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EDITORAS MEDWIN
Jornal Internacional de Ciências Forenses
ISSN: 2573-1734
Comprometidos em Criar Valor para os Pesquisadores
Abstrato
Introdução: As mortes por causas externas, principalmente os homicídios, constituem um grave problema de saúde pública no Brasil. Há evidências de
que a tendência ao comportamento impulsivo e/ou violento é exacerbada após o consumo de álcool. De resto, a relação entre álcool e mortes violentas é
descrita na literatura médica sem muita precisão.
Objetivo: Analisar a relação entre alcoolemia de vítimas e homicídios, na microrregião formada por alguns municípios da Grande São Paulo.
Métodos: Revisamos retrospectivamente os dados dos prontuários de 805 necropsias realizadas no Instituto Médico Legal de São Paulo (IML-SP) em
Franco da Rocha, Brasil, de 2001 a 2017. Estatísticas descritivas foram calculadas para avaliar o status do teste BAC entre os falecidos em geral. As
variáveis estudadas foram sexo, idade, tipo de morte e nível de alcoolemia (TAS).
Resultados: Dos 230 indivíduos analisados, 200 (86,9%) eram do sexo masculino e 30 (13,04%) do sexo feminino. A faixa etária mais prevalente para o
sexo masculino foi entre 18 e 23 anos (19,5%). Para o grupo de mulheres foi entre 12 e 23 anos (33,2%). A grande maioria dos homicídios (n = 162,
70,4%) foi por arma de fogo, seguido por força cortante e trauma contundente (13% cada um). Dos 230 casos de vítimas de homicídio analisados, 205
(89,1%) apresentaram alcoolemia positiva (TAS), ou seja, acima de 0,3 mg/dl. No grupo de vítimas de homicídio por arma de fogo, 57 (24,7%) delas
apresentaram valor mediano de TAS de 1,3 mg/ml.
Discussão e Conclusões: Os resultados deste estudo indicam que a intoxicação alcoólica foi comum em vítimas de homicídio em Franco da Rocha no
período de 2001-2017. Também confirma algumas descobertas de outros pesquisadores que ligam o álcool no sangue e as mortes por causas não
naturais. Nosso estudo mostrou que a maioria das vítimas são adultos jovens, e a maioria delas estava sob o efeito do álcool quando foram assassinadas.
Assim, o fato de as vítimas estarem embriagadas pode contribuir para o desfecho fatal, em casos de homicídio. Esta abordagem por si só não pode
estabelecer que o consumo de álcool é um fator de risco para se tornar uma vítima de homicídio e mais estudos são necessários para uma melhor
compreensão do efeito do álcool em vítimas de homicídio.
Abreviaturas: BAC: Concentração de Álcool no Sangue; IML no país [1]. Por outro lado, o homicídio é o crime mais grave cometido
SP: Instituto Médico Legal de São Paulo contra uma pessoa e abrange todos os modos de morte violenta [2]. Além
disso, há evidências de que a tendência ao comportamento impulsivo e/
Introdução ou violento é exacerbada após o consumo de álcool. Conforme afirmado
por Greene N. et al. [3] “evidências científicas mostraram que políticas
As mortes por causas externas são um grave problema de saúde eficazes de álcool em nível populacional não são apenas
pública no Brasil - sendo a terceira causa de mortalidade
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associado com reduções no uso excessivo de álcool, mas também diminui evento fatal [9]. Welte, et al. [10], investigando 792 homicídios ocorridos
nos danos relacionados ao álcool, como a violência”. em Nova York no período de 1972 a 1984, concluíram que em alguns
casos o álcool pode ser o fator causal desse tipo de morte.
Além disso, os países com políticas que reduzem o preço do álcool
ou os dias/horas de vendas tendem a ter menos homicídios atribuíveis ao
álcool, independentemente do seu nível de renda. As taxas de homicídios Entretanto, não há muitos estudos recentes relacionando consumo
atribuíveis ao álcool são mais altas em países de baixa e média renda [3], de álcool e vítimas de homicídio. Kuhns, e outros. [11] meta-analisou 61
como no Brasil. estudos independentes de 57 manuscritos publicados que relatam
resultados de testes toxicológicos de álcool para vítimas de homicídio, em
De resto, a relação entre álcool e mortes violentas é descrita na 2010. Os autores descobriram que “em média, 48% das vítimas de
literatura médica sem muita precisão. Por esta razão, alguns autores homicídio testaram positivo para álcool e 33% (usando o limiar de 0,08)
acreditam que o papel do “álcool como fator relevante em casos de morte ou 35% (usando o limiar de 0,10) foram considerados intoxicados”. Os
súbita ou inesperada ou não natural parece estar subestimado” [4]. autores também mostram que “estudos de populações na cidade de Nova
York relatam que entre 30% e 40% das vítimas de homicídio testaram
positivo para a presença de álcool”.
Por exemplo, Branas, et al. [5] afirmam que o uso indevido de uma
arma de fogo é um fator necessário na gênese da violência, mas “o álcool Naimi, et al. [12], em um extenso estudo realizado nos Estados
é um desses fatores modificáveis” e “um grande grupo de estudos mostrou Unidos, relatou que “Entre todas as vítimas de homicídio, 39,9% tinham
que mais de um terço dos falecidos com armas de fogo tiveram consumiram uma concentração positiva de álcool no sangue (TAS), incluindo 13,7%
álcool e mais de um quarto havia consumido álcool pesadamente antes de com um TAS entre 0,01%–0,79% e 26,2% de vítimas com TAS ÿ0,08%.
morrer”. Os homens eram duas vezes mais propensos do que as mulheres a ter
um BAC ÿ0,08% (29,1% vs. 15,2%; p <0,001).”
Miziara ID e Galego Miziara CSM. Vítimas de Homicídios e Consumo Relacionado ao Álcool no Brasil. Int J Forens Sci Copyright© Miziara ID e Galego Miziara CSM.
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aumenta o risco de vitimização por homicídio e explora variações nas cuja autópsia mostrou morte por causas naturais ou outras formas de
relações de vitimização por álcool e homicídio em diferentes populações, mortes violentas. Apenas 230 casos de homicídio foram incluídos no
ambientes, horários e circunstâncias do evento de homicídio”. estudo.
Sexo
Masculino (n= 200 86,9%) Feminino (n= 30 13,04%) P Total (n= 320)
Faixa etária (anos)
0a4 10 (5%) 3 2 (6,6%) 2 12 (5,2%) 5
5 a 11 (1,5%) 28 (6,6%) 5 0,02 (2,1%) 33
12h17 (14%) 39 (16,6%) 5 (14,3%) 44
18 a 23 (19,5%) 24 (16,6%) 4 (19,1%) 28
24 a 29 (12%) 25 (13,3%) 6 (12,1%) 31
30 a 39 (12,5%) 22 (20%) 2 (13,4%) 24
40 a 49 (11%) 27 (6,6%) 3 (10,4%) 30
50 a 59 (13,5%) 22 (10) %) 1 (13%) 23
60 ou mais ( 11%) (3,3%) (10%)
Dos 230 indivíduos analisados, 200 (86,9%) eram do sexo 12 e 23 anos (33,2%).
masculino e 30 (13,04%) do sexo feminino. Dividimos os indivíduos em
grupos de diferentes idades, para facilitar a análise. A Tabela 2 mostra a prevalência das diferentes causas de morte
de acordo com o mecanismo de trauma. A grande maioria dos homicídios
A faixa etária mais prevalente para o sexo masculino foi entre 18 e (n = 162, 70,4%) foi por arma de fogo, seguido por força cortante e
23 anos (19,5%). Para o grupo de mulheres foi entre trauma contundente (13% cada um).
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Homicídio
Dos 230 casos de vítimas de homicídio analisados, 205 (89,1%) por arma de fogo, 57 (24,7%) deles apresentaram um valor mediano de TAS
apresentaram alcoolemia positiva (TAS), ou seja, acima de 0,3 mg/dl. No de 1,3 mg/ml conforme demonstrado na (Tabela 3).
grupo das vítimas de homicídio
Causa N (%) Número de Casos BAC positivo (>0,3 mg/ml) em% BAC positivo (mg/ml)†
Homicídio
O primeiro tópico que confirmamos foi em relação ao sexo dos Muitas outras investigações anteriores, em outros ambientes ou
indivíduos envolvidos. Em nossa série, em todas as faixas etárias houve países, demonstraram que a intoxicação alcoólica é comum entre vítimas
predomínio do sexo masculino, com significância estatística. Em geral, são de homicídio, mas nosso estudo tem algumas características únicas, no
adultos jovens (18 a 49 anos). O fato de as mulheres serem menos afetadas cenário brasileiro: ocorreu em uma comunidade definida, cultural e
pela influência do álcool, em nossa amostra, também revela uma etnicamente heterogênea, durante um período de tempo extenso (16 anos).
característica cultural da sociedade brasileira em que, tradicionalmente, as É importante ressaltar, que a microrregião onde foi feito nosso estudo,
mulheres bebem menos (e têm menos resistência aos efeitos do álcool) do possui uma população muito pobre, e a condição socioeconômica dessa
que os homens. população implica em poder econômico reduzido o que significa poucas
possibilidades de diversão. Resta a essa população frequentar bares e
fazer uso rotineiro de álcool, o que implica violências e homicídios
Nossos dados mostram números piores do que Kuhns e Edwards frequentes, tornando-se agressores ou vítimas.
apresentaram em sua coorte, em Trinidad, et al. [15]. Enquanto em nossa
coorte tivemos 89,1% das vítimas sob a influência
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Mas uma questão relevante surge aqui em nosso estudo: até que estudados e considerados ao desenvolver abordagens para a prevenção
ponto o fato da vítima estar embriagada contribuiu para o tipo de morte de homicídios e outras formas de violência interpessoal [9].
violenta que a atingiu, principalmente um homicídio?
A ação do álcool no organismo tem duas fases principais. Na primeira,
o álcool inibe as sinapses inibitórias no Sistema Nervoso Central e libera Nosso estudo tem alguns vieses, como o fato de vir de uma análise
impulsos, muitas vezes violentos, que também podem dar origem a uma retrospectiva dos dados. No entanto, as questões que ele levanta (ou
atitude violenta por parte do agressor ou a um comportamento provocativo seja, níveis elevados de álcool no sangue entre vítimas de homicídio),
de algumas vítimas em potencial, avançando o conceito de que tais apesar das diferenças socioculturais entre a população brasileira e
homicídios são vítimas precipitadas. Pode ser verdade, pois em nossa outros países culturalmente distintos, podem favorecer pesquisas futuras
série encontramos uma proporção maior de homens adultos jovens, e sobre uso de álcool e violência - e que sem dúvida serão muito relevantes
esses indivíduos podem ser mais violentos ou provocativos do que as em termos sociais.
mulheres.
Referências
Na segunda fase de sua ação, o álcool exerce um papel
francamente depressor do Sistema Nervoso Central, fazendo com que 1. (2010) Ministério da Saúde. DADOS.
o indivíduo tenha diminuição da vontade e da atenção, da capacidade
2. Mohanty MK (2004) Variantes de homicídio: uma revisão.
de resistir às agressões e, conseqüentemente, podem ser alvos mais
Journal of Clinical Forensic Medicine 11(4): 214-218.
fáceis de roubos e outros crimes predatórios que muitas vezes terminam
em homicídio.
3. Greene N, Tomedi LE, Cox ME, Mello E, Esser MB (2021)
Teste de Álcool e Envolvimento com Álcool entre as Mortes
Nos casos de homicídio, seja por arma de fogo (38,3%), faca
Violentas por Estado, 2014-2016. Med anterior 148.
(33,3%) ou agente contundente (56%), as vítimas de nossa série
apresentavam níveis de alcoolemia acima dos estabelecidos como
4. Trangenstein PJ, Peddireddy SR, Cook WK, Rossheim ME, Monterio
podemos observar na Tabela 3. Em alguns tipos de homicídios (ou seja, MG, et al. (2021) Pontuações de políticas de álcool e taxas de
por estrangulamento, 40%, ou afogamento, 100%), fica claro que o alto homicídios atribuíveis ao álcool em 150 países.
nível de álcool no sangue tem contribuído para diminuir a resistência da Am J Prev Med 61(3): 311-319.
vítima à agressão. Em outros casos (ou seja, por projétil de arma de
fogo e uso de agentes cortantes), a explicação não poderia ser tão 5. Branas CC, Han SH, Wiebe DJ (2016) Uso de álcool e violência com
simples. No relatório do Condado de Erie [17], concentrações de álcool armas de fogo. Epidemiologic Reviews 38(1): 32-45.
no sangue acima de 100 mg% estavam presentes em 44% dos mortos
por armas de fogo, 36% por facas e 17% por armas pessoais (ou seja, 6. Abel EL, Zeindenberg P (1985) Idade, Álcool e morte violenta: um
mãos ou pés). Esses números são semelhantes aos nossos, mas, estudo post-mortem. J Stud Alcohol 46(3): 228-231 .
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12. Naimi TS, Xuan Z, Cooper SE, Coleman SM, Hadland SE, et al. 15. Kuhns JB, Maguire ER (2012) Uso de drogas e álcool por vítimas
(2016) Envolvimento do Álcool na Vitimização de Homicídios nos de homicídio em Trinidad e Tobagom 2001-2007.
Estados Unidos. Alcohol Clin Exp Res 40(12): 2614-2621. Ciência Forense Med Pathol 8(3): 243-251.
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