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A INCLUSÃO DE LÍNGUAS INDÍGENAS

NO SISTEMA ESCOLAR BRASILEIRO


Línguas indígenas

-Valioso patrimônio linguístico e cultural; Elementos essenciais para a


preservação e transmissão dos conhecimentos ancestrais e valorização das
práticas culturais e das particulares identidades das comunidades indígenas.
-O sistema escolar brasileiro tem de adotar políticas inclusivas que reconheçam
as línguas indígenas como parte fundamental da identidade cultural do país.

-A promoção do ensino das línguas indígenas nas escolas possibilita o


fortalecimento da identidade e os direitos dos povos indígena.

Por que prevaleceu o português:


-Historicamente essas línguas foram, além de marginalizadas, muitas vezes
reprimidas, o que resultou em um processo de perda linguística e cultural para
as comunidades indígenas.

Educação Escolar Indígena (2003) • Documentário | Tela Nacional. Disponível em:


Prime Vídeo https://www.youtube.com/watch?v=5wUBou-z8mM
Pesquisas:
- Aryon Dall'Igna Rodrigues - após os quinhentos anos da chegada dos portugueses,
restaria no Brasil cerca de 180 línguas indígenas, apresentando uma grande
diversidade linguística – as quais se distribuem por 41 famílias genéticas, possuindo
troncos linguísticos Tupi, Macro-Jê e Karíb (RODRIGUES, p.99). O pesquisador considera
grave a situação das línguas brasileiras na contemporaneidade, numa perspectiva do
conhecimento linguístico e cultural, a destruição dos valores tradicionais levaria ao
empobrecimento e à marginalização social.
Para Rodrigues (1993, p.99-100):
(...) fazem-se necessárias ações enérgicas e urgentes, tanto de política social
como de política científica, para assegurar o equilíbrio mínimo imprescindível
para a sobrevivência sadia das minorias em convívio com a sociedade
majoritária e para salvar, para os próprios povos indígenas e para a ciência
humana, o conhecimento das duzentas línguas que ainda sobrevivem e cuja
preservação é irrecusavelmente a obrigação de todos nós (...) que temos
condições de perceber a importância das línguas e a gravidade da situação a que
foram levadas as minorias linguísticas indígenas.”
 Sabe-se sobre os inúmeros desafios a serem enfrentados para uma efetiva
implementação da inclusão das línguas indígenas no sistema escolar nacional. Quanto
às medidas a serem tomadas, destaca-se uma elaboração de políticas e medidas que
visam promover e fortalecer essas línguas. Tais políticas devem abordar a utilização
Por que prevaleceu o português:
- Historicamente essas línguas foram, além de marginalizadas, muitas vezes reprimidas, o
que resultou em um processo de perda linguística e cultural para as comunidades indígenas.
A Constituição Federal de 1988 - direito às suas línguas e culturas, bem como os direitos e
interesses de tais populações, conforme artigo 129 (BRASIL, 2016, p.83).
Artigo 210 estabelece que “o ensino fundamental regular será ministrado em língua
portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas
e processos próprios de aprendizagem” (BRASIL, 2016, p.125).
Decreto nº 6.861/2009 estabeleceu o Programa Nacional de Educação Escolar Indígena
(PNEEI), que tem o objetivo de possibilitar a valorização e o ensino dessas línguas nas escolas
indígenas.
Necessidade de infraestrutura adequada e uma criação de materiais didáticos
bilíngues:
- No documento Legislação Escolar Indígena, do Ministério da Educação (MEC). Tal
legislação (baseada principalmente na Constituição de 1988) reconhece a
diversidade cultural, linguística e social desses povos, respeitando sua identidade
e conhecimentos tradicionais. Com contribuição de diversos autores, de diversas
universidades e instituições, inclusive da FUNAI, o documento aborda desde os
direitos à educação diferenciada, considerando a legislação federal, as Leis de
Diretrizes e Bases da Educação (LDB) e estudos diversos, tecendo apontamentos
sobre a regularização das escolas indígenas, o ensino de línguas e matemática, os
conhecimentos etnoculturais, a formação de educadores, o resgate cultural
indígena etc. .
A planificação do corpus também pode envolver a formação de professores
capacitados para o ensino das línguas indígenas, com o objetivo de garantir que haja
profissionais qualificados para transmitir o conhecimento linguístico e cultural às
novas gerações (qualificados para o ensino das línguas indígenas e para a
interculturalidade - como a Linguística Aplicada estabelece).
O Ministério da Educação já em 2009 reconhecia os desafios e discutia formas de organizar os projetos
de ensino, políticas e planejamentos linguístico para as comunidades indígenas, reflexionando sobre os
melhores meios de implantação e considerando a voz dos indígenas (BRASIL, 2009 p.44 ):

É importante, assim, mobilizar os professores em formação para a pesquisa e


análise da realidade sociolingüística de sua comunidade e de suas concepções a respeito
do conflito lingüístico existente, fundamentando assim as decisões pedagógicas. Por
outro lado, lideranças e comunidades indígenas querem que a escola proporcione o
domínio da língua portuguesa para uma interação mais igualitária com a sociedade
nacional. Desse modo, é necessário que a formação de docentes indígenas possibilite o
acesso às metodologias de aprendizagem e ensino da língua portuguesa, como segunda
língua, para que os professores indígenas possam cumprir com esse objetivo
educacional.
A inclusão das línguas indígenas no sistema escolar brasileiro é uma ação importante para promover a
equidade e o respeito à diversidade linguística e cultural. É uma maneira de fortalecer as identidades
indígenas e garantir que as futuras gerações possam se reconhecer e se orgulhar de suas heranças. Além
disso, contribui para a construção de uma sociedade mais justa, inclusiva e plural.
Sobre tudo isso, o Ministério da Educação (BRASIL, 2009, p.9) expressa:

Os desafios postos pela educação escolar indígena (...) sendo enfrentados pela Secad/MEC
com políticas de formação de professores indígenas focadas nas licenciaturas e no
magistério interculturais, de produção de materiais didáticos e paradidáticos específicos,
de ampliação da oferta de educação básica nas escolas indígenas e de fortalecimento da
interlocução institucionalizada e informada de representantes indígenas com os
gestores e dirigentes do MEC e dos sistemas de ensino.
A planificação do status está relacionada ao reconhecimento oficial das
línguas indígenas e à sua valorização como patrimônio cultural. Por meio de
políticas públicas, houve a inclusão das línguas indígenas nos currículos escolares e,
recentemente, se pôde reconhecer de forma legal as línguas indígenas como idiomas
nacionais.

A inclusão das línguas indígenas no sistema escolar brasileiro é fundamentada


em distintas linhas teóricas e abordagens acadêmicas: a Linguística Antropológica; A
Educação Intercultural; A linha de Educação Bilíngue e Multilíngue; Ainda, a
Linguística Aplicada;
*Apesar de pequeno, o número de estudos sobre o
tema é crescente e promissor. Exemplifica-se, as
experiências das oficinas feitas no estudo de
Antonio Almir Silva Gomes, que em 2019 e 2020, no
Campus Binacional da Universidade Federal do
Amapá em Oiapoque, trabalho denominado como:
“Oficinas de Produção da Gramática Concisa Kheuól
Galibi-Marworno e sua relação com o Currículo
Escolar”. O estudo de Gomes pretendeu organizar
fontes de informações e materiais didáticos
sobre a língua Kheuól Galibi-Marworno, com a
finalidade de confeccionar uma gramática para
propiciar o estudo da língua.
Se discutirá aqui, mais a fundo, o estudo dos doutores em Letras Romário Duarte Sanches e
Kelly Cristina Nascimento Day. Os pesquisadores estudaram como se apresentam as
políticas linguísticas in vitro e in vivo nas aldeias indígenas Karipuna, no Amapá, com o
objetivo de expor as iniciativas utilizadas pelos indígenas, nas diferentes
comunidades, para manter o uso da língua “kheuól”, como língua nativa das
comunidades. Sanches e Day partiram do pressuposto que as políticas linguísticas
dependem do “grau de vitalidade dessa língua e das atitudes e representações dos falantes”,
e analisaram dados (quali-quantis) em uma pesquisa feita a partir de questionário
sociolinguístico, aplicado a 36 indígenas bilíngues. Os pesquisadores adotaram conceitos
teóricos e questões amplamente discutidos por Haugen (1972), Rousseau (2005), Calvet
(1996), Shohamy (2006), Spolsky (2004), Robillard (1997), entre outros, para constatar quais
políticas são reivindicadas ao poder público e quais estão sendo implementadas pela
própria comunidade, visando a manutenção do kheuól.
As línguas indígenas brasileiras, muitas vezes por iniciativa e condução das próprias
comunidades indígenas ( uma autorregulação, que Calvet (1996) denomina de políticas in
vivo), tem participado de movimentos políticos-linguísticos, buscando uma reafirmação de
suas identidades culturais, por meio de suas línguas. Observamos, a partir disso, a
cooficialização de diversas línguas indígenas, particularmente na região amazônica.
Tais políticas linguísticas configuram-se como atos sociais, visando regular o uso das
línguas em uma comunidade por iniciativa ou de forma impositiva.
Em respeito à planificação do corpus, no caso das línguas ágrafas (como diversas
línguas indígenas no país) se adota um sistema de escrita, codificação, padronização
fonética e o desenvolvimento de gramáticas e dicionários. Porém, como atualmente
pode-se notar, poucos estudos ainda vêm sido desenvolvidos para a constituição desses
materiais. Quanto à planificação do status, que abrange ações externas das línguas e
envolve os usos delas e os papéis sociais que ocupam, tal planificação refere-se à
posição dessa língua em uma hierarquia sociolinguística, ligadas às funções ocupadas
por ela, tendo um valor social relativo às suas funções.
Ainda, segundo Clavet (1996) as políticas in vivo decorrem de práticas sociais,
enquanto as intervenções do Estado configuram-se como políticas in vitro.
Pode-se apurar sobre as políticas governamentais declaradas ou ocultas impactam
na diversidade linguística, colaborando para a manutenção ou desaparecimento de
uma língua.
Sobre os principais domínios de uso de uma língua, a partir de Corbeil (2002) se
considera que é a partir da família ou grupo social que decorre a transmissão
geracional.
A escola e o processo de escolarização é onde a concorrência entre as línguas se
mostra mais efetiva. Nas tribos pesquisadas, os falantes do Kheuól debatem sobre a
importância de o ensino ser em língua Kheuól.
Esses domínios de uso, também como o número de falantes se relaciona com a
vitalidade de uma língua, sendo a ausência de transmissão, somadas à pressões
econômicas e sociais, determinantes em seu desaparecimento. (tudo isso somado à
sucessiva desvalorização e opressão dos povos autóctones brasileiros, a instituição da
língua portuguesa e proibição do ensino e uso de outras línguas (pelo Diretório dos
índios de 1757) colaborou para uma perda e silenciamento das línguas indígenas
(marginalizadas da política linguística oficial brasileira por cerca de 200 anos).
Quanto à educação, a LDB de 1996, além da Constituição, assegura e especifica
direitos sobre a educação bilingue e intercultural dos povos indígenas.
Na prática, porém, Sanches percebe que o direito aos usos dessas línguas, como já
citado, se restringe somente ao ambiente indígena, permanecendo como elemento
figurativo e simbólico. Também observa-se um fator in vivo em que as próprias
comunidades se organizam para reivindicar as ações que já estariam garantidas
constitucionalmente.
*Questões referentes ao território pesquisado:
No século XX A FUNAI cria postos indígenas e incentiva ocupações e novas
aldeias. Junto a isso, o Conselho Indigenista Missionário e a instalação dos
missionários batistas Summer Institute of Linguistic instalam-se na região do
Oiapoque, com o intuito de valorizar a cultura local e o uso das línguas indígenas
“para execução de atividades de cunho educacional político, econômico e religioso”.
A partir de intervenções do governo brasileiro, iniciadas em 1927, cria-se escolas
que iniciam a propagação do idioma português além de “imposições de sentimento
nacionalistas”.
Na atualidade, quatro etnias indígenas encontram-se às margens dos rios Uaçá,
Urukawá, Curipi, e Oiapoque. Todas as aldeias somam cerca de 1.500 indígenas. De
acordo com Sanches (2020):
(...) a população Karipuna e Galibi Marworno fala kheuól e português,
sendo esta primeira língua considerada uma variedade crioula de base
francesa falada na Guiana Francesa. Já os indígenas da etnia Galibi
Kalinã falam kalinã e português, e os Parlikur falam parikwaki e
português.
Sobre a pesquisa das políticas in vitro e in vivo nas comunidades
Apurou-se que o Kheuól perde espaço nas aldeias pesquisadas, enquanto a
preferência do português se dá por fatores históricos e sociopolíticos. Na região do
Oiapoque, políticas como a escolarização contribuíram negativamente para a
vitalidade do Kheuól. Atualmente observa-se como é pensada estratégias político-
linguístas para revitalizar a língua Kheuól nas aldeias, restabelecendo seu uso.
No espaço escolar o Kheuól é incentivado pelo professor indígena.
Apura-se, a partir disso, que o Kheuól é predominante em apenas 3 das aldeias
pesquisadas, tendo nas demais, um uso restrito aos pais e avós. Mais de oitenta por
cento dos pesquisados informaram que utilizam o português predominantemente.
“- Representa a gente como povo. Eu gosto de falar minha língua, se eu pudesse eu falava só ela em todos os cantos
(C112 - aldeia Espírito Santo).
- É nossa língua tradicional. É do povo Karipuna. Eu acho bonito pra quem sabe falar e escrever (C3 - aldeia
Açaizal).
- - Porque eu como índia não sou inferior a ninguém, eu acho bonita e eu gosto, tenho orgulho de falar ela (C1 -
aldeia Kariá).
- Nossa língua faz parte da gente. Ela é nossa identidade nosso povo. Ela representa a gente (C4 - aldeia Manga).
- Não podemos perder a língua, porque a gente tem que dançar o Turé13. É nossa cultura (C2 - aldeia Ariramba).”
As comunidades em questão, esperam do governo a preservação de sua língua.
Quanto às expectativas desses povos quanto a políticas in vitro, se espera uma maior
presença de Kheuól nas escolas, bem como a formação de professores bilíngues e a
construção de seu material didático (igualmente como exemplicado sobre a pesquisa
“As ciências do Léxico”, de Silva e Albuquerque). Sanches conclui sobre as demandas
apresentadas pela comunidade:
Observamos, portanto, que as demandas das comunidades abrangem um
contínuo que engloba tanto a planificação do status do kheuól quanto uma
planificação do corpus, ou seja, a esperada valorização da língua na escola
(status), implicando em uma presença mais efetiva. Isso pode reverberar para
toda a comunidade, passa, no dizer dos próprios indígenas por uma política de
investimento na escrita dessa mesma língua. Essa situação é corroborada por
Haugen (1972), entendendo que planificar o status de uma língua implica em
ações que consolidem a presença dessa língua em uma dada sociedade, e no
sentido inverso, todo investimento no corpus implica um novo status para uma
língua.
Por parte das próprias comunidades se pensa no cultivo da língua e na passagem
desta para as seguintes gerações. Relatou-se que as aldeias (como exemplo de medidas
in vivo) se “autorregulam” para, por exemplo, falar a língua Kheuól.
Bibliografia
BRASIL. [Constituição (1988)] Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília : Senado
Federal, Coordenação de Edições Técnicas, 2016. 496 p.
BRASIL. Educação Escolar Indígena: diversidade sociocultural indígena ressignificando a escola.
Ministério da Educação. Brasília – DF. 2007
BRASIL. Guia de pesquisa e documentação para o INDL. IPHAN: Brasília, 2014.
(referenciar, ano, não encontrei no pdf) Legislação Escolar Indígena. MEC. Disponível em: < chrome-
extension://efaidnbmnnnibpcajpcglclefindmkaj/http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/vol4c.pdf>
GOMES, Antonio Almir Silva. Ensino de Línguas Indígenas, Gramática e Currículo. In: RELATOS DE
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Disponível em: < https://www2.camara.leg.br/legin/fed/decret/2009/decreto-6861-27-
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RODRIGUES, Aryon. Línguas indígenas: 500 anos de descobertas e perdas. DELTA, v. 9, n. 1, p.
83-103, 1993.
SILVA, P. H. G. da, & ALBUQUERQUE, F. E. (2018). As ciências do Léxico: proposições para a prática
docente no ensino de línguas indígenas. Revista Univap, 24(44), 39–53.
Educação Escolar Indígena (2003) • Documentário | Tela Nacional. Disponível em: Prime Vídeo  

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