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O controle microbiano

sustentável de ácaros em citros


heraldo negri/usp esalq

Sérgio Batista Alves *

Sabe-se que toda praga que ocorre em


citros possui uma doença que pode ser
utilizada para o seu controle. Os ácaros
não fogem a essa lei da natureza. O pro-
blema é que as técnicas e procedimentos
inadequados utilizados na agricultura
“moderna” eliminam os focos dessas
doenças, tornando a população das
pragas incontroláveis. Assim, tornam-
-se necessários o manejo e a utilização
desses microrganismos para o controle
dos ácaros. Trata-se de um processo
prático, porque esses inimigos naturais
Ácaro-da-ferrugem
são altamente eficazes e seletivos para
o controle sustentável, podendo ser
produzidos em grandes quantidades e praga, por um período mais longo que de manejo, pois permanece no campo por
aplicados com máquinas convencio- o obtido pelas aplicações constantes de um período de 15 a 30 anos, suportando
nais. É um processo desejável, porque o agrotóxicos, sem seus inconvenientes. É sem estresses um convívio tecnicamente
mercado consumidor brasileiro – como impossível efetuar o manejo sustentável planejado com plantas invasoras nas
o internacio­nal – está, a cada dia, mais dos ácaros sem considerar outras pragas entrelinhas. Isso contribui para aumentar
exigente em relação a produtos livres de e doenças e os detalhes técnicos neces- a biodiversidade e favorecer a sustenta-
resíduos de agrotóxicos. sários à condução da cultura. Cada caso bilidade do agroecossistema, em termos
Outra vantagem é que esses entomo- deve ser estudado, procurando-se avaliar de ocorrência de pragas, pois, desde a sua
patógenos não reconhecem os ácaros o estágio de degradação biológica em que implantação, o agroecossitema citrícola
resistentes aos agrotóxicos, eliminando- se encontra a cultura, os programas de pode ser manejado com esse objetivo.
-os, concorrendo para uma maior eficácia tratamentos usados etc., na busca por um Introdução inoculativa – Visa à
dos acaricidas e contribuindo para o sistema mais sustentável. lenta e contínua eliminação da praga,
manejo da resistência. Sendo a cultura De modo geral, os principais aspectos em locais onde os seus patógenos ainda
de citros um agroecossistema estável, a ser considerados são: características não estão presentes. Pode ser realizada
o emprego dos entomopatógenos em da cultura envolvida; treinamento do por meio da transferência de pequena
programas ecologicamente planejados pessoal; determinação correta dos níveis quantidade de inóculo, pela introdução
potencializa os resultados de controle de danos das pragas; estabelecimento de ácaros contaminados, de seus cadáve­
dessas pragas, através da preservação dos níveis de ação; logística de aplicação res, de pedaços das plantas ou de meios
e do aumento de outros inimigos natu- envolvendo tempo e processos; uso de de culturas com os patógenos e, até
rais, representados pelos parasitóides e produtos químicos seletivos aos inimigos mesmo, pela pulverização de pequenas
predadores que ocorrem naturalmente naturais; uso de produtos microbianos áreas ou de algumas plantas, objetivando
nesses locais. O resultado final é um selecionados para as pragas da cultura e introduzi-los no agroecossistema cítrico.
controle satisfatório e sustentável da custos; e monitoramento dos resultados. Normalmente, os patógenos empregados
A cultura dos citros favorece as técnicas

visão agrícola nº 2 jUL | DEZ 2004 87


PRAGAS

nessa estratégia são lentos, de difícil controlados usando-se o fungo Beauve- e de eliminar os ácaros resistentes a aca-
produção, e o tempo necessário ao seu ria bassiana, em aplicações localizadas ricidas químicos. Assim, deve fazer parte
estabelecimento na área é relativamen- ou em áreas totais. Isolados selecionados dos programas de manejo da resistência
te longo. É ideal para ser utilizada em dos fungos Lecanicillium (=Verticillium) de ácaros em citros. Pesquisas recentes
pequenas propriedades. Essa estratégia lecanii e Hirsutella thompsonii podem demonstraram que tanto H. thompsonii
pode ser usada para o controle do ácaro ser usados para o controle do ácaro-da- como L. lecanii conseguem eliminar os
purpúreo (Panonychus citri), com um ví- -leprose (Brevipalpus phoenicis) e do ácaros resistentes ao acaricida dicofol,
rus de partícula livre. Esse vírus coloniza ácaro-da-ferrugem, em concentrações mostrando que esses fungos colonizam
todas as fases do ácaro, menos os ovos. elevadas de inóculo (Figura 1). e matam os indivíduos resistentes e não
Sua introdução pode ser feita aplicando- Aumento ou incremento – O uso resistentes. Alguns produtos compatíveis
-se uma suspensão viral preparada a dessa estratégia é recomendável nos com os entomopatógenos, que ocorrem
partir de ácaros doentes, na base de 0,1 locais em que o patógeno já se encontra na cultura dos citros constam na Tabela 1.
g de biomassa de ácaro por litro de água. naturalmente. Como o entomopatógeno
Outra maneira é efetuar a liberação de já se adaptou ao ambiente, existe grande O Sistema Citros Sustentável
ácaros doentes em campo. Também os probabilidade de sucesso no controle da ESALQ
“fungos amigos” podem ser inoculados praga quando se utiliza esse procedimen- Um programa visando ao controle sus-
em locais onde não ocorrem. Assim, to de controle. Assim, o patógeno neces- tentado de pragas vem sendo realizado
Hirsutella thompsonii e Lecanicillium sita de um aumento na sua densidade de nos pomares do engenheiro agrônomo
(=Verticillium) spp. e alguns Entomo- inóculo, visando à formação de maior Silvio Baggio, proprietário da Fazenda
phthorales (Neozygites) são recomenda- número de focos primários e de um po- Nossa Senhora da Paz, em Pirassununga-
dos para o controle de diversas espécies tencial de inóculo capaz de antecipar as -SP, desde 2001. Os problemas principais
de ácaros de citros, através da introdução epizootias, antes que a praga atinja nível da sua cultura eram cochonilha ortézia e
de pequenas quantidades de inóculos, de dano econômico. Oferecem condições ácaros, que ocorriam em níveis popula-
já que a cultura de citros permite um para serem usados dentro dessa estraté- cionais elevados, em função de desequilí-
controle mais lento, em determinadas gia os fungos H. thompsonii e L. lecanii brios proporcionados pelo uso freqüente
condições. para o ácaro-da-ferrugem e o ácaro-da- de agrotóxicos em suas fazendas. O
Introdução inundativa – É um pro- -leprose dos citros. Esses fungos podem citricultor iniciou as aplicações do fungo
cedimento que visa à supressão rápida ser aplicados em talhões com maiores B. bassiana (Boveril PM) na base de 2
da praga pela aplicação de grande quan- infestações e que representem cerca de kg/2.000 litros de água, mais 0,3% óleo
tidade de inóculo de um patógeno, em 30 a 40% da área. vegetal emulsionável (dose que pode
que o mesmo pode ou não estar presente. Conservação ou proteção dos ser elevada para 4 kg/200 litros). Essa
O patógeno deve atuar independente- patógenos – Essa é uma das estratégias recomendação foi baseada na boa ação
mente da densidade populacional da mais importantes em citros. Quando bem desse fungo sobre a ortézia e sua excelen-
praga e do inóculo porventura existente conduzida, pode proporcionar resultados te capacidade de reduzir populações de
na área. Assim, o ácaro-da-ferrugem significativos na preservação do inóculo ácaros nos citros, respeitando-se sempre
(Phyllocoptruta oleivora) e o ácaro natural dos patógenos, contribuindo a compatibilidade de outros agrotóxicos,
purpúreo (Panonychus citri) podem ser para a formação de focos primários das porventura aplicados nas culturas.
doenças e posterior desencadeamento No fim de 2002, os benefícios das
das epizootias. A conservação dos pa- aplicações do patógeno foram evidentes
Figura 1 | (A) Ácaro-da-leprose coloni-
tógenos pode ser realizada pelo manejo na redução dos níveis populacionais
zado por Lecanicillium (=Verticillium)
sp. (B) ácaro-da-ferrugem atacado por correto do ambiente e pelo uso de produ- de ortézia, dos ácaros da ferrugem e da
Hirsutella sp. NAP/MEPA,usp ESALQ. tos seletivos, envolvendo agrotóxicos e leprose. Assim, nas áreas onde o produto
fertilizantes foliares. Os agrotóxicos e in- biológico foi aplicado, o período de en-
sumos não-seletivos devem ser abolidos trada com agrotóxicos tradicionais, de
e os compatíveis podem fazer parte dos baixa persistência, aumentou em média
programas de manejo da cultura, poden- 80 dias, nas áreas cobertas entre 5% e
do, em alguns casos, ser aplicados conco- 10% de produto biológico. Esse período
mitantemente com os entomopatógenos foi de 120 dias nos talhões onde o fungo
(controle associado). Essa técnica tem a foi aplicado entre 20% e 30 % da área.
(A) (B) vantagem de preservar o inóculo natural Já nos talhões submetidos a aplicações

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do produto biológico em área total, o plantas, a leprose e a ferrugem atingiram o citricultor tem usado o fungo L. lecanii
tempo de reentrada com agrotóxicos foi níveis próximos a zero, praticamente (Vertirril PM) em alguns talhões, conse-
de 180 dias. No mês de abril de 2004, as sem infestação, por período superior a guindo reduzir a infestação do ácaro da
áreas submetidas a aplicações parciais de seis meses da última aplicação (Tabela 2). leprose, de 5% para 1%. Atualmente, os
fungo continuavam com níveis popula- A população de ortézia, que fez com níveis populacionais de outras pragas e
cionais baixos, sendo o enxofre usado em que o citricultor mudasse o seu sistema doenças, incluindo a clorose variegada
apenas alguns talhões. Nos talhões onde de controle de pragas, manteve-se em dos citros, o bicho-furão etc. não têm
foram feitas duas aplicações de fungo em equilíbrio com a presença da praga, mas causado maiores preocupações ao ci-
área total, abrangendo cerca de 35.000 sem danos econômicos. Recentemente, tricultor. Decorridos praticamente três
anos da adoção do sistema, os resulta-
Tabela 1 | Compatibilidade
Produto Nome de agrotóxicos1 com
técnico Classe
B.b. M.a. V.l. H.t. A.a. 2 fungos benéficos em3 citros
Patógeno dos vêm sendo sentidos pelo citricultor,
Assist óleo mineral IA T MT C C MT que tem manifestado grande satisfação,
Decis 25CE deltametrina I C C C C C considerando o controle das pragas e
Dicofol 480 CE dicofol A T C C MT MD o uso de uma nova tecnologia, limpa e
Envidor 240 SC
spirodiclofen A C C C C MT sustentável, beneficiando a saúde dos
Extravon fenol ES C C C C C seus funcionários, dos consumidores de
Kilval 300 vamidotion IA C C C (-)* (-)* seus produtos e o meio ambiente. Outros
Kumulus DF enxofre FA C MD MD MD MT citricultores no Estado de São Paulo vêm
Lorsban 480BR clorpirifós IA T MD C MT MT adotando o Sistema Citros Sustentável
Match CE lufenuron I C T T MT MT ESALQ, com resultados semelhantes.
Natur’l óleo ácido graxo + glicerol ES MD MT C C T
* Sérgio Batista Alves é professor do Depar-
Neoron 500 CE bromopropilato A T C C (-)* (-)* tamento de Entomologia, Fitopatologia e
Nuvacron 400 monocrotofós IA C C C (-)* (-)* Zoologia Agrícola da USP ESALQ (sebalves@
esalq.usp.br).
Omite 720CE propargite A C C C C MT
Orthene 750BR
acefato IA C C C C C
Perfekthion dimetoato IA C C C C MT
Referências bibliográficas
ALVES, S. B. Fungos entomopatogênicos. In: ALVES,
Roundup glifosato H C C C MD T S. B. (Ed.). Controle microbiano de insetos.
Rufast 50SC acrinatrin A C C C C C Piracicaba: Fealq, 1998. p. 289-382.
Talstar 100CE bifentrina IA C C C C C ALVES, S. B.; LOPES, R. B.; TAMAI, M. A.; MOINO JR.,
Tamaron BR metamidofós IA C MD C C MT A.; ALVES, L. F. A. Compatibilidade de produtos
fitossanitários com entomopatógenos em
Torque 500 SC óxido de fembutatina A C C MD MD C
citros. Laranja, v. 21, n. 2, p. 295-306, 2000.
Veget’oil óleo vegetal ES T MT T T MT ALVES, S. B.; MOINO JR., A.; ALMEIDA, J. E. M.
Winner imidacloprid I C C (-)* (-)* (-)* Produtos fitossanitários e entomopatógenos.
Nota: 1C = compatível; MD = moderadamente tóxico; T = tóxico; MT = muito tóxico; 2I = inseticida; A In: ALVES, S. B. (Ed.). Controle microbiano de
= acaricida; H = herbicida; ES = espalhante. 3B.b.= Beauveria bassiana; M.a.= Metarhizium anisopliae; insetos. Piracicaba: Fealq, 1998. p. 217-238.
V.l.= Lecanicillium (=Verticillium) lecanii; H.t.= Hirsutella thompsonii; A.a.= Aschersonia aleyrodis; (-)* ROSSI, L. S. Seleção de fungos entomopatogê-
Informações não disponíveis nicos e infecção de Hirsutella sp. em Bre-
vipalpus phoenicis. 2002. 92 p. Dissertação
(Mestrado) – Escola Superior de Agricultura
“Luiz de Queiroz”da Universidade de São Pau-
lo, Piracicaba, 2002.

Tabela 2 | Aumento do período de tratamento com agrotóxicos, em função do uso


do controle microbiano para ácaros e ortézia
Tratamentos Período de entrada com agrotóxicos
Uso de agrotóxicos convencionais Freqüência varia de 30 a 70 dias
Uso de fungo em 5% a 10% da área 80 dias
Uso de fungo em 20% a 30% da área 120 dias
Uso de fungo em área total 180 dias

visão agrícola nº 2 jUL | DEZ 2004 89

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