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Bioinsumos da cana

A cultura da cana-de-açúcar é de grande importância para a economia


brasileira e tem se expandido em diferentes regiões do país. Isso diminui as
barreiras naturais como a vegetação nativa, permitindo o aparecimento ou o
aumento de diferentes insetos-praga. O ideal é que se faça o manejo integrado
dessas pragas. E o controle biológico é um dos métodos que faz parte desse
manejo integrado. Ele consiste no controle de pragas por meio de inimigos
naturais, que podemos chamar de bioinsumos, para manter os níveis de
população dessas pragas em equilíbrio, sem dar prejuízos econômicos ao
produtor rural.
Felizmente, a cultura da cana-de-açúcar no Brasil é uma das que mais utiliza o
controle biológico. Atualmente, se emprega algum tipo de controle biológico de
praga em 4,5 milhões de hectares de cana. Na safra 2022/23, estão sendo
cultivados no Brasil 8,13 milhões de hectares com cana-de-açúcar. O estado
de São Paulo se destaca como o maior produtor seguido de Goiás e Minas
Gerais.
Existem vários insetos-praga que atacam a cana-de-açúcar. Dentre eles se
destacam as cigarrinhas da raiz-da-cana Mahanarva spp, o bicudo- da-
cana Sphenophorus levis e a broca-da-cana Diatraea saccharalis. Além
dessas, existe o ataque de formigas cortadeiras do gênero Atta (saúvas), que
também tem causado prejuízos aos canaviais.

O bioinsumo mais utilizado para o controle de cigarrinhas-da-cana é o


produzido à base do fungo Metarhizium anisopliae. Esse fungo já vem sendo
utilizado no Brasil desde a década de 1970. Com o passar do tempo, novas
cepas mais eficientes desse fungo foram selecionadas e produzidas em maior
escala além de uma evolução na formulação do bioinsumos e nas técnicas de
aplicação no campo.

A formulação mais antiga é a granulada, com o fungo desenvolvido nos grãos


de arroz. Ela pode ser aplicada com o auxílio do
equipamento Swatchmaster no avião agrícola. E também pode ser lavada para
separação dos esporos do fungo dos grãos e ser aplicada através de
pulverizadores tratorizados ou por meio de aviões agrícolas, com a adição de
um espalhante adesivo. A outra formulação é a do tipo pó molhável, que é
composta por esporos puros e secos misturados com algum inerte para dar
maior volume. Ela é misturada com água e também aplicada com o auxílio de
pulverizadores tratorizados ou de aviões agrícolas.

O bicudo-da-cana Sphenophorus levis é, atualmente, a principal praga da


cana, especialmente no estado de São Paulo. Ele age da seguinte forma: após
acasalamento, as fêmeas perfuram com as mandíbulas os tecidos sadios do
rizoma da cana, na base das brotações, abaixo do nível do solo. Inserem os
ovos individualmente a até quatro mm no interior dos colmos. Isso causa
perdas de 20-30 toneladas de cana por hectare/ano e redução da longevidade
do canavial. O nível de dano econômico é de no máximo 3% de tocos
atacados. Canaviais com mais de 30% de tocos atacados vão para a reforma
imediatamente. O bioinsumo mais utilizado para controle dessa praga é o
fungo Beauveria bassiana que pode ser adquirido em diferentes formulações e
aplicado com o equipamento tratorizado chamado de cortador de soqueira ou
com barras pulverizadoras com bicos hidráulicos em pingentes ao longo da
linha de cana.

Uma outra praga importante na cultura da cana-de-açúcar e a broca-da-


cana Diatraea saccharalis. Essa praga pode causar danos diretos e indiretos
no cultivo de cana-de-açúcar. Danos diretos: causa interferência no
crescimento de brotos e perfilhos, morte das gemas, tombamento das plantas,
secamento dos ponteiros (coração morto), formação de brotações laterais e
enraizamento aéreo. Os bioinsumos utilizados para o controle da broca-da-
cana são à base de vespinhas parasitas da broca ou parasitas de ovos da
mariposa de Diatraea saccharalis. A vespinha Cotesia flavipes é utilizada em
mais de 4.000.000 ha de canaviais no controle da broca-da-cana-de-açúcar,
onde parasita a fase de lagarta.

O monitoramento das mariposas de Diatraea saccharalis é feito com armadilha


de feromônio com fêmeas e pupas de fêmeas. As liberações da Cotesia devem
iniciar 21 dias após a detecção de 10 machos em 30% das armadilhas. São
três liberações espaçadas de sete dias em dose de oito tubetes/ha. Cada
tubete contém 15 massas com 50 indivíduos, dando um total de 750 vespinhas
por tubete, ou 6.000 vespinhas/ha.

Já a vespinha Trichogramma galloi é parasita de ovos da mariposa de Diatraea


saccharalis. O monitoramento da mariposa também é realizado com armadilha
de feromônio com fêmeas e pupas de fêmeas As liberações devem iniciar
quando forem detectados 10 machos em 30% das armadilhas. São três
liberações espaçadas de sete dias (a primeira após cinco dias da leitura da
armadilha) e a dose é de 50.000 indivíduos por hectare. A liberação dessas
duas vespinhas no canavial é feita atualmente através de drones, que fazem
uma distribuição mais eficiente desse tipo de bioinsumo no campo.

Novo bioinsumo - as formigas-cortadeiras ou formigas-cultivadoras-de-fungos


representam um dos grupos mais evoluídos de insetos do mundo. A vida em
grandes colônias (formigueiros), onde cultivam e se alimentam de um fungo
mutualista que se desenvolve nos mais diversos substratos vegetais, confere a
esses insetos polifagia, proteção e disponibilidade de alimento o ano todo.
Essas formigas ocorrem em todo o continente americano, especialmente em
áreas tropicais e subtropicais, o que inclui todo o território brasileiro. Na cultura
da cana-de-açúcar, um sauveiro adulto pode provocar perda de 3,2 ton de
cana/ha. Em pastagens, no Cerrado 10 sauveiros de cinco anos de idade,
ocupam uma área de 715 metros quadrados e consomem cerca de 21 Kg de
capim por dia, o que equivale ao consumo de um boi.
Em função da importância das formigas-cortadeiras, diversos métodos de
controle têm sido desenvolvidos, incluindo a utilização de iscas tóxicas, da
termonebulização e de pós-secos. As iscas tóxicas são as mais utilizadas
devido à sua praticidade onde as próprias formigas carregam substratos
tóxicos para o interior do formigueiro. O principal problema do emprego de
iscas químicas relaciona-se à contaminação dos aplicadores e de resíduos que
podem persistir no ambiente por muitos anos, contaminar lençóis freáticos e
serem assimilados por plantas cultivadas, animais e até pelo próprio homem.

Em função dessa realidade e, não havendo no mercado brasileiro qualquer isca


verdadeiramente biológica para controle de formigas-cortadeiras, a Embrapa
Cerrados decidiu investir em pesquisas em busca de uma alternativa biológica
eficiente, para o controle de saúvas na cana-de-açúcar. O processo utilizado
para desenvolver as iscas biológicas envolve uma linha de produção das
massas de iscas no formato final de utilização e uma linha de produção de
esporos de fungos altamente virulentos que serão incorporados às iscas já
mencionadas.

Soja
Bacillus thuringiensis foi descoberta no Japão em 1901 por S. Ishiwatta em lagartas de
Bombyx mori .
Modo de ação
Bacillus thuringiensis é conhecida pela produção de múltiplos fatores de virulência,
entre os quais, proteínas inseticidas Cry são os principais responsáveis pela letalidade.
Essas proteínas são sintetizadas e armazenadas durante a esporulação dentro de um
cristal parasporal, característica que distingue Bt de outros Bacillus spp. (Figura 1).
As proteínas Cry são tóxicas para Lepidoptera, Coleoptera e Diptera. Outros tipos de
toxinas, denominadas Vip (“Vegetative Insecticidal Protein”), são produzidas e
secretadas pelo Bt durante a sua fase vegetativa. As toxinas Cry e Vip são nomeadas e
classificadas de acordo com a similaridade da sequência de proteínas (Glare et al.,
2017). Aproximadamente 820 genes cry (cry1-cry78) e 147 vip (vip1, 2 e 3) foram
detectados e caracterizados de diferentes subespécies de Bt em todo o mundo
(Crickmore et al., 2021). Uma vez que as proteínas agem no intestino médio do inseto
hospedeiro, o Bt precisa ser ingerido para matar a lagarta. Após a ingestão, as
protoxinas são solubilizadas a partir do cristal e processadas por 364 Bioinsumos na
cultura da soja enzimas proteolíticas do intestino do hospedeiro, pelas quais a toxina
ativa é produzida. Posteriormente, a toxina ativada se liga a um ou vários receptores na
superfície das células epiteliais que revestem o intestino do inseto. O domínio I está
envolvido na oligomerização e formação de poros, enquanto os domínios II e III estão
envolvidos na ligação ao receptor (Figura 2) (Bravoet al., 2007; Pardo-Lopez et al.,
2013; De Maagd, 2015).
Bioinsumos a base de Bacillus thuringiensis disponíveis para o controle de pragas na
cultura da soja no Brasil As cepas Bacillus thuringiensis israelenses, Bacillus
thuringiensis aizawai e Bacillus thuringiensis kurstaki são as de maior interesse e,
consequentemente, as que deram origem a grande maioria dos produtos até o momento
(Bravo et al., 2011; Polanczyk et al., 2017; Mapa, 2022). Embora a toxicidade de Bt
tenha sido demonstrada para diversos grupos de pragas (Fiuza et al., 2017), os produtos
registrados até o momento no Brasil concentram-se apenas no controle de Lagartas de
lepidópteros (Figura 3). Até então,

Figura 2. Modo de ação de bioinseticida Bt

Bt bioinseticidas estão registrados para o controle de 36 espécies em diferentes culturas;


a lagarta-falsamedideira Chrysodeixis includens; lagarta-do-algodão, Helicoverpa
armigera; bicho-furão, Ecdytolopha aurantiana; lagarta-militar, Spodoptera frugiperda e
lagarta-da-soja, Anticarsia gemmatalis, são as que possuem maior número de produtos
registrados (Figura 3), das quais apenas o bicho-furão, não é praga da cultura da soja, o
que reflete a importância desses bioinsumos para a cultura no Brasil. No total, oito
pragas da soja possuem pelo menos um bioinseticida a base de Bt registrado para o seu
controle.

Bacillus thuringiensis kurstaki é a subespécie considerada de maior importância, pois


está presente na grande maioria dos Bt bioinseticidas (Polanczyk et al., 2017). A
importância dessa subespécie é principalmente devido a expressão das proteínas
inseticidas Cry1Aa, Cry1Ab, Cry1Ac, Cry2Aa, consideradas de alta toxicidade para
lepidópteros (Bravo et al., 2011; Rao; Jurat-Fuentes, 2020). De forma semelhante,
Bacillus thuringiensis aizawai também é bastante utilizado no controle de insetos desse
grupo, especialmente Spodoptera spp., expressando as proteínas Cry1Aa, Cry1Ab,
Cry1C e Cry1D (Bravo et al., 2011; Rao; Jurat-Fuentes, 2020). Somente três
subespécies de Bt possuem registro no ministério da agricultura (MAPA), são elas:
Bacillus thuringiensis kurstaki (Btk), Bacillus thuringiensis aizawai (Bta) e Bacillus
thuringiensis tolworthi (Btt). Dentre essas, a maioria dos produtos são compostos por
Btk (89,0%), seguido por Bta (7,8%) e Btt, esse último com apenas um registro (0,4%).
Há também produtos que possuem combinação de Btk e Bta (1,2%), e produtos cujo a
subespécie não é especificada (1,6%) (Mapa, 2022), esse cenário se mantem semelhante
quando restringido a somente pragas da soja (Figura 4). O mercado de Bt abrange 15
empresas, que detêm o registro de 33 produtos, variando em subespécie, cepa, alvos e
formulação do produto. Em soja, cerca de 48% dos Bt bioinseticidas são
comercializados na formulação suspensão concentrada (SC), seguido de pó molhável
(WP; 28%), concentrado emulsionável (EC; 11%), grânulos dispersíveis em água (WG;
10%) e dispersão em óleo (OD; 3%) (Tabela 1)
Estratégias para o uso de bioinseticidas a base de Bt para o controle de pragas na soja
Os bioinseticidas a base de Bt são ambientalmente seguros e suas formulações são
rapidamente degradadas e não deixam resíduos. Eles são altamente específicos quanto
ao modo de ação e apresentam baixo ou nenhum efeito em organismos não alvos, como
inimigos naturais, outros animais e humanos. Dada a sua baixa toxicidade, estes
bioinsumos permitem maior flexibilidade ao tempo de colheita e de reentrada de
pessoas na lavoura. O avanço da pesquisa e tecnologia tem possibilitado aos Bt
bioinseticidas maior eficácia no controle de pragas. Diversos estudos demonstram que a
eficiência destes bioinsumos pode ser comparada à dos inseticidas químicos sintéticos e
podem, potencialmente, ser mais eficazes a longo prazo (Kalha et al., 2014; Melo et al.,
2016; Li et al., 2017). A maioria dos bioinsumos também estão isentos das tolerâncias
convencionais de resíduos químicos em produtos agrícolas definidos por agências
governamentais, o que permite aos produtores exportarem para mercados mais amplos e
exigentes (Marrone, 2014). Apesar das inúmeras vantagens, os estudos no
desenvolvimento de produtos à base de Bt buscam aperfeiçoar entraves no seu uso,
dentre eles a baixa persistência em campo, devido a ação da temperatura e radiação UV,
além de problemas associados a compatibilidade de Bt bioinseticidas com inseticidas
químicos na mistura em tanque (Glare et al., 2012). A baixa persistência de
bioinseticidas Bt é reportada desde o início do uso de forma comercial na década 1960
até os dias atuais (Cantwell; Franklin, 1966; Pinnock et al., 1971; Pinnock et al. 1974;
Glare et al., 2012), em diversas culturas como soja (Ignoffo et al., 1974; Nascimento,
2019), milho (Lynch, 1980) e algodão (Beegle, 1981). Nascimento (2019), observou
que a persistência do Dipel PM foi de três dias, com controle efetivo de A. gemmatalis
(~80%). A persistência reduzida de Bt bioinseticidas pode implicar em menor intervalo
entre aplicações, o que acarreta o aumento do custo de produção. Diante disso, o
emprego de novas tecnologias são fundamentais para descoberta de formulações com
maior persistência.
Manejo de populações de insetos resistentes Nos últimos anos a evolução da resistência
em cultivos Bt vem sendo amplamente estudada, devido a ameaça da sustentabilidade
da tecnologia Bt a longo prazo. A resistência é um processo natural em consequência da
evolução, em que indivíduos de uma população da praga-alvo podem ser capazes de
sobreviver a exposição inicial a uma planta Bt com expressão de proteína inseticida que
teoricamente deveria matá-los, e esta sobrevivência pode ser devido a características
genéticas (Bernardi et al. 2016). Outro ponto, é capacidade de que os indivíduos têm de
passar essa característica para os seus descendentes (Martinelli et al. 2017). No Brasil,
algumas pragas-alvo das tecnologias Bt, S. frugiperda, C. includens e H. armigera,
também são apontadas como as espécies que apresentam maior risco de evolução da
resistência em campo, em função de características bioecológicas e histórico de
evolução de resistência de proteínas Bt em outros países e no Brasil (Bernardi et al.
2016). Os Bt bioinseticidas podem ser empregados como ferramenta para o manejo da
resistência de pragas a insetos, principalmente inseticidas químicos, uma vez que a
maioria dos inseticidas químicos atuam em único local de ação, atacando uma via
metabólica ou processo fisiológico da praga (Souza et al., 2019). A aplicação de forma
sequencial de inseticidas químicos, pode acarretar a rápida seleção de populações
resistentes (Marrone 2019). Em um cenário de produção de soja cuidados para que isso
não ocorra são importantes, principalmente devido à alta pressão de pragas que ocorrem
na cultura, além dos inúmeros relatos de resistência reportados no mundo de espécies de
pragas que ocorrem na cultura da soja (APRD, 2021). Neste cenário, o uso de Bt
bioinseticidas se destaca como importante ferramenta para manejar populações
resistentes, uma vez que Bt bioinseticidas são complexos e atuam em diferentes locais
na fisiologia do inseto para causar a morte no inseto (Souza et al., 2019). Em
formulações comerciais de Bt bioinseticidas, além dos inertes temos o cristal proteico e
o esporo, e ambos desempenham papeis importantes na mortalidade do inseto. A toxina
será responsável pela formação de poros na membrana do intestino, e acarreta a perda
da seletividade, que entra em contato com o esporo (bactéria) que, por sua vez, encontra
a hemolinfa rica em nutrientes e multiplicam-se, causando a septicemia no inseto (De
Bortoli; Jurat-Fuentes, 2019). Devido ao complexo mecanismo envolvido na
mortalidade de pragas, bioinseticidas Bt tem menos probabilidade de selecionar a
populações resistente. Existe somente um relato de resistência de insetos a a Bt
bioinseticidas em campo, apesar do seu uso ter aproximadamente 50 anos de
comercialização (Jiang et al., 2015; Wang et al., 2021). No cultivo de soja transgênica
no Brasil, os primeiros indícios de resistência foram observados em campo na safra
2020/21 com Rachiplusia nu e Crocidosema aporema e os Bt bioinseticidas podem ser
usados ainda na cultura para controlar pragas que não são alvo da tecnologia, como por
exemplo o complexo de lagartas do gênero Spodoptera (S. frugiperda, S. eridania e S.
cosmioides) ou também para espécies que a tecnologia Intacta® apresenta supressão
como lagartas do gênero Helicoverpa. Em programas de MIP, o uso de bioinsumos a
base de bactérias tem sido recomendada em rotação com produtos químicos e em
conjunto com plantas Bt como estratégia de manejo de resistência de insetos (Marrone,
2014; Souza et al., 2019; Rao; Jurat-Fuentes, 2020). Além de ser uma importante
Manejo de pragas com bactérias entomopatogênicas 371 ferramenta para manejar
populações resistentes a inseticidas químicos, nos últimos anos os pesquisadores
buscam alternativas para manejar populações resistentes a cultivos Bt, e alguns
trabalhos mostram que Bt bioinseticidas podem ser utilizados para manejar essas
populações devido à ausência de resistência cruzada entre proteínas inseticidas Bt em
plantas geneticamente modificadas e aquelas presentes nos Bt bioinseticidas (Jakka et
al., 2014, Horikoshi et al., 2019). Diante disso, aplicação de Bt bioinseticidas em área
cultivada com plantas Bt pode ser realizada sem restrição, bem como em áreas de
refúgio. Além disso, estudos demonstram que os bioinsumos podem apresentar
sinergismo com inseticidas químicos e resultar no controle mais eficiente de pragas
(Marrone, 2014). Embora bastante promissor e vantajoso, diversos estudos demonstram
resultados variáveis no uso combinado de produtos químicos e bioinseticidas e que
efeitos aditivos ou sinérgicos são dependentes da compatibilidade entre os produtos
(Sain et al., 2019; Gonçalves, 2020). Além disso, como resultado do uso crescente de
bioinseticidas, tem sido observado reduções nas aplicações com inseticidas em cultivos.
Perspectivas para o uso de bactérias no controle de insetos sugadores
Bacillus thuringiensis é reconhecida pelo alto grau de especificidade de seus
hospedeiros e, inicialmente, era caracterizada com toxicidade de subespécie ou cepa
restrita à determinada ordem de insetos, especificamente Lepidoptera (subsp. kurstaki,
aizawai), Coleoptera (tenebrionis), ou Diptera (israelensis). Posteriormente, a
associação entre a gama de hospedeiros e a presença de cristais proteicos foi definida e
o avanço nas pesquisas permitiu o reconhecimento de famílias de toxinas com forte
afinidade para Lepidoptera (Cry1), Coleoptera (Cry3), Diptera (Cry4), ou Lepidoptera e
Diptera (Cry2). Embora demonstre alta eficiência contra espécies dessas ordens, a
atividade inseticida de diversas proteínas de Bt têm sido observadas em outras ordens
como Hemiptera, Hymenoptera e Ortoptera, além de outros organismos como
nematoides, ácaros e protozoários (Bravo et al., 2017; Van Frankenhuyzen, 2017). Entre
os insetos sugadores, a toxicidade de Bt foi reportada para algumas espécies de pulgões,
percevejos, cigarrinhas e cochonilhas, embora a atividade inseticida observada nesses
estudos tenha sido baixa à moderada (Porcar et al., 2009; Li et al., 2011; Baum et al.,
2012; Van Frankenhuyzen, 2017). Entretanto, algumas proteínas de Bt demonstram alta
toxicidade para as cigarrinhas Laodelphax striatellus (Cry78Aa¸ Cry78Ba1, Cry64Ba e
Cry64Ca), Sogatella furcifera (Cry64Ba e Cry64Ca), Nilaparvata lugens (Cry78Aa) e
para o pulgão Aphis gossypii (Vip1A/Vip2A) (Sattar; Maiti, 2011; Liu et al., 2018;
Wang et al., 2018; Cao et al., 2020). Resultados promissores foram observados para
algumas cepas de Bt que ocasionaram efeito tóxico para o percevejo marrom Euschistus
heros, praga chave na cultura da soja. O efeito combinado das cepas MTox 126-6
(Proteínas Cry 2) e MTox 3146-4 (Proteínas Cry9) ocasionou alta mortalidade de ninfas
de segundo ínstar de E. heros (Schünemann et al., 2018). Outra bactéria,
Chromobacterium subtsugae tem sido investigada para o controle de sugadores
importantes que ocorrem na soja, como o percevejo verde Nezara viridula e a mosca
branca Bemisia tabaci. Assim como Bt, as toxinas produzidas por C. subtsugae também
podem ser utilizadas sem a bactéria viva, característica desejável para o
desenvolvimento de produtos comerciais (Martin et al., 2007; Lacey, 2017.
Considerações finais
Apesar de nos últimos anos a taxa de uso de bioinseticidas ter aumentado
significativamente, ainda são necessários muitos estudos, principalmente no segmento
de tecnologia de aplicação bem como a influência de fatores ambientais em sistemas de
cultivos tropicais sobre a eficiência de Bt bioinseticidas. Além de estudos voltados para
a compatibilidade e seu uso para manejo de resistência, se faz necessário a padronização
de metodologias para avaliar a compatibilidade com outros produtos utilizados no
sistema produtivo da soja, sejam eles inseticidas, fungicidas, herbicidas, adjuvantes e
outros. Além disso, a pesquisa de bioinseticidas Bt que tenham efeito para sugadores
vêm ganhando atenção nos últimos anos, devido aos grandes impactos que insetos
sugadores vêm causando em diversas culturas, inclusive na soja. Importante ressaltar
que o panorama para bioinsumos na cultura da soja é excelente, visto a crescente
utilização desses produtos por parte dos agricultores.

Introdução Um avanço considerável no uso de bioinseticidas à base de vírus para a cultura da


soja está relacionado à crescente preocupação da humanidade com a poluição ambiental e o
prejuízo à saúde humana causados pelo uso intensivo de inseticidas químicos. Vírus de insetos
são importantes fontes de controle biológico para várias culturas, com especial atenção para o
controle de lagartas desfolhadoras na soja (Moscardi, 1999). Vários grupos taxonômicos de
vírus são potenciais candidatos para o desenvolvimento de princípios ativos contra insetos-
pragas da cultura como é o caso dos baculovírus, cipovírus, iflavírus, discistrovírus e
entomopoxvírus. Entretanto, a maior parte das pesquisas, bem como, o desenvolvimento de
produtos limita-se ao uso de baculovírus, um grupo de vírus de insetos historicamente
consolidado na agricultura e essencial para o sucesso da cultura da soja, principalmente em
situações nas quais a abordagem de controle químico ou o uso de plantas transgênicas
apresenta dificuldades. Dessa forma, os baculovírus surgem como ferramentas essenciais para
o manejo integrado de pragas (MIP), para o manejo de resistência de insetos (MRI) e como um
pilar fundamental à sustentação da cultura orgânica. No campo, produtos baseados em
baculovírus podem ser usados sozinhos ou combinados com outras ferramentas de controle
químico ou biológico de modo a construir interações aditivas e sinergísticas para controle
populacional da praga. Assim, este capítulo terá foco no uso de baculovírus para o controle de
insetos praga da soja e o desenvolvimento de produtos associados já disponíveis ou em
consolidação. Além disso, o capítulo trará a luz outros grupos de vírus-candidatos (como é o
caso de vírus geneticamente modificados) para o desenvolvimento de novos produtos e
diversificação de estratégias de combate baseadas em vírus entomopatogênicos. A família
Baculoviridae como agente de controle microbiano de insetos Baculovírus são os vírus de
insetos mais estudados no mundo e consolidados para uso como agentes de controle de
insetos-praga e na expressão de proteínas com aplicações clínicas e farmacêuticas para
humanos (Tsai et al., 2019). Talvez a grande vantagem social do uso de baculovírus como
controladoresbiológicos é o fato de que estes microrganismos são considerados agentes
seguros tanto para humanos quanto para animais vertebrados não-humanos e invertebrados.
Associados a isso, os baculovírus podem ser produzidos em larga escala e, devido a sua
virulência são letais para a maioria dos seus hospedeiros, podem ser acondicionados em
formulações comerciais e usados em diversas culturas. Este uso pode levar a uma consequente
redução na utilização de inseticidas químicos, sendo assim introduzidos como alternativa eficaz
nos programas de manejo integrado de pragas, assim como de manejo da resistência. Muitos
biopesticidas cujo princípio ativo é baseado em baculovírus têm surgido no mercado de
diversos países e, no Brasil, este mercado tem ganhado espaço crescente nas culturas da soja e
do algodão. Entretanto, a necessidade de um maior número de agentes de extensão treinados
e com os conhecimentos que demandem sua utilização pode ser um gargalo importante para a
expansão do uso de baculovírus no campo. Baculovírus já são ferramentas consolidadas e
amplamente utilizadas como agentes de controle biológico de insetos-praga da agricultura,
com especial atenção para insetos que atacam a soja (Moscardi, 1999). Os baculovírus
associados ao controle biológico, na cultura da soja, do nucleopoliedrovírus de Anticarsia
gemmatalis são agrupados em nucleopoliedrovírus (NPVs, gênero Alphabaculovirus) e
granulovírus (GV, gênero Betabaculovirus), conforme a morfologia de seus corpos de oclusão
(do inglês OB, “occlusion bodies”): NPVs apresentam OBs poliédricos denominados de
poliedros (Figura 1) e GVs apresentam OBs granulares denominados de grânulos (Figura 2)
(Sosa-Gómez et al., 2020). Entretanto, atualmente a taxonomia e nomenclatura dos vírus está
em processo profundo de revisão que pode levar a mudanças drásticas de seus
posicionamentos taxonômicos e suas denominações científicas (https://talk.ictvonline.org/).
Os OBs são estruturas proteicas cristalinas que protegem as partículas virais infecciosas de
condições adversas no ambiente como dissecação, temperatura, variação de pH e radiação
solar. Estas mesmas estruturas correspondem ao princípio ativo dos formulados aplicados em
diversas culturas. As doses aplicadas correspondem a centenas de bilhões de OBs por hectare,
que distribuídos sobre as superfícies vegetais, quando ingeridos iniciam o processo infeccioso
reduzindo as populações de lagartas.

Modo de ação dos baculovírus Quando ocorre a ingestão dos OBs junto do alimento, a matriz
cristalina que forma o poliedro ou grânulo se dissolve devido ao pH alcalino do suco digestivo
do inseto, liberando assim, as partículas virais denominadas de vírus derivado de oclusão (do
inglês ODV, “occlusion derived virus”) (Figuras 1 e 2). Os ODVs atravessam a membrana
peritrófica e atingem as células de revestimento do intestino médio da lagarta, onde realizam a
fusão do envelope do vírus com a membrana das microvilosidades celulares (Figura 3). A
infecção viral primária ocorre no núcleo da célula e rapidamente produz um segundo tipo viral,
o vírus brotado ou extracelular (do inglês BV, “budded virus”) que é responsável pela
disseminação da infecção secundária nos tecidos do inseto. Assim, o BV escapa das células do
intestino médio e circula pelo corpo do inseto infectando outros tecidos susceptíveis como
células do sistema traqueal, hemócitos (Figura 4) e tecido adiposo (Figura 5) (Grzywacz, 2017;
Sosa-Gómez et al., 2020). Após a produção massiva de BVs, ocorre uma transição para
produção de ODVs que serão acondicionados dentro dos OBs, encerrando o ciclo infectivo do
vírus. OBs se acumulam no núcleo das células infectadas que sofrem morte celular e lise e
geram consequências morfofisiológicas e comportamentais marcantes no inseto infectado
como, por exemplo, a perda de apetite, a movimentação afetada e a descoloração do
tegumento. Em estágios avançados da doença, os OBs são liberados na hemolinfa e as larvas
ficam murchas, letárgicas e apresentam o comportamento fototrófico positivo com a
tendencia de subir para o topo da planta (“tree top disease”) antes da morte (Figura 6). Em
cinco dias a três semanas após os primeiros sinais de infecção, ocorre a morte do hospedeiro,
rompimento da cutícula da larva, liberação dos OBs no ambiente, os quais retornam ao solo ou
permanecem aderidos sobre a superfície das folhas possibilitando a infecção de outras lagartas
(transmissão horizontal).

Figura 3. Ciclo infeccioso de um baculovírus usado na soja. O produto a base de baculovírus


(NPV ou GV) é pulverizado na plantação no final da tarde ou antes do início da manhã, para
evitar exposição aos raios UV. A formulação cai sobre a superfície foliar e contém os corpos de
oclusão (OBs) que são o princípio ativo do bioinseticida. Os OBs podem ter formato poliédricos
(NPV) ou granular (GV) e consistuem a estratégia natural do próprio vírus para proteger as
partículas infectivas, que recebem o nome de vírion. (1) Os OBs são ingeridos pela lagarta
junto ao alimento. (2) Num corte longitudinal, o trato digestório da lagarta é dividido em
intestino próximal (IP), médio (IM) e distal (ID). O IM apresenta uma camada protetora
chamada de membrana peritrófica (MP) que protege o epitélio do órgão de substratos muito
rígidos, lumen endoperitrófico (LEn), lumen ectoperitrófico (LEc), epitelio do intestino (EI)e
corpo gorduroso (CG). (3) O esquema apresenta um recorte da região onde ocorrerá a infecção
propriamente dita. Quando OB atinge o IM, o conteúdo digestivo é alcalino e dissolve o OB
para a liberação dos vírions. Os vírions atravessam a MP, se fusionam à membrana das
microvilosidades das células do epitélio do intestino (CEI), iniciando a infecção. (4) O vírus no
núcleo celular (NC) onde replica e produz novos vírions. (5) Os novos vírions escapam da célula
do intestino e espalham a infecção pelo corpo do inseto hospedeiro. (6) Os vírus infectam
outras células (OC) do hospedeiro que incluem células do sistema traqueal, células da
hemolinfa, miócitos e adipócitos. (7) As células infectadas produzem mais vírus que
intensificam o espalhamento da infecção. Conforme a infecção progride, as células infectadas
produzem centenas de novos OBs, morrem e sofre lise liberando seus conteúdos. O inseto
infectado morre, tornando-se um saco de OBs que são liberados no ambiente quando ocorre
rompimento do tegumento do hospedeiro.

Considerações finais

Diversas espécies da família Baculoviridae são importantes agentes de controle microbiano. A


expansão do seu uso está atrelada ao reconhecimento do seu potencial controle, facilidade de
criação de seus hospedeiros e importância econômica da praga alvo. O treinamento adequado
dos agentes de extensão e o comprometimento na preservação de parasitoides e predadores
de ocorrência natural das pragas. Sua característica de elevada seletividade os torna
coadjuvantes no processo de regulação da densidade de insetos praga, complementada por
outros inimigos naturais. Desde a detecção da ocorrência de H. armigera em 2013, o uso desse
grupo de entomopatógenos tem crescido exponencialmente. Atualmente no Brasil, constam
diversos produtos cujos ingredientes ativos são baculovírus (AcMNPV, AgMNPV, ChinNPV,
HearNPV, SfMNPV) e outros utilizados artesanalmente, como os baculovírus de Erinnyis ello,
Condylorrhiza vestigialis, e vírus de outros grupos infectando Opsiphanes invirae e Sibine sp.
Portanto, existe demanda por produtos à base de vírus, como por exemplo para o controle de
pragas que atualmente ocorrem com maior prevalência como a falsa medideira, Rachiplusia
nu, e a broca dos ponteiros, Croscidosema aporema, cujas viroses são conhecidas e
apresentam potencial de utilização.

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