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Herbicidas
Núbia Maria Correia1

Resumo - Herbicidas são produtos químicos que, se usados em concentrações adequadas, controlam as plantas daninhas, sem oca-
sionar prejuízos à cultura. No entanto, a sua adoção deve ser racional e equilibrada, para que não ocorra seleção de plantas daninhas
resistentes ou poluição ambiental (contaminação do solo, da água ou do ar). Por isso, é necessário conhecer aspectos técnicos relacio-
nados com os herbicidas, como as principais classificações, interação herbicida-planta, quanto à absorção, translocação, seletividade e
mecanismo de ação; resistência de plantas daninhas e comportamento no ambiente. A aplicação de herbicidas na agricultura moderna
é algo imprescindível, em decorrência da facilidade, baixo custo e menor dependência de mão de obra, comparado aos demais méto-
dos de controle, como a capina. Porém, esses produtos devem ser complementares a outras estratégias de manejo e não únicos e ex-
clusivos nos sistemas de produção. Como exemplo da integração de métodos, tem-se o manejo adotado em alguns pomares citrícolas,
onde é feito o cultivo de espécies forrageiras nas entrelinhas dos citros e o tamanho das plantas manejado com roçadeira, associado à
aplicação localizada e protegida de herbicidas apenas na linha da cultura.
Palavras-chave: Controle químico. Planta daninha. Matologia. Resistência. Seletividade.

Herbicides
Abstract - Herbicides are chemicals that are used in appropriate concentrations to control weeds without causing damage to the crop.
However, its adoption must be rational and balanced, so that there is no selection of resistant weeds or environmental pollution
(contamination of soil, water or air). Therefore, in this work, technical aspects related to herbicides were presented, such as the main
classifications, herbicide - plant interaction, regarding absorption, translocation, selectivity and mechanism of action; weed resistance
and behavior in the environment. The objective was to show useful and basic information, but of great applicability in the field, by
understanding the dynamics of products in the plant and in the environment, using simple and easy to understand language. The
application of herbicides in modern agriculture is essential, due to the ease, lower cost and employee dependency, compared to other
control methods, such as hoeding. However, these products must be complementary to other management strategies and not unique and
exclusive in production systems. As an example of the integration of methods, there is the management adopted in some citrus groves,
where the cultivation of forage species is carried out between the lines of the citrus, and the size of the plants managed with a brushcutter,
associated with the localized and protected application of herbicides only in culture line.
Keywords: Chemical control. Plant out of place. Resistance. Selectivity. Weeds.

INTRODUÇÃO em dosagens adequadas controlam um indiretos) causados às culturas agrícolas ou


grupo de espécies, preservando a cultura alguma outra atividade econômica. Trata-
Herbicida é um produto químico que
de interesse. No entanto, se não forem -se de uma planta que naquele determinado
em concentrações convenientes tem a
finalidade de inibir o desenvolvimento ou respeitados os limites de doses ou as momento está indo contra os interesses
provocar a morte das plantas daninhas. épocas de aplicação recomendadas, esses do homem, de forma direta ou indireta.
Esses produtos exigem cuidados especiais herbicidas poderão matar ou causar danos As plantas daninhas interferem nas cul-
na manipulação e aplicação. Para muitos irreversíveis de produtividade à cultura. A turas agrícolas, tanto pela competição por
trata-se de mais um defensivo agrícola, etiologia da palavra é clara: herbi = planta, água, nutrientes, luz e espaço como pela
agrotóxico ou veneno a ser colocado no cida = mata, mata planta. eliminação de substâncias químicas, os
tanque do pulverizador e aplicar. Porém, Planta daninha é um termo agronômico aleloquímicos, que podem comprometer
não é tão simples assim. Os herbicidas e leva em consideração os danos (diretos e o desenvolvimento das plantas. Além dos

1
Eng. Agrônoma, D.Sc., Pesq. EMBRAPA Cerrados, Brasília, DF, nubia.correia@embrapa.br.

Submissão: 16/10/2020 - Aprovação: 16/6/2021


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danos diretos causados às culturas, como dos, e absorverão o herbicida que atingiu consequentemente, a sua ação na planta.
perdas na produção e qualidade do produto o solo. Ressalta-se que os herbicidas não Para os herbicidas com ação de solo
colhido, as plantas daninhas servem como possuem ação em sementes dormentes e (residual), a umidade é importante, pois
hospedeiras alternativas de pragas, doenças quiescentes, apenas naquelas que iniciarão favorece a sua distribuição na solução do
e nematoides. o processo de germinação. solo e/ou retenção aos coloides minerais e
Qualquer espécie pode ser daninha, As sementes dormentes, de forma ge- orgânicos, além de favorecer sua absorção
dependendo do momento e do local de ral, são sementes viáveis (vivas) no solo, pelas raízes e translocação pelo xilema da
ocorrência. Assim, plantas de milho (do que não iniciam o processo germinativo planta.
cultivo anterior) infestando a cultura da por algum fator interno, inerente à própria
soja são consideradas daninhas, conheci- semente. Já as sementes quiescentes são Espectro de controle
das popularmente como planta voluntária, aquelas que estão viáveis no solo, mas não Quanto ao espectro de controle, os
tiguera, resteva, etc. Mas, é claro, têm-se iniciam a germinação em função de algum herbicidas podem ser classificados como
as plantas daninhas verdadeiras, que não fator externo (do ambiente) inadequado, de amplo espectro, graminicidas ou la-
foram melhoradas geneticamente e so- como falta de água, temperatura e con- tifoliadicidas. O primeiro refere-se aos
brevivem em condições adversas, como centrações de dióxido de carbono (CO2)/ produtos que controlam grande diversidade
tiririca (Cyperus rotundus), picão-preto oxigênio (O2 ) do solo não ideais, etc. de espécies, incluindo monocotiledôneas e
(Bidens pilosa), maria-pretinha (Solanum A escolha da dosagem do herbicida eudicotiledôneas (ex.: glyphosate, amônio-
americanum), etc. aplicado em pós-emergência é feita em
-glufosinato, etc.). Já os graminicidas
O conhecimento da morfologia, fi- função das espécies presentes no local e
controlam espécies da família Poaceae,
siologia e ecologia da planta daninha é do estádio de desenvolvimento das plantas,
as gramíneas, com exclusividade (ex.:
importante para a escolha da melhor estra- o que justifica os intervalos de dosagens
clethodim, fluazifop-p-butyl, haloxyfop-
tégia de controle. Por exemplo, o controle apresentados nas bulas dos produtos. Para
-methyl, etc.) ou não (ex.: s-metolachlor,
de plantas com estruturas de reprodução os herbicidas residuais, aplicados em pré-
trifluralin, etc.). Nesse caso, predomina o
vegetativa, como rizomas, estolões ou -emergência, o critério, além do histórico
controle de gramíneas, mas também ocorre
tubérculos, inviabiliza o uso de herbici- de infestação, refere-se à textura e ao teor
o controle de algumas dicotiledôneas e
das pouco móveis ou imóveis na planta de matéria orgânica (MO) do solo. Geral-
até outras monocotiledôneas, como tra-
(de contato), pois não há o transporte do mente, dependendo do caráter químico da
poeraba (Commelina benghalensis), para
herbicida até essas estruturas. Além disso, molécula, solos de textura argilosa (maior
o s-metolachlor. Para os latifoliadicidas
o corte da parte aérea de algumas espécies superfície de retenção) e/ou com alto teor
ou latifolicidas, como são conhecidos no
eudicotiledôneas, como guanxuma (Sida de MO necessitam de maior dosagem do
campo, predomina o controle das plantas
spp.) e buva (Conyza spp.), deve ser feito herbicida.
daninhas de “folhas largas”, que inclui es-
rente à base da planta, para desfavorecer a O tipo de argila é mais importante do
pécies da classe eudicotiledônea, podendo
rebrota, porque a ramificação lateral é mais que a sua quantidade no solo, porém, as
ainda controlar algumas monocotiledôneas
difícil de ser controlada pelos herbicidas. informações de dosagem são dadas em
(ex.: atrazine, mesotrione, etc.).
função apenas da textura e do teor de MO,
CLASSIFICAÇÃO DOS não levando em consideração o material de Seletivos e não seletivos
HERBICIDAS origem do solo. O uso correto das dosagens
dos herbicidas utilizados em pré ou pós- Os herbicidas podem ser classificados
Época de aplicação em seletivos e não seletivos. Os herbi-
-emergência é de grande importância para
Os herbicidas podem ser aplicados o sucesso do controle das plantas daninhas. cidas seletivos (ex.: atrazine para milho,
antes ou após a emergência das plantas Os herbicidas devem ser aplicados metribuzin para tomate, etc.) podem ser
daninhas no campo. Nas aplicações em quando as condições edafoclimáticas fo- pulverizados nas culturas indicadas sem
pós-emergência, a planta daninha já emer- rem adequadas, como alta umidade relativa causar danos à produção, desde que respei-
giu na superfície do solo, então, o alvo da (UR) do ar (no mínimo 55%), temperatura tado o limite de dosagens indicado na bula
pulverização é a planta. Quando a emer- do ar menor que 30 ºC, velocidade do vento e a época de aplicação. Já os herbicidas
gência ainda não ocorreu, o alvo é o solo de 3 a 10 km/h, com possibilidade de au- não seletivos (ex.: glyphosate e diquat)
e a aplicação é feita em pré-emergência, ou mentar o intervalo dependendo da ponta de não podem ser aplicados diretamente em
seja, antes da emergência da planta no solo. pulverização utilizada e, principalmente, nenhuma cultura após a sua emergência no
Nesse caso, quando a semente da planta da- umidade do solo. Quando aplicados em campo, pois ocasionarão a mortalidade das
ninha iniciar o processo de germinação (no pós-emergência, a umidade favorece a plantas, com exceção dos cultivos transgê-
solo), a radícula e o caulículo serão emiti- absorção e a translocação do herbicida e, nicos tolerantes ao glyphosate.
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Translocação não tóxicas, conhecida como seletivi- reira de entrada do herbicida na planta. A
dade metabólica (OLIVEIRA JÚNIOR; cutícula recobre toda a folha, faces adaxial
Após a absorção, os herbicidas podem
INOUE, 2011). (parte superior) e abaxial (parte inferior),
translocar a longas distâncias na planta,
A seletividade depende de vários fa- e tem a função de evitar a perda de água
com movimentação pelo xilema (transloca-
tores, intrínsecos da planta ou externos para o ambiente.
ção apoplástica), floema (translocação sim-
do ambiente ou técnica de aplicação. Em A cutícula é uma camada cerosa, de
plástica) ou xilema e floema (translocação
relação aos fatores intrínsecos, estes estão natureza lipofílica, que dificulta a entrada
apossimplástica). Em todas as situações a
relacionados com a alteração do sítio de de moléculas, sobretudo as de natureza
umidade do solo é imprescindível para boa
ação, capacidade de metabolização ou hidrofílicas. Porém, todas as moléculas,
translocação na planta. Por outro lado, há
desintoxicação, variação nas taxas de independentemente da sua polaridade
os herbicidas de curta mobilidade ou imó-
absorção e translocação do herbicida na (afinidade com água ou óleo - molécula
veis na planta, que permanecem quase no
planta, etc. Os fatores externos incluem polar ou apolar), conseguem atravessar a
mesmo local da sua absorção.
a aplicação em épocas diferentes (ex.: cutícula, com maior ou menor tempo de ab-
Os herbicidas imóveis, no campo, são
aplicação de diquat antes da semeadura sorção. O processo de difusão é facilitado
conhecidos como herbicidas de contato
do feijão), aplicação localizada e protegida pela umidade do solo e do ar, que deixam
(ex.: diquat), e precisam de boa cobertura
(ex.: aplicação de glyphosate em pomares a cutícula hidratada, menos lipofílica, com
da planta pela aplicação. Boa cobertura
de citros), uso de safener ou protetor na a formação de lamelas ou espaços aquosos,
significa que toda a planta precisa receber
calda de pulverização ou no tratamento por onde os herbicidas de natureza polar
as gotas da pulverização, para que não
de sementes (ex.: tratamento de sementes (hidrofílica) se difundem (VIDAL, 2002).
ocorra rebrota de alguma parte da planta
de algodão com Permit® para promover Pouca quantidade do herbicida pulve-
que ficou sem produto. Por isso, o volume
seletividade ao herbicida clomazone), rizado entra na planta via estômato. Os
de calda da aplicação deve ser adequado
entre outros. estômatos são estruturas responsáveis pela
(maior que 150 L/ha), as gotas finas e,
Em decorrência da manipulação gené- troca gasosa. Logo, para entrar via estôma-
se indicado pelo fabricante, surfatantes
tica, no entanto, criaram-se os organismos to, a molécula precisa estar na forma de
(espalhante-adesivo) adicionados à calda.
geneticamente modificados (transgênicos), vapor e coincidir com a abertura do poro
INTERAÇÃO HERBICIDA-PLANTA que, dependendo da tecnologia e espécie, estomático.
passaram a ter tolerância a herbicidas não Depois da travessia pela cutícula, a
Seletividade seletivos, como o glyphosate (tecnologia próxima barreira de entrada do herbicida
A escolha do tratamento químico (her- Roundup Ready® - RR). Essa seletividade é a parede celular da epiderme, na sequên-
bicida, associações de produtos, dosagem não é natural (originária da espécie) e, cia a membrana plasmática, e somente
ou época de aplicação) também deve con- sim, induzida pelo homem na planta. Essa após atravessá-la, o herbicida estará no
siderar a sua seletividade para a cultura indução ocorre pela introdução de genes de simplasto da planta. A partir da epiderme
de interesse econômico. Seletividade é a outras espécies, como de bactérias, no caso a molécula alcançará as células dos outros
característica dos herbicidas que possibilita da tecnologia RR, na espécie vegetal de tecidos (parênquima, por exemplo) via
a sua aplicação para o controle de plantas interesse (KOGAN ALTERMAN; PÉREZ plasmodesmas. Plasmodesmas são estru-
daninhas sem causar danos às culturas JONES, 2003). Com essa modificação turas que ligam as células, sem a necessi-
(KOGAN ALTERMAN; PÉREZ JONES, genética, a planta adquire a capacidade de dade de atravessar novamente a membrana
2003). A seletividade não é sempre atri- sobreviver à exposição ao herbicida. Por plasmática e, assim, segue caminho até o
buída ao herbicida em si, mas à dosagem esse motivo, é importante constar nas bulas seu sítio de ação.
aplicada e ao estádio de desenvolvimento dos produtos comerciais que a condição O simplasto inclui organelas, citoplas-
das plantas, embora o solo, o clima, o uso de uso é apenas para as cultivares com a ma, membranas e floema, as partes “vivas”
de adjuvantes e o genótipo (híbrido, varie- referida tecnologia de transgenia. da planta. Já o apoplasto é formado pela
dade, clone, etc.) também possam alterar o cutícula, parede celular, espaços interce-
Absorção e translocação
grau de seletividade. lulares e xilema, tidos como partes “não
A variabilidade de resposta entre ge- Quando o herbicida é pulverizado em vivas” da planta.
nótipos da mesma espécie, na maioria das pós-emergência, primeiramente ocorre o O herbicida pode translocar na planta
vezes, é explicada pela capacidade dife- contato da gota com a planta, que fica retida ou ficar restrito ao local de absorção. Na
rencial das plantas de alterar ou degradar na superfície foliar. Após esse contato, a primeira situação, essa translocação pode
a estrutura química do herbicida, por meio entrada do herbicida na folha dá-se por ser via xilema, floema ou ambos (xilema
de reações que resultam em substâncias difusão através da cutícula, a principal bar- e floema).
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No xilema, o herbicida acompanha o ma e xilema da planta e sem mobilidade depende da espécie vegetal, em relação
fluxo de água e sais minerais. Com umi- (imóveis). às características do seu metabolismo
dade no solo, as raízes absorvem água e a No caso da movimentação pelo floema, fotossintético (C3, C4 ou CAM) (TAIZ;
distribuem pela planta através do xilema. seja simplástica ou apossimplástica, o her- ZEIGER, 2013).
O movimento dá-se por diferença de po- bicida acompanha o fluxo de fotoassimila-
tencial hídrico entre as células, a partir da dos, os açúcares da fotossíntese, conforme Mecanismo de ação de
herbicidas
perda de água para a atmosfera, em decor- as relações de fonte e dreno (demanda). A
rência da evapotranspiração. Esse processo translocação pelo floema dá-se por fluxo Mecanismo de ação ou sítio de ação de
é explicado pela teoria coesão-tensão de de pressão, ou seja, de um local com alta herbicidas é a primeira reação bioquímica
ascensão da água (acrescida de íons e concentração de fotoassimilados (folhas), ou biofísica inibida pelo herbicida, que
moléculas), pois considera as propriedades para outro com baixa concentração e ne- resulta na morte ou ação final do produto.
de coesão da água para suportar as tensões cessidade de açúcares, como órgãos em Trata-se da inibição primária (inicial) que
nas colunas de água no xilema (TAIZ; crescimento e meristemas. Por isso, não desencadeia todos os distúrbios meta-
ZEIGER, 2013). há uma direção específica (ascendente ou bólicos na sequência. Modo de ação é a
A perda de água para o ambiente cria descendente), depende do local da fonte e sequência completa de todas as reações
diferença de pressão até as células das raí- do dreno, e abrange toda a planta. que ocorrem desde o contato do herbicida
zes, onde se forma um vácuo que succiona Para que a translocação pelo floema com a planta até a sua morte ou ação final
a água e todos os íons e moléculas nesta ocorra é importante que a planta esteja em do produto. Portanto, inclui absorção,
dissolvidos para o interior das raízes, via plena atividade fotossintética, com água, translocação, mecanismo de ação, todos
pelos radiculares, principalmente. temperatura adequada e luz. A intensidade os outros processos metabólicos inibidos,
Na Figura 1, tem-se a representação ou quantidade dos fatores relacionados os primeiros sintomas de fitointoxicação e
da translocação dos herbicidas pelo floe- (água, temperatura e luz) é variável e a morte da planta, se houver.

Figura 1 - Representação da translocação dos herbicidas

A B C D

• Translocação dos herbicidas nas plantas


Fonte: Elaboração da autora.
Nota: A - Imóvel (ex.: diquat, lactofen, etc.); B - Translocação pelo xilema, com absorção pelas folhas e raízes (ex.: atrazine,
metribuzin, etc.); C - Translocação pelo floema, com absorção pelas folhas (ex.: haloxyfop-methyl, glyphosate, etc.);
D - Translocação pelo xilema e floema, com absorção pelas folhas e raízes (ex.: mesotrione, chlorimuron-ethyl, etc.).
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Como exemplo, tem-se o herbicida alcaloides e outros produtos essenciais No Quadro 1 são apresentados os com-
glyphosate, que inibe a enzima 5-enol- ao crescimento e desenvolvimento das postos ou processos metabólicos inibidos
piruvilshiquimato 3-fosfato sintase plantas (KOGAN ALTERMAN; PÉREZ e o mecanismo de ação dos herbicidas
(EPSPs), o que resulta na inibição da JONES, 2003; RODRIGUES; ALMEI- disponíveis no mercado brasileiro, com
síntese dos aminoácidos essenciais trip- DA, 2018). Portanto, o mecanismo de o grupo químico, exemplos de ingredien-
tofano, fenilalanina e tirosina, com preju- ação é a inibição da enzima EPSPs e tes ativos e a classificação pelo Comitê
ízos na produção de proteínas, vitaminas todos os eventos posteriores contemplam de Ação a Resistência aos Herbicidas
(K e E), hormônios (auxinas e etileno), o modo de ação. (HRAC) global.

Quadro 1 - Compostos ou processos metabólicos inibidos e o mecanismo de ação dos herbicidas disponíveis no mercado brasileiro, com o
grupo químico, exemplos de ingredientes ativos e a classificação pelo HRAC(1) (Continua)
Ingrediente ativo Classifi-
Inibição Mecanismo de ação Grupo químico
(Exemplos) cação
Síntese de lipídios Inibição da enzima acetil-CoA Ciclohexanodiona Clethodim, sethoxydim A
carboxilase (ACCase) Ariloxifenoxipropionato Fluazifop-butyl, haloxyfop-
methyl
Phenilpirazoline Pinoxaden
Síntese dos aminoácidos valina, Inibição da enzima Imidazolinonas Imazapic, imazapyr, B
leucina e isoleucina acetolactato sintase (ALS) ou imazethapyr
acetohidroxiácido sintase (AHAS) Triazolopirimidina Cloransulam-methyl,
diclosulam
Sulfonilureias Chlorimuron-ethyl,
sulfometuron-methyl
Pirimidiloxibenzoatos Bispyribac-sodium,
pyrithiobac-sodium
Fotossíntese Inibição do fotossistema II (FSII) Triazina Ametryn, atrazine C1
(Peroxidação de lipídios) Triazinona Hexazinone, metamitron,
metribuzin
Triazolinona Amicarbazone
Amida Propanil C2
Derivados de ureia Diuron, linuron, tebuthiuron
Benzotiadiazinona Bentazon C3
Nitrila Ioxynil
Fotossíntese Inibição do fotossistema I (FSI) Bipiridilo Diquat D
(Peroxidação de lipídios)
Síntese de porfirinas Inibição da enzima Difeniléter Fomesafen, lactofen, E
protoporfirinogen oxidase (PPO) oxyfluorfen
ou Protox Ftalimida Flumiclorac-pentyl,
(Peroxidação de lipídios) flumioxazin
Oxadiazole Oxadiazon
Triazolinona Carfentrazone-ethyl,
Uracila sulfentrazone
Saflufenacil
Síntese de carotenoides Inibição da enzima Isoxazole Isoxaflutole F2
(formação de radicais livres) p-hidroxifenilpiruvato dioxigenase Tricetona Mesotrione, tembotrione
(HPPD)
Inibição da enzima 1-desoxi-d- Isoxazolidinona Clomazone F4
xilulose 5-fosfato sintase (DOXPs)
Síntese dos aminoácidostriptofano, Inibição da enzima 5-enolpiruvil Derivados da glicina Glyphosate G
fenilalanina e tirosina shiquimato 3-fosfato sintase
(EPSPs)

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Quadro 1 - Compostos ou processos metabólicos inibidos e o mecanismo de ação dos herbicidas disponíveis no mercado brasileiro, com o
grupo químico, exemplos de ingredientes ativos e a classificação pelo HRAC(1) (Conclusão)
Ingrediente ativo Classifi-
Inibição Mecanismo de ação Grupo químico
(Exemplos) cação
Síntese do aminoácido glutamina Inibição da enzima glutamina Ácidos fosfínicos Amônio-glufosinato H
sintetase (GS)

Síntese de ácido fólico Inibição da diidropteroato sintase Carbamato Asulam I


(DHP)
Mitose Inibição da formação de Dinitroanilina Pendimethalin, trifluralin K1
microtúbulos
Síntese de lipídios Inibição da síntese de ácidos Cloroacetamida Alachlor, s-metolachlor K3
graxos de cadeia longa

Síntese de parede celular Inibição da síntese de celulose Alquilazina Indaziflam L


Auxinas sintéticas Mimetizador de auxina Ácido benzoico Dicamba O
Ácido fenoxiacético 2,4-D
Ácido Picloram, aminopyralid
piridinocarboxílico
Ácido piridiniloxialca- Triclopyr, fluroxypyr
noico
Ácido quinolinocarbo- Quinclorac
xílico
Síntese de ácidos nucleicos Desconhecido Organoarsenical MSMA Z
Fonte: Adaptado de Diez de Ulzurrun (2013), Rodrigues e Almeida (2018) e Heap (2021).
(1) Comitê de Ação a Resistência aos Herbicidas (global).

Embora os herbicidas inibidores dos agricultura no momento, tanto no Brasil Na dosagem de bula, de forma geral,
fotossistemas I e II (FSI e FSII) e da como nos outros países. Mas, primei- plantas pequenas (2 a 3 folhas) das espécies
enzima protoporfirinogen oxidase (PPO) ramente, é importante diferir tolerância tolerantes são controladas pelo glyphosate.
possuam sítios de ação diferentes, estes de resistência de plantas daninhas, que é No entanto, à medida que a planta cresce
ocasionam o mesmo efeito letal na planta, muito confundido no campo. A tolerância o controle não é mais observado. Por
em decorrência da formação de radicais refere-se à característica inata da espécie isso, para o controle efetivo, o glyphosate
livres, altamente reativos, que reagem com em sobreviver a aplicações de herbicida deve ser aplicado em plantas pequenas,
os lipídios de membranas e ocasionam a na dosagem recomendada, que seria letal a na pós-emergência precoce e inicial ou
peroxidação dos lipídios. Radicais livres outras espécies, sem alterações marcantes no máximo pós-normal, e não em plantas
referem-se à clorofila “triplet” ou “singlet”, em seu crescimento e desenvolvimento adultas, como acontece na maioria das
superóxido (O2), radicais hidroxila (OH*), (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-OVEJE-
situações de campo, seja na “dessecação”
peróxido de hidrogênio (H2O2), oxigênio RO, 2008).
pré-semeadura de culturas no sistema de
reativo ou “singlet” (1O2) (VIDAL; ME- Várias espécies de plantas daninhas
ROTTO JÚNIOR, 2001). Em decorrência plantio direto ou nas entrelinhas de culturas
são tolerantes ao herbicida glyphosate,
da rápida ação na planta, esses herbicidas perenes, como café e citros.
como corda-de-viola (espécies dos gêneros
são imóveis ou móveis pelo xilema e Em relação à resistência, trata-se da
Ipomoea e Merremia), erva-de-touro
nenhum destes é móvel pelo floema. A capacidade inerente e herdável de alguns
(Tridax procumbens), erva-quente
mortalidade das plantas sensíveis é rápida, (Spermacoce latifolia), guanxuma biótipos, dentro de uma determinada po-
e os sintomas iniciais são similares, como (Sida spp.), poaia-branca (Richardia pulação, de sobreviver e se reproduzir após
manchas necróticas nas folhas. brasiliensis), trapoeraba (Commelina a exposição a dosagens de um herbicida,
benghalensis), vassourinha-de-botão que normalmente seriam letais a uma
RESISTÊNCIA DE PLANTAS (Spermacoce spp.), entre outras. Isto indica população normal (sensível) da mesma
DANINHAS A HERBICIDAS espécie (CHRISTOFFOLETI; LÓPEZ-
que, dependendo do tamanho da planta e
A resistência de plantas daninhas a da dosagem do herbicida, este pode (ou -OVEJERO, 2008). A resistência é um
herbicidas é um dos grandes desafios da não) ser eficaz. fenômeno natural que ocorre espontanea-
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mente nas populações, não sendo, portanto, O biótipo resistente, por outro lado, pode justificar a evolução dos casos de
o herbicida o agente causador, mas, sim, também pode ser introduzido na área resistência de capim-amargoso do Sul para
selecionador dos indivíduos resistentes agrícola pela sua disseminação natural o Centro-Oeste e Norte.
que se encontram em baixa frequência (sementes facilmente levadas pelo vento, Até o ano de 2021, 508 casos de bi-
inicial (CHRISTOFFOLETI; VICTORIA por exemplo) ou pela maquinaria, em ótipos de plantas daninhas resistentes a
FILHO; SILVA, 1994). especial, as colhedoras. No processo de herbicidas já foram registrados no mundo,
O uso exclusivo e frequente de herbi- colheita das culturas, as máquinas ficam para 266 espécies (153 dicotiledôneas e
cidas com o mesmo mecanismo de ação sujas com resíduos vegetais de plantas 113 monocotiledôneas), distribuídos em 92
contribuiu para o aumento da pressão de daninhas, entre estes frutos e sementes. culturas em 70 países (HEAP, 2021). No
seleção de biótipos resistentes de uma Se a máquina não for devidamente lim- Brasil, 47 casos de resistência foram rela-
determinada espécie (Fig. 2). Nesse caso, pa, esses resíduos serão disseminados tados até o momento, para 29 espécies de
mesmo aumentando a dosagem do herbi- para outras áreas, seja dentro da mesma plantas daninhas, sobretudo nas culturas de
cida ou pulverizando em plantas menores, fazenda seja de uma fazenda para outra. soja, milho, algodão e trigo (HEAP, 2021).
o controle é ineficaz. A movimentação de colhedoras no Brasil Os dados atualizados podem ser obtidos no
site1 intitulado The International Herbici-
de-Resistant Weed Database mantido pelo
Figura 2 - Representação do aumento da infestação dos indivíduos resistentes
(X) da planta daninha em uma área agrícola, comparado ao declínio pesquisador Ian Heap, em colaboração com
dos indivíduos suscetíveis (O), em função da aplicação contínua e o HRAC global e de outros pesquisadores
frequente de herbicidas com o mesmo mecanismo de ação distribuídos pelo mundo.
No Quadro 2 são apresentados os casos
de resistência simples e múltipla de plantas
daninhas ao herbicida glyphosate no Brasil.
A resistência simples refere-se unicamente
ao glyphosate, e a múltipla, a dois ou mais
mecanismos de ação diferentes. Até o
ano de 2021, foram relatados 19 casos de
resistência de dez espécies de plantas da-
ninhas, sendo capim-amargoso (Digitaria
Núbia Maria Correia

insularis) e buva (Conyza spp.) as resis-


tentes com maior expressão e distribuição
pelo País.
O primeiro relato oficial de resistência
deve seguir normas e critérios estabeleci-
dos pelo comitê de resistência da Sociedade
Brasileira da Ciência das Plantas Daninhas
(SBCPD), que reúne pesquisadores e
estudiosos da área, e pelo HRAC Brasil
(HRAC-BR), constituído por represen-
tantes da indústria (GAZZIERO; GALLI;
KARAM, 2008). O primeiro relato de
resistência é um indicativo de problema
regional, estadual ou de todo o País, a
médio e longo prazo. Assim, não significa
Fonte: Elaboração da autora. que todas as áreas de produção tenham o
Nota: O exemplo é da espécie capim-amargoso (Digitaria insularis) resistente problema, mas, dependendo do manejo da
ao herbicida glyphosate. área, poderá tê-lo.

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www.weedscience.org.

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Herbicidas 55

Quadro 2 - Espécie de planta daninha, nome popular, ano e local do primeiro relato de resistência ao herbicida glyphosate no Brasil, casos
de resistência simples e múltipla

Espécie Nome popular Ano Mecanismo de ação Local

1. Lolium perenne ssp.multiflorum Azevém 2003 Inibidor da EPSPs RS

2. Conyza bonariensis Buva 2005 Inibidor da EPSPs RS, SP

3. Conyza canadensis Buva 2005 Inibidor da EPSPs SP

4. Digitaria insularis Capim-amargoso 2008 Inibidor da EPSPs PR

5. Lolium perenne ssp. multiflorum Azevém 2010 Inibidor da ACCase RS


Inibidor da EPSPs

6. Conyza sumatrensis Buva 2010 Inibidor da EPSPs PR

7. Conyza sumatrensis Buva 2011 Inibidor da ALS PR


Inibidor da EPSPs

8. Chloriselata Capim-branco 2014 Inibidor da EPSPs SP, PR

9. Amaranthus palmeri Caruru-palmeri 2015 Inibidor da EPSPs MT

10. Eleusine indica Capim-pé-de-galinha 2016 Inibidor da EPSPs PR

11. Amaranthus palmeri Caruru-palmeri 2016 Inibidor da ALS MT


Inibidor da EPSPs

12. Lolium perenne ssp. multiflorum Azevém 2017 Inibidor da ALS RS


Inibidor da EPSPs

13. Conyza sumatrensis Buva 2017 Inibidor da ALS PR


Inibidor do FSI
Inibidor da EPSPs

14. Eleusine indica Capim-pé-de-galinha 2017 Inibidor da ACCase MT


Inibidor da EPSPs

15. Conyza sumatrensis Buva 2017 Inibidor do FSII PR


Inibidor do FSI
Inibidor da Protox ou PPO
Inibidor da EPSPs
Auxina sintética

16. Amaranthus hybridus Caruru-roxo 2018 Inibidor da ALS RS, PR


Inibidor da EPSPs

17. Euphorbia heterophylla Amendoim-bravo 2019 Inibidor da EPSPs PR

18. Echinochloa crus-galli var. crus-galli Capim-arroz 2020 Inibidor da EPSPs RS

19. Digitaria insularis Capim-amargoso 2020 Inibidor da ACCase MT


Inibidor da EPSPs MS
Fonte: Adaptado de Heap (2021) e Adegas et al. (2020).
Nota: EPSPs - Enzima 5-enolpiruvilshiquimato 3-fosfato sintase; ACCase - Enzima acetil-CoA carboxilase; ALS - Enzima acetolactato sintase;
FSI - Fotossistema I; FSII - Fotossistema II; Protox ou PPO - Enzima protoporfirinogen oxidase.

INTERAÇÃO HERBICIDA- que esses produtos não foram desenvol- deve atingir o alvo da pulverização (e não
AMBIENTE vidos para a finalidade de intoxicação ou ficar fora deste).
Após a pulverização, os herbicidas poluição ambiental. Quando isto ocorre no Nas aplicações em pós-emergência,
estão sujeitos a uma série de processos campo é porque houve o manejo errado dos parte do produto fica retida nas plantas e o
ou fenômenos que podem levar a perdas, produtos. Para exercer a sua função, que é restante atinge o solo. Assim, seja em pré
intoxicação ou poluição ambiental. É óbvio controlar as plantas daninhas, o herbicida ou pós-emergência, o reservatório final dos
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herbicidas no ambiente é o solo. Esse fato é Figura 3 - Resumo esquemático da dinâmica dos herbicidas no sistema solo-
importante, pois é no solo que a molécula -água-atmosfera
do herbicida será degradada a uma forma
não tóxica. Essa degradação é um processo
natural, comum para todos os produtos, e o
açã
não apenas para os mais modernos. O que ad
gr Volatilização
ode
existe é uma variação (de herbicida para Fot
herbicida) do tempo que o processo de
Deriva
transformação ocorrerá no solo, podendo Vento
ser mais longo para alguns herbicidas ou
mais curto para outros.
A dinâmica dos herbicidas no am-
biente (sistema solo-água-atmosfera) está
Solo Escorrimento
apresentado na Figura 3. Após (ou no superficial
momento) da aplicação no campo, a mo-
Sorção Degradação abiótica
lécula do herbicida pode ser transportada,

Fotos: Núbia Maria Correia


Microrganismos
transformada ou retida (SILVA; VIVIAN;
Lixiviação
OLIVEIRA JÚNIOR, 2007). No transporte
a molécula é desviada do alvo da aplicação,
Lençol freático
mas continua ativa (tóxica). A transforma-
ção trata-se da degradação da molécula,
a qual perde a atividade biológica (capa- Fonte: Elaboração da autora.
cidade de matar a planta daninha). E, na
retenção, o herbicida é adsorvido (retido,
aderido) à fração sólida do solo (argila ou químicos fora do alvo da aplicação durante por deriva. Por exemplo, pontas de pulveri-
MO), ou absorvido pelas plantas ou outros um tratamento fitossanitário (ANTUNIAS- zação com indução de ar geram gotas extre-
organismos vivos. SI; BAIO, 2008). Além do prejuízo agronô- mamente grossas, sendo menos favoráveis
Caso o herbicida não tenha sido mico, pela perda de eficácia, pois o produto a perdas por deriva e toleram uma condição
aplicado diretamente na água, o produto não atingirá o alvo em concentração ade- maior de vento comparado a gotas finas. O
somente atingirá um manancial hídrico quada, tem-se o prejuízo da contaminação. herbicida é um produto seguro, desde que
em superfície (como lagoas, represas, No momento da aplicação a molécula do usado de forma adequada, respeitando-se
córregos e rios) se houver algum erro na herbicida também pode ser perdida para a as dosagens recomendadas e as condições
aplicação ou erosão hídrica (enxurrada). atmosfera por volatilização (vaporização). edafoclimáticas no momento da aplicação.
Na água, o herbicida também será degra- O produto passa para a forma de vapor, mas O herbicida também pode mover-se
dado, rápida ou lentamente, da mesma a sua propriedade tóxica é preservada, pois no solo, dependendo da sua interação com
forma que no solo, o tempo é variável de é apenas uma mudança de estado físico da a fase sólida e solução. Se a retenção do
molécula para molécula. É um erro achar matéria. Observações a campo indicaram herbicida à fase sólida é fraca, maior con-
que os herbicidas são produtos químicos que esse “vapor tóxico” pode contaminar centração deste estará na solução, na qual é
que permanecem indefinidamente no solo uma cultura sensível até 15 km do local mais propenso a perdas pelos movimentos
ou na água, contaminando áreas de cultivo de aplicação (deriva química) ou retornar vertical e horizontal no solo, denominados
e mananciais hídricos, com consequentes ao solo junto com a água da chuva, no lixiviação (transporte em profundidade -
danos irreversíveis ao meio ambiente. processo de condensação das moléculas. vertical, dentro do solo) e escorrimento
A molécula do herbicida pode ser des- Os prejuízos relacionados com deriva superficial. Nas duas situações, o risco
viada do alvo da pulverização por diferen- e volatilização, contudo, só ocorrem no ambiental é a contaminação dos manan-
tes formas. Inicialmente, já no momento da campo em condições não apropriadas ciais hídricos de superfície (lago, rios,
aplicação, o produto pode ser perdido para de pulverização, como UR do ar < 55%, córregos, etc.) ou subterrâneo (cisternas
o ambiente por meio da deriva. Contrário temperatura do ar > 30 ºC e velocidade do e poços artesianos). A solubilidade em
aos fungicidas e inseticidas, a deriva da vento acima da indicada para a tecnologia água e o caráter químico da molécula do
aplicação de um herbicida pode ter ação de aplicação adotada. Principalmente, no herbicida regulam essa mobilidade. Por
fitotóxica em culturas vizinhas sensíveis. A que se refere ao tamanho das gotas, que outro lado, a movimentação do herbicida
deriva é definida como o depósito de agro- pode ser mais ou menos propensa a perdas nos primeiros centímetros do solo (até
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Herbicidas 57

10 cm) é benéfica, pois confere melhor Figura 4 - Esquema da distribuição das moléculas do herbicida adsorvido à
distribuição do produto na camada do solo fração sólida ou dissolvido na solução (água)
potencial para germinação de sementes de
Fração sólida Solução Ar
plantas daninhas.
De forma simplificada, o solo é cons- H H

tituído pela fração sólida (argila, silte,


H

areia e MO), solução (água do solo) e ar


H H
H H

(principalmente CO2 e O2). No solo, o H


H Lixiviação
herbicida pode ocupar esses três espaços,
H
H
H Degradação
como mostra a Figura 4. Para ser lixiviada, H H Absorção
a molécula deve estar dissolvida na água
H H
H
H
do solo, pois, quando retida (adsorvida) à
H

argila ou à MO, está protegida desse tipo H H


H

de perda. Por isso, as duas características,


solubilidade em água e adsorção ao solo
Solo úmido
são importantes e devem ser avaliadas em
conjunto e não separadamente. Herbicidas
Fonte: Elaboração da autora.
fortemente adsorvidos ao solo, mesmo
extremamente solúveis em água, não estão
propensos a perdas por lixiviação no solo. como fraca adsorção ao solo e solubilidade químicas (hidrólise, oxidação, redução,
No estudo desenvolvido na sub-bacia em água muito alta, também afetam a sua etc.) que resultará em uma forma não
hidrográfica do Rio Samambaia no Distrito maior persistência e contaminação dos tóxica da molécula ou até a sua comple-
Federal (DF) e leste de Goiás (GO), para corpos hídricos. ta mineralização, tendo como produtos
identificar e quantificar resíduos de her- É necessário ser criterioso não apenas finais CO2, água (H2O), amônia (NH3) e
bicidas em amostras de águas de chuva, na escolha do produto usado na cultura íons inorgânicos. A biodegradação é a via
cisterna, córrego, lagoa, nascente, represa, em questão, mas com os herbicidas pul- natural de transformação dos produtos a
poço artesiano e rio, constatou-se que, dos verizados nas áreas vizinhas (para evitar uma forma não tóxica. Em um ambiente
26 compostos analisados, o metribuzin foi possíveis prejuízos causados por deriva ou não favorável aos microrganismos do solo,
o que teve maior frequência de detecção, volatilização) e com aqueles pulverizados como seca, temperaturas baixas e pH mais
em 65% das 287 amostras de água (COR- nas culturas antecessoras. Herbicidas com ácido, a atividade da microbiota decom-
REIA; CARBONARI; VELINI, 2020). No maior persistência no solo poderão afetar positora será menor; consequentemente,
entanto, embora a frequência de detecção o estabelecimento das culturas em rotação o herbicida permanecerá por mais tempo
fosse alta, os valores quantificados foram ou sucessão. Esse fenômeno é denominado (ativo) no solo.
menores que o limite de quantificação do carryover, e pode ser definido como os re- Dependendo da molécula de herbicida,
herbicida. Esse fato indica que o composto síduos fitotóxicos que permanecem no solo esta pode permanecer no solo na forma
foi detectado na amostra, mas as quantida- e que afetam culturas sensíveis em rotação tóxica por longo período, inviabilizando o
des foram extremamente baixas. ou sucessão após aquelas culturas em que cultivo de culturas sensíveis em sucessão
O metribuzin é o principal herbicida foi utilizado o herbicida (SANTOS et al., ou rotação. Uma técnica usada para des-
das culturas de batata e tomate, e é usado, 2007). Nos sistemas de produção, em que contaminar solos ou água com resíduo de
nessas culturas, em quase 20% das proprie- diferentes culturas ocupam o mesmo local herbicida é a fitorremediação, que consiste
dades rurais avaliadas. A alta frequência ao longo do ano, o uso de herbicidas com no uso de espécies vegetais, que irão absor-
das amostras de água com metribuzin residual longo no solo poderá inviabilizar ver, acumular e/ou metabolizar o herbicida.
estava associada ao manejo das hortali- o cultivo de alguma cultura em sucessão ou Com isto, culturas sensíveis poderão ser
ças, sobretudo, exaustivo preparo do solo, rotação. Então, a degradação da molécula instaladas em sucessão ou rotação, em
como aração, gradagem e enxada rotativa do herbicida é importante não apenas para decorrência da despoluição do solo. Nesse
(para batata) e aplicação do metribuzin em o ambiente, mas também para a agricultura. sentido, o cultivo prévio de feijão-de-porco
pré-emergência, direto ao solo, que pode As principais formas de transformação (Canavalia ensiformis) reduziu os efeitos
favorecer as perdas do produto por lixivia- da molécula são: abiótica (ou química), tóxicos em solo contaminado com sulfen-
ção e escorrimento superficial (CORREIA; microbiana (ou biodegradação) ou pela trazone (FERRAÇO et al., 2017). Este
CARBONARI; VELINI, 2020). As carac- ação da luz (fotodegradação). Nas três, herbicida é registrado para as culturas de
terísticas físicas e químicas do metribuzin, a degradação ocorre por meio de reações abacaxi, café, cana-de-açúcar, citros, fumo,
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soja e eucalipto, e pode deixar resíduo no planta daninha, associado ao levantamento bodies of the Samambaia River sub-basin
solo de até 18 meses para a cultura do prévio da infestação, exemplifica estraté- in the Federal District and eastern Goiás.
algodão, dependendo de diversos fatores, gias de manejo integrado. Journal of Environmental Science and
Health - Part B. Pesticides Food Contami-
como principalmente da dosagem pulveri- O uso de herbicidas exige profissionais
nants, and Agricultural Wastes, v.55, n.6,
zada (RODRIGUES; ALMEIDA, 2018). que entendam a dinâmica dos produtos no
p.574-582, Mar. 2020.
Na busca por uma agricultura am- sistema solo-água-atmosfera e não têm o
DIEZ DE ULZURRUN, P. Manejo de male-
bientalmente aceitável, preconiza-se, herbicida como única estratégia de manejo.
zas problema: modos de acción herbicida.
portanto, que a aplicação de herbicidas no Quem não age dessa forma, está fadado ao
Rosario, Argentina: REM, 2013. 52 p.
agroecossistema considere outros fatores, insucesso, em virtude da seleção de plantas
FERRAÇO, M. et al. Efeito da densidade po-
além da planta daninha ou da cultura a ser daninhas resistentes ou de difícil controle
pulacional de Canavalia ensiformis na fitor-
pulverizada, tais como: e com o aumento exponencial do “banco
remediação de solo contaminado com sul-
a) profundidade do lençol freático (se de sementes” do solo. Além do aumento fentrazone. Revista Ciência Agronômica,
este é mais superficial, não usar sucessivo das dosagens, do uso de misturas Fortaleza, v.48, n.1, p.32-40, jan./mar. 2017.
produtos com maior solubilidade tríplices ou quádruplas no tanque do pul-
GAZZIERO, D.L.P.; GALLI, A.J.B.; KARAM,
em água); verizador, com reflexo direto no custo de D. (ed). Critérios para relatos oficiais esta-
b) presença de nascentes ou minas produção. “Tem que conhecer para saber tísticos de biótipos de plantas daninhas re-
d’água, práticas conservacionistas usar e usar sempre”. Sem ideologismos sistentes a herbicidas. Sete Lagoas: SBCPD;
de solo (como o Sistema Plantio ou falsas promessas, não existem milagres Campinas: HRAC-BR, 2008. 22p.
Direto na Palha); e, sim, estratégias integradas: o Manejo HEAP, I. The international herbicide-resis-
c) relevo do terreno (dependendo do Integrado de Plantas Daninhas, no qual tant weed database. [S.l.]: The International
grau de inclinação do terreno e do os herbicidas fazem parte, combinados a Survey of Herbicide Resistant Weeds, 2021.

tipo de solo, aplicar os herbicidas outros métodos de manejo. Disponível em: http://www.weedscience.
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após a emergência das plantas), etc.
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