueio do sistema pró-inflamatório.

Palavras-chave: disfunção ventricular, atividade pró-inflamatória, fator de necrose tumoral.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:202-12)


RSCESP (72594)-1614

INTRODUÇÃO adrenérgico, inclusive com sua participação como


“gatilho” para o processo de remodelamento ven-
Nos últimos anos, diversos estudos demons- tricular.
traram o papel significativo de processos inflama- Mais recentemente, identificou-se a atividade
tórios no desenvolvimento de diversas doenças car- pró-inflamatória como peça importante, tanto na
diovasculares, muitas delas anteriormente consi- progressão da insuficiência cardíaca como no agra-
deradas “degenerativas”, como aterosclerose e es- vamento da doença. Diversos estudos têm com-
tenose aórtica1. De maneira similar, foi demons- provado o aumento dos níveis de citocinas infla-
trada a importância da inflamação no desenvolvi- matórias nos pacientes com insuficiência cardía-
mento e na progressão da cardiomiopatia dilatada ca, como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-α)
e da síndrome da insuficiência cardíaca. e a interleucina (IL-6), tanto no plasma como nos
O entendimento da fisiopatologia da insufici- leucócitos circulantes. A primeira descrição do
ência cardíaca tem mudado muito nos últimos achado de concentrações elevadas de fator de TNF-
anos. Primeiramente acreditava-se no mecanismo α em pacientes com insuficiência cardíaca foi fei-
puramente hemodinâmico, com comprometimen- ta em 1990, por Levine e colaboradores2 (Fig. 1).
to tanto da pré- como da pós-carga e da contratili- Níveis plasmáticos de citocinas inflamatórias
202 dade ventricular. Posteriormente introduziu-se o
conceito neuro-hormonal, com ativação do siste-
estão relacionados diretamente com a deteriora-
ção da classe funcional e a fração de ejeção ven-
RSCESP ma renina-angiotensina-aldosterona e do sistema tricular3. Análises secundárias de alguns estudos,
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e cols.
Inflamação e
insuficiência
cardíaca

Figura 1. Disfunção ventricular levando ao estado de hipercatabolismo, com participação dos media-
dores pró-inflamatórios.

como o “Studies Of Left Ventricular Dysfuncti- chamento pós-prandial e má absorção dos alimen-
on” (SOLVD)4 e o “Vesnarinone Trial” (VEST)5, tos. Pode, também, ocorrer inapetência, motivada
demonstraram ainda implicação prognóstica ne- pela orientação de dieta hipossódica, pelo efeito
gativa em pacientes com elevação dos níveis séri- colateral dos medicamentos e, finalmente, pela li-
cos de citocinas inflamatórias. beração do TNF-α, antigamente denominado ca-
quectina.
ASPECTOS CLÍNICOS E A liberação dessa citocina é principalmente de
FISIOPATOLOGIA origem miocárdica, secundariamente a baixo dé-
bito, hipoxia e aumento de estresse intramiocár-
As principais fontes de citocinas inflamatóri- dico, embora também tenha sido identificada li-
as são: miocárdio (não necessariamente relacio- beração intestinal, como resposta à má perfusão
nado com a morte de miócitos), leucócitos circu- tecidual e à translocação bacteriana tanto intesti-
lantes, plaquetas, células endoteliais, pulmões, fí- nal como esplâncnica. Diversos estudos confirma-
gado e macrófagos teciduais. ram esses resultados, demonstrando que pacien-
Pacientes com insuficiência cardíaca freqüen- tes com insuficiência cardíaca de etiologia isquê-
temente manifestam sinais compatíveis com do- mica, hipertensiva ou idiopática têm níveis plas-
enças inflamatórias, como anorexia, anemia e ca- máticos de TNF-α elevados e que esses níveis
quexia. Marcadores inflamatórios, como a proteí- aumentam de acordo com a gravidade da insufici-
na C-reativa (PCR), encontram-se elevados em pa- ência cardíaca7-9 Além disso, essas citocinas têm
cientes com insuficiência cardíaca.6 Essas obser- valor prognóstico independente de classe funcio-
vações e a descoberta de que a caquexia de paci- nal, consumo de oxigênio ou fração de ejeção do
entes com câncer é mediada por citocinas levaram ventrículo esquerdo.10
a investigações do papel dessas substâncias em pa- Estudos em animais geneticamente modifica-
cientes com insuficiência cardíaca. dos demonstraram, ainda, que a expressão aumen-
Nesse contexto, na prática clínica costumeira- tada de TNF-α em miócitos cardíacos induz o sur-
mente identificamos emagrecimento progressivo gimento de cardiomiopatia dilatada11 e que pode
e anorexia em portadores de insuficiência cardía- ser atenuada por antagonistas do TNF-α.12 Estu-
ca em suas fases mais avançadas. O paciente pode dos imuno-histoquímicos comprovaram a presen-
emagrecer em decorrência do baixo débito e da
conseqüente má perfusão esplâncnica. A insufici-
ça de TNF-α em amostras de miocárdio de paci-
entes com cardiomiopatia dilatada.13
203
ência cardíaca direita pode, ainda, levar a empa- O TNF-α tem diversos efeitos que podem es- RSCESP
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e cols. tar relacionados ao desenvolvimento da insufici- pos de pacientes com insuficiência cardíaca. Em
Inflamação e ência cardíaca: redução da contratilidade miocár- 1996, Torre-Amione e colaboradores descreveram
dica,14 apoptose de miócitos cardíacos, remodela- que os níveis plasmáticos de TNF-α e de IL-6 se
insuficiência ção da matriz extracelular,15 alterações da perme- encontravam elevados em portadores de insufici-
cardíaca abilidade capilar, hipotensão arterial, acidose me- ência cardíaca em classes funcionais I a III.21 Mun-
tabólica e indução de caquexia16 (Tab. 1). ger e colaboradores relataram o achado de con-
centrações elevadas de IL-6 no plasma de pacien-
tes em classes funcionais II a IV.22 Anker e cola-
Tabela 1. Efeitos do TNF-α na insuficiência car- boradores descreveram níveis plasmáticos eleva-
díaca. dos de IL-6 em portadores de insuficiência cardí-
aca e caquexia cardíaca.23 Orus e colaboradores
1. Disfunção vascular relataram que a IL-6 era um fator de risco para
2. Estresse oxidativo óbito, necessidade de hospitalização por insufici-
3. Apoptose ência cardíaca ou necessidade de transplante car-
4. Proteólise díaco, independentemente da classe funcional e
5. Ativação imune de outros marcadores de ativação neuro-hormo-
6. Efeito inotrópico negativo nal e inflamatória.24 Mais recentemente, Deswal e
7. Aumento do metabolismo basal colaboradores, em um estudo de 1.169 pacientes,
8. Anorexia encontraram níveis aumentados de IL-6 em cerca
de 30% dos pacientes em classes funcionais III e
Esses efeitos são mediados por dois tipos de IV, e demonstraram que níveis mais elevados de
receptores na superfície celular: TNF-R1 e TNF- IL-6 estão associados a pior prognóstico.25
R2. Após a ligação do TNF-α a seus receptores, Outra citocina, a endotelina, também tem re-
estes são liberados da membrana celular, dando levante impacto na fisiopatologia da insuficiência
origem a suas formas solúveis sTNF-R1 e sTNF- cardíaca26. Esse peptídeo vasoativo tem importan-
R2. Esses fragmentos de receptores mantêm a ca- te papel vasoconstritor, resultando em remodela-
pacidade de se ligar ao TNF-α e podem inibir ou mento vascular pulmonar e conseqüente hiperten-
potencializar seus efeitos, na dependência do mo- são e hiper-resistência vascular pulmonar, aspec-
delo estudado. As concentrações plasmáticas de tos fundamentais na evolução clínica, no prognós-
sTNF-R1 e de sTNF-R2 podem ser úteis para ava- tico e no planejamento do tratamento cirúrgico, já
liar a atividade do sistema do TNF-α e encontram- que pode se tornar fator limitante para indicação
se aumentadas em pacientes com insuficiência car- de transplante cardíaco.
díaca, principalmente naqueles mais sintomáticos. Outras citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-
De maneira similar ao observado com o TNF-α, 18) também foram estudadas em pacientes com
seus valores aumentam de acordo com a classe insuficiência cardíaca, mas os resultados obtidos
funcional, tendo importante valor prognóstico, ainda não permitem definir um quadro claro de
independentemente de variáveis clínicas ou fun- seu comportamento na insuficiência cardíaca.27, 28
cionais. Em mais uma evidência a favor da impor- Alguns trabalhos sugerem que as concentra-
tância do TNF-α na insuficiência cardíaca, o an- ções de citocinas antiinflamatórias, como IL-10
tagonismo da ação do TNF-α com etanercept, uma e “transforming growth factor beta 1”, também
molécula sintética derivada do sTNF-R2, parece se encontram elevadas em pacientes com insu-
melhorar a função ventricular.17 ficiência cardíaca, possivelmente não sendo su-
Estudos epidemiológicos têm sugerido que, ficiente para compensar o desequilíbrio existente
associados ao TNF-α, níveis séricos elevados de e que favorece a manutenção do processo infla-
proteína C-reativa podem constituir risco poten- matório.29, 30
cial para o desenvolvimento de insuficiência car-
díaca18. Também tem sido descrito que o aumento RELAÇÃO ENTRE INFLAMAÇÃO E
da proteína C-reativa eleva a mortalidade em pa- ETIOLOGIA DA CARDIOMIOPATIA
cientes com cardiomiopatia dilatada19. A proteína
C-reativa é uma proteína inflamatória associada à As evidências disponíveis sugerem que a in-
secreção de outras citocinas, como TNF-α, IL-6 e suficiência cardíaca é um estado pró-inflamatório
IL-1. Modelos “in vitro” demonstram que a pro- e que a inflamação crônica pode estar relacionada
teína C-reativa induz a liberação de TNF-α pelos à evolução da doença e ao prognóstico dos paci-
macrófagos humanos. Provavelmente há uma ação entes. Entretanto, esse modelo não é uniformemen-
204 sinérgica entre o TNF-α e a proteína C-reativa na
patogênese da cardiomiopatia dilatada20.
te aplicável. Apenas uma fração (40% a 60% na
maioria dos estudos) dos pacientes tem concen-
RSCESP A IL-6 também foi estudada em diversos gru- trações aumentadas de citocinas pró-inflamatóri-
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4
as no plasma, e há evidências de que a ativação se doença cardíaca em 20% a 65% das famílias e cols.
inflamatória seja modulada pela etiologia da do- de pacientes com cardiomiopatia dilatada); 3) auto- Inflamação e
ença cardíaca. imunidade, hipótese formulada a partir do achado
Hogye e colaboradores estudaram portadores de infiltrado inflamatório na ausência de agentes
insuficiência
de cardiomiopatia dilatada em classe funcional infecciosos identificáveis em tecido miocárdico, cardíaca
avançada e pacientes com cardiomiopatia hiper- aumento da expressão de moléculas do complexo
trófica sem disfunção ventricular importante (em maior de histocompatibilidade e presença de auto-
classe funcional média 1,5 da “New York Heart anticorpos circulantes em pacientes com cardio-
Association” – NYHA)31. Os níveis séricos de IL- miopatia dilatada;34, 35 4) miocardite infecciosa, em
6 e TNF-α foram encontrados elevados nos dila- que o genoma viral tem sido detectado em 10% a
tados, mas apenas a IL-6 permanecia elevada nos 71% dos pacientes com cardiomiopatia dilatada36-38.
hipertróficos, o que sugere a possibilidade de essa Outros agentes etiológicos também têm sido des-
citocina não se relacionar apenas com o grau de critos.39 Entretanto, a relação causal entre o acha-
disfunção ventricular. do de agentes infecciosos e o desenvolvimento de
Mocelin e colaboradores investigaram a ativa- doença ainda é motivo de debate. Os mecanismos
ção inflamatória na cardiopatia chagásica, em tra- pelos quais agentes infecciosos podem levar a le-
balho desenvolvido no Instituto do Coração (In- são miocárdica incluem agressão direta a cardio-
Cor/HC-FMUSP). Essa afecção, caracterizada por miócitos, imunomodulação e indução de defeitos
miocardite crônica, poderia resultar em padrões nos mecanismos de contração e relaxamento mio-
de atividade inflamatória diferentes dos descritos cárdicos.40 O modelo atualmente proposto prevê
em outras etiologias de insuficiência cardíaca. ocorrência de lesão tecidual inicial causada por
Nesse trabalho foram comparadas as concentra- ação direta do agente infeccioso. Acredita-se que
ções de TNF-α, sTNF-R1 e IL-6 no plasma de durante o processo inflamatório decorrente da
pacientes com insuficiência cardíaca decorrente agressão infecciosa possam surgir fenômenos auto-
de cardiopatia chagásica ou de cardiomiopatia di- imunes, envolvendo tanto a imunidade celular
latada idiopática32. Foi observado que: a) as con- como a imunidade humoral.41, 42 Agressões repeti-
centrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 em por- das ao miocárdio, seja por exposição recorrente
tadores de cardiomiopatia chagásica foram signi- ao agente infeccioso seja por processo inflamató-
ficativamente maiores que em indivíduos normais; rio persistente, culminariam com o desenvolvimen-
b) as concentrações plasmáticas de TNF-α e IL-6 to de cardiomiopatia dilatada.
em portadores de etiologia chagásica foram signi-
ficativamente maiores que as observadas em paci- PAPEL DO TRATAMENTO
entes dilatados idiopáticos, após estratificação pela ANTIINFLAMATÓRIO NA
classe funcional (Figs. 2 e 3); c) as concentrações INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
de sTNF-R1 foram significativamente menores nos
pacientes chagásicos que nos portadores de cardi- O tratamento moderno da insuficiência cardí-
omiopatia dilatada idiopática, após estratificação aca ainda não é suficiente para conter os signifi-
pela classe funcional; e d) as concentrações plas- cativos números relacionados à mortalidade dos
máticas de IL-6 estiveram significativamente as- pacientes, o que pode sugerir que algum outro me-
sociadas à ocorrência de óbito ou transplante car- canismo fisiopatológico importante mantém-se
díaco em situação de prioridade para ambos os ativo e sem modalidades terapêuticas específicas.
grupos de pacientes. A atividade inflamatória na insuficiência cardíaca
Acredita-se que também em pacientes com car- pode ter papel nesse processo, o que desperta in-
diomiopatia dilatada idiopática o sistema inflama- teresse na descoberta de agentes específicos para
tório possa ter papel fisiopatológico. Aceita-se atu- inibir a imunopatogênese da doença.
almente que essa etiologia reúna grupo heterogê- Adamopoulos e colaboradores demonstraram
neo de pacientes. Possíveis etiologias para cardi- que o treinamento físico pode reduzir citocinas in-
omiopatias categorizadas como idiopáticas são: 1) flamatórias, como TNF-α e IL-6, enquanto o “des-
condições clínicas cuja relação causal com a car- treinamento” tem papel oposto43.
diomiopatia não é evidente ou não é passível com- O primeiro imunomodulador a mostrar bene-
provação em bases clínicas (como, por exemplo, fício na insuficiência cardíaca foi a pentoxifilina.
diabetes melito e obesidade); 2) mutações genéti- Em portadores de cardiomiopatia dilatada, o uso
cas, que podem envolver diferentes proteínas do dessa medicação melhorou os sintomas e aumen-
citoesqueleto e do sarcômero de cardiomiócitos, tou a fração de ejeção do ventrículo esquerdo. En-
encontradas em 30% a 50% dos pacientes com
cardiomiopatia dilatada idiopática33 (algumas for-
tretanto, esses efeitos podem ter maior relação com
o fato de a pentoxifilina ser um inibidor de fosfo-
205
mas da doença têm caráter familiar, encontrando- diesterase que com sua ação imunomoduladora44. RSCESP
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e cols. As estatinas possuem ação imunomoduladora, atenção (Tab. 2). Entretanto, estudos clínicos com
Inflamação e antitrombótica, protetora da função endotelial e etanercept (Fig. 4)48, droga redutora da bioativi-
antiinflamatória, e também reduzem o colesterol45. dade do TNF-α (“Randomized Etanercept World-
insuficiência Além de inibir a produção de citocinas, como a wide Evaluation” – RENEWAL49), foram inter-
cardíaca IL-1ß, no endotélio, as estatinas têm mostrado re- rompidos precocemente pela falta de eficácia, e
duzir a inflamação e a produção de radicais livres um estudo com infliximab (anticorpo monoclonal
na parede vascular46. Estudos “in vitro” e em mo- anti-TNF-α) foi associado a aumento de hospita-
delos animais têm demonstrado prevenção do de- lizações e mortalidade no grupo intervenção
senvolvimento de hipertrofia miocárdica com o uso (“Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart
de estatinas, o que sugere o potencial benefício do failure” – ATTACH50).
uso dessas medicações na insuficiência cardíaca47. Da mesma forma, a tentativa de bloquear pro-
Por causa do importante papel do TNF-α na cessos inflamatórios e imunológicos relacionados
fisiopatologia da insuficiência cardíaca, a modu- ao desenvolvimento de cardiomiopatia após infec-
lação terapêutica dessa citocina tem recebido muita ção levou diferentes autores a experimentar regi-

206 Figura 2. Distribuição das concentrações plasmáticas de IL-6, de acordo com a etiologia e a classe
RSCESP funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.)
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e cols.
Inflamação e
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Figura 3. Distribuição das concentrações plasmáticas de TNF-α, de acordo com a etiologia e a classe
funcional. (Adaptado de Mocelin e colaboradores32.)

mes de imunossupressão em pacientes tanto nas atividade inflamatória.52


fases iniciais da doença (miocardite aguda) como Os resultados obtidos com essas experiências
nas fases tardias (cardiomiopatia dilatada). Em iniciais sugerem que os pacientes com cardiomio-
análise de pacientes com diagnóstico etiológico patia dilatada de possível origem infecciosa po-
de miocardite e presença de disfunção ventricular dem se apresentar em diferentes estágios fisiopa-
esquerda, o uso de imunossupressores não trouxe tológicos da doença, podendo ser variável o papel
benefício adicional ao tratamento;51 nessa condi- do agente infeccioso e do processo inflamatório
ção, a presença de elevação de marcadores de ati- para cada um desses momentos. Por conseguinte,
vidade inflamatória (elevação de imunoglobulinas, a interferência terapêutica em cada um dos mo-
elevação da contagem de leucócitos em sangue mentos produz resultados diversos. Vale ressaltar
periférico, aumento da atividade de células “natu- que tais estágios são eventos fisiopatológicos des-
ral killer” e de macrófagos) foram fatores de pro- contínuos ao longo do tempo, de caráter recorren-
teção, relacionados e de melhor prognóstico. Dessa te e superpostos, e que sua determinação com base
forma, acredita-se que em fases iniciais do pro- em dados clínicos é limitada. A comprovação da
cesso fisiopatológico a inflamação seja protetora participação de cada um desses componentes em
e o uso de imunossupressores não traga benefício. determinado momento evolutivo da doença care-
Entretanto, em pacientes com cardiomiopatia ce de demonstração histopatológica e caracteriza-
dilatada idiopática crônica, foi testada imunossu- ção imunológica.
pressão com prednisona. Houve melhora transitó- Buscando encontrar grupos de pacientes com
ria da fração de ejeção com a administração de
prednisona, especialmente nos pacientes com evi-
melhor resposta a tratamento, estudo com 202 pa-
cientes portadores de cardiomiopatia dilatada en-
207
dências histológicas miocárdicas e laboratoriais de controu evidência histológica de atividade infla- RSCESP
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e cols.
Inflamação e
insuficiência
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Figura 4. Análise de Kaplan-Meyer


para “end-point” primário no “Ran-
domized Etanercept Worldwide Eva-
luation” – RENEWAL. (Adaptado de
Mann e colaboradores.48)

matória (definida como aumento de expressão de tes com cardiomiopatia dilatada. Os interferons fo-
moléculas do HLA) em 84 pacientes. Esses paci- ram originalmente identificados e nomeados por
entes foram, então, randomizados para receber sua capacidade de interferir com a replicação vi-
imunossupressão (prednisona + azatioprina) ou ral. Por possuírem efeitos imunomoduladores, são
placebo por três meses. Houve melhora no grupo capazes, por exemplo, de aumentar a expressão
que recebeu imunossupressão no que se refere a molecular do complexo maior de histocompatibi-
classe funcional, fração de ejeção, diâmetro dias- lidade e estimular os efeitos líticos de linfócitos T
tólico ventricular esquerdo e volume diastólico citotóxicos e de macrófagos. Um estudo avaliou o
ventricular esquerdo.53 Não houve diferença na efeito do interferon beta em 22 pacientes com car-
mortalidade. Sugere-se, portanto, que subgrupos diomiopatia dilatada e persistência de genoma de
de pacientes com cardiomiopatia dilatada e per- enterovírus (14 pacientes) e adenovírus (8 paci-
sistência de inflamação podem se beneficiar de tra- entes) no miocárdio.9 Houve aumento da fração
tamento imunossupressor. de ejeção e redução dos diâmetros do ventrículo
Finalmente, estudos recentes têm avaliado o esquerdo após o tratamento. Não há, entretanto,
impacto da administração de interferon a pacien- estudos que tenham avaliado de maneira contro-

Tabela 2. Principais estudos clínicos com anticitocinas.

Objetivos Objetivos
Estudo n primários Resultados secundários Resultados

RENEWAL 2.048 Morte ou p = 0,33 Mortalidade geral p = 0,39


hospitalização
por insuficiência
cardíaca
RENAISSANCE 925
RECOVER 1.123
ATTACH 150 Morte ou p < 0,05* — —
hospitalização
por insuficiência
cardíaca

* Diferença encontrada entre placebo e infliximab 10 mg/kg. Não foi encontrada diferença entre pla-
cebo e infliximab 5 mg/kg.
n = número de pacientes; RENEWAL = “Randomized Etanercept Worldwide Evaluation”; RENAIS-
SANCE = “Randomized Etanercept North American Estrategy to Study Antagonism of Cytokines”;
208 RECOVER = “Research into Etanercept: Cytokines Antagonism in Ventricular Dysfunction”; ATTA-
RSCESP CH = “Anti-TNF Therapy Against Congestive Heart failure”.

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lada e prospectiva essa questão. com efeitos múltiplos e predominantemente pará- e cols.
Estudo recente selecionou 82 pacientes com crinos. É possível que a inibição de apenas um Inflamação e
achado de genoma viral e existência de atividade dos componentes desse sistema não seja eficaz,
inflamatória (segundo critérios imuno-histológi- como foi observado em estudos de pacientes com
insuficiência
cos, que incluíam a contagem de células CD2, bem sepse,56 e que apenas com o desenvolvimento de cardíaca
como expressão de HLA I, HLA II, CD 68, e CD novas estratégias anticitocinas possamos modifi-
54) para receber imunossupressão (prednisolona) car, com sucesso, esse mecanismo fisiopatológi-
ou interferon beta. O tratamento foi seguro e hou- co. Até o presente momento, as estratégias tera-
ve melhora em todos os grupos de tratamento.54 pêuticas que visaram ao bloqueio específico das
A aplicação de imunoglobulinas por via intra- citocinas, por meio de novas drogas ou até mesmo
venosa também é controversa na insuficiência car- de anticorpos monoclonais, não atingiram os re-
díaca. Esses agentes parecem ter papel duplo so- sultados esperados. No entanto, o controle desse
bre as citocinas, promovendo aumento em alguns complexo sistema de ativação pró-inflamatório
mediadores, como IL-10, e diminuição em outros, permanece alvo de investigações, principalmente
como IL-8 e IL-155. pelo fato de sua relação direta com a pior evolu-
Devemos lembrar também que as citocinas for- ção e o prognóstico dos pacientes portadores de
mam uma rede altamente complexa e redundante, insuficiência cardíaca.

INFLAMMATION AND CONGESTIVE HEART FAILURE

FERNANDO BACAL
CHRISTIANO P. SILVA
VICTOR SARLI ISSA

The pro-inflammatory activation plays an important role in the pathophysiology of cardiac


heart failure. The inflammatory markers involved in this process specially in end stage of
heart failure progression are tumoral necrosis factor (TNF-α), interleuquin-6, interleuquin-1
and endotelin. Elevated plasmatic levels of this citokines are related with worse prognosis,
functional class, exercise tolerance, caquexia and death. At this moment, the drugs tested to
blockade the citokines activation didn’t show improvement in the prognosis of patients with
heart failure, however new studies are being performed to explain the real importance of the
pro-inflammatory process, activated in patients with heart failure.

Key words: ventricular dysfunction, citokines, pro-inflammatory activation, tumoral


necrosis factor.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:202-12)


RSCESP (72594)-1614

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212
RSCESP
JUL/AGO/SET 2006
LEITE PF
Células-tronco e
CÉLULAS-TRONCO E INFLAMAÇÃO inflamação

PAULO FERREIRA LEITE

Unidade Clínica de Coronariopatias Crônicas – Instituto do Coração (InCor) – HC-FMUSP

Endereço para correspondência:


Av. Dr. Enéas Carvalho de Aguiar, 44 – CEP 05403-904 – São Paulo – SP

A inflamação tem papel importante na doença cardiovascular. Fatores tradicionais de risco


como diabetes, tabagismo, hipertensão arterial e dislipidemia podem induzir resposta
inflamatória nas células endoteliais, promovendo apoptose e perda da integridade endotelial.
Como conseqüência, ocorre aumento da permeabilidade endotelial vascular, facilitando a
migração de monócitos e a proliferação de células musculares lisas, formando a lesão
aterosclerótica. Evidências recentes sugerem que células progenitoras endoteliais circulantes
provenientes da medula óssea parecem ter função regeneradora importante no endotélio
vascular sob certos estresses. Essa regeneração pode ocorrer pela secreção de fatores
angiogênicos ou talvez pela incorporação direta de tais células na parede vascular, limitando
assim a doença aterosclerótica. Todavia, fatores de risco promotores da inflamação vascular
reduzem o número e a atividade funcional de células progenitoras endoteliais circulantes,
diminuindo seu potencial terapêutico. Neste artigo são discutidos o conceito e as
dificuldades em caracterizar uma célula progenitora endotelial, além de se explorar de que
forma o ambiente inflamatório pode interagir com tais células circulantes. Por fim, são
destacadas algumas terapias que parecem melhorar a função reparadora das células
progenitoras endoteliais, reduzindo assim a influência dos fatores pró-ateroscleróticos na
parede vascular.

Palavras-chave: inflamação, células progenitoras endoteliais, endotélio, fatores de risco,


aterosclerose.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:213-22)


RSCESP (72594)-1615

REGENERAÇÃO ENDOTELIAL PELAS co3. Esses processos podem levar a formação de


CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS aterosclerose, ruptura da placa e infarto do mio-
cárdio, que é ainda a principal causa de morte nos
A integridade e a atividade funcional da ca- dias atuais1. Dessa forma, a manutenção da inte-
mada endotelial têm papel crítico na formação da gridade endotelial é crucial na prevenção dos pro-
aterosclerose. Lesão do endotélio promovida pe- cessos. Evidências recentes sugerem que fatores
los fatores de risco induz uma cascata de eventos de risco para doença coronária promovem apop-
pró-inflamatórios na parede vascular, resultando tose e descamação de células endoteliais4, 5. Célu-
na infiltração de monócitos e na proliferação de las que descamam do endotélio são hoje chama-
células musculares lisas vasculares1, 2. No campo
molecular, a disfunção endotelial é caracterizada
das de células endoteliais circulantes, sendo usa-
das como biomarcadores de presença e avanço da
213
pela redução da biodisponibilidade de óxido nítri- lesão endotelial (Fig. 1)6. Pela citometria de fluxo RSCESP
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LEITE PF
Células-tronco e é possível enumerá-las e caracterizá-las. Marca- demonstraram que existe um mecanismo adicio-
inflamação dores como anexina V (apoptose), CD31/146 (en- nal de reparação do endotélio vascular. Enxertos
dotélio) e CD106 (marca ativação das células en- de dácron implantados em vasos de cachorros fo-
doteliais pela inflamação) são usados na quantifi- ram rapidamente cobertos com células CD34+ de-
cação de tais células no sangue6. Como essas cé- rivadas de medula óssea7. Estudos adicionais de-
lulas são extremamente raras no sangue periféri- monstraram que a transfusão sistêmica ou a mo-
co de humano adulto (0,01%), é necessário usar bilização intrínseca de células progenitoras endo-
quantidade maior de sangue (ou seja, 200 µl) quan- teliais aceleram a restauração do endotélio lesado
do se utiliza a citometria de fluxo (comunicação mecanicamente, resultando no menor espessamen-
pessoal). to da camada neo-intimal8. O grau de incorpora-

Figura 1. Regeneração endotelial após lesão vascular. A) Fatores de risco para doença arterial coroná-
ria lesam o endotélio e, como conseqüência, causam apoptose e descamação de células endoteliais.
Essas células são denominadas células endoteliais circulantes (CECs) e podem ser mensuradas pela
citometria de fluxo no sangue periférico. B) O processo regenerativo endotelial pode ocorrer por duas
vias: 1) pela proliferação e migração de células endoteliais maduras localizadas na vizinhança da célula
endotelial lesada (angiogênese); e 2) pela migração de células-tronco da medula óssea na parede vascu-
lar, liberando fatores angiogênicos, ou talvez pela incorporação direta de células progenitoras endote-
liais (EPCs) circulantes no endotélio (vasculogênese). Esse processo ainda não está claro.

Até recentemente, acreditava-se que a renova- ção de células CD34+ na parede vascular é direta-
ção das células endoteliais era muito lenta e feita mente proporcional à extensão da lesão, ou seja,
pela proliferação e pela extensão de células endo- quanto mais intensa for a lesão mecânica vascular
teliais vizinhas (angiogênese). Em condições fisi- maior será a incorporação de células-tronco pro-
ológicas, vasos sanguíneos de adultos se regene- venientes da medula óssea no vaso9. Esses acha-
214 ram lentamente. A meia-vida de uma célula endo-
telial de um adulto foi descrita como sendo de 3,1
dos indicaram a existência de uma fonte celular
localizada na medula óssea que poderia ser recru-
RSCESP anos. Mais recentemente, contudo, alguns estudos tada no sítio de reparação vascular, contribuindo
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LEITE PF
para a expansão da trama vascular, num processo zam tais marcadores na citometria de fluxo, por- Células-tronco e
denominado vasculogênese (Fig. 1). que nenhum deles é específico para células pro- inflamação
genitoras endoteliais. Por exemplo, CD34 é um
DEFINIÇÃO E CARACTERIZAÇÃO DE marcador hematopoiético e pode ser achado em
CÉLULAS PROGENITORAS ENDOTELIAIS outras células-tronco provenientes da medula ós-
sea6. Na realidade, a população CD34 de células
Células-tronco são definidas por duas caracte- representa uma pequena fração de células-tronco
rísticas: devem ser capazes de se renovar por si da medula ou de sangue periférico21. CD34 pode
só, e devem ter a capacidade de diferenciar em também ser encontrado nas células endoteliais cir-
diferentes tipos celulares10. As células progenito- culantes22. Assim, CD34 deve ser sempre usado
ras endoteliais, por sua vez, são células circulan- em conjunto com outros marcadores17.
tes derivadas de uma população de células da me- Admite-se que a função óbvia das células
dula óssea que parecem participar tanto da forma- progenitoras endoteliais seria uma contribuição
ção de novos vasos (vasculogênese) como da ho- direta na parede endotelial. Contudo, dois fenóti-
meostase vascular10. Essa população única de cé- pos celulares diferentes têm emergido de dados
lulas mononucleares existente no sangue periféri- sobre a diferenciação de células progenitoras en-
co (0,0001%) tem um perfil que se assemelha doteliais: como já mencionado, um se integraria
muito ao das células-tronco hematopoiéticas, e in- diretamente ao endotélio e o outro tomaria resi-
corpora no vaso em situações de estresse em res- dência imediatamente próximo ao endotélio (Fig.
posta a vários fatores de crescimento angiogêni- 1). A função deste segundo grupo celular seria pre-
cos11-15. Muito do que se conhece hoje sobre essas sumidamente providenciar sinais parácrinos às
células pode ser creditado a dois estudos pionei- células endoteliais17, 22, 23. Estudos recentes de-
ros. Asahara e colaboradores, em 1997, isolaram monstram que tais células constituem a maioria
angioblastos circulantes de sangue periférico co- das células progenitoras endoteliais e são diferen-
lhido de humanos adultos, que tinham o potencial ciadas pela citometria de fluxo pelos marcadores
de diferenciar “in vitro” em células endoteliais e CD14+ e CD3421. De fato, esses monócitos “pró-
contribuíam para a angiogênese após isquemia angiogênicos” parecem secretar fatores de cresci-
vascular “in vivo”16. Logo depois da publicação mento às células endoteliais adjacentes24. Além
de Asahara, Shi e colaboradores cultivaram célu- disso, células CD14+ exibem em cultura algumas
las CD34+ provenientes da medula óssea e desco- características funcionais que têm sido utilizadas
briram que tais células tinham a capacidade de em muitos estudos para caracterizar células pro-
diferenciar em células endoteliais7. Desde então, genitoras endoteliais CD34+. Por exemplo, tais
diversos grupos têm procurado definir essa popu- células incorporam DiLDL e fixam lectina25. É
lação de células mais profundamente. Como as interessante observar que células CD14+ isoladas
células progenitoras endoteliais e as células-tron- imediatamente do sangue periférico e não expan-
co hematopoiéticas têm em comum muitos mar- didas em cultura não aumentam a vasculogênese,
cadores de superfície, não existe uma definição chamando atenção para o fato de quanto o meio
simples de células progenitoras endoteliais. As- de cultura pode influenciar o comportamento ce-
sim, o termo células progenitoras endoteliais en- lular26. Células progenitoras multipotentes deriva-
globa um grupo de células que existe numa varie- das da medula óssea, assim como células tecidu-
dade de estágios, desde hemangioblastos até cé- ais (tecido adiposo, células progenitoras cardía-
lulas endoteliais. No estágio atual das pesquisas, cas e células neuroprogenitoras), também possu-
é impossível diferenciar células progenitoras en- em a habilidade de diferenciar em células proge-
doteliais mais “imaturas” (ou seja, células menos nitoras endoteliais27. Juntas, essas informações
diferenciadas) das células-tronco hematopoiéticas permitem concluir dois pontos importantes: 1) é
primitivas, uma vez que estas últimas comparti- concebível que células provenientes da medula
lham os mesmos marcadores de superfície, como, poderiam ajudar no estabelecimento de novos ca-
por exemplo, CD133, CD34, e VEGFR2 (KDR). pilares, providenciando sinais parácrinos impor-
Na prática, são utilizados os marcadores CD133 e tantes e não apenas incorporando na parede endo-
VEGFR2 numa população de células CD34+17. telial; e 2) esses monócitos “pró-angiogênicos”
CD133 é um marcador que diferencia células pro- pela definição atual não são células progenitoras
genitoras endoteliais mais primitivas. À medida endoteliais. As observações apresentadas acima
que essas células se diferenciam, os marcadores mudam o paradigma da vasculogênese, cuja visão
CD133 e VEGF são extintos11, 13, 18. Nesse estágio, simplista seria baseada num único tipo celular
são utilizados marcadores endoteliais como VE
caderina e E-selectina19, 20. Contudo, algumas li-
como responsável pelo crescimento vascular em
humanos adultos. Novos dados sugerem que vas-
215
mitações devem ser consideradas quando se utili- culogênese e/ou regeneração endotelial são pro- RSCESP
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Células-tronco e cessos em que múltiplos grupos celulares prove- endoteliais. Antecedente positivo de morte prema-
inflamação nientes da medula óssea parecem estar envolvi- tura familiar por doença coronária19, homocistei-
dos. nemia33 e aumento da proteína C-reativa34, 35 são
alguns exemplos. A proteína C-reativa é um mar-
INFLAMAÇÃO VASCULAR E CÉLULAS cador importante de inflamação e está associado à
PROGENITORAS ENDOTELIAIS disfunção endotelial e à aterosclerose. Quando
células progenitoras endoteliais são incubadas com
Observações de pacientes com doença ateros- proteína C-reativa, esta diretamente inibe a dife-
clerótica ou com fatores de risco para aterosclero- renciação, a sobrevivência e a função de células
se enfatizam o papel das células progenitoras en- progenitoras endoteliais35.
doteliais na manutenção da saúde vascular20, 28-31. Síndromes isquêmicas agudas estão relaciona-
Estudos demonstram que a presença de doença das a número elevado de células progenitoras en-
vascular ou de fatores de risco para doença vascu- doteliais, indicando que a movimentação de célu-
lar tem correlação com número diminuído e com las progenitoras endoteliais com o objetivo de re-
redução da capacidade funcional de células pro- parar o vaso e o tecido é um evento fisiológico36, 37.
genitoras endoteliais circulantes20, 28-31. Em paci- Contudo, células progenitoras endoteliais prove-
entes sem doença cardiovascular documentada, nientes da medula óssea estão deprimidas funcio-
existe correlação inversa entre escore preditor de nalmente nessas circunstâncias38. Resultado simi-
risco de doença cardiovascular de Framingham e lar foi obtido em outro ambiente de inflamação
número de células progenitoras endoteliais28. De crônica e diminuição de óxido nítrico (ou seja,
fato, esse estudo demonstrou que o número de pacientes com insuficiência cardíaca). Heeschen
células progenitoras endoteliais circulantes foi e colaboradores demonstraram, num modelo de
melhor preditor de reatividade vascular preserva- isquemia em camundongos imunodeficientes
da que a presença de fatores tradicionais de risco (“nude mice”), que células progenitoras endoteli-
promotores da aterosclerose, reatividade essa re- ais colhidas desses indivíduos com insuficiência
lacionada à atividade funcional do endotélio e ao cardíaca eram menos capazes de aderir ao vaso no
prognóstico de pacientes com doença arterial co- membro isquêmico de camundongos, além de pos-
ronária28. Em sintonia com tal achado, Werner e suírem menor capacidade migratória29.
colaboradores determinaram em 519 pacientes Em estudos investigando células progenitoras
com doença arterial coronária, documentada pela endoteliais em pacientes com insuficiência renal
angiografia, que número aumentado de células crônica e sem evidência de doença arterial coro-
CD34+/KDR+ se correlacionava com menor mor- nária, a insuficiência renal está associada com re-
talidade cardiovascular18. Em outro estudo, célu- dução marcada de número e colônias de células
las progenitoras endoteliais circulantes colhidas progenitoras endoteliais39. Esses achados parecem
de pacientes com múltiplos fatores de risco apre- ocorrer independentemente dos fatores de risco
sentavam alta taxa de envelhecimento “in vitro” para eventos cardiovasculares. Em concordância
quando comparadas às daqueles com poucos fato- com os achados mencionados, pacientes com ar-
res de risco18, 28. Uma hipótese que explicaria tais trite reumatóide apresentam número reduzido de
achados é que pacientes expostos a lesão endote- células progenitoras endoteliais circulantes, que
lial contínua pelos fatores de risco teriam exauri- melhoraram marcadamente após receber terapia
do depósitos presumidamente limitados de célu- com inibidor de fator de necrose tumoral alfa40.
las progenitoras endoteliais localizadas na medu- Esses dados permitem especular que a inflama-
la óssea28. Essa hipótese é suportada pela obser- ção crônica diminui o número e a função de célu-
vação de que células progenitoras endoteliais co- las progenitoras endoteliais, contribuindo para o
lhidas de camundongos ApoE-/- estão reduzidas aumento da morbidade e da mortalidade cardio-
em número e habilidade em participar na repara- vasculares (Fig. 2).
ção vascular32. Em pacientes sem doença cardio-
vascular, correlação inversa também existe entre MECANISMOS PELOS QUAIS A
idade e número de células progenitoras endoteli- INFLAMAÇÃO PODE INTERFERIR
ais na circulação periférica28. Tal achado sugere COM AS CÉLULAS PROGENITORAS
que número diminuído de células progenitoras ENDOTELIAIS
endoteliais pode explicar, em parte, o aumento sig-
nificativo de mortalidade cardiovascular observa- A redução do número e da função de células
do com o aumento da idade. progenitoras endoteliais na presença de inflama-
216 Vários outros fatores de risco promotores de
eventos cardiovasculares estão associados com re-
ção pode ter diferentes causas: a) exaustão do
“pool” de células progenitoras endoteliais residen-
RSCESP dução de número e função de células progenitoras tes na medula, conforme discutido anteriormente;
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Células-tronco e
inflamação

Figura 2. Inflamação e células progenitoras endoteliais (EPCs) circulantes. Fatores de risco para doen-
ça arterial coronária promovem inflamação vascular, que induz apoptose de células endoteliais. Células
que sofreram apoptose precisam ser regeneradas para que o endotélio permaneça íntegro. Contudo, a
inflamação gerada reduz a capacidade regenerativa de células endoteliais maduras e de EPCs. Assim,
apoptose aumentada e reparação reduzida podem levar a um círculo vicioso, formando a placa ateros-
clerótica.

b) redução da mobilização; e c) redução de sobre- nária e insuficiência cardíaca, pode-se especular


vida ou diferenciação (Fig. 3). A influência direta que a redução de óxido nítrico pode diminuir tan-
dos fatores de risco para doença coronária no mi- to a mobilização como a atividade funcional de
croambiente da medula óssea ainda não está cla- células progenitoras endoteliais da medula óssea.
ra. Estroma medular ósseo consiste parcialmente Outra possibilidade em relação à diminuição
de células endoteliais. Dado que fatores de risco de células progenitoras endoteliais seria apoptose
sistemicamente diminuem a função de células en- ou inibição de sua capacidade de diferenciar. A
doteliais e a biodisponibilidade do óxido nítrico análise do antígeno primitivo CD133 pela citome-
vascular, pode-se especular que células endoteli- tria de fluxo em pacientes com angina estável e
ais localizadas no estroma medular podem apre- em obesos mórbidos com síndrome metabólica se-
sentar atividade funcional diminuída. lecionados para serem submetidos a cirurgia bari-
De fato, a deficiência de óxido nítrico sintase átrica (dados não publicados) não revelou diferen-
endotelial (eNOS) diminui a mobilização de célu- ça comparativamente ao grupo controle, sugerin-
las progenitoras endoteliais pelo VEGF, reduzin- do que a diminuição de tais células ocorre num
do a capacidade de recuperação da medula óssea estágio mais abaixo de diferenciação celular20.
após mielossupressão3, 41. Em modelos “knock out” Além disso, foi demonstrado que a angiostatina,
para eNOs, não houve aumento de células proge- uma molécula antiangiogênica que está aumenta-
nitoras endoteliais após exercício físico42. Da mes- da na inflamação, bloqueia a proliferação de célu-
ma forma, células progenitoras endoteliais colhi- las progenitoras endoteliais43.
das de tais camundongos revelaram reduzida ca- Outro fator a ser considerado seria a alteração
pacidade para aumentar a vascularização após is-
quemia. Como a biodisponibilidade do óxido nítri-
na diferenciação de células progenitoras endoteli-
ais por fatores locais, que alterariam o balanço
217
co está reduzida em pacientes com doença coro- entre células comprometidas com a linhagem en- RSCESP
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Células-tronco e
inflamação

Figura 3. A inflamação pode interferir com as células progenitoras endoteliais, mediando proteção
vascular por diferentes mecanismos. Fatores de risco para doença coronária podem interferir com célu-
las-tronco hematopoiéticas na medula óssea, reduzindo sua mobilização ou afetando sua sobrevivência
pela queda de suas defesas antioxidantes ou, ainda, por efeito em sua diferenciação. De forma seme-
lhante, a inflamação pode bloquear intracelularmente a resposta ao VEGF, dificultando a incorporação
de células progenitoras endoteliais na parede vascular.
EPCs = células progenitoras endoteliais; NO = óxido nítrico.

dotelial e células musculares lisas. Quando se al- mantida a expressão de VEGF, sugerindo que a
tera o meio de cultura de células CD34+, esta pode resposta ao VEGF está bloqueada intracelularmen-
se diferenciar em monócitos. Além disso, a admi- te20. Em resumo, os fatores de risco podem inter-
nistração de lipoproteína de baixa densidade ferir na proteção vascular mediada pelas células
(LDL) oxidada bloqueia a diferenciação de célu- progenitoras endoteliais por diferentes mecanis-
las progenitoras endoteliais “in vitro”44. Assim, al- mos e assim modular o processo de regeneração
terações locais ou sistêmicas gerando inflamação endotelial (Fig. 3).
poderiam promover um desvio na diferenciação
de células progenitoras endoteliais no sentido de REGULAÇÃO DAS CÉLULAS
células musculares lisas, levando ao desenvolvi- PROGENITORAS ENDOTELIAIS
mento da lesão aterosclerótica.
Finalmente, outro mecanismo aventado pode- Se os fatores de risco para eventos coronários
ria ser uma resposta diminuída das células proge- reduzem o número e a função de células progeni-
nitoras endoteliais ao VEGF na presença de fato- toras endoteliais e contribuem para a progressão
res de risco. Vias de sinalizações VEGF-depen- da doença aterosclerótica, o oposto (ou seja, o au-
dentes (como, por exemplo, AKT) estão alteradas mento das células progenitoras endoteliais) é bas-
quando células são incubadas com LDL oxidada45. tante atrativo (Fig. 4). Evidências recentes suge-
Similarmente, células progenitoras endoteliais iso- rem que as estatinas aumentam o número e a ati-
218 ladas de sangue periférico de pacientes com do-
ença coronária demonstram capacidade migrató-
vidade funcional de células progenitoras endote-
liais “in vitro” em camundongos e em pacientes
RSCESP ria reduzida na presença de VEGF, apesar de estar com angina estável8, 19, 46. Assim, parte dos efeitos
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50, 51
pleiotrópicos das estatinas, melhorando a função tadas de estresse oxidativo . Notadamente, foi Células-tronco e
endotelial e reduzindo os eventos cardiovascula- demonstrado que as enzimas superóxido dismuta- inflamação
res, decorreria do aumento de células progenito- se manganês (localizada nas mitocôndrias, dismuta
ras endoteliais. Algo similar também ocorre com o ânion superóxido), catalase (dismuta o peróxi-
os inibidores da enzima de conversão ativada. do de hidrogênio) e glutationa peroxidase tinham
Mecanismo postulado seria a redução do envelhe- suas expressões aumentadas nas células progeni-
cimento e a apoptose de células progenitoras en- toras endoteliais quando comparadas às células
doteliais8, 19, 46. O estrógeno parece também aumen- controles. Esses resultados sugerem que células
tar o número e a função de células progenitoras progenitoras endoteliais estão equipadas com um
endoteliais, reduzindo o espessamento neo-intimal sistema eficiente de proteção, tornando essas cé-
num modelo experimental de lesão mecânica vas- lulas atrativas para terapia celular.
cular47. A eritropoietina aumenta as células pro-
genitoras endoteliais em animais e em homens, e CONCLUSÕES
esse hormônio está diretamente relacionado com
o número de células progenitoras endoteliais em Populações de células distintas dentro do or-
pacientes com doença arterial coronária48, 49. O ganismo adulto possuem habilidade de contribuir
exercício físico também aumenta o número de para a homeostase vascular ou vasculogênese.
células progenitoras endoteliais42. Todos esses fa- Contudo, a caracterização da principal célula pre-
tores promovem aumento das células progenito- cursora endotelial ainda não está clara. Talvez o
ras endoteliais pela estimulação da 3-quinase/ foco correto não seja identificar a célula precur-
AKT, sugerindo que essa pode ser uma via co- sora endotelial, mas entender quais são os meca-
mum na sobrevivência de células progenitoras nismos que levam uma célula progenitora endote-
endoteliais45, 49. Deve-se ressaltar que dois autores lial a reparar o endotélio lesado. Identificar meios
independentemente demonstraram que células pro- de cultura adequados para tais células também é
genitoras endoteliais estão equipadas com um sis- necessário, uma vez que o meio tem papel funda-
tema de enzimas antioxidantes, permitindo a so- mental na diferenciação de células progenitoras
brevivência dessas células em condições aumen- em células endoteliais. Além disso, é necessário

Figura 4. Moduladores da quantidade de células progenitoras endoteliais. Terapias, tais como estati-
nas, inibidores da enzima de conversão ativada (IECAs), eritropoietina e estrógenos, assim como exer-
cícios físicos promovem aumento de células progenitoras endoteliais circulantes, constituindo uma
opção agradável na prevenção da doença arterial coronária. O mesmo pode ser observado com VEGF,
fator derivado do estroma (SDF-1), fator estimulador celular-granulócito macrófago (GM-CSF), e óxi-
do nítrico (NO). Esse aumento por ser verificado pela imunofluorescência (células em laranja), após as
células progenitoras endoteliais captarem DiLDL (vermelho) e fixarem lectina. As imagens revelam
células progenitoras endoteliais circulantes cultivadas em meio especial por 7 dias (x 10), e nem todos
219
os resultados acima se referem a experimentos com humanos. RSCESP
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Células-tronco e comparar o impacto terapêutico de células colhi- melhora funcional de tais células em ambiente
inflamação das do sangue periférico e de células mononucle- de inflamação vascular constituem uma opção
ares extraídas da medula óssea. atrativa. Assim, parece imperativo conhecer o
Apesar de as células progenitoras endoteli- papel específico das várias enzimas antioxidan-
ais serem provenientes de diferentes fontes, é tes na função das células progenitoras endoteli-
inegável que tais células possuem uma intera- ais. Enquanto o tratamento prévio da doença
ção com o endotélio lesado, por mecanismos aterosclerótica estava limitado à eliminação das
parácrinos ou talvez pela incorporação direta, fontes de lesão endotelial, novas abordagens
e, dessa forma, limitam a formação da ateros- podem agora focar na reparação vascular pela
clerose. Métodos que possam contribuir para a restauração de células progenitoras endoteliais.

STEM CELLS AND INFLAMMATION

PAULO FERREIRA LEITE

Inflammation is central to cardiovascular disease. Traditional risk factors such as diabetes,


smoking, hypertension, and increased lipid levels can induce an inflammatory response in
endothelial cells by promoting apoptotic suicide and loss of endothelial integrity. The
consequences are an increased vascular permeability of the endothelium followed by
facilitated migration of monocytes and vascular smooth muscle cell proliferation, resulting
in atherosclerotic lesion. Recent evidences suggest that circulating endothelial progenitor
cells from bone marrow play an important role in endothelium regeneration under certain
stresses. Endothelial progenitor cells can enhance the restoration of endothelium by
providing paracrine signals to nearby endothelial cells or perhaps by their direct contribution
to endothelial wall, therefore limiting atherosclerotic lesion formation. However, risk factors
promoting coronary artery disease reduce the number and functional activity of these
circulating endothelial progenitor cells, potentially restricting the therapeutic potential of
endothelial progenitor cells. This contribution discusses the concept and difficulties in
characterize an endothelial progenitor cell. In addition, we explored the role of
inflammation interfering with circulating endothelial progenitor cells, and finally, some
therapies suitable for increase endothelial progenitor cells number and functional capacity,
therefore decreasing the influence of proatherosclerotic factors.

Key words: inflammation, endothelial progenitor cells, endothelium, risk factors,


atherosclerosis.

(Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo. 2006;3:213-22)


RSCESP (72594)-1615

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XXVIII CONGRESSO DA
SOCIEDADE DE CARDIOLOGIA
DO ESTADO DE SÃO PAULO

28 A 30 DE ABRIL DE 2007
ITM-EXPO — SÃO PAULO
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