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16/04/2023 00:01 Ji - Jornal do Intensivista

Ji - Jornal do Intensivista
Reportagem da Revista Veja de 06 de Abril demonstra o óbito de de 6 pacientes em meia hora. Auditoria do Ministério da
Saúde afirma que era comum a prática de Pavulon e Sedativo. Estima-se que no total sejam mais de 317 pacientes.

Virgínia - “Esse foi caprichado, né?”.


Médico – “Esse foi. Quadro clínico bonito, caprichou. Bem na hora que nós estamos tranquilos”.
Virgínia - “Nós estamos com a cabeça bem tranquila para assassinar, para tudo, né?”.

No dia anterior, a polícia já havia capturado outro diálogo entre a médica e outro funcionário não identificado:

Virgínia – “Pode ser que ele diga o sobrenome, porque ele está bem espertinho. Agora o outro está morto”.
Médico – “O outro está feio na foto”.
Virgínia – “Está quieto, tem que deixar quieto. A hora em que parar o respirador – foi – pelo amor de Deus”.
Médico – “Ah, tá. Não, tranquilo”.

REVISTA VEJA EDIÇÃO 06 DE ABRIL DE 2013

"Aqui não tem Deus"


 

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Acusada de matar pacientes na UTI que comandava, Virgínia de Souza se gabava de seu poder de vida e morte.
Documentos obtidos por VEJA detalham as execuções

Leslie Leitão

Numa manhã, em meados de 2010, Virgínia Soares de Souza, médica responsável pela unidade de terapia intensiva
para casos de clínica geral do Hospital Evangélico, o segundo maior de Curitiba, avisou seu pessoal que um grave
acidente de trânsito acabara de fazer várias vítimas e que eles se preparassem para recebê-las. Uma das enfermeiras
presentes alertou para um problema: todos os catorze leitos estavam ocupados. Ouviu como resposta que fosse ao
pronto-socorro apressar os procedimentos de internação, porque as vagas seriam criadas. "Desci para o pronto-socorro
com a UTI lotada. Quando voltei, em menos de meia hora, seis pacientes tinham morrido. Fiquei apavorada", conta a
VEJA a enfermeira, que não quer ser identificada por temer represálias. Ela ainda perguntou ao colega Claudinei
Machado Nunes o que havia acontecido. Ele disparou: "Você é ingênua ou burra?". A moça narrou sua história de terror
à Polícia Civil do Paraná — um dos oito depoimentos estarrecedores sobre a repugnante máquina de execuções
instalada na UTI do Hospital Evangélico aos quais VEJA teve acesso. Um conjunto também ainda inédito de 21
prontuários é contundente quanto ao modus operandi da doutora Virgínia: todos os pacientes cujos casos estão sendo
investigados receberam um mesmo coquetel de medicamentos, a que a polícia se refere como "kit morte".

O Ministério Público já denunciou a médica e mais sete subordinados dela por sete mortes. Mas a investigação ganhou
novo e assombroso vulto: na última sexta-feira, foram identificados outros 317 pacientes da UTI que perderam a vida no
mesmo dia em que receberam o kit morte, entre 2006 e 2013, segundo VEJA apurou. O bando, que responde por
formação de quadrilha e homicídio, é acusado de eliminar sistematicamente doentes com menos chances de melhora e
assim abrir espaço para pacientes que exigiam tratamentos caros ou cuja estada não seria prolongada — em outras
palavras, mais lucrativos. A divulgação, no fim de fevereiro, do macabro esquema comandado por Virgínia para
"desentulhar a UTI" — palavras suas, registradas em gravações telefônicas — revelou uma presunção de poder, uma
frieza e um descaso capazes de revirar até estômagos menos sensíveis.

Os prontuários carregam nitidamente o carimbo lúgubre do kit morte usado para "girar leitos" (outra expressão de
Virgínia) no Hospital Evangélico. A maior parte dos pacientes recebeu doses de quatro medicamentos — para se ter uma
ideia, apenas um deles, administrado de uma vez só e nas quantidades relatadas, seria capaz de levar à morte. Em
seguida, de acordo com todos os depoimentos, o nível de oxigênio era reduzido ao mínimo, eliminando as chances de
sobrevivência (veja o quadro na pág. 82). Na maioria dos prontuários, a queda na oxigenação não aparece, o que indica
uma manipulação dessa

informação. "Mas as testemunhas não deixam dúvida sobre a diminuição do oxigênio. Em alguns prontuários, ela ficou
gravada, como uma confissão de assassinato", diz a promotora Fernanda Nagl Garcez, à frente das investigações. Em
meio à papelada médica, a história de um homem de 29 anos, ferido a bala, escancara a premeditação. No 12° dia de
UTI, Virgínia registrou em seu prontuário, às 12h30 do dia 24 de setembro de 2009: "Evolução de óbito esperado". Às
13h35, num exercício de prestidigitação seu comparsa Claudinei digitou o horário do óbito: 14h55. O paciente viria
mesmo a morrer nessa precisa hora — apenas nove minutos depois de receber o famigerado kit morte.

Os depoimentos pintam um quadro detalhado da rotina de horrores praticada no hospital. Uma linha invisível repartia os
leitos da UTI: de um lado, oito deles recebiam os pacientes com mais chance de sobrevivência; do outro, seis alojavam
aqueles com probabilidades menores. Esse era conhecido como o "cantinho da morte", onde Virgínia e seus asseclas
mais atuavam. Mesmo quem não fazia parte do esquema sabia do que ocorria na UTI, sobretudo no lado dos
condenados. Uma enfermeira relata que foi encarregada de enviar à UTI geral três pacientes que haviam sido internados
na unidade coronariana um mês antes. A moça procurou então o médico Edison Anselmo (outro acusado) para informar
que pelo menos um deles iria necessitar de novos exames. "Edison respondeu: "Você realmente acha que este paciente
estará vivo para realizar os exames?"", contou a enfermeira à polícia, enfatizando: "Ele faleceu no dia seguinte, e os
outros morreram dois ou três dias depois". Além de levar às últimas consequências o afã de desocupar vagas para
acomodar novos pacientes, Virgínia constantemente prescrevia procedimentos invasivos desnecessários e até
contraindicados, sempre com o propósito de "render mais dinheiro" para o hospital, segundo a polícia.

A médica Virgínia. 56 anos, é descrita como pessoa violenta, prepotente e insensível. Às vezes, relatam as testemunhas,
assistia aos pacientes agonizando pela falta de ar sem esboçar reação. Com frequência, submetia os subordinados a
humilhações e agressões, inclusive físicas, como puxar cabelo e até arremessar sapatos (o que certa ocasião lhe custou
uma suspensão). "Muitas vezes escutei a doutora dizer: Aqui não existe Deus; quem decide quem vive e quem morre
sou eu", reforça uma testemunha ouvida por VEJA. Em uma das muitas amostras de absoluta insensibilidade da Doutora
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Morte, ela apelidou os dois dias na semana em que reunia os parentes dos doentes na capela do hospital, para informar
sobre seu estado de saúde, de "dia do cai-cai" porque alguns desmaiavam ao ouvir as notícias.

Virgínia e os demais acusados chegaram a ser presos, mas agora aguardam em liberdade a Justiça decidir se serão
levados ao banco dos réus. O advogado da médica, Elias Mattar Assad, faz ironia contra as acusações: "Vamos discutir
ética médica num processo criminal? Eles provaram que alguém morreu, mas não há um elemento que mostre que a
morte foi causada por ação humana". Assad, por sinal, tem seus honorários pagos pelo deputado federal André
Zacharow, que comandou o Hospital Evangélico por mais de vinte anos e é velho amigo de Virgínia. Ao contrário do que
o advogado apregoa, as evidências de ação humana são abundantes nos documentos já examinados. Agora, uma junta
de especialistas das secretarias municipal e estadual e do Ministério da Saúde vai analisar, caso a caso, as 317 mortes
sobre as quais os prontuários lançam suspeitas — um roteiro tenebroso sobre como a Doutora Morte, fria e
calculadamente, "desentulhou" a UTI que comandava. Se confirmar que nesse material se repete o tétrico ritual de
execuções, Virgínia, formada para salvar vidas, pode se tomar uma das maiores homicidas que o Brasil já conheceu.

Com reportagem de Natalia Cuminale.

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