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O Governo de Rondônia, por meio da Superintendência Estadual de Gestão de

Pessoas – Segep, publicou em 08/09/2023, o Edital nº 321/2023 referente às normas do


Processo Seletivo Simplificado para contratação temporária de Professores Nível A e B,
que irão atuar em escolas indígenas da Secretaria de Estado da Educação – Seduc, e entre
as normas, conforme item 11.1 do edital, haverá vagas para indígenas e não-indígenas.

Porém:

CONSIDERANDO que a Constituição Federal de 1988 reconhece direitos


diferenciados aos povos indígenas (artigos 231 e 232), às comunidades quilombolas (art.
68 do Ato de Disposições Constitucionais Transitórias) e aos povos e comunidades
tradicionais (artigos 215 e 216);

CONSIDERANDO ainda o disposto no art. 26 da Convenção nº 169 da OIT, que


dispõe que medidas deverão ser adotadas para garantir aos membros dos povos indígenas
e tribais a possibilidade de adquirir educação em todos os níveis, pelo menos em
condições de igualdade com o restante da comunidade nacional;

CONSIDERANDO as representações de indígenas relatando a ausência de


prioridade para a contratação de indígenas aprovados no Processo Seletivo Simplificado
aberto pelo Edital 321/2023/SEGEP-GCP para ocuparem vagas do cargo de Professor
Nível B, para atender, no âmbito da Secretaria de Estado de Educação, as Escolas
Indígenas da Rede Pública Estadual de Rondônia;

CONSIDERANDO que, ao analisar o Edital 321/2023/SEGEP-GCP, foi possível


perceber que, para o cargo de Professor Nível A, foi estabelecida, necessariamente, a
contratação de candidatos indígenas, ao contrário do cargo de Professor Nível B,
conforme o item 11.1.b do Edital 321/2023/SEGEP-GCP;

CONSIDERANDO que a Lei Complementar Estadual 578/2010, em seu art. 6º, §


1º, inciso II, classifica o cargo de Professor Nível B na Educação Indígena como aquele
"... integrado por Professor Indígena com titulação em Licenciatura Plena, para atuar do
6º ao 9º ano e Ensino Médio";

CONSIDERANDO que a Lei Complementar Estadual 578/2010 assegura que o


ocupante do cargo de Professor Nível B deve ser indígena, conclusão autorizada ao se
perceber que a referida lei utilizada a expressão "Professor Indígena" (art. 6º, § 1º, inciso
II);

CONSIDERANDO que o art. 3º, inciso VIII, do Decreto Estadual 9.128/2000


prevê "atividade docente exercida, prioritariamente, por professores indígenas oriundos
da respectiva etnia";

CONSIDERANDO que o art. 5º, inciso V, da Resolução 765/2010 do Conselho


Estadual de Educação de Rondônia assegura "a atividade docente exercida,
prioritariamente, por professores indígenas oriundos da respectiva etnia" e que o art. 9º
deste mesmo ato normativo estabelece que "A atividade docente nas escolas indígenas
será exercida, prioritariamente, por professores indígenas, oriundos de sua respectiva
etnia tendo a formação conforme preconiza a legislação de ensino";

CONSIDERANDO que o ensino por professor indígena concretiza a valorização


dos usos, costumes e modos diferenciados de organização das populações indígenas, em
cumprimento ao art. 231 da Constituição Federal;

CONSIDERANDO ser notória que não só o Curso Intercultural da UNIR, Campus


de Ji-Paraná, mas também como as outras Instituições de Ensino formaram muitos
professores indígenas, os quais estão aptos, portanto, a ocuparem o cargo de Professor
Nível B;

CONSIDERANDO a Recomendação PR-RO-00037066/2023, feita pelo


Ministério Público Federal (MPF),

Nós, membros do Movimento dos Estudantes Indígenas de Rondônia, solicitamos


PROVIDÊNCIAS E CUMPRIMENTO, a fim de que priorize a contratação de candidatos
indígenas, oriundos de sua respectiva etnia, desde que aprovados no Processo Seletivo
Simplificado aberto pelo Edital 321/2023/SEGEP-GCP, ao cargo de Professor Nível "B",
em relação aos candidatos não indígenas, o que se faz em consideração aos argumentos
jurídicos acima expostos.

A nova LDB define como um dos princípios norteadores do ensino escolar


nacional o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas. O artigo 78 afirma que a
educação escolar para os povos indígenas dever ser intercultural e bilíngue para a
“reafirmação de suas identidades étnicas, recuperação de suas memórias históricas,
valorização de suas línguas e ciências, além de possibilitar o acesso às informações e
conhecimentos valorizados pela sociedade nacional”.

E, para que a educação escolar indígena seja realmente específica, diferenciada e


adequada às peculiaridades culturais das comunidades indígenas, conforme estabelecido
em lei, é necessário que os profissionais que atuam nas escolas pertençam às sociedades
envolvidas no processo escolar; que a atuação do professor indígena na escola seria o
mais viável, já que conhece a cultura, a língua, a realidade de sua aldeia. Pois o professor
indígena ao fazer parte da escola de sua comunidade, ele é além de professor, um
mestre/militante a serviço do “empoderamento” dos seus alunos e da sua prática docente
que deve ser planejada de forma coletiva, obedecendo aos valores e princípios da
comunidade na qual está inserida a escola e determinações estabelecidas nos instrumentos
legais específicos da sua escola indígena.

Isso está previsto no Art. 8º da RESOLUÇÃO CEB 3, DE 10 DE NOVEMBRO


DE 1999 (Fixa Diretrizes Nacionais para o funcionamento das escolas indígenas e dá
outras providências): “A atividade docente na escola indígena será exercida
prioritariamente por professores indígenas oriundos da respectiva etnia.”, e na
RESOLUÇÃO Nº 5, DE 22 DE JUNHO DE 2012 (Define Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Escolar Indígena na Educação Básica): Art. 19 - A qualidade
sociocultural da Educação Escolar Indígena necessita que sua proposta educativa seja
conduzida por professores indígenas, como docentes e como gestores, pertencentes às
suas respectivas comunidades.

Além do mais, segundo as orientações do RCNEI (1998), o professor ideal para a


escola indígena é o professor indígena. Somente ele é capaz de garantir que a escola
indígena seja:

5.1.1 Comunitária: Porque conduzida pela comunidade indígena,


de acordo com seus projetos, suas concepções e seus princípios.
Isto se refere tanto ao currículo quanto aos modos de administrá-
la. Inclui liberdade de decisão quanto ao calendário escolar, à
pedagogia, aos objetivos, aos conteúdos, aos espaços e momentos
utilizados para a educação escolarizada.
5.1.2 Intercultural: Porque deve reconhecer e manter a
diversidade cultural e linguística; promover uma situação de
comunicação entre experiências socioculturais, linguísticas e
históricas diferentes, não considerando uma cultura superior à
outra; estimular o entendimento e o respeito entre seres humanos
de identidades étnicas diferentes, ainda que se reconheça que tais
relações vêm ocorrendo historicamente em contextos de
desigualdade social e política.
5.1.3 Bilíngue/multilíngue: Porque as tradições culturais, os
conhecimentos acumulados, a educação das gerações mais novas,
as crenças, o pensamento e a prática religiosos, as representações
simbólicas, a organização política, os projetos de futuro, enfim, a
reprodução sociocultural das sociedades indígenas são, na
maioria dos casos, manifestados através do uso de mais de uma
língua. Mesmo os povos indígenas que são hoje monolíngues em
língua portuguesa continuam a usar a língua de seus ancestrais
como um símbolo poderoso para onde confluem muitos de seus
traços identificatórios, constituindo, assim, um quadro de
bilinguismo simbólico importante.
5.1.4. Específica e diferenciada: Porque concebida e planejada
como reflexo das aspirações particulares de povo indígena e com
autonomia em relação a determinados aspectos que regem o
funcionamento e orientação da escola não-indígena (BRASIL,
1998, p. 24-25)
Ainda segundo o RCNEI, a presença dos professores não-indígenas é considerada
um problema, porque eles [...] não possuem conhecimentos sobre os povos indígenas,
provocando, portanto, distorções no processo ou impedindo o desenvolvimento da
proposta de educação intercultural. Esta situação se deve, basicamente, ao fato de que, no
Brasil, é difícil o acesso a informações adequadas sobre os povos indígenas. Sua
divulgação fora do círculo dos pesquisadores e especialistas é ainda bastante deficitária,
o que dificulta a plena compreensão do que seja a educação escolar indígena tal como se
quer definir (BRASIL, 1998, p. 40-41).

Por desconhecer a realidade das comunidades indígenas, os professores não-


indígenas podem impedir que o caráter intercultural da escola indígena se efetive. E
inclusive a formação superior a que tiveram acesso contribui para esse desconhecimento,
pois “[...] grande parte dos cursos oferecidos pelos estados e municípios [...] não oferecem
uma abordagem consistente para a questão da interculturalidade e da diversidade
linguística” (BRASIL, 1998, p. 42).

Citamos também a Convenção nº 169 da OIT:

Artigo 2° 1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de


desenvolver, com a participação dos povos interessados, uma
ação coordenada e sistemática com vistas a proteger os direitos
desses povos e a garantir o respeito pela sua integridade;
Artigo 6° 1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os
governos deverão: a) consultar os povos interessados, mediante
procedimentos apropriados e, particularmente, através de suas
instituições representativas, cada vez que sejam previstas
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-Ios
diretamente; b) estabelecer os meios através dos quais os povos
interessados possam participar livremente, pelo menos na mesma
medida que outros setores da população e em todos os níveis, na
adoção de decisões em instituições efetivas ou organismos
administrativos e de outra natureza responsáveis pelas políticas e
programas que lhes sejam concernentes;
Artigo 7º I. Os povos interessados deverão ter o direito de
escolher suas, próprias prioridades no que diz respeito ao
processo de desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas
vidas, crenças, instituições e bem-estar espiritual, bem como as
terras que ocupam ou utilizam de alguma forma, e de controlar,
na medida do possível, o seu próprio desenvolvimento
econômico, social e cultural. Além disso, esses povos deverão
participar da formulação, aplicação e avaliação dos planos e
programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis de
afetá-Ios diretamente;
Artigo 27 1. Os programas e os serviços de educação
destinados aos povos interessados deverão ser desenvolvidos e
aplicados em cooperação com eles a fim de responder às suas
necessidades particulares, e deverão abranger a sua história, seus
conhecimentos e técnicas, seus sistemas de valores e todas suas
demais aspirações sociais, econômicas e culturais. 2. A autoridade
competente deverá assegurar a formação de membros destes
povos e a sua participação na formulação e execução de
programas de educação, com vistas a transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realização desses
programas, quando for adequado. 3. Além disso, os governos
deverão reconhecer o direito desses povos de criarem suas
próprias instituições e meios de educação, desde que tais
instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela
autoridade competente em consulta com esses povos. Deverão ser
facilitados para eles recursos apropriados para essa finalidade.

E aqui, nós dizemos que a consulta prévia conosco não foi realizada, e dizemos
que queremos que o nosso direito seja respeitado, pois já há professores indígenas em
quantidade suficiente para suprir a quantidade de vagas neste e em outros processos
seletivos. Solicitamos que indígenas sejam chamados, formados na UNIR- Intercultural
ou em outras instituições de ensino.

Para nós, a melhor educação é aquela que representa quem somos, como somos,
de que gostamos e o que queremos para o nosso povo. A partir da nossa visão de mundo
e vivência no âmbito da comunidade, compreendemos que a melhor educação significa a
educação em que as pessoas se sentem reconhecidas dentro de um parâmetro cultural que
é o seu. Compreendemos que é importante não negar nossos costumes, nossas histórias.
Para tanto, buscamos construir uma educação que dê conta desses princípios – o que
estamos chamando de educação escolar indígena intercultural e comunitária, ou educação
específica e diferenciada.

Nenhum direito a menos! Pela educação escolar indígena específica e diferenciada


de qualidade!

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