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Artigo publicado na edição 229 da Cultivar Grandes Culturas, mês junho, ano 2018.

Cecilia Czepak, Escola de Agronomia/UFGl; Paula G. Marçon, Marcelo Lima, Rafael Ferreira Silvério e Janayne Rezende,
Agbitech; Matheus Le Senechal Nunes, Escola de Agronomia/UFGl

Bioinseticidas no manejo de lagartas


A adoção de táticas de controle biológico e, em particular, o uso de
bioinseticidas à base de Baculovírus para manejo de lagartas de grande importância
econômica tem se mostrado importante ferramenta complementar e em alguns casos até
mesmo alternativa a outras formas de combate a pragas.

Sabe-se que a abundância e a distribuição dos artrópodes é influenciada pela


atividade dos inimigos naturais que ocorrem de forma voluntária em ecossistemas não
modificados. Porém, em ecossistemas antropizados, ou os chamados agro-ecosistemas,
essas interações biológicas tornam-se fortemente limitadas ou obstruídas e certas
espécies perdem sua regulação natural e tornam-se pragas.

Deste modo, torna-se necessário a intervenção humana para tentar restaurar o


equilíbrio entre as espécies existentes. É neste contexto que entra o Manejo Integrado de
Pragas (MIP), com suas diferentes táticas de controle. Dentre estas táticas, o controle
biológico tem papel decisivo, por ser uma ferramenta com inúmeras vantagens agro-
ecológicas que dão sustentabilidade ao sistema, desde que seja respeitada toda a sua
prerrogativa de utilização.

Falando-se especificamente de Baculovírus, uma importante categoria do


controle biológico, é possível afirmar que sua utilização no controle de pragas-chaves
tem grande potencial de emprego na agricultura brasileira, pois além de serem
eficientes, são específicos e não agridem o ambiente, os animais e o homem. Os
Baculovírus preenchem os requisitos básicos como alternativa e/ou complemento a
outras táticas de controle.

A utilização de Baculovírus como inseticidas biológicos para controle de


lepidópteros em programas de manejo integrado de pragas data da década de 1970. No
Brasil, o programa de manejo da lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis, por meio de
Baculovírus (AgMNPV) se tornou um programa reconhecido mundialmente por sua
eficácia e alcance em diferentes países da América Latina

As espécies de Baculovírus são altamente específicas para invertebrados-alvo.


Sob o ponto de vista de segurança são incapazes de se multiplicar em microrganismos,
células de plantas, cultura de células de vertebrados e em vertebrados. Além disso, a
família Baculoviridae, a mais pesquisada e utilizada mundialmente como bioinseticida,
não afeta os outros insetos e invertebrados inespecíficos. Assim, são agentes ideais em
programas de MIP em culturas anuais, perenes e florestais.

Presença da lagarta falsa-medideira morta por vírus em folha de soja

O primeiro bioinseticida à base de Baculovírus (HzSNPV) foi registrado


comercialmente em 1975 (Virion-H, Biocontrol-VHZ, Elcar) e empregado em larga
escala para controle do complexo de espécies da família Heliothinae, por exemplo a
Helicoverpa zea e a Chloridea virescens, importantes pragas-chaves da cultura do
algodão nos Estados Unidos. Atualmente, aproximadamente 50 bioinseticidas à base de
Baculovírus são utilizados em diferentes partes do mundo.
Os nucleopoliedrovírus (NPV) de Lepidoptera, como também são conhecidos os
baculovírus do gênero Alphabaculovirus, são formados por DNA circular dupla fita
associados a proteínas capsidiais (nucleocapsídeo). Envoltos por uma membrana
protetora, os nucleocapsídeos formam os vírions. Por sua vez, os vírions são protegidos
em uma matriz proteíca dando origem aos corpos de oclusão. A formação dos corpos de
oclusão (OB – Occlusion Body) confere proteção física e biológica às partículas virais
contra, por exemplo, a desativação por meio de fatores climáticos como temperatura e
radiação solar. Compondo o corpo de oclusão podem ser observados vários vírions
(nucleopoliedrovírus múltiplos-MNPV) ou apenas um vírion (nucleopoliedrovírus
simples SNPV).

Após a aplicação foliar dos bioinseticidas, as lagartas ingerem os corpos de


oclusão depositados sobre as plantas, o que dá início à primeira fase da infecção. Os
corpos de oclusão dissolvem-se com o pH alcalino no intestino médio das lagartas,
liberando as partículas virais. As partículas virais penetram no núcleo das células
epiteliais do intestino, onde se replicam. Com a replicação são geradas novas partículas
virais, porém são “nuas” e não estão inseridas em membrana protetora. Sem a armadura
protetora, os vírus extracelulares (BV- Budded vírus) dispersam-se com facilidade pela
hemolinfa e traqueias, invadindo outros tecidos da lagarta infectada. Novos corpos de
oclusão se formam no núcleo das demais células, caracterizando a segunda fase de
infecção. Grandes quantidades de nucleocapsídeos protegidos em corpos de oclusão são
gerados, resultando na ruptura das células e dos tecidos, liberando vírus no ambiente e
começando a EPIZOOTIA (transmissão horizontal) (Figura 1).

Figura 1 - Ciclo biológico dos Baculovírus


As partículas dos Baculovírus se apresentam em forma de bastonetes, chamados
de vírions, que são revestidos por uma matriz proteíca. Esse vírus passa a atuar somente
após a ingestão da praga alvo. Em outras palavras, a lagarta precisa ingerir as partículas
virais depositadas sobre as folhas. As partículas virais são dissolvidas dentro do trato
gastrointestinal das lagartas, propiciando a liberação dos vírions. Por sua vez, estes
vírions penetram na membrana da parede intestinal e atingem a hemolinfa, espalhando-
se e multiplicando-se no núcleo celular de diferentes tecidos. O processo, desde o início
da infecção até à morte da praga alvo, pode durar em torno de 3 dias a 7 dias,
dependendo do tamanho das lagartas e das condições ambientais (Figura 1).

Lagartas infectadas por Baculovírus perdem a capacidade motora e de


alimentação entre dois e quatro dias (dependendo da idade da lagarta) após a ingestão de
substratos contaminados, como folhas, ramos ou frutos, e morrerão dentro de 6 dias a 7
dias após a infecção. A descoloração da parte ventral (esbranquiçada a amarelada) é um
sintoma típico, que se propaga progressivamente por todo o corpo. Apesar de
diminuírem sua mobilidade, as lagartas infectadas comumente se deslocam para a parte
superior das plantas e morrem penduradas pelas pernas abdominais. Nesta fase, a lagarta
apresenta o corpo flácido que posteriormente escurece e se rompe com facilidade,
liberando uma grande quantidade de poliedros que servirão de inóculo para
contaminação de outras lagartas da mesma espécie (Figura 2). O vírus tem capacidade
de dispersão a longas distâncias, seja pelo vento, poeira, chuva, e/ou contato com outros
insetos (por exemplo, moscas). Com as chuvas, grande quantidade de poliedros se
acumulam na camada superior do solo, onde o vírus pode permanecer de um ano para
outro, promovendo futuras epizootias naturais nas áreas tratadas.

Figura 2 - Sucessão de sintomas e comportamento de uma lagarta provocados pela


infecção viral após a ingestão de folhas contaminadas com Baculovírus

O sucesso de programas de uso de Baculovírus depende de uma série de fatores,


incluindo a seleção de isolados mais virulentos, o momento adequado da aplicação
(tanto em relação ao horário de aplicação como ao tamanho das lagartas e à densidade
populacional que deve ser estimada por meio de avaliação frequente da população,
tecnologia de aplicação apropriada, clima favorável, dentre outros). O momento de
aplicação é extremamente importante, tanto em relação ao horário de aplicação como ao
tamanho das lagartas e à densidade populacional que deve ser estimada por meio de
monitoramento frequente da população. A aplicação deve ser realizada no final do dia,
para dar aos vírus tempo de agirem durante a noite, quando as lagartas são mais ativas
na sua alimentação. A aplicação deve ser ‘preventiva e inoculativa’, ou seja, ser feita tão
logo se observarem as primeiras lagartas pequenas na lavoura.

Um dos entraves à utilização mais ampla desta categoria de produtos reside no


fato de serem altamente específicos, o que pode levar o produtor a ter uma certa
dificuldade de empregar estas ferramentas em seus programas de manejo de pragas,
visto que muitas vezes duas ou mais espécies podem apresentar-se na mesma lavoura e
ao mesmo tempo. Outro entrave tem sido o imediatismo na expectativa de obtenção de
resultados, visto que os vírus tem ação mais lenta que os inseticidas químicos e devem
ser utilizados de forma inoculativa, como ferramentas de base e como reguladores das
populações de pragas. O uso do vírus é uma ferramenta valiosa dentro de um programa
de Manejo Integrado de Pragas. Assim, quando um produtor decide por mudanças
tecnológicas, estas mudanças devem seguir o posicionamento técnico correto, de forma
a maximizar os benefícios que esta ferramenta pode trazer a curto e a longo prazo.

O programa brasileiro de utilização do Baculovírus na cultura da soja


preconizado pela Embrapa foi adotado em aproximadamente dois milhões de hectares
nos ano de 2003/04. Este exemplo é frequentemente citado em âmbito internacional
como um real sucesso do controle biológico à base de Baculovírus. Porém, devido a
inúmeros fatores, o MIP Soja caiu no esquecimento nos últimos anos e o uso de
Baculovírus decresceu de forma lastimável, atualmente restringindo-se a algumas áreas
isoladas no Sul do país. Produtores passaram a adotar práticas equivocadas e
consequentemente, houve o retorno das aplicações químicas indiscriminadas e/ou
calendarizadas na cultura com prejuízos socio-ambientais inestimáveis. Apesar das
crescentes populações de A. gemmatalis em cultivos de soja, principalmente nos
Cerrados, a adoção do Baculovírus continua insignificante, infelizmente, como qualquer
outra tática que não seja a química.

Um caso pertinente e mais recente foi o que ocorreu com a identificação da


Helicoverpa armigera no Brasil em 2013. Todos apostaram que as alternativas
biológicas iriam decolar novamente, principalmente em cultivos como a soja, algodão e
tomate. Sendo assim, empresas brasileiras e estrangeiras investiram principalmente no
uso de bioinseticidas para controle de lagartas, pois são muitos os relatos de sucesso
com a adoção de táticas biológicas, como os Baculovírus nos países de origem da H.
armigera. Entretanto, o que se viu, apesar de todos os esforços de divulgação sobre as
melhores táticas de manejo desta praga, foi um retrocesso ainda maior, pois passaram a
utilizar inseticidas químicos de forma indiscriminada, sempre com o pensamento de que
seriam as ferramentas mais viáveis para uma lagarta como a H. armigera.
O sobressalto provocado em 2013 pelas altas infestações com prejuízos
inestimáveis e até hoje mal contabilizados fez muitos pensarem que a adoção do MIP
propriamente dito seria impulsionada de forma generalizada nos cultivos brasileiros,
mas não foi bem assim. As alternativas biológicas, comportamentais, legislativas, entre
outras, ficaram novamente esquecidas. Afinal, para muitos os inseticidas químicos, seja
de origem lícita ou ilícita, bastavam e o que é pior alguns ainda se arriscaram a dizer
que a H. armigera não seria mais problema para o Brasil.

Outra praga que precisa de forma urgente ser abordada em um contexto amplo
em relação ao MIP é a Spodoptera frugiperda. Além de ser um problema sério em
gramíneas em geral e mais especificamente em milho, essa praga tem se tornado
frequente em outras culturas como algodão, soja, tomate, feijão, dentre outras. As
perspectivas futuras em relação à seriedade desta praga são assustadoras devido à sua
alta capacidade de adaptação e à rápida evolução de populações cada vez mais
resistentes, até mesmo a tecnologias de última geração como as cultivares que
expressam proteínas Bt. Neste alarmante contexto, a única alternativa viável e
sustentável será, sem sombra de dúvida, a adoção de programas de Manejo Integrado de
Pragas, tendo o controle biológico como uma ferramenta alicerce e indispensável.

Com certeza os inseticidas químicos não são e nunca serão a solução definitiva
para o controle de pragas. As ferramentas químicas precisam ser vistas apenas como
uma das várias ferramentas do Manejo Integrado de Pragas, pois para a boa convivência
com estas "super lagartas" é essencial a integração de várias táticas de controle. Da
mesma forma, o controle biológico não deve ser usado como uma prática isolada, sendo
imprescindível que seja inserido dentro de um programa de Manejo de pragas. Neste
sentido, o controle biológico deve ser utilizado de forma “contínua e integrada” a outras
táticas de controle usualmente adotadas pelos produtores. Para tal, deve ser de fácil
acesso, principalmente em relação à oferta e ao custo, duas questões historicamente
limitantes que estão aos poucos sendo superadas por empresas comprometidas com o
desenvolvimento e manufatura destes produtos.

Em suma, a adoção de táticas de controle biológico e, em particular, o uso de


bioinseticidas à base de Baculovírus para manejo de lagartas de grande importância
econômica - que crescem em seriedade e disponibilidade de uso a cada ano no Brasil -
representam uma possibilidade real de redução de custos de produção, pois além de
eficientes, são altamente complementares a outras formas de controle e reduzem
significativamente os riscos ambientais, podendo trazer grandes benefícios à agricultura
brasileira.

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