Fazer download em pdf ou txt
Fazer download em pdf ou txt
Você está na página 1de 701

Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31 - Março/2021

Educar FCE/Faculdade Campos Elíseos


Edição 40, (Março/ 2021), SP
Mensal
ISSN 2447-7931

CDD 370

Bibliotecário Responsável:
Edilson Gonçalves de Oliveira
CRB-8/8972.

E-mail: revista@fce.edu.br
biblioteca@fce. edu. br

Os conceitos emitidos nesta revista são de


inteira responsabilidade dos autores.

É proibida a reprodução total, ou mesmo parcial,


desta obra sem prévia autorização dos autores.

Avenida Copacabana, 325 - 22º andar


Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 2
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDITORIAL

CONSELHO EDITORIAL
Ivan César Rocha Pereira
Paulo Malvestio Mantovan
Márcia Donizete Leite Oliveira
Rodrigo Leite da Silva
Cláudia Regina Esteves
Maria Virgínia de Figueiredo Pereira do Couto Rosa

EDITOR-CHEFE

Márcia Donizete Leite Oliveira

REVISÃO E NORMALIZAÇÃO DE TEXTOS

Márcia Donizete Leite Oliveira


Rodrigo Leite da Silva

PROGRAMAÇÃO VISUAL E DIAGRAMAÇÃO

Marcelo Souza da Silva

PROJETO GRÁFICO

Marcelo Souza da Silva

COPYRIGTH
REVISTA EDUCAR FCE
ISSN 2447-7931
Faculdade Campos Elíseos
(Março, 2021) - SP
Publicação Mensal e multidisciplinar vinculada à
Faculdade Campos Elíseos.
Os artigos assinados são de responsabilidade
exclusiva dos autores e não expressam,
necessariamente, a opinião do Conselho Editorial.
É permitida a reprodução total, ou parcial dos artigos
desta Revista, desde que citada a fonte.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 3


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDITORIAL

Segundo Cereja et al. (2016), variação linguís-


tica são os diferentes modos de se falar uma língua
e estão relacionados, inclusive, ao espaço em que o
falante se encontra. É assim que, desta forma, encon-
tramos a incoerência de uma visão estruturada, que
desconsidera influências dialetais e variações distintas,
sejam elas terminológicas, de articulação ou expres-
são.
Em conclusão, revela-se inconcebível, em um
mundo globalizado como o de hoje, permear o estudo
de um idioma tão rico e importante a apenas duas regi-
ões. Àqueles que buscam experiência e conhecimento
cultural e idiomático devem abrir-se a outras oportu-
nidades e regiões, lançando-se no intrigante universo
anglo-saxão multinacionalização. Afinal, bergamota,
mexerica, tangerine, easy peel orange ou clementine,
UMA OLD-FASHIONED VIEW ENRAIZADA NA são todas maneiras variadas de se referir a uma sim-
VISÃO DOS ESTUDANTES BRASILEIROS DA ples tangerina.
LÍNGUA INGLESA
REFERÊNCIA
Há muito, os questionamentos sobre as dis-
tinções, unicamente entre o “inglês britânico e ameri- CEREJA, William; VIANNA, Carolina Dias; DAMIEN, Chris-
cano”, parecem ser uma das maiores preocupações tiane. Português contemporâneo: Diálogo, reflexão e uso.
dos estudantes do idioma. Entretanto, ao restringirem São Paulo: Saraiva, 2016, p. 400.
a Língua Inglesa a apenas estas duas regiões, eles se
limitam a uma polaridade cultural e reduzem o alcan-
ce do idioma. Ao mesmo tempo, equivocadamente, ERICA SCHMIDT
projetam todas as outras nações falantes do inglês Doutoranda em Estudos Literários pela Faculdade
a um limbo linguístico, por vezes até estereotipado. de Ciências e Letras de Araraquara (UNESP). Mestre
Não se nega a existência das diferenças, mas, muito em Literatura e Crítica Literária pela PUC - São Paulo.
além disto, estes alunos não se atentam a fenômenos Atualmente, é docente de Língua Inglesa das Faculdades
naturais e comuns em qualquer idioma. de Tecnologia de Santana de Parnaíba, Cotia e Osasco
Isto posto, propõe-se aqui um raciocínio sim- (FATEC, São Paulo, Brasil). Também professora de Língua
ples, ainda em se tratando da língua inglesa, idioma Portuguesa e Inglesa na ETEC Profº Drª Doroti Quiomi
oficial de aproximadamente 60 países. Jamaica, Ni- Kanashiro Toyohara em Pirituba. Experiência de três anos
géria, Índia, Dominica, África do Sul, Irlanda e muitos à frente da Coordenação de Curso desta última instituição,
desempenhando atividades educacionais, administrativas
outros vão além das fronteiras norte-americana ou
e acadêmicas junto aos pais e alunos. Prática como
britânica. Consequentemente, eles comprovam que a docente em ensino presencial e a distância. Experiência
língua inglesa não está limitada apenas às populações em atividades Administrativa e de Recursos Humanos,
dos Estados Unidos ou Reino Unido. por mais de 15 anos, em empresas privadas no Brasil e
Adicionalmente, se considerarmos que a língua inglesa exterior (PricewaterhouseCoopers Brasil, Royal Caribbean
é aquela utilizada em negociações, estudos, pesqui- International e o antigo HSBC Brasil). Atuação como
sas e muitas outras atividades ao redor do mundo, Professora Voluntária de Inglês de Projeto Social da PwC
poderíamos conceber, ainda, um novo idioma, a ser Brasil (PwC Cidadania) durante 6 anos (de 2002 a 2008)
denominado, possivelmente, Global English. Esta nova e Coordenadora deste mesmo projeto entre os anos de
linguagem, mesclada e fragmentada, revelaria a in- 2005 e 2008. Forte habilidade criativa e experiência em
fluência e vivência do aprendizado dos falantes em gerenciamento e realização de eventos para entretenimento
e integração de profissionais e alunos. Profissional fluente
diversas escolas de idiomas ao redor do mundo, com
nos idiomas inglês e espanhol, intermediário em língua
distintas experiências pessoais, turísticas, variadas as- francesa e básico em língua turca, bem como experiência
sociações a filmes, músicas, jogos eletrônicos etc. e vivência dos idiomas no Brasil e no exterior.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 4


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

SUMÁRIO
ALEXANDRA GOMES MOTA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9
REGISTROS NO ENSINO FUNDAMENTAL II NUMA PERSPECTIVA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA
ANA MARIA RUARO DE LIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21
A ARTE SOB O PRISMA DA LINGUAGEM DO SURDO
ANA PAULA ALVES VIEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 36
AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO FERRAMENTA PARA O PROCESSO
DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
ANA PAULA VENEGAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 51
A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR
ANA ROSA APARECIDA GONÇALVES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 63
OS NOVOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E O ENFRENTAMENTO AO CYBERBULLYING
NO AMBIENTE ESCOLAR
ANDRÉA AGUIAR TELES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75
A HISTÓRIA DAS BRINCADEIRAS E DOS JOGOS INFANTIS
ANDRESSA SILVA GUEDES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 89
PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA
AUDREY AKEMI RODRIGUES KANASHIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 104
A IMPORTÂNCIA DAS ARTES VISUAIS PARA O DESENVOLVIMENTO INFANTIL
CARLA CAMARA LOPES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116
MARIA MARTINS: E SUA AMAZÔNIA SURREALISTA
CAROLINE DE SOUZA FARIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130
A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL
CLÁUDIO APARECIDO DE OLIVEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 142
ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES DO ENSINO DE CIÊNCIAS DA NATUREZA
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL
CLAYTON EMILIO DA SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 152
O DOCUMENTÁRIO EDUCAÇÃO PROIBIDA: UMA ANÁLISE À LUZ DAS TEORIAS DO CURRÍCULO
CLEBER AMERICO CARTUCHI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 164
METODOLOGIA E DIDÁTICA FILOSÓFICA – CONCEPÇÕES PARA PROBLEMATIZAR
O ENSINO DE FILOSOFIA
CREUSA DA SILVA PINHEIRO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 177
FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS QUE CONTRIBUEM COM O TRABALHO COM
CRIANÇAS DEFICIENTES
CRISTIANE APARECIDA DOS SANTOS RAMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 189
A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA A APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO
INCLUSIVA NO ENSINO REGULAR

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 5


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

DAIANA GOMES ANDRADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 202


A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE ARTE PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
DIOGO BATISTA DE SOUZA MENDES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 220
A UTILIZAÇÃO DOS JOGOS CONDICIONADOS COMO FERRAMENTA PEDAGÓGICA
PARA A INICIAÇÃO AO FUTSAL
ELAINE APARECIDA BALSANTE NASCIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 230
AS NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO
ELENEUDA NOGUEIRA FEITOSA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241
A EDUCAÇÃO ESPECIAL E A DINÂMICA DA INCLUSÃO
ELENICE ORNELAS ROCHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 253
A DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA – A IMPORTÂNCIA DOS REGISTROS
NO TRABALHO DOCENTE
Ellen Yoshie Sudo Lutif Gunji . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267
A NEUROCIÊNCIA E OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM
FRANCISCO GARCIA DE SOUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 278
ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS (E.J.A.)
GEISA MARIA LOURENÇO DA SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 294
A LEGISLAÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR PARA O LETRAMENTO
E ALFABETIZAÇÃO
GISELE ROCHA DE ANDRADE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 307
O PAPEL DA AFETIVIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL
JOSÉ ALMEIDA SANTOS JUNIOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 319
OS DESAFIOS E OS AVANÇOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL
JOVELINA MARLI DE SOUSA ROCHA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 331
INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEMPLANDO AS NECESSIDADES DAS
CRIANÇAS DEFICIENTES
JULIANA GONÇALVES SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 344
GÊNEROS TEXTUAIS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO
KATIA MELO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 355
O CONFLITO PSICOLÓGICO NO ROMANCE: UMA ANÁLISE COMPARATIVA
KELEN REGINA DE OLIVEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 374
A IMPORTÂNCIA DA ARTE COMO ESTRATÉGIA PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA
LAISE CRISTINA CANDIDO GOES SOUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM
LAISE DE OLIVEIRA SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 401
O PERFIL DO PROFESSOR(A) DE GEOGRAFIA NA ATUALIDADE BRASILEIRA
LAUDICE MARIA DE JESUS PACHECO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 414
A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE FAMILIAR E ESCOLAR PARA O DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 6


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LIA RAQUEL DE SOUZA SILVA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 427


A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
LIDYANE RAFAELA ALMEIDA SANTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437
EDUCAÇÃO INFANTIL E CURRÍCULO
LUCIANA DE ALMEIDA RODRIGUES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 451
INCLUSÃO, EQUIDADE E INTEGRAÇÃO ESCOLAR: CONCEITOS E CONTEXTOS
NAS PRÁTICAS ESCOLARES
MARA REGINA SIQUEIRA DOS SANTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 463
ARTE E EDUCAÇÃO
MARA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476
SILVIA JORGE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 476
A APRENDIZAGEM E AS PRÁTICAS ESCOLARES VOLTADAS À ALFABETIZAÇÃO
E AO LETRAMENTO
MARIA DAS GRAÇAS REIS BOMFIM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 489
O ENSINO HÍBRIDO E A EDUCAÇÃO INFANTIL
MARIANA COSIMO SOUZA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 500
COMO TRANSFORMAR OS CONTOS PARA INCENTIVO DA CRIANÇA COM AUTISMO
MARIANA FONSECA MARTINS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 512
O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL, NA ESFERA DA EDUCAÇÃO BÁSICA,
DA QUALIDADE AO IMPACTO SOCIOECONÔMICO NO FUTURO DO PAÍS
MARILEIDE NOBRE DOS SANTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 529
OS CONTOS DE FADAS EM SALA DE AULA
MILENA CRISTINA GONÇALVES LACERDA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 544
A FUNÇÃO DA ESCOLA PERANTE O ALUNO AUTISTA
NADIA JUNG PASSOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 558
A BNCC NA SALA DE EDUCAÇÃO INFANTIL
ODAIR JOSÉ DOS SANTOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 571
EDUCAÇÃO ESPECIAL: LEGISLAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO A PARTIR DESSA PERSPECTIVA
PAMELA NASCIMENTO GONÇALVES FERNANDES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 582
MUSICALIDADE INFANTIL: MELODIAS, LETRAS E RÍTMICA
PRISCILA GONÇALVES CARDOSO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 595
LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO SOBRE AS CONCEPÇÕES
E CONTRIBUIÇÕES DO LÚDICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL
RENATA ARANTES DUARTE . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 612
A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO INFANTIL
SILVANA TEREZINHA FERREIRA AMADOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 628
O PAPEL DO PROFESSOR NAS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS NA ESCOLA

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 7


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

SILVANEI MARIA SILVA VASCO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 642


PSICOMOTRICIDADE: O LÚDICO E A EDUCAÇÃO INFANTIL
SIMONE CESAR DUARTE MORITA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 653
A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL: A IMPORTÂNCIA DO PSICOPEDAGOGO NA APRENDIZAGEM
SIMONE CESARIO SOARES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 663
TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E AS ESCOLAS RURAIS BRASILEIRAS
TATIANA FELIPE DE LIMA DO NASCIMENTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 675
A ESCOLA COMO LUGAR DE DEFESA DA IGUALDADE RACIAL
VERA LUCIA PINHEIRO OLIVEIRA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 688
LUDICIDADE E A INCLUSÃO

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 8


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Ciências Biológicas pela União


Nacional das Instituições de Ensino Superior
(UNIESP) em 2012 e Pedagogia pela Faculdade da
Aldeia de Carapicuíba (FALC) em 2015. Aperfeiçoada
em Educação Ambiental pela Universidade Federal
de São Paulo (UNIFESP) em 2014. Especialização
em Neuropsicopedagogia pela Faculdade Campos
Elíseos em 2020. Professora de Educação Infantil
pela Prefeitura de São Paulo.

ALEXANDRA
GOMES MOTA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 9
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REGISTROS NO ENSINO FUNDAMENTAL II NUMA


PERSPECTIVA DE AVALIAÇÃO QUALITATIVA

RESUMO: À medida que o conhecimento sobre desenvolvimento e aprendizado humano cresce


rapidamente, também aumenta a oportunidade de moldar práticas educacionais mais eficazes.
Aproveitar esses avanços, no entanto, requer a integração de ideias em vários campos - das
biológicas e neurociências às psicologias, sociologia, ciências do desenvolvimento e da
aprendizagem - e conectá-las ao conhecimento de abordagens bem-sucedidas que estão surgindo
na educação. Este artigo procura contribuir com esse processo, traçando as implicações para as
práticas da escola e da sala de aula de um consenso emergente sobre a ciência da aprendizagem
e desenvolvimento.

Palavras-chave: Conhecimento; Aprendizagem; Desenvolvimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 10


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
s principais insights da ciência do aprendizado e do desenvolvimento são que
o cérebro e o desenvolvimento de inteligências e capacidades são maleáveis
e o "desenvolvimento do cérebro é um processo dependente da experiência"
(Cantor et al., 2018p. 5), que ativa vias neurais que permitem novos tipos de pensamento e
desempenho.
Em função das experiências, as capacidades cerebrais e humanas crescem ao longo
de todo o continuum de desenvolvimento e em todo o espectro de desenvolvimento (físico,
cognitivo, afetivo) de maneiras interativas.
O que acontece em um domínio influencia o que acontece em outros. Por exemplo, as
emoções podem desencadear ou bloquear o aprendizado. As emoções e os contextos sociais
moldam as conexões neurais que contribuem para a atenção, concentração e memória, para
a transferência e aplicação de conhecimento.
Compreender como os processos de desenvolvimento se desenrolam ao longo do
tempo e interagem em diferentes contextos pode contribuir para projetos mais favoráveis
para ambientes de aprendizado. Além disso, as tendências gerais de desenvolvimento são
modificadas por interações entre aspectos únicos da criança e seus contextos de família,
comunidade e sala de aula. Como resultado, as crianças têm necessidades e trajetórias indi-
viduais que exigem instruções e apoios diferenciados para permitir um crescimento ideal em
competência, confiança e motivação.
Cada período da vida humana é caracterizado por comportamentos que refletem estrutu-
ras cognitivas qualitativamente superiores. Nos dois primeiros anos de vida, o desenvolvimento
da inteligência pode ser compreendido como incorporando os períodos anteriores. O novo
período não substitui o velho, mas o supera. Da mesma forma, cada ciclo do desenvolvimento
ajuda a explicar o próximo. Assim acontece durante todo o curso do desenvolvimento cogni-
tivo.
O educador precisa agir frente às necessidades apresentadas, tomando a iniciativa de
trabalhar com os alunos, com os outros professores e com a comunidade, na tentativa de
modificar ou melhorar esta situação pela qual a escola e o aluno passam. Os professores de
Ensino Fundamental II, precisam encorajar-se social e politicamente, percebendo as possi-
bilidades da ação social e cultural, na luta pela transformação das estruturas opressivas da
sociedade na qual estão inseridos.
É essencial que o professor tenha conhecimento sobre as principais teorias e práticas
que estudam a aprendizagem e o desenvolvimento, podendo estimular os aprendizes para a
produção de informações. As atitudes do professor em sala de aula são determinantes para
despertá-los e incentivá-los:
É esta percepção do homem e da mulher como seres “programados, mas para aprender” e, por-
tanto, para ensinar, para conhecer, para intervir, que me faz entender a prática educativa como um
exercício constante em favor da produção e do desenvolvimento da autonomia de educadores e
educando” (FREIRE, 2006, p. 145).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 11


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Outro fator que desperta o estímulo de ambos os sujeitos do processo escolar é a re-
lação professor-aluno que também será proveniente das práticas pedagógicas do cotidiano.
É fundamental que o professor conheça ao máximo a realidade de cada aluno para que
possa desenvolver e utilizar ferramentas que reduzam a defasagem no aprendizado. Dentre
essas ferramentas, a comunicação colabora, de forma acentuada, para que professores e
alunos consigam conviver dentro da sala de aula de forma atraente.
Durante sua formação, o contato que professores de História têm com outros campos
do conhecimento devem ser utilizados como instrumentos para transformar a coexistência na
sala de aula em algo prazeroso.
O professor dos primeiros anos da Educação Básica deve ficar atento aos livros didáti-
cos, pois com a consolidação do capitalismo, o livro tornou-se uma mercadoria. A cada início
de ano letivo, há uma variedade enorme de exemplares de todas as disciplinas disponíveis no
mercado. Além disso, vários profissionais estão envolvidos na produção desses livros o que
compromete a qualidade dos conteúdos ali contidos.
Uma implicação central para os educadores é que o sistema de desenvolvimento inte-
grado e dinâmico é idealmente suportado quando todos os aspectos do ambiente educacional
suportam todas as dimensões do desenvolvimento infantil.
Isso exige uma abordagem profundamente integrada da prática, que apoie toda a criança
em escolas e salas de aula que funcionem de maneira coerente e consistente para construir
relacionamentos fortes e comunidades de aprendizado; apoiar o desenvolvimento social,
emocional e cognitivo; e fornecer um sistema de apoio, conforme necessário, para o desen-
volvimento saudável, relacionamentos produtivos e progresso acadêmico.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 12


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONHECIMENTO E APRENDIZAGEM Oportunidades de aprendizado cola-


borativo bem projetadas que incentivam os
Por mais de duas décadas, pesquisado- alunos a questionar, explicar e elaborar seus
res, educadores, formuladores de políticas e pensamentos e construir soluções, devendo
líderes empresariais enfatizaram a necessida- assim, fazer parte da rotina e dos registros,
de de apoiar as habilidades do “século XXI” bem como avaliações diagnósticas e opor-
em um contexto em que o conhecimento está tunidades contínuas para receber feedback
se expandindo rapidamente e as tecnologias oportuno e útil, desenvolver e exibir compe-
e os processos de trabalho estão mudando tência e revisar o trabalho para melhorar o
rapidamente. desenvolvimento das crianças de Ensino Fun-
Essas habilidades incluem pensamento damental II.
crítico e habilidades para resolver problemas; As relações afetivas, afetuosas e de
a capacidade de encontrar, analisar, sinteti- apoio aluno-professor, assim como outras
zar e aplicar conhecimento a situações novas; relações criança-adulto, estão ligadas a um
habilidades interpessoais que permitem que melhor desempenho e engajamento esco-
as pessoas trabalhem com outras pessoas lar, maior regulação emocional, competência
e se envolvam efetivamente em contextos social e disposição para enfrentar desafios
transculturais; habilidades auto direcionais (Osher et al., 2018 ).
que lhes permitem gerenciar seu próprio tra-
balho e projetos complexos; habilidades para Relacionamentos fortes têm significado
encontrar competentemente recursos e usar biológico e afetivo. A arquitetura do cérebro
ferramentas; e a capacidade de se comunicar é desenvolvida pela presença de relaciona-
efetivamente de várias maneiras. mentos calorosos, consistentes e sintoniza-
dos; experiências positivas; e percepções
Os estudiosos das ciências da apren- positivas dessas experiências (Center on the
dizagem enfatizaram que o desenvolvimento Developing Child, 2016 ). Tais relacionamen-
desses tipos de habilidades requer um tipo tos ajudam a desenvolver as competências
diferente de ensino e aprendizagem do que emocionais, sociais, comportamentais e cog-
o enfatizado em épocas anteriores da educa- nitivas fundamentais para a aprendizagem.
ção, quando a aprendizagem era conceituada
como a aquisição de fatos e o ensino como a Os alunos precisam de um senso de
transmissão de informações a serem tomadas segurança física e psicológica para que a
e usado "como está". aprendizagem ocorra, uma vez que o medo
e a ansiedade minam a capacidade cognitiva
Um trabalho significativo que se baseia e causam um curto-circuito no processo de
nos conhecimentos e experiências anteriores aprendizagem.
dos alunos e os envolve ativamente em tarefas
ricas e envolventes que os ajudam a alcançar Relações positivas de adultos podem
um entendimento conceitual e conhecimentos apoiar o desenvolvimento e o bem-estar dos
e habilidades transferíveis. alunos, especialmente quando são cultu-
ralmente sensíveis e receptivas. Os alunos
A investigação como uma importante aprendem melhor quando conseguem co-
estratégia de aprendizado, entrelaçada com nectar o que acontece na escola a seus con-
instruções explícitas e oportunidades bem textos e experiências culturais, quando seus
estruturadas para praticar e aplicar o apren- professores respondem às suas forças e ne-
dizado. cessidades e quando seu ambiente é “seguro
de identidade” (Steele & Cohn-Vargas, 2013),
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 13
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

reforçando seu valor e pertencimento. Isso é Os professores devem ser mediadores


especialmente importante, dadas as agres- e despertar o interesse do aluno pelas disci-
sões sociais e escolares que muitas crianças, plinas, desenvolver reflexões e o senso crítico
especialmente aquelas que vivem em condi- sobre questões que envolvam os cotidianos
ções adversas, experimentam. com as pessoas, principalmente nas fases
iniciais, pois são crianças em formação de
Por todas essas razões, e como as
caráter entre outras características pessoais.
crianças se desenvolvem através de trajetó-
rias individuais moldadas por suas caracte- De acordo com os Parâmetros Curricu-
rísticas e experiências únicas, os professores lares Nacionais (1997):
precisam conhecer bem os alunos para criar No primeiro ciclo, os alunos iniciem seus
oportunidades produtivas de aprendizado. estudos históricos no presente, median-
te a identificação das diferenças e das
Personalizar o ambiente educacional
semelhanças existentes entre eles, suas
para que os alunos possam ser bem conhe- famílias e as pessoas que trabalham na
cidos pelos adultos e atender melhor às suas escola. Com os dados do presente, a
necessidades é uma poderosa alavanca que proposta é que desenvolvam estudos do
pode alterar os resultados dos alunos. Embo- passado, identificando mudanças e per-
ra alguns usem atualmente o termo “aprendi- manências nas organizações familiares e
educacionais (BRASIL, 1997, p.52).
zado personalizado” para denotar instruções
baseadas em computador, usamos o termo Portanto, no Ensino Fundamental II, os
em seu sentido mais tradicional como a ca- conteúdos trabalhados devem conter dados
pacidade dos educadores de orientar a ins- do presente, estudando o passado para que
trução e apoiar as necessidades e interesses a aprendizagem seja significativa.
de cada criança.
A família na sociedade atual vem pas-
Embora esse tipo de personalização às sando por transformações que estão ligadas
vezes inclua usos da tecnologia, esse não é às mudanças estruturais da sociedade e por
seu objetivo principal ou a única ferramenta. consequência essas mudanças afetam a di-
O aprendizado é um processo transacional nâmica de funcionamento da família.
no qual alunos e professores aprendem a en-
tender e se comunicar uns com os outros, e De acordo com Silva (1985, p. 485) “os
no qual a confiança cria condições para redu- papéis dos protagonistas, o tempo de pre-
ção da ansiedade, bem como maior esforço paração para a sua constituição, segundo o
e motivação. modelo cultural, o tipo de função que esta
deve ter e, por fim, a oficialidade, ou seja, a
De acordo com Romanowski (2010, p. presença de cerimônias ou ritos conexos”.
53):
Os fazeres educativos, as práticas pe-
A dinâmica da aula caracteriza-se pela dagógicas determinam e qualificam o ensino,
interação do professor com os alunos,
formando cidadãos críticos e auxiliando em
sendo mediada pelo seu conhecimento.
Ensinar e aprender são processos dire- seu desenvolvimento social. A importância
cionados para o mesmo objeto: o conhe- significativa quanto a um conhecimento sério
cimento, ambos envolvem a cognição e e bem fundamentado do passado está em po-
a relação entre sujeitos (ROMANOWSKI, der estimular a todos quanto ao envolvimento
2010, p. 53). responsável nas instâncias de decisões polí-
ticas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 14


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

De acordo com Silva (1997) “Conviver e de experiências que o indivíduo já possui,


com uma classe de 5ª série é uma experiên- indo constituir sua bagagem cultural.
cia bastante peculiar [...]”, o professor entra
Esse processo de acumulação de co-
convicto que irá cumprir com seus conteúdos,
nhecimentos não é estático. A cada nova
mas passa grande parte da aula mediando
aprendizagem o indivíduo reorganiza suas
conflitos que vão além das questões cogniti-
ideias, estabelece relações entre as apren-
vas planejadas previamente.
dizagens anteriores e as novas, faz juízos de
São eventos que emergem, transfor- valor, colocando seus sentimentos nesse jul-
mando a aula em um verdadeiro campo de gamento. Trata-se, portanto, de um processo
disputa, de um lado o professor que precisa integrativo, dinâmico.
cumprir o cronograma (objetivo) e do outro o
OS DESAFIOS DO ENSINO INTEGRAL
aluno que traz outras necessidades e ques-
tionamentos característicos de seu tempo de Historicamente, a educação em tempo
vida (subjetivos). integral no Brasil é foco do interesse de edu-
Não é o caso de desconsiderar os cadores e legisladores como um dos pilares
saberes pedagógicos para o ensino de um da educação integral, a qual deve garantir o
determinado conteúdo, mas reconhecer que desenvolvimento dos sujeitos em todas as
outras coisas estão em jogo, no momento da suas dimensões – intelectual, física, emocio-
aula, como nos lembra Teixeira (1957, p.22): nal, social e cultural – e se constituir como
projeto coletivo, compartilhado por crianças,
É importante conhecer todos os métodos jovens, famílias, educadores, gestores e co-
e recursos já experimentados e provados
munidades locais (SANTOS, 2013).
de ensinar a ler, mas, a sua aplicação
envolve tanta coisa a mais, que o mestre, No Brasil, duas experiências se des-
nas situações concretas, é que irá saber tacam. Em 1950, na Bahia, Anísio Teixeira
até que ponto poderá aplicar o que a ci-
ência lhe recomenda, não no sentido de
idealizou uma “pequena universidade infantil”,
negá-lo, mas, no sentido de coordená-lo e cujas diferentes atividades seriam distribuídas
articulá-lo com o outro mundo de fatores por vários prédios constituindo o Centro Edu-
que entram na situação educativa (TEIXEI- cacional Carneiro Ribeiro (CECR). Cavaliere
RA, 1957, p. 22). (2010, p. 249) relata que “quando ainda ini-
Percebe-se então que a alfabetização ciante no campo da educação, como diretor
sempre está presente e que para se tornar da Instrução Pública do Estado da Bahia, Aní-
significativa os métodos e recursos utilizados sio Teixeira realizou, em 1927, sua primeira
pelos professores devem ser os mais próxi- viagem aos EUA”.
mos da sua realidade, dando sentido ao pro- Naquela viagem, que durou sete meses,
cesso ensino aprendizagem. Teixeira assistiu a cursos na Universidade de
Aprendemos por nós mesmos, não Columbia e visitou instituições de ensino. Em
podemos aprender pelos outros. As novas 1928, voltou aos EUA para aprofundar seus
aprendizagens do indivíduo dependem de estudos e obter o diploma de Master of Arts
suas experiências anteriores. Assim, as pri- da Universidade de Columbia (CAVALIERE,
meiras aprendizagens servem de pré-requisi- 2010).
tos para as subsequentes. Por esse motivo, Para o autor (2010, p. 249) acrescen-
dizemos que a aprendizagem é um processo ta que o curso proporcionou contato com as
cumulativo, ou seja, cada nova aprendizagem obras de John Dewey e W. H. Kilpatrick, as
vai se juntar ao repertório de conhecimentos quais marcaram fortemente sua formação e
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 15
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

lhe deram as bases teórico-filosóficas para AS DIRETRIZES E BASES DA


a construção de um projeto de reforma para EDUCAÇÃO NACIONAL E O PLANO
educação brasileira. NACIONAL DA EDUCAÇÃO
Na capital do estado do Rio de Janei- A Lei 10.172, de 9 de janeiro de 2001,
ro, na década de 1980, Darcy Ribeiro criou que instituiu o Plano Nacional de Educação
os Centros Integrados de Educação Pública (PNE), enfatiza a ampliação progressiva do
(CIEP), com o objetivo de proporcionar educa- tempo escolar tanto no âmbito do ensino fun-
ção, esportes, assistência médica, alimentos damental como no da educação infantil deter-
e atividades culturais variadas, em instituições minando um mínimo de sete horas diárias para
fora da rede educacional regular, funcionando a escola de tempo integral (BRASIL, 2001).
de acordo com um projeto pedagógico único Em 2007, o Governo Federal lançou o
e com uma organização escolar padronizada, Programa Mais Educação, com o intuito de
com oito horas diárias (MENEZES, 2001). proporcionar às escolas com baixo Índice de
Militão e Kill (2015) consideram supe- Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB)
rado o período das experiências pontuais e mais cultura, lazer e possibilidades de conhe-
esparsas de implantação da escola de tempo cimentos com a ampliação de novos tempos
e espaços.
integral no país. Para os autores, vislumbra-
-se a consolidação de uma política pública Esse programa foi atualizado e rede-
nacional que garanta a ampliação do tempo nominado Programa Novo Mais Educação,
de permanência na escola, embora a univer- criado pela Portaria MEC nº 1.144/2016 e
salização da escola de tempo integral esteja regido pela Resolução FNDE nº 5/2016, com
longe de representar a realidade da educação o objetivo de melhorar a aprendizagem em lín-
pública brasileira. gua portuguesa e matemática no ensino fun-
damental, por meio da ampliação da jornada
Otoni (2007), ao analisar a primeira escolar de crianças e adolescentes (BRASIL,
década de vigência da LDB/1996, comenta 2016, p. 23).
que a ampliação do período de permanência
No Plano Nacional de Educação (2014-
diária na escola pode afetar diretamente o
2024), aprovado pela Lei de nº 13.005/2014,
rendimento dos alunos, uma vez que deve
destaca que a educação de tempo integral é
ser usada para o reforço e acompanhamento
contemplada na meta seis qual seja, “Ofere-
escolar, bem como para o desenvolvimento cer educação em tempo integral em, no mí-
de atividades artísticas, culturais e esportivas. nimo, 50% das escolas públicas, de forma
O autor enfatiza que o êxito da extensão a atender, pelo menos, 25% dos alunos da
do tempo de permanência da criança na es- educação básica” (BRASIL, 2014, p. 59).
cola depende de sua concepção no âmbito Em âmbito estadual, o reconhecimento
da proposta pedagógica dos estabelecimen- da necessidade da melhoria na qualidade da
tos de ensino, pressupondo-se condições Educação Básica levou a Secretaria de Edu-
adequadas à que esse período adicional faça cação do Estado de São Paulo a implantar,
parte de um conjunto de ações educativas em 2012, o Programa de Ensino Integral (PEI)
inovadoras e estimulantes para os alunos e nas Escolas Estaduais de Ensino Fundamen-
os profissionais da educação (OTONI, 2007). tal e Médio de Tempo Integral, instituído pela
Lei Complementar nº 1.164, de 4 de janeiro
de 2012, alterada pela Lei Complementar nº
1.191, de 28 de dezembro de 2012 (SÃO
PAULO, 2012).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 16
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Naquele ano, aderiram ao Programa 16 Gonçalves (2006, p. 130) coloca que


escolas, 11 diretorias e foram atendidos 5 mil tradicionalmente se entende educação inte-
alunos. Em 2013, a adesão foi ampliada para gral como a que leva em conta “o sujeito em
69 escolas, 38 diretorias e 17 mil alunos. Em sua condição multidimensional, não apenas
2014, são 182 escolas, 64 diretorias e 55 mil na sua dimensão cognitiva, como também
alunos (SÃO PAULO, 2014, p. 1). na compreensão de um sujeito que é sujeito
corpóreo, tem afetos e está inserido num con-
Desde então, constata-se um crescimento
texto de relações”.
exponencial de escolas que ingressaram ao PEI
de tal sorte que, a partir de 2017, 308 unidades Dessa maneira, o sujeito deve ser con-
passaram a oferecer esse novo modelo de ensi- siderado do ponto de vista biopsicossocial.
no em tempo integral, atendendo mais de 104 O autor acrescenta ainda que “o sujeito mul-
mil estudantes do Ensino Fundamental e Ensino tidimensional é um sujeito desejante, que tem
Médio, segundo informações da Secretaria de demandas simbólicas, busca satisfação nas
Educação do Estado de São Paulo (2018). suas diversas formulações de realização”
(GONÇALVES, 2006, p. 130). Depreende-se
As unidades oferecem estrutura com la-
das palavras do autor que a pessoa, em sua
boratórios, disciplinas eletivas e jornada de oito
totalidade, integra aspectos biológico-corpo-
a nove horas em média. As Diretrizes das Es-
rais, sociais, cognitivos, afetivos, morais, em
colas de Tempo Integral defendem que a fun-
um contexto de tempo e espaço.
ção social da escola representa a “alavanca de
um processo que visa à formação de pessoas Dessa forma, um processo educativo
aptas a exercerem sua plena cidadania” (SÃO integral deve abranger todos estes aspectos
PAULO, 2006, p. 14). de modo integrado, visando à formação e ao
desenvolvimento humano global e não ape-
Com esse intuito, as diretrizes preveem a
nas ao acúmulo informacional.
“ampliação do tempo físico com a intensidade
das ações educacionais” (SÃO PAULO, 2006, Guará (2006, p. 16) enfatiza que “a
p. 5), com uma nova organização curricular que concepção de educação integral que a as-
propõe a manutenção do currículo básico do socia à formação integral traz o sujeito para
ensino fundamental enriquecido com “procedi- o centro das indagações e preocupações da
mentos metodológicos inovadores” (SÃO PAU- educação”. Nesse sentido, educação integral
LO, 2006, p. 11). se associa à concepção filosófica de homem
integral, entendido em sua totalidade, englo-
Bakunin (1979, p. 20) já defendia a edu-
bando “suas faculdades cognitivas, afetivas,
cação integral sob um aspecto sociopolítico ao
corporais e espirituais” (GUARÁ, 2006, p. 16).
questionar se “poderá ser completa a eman-
cipação das massas trabalhadores enquanto Para Mathias (2006), a concepção de
receberem uma instrução inferior à dos bur- educação integral a partir da formação inte-
gueses”, considerando que “pedimos para o gral do ser humano amplia o conceito de edu-
povo [...] instrução integral, toda a instrução, tão cação e abre espaço para que a sociedade
completa como o requer a força intelectual do como um todo se envolva e se torne respon-
século”. sável pela formação de novas gerações.
Marx e Engels (1992) consideram que a Desse modo, a educação integral não
educação deve integrar educação intelectual, só contempla o ser humano de forma integra-
educação corporal e educação tecnológica, da como também a diversidade dos espaços
que inicia as crianças e os adolescentes no educativos como conceito fundamental. Diver-
manejo de ferramentas essenciais aos diversos sos espaços de aprendizagem possibilitam
ramos industriais. “a ampliação de repertórios relacionais, cul-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 17


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

turais, científicos, artísticos, todos importantes relação escola/comunidade também poderá


para a criação de significados, compreensão propiciar o estudo dos temas transversais, a
da realidade e aumento da capacidade de integração entre as disciplinas e o trabalho
intervenção positiva” (MATHIAS, 2006, p. 12). coletivo”.
Constata-se, dessa maneira, que o au- Uma terceira vertente, na visão de Gua-
tor considera a educação integral como um rá (2006), considera a Educação Integral na
recurso para que crianças e adolescentes perspectiva de tempo integral de atendimento
se redescubram como sujeitos de direito em de crianças e jovens, assunto que será trata-
sua integralidade humana. A busca de defini- do em tópicos posteriores.
ções demonstra que o tema é suficientemente
Maurício (2012, p. 25) sintetiza essas
complexo para fomentar indefinições, como
concepções ao afirmar que a educação inte-
a apresentada pela Secretaria de Educação
gral “embasa a proposta de extensão do tem-
Continuada, Alfabetização e Diversidade do
po escolar diário, reconhece a pessoa como
Ministério da Educação (BRASIL, 2009, p.
um todo e não como um ser fragmentado, por
16):
exemplo, entre corpo e intelecto”. Tal concep-
Essas experiências e concepções permi- ção considera que essa integralidade:
tem afirmar que a Educação Integral se
caracteriza pela ideia de uma formação [...] se constrói através de linguagens
“mais completa possível” para o ser hu- diversas, em variadas atividades e cir-
mano, embora não haja consenso sobre o cunstâncias. A criança desenvolve seus
que se convenciona chamar de ‘formação aspectos afetivo, cognitivo, físico, social e
completa’[...] (BRASIL, 2009, p. 16). outros conjuntamente. Não há hierarquia
do aspecto cognitivo, por exemplo, sobre
Apesar dessa ausência de consenso, é o afetivo ou social. Por isso, as ativida-
possível afirmar que as concepções de Edu- des a que é exposta devem envolver mul-
cação Integral, circulantes até o momento, tiplicidade de aspectos para benefício de
fundamentam-se em princípios político ideo- seu desenvolvimento (MAURÍCIO, 2012,
p. 25).
lógicos diversos, porém, mantêm naturezas
semelhantes, em termos de atividades edu- O Ministério da Educação (BRASIL,
cativas. 2016, p. 1) busca sintetizar o conceito: “Edu-
Guará (2006, p. 15) compactua essa cação integral representa a opção por um
indefinição ao afirmar que “Isoladamente, ne- projeto educativo integrado, em sintonia com
nhuma norma legal, concepção ou área da a vida, as necessidades, possibilidades e in-
política social dá conta do atendimento com- teresses dos estudantes”.
pleto pretendido pelas propostas de educa- Assim, Educação integral representa
ção integral”. a visão de crianças, adolescentes e jovens
A autora enfatiza que, em sua dimen- como cidadãos de direitos em todas as suas
são humanizadora, a educação “assume pa- dimensões: desenvolvimento intelectual, físi-
pel central na organização da convivência do co, do cuidado com sua saúde.
humano em suas relações e interações, ma- Dentro desse conceito, é fundamen-
téria-prima da constituição da vida pessoal e tal oferecer oportunidades para desfrutar e
social” (idem). produzir arte, conhecer e valorizar sua histó-
Paralelamente a essa dimensão filosófi- ria e seu patrimônio cultural, ter uma atitude
ca, Guará (2006, p. 17) entende a educação responsável diante da natureza, respeitar os
integral como “articulação de saberes a partir direitos humanos e os das crianças e adoles-
de projetos integradores”, a partir da qual “a centes (BRASIL, 2016).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 18


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho educativo realizado pelo professor consiste na mediação do conhecimento
científico, visando à sua apropriação pelos estudantes, o que implica conhecer como ocorre
o processo de ensino-aprendizagem para planejar estratégias didáticas e pedagógicas.
Durante anos de permanência na escola, os alunos deparam-se com uma variedade
de transições que lhes providencia um leque amplo e variado de desafios, aprendizagens
e de desenvolvimento a vários níveis. Assim, a forma como os alunos lidam com as rotinas,
registros e avaliação pode ter um impacto significativo.
Em pré-adolescentes com dificuldades na transição e adaptação verifica-se uma di-
minuição no rendimento escolar, baixo estima, decréscimo da motivação e desinteresse em
aprender. Por isso é fundamental que o professor tenha habilidades para trabalhar com os
registros e com a avaliação em sala de aula.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 19


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988.

______. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Casa Civil da
Presidência da República, Brasília, DF, Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2003/L10.639.
htm. Acesso em: 10 Março 2020.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais: História e Geografia/ Secretaria de Educação Fundamental. – Brasília:
MEC/SEF, 1997.

DIAS-DA-SILVA, M.H.G.F. Passagem sem rito: As 5ª Séries e seus professores. Campinas: Papirus, Série Peda-
gógica, 1997.

FREIRE, Paulo; SHOR, Ira. Medo e ousadia: cotidiano do professor. 13. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2011.

______. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

PAROLIN, Isabel. Professores formadores: a relação entre a família, a escola e a aprendizagem. Curitiba: Positivo,
2005.

RANGEL, Z.A. O processo de transição da unidocência para a pluridocência em classes de quarta para a quinta
série do ensino fundamental: olhando a realidade e apontando caminhos. Dissertação de mestrado, Pontifícia
Universidade do Rio Grande do Sul. Porto Alegre, 2001.

OSHER, D. CANTOR, P. , BERG, J. , STEYER, L.; ROSE, T . Motores do desenvolvimento humano: como as relações
e o contexto moldam o aprendizado e o desenvolvimento. Ciência Aplicada ao Desenvolvimento. 2018.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 20


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade de


Ciências de Wenceslau Braz (2014); Especialista em
em Educação Especial e Inclusiva pela Faculdade
de Ciências de Wenceslau Braz (2016); Professora
de Educação Infantil e Fundamental I – na EMEI
Professora Therezinha Squinca da Silva, Professora
de Educação Infantil - na CEI Professora Evanir
Aparecida Hilário.

ANA MARIA
RUARO DE LIMA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 21
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A ARTE SOB O PRISMA DA LINGUAGEM DO SURDO

RESUMO: Existem vários equívocos em torno do entendimento sobre o surdo. Muitas pessoas
acreditam que as pessoas surdas são mudas e partindo desse princípio cria uma barreira à
comunicação com elas. O presente analisa a comunidade surda e a forma de expressão peculiar
que o surdo se comunica. Faremos breves apontamentos sobre a trajetória na inclusão do
cidadão surdo na comunidade e o espaço adquirido na sociedade em LIBRAS. A forma de sentir
o som e se manifestar por linguagem corporal que é bastante detalhada, bem como o sentido
da visão bastante aguçado faz com que o homem, na falha da comunicação oral, crie uma
forma alternativa e bastante peculiar de se comunicar. Essa forma interessante de expressão nos
desperta o interesse, não somente pela comunicação mas pela forma de se viver dentro de um
mundo paralelo onde são explorados os sons e sentidos de diversas formas em diferentes meios
de comunicação. O trabalho a seguir também explora esse universo tendo uma visão artística
valorizando a superação e expressão que só o surdo desenvolve.

Palavras-chave: Libras; Comunicação Visual; Artes; Comunidade Surda.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 22


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO
A cultura surda é vista em vários aspectos de formas diferentes de expressão assim
como a visão da arte. A forma de comunicação é uma configuração peculiar de se perceber
dentre tantas outras formas que o mundo oferece. O presente trabalho analisa essa forma
alegórica de comunicação transmitida sob a arte. Como o sujeito surdo consegue captar o
som e como ele o transmite sob a forma artística de expressão.
A presente pesquisa despertou-seu interesse para uma forma de relação que é possível
nomear de “universo paralelo “por meio da comunicação em um mundo onde diversos tipos
de linguagem são exercidas, ainda possuir um método de comunicação para aqueles que
possuem dificuldade na receptação de sons, ainda sim se tornar tão peculiar ao ponto de
despertar interesse em pessoas que não possuem a mesma dificuldade.
Assim, neste artigo, a abordagem qualitativa tem lugar de destaque na análise e interpre-
tação subjetiva das singularidades, das experiências, as relações humanas, das pluralidades
de ideias e opiniões, das várias faces e olhares que são direcionados a um mesmo foco e
das diversas formas críticas de se pensar, o que não seria possível de ser traduzido através
da abordagem quantitativa.
A esse respeito, Santos (2003, p. 120) explica que a abordagem qualitativa nas pesqui-
sas permite que sejam analisados, através da produção de linguagem, “[...] um universo de
significados, crenças e valores que correspondem a um espaço mais profundo das relações e
dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis quantitativas”,
o que possibilita a interpretação subjetiva do mundo dos significados das ações e das rela-
ções humanas, favorecendo assim uma compreensão mais crítica do fragmento de realidade
capturado para estudo.
A comunicação é de extrema importância para a relação do mundo e é também um
gesto bastante marcante que registra o surdo desde o seu nascimento. O surdo, além do
nome pelo qual é batizado, assim como qualquer cidadão , também ganha um sinal. Essa
comunicação envolve elementos independentes capazes de transmitir o valor, potência e
medida da língua “surda”.
Partindo deste princípio BRITO (2004) elucida que a linguagem envolve movimentos
de mãos e corpo com a peça fundamental que é a expressão facial. Esses movimentos são
nomeados de “parâmetros”: “Configuração de mãos: são as formas das mãos, que podem
ser da datilografia (alfabeto manual) ou formas feitas pela mão predominante”.
Segundo o dicionário, o ponto de articulação denomina o lugar onde incide a mão pre-
dominante configurada, podendo a mesma estar em alguma parte do corpo ou podendo estar
em um espaço neutro , vertical ou horizontal. É uma das unidades mínimas que tem relação
com as palavras, sendo de grande importância na analogia do sentido.
De acordo com Quadros, citado por Salles (2004) , na conversão a atitude do emis-
sor é apreendida pelo receptor da cultura do surdo e também para aqueles que procuram o
aprendizado de LIBRAS.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 23


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Pretendeu-se, ainda, contribuir para o entendimento num sentido não somente biológico
do corpo, o corpo-comunicação – uma comunicação presente no corpo do indivíduo surdo
que, mesmo tendo sido superada pela comunicação oralizada e assumindo um papel de des-
taque menor, na falha do primeiro, não desampara o ser humano, mas o serve tão plenamente
que essa falha não remete ao sentimento de perda, mas de simples diferença.
Sobre essa perspectiva é importante ressaltar que, a atitude do falante está aliada a
distinção de tipos frasais, declarativo, interrogativo, exclamativo e imperativo e se manifestam
de maneira similar em ambas as modalidades:
Em Língua de sinais, são utilizadas marcas não manuais, como expressões fisionômicas e movi-
mentos do pescoço, em sincronia com o movimento manual, enquanto na língua oral, é utilizada
a modulação do contorno melódico (entonação e intensidade) da cadeia linguística, em sincronia
com os segmentos fônicos (SALLES, 2004, p. 84).

A arte corporal engloba as atividades que tenham como intuito despertar e aguçar os
cinco sentidos, além de invocar emoções diversas. Tanto o teatro, cinema e dança, são pres-
tezas que o surdo vem participando ativamente mesmo com suas limitações auditivas, por
meio da vibração do som.
O presente trabalho tem como intuito analisar esse universo tão interessante, eu, partindo
de uma necessidade de se comunicar, transmite uma forma de arte e desperta o interesse
de aprender um pouco do universo dessa mistura de som e silêncio que envolve o surdo e
simpatizantes da arte de comunicação e expressão.
A metodologia do trabalho é expressa por meio da bibliografia de autores que mencio-
nam o surdo, sua forma de expressão, a participação e inclusão do sujeito surdo na sociedade
e a arte corporal sob o prisma da linguagem artística que o surdo pratica.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 24


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A EXPRESSÃO CORPORAL POR MEIO nativos no Brasil, mas ficaram especialmente


DA ARTE indignados com o movimento desses corpos
quando estimulados pela música. Do seu
Em meio a inúmeras formas de expres- ponto de vista a mímica dança da era excessi-
sões por meio do corpo e intelecto, podemos vamente insinuante e lasciva, os movimentos
ilustrar por meio da arte as mais diferentes depravados e bombardeados.
emoções humanas. Indignações, protestos,
influências e os cinco sentidos, são formas Além da dança existem outros movi-
de transmitir o pensamento humano que não mentos que fazem parte da comunicação ou
seja a fala. Segundo Olga Reverbel (1989): prática musical. Tocar um instrumento, e tam-
bém uma manifestação que vem por meio da
As capacidades de expressão corporal
música a todas as expressões possíveis de
como relacionamento, espontaneidade,
imaginação, observação e percepção são comunicação:
inatas aos seres humanos, mas necessi- A corporalidade enquanto fonte de ener-
tam ser desenvolvidas através de várias gia coletiva que dá vida a formas sono-
atividades, entre elas as dramáticas, e ras é tematizada em um trabalho de pes-
musicais, as plásticas e os jogos teatrais. quisa sobre os tambores do candomblé
Os benefícios que a expressão corporal uruguaio de Luis Ferreira (1997). Nesta
propicia à criança são muitos, quando música percussiva, produzida por deze-
estimulados precocemente pelo profes- nas de tambores, ocorre uma interação
sor. O movimento corporal é responsável da energia própria do músico com a pres-
pelo desenvolvimento físico e motor do são do som coletivo e das vibrações do
ser humano e, consequentemente, pela solo sobre o seu corpo. Vibrações fortes,
autonomia da própria criança (REVER- quando originárias de uma fonte sonora,
BEL, 1989). neste caso um grupo de candombe, mas
também quando produzidas por uma ba-
As atividades de expressão corporal teria de escola de samba, e mesmo quan-
contribuem e muito para o desenvolvimento do oriundas de caixas de som de um trio
social, emocional e intelectual do ser huma- elétrico ou de uma discoteca, agem dire-
no. A criança que pratica algum tipo de arte tamente sobre o corpo humano. A partir
com o corpo cresce com mais segurança de de certo grau de intensidade 3 ⁄ 4 seja
se expressar, e resolver conflitos internos e de volume ou seja por causa de uma ex-
cessiva duração temporal ¾ a vibração
externos. rítmica tem tal impacto sobre o corpo, que
A dança e a expressão corporal existem pode levar a alteração de seu estado de
consciência (ROUGET, 1983).
desde o início da humanidade. A arte da cor-
poralidade faz parte desde então dos grandes A dança é uma forma de autoconheci-
rituais religiosos além da necessidade de se mento, educação da sensibilidade e forma de
movimentar. O corpo vem carregado de sím- comunicação. Movimentando o corpo estabe-
bolos e expressão que, por meio de ritmos, é lece-se uma íntima relação com a expressão
propagado para várias manifestações, sejam corporal porque é o corpo e os movimentos
religiosas, políticas ou até mesmo em mani- são seus meios de expressão.
festações do próprio emocional humano.
Mas, há uma diferença fundamental
No momento em que os portugueses entre dança e expressão corporal. Na dan-
chegaram à África Meridional assustaram-se ça, as academias estão preocupadas com a
não somente com o corpo desnudo dos afri- formação do profissional. Seus cursos estão
canos a reação semelhante àquela de Pero calcados nas metodologias, nos processos
Vaz de Caminha quando deparou com os de ensino-aprendizagem, discutem o campo
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 25
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

crítico-reflexivo. Em outras palavras, a dança Podemos dizer que, nas danças do final
está mais ligada a um caráter sério e técnico do século XIX para os dias de hoje, existe uma
pautado em fundamentos teóricos e que não preocupação maior com a consciência do mo-
dá espaço para a ludicidade. vimento. Para atingir esta consciência utiliza
técnicas diferenciadas da dança clássica. Uma
Já na Expressão Corporal o que se vê é técnica onde a expressão corporal descreve
mais um “brincar” com o corpo de onde não um resumo denso e breve do cotidiano, do
se descarta a linguagem, as sensações, os cultural, das necessidades e desejos humanos
sentimentos e pensamentos realizados com e bem menos do irreal e do imaginário.
ele. Segundo Brikman (1989): “[...] a Expres-
As danças atuais já não privilegiam o
são Corporal desempenha e amplia todas as
bailarino por seu virtuosismo, mas iguala a
possibilidades humanas. Possibilidades que
todos no mesmo patamar quando a dança
trazem o conhecimento pessoal e individual,
é feita por um grupo. A expressão de todo
dando ao corpo a oportunidade de manifestar o nosso corpo, é carregada de história. Os
suas experiências e vivências do cotidiano e símbolos de arte e comunicação sempre fize-
da arte”. ram parte da busca da sociedade e grupos.
Muitas vezes o ser humano se depa- Antes mesmo dos desenhos pré-históricos e
ra com a dificuldade de se expressar, o que de toda a arte, a linguagem corporal busca
pode atrapalhar até mesmo a vida profissional e cria caminhos (in) conscientes para a alta
do indivíduo e, consequentemente, na auto- expressão e relacionamento, a esse respeito
Weil e Tompakow (2003) afirmam:
estima e felicidade. O surdo por sua vez, tem
vantagem sobre essa dificuldade. Desde tempos imemoriais, usamos sím-
bolos – mensagens sintéticas de significa-
A sua visão e o poder de observação do convencional. São como ferramentas
são muito mais aguçados, devido à falta de especializadas que a Inteligência humana
sentido da audição, o poder de comunica- cria e procura padronizar para facilitar a
ção e expressão corporal do surdo é muito sua própria tarefa – a imensa e incansá-
vel tarefa de compreender (WEIL; TOM-
mais detalhado do que do ouvinte. Por meio PAKOW, 2003, p. 25).
da recepção da vibração da música o surdo
sente a vibração e transmite o seu sentimento, O ambiente em que elas acontecem
ou emoções com propriedade, haja vista eu não são somente os palcos dos grandes e
observa o mundo com uma visão muito mais imponentes teatros, mas acontecem também
rica em detalhes. nas ruas, praças, galerias, shopping centers,
estações de metrô etc. Os movimentos não
A expressão corporal é uma das formas são os padronizados pelas danças clássicas,
de comunicação não verbal do ser vivo em são mais leves e soltos, pois estimulam a cria-
sua relação com os outros seres. Todos os ção, as pesquisas sobre novos movimentos
seres humanos, algumas atitudes, algumas e novas possibilidades de realização. Mas,
expressões denotam claramente o estado de tanto umas como as outras são estéticas, ou
ânimo do indivíduo e a prática da observação seja, o belo sempre está presente.
adquirida na própria vida de relações sociais Uma dança (clássica ou expressiva corpo-
nos ensina a distinguir e interpretar cada uma ral) nunca está pronta. Sempre há espaço para a
dessas expressões, pois tudo que o ser hu- criatividade, para uma expressão interior, para um
mano realiza na realidade de todo o dia exige novo sentimento ou pensamento impresso num
uma expressão corporal que pode denotar movimento. E este está repleto da contribuição
um especial estado da alma. pessoal. Então, passa a ser único, original e cria-
tivo (WEIL; TOMPAKOW, 2003, p. 25).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 26
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O SURDO E A ARTE Reproduzimos com afinco, ainda que


não percebamos a linguagem corporal. Ela
A arte humana está ligada a manifesta- diz muito sobre nossa psique e vida histórica,
ções de ordem estética, feitas por sujeitos a entendê-las, faz parte de compreendermos o
partir da observação, emoção e ideias, sob meio e o nosso eu.
o intuito de transmitir ou estimular a consci-
ência a uma ou mais pessoas , mas cada um Inferindo que a expressão corporal pode
absorve um entendimento em relação à arte. contribuir para a formação cidadã, levando o
As atividades da arte estão ligadas a estética educando a interagir com o próximo e conhe-
e pela forma pela qual ela é transmitida, e é cer um pouco de si mesmo, percebemos que
classificada pelo meio em que ela é realiza- nas aulas de arte no ensino básico há pouca
da, seja por sons, imagens ou matéria (WEIL; ênfase neste conteúdo ao longo de todos os
TOMPAKOW, 2003, p. 25). anos do ensino fundamental e médio, deixan-
do em segundo plano um objeto de estudo
No termo em latim, a arte significa téc- que vai ao encontro das necessidades do alu-
nica/habilidade. A definição de arte varia de no (WEIL; TOMPAKOW, 2003).
acordo com a época e a cultura, por ser arte
rupestre, artesanato, arte da ciência, da re- A trajetória da arte consiste em uma ci-
ligião e do artifício. Nos dias atuais, arte é ência que estuda os movimentos artísticos,
usada como a atividade artística ou o produto as modificações na valorização estética, as
da atividade artística. A arte é uma criação obras de arte e os artistas. Esta análise é fei-
humana com valores estéticos, como bele- ta de acordo com a vertente social, política e
za, equilíbrio, harmonia, que representam um religiosa da época que é analisada.
conjunto de procedimentos utilizados para Por meio da história da arte é possível
realizar laboras (WEIL; TOMPAKOW, 2003, p. aprender um pouco sobre o ser humano atra-
25). vés da evolução das diversas expressões e
Na concepção dos povos primitivos, a mostras artísticas. A arte apresenta-se através
arte, a religião e a ciência andavam juntas na de diversas formas como, a plástica, música,
figura, e originalmente a arte poderia ser en- escultura, cinema, teatro, dança, arquitetura
tendida como o produto ou processo em que etc. Existem várias expressões que servem
o conhecimento é usado para realizar deter- para descrever diferentes manifestações de
minadas habilidades. Para os gregos, havia a arte, por exemplo: artes plásticas, artes cêni-
arte de se fazer esculturas, pinturas, sapatos cas, arte gráfica, artes visuais, etc.
ou navios (WEIL; TOMPAKOW, 2003). Segundo Gomes (2011), desde os pri-
A arte é um reflexo do ser humano e mórdios da existência humana, os recursos
muitas vezes representa a sua condição so- visuais são utilizados com o objetivo de se
cial e essência de ser pensante. E o homem expor ideias. Isso pode ser observado des-
reage ao meio com a linguagem corporal, de as pinturas rupestres registradas em sítios
pela vida, por sua sobrevivência, e pela ma- arqueológicos e que retratam os modos de
neira de compreendê-la. Isto está gravado e vida de povos antigos até o atual contexto
é necessário ao homem hoje e desde tempos de cultura visual que já há tempos vem se
remotos. consolidando a partir da difusão de artefatos
visuais diversos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 27


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nesse contexto, é possível afirmar que identidade cultural, mas segundo Hall (2002),
o atual mundo contemporâneo tem se cons- a mesma não está livre das diferenças. Con-
tituído como um verdadeiro palco de difusão figura-se como uma cultura imaginada, que
das produções visuais, sobretudo, a partir das são as memórias do passado, a vontade por
mídias digitais e das novas tecnologias, refle- viver em conjunto e a perpetuação da heran-
tindo uma clara influência da indústria cultu- ça.
ral que tem produzido imagens diversas com
Está sendo desconstruída como iden-
objetivos essencialmente mercadológicos e
tidade unificadora e deslocada pela globali-
capitalistas (GOMES, 2011).
zação. “Mas seria a identidade nacional uma
As novas tecnologias, desde meados identidade unificadora desse tipo, uma iden-
do século XX, têm potencializado os meios tidade que anula e subordina a diferença cul-
visuais de comunicação. Hoje, mais do em tural?” (HALL, 2002, p. 63).
que qualquer outro período da história da hu-
O autor relaciona ainda a identidade ao
manidade, dispõe-se de muito mais recursos
processo de globalização, característica da
visuais que podem ser facilmente acessados
pós-modernidade, na qual as sociedades es-
na internet e encontrados nos outdoors, nas
tão em constantes mudanças, se opondo às
faixas, nos cartazes, nos livros, nas ruas, nos
tradicionais, em que predominavam o coleti-
muros, na televisão, nos smartphones, sen-
vismo e a tradição (HALL, 2002 ,p. 63).
do considerados elementos já popularizados
no cotidiano da população mundial (GOMES, A partir dos estudos aqui pesquisados
2011). suas análises a partir dos pressupostos epis-
temológicos da pesquisa do tipo qualitativa,
E esse contexto de massificação dos
pois se acredita que esta, por seu caráter sub-
aparatos visuais têm tornado imperativo o
jetivo que transcende as objetividades quan-
desenvolvimento de dispositivos adequados
tificadas através de dados numéricos e esta-
para a leitura e a interpretação dos artefatos
tísticos, possibilita uma maior reflexão crítica
da cultura visual que se fazem presentes na
acerca dos elementos culturais apontados
atualidade (GOMES, 2011).
nas imagens (HALL, 2002).
Assim, tem se desenvolvido o campo
O SOM E O SILÊNCIO
de estudos da “Cultura Visual” – uma área
interdisciplinar de investigação inspirada nos A arte da música deve ser propagada a
estudos culturais que têm se centrado nas todos, assim como mencionado a música faz
questões de interpretação e compreensão parte da relação do homem com o mundo. A
dos sujeitos pós-modernos no que se refe- necessidade de se movimentar por meio do
re à sua relação com as visualidades a que som é uma questão natural do corpo e deve
são expostos diariamente, contemplando em ser compartilhada a surdos e ouvintes.
suas discussões temáticas das mais variadas
ordens (MIRZOEFF, 2003). A diferença e a recepção do som, por
meio de vibrações o surdo consegue captar o
Além disso, o campo de estudos da cul- som por intermédio dos pés e abdomes. Elas
tura visual tem buscado compreender fatos sentem os movimentos cardíacos por meio do
do cotidiano e da experiência humana que, de ritmo da caminhada, e conseguem captar o
alguma forma, são interpelados pelas produ- som da música. Segundo Leinig:
ções visuais. A cultura nacional é constituída
por pessoas de diferentes grupos, classes
ou gêneros. Busca-se unificá-las numa única
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 28
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A música fez parte de todos os períodos Patrícia Stokoe (apud Leinig, 2009,
pelos quais passou a humanidade, sendo p.449) afirma que :
considerada também como uma parcela
desse fluir contínuo e ininterrupto de fatos Muitas vezes os seres humanos não co-
e eventos ocorridos que marcaram a vida nhecem realmente o seu próprio corpo,
dos nossos antecessores (LEINIG, 2009, só passam a ter consciência de si mes-
p.37). mos a partir do momento em que o outro
o molesta”, assim o indivíduo precisa in-
Uma grande limitação que rodeia a re- tegrar as áreas físicas, afetivas e intelec-
lação música-surdo é o conceito pré-estabe- tuais para que o seu corpo possa trans-
lecido de que a música foi feita apenas para mitir vários níveis, sua linguagem corporal
aqueles que a ouvem. Há pessoas, contudo, (STOKOE apud LEINIG, 2009, p.449).
que compartilham de outra opinião: a de que Leinig (2009) trata as técnicas de Ex-
a música não foi feita apenas para ser ouvi- pressão Corporal como meio de resgate e
da, mas também para ser sentida, percebida enriquecimento da linguagem do corpo para
e vivida. Iniciando na infância, o surdo pode melhor interação do indivíduo consigo mesmo
aprender a perceber os sons que o cercam: e com o meio em que vive. Quando subme-
Experiências musicais gratificantes na tidos aos ritmos musicais, se sentem livres.
infância podem ser a pedra inaugural Cada um pode escolher a sua dança e os
para o ser musical do surdo e constituir movimentos capazes de trazer a sensação
elemento inestimável para a sua forma- de liberdade.
ção, o desenvolvimento de sua sensibi-
lidade e uma vida mais saudável e feliz. A LINGUAGEM CORPORAL DO SURDO
Isso mostra a importância de propiciar a SOB O PRISMA ARTÍSTICO
música de forma mais lúdica e prazerosa
na infância, para que a criança possa se Antecipadamente ao estudo da lingua-
apropriar dela sem reservas (HAGUIARA- gem faz-se necessário procurar uma defini-
-CERVELLINI, 2003, p. 204) ção adequada para o termo. Fernandes, Luft
Constituída pela união de som, ritmo e e Guimarães (1991) deliberam a linguagem
letra (poesia), a música leva o corpo a ex- como qualquer meio de exprimir o que se
pressar sentimentos. As batidas do coração, sente ou se pensa e Crystal (2000, p. 160) faz
bombeando sangue e oxigênio para todo o a seguinte descrição em relação ao assunto:
nosso corpo obedecem a um ritmo constante [...] termo de sentido abstrato que se re-
e vívido, que reflete a vida. A combinação dos fere à faculdade biológica que possibilita
lábios, dos olhos, das mãos e das pernas é aos indivíduos aprender e usar a sua lín-
capaz de passar mensagens, assim como a gua – uma capacidade implícita na noção
de dispositivo da aquisição da linguagem
vida, que é uma grande sinfonia, onde cada
da psicolinguística (CRYSTAL, 2000, p.
um é seu próprio instrumento. 160).
Para Haguiara-Cervellini (1986 p.20) E ainda acrescenta que a aplicação po-
O corpo atua como também como um pular do termo [linguagem] se concentra nos
“portador da linguagem” através de seus modos de comunicação que não são fala ou
movimentos que são elementos integran- escrita (“a linguagem do corpo”, a “linguagem
tes da comunicação (gestos, atitudes,
dos olhos”).
mímica)”. Pode-se lançar mão de vários
movimentos corporais para estabelecer Saussure (1989) revela duas faces da
comunicação e expressar sentimentos, linguagem, uma individual e uma social. Po-
opiniões, sem o uso de palavras (HA-
GUIARA-CERVELLINI, 1986 p. 20).
rém, indica que, como um todo, a linguagem

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 29


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

se revela fora do comum e não se permite Para Abbagnano (2000, p. 161). Filóso-
classificar em nenhuma categoria, pois ao fos e sociólogos utilizam hoje esse termo para
mesmo tempo é física, fisiológica e psíqui- designar o caráter específico das relações hu-
ca; pertence ao domínio social e individual, manas que são ou podem ser relações de
e, portanto, não se pode inferir sua unidade. participação recíproca ou de compreensão.
Portanto, esse termo vem a ser sinônimo de
Continuando a considerar as ideias de
“coexistência” ou de “vida com os outros” nos
Saussure (1989), a linguagem se constitui em
quais resta certa possibilidade de participa-
sua face individual, como produto do tempo
ção e compreensão.
passado e presente, sendo construída pelas
vivências do sujeito. O parâmetro sobre a dis- A estrutura comunitária, de acordo com
tinção social corresponde à língua, já que é Carvalho (1967, p. 25):
necessário um acordo entre os indivíduos que É que haja algo de comum entre os in-
utilizam os mesmos signos linguísticos para divíduos a partir da participação recípro-
que haja uma compreensão plena das ideias ca nos “seus modos de ser”. Comunicar,
expressas entre si. deste modo, significa estabelecer comu-
nidade. “Estabelecer comunidade é, pois,
Desse modo, a linguagem pode ser também, função da linguagem como for-
definida como meio de comunicação usado ma ou processo de comunicação'' (CAR-
pelo homem para exprimir seus pensamen- VALHO, 1967, p. 25).
tos, sentimentos e intenções. Esse meio de Analisando e agregando a este pensa-
comunicação não se restringe aos sons ou à mento, o mesmo autor ressalta que a comu-
escrita, mas a qualquer veículo adotado para nicação entre os seres humanos representa,
que haja troca de informações ou apenas a ao mesmo tempo, uma condição e o resul-
transmissão da mensagem. Esse meio pode tado da comunicação como primeiro a en-
ser, por exemplo, o corpo, por meio da lingua- tendemos. Assim, comunicar significa trans-
gem corporal. mitir, dar a outro, “[...] transmitir para posse
A relação direta de Carvalho (1967, p. de outro aquilo que desde agora passa a ser
25): Assentamos, pois que pela linguagem comum” (1967, p. 25).
o homem comunica ou (apenas) exterioriza A comunicação não é somente meio de
alguma coisa, devemos determinar o que é participação e integração social, mas é ain-
isto que assim é comunicado ou externado. da meio de desenvolvimento individual, pois
Antecipadamente convirá que nos de- de acordo com Borba (2005) interpretamos
tenhamos um pouco a considerar qual seja e traduzimos nossas experiências, sejam elas
a própria essência do que chamamos comu- simples ou complexas em termos de proces-
nicação em que consistirá essencialmente o so de concessão.
fenômeno que é o comunicar, no qual vemos A similaridade com este pensamento
o homem empenhado com os seus seme- que define a comunicação como ato de coe-
lhantes: Podemos concluir da palavra comu- xistir, comunicar é uma necessidade humana,
nicação o termo tornar comum, ou seja, “[...] que existe desde os primórdios da humanida-
dar ao outro alguma coisa que não deixa de de. Um dos meios mais antigos e primitivos
ser meu, entregar lhe algo que continua a de comunicação, que precedeu a linguagem
pertencer-me” (CARVALHO, 1967, p. 25). oralizada, foi a linguagem corporal. Realmen-
te primitivo, mas tão importante que persiste
como meio de comunicação até a atualidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 30


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Oliveira Filho (1968, p. 242), chega a Na linguagem surda também está ins-
entender que a linguagem corporal, denomi- crita a atitude que o sujeito adquire perante
nada por ele linguagem visual (dançada, ges- o mundo, a forma que o encara. Por outro
ticulada, mímica) é muito mais antiga do que lado, embora esteja sob os mesmos princí-
talvez se possa arquitetar. pios que qualquer outra pessoa, o indivíduo
Segundo o autor, essa linguagem não surdo aprende a explorar de forma mais efe-
teve um longo exame de sua antiguidade, tiva as possibilidades do corpo como princí-
principalmente como instrumento de comuni- pio comunicativo, vinculando-a muito mais ao
cação entre os homens. Sobre este aspecto, âmbito consciencioso.
o autor relaciona que mesmo com o desen-
E não só confirmando isto como tam-
volvimento da linguagem oral articulada, (ou,
bém enfatizando, Felipe (2001, p. 64) coloca
como chamamos, oral auditiva), a linguagem
que “O surdo tem um modo próprio de olhar
visual, ou seja, corporal, ainda conserva mui-
tas de suas antigas manifestações, como o mundo onde as pessoas são expressões
meio importante na comunicação entre os faciais e corporais”. “Como fala com as mãos,
seres, tanto entre os seres humanos quanto evita usá-las desnecessariamente e quando
entre os animais. as usa, possui uma agilidade e leveza que
podem se transformar em poesia”.
Oliveira Filho (1968, p. 244-245) lembra
que a linguagem corporal foi à primeira forma O surdo, a partir do silêncio “verbali-
de comunicação e que surgiu da necessida- zado”, desenvolveu uma espantosa capaci-
de de um instrumento que permitisse a in- dade de comunicação por meio das mãos e
tercomunicação dos seres das mais diversas do corpo. Essa habilidade está presente até
espécies, já que estes não eram dotados de mesmo nos surdos que não se comunicam
órgãos capazes de produzir sons: utilizando a língua de sinais. Os estudos pu-
Vê-se, pois, que a ”consciência“ ou, mais blicados por Brito (2004) comprovam que o
precisamente, o sentimento da necessi- surdo tem a capacidade de aproveitamento
dade de um instrumento de intercomuni- das expressões faciais e corporais, e que este
cação surgiu logo que foram aparecendo supera as limitações linguísticas.
as primeiras espécies animais. Por não
possuírem sons, só lhes resta apelar para surdos de países com língua de sinais di-
a linguagem visual. Consequentemente, ferentes comunicam-se mais rapidamente
quem abriu caminho para atender às mais uns com os outros, fato que não ocorre
remotas necessidades de intercomunica- entre falantes de línguas orais, que neces-
ção foi a linguagem visual. Ela guardou sitam de um tempo bem maior para um
todos os estímulos criadores de lingua- entendimento. isso se deve à capacidade
gens; constitui, pois, a primeira estratifi- que as pessoas surdas têm de desen-
cação de processos inter comunicativos. volver e aproveitar gestos e pantomimas
Como infraestrutura de todas as lingua- para a comunicação e estarem atentos às
gens, tendo surgido milhões de anos que expressões faciais e corporais da pessoa
fossem aparecendo as outras (sonoras, (BRITO, 2004).
sonoro-orais-articuladas), a linguagem
visual, nas diferentes modalidades, além
Após a teoria citada acima, comprova-
de ser entendida por todos os homens mos como o aproveitamento do corpo pelo
também o é, em parte ainda, por muitos surdo é eficaz e o quanto a linguagem corpo-
animais quando dos contatos interespecí- ral é importante para se estabelecer comu-
ficos. Estes compreendem os gestos que nicação, independente das barreiras linguís-
representam ameaça, agressão, atração ticas. Sendo assim, os “ouvintes” têm muito
(alimentar etc,), agrado, diversão (OLIVEI-
RA FILHO, 1968, p. 244-245).
que aprender, ou seja, reaprender. Retomar

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 31


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

atitudes conduzirá, assim como o fazem os O corpo se expressa tanto em movimen-


surdos, ao aperfeiçoamento, e revelará um tos peculiares ou gerais, tanto de forma
mais externa (com o movimento das mãos
mundo novo repleto de probabilidades. Se-
quando se está apontando para algo e
gundo Merleau Ponty (1999, p. 269): o criticando) como mais interna (como
Quer se trate do corpo do outro ou de quando alguém sente vergonha e a sua
meu próprio corpo, não tenho outro meio pele fica avermelhada), a esse respeito,
de conhecer o corpo humano senão vivê- Weil e Tompakow (2003) nos trazem: Há
-lo, quer dizer, retomar por minha conta o um número imenso de ações – reações
drama que o transpassa e confundir-me programadas no nosso sistema nervoso –
com ele. Portanto, sou meu corpo, exata- que é, ele próprio, nosso sistema de per-
mente na medida em que tenho um saber cepção. Muitas percepções são incons-
adquirido [...], (PONTY, 1999, p. 269). cientes, anteriores até à própria espécie,
como por exemplo, os que governam os
O corpo é nosso “esboço”, nos retrata nossos movimentos intestinais (BRITO,
assim como somos. Devemos assim “apro- 2003, p.75).
veitar” esse corpo, experimentá-lo, descobrin- Todo embasamento que permeia a co-
do as amplas possibilidades disponíveis e, municação em Libras está fundamentado na
dentro dessas, a possibilidade comunicativa. comunicação corporal e, o que se chama pa-
Essa teoria é fascinantemente explorada pe- lavra nas línguas orais-auditivas, nas Línguas
los indivíduos surdos, que utilizam a língua de Sinais são chamados de sinais. Ainda fo-
própria de sua concordância. E se destacam caliza que a Libras tem a característica de
de forma relevante quando utilizam a Libras, ser uma modalidade gestual-visual, ou seja,
pois conseguem explorar as possibilidades utiliza como canal de comunicação movimen-
do corpo como meio tratável. tos gestuais e expressões faciais que são per-
A língua de sinais admite então, a ca- cebidos pela aparição.
racterística de pedra angular para essa comu- A relação entre a comunicação e a ima-
nidade. A este respeito Brito (2004) ressalta gem, entre os membros da comunidade sur-
que a Libras tem características favoráveis. da, é fundamental tanto para o emissor quan-
Comunicamos aos outros e a nós mes- to para quem absorve. Por meio dessa ideal,
mos o tempo todo desde tempos remotos e é que surge o entendimento da importância
para isso não dispomos apenas de palavras, da linguagem corporal no universo da surdez
mas também de expressões faciais, ou cor- de maneira consciente, pois ela, a linguagem
porais. Quando sentimos alegria, vergonha, corporal, é uma forma de linguagem visual
raiva, fome, sono, vontade de experimentar que, a partir da organização das informações
algo novo, reprovação comportamental, etc. e imagens, permite o entendimento recíproco:
Assim, para corresponder aos nossos Os surdos, ao se comunicarem, procuram
organizar espacialmente os sinais, de for-
sentidos o corpo demonstra através de sua
ma que um cenário espacial possa ser
expressão, tal correspondência. Percebemos montado em frente ao emissor e visuali-
quando alguém expressa uma opinião sobre zado pelo receptor. “A pessoa pode apon-
determinado assunto e sua expressão corpo- tar para uma posição distinta no espaço
ral diz o contrário. Mesmo quando algumas enquanto faz o sinal de um nome conec-
expressões são padronizadas para critério de tando assim a palavra àquela posição”
(HICKOK; BELLUGI; KLIMA, 2004, p. 53).
entendimento geral globalizado ou mesmo de
uma sociedade ou grupo,

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 32


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Por meio de inúmeras, podemos con- Neste aspecto, a expressão corporal é


cluir que os educadores têm utilizado em suas reconhecida como meio facilitador das intera-
estratégias metodológicas a expressão corpo- ções e convivências, possibilitando uma par-
ral como forma de linguagem e comunicação ticipação autônoma do aluno com deficiência
entre alunos com deficiência auditiva, alunos auditiva no seu meio. Já os eu não escutam,
ouvintes e professores. Estas estratégias vêm as expressões oferecem dicas de qual a ento-
sendo criadas nos ambientes escolares na nação se quer dar a frase, como alegria, raiva,
tentativa de oferecer o ensino e garantia de espanto, emoção.
ambientes de ensino aprendizagem. Apesar
Com isso, nota-se que a expressão cor-
de haver pouca formação por parte dos pro-
poral pode ser considerada como conteúdo
fissionais em capacitação para comunicação
que contribuirá no desenvolvimento da lingua-
com surdos e deficientes auditivos, alunos
gem e também na formação de diferentes as-
e professores têm buscado criar diferentes
pectos relacionados à comunicação e intera-
meios de comunicação e interação.
ção social do deficiente auditivo em seu meio.
Neste aspecto, a música, a dança e o
ritmo tornaram instrumentos de comunicação
e linguagem entre surdos e ouvintes, permitin-
do assim inclusão do aluno com deficiência
no seu ambiente, seja ele escolar, familiar e
social.
Algumas pesquisas mostram dados
acerca do desconhecimento, por parte dos
profissionais de ensino, da Língua Brasileira
de Sinais - LIBRAS. Este instrumento de co-
municação poderia ser um facilitador como
meio de transmissão e comunicação do ou-
vinte com o aluno com deficiência auditiva .
Diante das dificuldades na comunica-
ção entre ouvintes e surdos, os professores
foram questionados sobre os principais ins-
trumentos de comunicação utilizados como
forma de linguagem. A análise obtida é de
que, a expressão corporal através dos movi-
mentos corporais é um dos meios mais uti-
lizados como forma de comunicação entre
surdos e ouvintes.
Assim as expressões corporais servem
para transmitir ideias, palavras, sentimentos
e desejos que podem ser realizadas através
de simples movimentos, servindo como veí-
culo de informação e comunicação. A expres-
são ou linguagem corporal pode ser utilizada
como um instrumento de mediação entre os
surdos e ouvintes.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 33
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Observando a história da comunidade dos surdos, verificamos que muitos métodos
surgiram e foram modificados posteriormente com o reconhecimento das línguas de sinais.
Para isso, muitos paradigmas tiveram de ser quebrados.
Reconhecer e comprovar que a língua de sinais tem estruturas como as línguas orais
tem sido um desafio para muitas culturas e por isso, as pesquisas a esse respeito continuam.
Os surdos ganharam voz e começaram a reivindicar por direitos que antes não lhes eram
concebidos. O reconhecimento da cultura surda tem proporcionado ainda mais estudos rela-
cionados à comunidade surda.
O respeito tem se tornado presente em relação à cultura surda, apesar de algumas ex-
ceções que insistem em não refletir na possibilidade de uma cultura bilíngue e a troca cultural.
A possibilidade musical para surdos também não é plenamente aceite, visto que se música
é som, como alguém que não ouve pode desfrutar ou mesmo produzir desta manifestação
sonora.
Vimos que é possível sim, mesmo sem ouvir, fazer parte de uma realidade musical.
Embora esta realidade seja diferenciada, isto é, partindo do parâmetro vibracional, a estética
musical que nós ouvintes temos pode também ser analisada pelos surdos. A estética oci-
dental da música tonal está baseada em tensão e repouso. Podemos notar isso através de
acordes de tônica e dominante. Se a pessoa surda também tem essa percepção, como cita
Sacks (1998), de repouso e tensão, significa que a apreciação musical parte do princípio do
tonalismo.
Desta forma, mais uma vez percebemos que tantos ouvintes e surdos tem a mesma
possibilidade de realização musical, cada um com as suas particularidades. A partir de pes-
quisas realizadas no trabalho realizado, podemos verificar a possibilidade que o surdo tem de
entender e fazer música, como também expressar por meio da linguagem corporal. Através
deste trabalho, percebe-se que o surdo não está alheio à música e que pode se desenvolver
socialmente com o reconhecimento de vibrações sonoras e do ritmo musical, elementos com
os quais o surdo pode exercer o prazer de dançar.
A concepção de que música não faz parte da cultura surda é errônea. Percebemos, pe-
los resultados colhidos nesta pesquisa, que a grande maioria dos surdos considera a música
como algo fundamental em suas vidas. Espera-se que esta pesquisa seja apenas o começo
dos muitos estudos que virão, necessariamente, pela frente e que as portas do conhecimento
estejam sempre abertas para aqueles que querem mostrar que ouvintes e surdos são igual-
mente capazes, apenas apresentam características diferentes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 34


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. 4. ed. São MADUREIRA, José Rafael. François Delsarte: fragmen-
Paulo: Martins Fontes, 2000. tos de corpo, expressão e dança. XIII CONBRACE –
Anais do XIII Congresso brasileiro de ciência do esporte.
BORBA, Francisco da Silva. Introdução aos estudos lin-
14 a 19 de Setembro de 2003, Caxambu, Minas Gerais.
guísticos. 14. ed. Campinas, SP: Pontes, 2005.
MERLEAU-PONTY, Maurice. Fenomenologia da percep-
BRITO, Lucinda Ferreira. Estrutura linguística da LIBRAS.
ção. 2. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1999.
Disponível em: . Acesso em: 8 dez. 2004.
MOURA, Cristina B. F. de; GÓES, Maria Cecília R. Sur-
CARVALHO, José Herculano de. Teoria da linguagem:
dez, Processos Educativos e Subjetividade. São Paulo.
natureza do fenômeno linguístico e análise das línguas.
Editora Lovise, 2000.
Coimbra: Atlântida, 1967.
OLIVEIRA FILHO, A. Marques de. Um ensaio de pale-
CRYSTAL, David. Dicionário de linguística e fonética. Rio
olingüística. Rio de Janeiro: Livraria Acadêmica, 1968.
de Janeiro: Jorge Zahar, 2000.
ORLANDI, Eni Puccinelli. As formas do silêncio: no mo-
CAPOVILLA, Fernando César; WALKIRIA, Duarte Rapha-
vimento dos sentidos. 4. ed. Campinas, SP: Editora da
el. Dicionário Enciclopédico Ilustrado Trilíngüe da Língua
UNICAMP, 1997.
de Sinais Brasileira. Volume 2. 3ª ed. São Paulo: Editora
da Universidade de São Paulo: Imprensa Oficial de Es- PADDEN, C.; HUMPHRIES, T. Deaf in America: Voices
tado, 2001 from a culture. London: Harvard University Press, 1999.

DAVIS, Flora. A comunicação não-verbal. 7. ed. São Pau- QUADROS, Ronice Müller. O tradutor e intérprete de Lín-
lo: Summus, 1979. gua Brasileira de Sinais e Língua Portuguesa. Secretaria
de Educação Especial: Programa Nacional de apoio à
DEMO, Pedro. Metodologia científica em ciências so-
educação de surdos. Brasília. S/D.
ciais. 3. ed. São Paulo: Atlas 1995.
MEC; SEESP, 2004. ______. 1995. A expressividade na
FELIPE, Tanya A. Libras em contexto: curso básico livro
Língua de Sinais. In: STROBEL, K. (Org.). Surdez: abor-
do estudante. Recife: EDUPE, 2002.
dagem geral. Curitiba: APTA/FENEIS. SALLES, Heloísa
FERNANDES, Francisco; LUFT, Celso Pedro; GUIMA- Maria Moreira Lima et al. Ensino da Língua Portuguesa
RÃES, F. Marques. Dicionário brasileiro Globo. 18. ed. para surdos: caminhos para a prática pedagógica. Vo-
São Paulo: Globo, 1991. lume 1. Programa nacional de apoio à educação de
surdos. Brasília: MEC; SEESP, 2004.
GARAUDY, Roger. Dançar a vida. 6. ed. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 1980. SAUSSURE, Ferdinand de. Curso de linguística geral.
São Paulo: Cultrix, 1989.
HAGUIARA-CERVELLINI, Nadir. A Musicalidade do sur-
do: representação e estigma. São Paulo: Plexus Editora, WATCH TOWER bible and tract society of Pennsylvania
2003. e Sociedade Torre de Vigia de bíblias e tratados. Benefi-
cie-se da Escola do Ministério Teocrático. Brooklyn, New
HICKOK, Gregory; BELLUGI, Ursula; KLIMA, Edward S. A
York, USA: Watch Tower bible and tract society of New
Língua de Sinais no cérebro. Scientific American Brasil,
York, Inc; Cesário Lange, São Paulo, Brasil: Sociedade
2004.
Torre de Vigia das bíblias e tratados, 2001.
KENDON, Adam. Movement Coordination in Social Inte-
WEIL, Pierre. O corpo fala: a linguagem silenciosa da
raction: Some Examples Described. Acta Psychologica,
comunicação não-verbal.1990.
v. 32. 1970, pp. 1-25. KRISTEVA, Julia. História da lin-
guagem. Lisboa. Portugal: Edições 70, 1969.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 35


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade Oswaldo


Cruz (2005); Professora de Educação Infantil e
Fundamental I, exercendo o cargo de Assistente
de Diretor na PMSP.

ANA PAULA
ALVES VIEIRA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 36
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS COMO FERRAMENTA PARA


O PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

RESUMO: As Histórias em Quadrinhos vêm conquistando um espaço considerável na Educação


e estão se tornando um importante recurso de inserção dos educandos no mundo da leitura e
do conhecimento. As Histórias em quadrinhos são capazes de promover a interdisciplinaridade
entre os diversos conteúdos curriculares, ajudam a promover a prática da leitura e aproximam as
crianças de outros tipos de arte, como as artes plásticas, o teatro e a música, além, é claro, de
serem importantes no processo de alfabetização e letramento. As HQs possuem uma linguagem
simples e de fácil compreensão para os alunos, que em geral não oferecem resistência a seu
uso. Neste sentido, o objetivo dessa pesquisa é conceber a arte e a literatura em seus aspectos
de manifestações culturais presentes na vida humana, e as possibilidades que elas agregam no
desenvolvimento integral dos alunos que estão iniciando sua jornada no Ensino Fundamental.
Assim, lançamos mão da história em quadrinhos como uma possibilidade de qualificar a formação
dos alunos do Ensino Fundamental, auxiliando na alfabetização e letramento, colocando em
evidência o gênero “quadrinho”, tão rico em simbologias que abordam situações cotidianas bem
presentes na infância.

Palavras-chave: História em Quadrinhos; Alfabetização; Letramento; Ensino Fundamental.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 37


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO
Desde a antiguidade, a arte ocupa papel relevante na vida dos seres humanos e na
sociedade de uma forma geral, como modo de manifestação artística e de comunicação.
A arte é tão importante para a vida das pessoas, que Barbosa (2009, p. 27) é categó-
rica em suas palavras ao afirmar que “[...] se a arte não fosse importante não existiria desde
o tempo das cavernas, resistindo a todas as tentativas de menosprezo”.
Sabe-se que esta antiga forma de arte e de expressão já existia desde pinturas ou dese-
nhos realizados pelo homem pré-histórico, que representavam imagens de animais caçados
e abatidos por este e, que ao longo de nossa história, foram sendo veiculados de diversas
formas e disseminando informações das mais diferentes maneiras, resultando em imagens
bíblicas, em impressos literários, publicitários e escolares, até chegar à forma de tiras em
jornais e revistas de histórias em quadrinhos, que acabaram se tornando grandes veículos de
comunicação popular em todo o mundo:
O ato de contar histórias está enraizado no comportamento social dos grupos humanos – antigos
e modernos. As Histórias são utilizadas para ensinar o comportamento dentro da comunidade,
discutir morais e valores, ou para satisfazer curiosidades. Elas dramatizam relações sociais e os
problemas de convívio, propaga ideias ou extravasa fantasias. Contar uma história exige habilidade
(EISNER, 2005, p. 11).

O homem desde o início de sua jornada na vida enfrentar diferentes situações cotidianas,
que o leva a adquirir e construir diversas interpretações de vivências e conhecimentos, criando
uma nova visão e direcionamento referente às mais variadas formas de emoções, como dor,
medo, perdas, entre outros sentimentos, que são bem comuns no dia a dia de nossas crianças.
Seguindo essa linha de raciocínio, fica perceptível a necessidade de se trabalhar a
literatura e ensino da Arte com as crianças já em sua primeira infância, pois, é por meio do
hábito da leitura e da apreciação da arte, que ela irá obter a consciência de mundo no qual
está inserida, criando significados de forma prazerosa, sendo capaz de desenvolver a imagi-
nação, seu senso emocional e cognitivo e, assim, transformando-se em um cidadão crítico e
reflexivo. Conforme afirma Oliveira (1995, p. 27), “essas formas de cultura é que fornecem ao
indivíduo os sistemas simbólicos de representação da realidade”.
Nesse sentido, o objetivo deste trabalho é demonstrar a capacidade da arte e da litera-
tura de transformar a realidade e a formação do ser humano. Para isso, selecionamos como
objeto de estudo o gênero textual de história em quadrinhos, gênero esse escolhido devido
a capacidade de expressão de sentimentos e emoções que agrada diversas faixas etárias,
principalmente aos alunos que iniciam sua jornada de ensino fundamental no primeiro ciclo,
ou seja, de 6 a 10 anos, despertando o interesse relacionado ao conhecimento das obras e
dos artistas trabalhados em classe, além das possíveis interdisciplinaridades que podem ser
aplicadas.
Na opinião de Barreto e Guimarães (2019), por meio da história em quadrinhos, os
alunos podem ser incentivados na fruição da obra, criatividade, de uma forma divertida e
prazerosa com exemplos ricos em valores.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 38


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Conforme um grande conhecedor do assunto, além de lecionar Artes Visuais, também


desenha HQs, Fábio Tavares Silva (2011, p. 13), “[...] história em quadrinhos é uma linguagem
artística autônoma com características próprias e, como tal, precisa ser estudada e ensinada
dentro do ensino de artes”.
A mudança e a ampliação do tempo escolar de oito para nove anos mostraram a
necessidade de se alfabetizar a criança na idade certa, ou seja, até os oito anos de idade.
Entretanto, alfabetizar uma criança não é somente ensiná-la a ler e escrever e sim formá-los
bons cidadãos, estimulando-os a falarem e ouvirem sobre qualquer assunto da sociedade,
respeitando a opinião do próximo sem se desfazer de sua própria opinião, sabendo se ex-
pressar de maneira clara e objetiva.
Sendo assim, com a entrada precoce da criança no Ensino Fundamental é importante
que o lúdico seja utilizado como principal ferramenta de trabalho para uma formação signi-
ficativa da criança, pois, nessa idade o aluno edifica um poder simbólico do meio social em
que está inserido (VERGUEIRO, 2012).
Diante disso, há a necessidade de criar uma nova proposta pedagógica, mais inovadora,
na qual o aluno ganha voz e suas necessidades são extremamente consideradas. Um ensino
onde os signos, jogos e o lúdico são privilegiados.
Dessa forma, fica clara a pertinência e relevância de um ensino diferenciado, onde a
atenção da criança seja atraída por ferramentas de trabalho utilizadas pelo educador em clas-
se, obtendo uma aula prazerosa para criança. A história em quadrinhos e a arte se encaixam
perfeitamente na sala de aula trazendo além do conhecimento, momentos de prazer para a
criança, auxiliando-a no desenvolvimento, alfabetização e letramento enquanto cidadãos.
Para tanto, utilizou-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, com base em autores
que se dedicam ao ensino de artes, quadrinhos na educação e quadrinhos no ensino de artes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 39


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A ARTE E A LITERATURA COMO possibilitando também a construção de um


MANIFESTAÇÕES CULTURAIS E SUAS novo olhar, pautado na sensibilidade que cla-
INFLUÊNCIAS NO DESENVOLVIMENTO reia sentimentos complexos bem comuns na
E FORMAÇÃO DA CRIANÇA infância, como perdas, medo, dor, sentimentos
inumeráveis presentes no cotidiano das crian-
A infância é um período de grande rele- ças (BARRETO & GUIMARÃES, 2019).
vância na vida do ser humano, pois é nesse
momento que se formam seus hábitos e que Por isso, conforme Barreto e Guimarães
são apreendidos padrões de interpretação que (2019), é necessário que o hábito da leitura
interferem diretamente no seu comportamento. e a familiarização com obras artísticas diver-
sas sejam consideradas já a partir da primei-
Como afirma Vygotsky (1993), os ho- ra infância, visto que é papel da literatura e
mens não trazem consigo nenhuma forma de da arte formar na criança a consciência do
padrão comportamental inata, mas na verda- mundo em que ela está inserida de maneira
de, a formação de seu comportamento de- prazerosa e significativa, tornando-se o meio
pende dos padrões que são oferecidos no mais eficaz de desenvolver sua imaginação,
meio social em que vivem, pois, ainda crian- criatividade, inteligência emocional e cogniti-
ças também devem ser consideradas como va e sua capacidade de interagir e modificar
sujeitos sociais, que não estão classificados o contexto em que vive de forma crítica e
em uma classe isolada, mas sim interagem e reflexiva.
interferem com o ambiente e o grupo que es-
tão inseridos, assim como nos aponta (KRA- Coelho (2003) ilustra mais profunda-
MER, 2006). mente a importância da obra literária na cons-
cientização de mundo para a criança:
Sendo então considerados como sujei-
tos ativos de uma sociedade, cada indivíduo [...] Toda leitura que, consciente ou in-
conscientemente, se faça em sintonia
já na infância percebe a ação daqueles que com a essencialidade do texto lido, resul-
vivem à sua volta, em situações cotidianas e tará na forma de determinada consciência
diversas, reproduzindo-as na sua própria ma- de mundo no espírito do leitor; resultará
neira de agir, interpretando o que é “certo” ou na representação de determinada realida-
“errado”, recebendo assim, padrões de com- de que toma corpo em sua mente. Daí
portamento que reforçam atitudes e valores se deduz o poder de fecundação e de
propagação de ideias, padrões ou valo-
como aceitos, ou não no grupo social em que res que é inerente ao fenômeno literário
está inserido (KRAMER, 2006). (COELHO, 2003, p. 50).
Esses padrões de comportamento po- Partindo dessa premissa, a autora ex-
dem ser revelados também por meio da arte plica que intencionalmente ou não, o autor
e da literatura, que são consideradas como que cria uma obra literária imprime nela sua
manifestações culturais de uma sociedade, fi- consciência de mundo, que parte de sua ex-
cando a elas incumbida a tarefa de criar no periência e seus padrões de comportamento,
ser humano o senso crítico e reflexivo em sua os quais tomarão forma e influenciarão na
forma de pensar e agir, pois, se caracterizam formação de ideias do leitor alvo. Assim sen-
em cultura questionadora e emancipatória, que do, a literatura não deve se reduzir à simples
permitem desde os primeiros anos de vida, função de ensinar bons comportamentos, ob-
confrontar ideias, construir sua interpretação tendo um caráter moralista, mas permitir ao
e adquirir novos conhecimentos e experiên- pequeno leitor transformar a realidade em que
cias que vão além daqueles já estabelecidos, vive em algo simbólico e profundo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 40


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A arte também condiz como um instrumen- Quanto ao exemplo, Cademartori


to ou símbolo cultural e a familiarização com as (2010) pontua que a literatura tem um papel
obras artísticas também deve ser priorizada na fundamental no desenvolvimento linguístico e
infância, pois conforme o Parâmetro Curricular intelectual do homem, dialogando assim com
Nacional de Arte (BRASIL, 1997), por meio des- o objetivo da escola.
sa área o aluno, ou seja, a criança, desenvolve
Porém, o hábito de ler deve começar no
sua sensibilidade, percepção e imaginação.
ambiente familiar, expandindo-se e se desen-
A educação em arte propicia o desen- volvendo no contexto escolar, e ali se faz ne-
volvimento do pensamento artístico e da per- cessário o favorecimento da experiência com
cepção estética, que caracterizam um modo a cultura, como aponta Kramer (2006), con-
próprio de ordenar e dar sentido à experiência siderando a produção gerada nas relações
humana: o aluno desenvolve sua sensibilida- sociais cotidianas dos alunos como também
de, percepção e imaginação, tanto ao realizar a produção historicamente acumulada pre-
formas artísticas quanto na ação de apreciar sentes na literatura e na produção artística
e conhecer as formas produzidas por ele e histórica e cultural que se encontra nos mu-
pelos colegas, pela natureza e nas diferentes seus e em todo tecido social.
culturas (BRASIL, 1997, p. 19).
Sendo assim, o relacionamento preco-
Considerando a arte e a literatura como ce com a arte e com a literatura abre espa-
manifestações culturais, elas se tornam um viés ço para a socialização da diversidade cultu-
para o desenvolvimento dos sistemas simbólicos ral entre os indivíduos, onde é relativizada a
dos indivíduos, pois o símbolo é uma criação pró- maneira de perceber, sentir e organizar os
pria do homem pertencendo a sua cultura, não a significados dos valores e princípios entre os
sua natureza. Oliveira (1995), apropriando-se da sujeitos, apurando ainda mais a sensibilidade,
Teoria de Vygotsky, afirma que: a solidariedade, o respeito e a humanização
[...] é a cultura que fornece ao indivíduo os
na formação da criança.
sistemas simbólicos de representação da Essa formação direcionada à humaniza-
realidade e, por meio deles, o universo de
ção se torna um desafio na sociedade con-
significações que permite construir uma
ordenação, uma interpretação, dos dados temporânea, onde firmar uma educação fun-
do mundo real. Ao longo do seu desen- damentada no respeito ao outro, às diversas
volvimento o indivíduo internaliza formas culturas, etnias, religiões e classes sociais, se
culturalmente dadas de comportamento, caracteriza em uma árdua tarefa que rompe
num processo em que atividades exter- com a desigualdade e injustiça social, cada
nas, funções interpessoais, transformam-
vez mais delineada, principalmente em relação
-se em atividades internas, intrapsicológi-
cas (OLIVEIRA, 1995, p. 27). à criança, que frequentemente, não encontra
espaço para sua voz, sendo negligenciada
Para despertar o interesse pela litera- em suas necessidades e pouco considerada
tura e pela arte na infância é preciso lançar na sua participação social como sujeito his-
mão de dois fatores, curiosidade e exemplo. tórico e cultural, ou seja, que produz história
Em relação à curiosidade, é necessário que e cultura. A esse respeito, Kramer (2006, p.
a criança veja na prática relacionada a essas 21) alega que:
atividades prazer na descoberta de novos co-
nhecimentos e formas de pensamento, por
meio da troca social que ocorre na leitura, na
escrita e na linguagem oral ou visual.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 41


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nosso maior desafio é obter entendimen- Além da dificuldade física, segundo Bar-
to e uma educação baseada no reconhe- reto e Guimarães (2019), outra barreira na de-
cimento do outro e suas diferenças de cul-
mocratização da cultura é o fator econômico,
tura, etnia, religião, gênero, classe social,
idade e combater a desigualdade; viver tanto para criação como para o consumo da
uma ética e implementar uma formação arte em sua, como, literatura, música, artes
cultural que assegure sua dimensão de plásticas, visuais e teatro, onde a universaliza-
experiência crítica (Kramer, 2006, p. 21). ção do acesso para todos é ainda uma teoria,
Infelizmente, vivenciamos a formação a qual em sua prática existe apenas para uma
da sociedade contemporânea, voltada ao parte específica da sociedade.
desenvolvimento técnico dos indivíduos aten- Por fim, outro acesso que deveria estar
dendo as necessidades da indústria e do disponível para todos é o acesso intelectual,
mercado de trabalho, não se preocupando, onde se criam caminhos para a compreensão
porém, com a formação integral dos sujei- da linguagem artística de determinadas cul-
tos, que estimula sua inteligência cognitiva e turas.Outra maneira de democratizar a arte e
emocional, que desenvolve sua emancipação
a literatura como bens culturais é através da
reflexiva e sua criatividade, ou como o próprio
educação escolar. É nesse ambiente que se
sociólogo denomina, não se preocupa com
as “coisas do espírito”. encontra espaço para a socialização das cul-
turas e livre expressão na produção artística.
A arte como expressão é concebida por
Chauí (2000) como um recurso para ameni- AS HISTÓRIAS EM QUADRINHOS
zar essa realidade reducionista dos sistemas O que é História em Quadrinhos? Essa
técnicos da formação humana:
é a primeira pergunta a ser respondida antes
Mesmo compreendendo a função ele- de qualquer outra nesta pesquisa, uma vez
mentar das obras artísticas e literárias no que qualquer pessoa é capaz de identificar
desenvolvimento e na formação da criança, uma HQ quando observa uma, seja ela cha-
devido à desigualdade e injustiça social pos- mada de gibi, mangá, comic, fumetti ou ape-
ta anteriormente, é real e presente a falta de nas quadrinhos.
acesso da grande maioria desse público a
essas fontes de cultura. Segundo o Estatuto No entanto, ao pesquisar acerca dos
da Criança e do Adolescente (BRASIL, 2019, quadrinhos, é possível perceber que respon-
p. 34): Art. 58. “No processo educacional der a essa pergunta não é tão simples. Isso
respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos porque para exercitarmos tal perspectiva de
e históricos próprios do contexto social da resposta, é preciso levar em consideração
criança e do adolescente, garantindo-se a o que são quadrinhos para poder, segundo
estes a liberdade da criação e o acesso às Scott McCloud (2005), superar os estereóti-
fontes de cultura”. pos e demonstrar o potencial dos quadrinhos.
Considerando então esse acesso como Buscamos aqui elencar algumas das
direito, percebemos que a democratização principais definições, de acordo com a revi-
cultural também se torna um desafio para se são bibliográfica levantada. A partir dessa revi-
concretizar e se firmar na sociedade contem- são nos aproximamos de algumas definições
porânea, visto que, locais onde se realizam como, por exemplo, a de Will Eisner que criou
programações culturais, eventos, exposições o termo “Arte Sequencial”, que foi largamente
artísticas diversas, encontram-se nos centros
difundida na ocasião do lançamento do seu
urbanos na maioria das cidades brasileiras,
livro intitulado Quadrinhos e Arte Sequencial,
dificultando assim, o acesso da população
no ano de 1985.
periférica.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 42
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Considera-se que o livro de Eisner, bem Imagem 1 - Tira da Mafalda persona-


como a definição desenvolvida pelo autor é gem do cartunista argentino Quino.
muito importante em virtude de várias razões,
entre elas, define os quadrinhos como forma
de arte ao descrever as HQs como “arte se-
quencial”. Na visão de Eisner (2010, p. IX),
quadrinhos ou arte sequencial é “uma forma
artística e literária que lida com a disposição
de figuras ou imagens e palavras para narrar
Fonte: http://blogs.lance.com.br/char-
uma história ou dramatizar uma ideia”.
ges/page/51/
Porém, na opinião de outros teóricos,
As páginas ou painéis são HQs produ-
a definição de Eisner é abrangente demais,
zidas em uma ou até meia página. Trata-se
considerando que o Cinema e as Animações,
de um formato intermediário entre as tiras e
ou desenhos animados, também são formas
as revistas de histórias em quadrinhos que,
de arte sequencial. Na tentativa de elaborar
por sua vez, precisam de várias páginas para
uma definição mais precisa, Scott McCloud
poder contar uma história ou dramatizar uma
define as HQs como: “Imagens pictóricas e
ideia. Neste caso, é necessário ler toda a re-
outras justapostas em sequência deliberada
vista para entender a história narrada, como
destinadas a transmitir informações e/ou a
num mangá.
produzir uma resposta no espectador” (Mc-
CLOUD, 2005, p. 9). No entanto, as definições dos dois auto-
res deixam de fora os Cartuns e as Charges,
Esta definição é mais objetiva do que
que são muito próximos e até considerados
a de Eisner em função de especificar que as
por alguns pesquisadores como gêneros dos
HQs são compostas pela justaposição de
quadrinhos, mesmo não sendo compostos
imagens pictóricas, diferenciando do cinema
pela justaposição de imagens. Vale aqui dife-
e dos desenhos animados, que são sequen-
renciar Cartum de Charge que, apesar de se-
ciais em tempo, enquanto os quadrinhos são
rem semelhantes, não são iguais e possuem
sequenciais espacialmente.
conceituações diferentes.
É importante destacar que as definições
Cartum advém da palavra inglesa “car-
de Eisner e McCloud utilizam como referência
toon” que significa literalmente cartão, suporte
a característica das HQs de serem compostas
onde eram feitos desenhos de humor para se-
pela justaposição de imagens, que é identifi-
rem inseridos em jornais. Nobu Chinen (2011)
cada nas tiras, páginas ou painéis, revistas de
afirma que o cartum é de natureza atemporal,
histórias em quadrinhos e álbuns. As tiras são
geralmente é carregado de humor, mas seu
as mais simples e, geralmente, publicadas em
humor não tem prazo de validade. A graça é
jornais; são formadas por uma sequência de
produzida por elementos universalmente com-
poucos quadros ou vinhetas e geralmente são
preensíveis, independente de país e época de
humorísticas. Como é possível observar na
sua produção.
tira da personagem Mafalda (Imagem 1).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 43


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Imagem 2 - Cartum de Waldez (Belém- Para Guimarães (2010), a sequência de


-PA), vencedor do 14º Salão de humor de imagens é uma das principais características
Caratinga, em 2016. das HQs, mas não é fundamental para definir
um trabalho como história em quadrinhos. Na
opinião do autor, “uma HQ pode ser produzida
com uma única imagem desde que esta consiga
representar um movimento, narrar um fato, contar
uma história” (GUIMARÃES, 2010, p. 31).
A perspectiva de Guimarães pode nos
levar à conclusão de que tanto o cartum quan-
to a charge podem ser rotuladas como quadri-
nhos. Na opinião de Ramos (2009), as HQs
se constituem em um grande rótulo, um hiper-
gênero, que abrange diversos outros gêneros.
Fonte: http://salaodehumordecaratinga.
Desse modo, “podem fazer parte deste grande
blogspot.com
guarda-chuva chamado quadrinhos os cartuns,
Quanto à charge, consoante Chinen as charges, as tiras cômicas, as tiras seriadas
(2011), a própria denominação auxilia na de- e os vários modos de produção das histórias
finição, pois charge vem do francês e signi- em quadrinhos” (RAMOS, 2009, p. 21).
fica “ataque” ou “carregar”, que é uma das
Na visão de Chinen (2011), estas dife-
características da charge que tem a função
rentes definições para HQs são possíveis em
de exercer uma crítica a uma determinada
função do fato de que os componentes que
personalidade, acontecimento ou situação po-
constituem as HQs não serem obrigatórios,
lítica, econômica e/ou social, como mostra a
isto é, pode haver HQs sem balões, sem tex-
Imagem 3 abaixo.
tos e até mesmo sem os próprios quadrinhos.
Imagem 3 - Charge de Mario Alberto, Para o autor, as HQs podem ter muitos qua-
que faz referência ao Dunga, quando era téc- drinhos ou somente um, o que não pode faltar
nico da seleção brasileira de futebol nas eli- é uma narrativa.
minatórias da copa do mundo de 2010
O artista/professor/pesquisador Edgar
Franco, depois de fazer uma análise de várias
definições para HQs, diz que HQs são: “a
união entre texto, imagem e narrativa visual,
formando um conjunto único e uma lingua-
gem sofisticada com possibilidades expressi-
vas ilimitadas” (FRANCO, 2008, p. 25).
Neste trabalho, levamos em considera-
ção as definições de todos eles, pois todas
são importantes e estão situadas historica-
mente, no entanto, utiliza-se como referência
a do Edgar Franco por acreditar que ela não
nega as anteriores, mas a partir delas faz uma
síntese e deixa claro que HQ é uma lingua-
Fonte: http://blogs.lance.com.br/char- gem composta pela junção entre texto, ima-
ges/page/53/ gem e narrativa visual.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 44
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PAPEL DAS HISTÓRIAS EM da mediação dos jogos, símbolos e objetos


QUADRINHOS NA ALFABETIZAÇÃO E relacionados à cultura dos alunos.
LETRAMENTO
Dessa forma, colocamos em evidên-
Conforme foi apontado anteriormente, o cia um material oportuno de se utilizar como
lúdico tem papel fundamental na formação de recurso pedagógico na alfabetização e letra-
alunos do ensino fundamental do primeiro ci- mento nos primeiros anos do ensino funda-
clo (1º ao 5º ano), pois, é por meio de jogos, mental, a história em quadrinhos:
artefatos e símbolos que eles internalizam A história em quadrinho oferece uma am-
conteúdos, fazendo ligação entre o imaginário pla visão e análise da linguagem escrita
e o real, e é também por meio desses objetos e extraverbal, possibilitando ao professor
e símbolos que eles conseguem materializar observar melhor a aprendizagem do alu-
no. Assim, quando o professor utilizar a
e desenvolver conceitos. Vygotsky (1993) faz
HQ como recurso pedagógico, poderá es-
distinção desses conceitos denominando-os timular os alunos a aprenderem de forma
como conceitos cotidianos (espontâneos) e lúdica e estimulante, contribuindo para o
conceitos científicos. desenvolvimento de uma aprendizagem
significativa, facilitando a compreensão
O primeiro conceito já se desenvolveu de outros textos e gêneros literários (LIS-
na infância, criado a partir da observação, BOA, BOTTENTUIT JR & COUTINHO,
manipulação e vivência das crianças. Já o 2009, p. 11).
segundo conceito se caracteriza a partir de
Os quadrinhos apresentam uma dupla
conhecimentos sistemáticos, adquiridos nas
articulação semiótica, na qual a narrativa age
interações escolarizadas.
agente impulsionador na mobilização em re-
Para aprender um conceito, é neces- lação à produção e à leitura mais eficaz, ou
sário, além das informações recebidas do seja, implica no modo narrativo determinado
exterior, uma intensa atividade mental por com o ritmo das tiras em função da leitura
parte da criança. Portanto, um conceito não (balões com falas e pensamentos), que são
é aprendido por meio de um treinamento me- elementos linguísticos que intervém nas pos-
cânico, nem tampouco pode ser meramente sibilidades criativas e conteudísticas. Cirne
transmitido pelo professor ao aluno: (2000, p. 174) aponta que:
[...] o ensino direto de conceitos é impos- As histórias em quadrinhos, com mais de
sível e infrutífero. Um professor que tenta um século de existência, foram marca-
fazer isso geralmente não obtém qualquer das por uma textualidade gráfico-visual,
resultado, exceto o verbalismo vazio, uma determinada por mecanismos narrativos
repetição de palavras pela criança, seme- impulsionados pelos cortes que, são
lhante a de um papagaio, que simula um igualmente gráficos: cortes que, em últi-
conhecimento dos conceitos correspon- ma instância, em sendo espaciais e/ou
dentes, mas que na realidade oculta um temporais, preenchem e alimentam o ima-
vácuo (REGO, 1997, p. 78). ginário da própria narrativa. Aqui, nesta
precisa articulação entre o dito (as ima-
Considerando, então, o papel do lúdi- gens) e o não-dito (as eclipses provoca-
co no ambiente escolar em dar significação das pelos cortes), se dá o lugar semiótico
aos conceitos transmitidos, é necessário lan- das “historietas sequenciadas” (CIRNE,
çar mão de materiais didáticos que auxiliem 2000, p. 174).
o processo de ensino-aprendizagem, onde Deste modo, os quadrinhos se carac-
o professor não se torna o único mediador terizam em uma leitura que “dramatiza” o lu-
nesse processo, mas, se apropria também gar significante de sua própria semioticidade
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 45
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

(CIRNE, 2000), ou seja, articula com o dito e Os personagens e elementos gráficos


o não-dito e as imagens sequenciadas com sempre são distribuídos de acordo com
os princípios de perspectiva e ângulos ci-
sua linguagem própria. Para Rittes (2012, p.
nematográficos. Em geral os personagens
46): principais estão em primeiro plano e os
As histórias em quadrinhos oferecem um coadjuvantes, num plano posterior. Já o
vasto campo de possibilidades teóricas cenário tende a convergir para o prota-
que se abrem para um enfoque semiótico gonista, pois dificilmente encontraremos
daquilo que marca o lugar das duas lingua- uma sequência em que os elementos se
gens. Com a literatura, um possível olhar sobreponham ao foco narrativo visual, ou
crítico antes se marca pelas diferenças e seja, ao ator principal. Em qualquer re-
pelo não-dito, por aquilo que está oculto, ou vista de quadrinhos podemos encontrar
subentendido, que atravessa as imagens de esse estudo de composição (BARBOSA,
forma oblíqua (RITTES, 2012, p. 46). 2012, p.7).

Os quadrinhos possibilitam junções lite- Um outro aspecto que pode ser atribu-
rárias válidas, e ainda, possuem uma função ído à utilização de quadrinhos em sala de
narrativa gráfica visual, o que os transforma aula, além de explorar os elementos da lin-
num bem simbólico e cultural. Segundo Rego guagem visual, é um ótimo exercício do pro-
(1997, p. 62): cesso criativo,
Em síntese, na perspectiva vygotskiana o Pais e mestres desconfiavam das aven-
desenvolvimento das funções intelectuais turas fantasiosas das páginas multicolo-
especificamente humanas é mediado so- ridas das HQ 's, supondo que elas pode-
cialmente pelos signos e pelo outro. Ao riam afastar crianças e jovens de leituras
internalizar as experiências fornecidas pela “mais profundas”, desviando-os assim de
cultura, a criança reconstrói individualmen- um amadurecimento “sadio e responsá-
te os modos de ação realizados externa- vel”. Daí, a entrada dos quadrinhos em
mente e aprendem a organizar os próprios sala de aula encontrou severas restrições,
processos mentais. O indivíduo deixa, por- acabando por serem banidos, muitas ve-
tanto, de se basear em signos externos e zes de forma até violenta, do ambiente
começa a se basear em recursos internali- escolar. Aos poucos, tais restrições foram
zados (imagens, representações mentais, atenuadas e extinguidas, mas não de for-
conceitos etc. (REGO, 1997, p. 62). ma tranqüila, sendo na verdade resultado
de uma longa e árdua jornada (BARBO-
Assim sendo, lançar mão da história em SA, 2012, p.8).
quadrinhos na educação escolar dos alunos é
Levando em consideração que na atu-
um passo fundamental para valorizar o proces-
alidade as histórias em quadrinhos já tem
so de aprendizagem, não só dos conteúdos dis-
um acesso bem mais fácil às escolas, em
ciplinares, presentes no currículo, mas também
alguns casos são até solicitadas em listas
na aprendizagem de valores e convivência.
de materiais por sugestão de professores de
Conforme Barreto e Guimarães (2019), Português e Artes, vale lembrar que os gibis
o professor pode ter a História em Quadrinhos que são mais comuns nas escolas são os
como forte aliada em sala de aula, uma vez da Turma da Mônica. “Os quadrinhos são,
que os principais conceitos de arte podem ser em geral, responsáveis pelo primeiro contato
encontrados nas páginas das HQs, tais como: das crianças com a palavra escrita e com as
perspectiva, luz, sombra, geometria, cores e imagens” (Mauricio de Sousa em entrevista
composição; este último por sinal, pode ser ao site www.turmadamonica.com.br).
bastante explorado considerando a distribui-
ção de elementos em cada quadrinho,

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 46


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os personagens de Maurício de Sousa rísticas de seus personagens.


vêm encantando o público em geral desde 1959,
e um fato interessante vem chamando a aten- É justamente este trabalho que Mauricio
ção, a criação dos personagens: Dorinha, uma de Sousa desenvolveu sobre as paródias que
menina deficiente visual e seu cão guia o Radar, despertam o interesse de alguns professores
Luca um cadeirante cujo os outros personagens para utilizar como base de apoio para desper-
carinhosamente apelidaram de “da Roda”, e Tati, tar a curiosidade, imaginação e criatividade das
a primeira personagem que tem síndrome de crianças e adolescentes, no ensino da arte. Essa
Down da turminha, dentre outros personagens fascinante abordagem de Mauricio de Sousa
queridos e especiais que Mauricio criou e vem às crianças e adolescentes, pode ser aliada às
criando, portanto não há discriminação alguma, obras de Grandes Mestres Nacionais e Interna-
qualquer criança pode identificar-se com os per- cionais que marcaram seus nomes na história
sonagens da Turma da Mônica (BITENCOURT, da Arte, e que também inspiraram Mauricio de
2019). Sousa nas paródias com os seus personagens.

Numa época em que vivemos a “inclusão Sua ‘arte’ e seus personagens podem
social” nas escolas, e com a criação desses per- inspirar professores e incentivar os alunos de
sonagens, não resta dúvidas de que Mauricio de maneiras diferentes, com um destaque especial
Sousa preocupa-se também com esta questão às paródias dos grandes mestres, que podem e
e trata todas as crianças e adolescentes com o devem ser usadas em sala de aula, como uma
mesmo carinho e dedicação. forma lúdica e prazerosa de ensinar arte, unindo
conhecimentos entre os movimentos artísticos
Imagem 4 – Turma da Mônica e a inclusão que marcaram fases na História da Arte, a pró-
social na escola pria História da Arte, as técnicas utilizadas pelos
artistas, aos personagens bastante conhecidos
e queridos do público em geral.
Mauricio conseguiu atingir seu objetivo
com a exposição História em Quadrões – Pintu-
ras de Mauricio de Sousa. A exposição propiciou
a apreciação das paródias de Maurício e contou
uma reprodução em menor escala dos originais
que inspiraram as paródias, tornando-se uma
“Eficaz aula de História da Arte”, conforme o site
Correioweb (2019), que publicou também a opi-
Fonte: www.turmadamonica.com.br nião de estudantes como Rafael, um estudante
É importante destacar que os persona- da 7ª série que visitou a exposição em 2003:
gens não ficaram limitados às historinhas, eles “Rafael contou que os quadros parodiados o
‘emprestam’ suas personalidades carismáticas ajudaram a identificar cenas da história do Brasil
para tomar a frente de muitas campanhas edu- e do mundo. O modo como ele (Mauricio de
cativas importantes, que abordam temas como: Sousa) mostra os quadros com os personagens
trânsito, drogas, vacinação, meio ambiente, saú- da Turma da Mônica dá para identificar direitinho
de, alimentação, dengue, etc. Alguns artigos do os assuntos que vejo na escola. Serviu para eu
Estatuto da Criança e do Adolescente também aprender e fixar mais a ideia que, muitas vezes,
contaram com a colaboração da turminha para os livros não conseguem me passar”, conta o
a sua divulgação (BITENCOURT, 2019). garoto.
Maurício já criou mais duzentos persona- A exposição percorreu as principais capi-
gens, cada um com sua personalidade, que já tais brasileiras e depois seguiu para o exterior,
tem seu espaço garantido aqui e estão conquis- mas Maurício publicou também o livro que reúne
tando o público fora do país, mas sempre com todas as suas paródias, para que mais pessoas
suas características bem brasileiras; Maurício contemplem seu trabalho, e também para que
não abre mão de publicá-los no exterior com as o mesmo possa ser explorado em sala de aula,
mesmas personalidades e características que aproximando as crianças da arte universal de
são concebidos no Brasil. Até nas paródias dos maneira mais atrativa e original.
grandes mestres, Maurício manteve as caracte-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 47
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Apresentamos no decorrer do nosso trabalho a importância do lúdico, por meio da arte
em quadrinhos, para a formação dos alunos do primeiro ciclo do Ensino Fundamental, uma
vez que os alunos dessa fase escolar adquirem conhecimento de forma mais prazerosa e
significativa com a utilização de jogos e símbolos, que permitem fazer um elo entre a imagi-
nação e a realidade, desenvolvendo os seus conceitos de vida.
Foi possível compreender o papel do lúdico e a necessidade de dar significados aos
conceitos que iremos transmitir em nossa profissão, tendo a consciência de que, nós profes-
sores, não somos os únicos mediadores do conhecimento, mas que devemos nos apropriar
de jogos, símbolos, literatura e elementos relacionados à cultura para a formação integral de
nossos educandos.
Assim sendo, nos apropriamos da história em quadrinhos como material relevante de
ensino em sala de aula, sendo utilizado como importante ferramenta de trabalho para se
aplicar no ensino das disciplinas curriculares e também na formação do aluno como cidadão.
Fica explícito que para os alunos obterem contato com o meio social em que estão in-
seridos e para se tornarem crianças ativas na aprendizagem de forma a socializar e adquirir
experiências novas é importante que o professor desenvolva em classe atividades de Artes
Visuais, em particular, a História em Quadrinhos e a literatura, abusar do lúdico e das ferramen-
tas de trabalho para proporcionar à criança uma aula prazerosa e divertida, possibilitando uma
leitura do mundo atraindo a sua atenção e interesse, respeitando as diversas necessidades
que encontramos em uma sala de aula.
Como exemplo, podemos citar A Turma da Mônica, de Maurício de Souza, que apesar
das ‘traquinagens’ de alguns personagens, todos se envolvem em questões de preocupação
mundial em campanhas como: não às drogas, não ao fumo, trânsito seguro, cuidado com
a dengue, auto-medicação não, meio ambiente, saúde, alimentação saudável, também na
divulgação de artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente, dentre outras questões que
preocupam não somente a família, mas a escola também.
Trabalhar em sala de aula com História em Quadrinhos é proporcionar o prazer de ler
e experimentar a produção de quadrinhos, entender o tempo que cada um deve ter para
amadurecer seu traço, para dominar uma linguagem. Com o desenvolvimento deste trabalho,
percebeu-se que existem muitas possibilidades de se trabalhar com os quadrinhos. Que exis-
tem grandes pesquisadores se dedicando ao estudo teórico desta linguagem. Que embora
poucos, também existem pesquisadores dedicados aos estudos sobre quadrinhos no ensino
de artes.
É importante trabalhar com as HQs buscando valorizar as individualidades dos educan-
dos, para que eles possam descobrir prazer em ler, contextualizar e produzir quadrinhos. O
lugar das HQs nas artes visuais deve ser o lugar de uma linguagem das artes visuais.
Isto é possível graças à compreensão do que seja arte na pós-modernidade, superando
um elitismo imposto às artes pela modernidade, que afastou as HQs das artes por serem uma
linguagem de massa. Mas que felizmente, os estudos culturais realizados a partir da segunda
metade do século XX mudaram isto, aproximando a arte da vida, ou seja, do cotidiano das
pessoas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 48


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Entendendo que quadrinhos é uma linguagem das Artes Visuais, obviamente seu lugar
no ensino de artes deve ser o de uma linguagem a ser ensinada e aprendida, não meramente
uma ferramenta pedagógica para ensinar outros conteúdos das artes visuais.
O presente estudo não poderia ser dado como encerrado aqui, pois novos projetos po-
dem surgir a partir deste, apenas a pesquisa encerra-se e de modo satisfatório. Ficou suben-
tendido que o professor de artes que já costumava valorizar, explorar e enriquecer o momento
da leitura e interpretação de imagem nas turmas de Educação Infantil, com as paródias da
Turma da Mônica e os grandes mestres da pintura, ganha um recurso e um atrativo a mais
para utilizar em suas aulas.
Concluindo, esse é um assunto que não se esgota aqui, mas que faz querer estudar e
entender mais sobre esta linguagem fascinante que nos conquista a cada nova leitura. Continu-
aremos nos dedicando neste estudo para poder entender esta linguagem e poder possibilitar
aos educandos a oportunidade de entender e experimentar os quadrinhos como arte desde
a educação básica.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 49


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos ticas do lendário cartunista. 4. ed. São Paulo: Martins
1980 e novos tempos. 7. ed. rev. São Paulo: Perspectiva, Fontes, 2010.
2009.
FRANCO, E. S. HQTRÔNICAS: do suporte papel à rede
______. Os quadrinhos no ensino de artes. In: RAMA, A.; Internet. 2. ed. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2008.
VERGUEIRO, W. Como usar as histórias em quadrinhos
GUIMARÃES, E. Estudos sobre História em Quadrinhos.
na sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012.
João Pessoa: Marca de Fantasia, 2010.
BARRETO, C. L.; GUIMARÃES, J. F. Arte em quadrinhos:
KRAMER, S. A infância e sua singularidade. In: BEAU-
uma possibilidade de leitura do mundo no Ensino Fun-
CHAMP, J.; PAGEL, S. D. NASCIMENTO, A. R. Ensino
damental de primeiro ciclo. Disponível em: <http://www.
fundamental de nove anos: orientações para a inclusão
trabalhosfeitos.com/ensaios/Arte-Em-Quadrinhos-Uma-
da criança de seis anos de idade. Brasília-DF: FNDE,
-Possibilidade-De/66592810.html>.
2006.
BITENCOURT, D. P. O Ensino da Arte para Educação
LISBOA, E. S.; BOTTENTUIT JR, J. B.; COUTINHO, C.
Infantil por meio das produções de Maurício de Sousa.
P. Desenho em quadrinhos online: vantagens e possi-
Disponível em: <http://www.bib.unesc.net/ biblioteca/
bilidades de utilização em contexto educativo. Revista
sumario/00003E/00003ED8.pdf>.
Paidéi@, Santos, v. 2, n. 1, 2009.
BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei
McCLOUD, S. Desvendando os quadrinhos. São Paulo:
8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: <http://
M. Books do Brasil, 2005.
www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>.
OLIVEIRA, M. K. Vygotsky: aprendizado e desenvolvi-
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação
mento – um processo sócio-histórico. 2. ed. São Paulo:
Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais. Arte:
Scipione, 1995.
Ensino de primeira à quarta série. Brasília: MEC/SEF,
1997. RAMOS, P. A leitura dos quadrinhos. São Paulo: Con-
texto, 2009.
CADEMARTORI, L. O que é literatura infantil. 2. ed. São
Paulo: Brasiliense, 2010. REGO, T. C. Vygotsky: Uma perspectiva histórica–cultu-
ral da educação. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1997.
CHAUÍ, M. Convite à Filosofia. 12. ed. São Paulo: Ática,
2000. RITTES, A. As histórias em quadrinhos na escola: a per-
cepção de professores de ensino fundamental sobre o
CHINEN, N. Aprenda e Faça Arte Sequencial: linguagem
uso pedagógico dos quadrinhos. Dissertação (Mestrado
HQ: conceitos básicos. São Paulo: Criativo, 2011.
em Educação para Ciência) – Universidade Católica de
CIRNE, M. Quadrinhos, solução e paixão. Petrópolis: Santos, Santos, 2012.
Vozes, 2000.
SILVA, F. T. Histórias em Quadrinhos no Projeto Nova
COELHO, N. Literatura infantil: teoria, análise, didáticas. Vida. In: COSTA, F. J. R. da (Org.). Cultura, Arte e Arte/
São Paulo: Moderna, 2003. Educação Na pós-modernidade/mundo. Curitiba: Edito-
ra CRV, 2011.
CORREIOWEB. Uma eficaz aula de História da Arte.
Disponível em: <http://www.correioweb.com.br/page/ VERGUEIRO, W. Como usar histórias em quadrinhos na
resultado/?q=turma+da+M%C3%B5 Nica>. sala de aula. 3. ed. São Paulo: Contexto, 2012.

EISNER, W. Narrativas Gráficas. São Paulo: Devir, 2005. VYGOTSKY, L. S. Pensamento e Linguagem. São Paulo:
Martins Fontes, 1993.
______. Quadrinhos e arte sequencial: Princípios e prá-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 50


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade Oswaldo


Cruz, (2000). Especialista em Psicomotricidade,
pela Faculdade São Marcos, (2009). Especialista em
Arte Educação pelo Instituto Nacional de Educação,
(2018). Especialista em Neuropsicopedagogia pela
Faculdade Campos Elíseos (2019). Professora de
Educação Infantil, designada na Diretoria de Ensino.

ANA PAULA
VENEGAS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 51
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR

RESUMO: Este artigo tem como objetivo, mostrar quanto a leitura é imprescindível no ensino da
Língua. Essa prática é responsável pelo vínculo entre sujeito e sociedade. A literatura, como
produto da Língua, é fundamental na formação desse sujeito e essa prática remete a um exercício
com a nossa Língua individual, permitindo que o leitor se desloque nos espaços vazios do
texto. Deste modo, o sujeito viabiliza na leitura uma relação dialógica incessante. Tanto a família
quanto os professores são responsáveis por aproximar as crianças da prática de leitura literária,
observando que Língua e literatura não se dissociam de sua cultura e dela emergem. Dentro
deste artigo será tratado como podemos introduzir a prática da leitura na vida das crianças,
especialmente dentro do contexto escolar.

Palavras-chave: Aprendizagem; Ensino; Leitor Crítico; Sujeito.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 52


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
leitura é uma das portas de entrada para o mundo do conhecimento, pois é ati-
vidade fundamental desenvolvida pela escola para a formação do indivíduo. No
entanto, o ato de ler deve envolver o indivíduo como alguém que assume papel
atuante e construtivo no ato de ler e não simplesmente decodificar ou ser receptor passivo do
texto. Diversos fatores configuram a problemática que envolve a formação do leitor.
É preciso cada vez mais se preocupar com a formação de leitores, pois percebemos
que no ensino fundamental existe muita dificuldade de leitura, interpretação e entendimento
daquilo que se lê, alunos concluindo o ensino fundamental, passando para o Ensino Médio
incapazes de realizar uma leitura com fluência, com entendimento, que leem em sua sem
compreensão, apenas decodificam.
É importante que os professores pesquisem sobre como podemos ajudar na construção
e no desenvolvimento de práticas educativas que ajudem na formação de sujeitos leitores,
que interpretem e sejam críticos. Precisamos trabalhar para que a escola esteja preparada
para contribuir e desenvolver o trabalho pedagógico.
O objetivo deste artigo é trazer à tona como os profissionais de ensino e a escola estão
contribuindo para formar leitores competentes, pois formar sujeitos leitores é formar as bases
para que as pessoas continuem a aprender ao longo de toda sua vida.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 53


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LEITURA: BUSCA DE UM CONCEITO Ler é também interpretar e conhecer a


importância e o reflexo deste ato no nosso
Etimologicamente, ler deriva do latim cotidiano, nossas vivências e experiências
"lego/legere", que significa recolher, apanhar, desde a mais tenra idade também são uma
escolher, captar com os olhos (HOUAISS). O forma de leitura. A leitura do mundo é a leitu-
problema do ensino da leitura na escola não ra que precede a palavra, pois a leitura deve
se situa no âmbito do método, mas na própria ser feita de forma a ter significado no mundo
conceituação. Seria mais interessante falar real e no mundo do leitor, que deixa de ser
em entendimento, que é mais apropriado, do objeto da leitura para tornar-se o sujeito ativo
que em conceituação do que é a leitura. Mas na construção do significado deste ato.
afinal o que seria leitura?
De acordo com os PCNs (2001), a lei-
Para Maria Helena (1994), a leitura não tura também é mais do que decodificar. “Tra-
se restringe às letras, mas comporta a com- ta-se de uma atividade que implica, necessa-
preensão da realidade e das nossas interpre- riamente, compreensão na qual os sentidos
tações do que acontece ao nosso redor, pois começam a ser constituídos antes da leitura
tudo o que é percebido (apresentado objeti- propriamente dita” (PCNs, 2001, p. 53).
vamente) influencia nas nossas reações (res-
postas subjetivas) e esta condição estimulada Para Solé (1998):
definirá os textos escritos. Leitura é um processo mediante o qual se
compreende a linguagem escrita. Nesta com-
A autora abre a discussão acerca dos preensão intervêm tanto o texto, sua forma e
limites que possam existir no ato da leitura. conteúdo, como o leitor, suas expectativas e
A princípio, a leitura é vinculada apenas à conhecimentos prévios. Para ler, necessita-
decodificação de sinais gráficos (letras que mos simultaneamente manejar com destreza
formam palavras). Mas a autora amplia as as habilidades de decodificação e aportar ao
fronteiras do ato de ler. Questiona-se se o texto, nossos objetivos, ideias e experiências
prévias [. . .] (SOLÉ, 1998, p. 23).
ato de ler vai além da escrita.
Apresenta tipos de leituras, não somen- Segundo a autora, para uma pessoa se
te de palavras, como também de situações envolver em qualquer atividade de leitura, é ne-
(ler um gesto, um momento, a mão, o olhar de cessário que ela sinta que é capaz de ler, de
alguém, o tempo, o espaço). Nesta reflexão, compreender o texto, tanto de forma autônoma,
enfatizo a leitura da palavra escrita. como apoiada em leitores mais experientes.

Segundo os PCNS (2001, p.53) “a leitu- Solé aborda ainda o ensino e aprendi-
ra é um processo no qual o leitor realiza um zagem inicial da leitura, levando-se em conta
trabalho ativo de construção do significado que aprender a ler não é muito diferente de
do texto, a partir dos seus objetivos, do seu aprender outros procedimentos e conceitos.
conhecimento sobre o assunto, sobre o autor, Saber ler é saber interpretar o que o texto diz
de tudo o que sabe sobre a língua [...]”. e o que não diz, bem como o que deve ser
constituído significativamente.
Para Freire (2009), a leitura do mundo
precede sempre a leitura da palavra. Ler é Ler é, antes de tudo, compreender, e
muito mais do que decodificar, do que a união não apenas decifrar. Ao praticar a leitura, o
de letras para se formar uma palavra ou uma leitor executa um ato de compreensão: Atra-
frase, ler é sonhar, é vivenciar é contextualizar. vés da leitura todos se tornam iguais, com as
O ato de ler vai além da leitura de palavras, mesmas oportunidades. “A leitura, além de
podemos ler imagens, símbolos, gravuras. tornar o homem mais livre, possibilita que ele
vá a muitos lugares que sem a leitura jamais
iria” (HOFFMANN, 2009).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 54
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A leitura permite ao indivíduo comuni- um clássico, uma tirinha num jornal, um arti-
car-se adequadamente com seus semelhan- go de revista, temos, inúmeras possibilidades
tes e pode torná-lo capaz de se tornar um de sonhar, de conhecer de se informar, nos
indivíduo sensível em relação ao mundo. dão a oportunidade de se desenvolver cul-
turalmente, nos tornando leitores, cidadãos
Lemos o tempo todo, mesmo sem per-
críticos e formadores de opinião.
ceber, na ânsia de decifrar, interpretar e en-
tender o sentido de tudo que nos cerca, de Para Freire (2009), a leitura do seu
estabelecer uma relação entre a realidade da mundo foi sempre fundamental para a com-
ficção com a que vivemos diariamente, no preensão da importância do ato de ler, de
contato com um livro, enfim, de diversas for- escrever ou de reescrevê-lo, e transformá-lo
mas diferentes até no observar um quadro, por meio de uma prática consciente. O autor,
uma imagem uma paisagem estamos de cer- ainda nos remete a reflexão de que por meio
ta forma lendo, embora, mesmo sem saber da leitura, testamos nossos próprios valores
ou se dar conta disso. e experiências.
Ao ler temos a oportunidade de perce- Quando chegamos ao fim de uma lei-
ber o mundo sob diversas perspectivas. A lite- tura ou de um livro, enriquecendo-nos com
ratura de modo geral amplia e diversifica nos- sabedoria, conhecimento, vivenciamos novas
sas visões e interpretações sobre o mundo e experiências, em nossas mentes acabam por
da vida como um todo. O hábito de ler deve surgir ideias, é como se a cada leitura nas-
ser estimulado desde a infância, para que a cesse um ser diferente, com um olhar diferen-
criança durante sua fase de desenvolvimento ciado para tudo que o cerca, inclusive para
aprenda que ler é algo importante e prazeroso si mesmo.
e se ela for incentivada desde pequena será
A leitura então é um dos caminhos que
um adulto crítico, culto, dinâmico, seletivo e
utilizamos para aprender, adquirir conheci-
perspicaz.
mento realizamos a leitura antes mesmo de
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA NA saber ler, por isso ela está relacionada a expe-
FORMAÇÃO DO SUJEITO LEITOR riências e vivências, não é somente decodifi-
car, mas também como um ato de ver concre-
A leitura é importante para a formação to o que pode ser representado por letra, por
do leitor. A leitura amplia e diversifica nossas símbolos de forma global e fragmentada, por
visões e interpretações em relação ao mun- memórias e lembranças, a leitura pode ser
do, ao grupo social no qual se está inserido, fascinante ao mesmo tempo em que encanta,
conscientiza, faz refletir sobre sua importância espanta, que faz sorrir, faz chorar, faz refletir,
e nos remete a questão do que a ausência da faz pensar, nos faz viajar e até mesmo faz o
leitura provocaria em nossas vidas. tempo passar.
A leitura nos conduz aos caminhos dos A leitura proporciona um aumento de
acontecimentos globais, nos remete as mais conhecimento para todos os leitores, nos per-
diversificadas possibilidades de interpreta- mite a troca. No ato de ler o sujeito leitor tem
ções, da imaginação e da ficção, do real, en- a possibilidade de comparar o próprio ponto
fim nas diversas e inúmeras possibilidades de de vista com outros leitores, até mesmo com
mergulhar no mundo da fantasia e da realida- o autor. Permitindo análise e reflexão daquilo
de que encontramos no mundo das palavras. que se lê, o que nos torna sujeitos ativos no
A leitura nos conduz ao mundo da ima- processo de leitura:
ginação, nos faz mergulhar em universos des-
conhecidos, com as diversidades dos gêneros
literários, seja ela policial, infantil, romance,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 55
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Lemos para saber, para compreender, A LEITURA COMO PRÁTICA SOCIAL


para refletir. Lemos também pela beleza
da linguagem, para a nossa emoção, para A leitura precisa acontecer em situ-
a nossa perturbação. Lemos para compar- ações contextualizadas e significativas, de
tilhar. Lemos para sonhar e para aprender modo que o aluno/leitor possa reconhecer a
a sonhar (MORAIS, 1996, p. 12).
leitura como uma atividade social, que permi-
O ato de ler é um processo de compre- te a sua atuação no cotidiano e sua inserção
ensão, de entender o mundo a partir de uma no mundo letrado.
característica individual de cada ser, sua ca-
Por meio da leitura temos a chance de
pacidade de interação com o outro, por meio
alargar nossos horizontes profissionais, cul-
das palavras, em um contexto na compreen-
turais e pessoais, pois a leitura deve desem-
são da leitura de um texto a partir de uma
penhar múltiplas funções sociais. Por exem-
leitura crítica, percebendo a relação entre o
plo, lemos para obter uma informação, para
texto e o contexto, no qual este inserido. A
conhecer, para se localizar em um endereço,
leitura se torna importante, por ser capaz de
para estudar, pesquisar, para fazer uma prova,
transformar e transformar-nos. Permite cons-
para passar o tempo, lemos por prazer, lemos
truir um mundo melhor: a leitura da palavra
até por obrigação, lemos para nos comunicar-
mundo não é apenas precedida pela leitura
mos melhor, enfim a leitura é essencial para
do mundo, mas por certa forma de “escrevê-
que possamos nos localizar em determinados
-lo” ou de “reescrevê-lo”, quer dizer, de trans-
lugares e nos localizarmos dentro de um tem-
formá-lo através de nossa prática consciente
po e espaço físico, a leitura é necessária, e é
(FREIRE, 2009, p. 20).
de suma importância entender o que lemos
A formação do sujeito leitor se dá gra- e sabermos da sua importância como práti-
dativamente por meio das mais diversificadas ca social na rotina do nosso dia a dia como
leituras, sendo assim a leitura é importante afirma Morais:
por nos proporcionar saberes, conhecimen- A leitura já é indispensável na vida cotidia-
to ou nos transmitir uma informação, mas a na, mesmo fora da esfera profissional. Os
leitura também é capaz de causar em todos textos escritos substituem a informação fa-
os seres humanos os mais diversos tipos de lada, individual, nos aeroportos e estações,
emoções. lojas, bancos... já não se trata de ser capaz
de ler apenas o nome da estação de me-
Somos seres integrados, capazes de trô, os anúncios ou o número do telefone
relacionar ideias, na vida tudo é relativo, as de alguém na lista, mas de saber ler a
verdades e os conhecimentos se constroem informação por computador, os boletins de
e se reconstroem no decorrer dela: “Quando previsão meteorológica, os catálogos turís-
lemos, estabelecemos frequentemente asso- ticos as bulas de remédios, as instruções
ciações, evocamos imagens, construímos ra- para a utilização de equipamentos eletro-
domésticos, etc. (MORAIS, 1996, p.21).
ciocínios, às vezes até sonhamos acordados”
(MORAIS, 1996, p.112). Segundo Morais (1996, p. 20), as ne-
A leitura do mundo e das palavras num cessidades de formação e informação invaria-
contexto de entendimento e compreensão velmente exigem leitura, e muita leitura. Formu-
está nos olhos de quem vê, no coração de lar seus próprios critérios para se questionar
quem sente e na mente que reflete, ou seja, como sujeito no seu ato de pensar, sentir e
naquele que lê. Pois a leitura também é sa- atuar, ultrapassando os limites de uma cultura
ber interpretar as mais diferentes situações local seguindo num caminho de ampliação
cotidianas, que aprendemos a ler a partir do de diversas proporções culturais. O indivíduo
nosso contexto pessoal. que tem o hábito de ler, é capaz de planejar,
e direcionar melhor sua vida, suas ações.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 56
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para Lerner (1994), na escola é neces- Os desafios do ato de ler


sário trabalhar a leitura com dois propósitos:
A leitura tem sido um grande desafio
didático e o comunicativo. Segundo a autora
para escolas e educadores da educação bá-
o primeiro propósito visa o ensino de certos
sica. Ler e escrever requer prática, empenho,
conteúdos constitutivos da prática social da
precisam de motivação e estímulo. É neces-
leitura, com a finalidade de que o aluno possa
sário ter entendimento, compreensão. O edu-
utilizá-la no futuro, em situações não didáticas.
cando para se tornar um sujeito leitor, precisa
O segundo propósito tem a ver com a ser crítico, autônomo e criador de suas ideias,
perspectiva do aluno. Lerner ainda cita algu- e para isso trilhar um árduo caminho cheio de
mas situações de leitura e os seus propósitos: obstáculos e desafios.
Ler para definir um problema prático para se
Muitos são os desafios de se ler, mas
informar de um tema interessante, para escre-
sabemos que o maior deles é a compreensão
ver ou produzir um texto, para buscar infor-
da leitura, o gosto por ela e especialmente a
mações específicas, ler para escolher, ler por
importância de se ler não somente as letras,
prazer de ingressar em outro mundo possível.
mas tudo que nos cerca. O educando precisa
Ler significa então não só ver as letras transcender além da decodificação das letras,
do alfabeto e juntá-las em palavras, mas tam- tem que ir além do que está escrito e ser ca-
bém estudar a escrita, decifrar e interpretar o paz de compreender a leitura, a mensagem
sentido, reconhecer e perceber a sua impor- ou informação que esta traz.
tância e aprender a utilizar a prática da leitura
De acordo com Delia Lerner (1994) “o
nas mais diversas situações cotidianas. De
desafio é formar praticantes da leitura e escri-
acordo com Lerner:
ta e não apenas sujeitos que possam decifrar
Diferentes modalidades de leitura podem o sistema de escrita”. Com isso a autora quis
ser utilizadas, em diferentes situações, enfatizar que processo de leitura e escrita pre-
diante de um mesmo tipo de texto: um cisa ter sentido que precisamos formar lei-
mesmo material informativo-científico
tores competentes que compreendam o que
pode ser lido para obter uma informação
global, para buscar um dado específico
estão lendo, que sejam capazes de realizar
ou para aprofundar um aspecto determi- um entendimento e não apenas decifrar códi-
nado do tema sobre o qual se estará es- gos, lendo e formando palavras.
crevendo (LERNER, 1994 apud LETRA E
A leitura é uma atividade que se inicia
VIDA, p. 8).
na educação informal dentro do âmbito fami-
Podemos analisar então que a leitura liar, por meio da oralidade, quando os pais
possui diferentes propósitos, isso vai depen- e familiares contam histórias ou conversam
der da necessidade do leitor no momento da com a criança, ou quando a mãe canta uma
leitura. A autora ainda ressalta que a inclusão canção de ninar para a criança, por meio de
das diversidades de propósitos, modalidades imagens, símbolos e rótulos e embalagens
e diversidade de textos , bem como suas ar- , quando em contato com esse ambiente a
ticulações nas exigências escolares , quando criança está lendo mesmo antes de ler, e leva
se apresenta a leitura na escola sem simplifi- essa experiência e conhecimento quando in-
cações, tem que procurar preservar sua natu- serida à comunidade escolar, no que chama-
reza, ou seja, sua complexidade como prática mos de educação formal.
social.
Atualmente percebe-se que a tecnolo-
gia está seduzindo as crianças, distancian-
do-as da interpretação de textos, da análise
crítica, da reflexão do entendimento de uma

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 57


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

leitura, o que acaba resultando um vocabulá- A leitura então nos leva à capacidade
rio cada vez mais pobre, com abreviaturas e de perceber, entender, opinar e transformar a
significados distorcidos, e a facilidade tecno- sociedade à nossa volta. Ao lermos com cla-
lógica do click, acaba por afastar as crianças reza enxergamos o que um assunto, texto ou
do mundo dos livros. qualquer que seja a leitura, nos transmite, e
nesse caso o desafio é a compreensão, saber
A criança, no processo de aprendiza-
ouvir e estar aberto às mudanças, selecionan-
gem da leitura e da escrita precisa conviver
do textos os quais pode se ter a oportunidade
com textos que tenham significado, para que
de agir, interagir e, especialmente refletir.
assim venha a se interessar pelo que está
lendo e aprendendo. Quando a leitura passa Um dos desafios do ato de ler é pensar
a ter um significado, quando a criança co- a leitura como emancipação, a descoberta de
meça a estabelecer a relação do que lê com si no outro e o contrário também, é conhecer-
sua vida, as escritas das palavras começam -se e gostar-se, pois mais do que um conjun-
a fazer sentido, e o aprendizado da criança to de palavras, a leitura é o passaporte para
ocorre de forma prazerosa. Segundo Martins viajar num outro mundo, mais sensível, mais
(1994): compreensível, mais próximo e esta proximi-
Quando começamos a organizar os conhe-
dade prática ganha relevância no contexto, na
cimentos adquiridos, a partir das situações vivência e no entendimento.
que a realidade impõe e da nossa atuação
A leitura nos traz liberdade, e para isso,
nela; quando começamos a estabelecer
relações entre as experiências e a tentar re- é importante ir além dos ambientes escolares,
solver os problemas que nos apresentam salas de aula, dos balcões e estantes das
– aí então estamos procedendo leituras, as bibliotecas, ir para o mundo, pois a leitura
quais nos habilitam basicamente a ler tudo começa antes mesmo de saber ler e vai além
e qualquer coisa. Esse seria, digamos, o de quando se aprende. Percebe-se então que
lado otimista e prazeroso do aprendizado não basta a inserção de pessoas na socieda-
da leitura (MARTINS, 1994, p.17). de letrada para se obter uma efetiva participa-
Contudo nas séries iniciais existe a di- ção sobre a mesma. De acordo com os PCNs:
ficuldade com a alfabetização processo que “Um leitor competente só pode constituir-se
muitas vezes contribui na limitação em rela- mediante uma prática constante de leitura de
ção ao o domínio da palavra falada e escrita, textos de fato, a partir de um trabalho que
fator esse que contribui para o desinteresse deve se organizar em torno da diversidade
pela leitura, pois quando se chega ao 3º e de textos que circulam socialmente” (BRASIL,
4º ano a criança sente dificuldade de enten- 2001, p. 54).
dimento, passa a ler por obrigação, e esse é O acesso ao conhecimento, então, se
um dos desafios a serem superados. torna mais fácil aos que têm oportunidade
A realidade cotidiana dos educadores de ler e fazer uso da leitura. Neste sentido,
e pais, sobrecarregados com as atividades, a leitura é uma condição básica para que o
compromissos e, portanto, sem tempo em au- indivíduo compreenda o mundo, as pessoas
xiliar os educandos no desenvolvimento da e tudo o que o rodeia.
capacidade de leitura, também é um desafio
que nós educadores e a instituição escolar
temos que superar para conseguir formar
sujeitos leitores, possibilitando aos nossos
alunos desenvolvimento de sua sensibilidade
expressiva e não permitir que a leitura seja
mecanizada.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 58
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A LEITURA NO CONTEXTO ESCOLAR (1993, p. 36), nas culturas letradas, sem ler
e sem escrever, não se pode estudar, bus-
A escola é um espaço em que o in- car e conhecer. Nesse sentido, como já dito
divíduo, seja o aluno ou o professor , pode anteriormente, ler vai além da decodificação
compartilhar conhecimentos. A criança e o dos signos escritos. A escola enquanto espa-
adulto interagem numa relação social especí- ço de formação, tem um papel fundamental
fica: a relação de ensino. O aluno, a princípio, nesse contexto, pois ela é um espaço formal
é colocado diante da tarefa de compreender de produção da leitura e da escrita de forma
as bases dos conceitos sistematizados ou consciente. Ela é responsável pela formação
científicos e o professor tem a função de me- de sujeitos leitores.
diar e de orientar o aluno nesse processo de
compreensão e aprendizado. Segundo os PCNs de Língua Portugue-
sa:
Nesse processo de ensino aprendiza-
Se o objetivo é formar cidadãos capazes
gem, como ressalta Silva (2005), não basta
de compreender os diferentes textos com
à escola ter como objetivos alfabetizar os alu- os quais se defrontam, é preciso orga-
nos: ela tem o dever de criar condições para nizar o trabalho educativo para que ex-
que os alunos aprendam a escrever textos perimentem e aprendam isso na escola.
adequados às suas intenções e aos contextos Principalmente quando os alunos não têm
em que serão lidos e utilizados. contato sistemático com bons materiais
de leitura e com adultos leitores, quando
Deparamo-nos atualmente, no contexto não participam de práticas onde ler é in-
escolar, com alunos que não gostam de ler dispensável, a escola deve oferecer ma-
ou que dizem não entender o que leram, ou teriais de qualidade, modelos de leitores
ainda, que não sabem ler, ou apenas conse- proficientes e práticas de leitura eficazes
guem decifrar alguns signos, juntar letras e (BRASIL, 2001, p.55).
decifrar uma palavra ou frase. Também nos Ao inserir a leitura, no contexto escolar,
deparamos com alunos que ao lerem um tex- esta deve ser de forma agradável e dinâmica
to não são capazes de indicar informações utilizando o lúdico como uma das estratégias
claras e presentes no texto. Segundo o PCN para o prazer da leitura. Sendo assim, se o
de Língua Portuguesa: aluno aprender a ler, de forma descontraída,
É preciso superar algumas concepções poderá estar ao mesmo tempo, desenvolven-
sobre o aprendizado inicial da leitura. A do a sociabilidade e a integração no meio no
principal delas é a de que ler é simples- qual está inserido. O gosto pela leitura então
mente decodificar, converter letras em se dará gradativamente, por meio da prática
sons, sendo a compreensão consequên- e de exercícios constantes. O aprendizado da
cia natural dessa ação. Por conta desta
leitura é uma tarefa contínua e permanente,
concepção equivocada a escola vem
produzindo grande quantidade de “leito- que se enriquece com novas habilidades.De
res” capazes de decodificar qualquer tex- acordo com Freire (1993):
to, mas com enormes dificuldades para Se nossas escolas, desde a mais tenra
compreender o que tentam ler (BRASIL, idade de seus alunos se entregassem ao
2001, p. 55). trabalho de estimular neles o gosto da lei-
Uma das atividades fundamentais que tura e o da escrita, gosto que continuasse
a ser estimulado durante todo o tempo de
a escola desenvolve para a formação dos
sua escolaridade, haveria possivelmente
educandos é a leitura. A leitura ultrapassa os um número bastante menor de pós-gradu-
limites da linguagem ela se apodera do indi- andos falando de sua insegurança ou de
víduo enquanto ser social que é o único ser sua incapacidade de escrever (FREIRE,
a desfrutar da cultura letrada, mas para Freire 1993, p.37).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 59


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nesta concepção, se as instituições es- O professor e a escola têm o desafio de


colares, em parceria com os professores pro- incentivar e motivar a leitura, de fazer com que
movessem estratégias e condições para que o aluno desperte para o universo dos livros.
ocorra o crescimento individual do leitor des- Pois de acordo com Martins (1994, p.25) “A
de a Educação Infantil, despertando-lhe o in- leitura seria a ponte para o processo educa-
teresse e gosto pela leitura, contribuirão para cional eficiente proporcionando a formação
a formação de leitores com uma proficiência integral do indivíduo”.
maior na leitura e na escrita. Nesse sentido, a
A leitura não tem que ser obrigatória
escola deverá contar com uma estrutura, com
precisa ser espontânea, sem obrigar o alu-
uma equipe comprometida que propicie ao
no a realizar leituras que como docente, jul-
indivíduo condições de desenvolver o hábito
guem necessárias, criando nos alunos, certa
de ler.
aversão a leitura, pois assim corre-se o risco
A escola ao propiciar para o aluno um de formar leitores decodificadores de signos,
espaço de vivências e aprendizagens, no de- com uma leitura sem significado, sem impor-
senvolvimento do hábito de ler, fornecendo tância, a leitura sem compreensão:
aos alunos por meio da leitura instrumentos De fato, o valor ou significado que a leitu-
necessários para que eles consigam buscar, ra tem para cada indivíduo depende dos
analisar, selecionar, e organizar as informa- tipos de respostas que ele encontrou nos
ções existentes no mundo e serem sujeitos livros com os quais se defronta em seu
capazes de exercer sua cidadania, como afir- trajeto de vida; do tipo de circunstâncias
ma Silva (1999): em que se deu esse encontro, do aces-
so a livros elucidadores e, finalmente do
A formação do leitor quer enfatizar não namoro, amor ou paixão decorrentes do
é um produto do acaso, o potencial que contato entre eles (SILVA, 1999, p. 126).
todos os seres humanos possuem para
ler o mundo e a palavra ou qualquer outro Formar leitores não é tarefa fácil, não
tipo de signo só vai se desenvolver caso acontece da noite para o dia, é um trabalho
as condições para a produção de leitura árduo que exige do professor uma postura
se fizerem presentes no corpo social (SIL- de leitor, sendo um mediador no processo
VA, 1999, p. 120).
de aquisição do hábito da leitura, utilizando
A escola desempenha um papel funda- se das vivências e experiências do aluno, fa-
mental na formação de leitores competentes zendo com ele perceba que ler não é deco-
que gostem de ler, que leiam para adquirir dificar, e sim um processo de compreensão
conhecimentos ou para obter informações ou daquilo que se lê, entendendo, estabelecendo
para as mais diversas finalidades. Ela, em par- relações. Esse processo exige do leitor paci-
ceria com o professor, tem a responsabilida- ência, determinação, coesão, discernimento,
de de formar as bases para que as pessoas dedicação, estudo, pesquisa, dialogar com o
continuem a aprender durante a vida toda. texto e com o autor.
Segundo Martins (1994):
A função do educador não seria precisa-
mente a de ensinar a ler, mas a de criar
condições para o educando realizar a sua
própria aprendizagem, conforme seus
próprios interesses, necessidades, fan-
tasias, segundo as dúvidas e exigências
que a realidade lhe apresenta (MARTINS,
1994, p.34).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 60


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como objeto de conhecimento a leitura precisa ser explicitada. O aluno para se tornar
leitor competente necessita ser estimulado e introduzido ao mundo da leitura desde muito
pequeno. Ao ler e pesquisar diferentes fontes e autores ficou claro que na infância inicia se
todo o processo de estímulo à leitura, mas a fase do desenvolver e criar esse hábito ocorre
no ensino fundamental.
Constatei que as estratégias de leitura precisam ser ensinadas para que o leitor/aprendiz
se torne um leitor autônomo e competente. No entanto, acredita-se que este ensino precisa
acontecer em situações contextualizadas e significativas, de modo que o aluno/leitor possa
reconhecer a leitura como uma atividade social que permite a sua atuação no cotidiano e sua
inserção no mundo letrado.
Durante a pesquisa e leituras pude perceber que a escola como espaço de inserção e
do despertar do gosto pela leitura, precisa dar subsídios e oferecer recursos para que o aluno
tenha oportunidades de vivenciar situações de leitura, para que possa desenvolver e criar o
hábito de ler, como sugerem os PCNs de Língua Portuguesa.
A escola e o professor precisam estar preparados para lidar com as dificuldades e obs-
táculos que surgem no caminho. A partir do momento em que se acredita que o ato de ler é
capaz de mudar o indivíduo e suas relações com o mundo, favorecendo a possibilidade de
transformações coletivas, como defende Maria Helena Martins (1994) e Paulo Freire (2009).
Constatei também que algumas concepções, práticas e didáticas ainda precisam ser
mudadas, a qual pode começar a partir de uma mudança no projeto político de escola e na
concretização de uma proposta social de leitura. Enfatiza-se, por outro lado, que para que haja
uma revolução no desenvolvimento e aprendizado da leitura, faz-se necessário uma mudança
de concepção dos professores a respeito desta atividade e do seu ensino a partir de uma
aproximação e reflexão sobre o conhecimento produzido a respeito dos processos envolvidos
neste aprendizado.
A formação do leitor é um trabalho que exige muita dedicação, preparo e formação, os
professores devem desenvolver projetos de incentivo e tem realizado um trabalho satisfatório
no que diz respeito a contribuir com a formação do sujeito leitor, no qual demonstraram pre-
paro, motivação ao realizar e desenvolver diversas atividades que estimulem o hábito de ler,
e as escolas mesmo com recursos e espaços ainda limitados, dentro das possibilidades tem
contribuído para a formação do sujeito leitor.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 61


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BAMBERGER, R. Como incentivar o hábito da leitura. 5. ed. São Paulo: Ática, 2004.

BRASIL. PARÂMETROS CURRICULARES NACIONAIS: Língua portuguesa/ Ministério da Educação. Secretaria da


Educação Fundamental. 3. ed. Brasília: A Secretaria, 2001, 144p.

FOUCAMBERT. J. A criança, o professor e a leitura. Porto Alegre: Artes Médicas. 1997.

______. A leitura em questão. Tradução. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artmed, 1994.

FREIRE, P. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. 50. Ed. São Paulo: Cortez, 2009. Co-
leção Questões da nossa época.

______. Professora Sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. 8 ed. São Paulo: Olho d’Água, 1993.

HOFFMANN, J. Texto de Hoffmann relacionado à Leitura. 2009. Disponível em: http://doidoeusodeperto.blogspot.


com/2009/05/texto-de-hoffmann-relacionado-leitura.html. Acesso em: 09 de jan. de 2021.

JOLIBERT, J. e colaboradores. Formando crianças leitoras. Tradução. Bruno Charles Magne. Porto Alegre: Artmed,
1994.

LERNER, D. Ler e Escrever na Escola - O Real, o Possível e o Necessário. Porto Alegre: Artmed, 1994.

MARTINS, H. M. O que é leitura. 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 1994.

MORAIS, J. A Arte de Ler Tradução Álvaro Lorencini. São Paulo: UNESP, 1996.

SILVA, E. T. da. De olhos abertos: Reflexões sobre o desenvolvimento da leitura no Brasil. 2 ed. São Paulo: Ática,
1999.

______. O Ato de Ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia na leitura. 10. ed. São Paulo: Cortez,
2005.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2003.

SEE. LETRA E VIDA - Programa de Professores Alfabetizadores - Coletânea de textos - Módulo 2 . Governo do
Estado de São Paulo - Secretaria de Estado da Educação. São Paulo: Imprensa Oficial, 2003.

SOLÉ, I. Estratégias de leitura. Tradução Cláudia Schilling. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 62


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Administração pela Universidade


Municipal de São Caetano do Sul - USCS (2009);
Formação Pedagógica em Matemática pelo
Claretiano – Centro Universitário (2014); Professora
de Ensino Fundamental II e Médio - Matemática
- na EMEF Jardim das Laranjeiras, Professora
de Educação Básica II – Matemática - na EE
Fioravante Zampol.

ANA ROSA
APARECIDA GONÇALVES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 63
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS NOVOS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO E O ENFRENTAMENTO


AO CYBERBULLYING NO AMBIENTE ESCOLAR

RESUMO: Os profissionais da área da educação apresentam cada vez mais esforços para a
implementação da chamada TICs e ao confrontamento de um novo tipo de violência no ambiente
virtual: cyberbullying”. Qual o papel da escola diante deste novo quadro? Qual seria o método
para uma atuação adequada e eficaz no ambiente virtual? É pelo incômodo e desafio que estas
perguntas provocam que este estudo teve por objetivo realizar uma reflexão sobre a atuação da
escola no enfrentamento ao cyberbullying no ambiente escolar.

Palavras-chave: Cyberbullying; Educação; Método.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 64


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

N
a atualidade um desafio se impôs aos profissionais da educação: descobrir
como se adaptar e se desenvolver no processo educacional na modernidade e
seus recursos tecnológicos para além da utilização dos recursos técnicos, mas
entender como a educação se apresenta neste novo contexto.
Se pode verificar que a internet é o recurso tecnológico para a transmissão da infor-
mação. Se tornou o meio pelo qual as pessoas se comunicam, se organizam e se divertem.
Segundo Levy (2001), assim nasceu a cybercultura, ou seja, as relações acontecem mediadas
pela rede, em um universo que está conectado. Para descrever melhor as TICs (Tecnologia
da Informação e Comunicação) esclarece o autor:
[...] pode representar um movimento ímpar, uma vez que nos permite pensar na redução das dis-
tâncias, numa maior integração das escolas entre si e com o mundo contemporâneo; não somente
como consumidoras, mas como possibilidades de produzir conhecimento e de fazer de cada
espaço escolar um lugar de produção coletiva, no qual sejam constituídas interações não-lineares
e onde sejam fortalecidas essas redes de relações (SANTOS, 2002, p. 49).

Para tanto, não é suficiente saber usar os recursos e habilidades, mas também com-
preender como as relações neste espaço são estabelecidas de forma a desenvolver as com-
petências necessárias para este acesso. Visando assim, a compressão deste novo ambiente
de comunicação e fazendo sobre uma análise de forma a conseguir posicionar-se de modo
crítico e autêntico.
Neste sentido é necessário pensar em como as TICs devem ser utilizadas de forma a
não produzir segregação, ao contrário, de forma que possa cooperar no processo de inclusão
de todos. Segundo Mantoan (2003), a aplicação de novos recursos, sem o devido acesso de
todos, sem a devida capacitação dos professores e a estrutura pertinente transforma a escola
em um depósito de crianças, em que se marginaliza aquelas que apresentam dificuldade,
coloca os professores em situações de conflito mediante todos os alunos e frustra os pais
por não apresentar a abordagem e atuação adequada.
Acrescenta-se a este parâmetro já levantado também aspectos ainda sem resposta
definida como:
• A diferença entre o que é público e privado na cultura digital;
• Liberdade;
• Ética.
Verifica-se que, neste local, os educadores devem se preocupar com a construção de
conteúdos significativos, mas que para que isso ocorra é importante entender as regras destas
relações como também a expectativa das crianças e jovens nestes espaços.
Como é possível assim estabelecer na escola um espaço significativo para os estu-
dantes com a utilização das tecnologias? Como fomentar e criar atividades em que se possa
vivenciar possibilidades de reflexão? Estes são alguns dos questionamentos impostos pelo
enfrentamento desta nova realidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 65


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Dayrell (2003), explica que na modernidade se faz necessário compreender o processo


em que se dá a socialização dos jovens e como ela se caracteriza e se apresenta nesta nova
realidade:
A juventude constitui um momento determinado, mas não se reduz a uma passagem; ela assume
importância em si mesma. Todo esse processo é influenciado pelo meio social concreto no qual
se desenvolve e pela qualidade de trocas que este proporciona (DAYRELL, 2003, p. 42).

De outra forma poderia ser descrito também conforme consolidação de conceito elabo-
rado pela Diretriz Nacional Curricular:
Condição sócio-histórico-cultural de uma categoria de sujeitos que necessita ser considerada em
suas múltiplas dimensões, com especificidades próprias que não estão restritas às dimensões
biológica e etária, mas que se encontram articuladas com uma multiplicidade de atravessamentos
sociais e culturais, produzindo múltiplas culturas juvenis ou muitas juventudes. Entender o jovem
do ensino médio dessa forma significa superar uma noção homogeneizante e naturalizada desse
estudante, passando a percebê-lo como sujeito com valores, comportamentos, visões de mundo,
interesses e necessidades singulares (BRASIL, 2011, p. 12).

Neste sentido, aos profissionais da educação é necessária a reflexão dos efeitos destes
“encontros digitais” sobre sua capacidade de estabelecer as relações sociais e interpessoais.
É preciso observar estes estudantes e como interagem na rede afim de compreender o “jovem
contemporâneo”. De modo a compreendê-lo e proporcionar um ambiente de aprendizagem
em que não ocorra violência digital. Desta forma, este trabalho visa discutir a complexidade
da inclusão das TICs no sistema educacional e como prevenir o cyberbullying.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 66


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A PRÁTICA PEDAGÓGICA tor importante é criar um ambiente no qual a


criança possa agir livremente, trazendo à tona
Segundo Montessori (1949), para que o respostas e comportamentos novos gerados
método de atuação seja adequado, ele deve de forma espontânea.
estar pautado pelos valores na ação peda-
gógica: a criança, o ambiente, o educador. Com esta visão, o professor deve consi-
Da mesma forma, tem os seguintes princípios derar também os recursos ambientais, por ve-
fundamentais: zes, a escola não apresenta a infraestrutura e
recursos necessários para as atividades cria-
• A atividade; das em planejamento. Aqui, se inicia a obser-
• A individualidade: onde o aluno usa vação do contexto escolar e será necessário
os materiais à medida de sua ne- o uso de criatividade para criar as atividades,
cessidade e por ser autocorretivo faz sendo que, este fato em si já se configura em
sua autoavaliação. Os professores um dado da realidade a ser explorado com
são auxiliares de aprendizagem; as crianças não como agente limitador, mas
como desafio a ser ultrapassado.
• A liberdade: os alunos exercitam
suas escolhas nas oportunidades Neste sentido, a visão sobre a atuação
diárias de escolher os materiais e ati- escolar deve ser global, a escola e os alunos
vidades, dedicando-se a uma tarefa se transformam de modo dinâmico e orgânico
de acordo com seu ritmo e apren- fazendo com que a vida escolar seja atualiza-
dendo a perceber e respeitar o outro da a cada dia, estimulada por esta transfor-
e o ambiente. mação contínua.

Montessori reitera que ao nascer, a Se verifica assim, que após a conclusão


criança se desprende da mãe para viver uma da licenciatura o professor de educação física
vida fisiológica independente, autônoma. Gra- terá de conseguir utilizar os recursos técnicos
dativamente ela progride no caminho da auto- aprendidos na universidade, mas como bom
nomia (vemos isso explícito no aparecimento pesquisador sempre se questionar sua atua-
do primeiro dente que significa independên- ção para verificar se o seu método praticado
cia ao alimentar-se e não mais a necessidade está de fato alcançando os resultados preten-
do seio materno; o primeiro passo mostra que didos, pois caso não esteja ele deverá buscar
a criança já não necessita de ser carregado novos recursos.
nos braços), e este o método visa a liberdade Segundo Montessori (1949), para que
na medida em que auxilia a independência um método utilizado na educação seja pro-
por meio da educação muscular, sensorial, dutivo devem ser considerados: a criança, o
intelectual, forma de agir sozinha sem adultos, ambiente, o educador. Da mesma forma, tem
de bom grado, esforçando-se em aprender, os seguintes princípios fundamentais:
tendo como aliado a inclinação extremamente
forte na criança ao desenvolvimento. • A atividade;

Desta forma, para que o planejamento • A individualidade;


do professor seja efetivo deverá considerar • A liberdade: a partir das escolhas e
os critérios acima citados. Através do olhar oportunidades diárias.
atento para seus alunos, se identificaram os
principais itens a serem desenvolvidos e as
dificuldades iniciais apresentadas. Outro fa-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 67


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Neste sentido, o professor não deve te- • Falta de Recursos: existem unidades
mer os conteúdos que irão emergir de seus escolares que não atendem o míni-
alunos. O professor deve possuir capacidade mo necessário para que aplique os
de continência, ou seja, de acolher os senti- conhecimentos relacionados a esta
mentos e conteúdos expressos pelos alunos atuação, fazendo com que o profes-
e trabalhá-los de forma a fazer com que sejam sor crie outras estratégias o que é
confrontados com o devido suporte e media- significativo, mas compromete o re-
ção. sultado na experiência vivenciada
pelo aluno.
A formação que o professor obteve em
sua graduação passará a ser colocada à pro- • Planejamento Inadequado: ou seja,
va no cotidiano escolar. Ele deverá portanto, por vezes, a prática de educação fí-
buscar formação e conhecimento para enfren- sica não é encarada com seriedade
tar os desafios particulares do ambiente es- pela gestão escolar impossibilitando
colar que estará inserido. Concomitantemente que o professor expanda sua atua-
alunos e professores crescerão em formação ção e crie atividades diversificadas
em um processo dinâmico gerando um pro- para potencializar suas aulas.
cesso produtivo para a escola e alunos. Neste
• Má formação: para um bom desen-
sentido Mercado (1999), descreve:
volvimento o professor deve apre-
A formação recebida por formandos já sentar formação reflexiva e crítica.
profissionalizados e com vida ativa, tendo Entender o contexto de seus alunos
por base adaptação contínua a mudanças
e propor atividades que além de co-
dos conhecimentos, das técnicas e das
convicções de trabalho, o melhoramen- nhecimento atendam sua demanda.
to de suas qualificações profissionais e a
A LDB visa garantir os parâmetros curri-
sua promoção profissional e social (MER-
CADO, 1999, p.105). culares da aprendizagem, contudo, na prática
muitos obstáculos e dificuldades podem ser
Neste contexto, para que a desvalori- verificados: a necessidade de infra estrutura,
zação do professor não aconteça, estes dois formação dos professores e funcionários, tec-
fatores devem caminhar juntos: a formação nologias. Conforme descreve Morin (2001):
continuada do professor e a consciência e
planejamento da gestão escolar. Pois também • É responsabilidade da escola garan-
é responsabilidade da escola compreender tir a infra estrutura, que se refere a
todo espectro que envolve a prática da educa- adaptação do ambiente escolar às
ção física, ou seja, compreensão desta ação necessidades dos alunos e das ati-
dentro do currículo escolar de forma global e vidades propostas.
integradora e os recursos técnicos do profis- • O acompanhamento na capacitação
sional de educação física. dos professores deve ser contínuo.
Outro fator a ser verificado é a condi- Uma vez que, sem o devido em-
ção estrutural da escola. Por vezes a unidade basamento técnico a atuação será
escolar não apresenta recursos necessários ineficiente e não corresponderá a
para que a prática e educação física seja de- necessidade do aluno. Podendo ge-
senvolvida adequadamente. Temos, por ve- rar além dos sintomas de insatisfa-
zes, duas dificuldades marcantes: ção atraso no desenvolvimento dos
mesmos. Principalmente consideran-
do as fases iniciais em que a psi-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 68
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

comotricidade deve ser intensamen- pontue práticas que devem ser incentivadas
te acompanhada inclusive para se e dialogar sobre aquelas que não apresentam
identificar precocemente algum pro- retorno adequado e desta forma, tornar pos-
blema complexo inicial, seja ele de sível uma prática pedagógica que esteja em
fonte biológica ou comportamental. conformidade com as adaptações a inclusão
e necessidades dos alunos.
• Em relação a tecnologia deve-se
estar atento porque surgiram novas Desta forma, se compreende que, para
possibilidades com a modernidade. que a prática pedagógica seja adequada a
Os alunos apresentarão esta deman- gestão, professores, alunos e pais devem
da e os professores e a gestão da estar envolvidos no processo de aprendiza-
escola não poderão negligenciar as gem. Outro aspecto fundamental é buscar
alterações impostas pela modernida- ativamente o envolvimento dos pais e cuida-
de e que já fazem parte do cotidiano dores neste processo de conhecimento com
do aluno. o intuito de que as ações de orientação sejam
também refletidas no ambiente doméstico.
• É preciso desenvolver capacidade
reflexiva. A maturidade profissional e CYBERBULLYING
sócio emocional do professor faz di-
ferença na medida em que desafios O bullying pode ser descrito como a
inusitados podem surgir e será ne- apresentação de comportamento violento
cessário criar estratégias de atuação nas instituições. Segundo Barbosa ( 2010),
e novas respostas a problemas que o bullying pode ser identificado em situações
surgem sempre na rotina escolar. em que se demonstre comportamento cruel
e agressivo de forma constante nas relações
Verifica-se assim, que muitos alunos se de interação.
atraem pela aula de educação física pela li-
berdade que esta aula proporciona fora da Para Gabriel ( 2013), o bullying é de-
sala de aula convencional. Contudo, aqui se senvolvido em três formas:
coloca a atuação do professor em proporcio- • Física;
nar ao aluno a exploração de algo além disto.
Por vezes, isto pode ser iniciado de forma • Emocional;
lúdica para que se inicie de forma mais con- • Verbal.
creta e expanda aos demais temas de forma
gradual. Para tanto, a gestão da escola tem Já o cyberbullying ocorre quando o
que dar suporte ao professor criando e emba- bullying ocorre no ambiente virtual e pode
sando um planejamento que contemple estes ser identificado quando demonstra caracte-
aspectos. rísticas sistemáticas de humilhar, constranger
por meio virtual. Conforme descreve o autor:
A gestão escolar também tem o dever
Envio de mensagens cruéis ou de amea-
de colaborar na conscientização dos alunos ças para alguém – por e-mail ou telefone
e pais. Para que as práticas vivenciadas na celular; Disseminação de rumores cruéis
escola sejam estendidas ao ambiente familiar. on-line sobre alguém – por meio de posts
Neste sentido Tezani (2010), os gestores es- em mídias sociais, sites, mensagens de
colares, devem: dar apoio aos docentes na e-mail etc. Disseminação de conteúdos
investigação das necessidades dos alunos; (fotos, informações íntimas ou sexuais,
dados privados etc.) on-line sobre alguém
apresentar práticas e metodologias de ensino – por meio de posts em mídias sociais, si-
pertinentes; criar reuniões em que sinalize e
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 69
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

tes, mensagens de e-mail etc. Invasão de Esta prática de violência não é nova e
conta on-line (mídias sociais, email, etc.) tem se disseminado com mais força a cada
de alguém e usar essa conta para pos-
ano no Brasil. Alguns estudos já apontam as
tar mensagens prejudiciais, passando-se
por ela; Simulação da identidade de outra características desta ocorrência no ambiente
pessoa on-line para ferir ou prejudicar al- escolar e seus impactos. Conforme descreve
guém (GABRIEL, 2013, p.150). o estudo abaixo:
Dependendo do contexto, o cyber- A prática de bullying continua sendo o as-
bullying pode provocar muitos danos, inclusi- sunto mais citado pelos jovens (36%). Fo-
ram codificadas como prática de bullying
ve, mais que o bullying, uma vez que, o con- respostas relacionadas a “ameaças”,
teúdo pode ficar exposto por muito tempo “contar mentiras sobre a minha pessoa”,
sendo divulgado e causar situações vexató- entre outras. [...] Em se tratando das ex-
rias para a vítima por tempo indeterminado. periências vividas pelos jovens, 27% afir-
Estes danos podem causar violência emocio- mam que alguma pessoa agiu de forma
nal e psicológica trazendo sofrimento e po- ofensiva ou que lhes chateou nos últimos
12 meses, sendo que 15% afirmaram que
dendo interferir em outras instâncias da vida. essa situação ocorreu na Internet [TIC
Na adolescência ocorre um processo KIDS ONLINE BRASIL 2014, 2015].
de individuação em que o sujeito busca a afir- O Sistema de educação tem buscado
mação de sua própria identidade. Bem como, compreender como este movimento tem au-
seu novo status diante de sua socialização mentado no ambiente escolar e suas modula-
juvenil. Portanto, neste período as situações ções. Com o objetivo de criar estratégias para
de bullying podem ocorrer com frequência. intervenção de modo a tornar o ambiente de
Conforme já destacado acima, o perío- interação dos alunos mais saudável e capaz
do da adolescência traz conflitos específicos de ser um espaço significativo, em que não
e se percebe que neste contexto o bullying se viole os direitos, mas sim, que se torne
está muito presente. Desta forma, se faz ne- um ambiente de apropriação dos direitos e
cessário a observação e apresentação de for- cidadania.
ma a combater este tipo de violência. O PAPEL DA ESCOLA NO
No ambiente escolar esta prática é muito ENFRENTAMENTO AO BULLYING
complexa porque ultrapassa o muro da esco- Na educação devido a modernidade a
la e pode atingir mais do somente o aluno, internet passou a ser a base da comunicação,
mas toda a sua família devido a capacidade de em que através são realizadas não somente
transmissão de informação através da internet. pesquisas, mas todo acesso ao conteúdo de
Por isso Abramovay (2002), ressalta orientação e formação dos alunos.
que a violação dos direitos da pessoa por vio- Ou seja, com a disseminação e utiliza-
lência no âmbito escolar deve ser observada ção da Tecnologia da Informação e Comuni-
com mais atenção já que não há mais frontei- cação a sala de aula extrapolou suas paredes
ras para o modo que isso pode ser feito e as e alcançou um novo universo. Trazendo aos
pessoas que podem ser atingidas, causando profissionais da educação um novo desafio:
por vezes, tragédias, evasão escolar e outros Como orientar os alunos na utilização deste
prejuízos aos alunos. Portanto, é preciso que recurso? É possível monitorar? Enfim, novas
haja acolhimento do aluno que passou por soluções e novos problemas e obstáculos a
esta circunstâncias afim de ampará-lo para o serem vencidos surgiram.
seu bom desenvolvimento.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 70
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Esta alteração produziu a interação so- O primeiro passo para identificar as si-
cial cada vez mais intensa através da internet, tuações de risco dentro deste novo contexto
em que se poderá estar reunido em espaços é compreender quais são as situações de
diferentes, tirando esta limitação e permitindo bullying. O que é preciso desmistificar é que
uma agilidade na comunicação inimaginável. o bullying não está somente relacionado a
Neste sentido, segundo Souza (2014), esta violência física, mas em sua amplitude pode
alteração representa um momento singular, ser identificado em comportamentos de in-
já que se permite assim a integração mesmo timidação, humilhação, constrangimento de
com a distância. E demonstra possibilidades forma isolada ou em grupo.
dentro do espaço escolar em um novo con-
Desta forma, cyberbullying se refere
texto de desenvolvimento individual e coletivo.
quando o agressor se utiliza do meio virtual
No entanto, só a disponibilização do para emitir tais comportamentos. Segundo
recurso e estrutura não é o suficiente. É pre- Fante e Pedra:
ciso pensar e proporcionar capacitação aos Na sua prática, utilizam-se modernas
profissionais, e repensar a lógica de ensino. ferramentas da internet e de outras tec-
Ou seja, que modo de atuação é adequado nologias da informação e comunicação,
a partir desta nova perspectiva e considerar móveis ou fixas com o intuito de maltra-
também quem é esta criança e adolescente tar, humilhar e constranger. É uma forma
inserido e adaptado a este novo conceito. de ataque perversa. A diferença está nos
métodos e nas ferramentas utilizadas pe-
O primeiro desafio confrontado é a ca- los praticantes. O bullying ocorre no mun-
pacitação dos professores e adaptação a esta do real, enquanto o cyberbullying ocorre
no mundo virtual. Geralmente nas outras
nova linguagem de aprendizagem. Verificando
formas de maus tratos a vítima conhece
que, se faz necessário que a escola providen- seu agressor, sejam ataques diretos e in-
cie e proporcione a estes: diretos. No cyberbullying, os agressores
se motivam pelo “anonimato”, valendo-se
• Constante capacitação e atualiza- de nomes falsos, apelidos ou fazendo-se
ção; passar por outras pessoas (FANTE; PE-
DRA, 2008, p. 65).
• Supervisão técnica;
Por isso, a partir da identificação qua-
• Observação da postura ética.
lificada do profissional frente ao fenômeno é
Segundo Dayrell (2007), o processo de possível pensar estratégias de ação de modo
socialização neste novo espaço impõe aos a prevenir e protocolos adequados, caso o
educadores um novo olhar sobre este contex- comportamento seja identificado entre os es-
to e novos métodos para refletir sobre a pos- tudantes.
tura ética no mundo virtual. Fazendo surgir um
Para a prevenção da violência na inter-
novo desafio: Como monitorar estas relações
net foi necessária discussão relativa ao uso
sem invadir a liberdade pessoal? Como fo-
crítico e responsável das tecnologias digitais
mentar discussões relativas à necessidade de
ainda que seu manejo pareça transmitir um
postura ética em rede. São questionamentos
certo anonimato e por isso se torne propicio
oportunos e necessários para a manutenção
para ações de violência, é preciso estimular
do desenvolvimento das TICs no ambiente
os alunos a usá-la com responsabilidade e
educacional.
com reflexão de modo a impedir que práticas
de bullying sejam emitidas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 71


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Outro aspecto importante é comuni- • As situações de risco;


car aos alunos formas de se proteger contra
• Professores capacitados e responsá-
ataques deste tipo, sinalizando os canais de
veis por manejar estes casos;
denúncia e desta forma, se protegerem dos
riscos. Os educadores devem sempre buscar • Sempre atuar de forma a incentivar
a autonomia dos alunos, desta forma, ensinar uma postura ciberética;
como identificar situações suspeitas é essen-
• Estabelecer política e protocolo de
cial. Neste sentido, os alunos não só apren-
ação relacionado a violência virtual.
derão a utilizar de forma a rede, mas também
se tornarão multiplicadores através de seus Se faz necessário também manter um
amigos ao compartilharem o uso. diálogo constante com os alunos de modo
que eles possam incluir em seu repertório de
Para Zednik (2015), é de fundamental
comportamento ações que possam colabo-
importância fomentar a importância da postu-
rar para evitar a incidência de cyberbullying
ra ética no uso da internet. Através de forma-
como:
ções e discussões abertas em que se possa
refletir sobre o uso de seu “avatar” online. Se • Informar sobre a importância das se-
faz necessário também fazer com que a fa- nhas e privacidade;
mília faça parte desta discussão com o obje-
• Orientá-los sobre a importância de
tivo de que estas práticas sejam introduzidas
relatar a um adulto, caso o cyber-
dentro do ambiente familiar e assim, também
bullying ocorra;
proteja os alunos de serem vítimas de crimes
na internet. • Estimulá-los a agir de forma adequa-
da e ética.
É importante de fato formar os alunos
para a utilização do uso dos recursos dispo- É importante que a escola acompanhe
níveis, a fim de que possam ser apresentados os estudantes assiduamente com objetivo
formas de pesquisas eficientes, o acesso a de orientá-los em caso de dúvidas. E que os
outras línguas e pesquisas de outros países professores estejam capacitados a manejar
de forma que esta prática se torne rotina. este diálogo com os alunos se tornando uma
referência de segurança.
Neste sentido, a escola contribui de for-
ma significativa para a formação e reflexão Outra condição que faz fundamental-
dos alunos, bem como os capacita profissio- mente necessária é o apoio às vítimas, uma
nalmente para a utilização de recursos das vez que, podem apresentar dificuldade de
tecnologias digitais de forma a saber usar e interação interpessoal e apresentar diversos
se proteger e que expandem este conheci- sintomas e ou distúrbios de comportamentos.
mento aos demais amigos de sua rede de Desta forma, é importante o devido acompa-
conexão. nhamento e encaminhamento a profissionais
que poderão dar a devida orientação para
Segundo Zednik(2015) a escola não
restabelecimento da saúde.
pode manter-se omissa. Dentro se seu pla-
nejamento deve conter um plano de ação
caso se identifique caso de cyberbullying e
um professor monitor que sempre oriente os
alunos levando-os a refletir e atuar de forma
ética e responsável. Desta forma, a escola
deve sempre estar atenta observando:
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 72
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível verificar que para garantir o acesso saudável da aprendizagem da criança e
do adolescente no ambiente virtual, se faz necessário que a escola não negue a existência do
cyberbullying. E, desta forma, criar um espaço que seja acolhedor e adaptado às mudanças
impostas pela modernidade.
Neste sentido, a atuação com as TICs exige determinado manejo para garantir não só
a viabilidade de ensino, mas também a modulação de comportamento neste ambiente. Com-
preende-se assim que temos algumas dificuldades a serem superadas como:
• Estabelecimento de estrutura adequada;
• Capacitação dos professores;
• Plano de intervenção relacionado a especificidade da cybercultura;
• Cyberética.
Todos os itens acima destacados precisam ser observados e estudados. De modo que,
a gestão deve se preocupar em estudar o desenvolvimento das TICs e o perfil de seus alunos
e a partir disso criar um método de ação.
O acompanhamento dos alunos é fundamental à medida que cada um pode apresentar
uma habilidade desenvolvida ou não. E é através desta observação que as ações se tornam
mais eficazes e assertivas. Realizando com os alunos reflexões e discussões constantes com
o objetivo de que desenvolvam postura ética diante do contato com os companheiros de sala
em qualquer circunstância que seja. E assim, provocar a consciência e responsabilidade sobre
o ambiente coletivo.
Outro ponto a ser fundamentalmente observado é a cibernética, ou seja, a sensibilização
dos alunos para a apresentação responsável no ambiente virtual. Uma vez que, é importante
cada aluno entender a importância de sua postura ética e assim ser um propagador de boas
práticas.
Se faz necessário também acompanhar e estimular os professores em sua capacitação
constante. E esta formação não pode ser voltada somente ao prisma técnico, uma vez que,
é preciso maturidade e sensibilidade para acessar os alunos e discutir temas complexos e
polêmicos de forma adequada.
Também é necessário trazer a comunidade para a reflexão. Desta forma, a capacitação
oferecida na escola é estendida ao ambiente familiar fazendo assim que o tema seja abraçado
de forma ampla e eficaz, apoio os pais e cuidadores e criar regras e limites de forma positi-
va no acesso de crianças e adolescentes ao mundo virtual. Bem como, prepará-los para as
situações de risco que podem ser confrontadas neste uso.
O agressor também deve ser assistido junto a sua família com intuito não só de respon-
sabilização, mas educativo em processo de crescimento e aprendizagem a
fim de compreender e refletir sobre os impactos de suas ações. Conclui-se
assim, que muitos estudos ainda devem ser desenvolvidos nesta temática
com o intuito de promover intervenções e formação de conhecimento que
contribua para a educação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 73


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
MONTESSORI, Maria. Mente Absorvente – Tradução GABRIEL, M. “Educar: a (r)evolução digital na educa-
de Wilma Freitas Ronald de Carvalho. Rio de Janeiro: ção'', São Paulo: Saraiva. 2013.
Ed. Nórdica, 1949. Disponível em: http://www.montes-
SOUZA, S. B. VEIGA SIMÃO, A. M.; CAETANO, A. P.
sori.ms.com.br/AInstitui%C3%A7%C3%A3o/MariaMon-
Cyberbullying: Percepções acerca do Fenômeno e das
tessori.aspx http://pedagogiasimples.blogspot.com.
Estratégias de Enfrentamento. v. 27, n.3, 2014, p. 582-
br/2011/03/maria-montessori.html http://www.aprende-
590.
brasil.com.br/glossariopedagogico/verbete.asp?PBWi-
ki=9634. BRASIL. Presidência da República. Pesquisa Brasileira
de Mídia 2015. Hábitos de consumo de mídia pela po-
MERCADO, L.P.L. Formação continuada de professores
pulação brasileira. Brasília: Secretaria de Comunicação
e novas tecnologias. Maceió: EDUFAL,1999.
da Presidência. Documento disponível em: http://www.
LÉVY, P. Cibercultura. 2. ed. São Paulo: 34, 2001. A inte- secom.gov.br/atuacao/pesquisa/lista-de-pesquisas-
ligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. -quantitativas-equalitativas-de-contratos-atuais/pesqui-
4. ed. São Paulo: Loyola, 2003. sa-brasileira-de-midia-pbm-2015.pdf. Acesso em 15 de
Setembro de 2020.
MORIN, E. A cabeça bem feita: repensar a reforma, re-
formar o pensamento. 4. ed. Trad. Eloá Jacobina. Rio de TIC KIDS Online Brasil 2014 (2015) “Pesquisa sobre o
Janeiro: Bertrand Brasil, 2001. uso da internet por crianças e adolescentes no Brasil”,
São Paulo: Comitê Gestor da Internet no Brasil, 2015.
ABRAMOVAY, M. (2002) “Violências nas escolas”, Brasí-
lia: UNESCO Brasil, Rede Pitágoras, Coordenação DST/ ZEDNIK, H. (2015) “e-Maturity: Gestão da Tecnologia
AIDS do Ministério da Saúde, a Secretaria de Estado numa Perspectiva de Melhoria do Desempenho Peda-
dos Direitos Humanos do Ministério da Justiça, CNPq, gógico”. Tese (Doutorado) - Universidade Federal do
Instituto Ayrton Senna, UNAIDS, Banco Mundial, USAID, Rio Grande do Sul, Centro de Estudos Interdisciplinares
Fundação Ford, CONSED, UNDIME. Acesso em: 15 de em Novas Tecnologias na Educação, Programa de Pós
Dezembro de 2020. Graduação em Informática na Educação, Porto Alegre,
318 f.
FANTE, Cleodelice Aparecida Zonato. Fenômeno
bullying: como prevenir a violência nas escolas e edu- ZEDNIK, H. Lopez, C. Tarouco, L. M. R. (2015) “Os prin-
car para paz. 2. ed. Campinas, São Paulo: Verus, 2005. cipais riscos à saúde associados ao uso das tecnolo-
gias digitais: o papel da escola frente a esse desafio”
DAYRELL, J. T. A escola “faz” as juventudes? Reflexões
In: XV Safety, Health and Environment World Congress
em torno da socialização juvenil. Educ. Soc., Campinas,
– SHEWC2015, 2015, Porto/ Portugal. Keeping Planet
vol. 28, n. 100 – Especial, p. 1105 – 1128, out. 2007.
“Water Earth” Safe and Sound: a challenge to Science
FANTE, Cleodelice Aparecida; PEDRA, José Augusto. and Technology. São Paulo: Copec, v.15.
Bullying escolar: perguntas & respostas. Porto Alegre:
Artmed, 2008.

BARBOSA SILVA, A. B. (2010) “Bullying: mentes perigo-


sas nas escolas”, RJ: Objetiva.

TEZANI, T. C.R. Gestão escolar: a prática pedagógica,


administrativa na política de educação inclusiva. 2010.
Artigo em revista.

GABRIEL, M. “Educar: a (r)evolução digital na educa-


ção'', São Paulo: Saraiva. 2013.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 74


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Professora da Rede Municipal de Ensino, atuando


na sala de Recurso Multifuncional. Graduada em
Pedagogia pelo Centro Universitário Sant' Anna,
em 2004. Especialista em Educação Inclusiva para
Deficiência Intelectual na Pontifícia Universidade
Católica - PUC ( 2011).

ANDRÉA
AGUIAR TELES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 75
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A HISTÓRIA DAS BRINCADEIRAS E DOS JOGOS INFANTIS

RESUMO: A história relata que alguns jogos tiveram sua origem nos ritos religiosos, nas festas
culturais, nas atividades de imitação, aos quais foram incluídos as lendas, ritos, mitos e arte. As
práticas lúdicas antes de se tornarem divertimento, representavam ritos e mitos que continham os
costumes e as crenças dos diversos povos. Para as crianças não existia jogos específicos porque
a educação era com a família e as atividades eram imitadas pelas crianças. Os professores podem
observar e constituir uma visão dos processos de desenvolvimento das crianças em conjunto e
cada uma em particular através das brincadeiras e também podem registrar as capacidades do
uso das linguagens assim como de suas capacidades do uso das linguagens assim como de suas
capacidades sociais e dos recursos afetivos e emocionais. O jogo é um excelente instrumento
para motivar as crianças a usarem a sua inteligência para superar os obstáculos cognitivos e
emocionais. O jogo propicia também um momento livre, no qual as crianças desenvolvem a sua
criatividade e a sua imaginação. Ao brincar a criança descobre e compartilha novas experiências
no convívio com outras crianças. Correndo, pulando, participando, sozinha, aos pares ou em
grupo, as crianças criam e recriam seu mundo com quem estiver ao seu alcance.

Palavras-chave: Atividades; Desenvolvimento; Práticas Lúdicas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 76


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
brincar do germânico blink lan, significa gracejar, divertir-se: designa-se o con-
junto de atividades que se assemelham entre si por seu caráter lúdico.
O ludus do latim brincadeira está na raiz de todas as atividades não uti-
litárias e é, portanto, uma das bases da cultura. O jogo, do latim jocus, é a ação de jogar,
brincadeira, divertimento. O jogar vem do latim jocare e quer dizer fazer brincadeira.
Brincadeira: ato ou efeito de brincar, divertimento sobretudo entre criança, brinquedo,
jogo, passatempo, entretenimento, divertimento, gracejo, zombaria.
Brincar: divertir-se infantilmente, entreter-se em jogos de crianças, divertir-se, recrear-se,
distrair-se.
Brinquedo: objeto que serve para as crianças brincarem, jogo de criança, brincadeira,
divertimento, passatempo.
Jogo: atividade física ou mental organizada por um sistema de regras que definem a
perda ou o ganho como: jogo de damas, jogo de futebol, brinquedo, passatempo.
Jogar: entregar-se ou tomar parte do jogo, executar as diversas combinações de um
jogo.
Algumas atividades lúdicas eram associadas à religião que tinha como objetivo preparar
os jovens para a morte e outras vezes estavam relacionadas às estações do ano no período
da colheita.
Os povos antigos, ao praticarem os jogos, desenvolvem suas culturas, seus costumes por essa
razão, as formas lúdicas de conduta manifestavam-se por meio da adivinhação, com oráculos em
transe, predição pelos astros, ou sinais na natureza que indicavam presságios quase sempre repre-
sentados nos jogos de tabuleiros. Tais jogos, em geral, representavam combates, apresentando,
também, características religiosas que envolviam oferendas em troca de luz e calor emanados pelo
sol, que representava o grande deus símbolo da vida e da fertilidade (CARNEIRO, 2003, p.12).

Na Antiguidade os jogos eram praticamente de conquista com caráter religioso e estes


jogos desenvolvem-se ao redor dos grandes centros, dos quais só participavam a nobreza e
a alta sociedade.
O jogo real de Ur (4000 a. C), que não se tem detalhes sobre suas regras, era um jogo
muito requisitado, de percurso e de caráter religiosos. Jogado pela nobreza e a alta sociedade
de Ur, cidade em que foi encontrado. Foi através da história dos números que os egípcios
desenvolveram um jogo chamado de quadrados mágicos, do qual também foram elaborados
os horóscopos. Além desses jogos, outros foram encontrados na Mesopotâmia.
Os fenícios desenvolveram o jogo da trilha considerado de conquista da época em torno
da cidade estado Tiro, mais importante, pois era através dela que giravam as atividades de
outros centros. Não se tem conhecimento que o jogo da trilha foi desenvolvido pelos fení-
cios, pois sua prática era comum entre os egípcios, os gregos e romanos e, principalmente
nos séculos XV e XVI na França, chamado de moinho, do qual pode ter originado o jogo da
amarelinha.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 77


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A história dos egípcios e dos deuses teve sua origem nos jogos. Conta a lenda que
Nutre, uma deusa apaixonou-se por Geb, um mortal, sem que Amon- Ra soubesse. Este lan-
ça uma maldição sobre Nut. O guerreiro Thor resolveu ajudá-la, propondo jogar com a Lua.
Jogando com a Lua, Thor torna-se vencedor, recebendo como prêmio parte das luzes, e com
isso nasceram os deuses Ísis e Osíris, entre outros.
A crença egípcia retrata que alguns jogos tiveram sua origem além dos infernos. Conta
a lenda que Ramsés III desce vivo em lugares que pensavam ser o inferno. Depois de um
tempo retorna, trazendo consigo um avental de ouro, que para alguns historiadores era para
caçar mosca e para outros representava a soberania.
Outra lenda egípcia em que o jogo aparece é a história do filho de Ramsés II, Seton,
que sonhava em se apoderar de um livro de bruxaria que ouvira falar e que se encontrava
sobre a tumba de sua mulher. Ignorando as advertências, Seton resolve ir até o santuário
pegar o livro. Consegue se apoderar do livro, trazendo para si má sorte. Sonha que havia se
apaixonado por uma bela mulher que o amaldiçoou-a, fazendo-o matar seus próprios filhos.
Passada a alucinação, recupera a razão devolvendo o livro.
Nesse duplo jogo de sorte e sedução, nota-se que na primeira lenda, tem-se a conquista de
um manto sagrado, enquanto na Segunda lenda houve a vitória do herói sobre o livro amaldiçoado.
O sênet era o jogo mais comum existente às margens do Nilo. Sua representação foi
observada com frequência no interior das pirâmides em 1500 a. C. Sabe-se que suas primeiras
características eram lúdicas, mas com o tempo foi adquirindo caráter religioso.
Para os egípcios preservarem o corpo após a morte, as pessoas viveriam em outro
mundo. A passagem da morte para a vida eterna era difícil, pois a alma deveria ultrapassar
criaturas demoníacas. O jogo do senet representava esse percurso e era realizado em uma
mesa de ébano e marfim.
O tabuleiro desse jogo tinha trinta casas distribuídas em três colunas verticais, contendo
diferentes significados. Cada casa que ia sendo conquistada era considerada a peregrinação
dos homens para a vida eterna. Simbolizava a luta da alma humana contra os inimigos de
outro mundo. Essa atividade de caráter funerário indicava que o morto se preparava para o
seu retorno à vida e os vivos para a morte.
Os jogos não eram só para os egípcios, mas também para outros povos. Os gregos
davam muita importância para as olimpíadas, consideradas como uma das mais importantes
festividades nacionais.
Os jogos disputados em Olímpia foram os mais célebres da Antiguidade. Inicialmente
incluíam somente a corrida do estádio (dromos), que media 192,27m e duravam apenas um
dia. Mais tarde, uma trégua olímpica de um mês obrigava os gregos a interromper qualquer
conflito em que estivessem participando.
No séc. VII, as corridas passaram de um estádio (192,27m) para 24 estádios. Em 708
a. C foram acrescentados o pentatlo, a corrida de carros e o pancrácio (luta semelhante ao
boxe). Em 472 a. C, época de seu apogeu, os jogos duravam cinco dias, diante de uma mul-
tidão enorme, da qual eram excluídas as mulheres. Os vencedores recebiam uma palma ou
uma coroa de oliveira; sua cidade lhes reservava uma acolhida triunfal: suas estátuas eram
erigidas no recinto do Áltis, e os poetas, como Píndaro, escreviam odes em sua honra. Foram
proibidos em 393 a. C.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 78
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os jogos na Grécia também eram utilizados na educação, descritivos em inúmeras obras


literárias. A Ilíada e a Odisséia, atribuídas a Homero, relata episódios famosos ocorridos neste
período, como a Guerra de Tróia (Ílion) e as viagens de Ulisses (Odisseu):
Para os gregos, os jogos eram representados em objetos do cotidiano. Um exemplo típico foram
algumas ânforas descobertas, que continham figuras de Zeus (pai e rei de todos os deuses) com
uma bola na mão, brincando com sua aia. A bola tinha um significado mitológico, pois represen-
tava o astro "sol" girando pelo universo, pulsando, símbolo da vida e da juventude, e as atividades
com ela realizadas envolviam homens e mulheres (CARNEIRO, 2003, p.16).

A prática dos jogos também foi encontrada em histórias gregas que envolviam deuses
e homens. Uma dessas histórias é a do aro que era utilizado como exercício físico que de-
monstrava equilíbrio e delicadeza dos movimentos. Dizia-se que teria sido transportado ao
Olimpo para que Zeus utilizasse. A origem do arco se remete ao aparecimento da roda, por
volta do fim do séc. VI a. C na Grécia, onde era utilizado como instrumento de ginástica ou
de exercício para as pessoas que apresentavam deficiências físicas.
O jogo das pedrinhas ou cinco marias é um jogo da Antiguidade e a sua prática pode
ser grega desde 45000 a.C. Realizava-se com astrágalos de carneiro. A posição em que as
peças caíam tinha um significado e sua interpretação cabia ao sacerdote ou à pitonisa. Durante
algum tempo, não se sabe quando, serviu para selar a sorte das virgens, pois determinava
quem seria sacrificada e oferecida aos deuses. O lançamento das pedrinhas representava as
ações de residir e sair. Este jogo pode ter originado o jogo de pares e ímpares.
O jogo dos astrágalo era muito popular no mundo antigo e com o tempo perdeu seu
caráter sagrado. Eram atiradas quatro pedrinhas ao ar e a posição que as pedrinhas caíam
determinavam quatro pontos diferentes. Como sua forma parecia um cubo, os astrágalos foram
os ancestrais dos dados.
Os jogos de dados foram inventados por Palamede, para penetrar na Tróia. Há também
indícios desse jogo na Odisseia, em que os pretendentes da rainha Penélope praticavam sobre
bois em frente ao palácio.
Outra atividade muito popular em todo o mundo foi a corda, cuja origem pode ser grega.
Era utilizada como rito da fecundidade. Como cabo de guerra inicialmente tinha significado
mitológico e com o tempo perdeu esse sentido, passando a ser uma competição de equipe,
realizada através de canções.
O kottabos era um jogo praticado com taças de vinho por volta de 6000 a .C, em que
um colono grego da Sicília embriagado aposta com seus amigos que seria capaz de apagar
a luz com o vinho restante de sua taça. Mais tarde era praticado pelos romanos ligado aos
prazeres da mesa.
Com o tempo essa atividade perde a graça e outro jogo surge. Um artesão confeccionou
uma base com formato de uma lâmpada, na qual havia uma pequena figura de braço erguido
segurando um disco e outra havia um disco maior. O jogo consistia em tirar do lugar o primei-
ro disco (plastic), deixando-o cair sobre o segundo (manes) e produzindo um som de sino.
Os romanos adaptaram muitas atividades lúdicas pertencentes aos jogos egípcios e
gregos. Dividiram-nas em dois grupos: os jogos públicos e os jogos privados. As crianças
jogavam galinha cega na presença dos pais e tinham alguns brinquedos e miniaturas dos
objetos utilizados pelos adultos. A ginástica era para os jovens e os jogos de tabuleiro, de
dados e apostas eram para os adultos.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 79
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os romanos tinham interesse por jogos de guerra, era comum atividades de relaxamento
e de banhos observados ainda hoje nas ruínas de Sesosbriga, na Espanha, e de Conímbriga,
em Portugal. Nas saunas praticavam jogos de bola ou de tabuleiros e ouviam músicas. A
corrida com brigas e a luta de gladiadores eram utilizados para ganhar popularidade política.
Os mosaicos da praça Amerina, na Sicília, datados do séc. IV, mostram crianças da
época brincando e praticando esportes. As mulheres de Pompéia jogavam ossinhos e uma
atividade parecida ao jogo de dama, denominada ludus latrunculorum, com pedras de duas
cores num tabuleiro semelhante ao atual e sua origem é grega.
Na Índia a amarelinha era conhecida com o nome de chikri bila que representava a
peregrinação do inferno ao céu. A Índia também atribui a origem do xadrez no séc. V. Sua
invenção foi atribuída a um sábio da corte indiana chamado Sisa. O rei pediu ao seu súdito
para criar um jogo que demonstrasse o valor de algumas qualidades como a prudência, a
diligência, a visão e conhecimento.
Surgiu assim o xadrez, não só com as recomendações do governante, representou tam-
bém quatro elementos do exército indiano: carros, cavalos, elefantes e soldados comandados
por um rei e seu vizir. O sábio explicou que escolherá a guerra como modelo para o jogo,
pois era a forma mais eficiente para se aprender o valor da decisão, do vigor, da persistência,
da ponderação e da coragem. O rei ordena que o xadrez fosse preservado nos templos, por
considerar seus princípios fundamentais para a justiça e também como treinamento para a
guerra.
Conta a lenda que o sábio pede ao rei como recompensa uma quantidade de trigo por
cada casa do tabuleiro dobrando- a. O rei fica surpreso a princípio, mas percebe que a quan-
tidade do cereal representava a fortuna que reino algum havia conseguido produzir.
O xadrez estende-se para a Pérsia, a Arábia e a Europa. Durante a Idade Média serve
como inspirador para as histórias sentimentais como por exemplo a trama amorosa de Tristão
e Isolda. Miguel de Cervantes também utiliza o xadrez no romance de Don Gaíferos. Grandes
filósofos como Rousseau e Voltaire também foram apaixonados pelo xadrez.
Alguma brincadeira tradicional não se tem conhecimento da sua origem. Uma delas é
o bilboquê mencionado por Rabelais, como bile (buquê de bolas) buquê (ponta de lança) e
foi difundido em diferentes épocas. Antes de se expandir era muito apreciado pelo rei francês
Henrique III e sua corte. Sua prática para os nobres era fútil.
Também era utilizado pelos esquimós como brinquedos fabricados com ossos, permi-
tia desenvolvimento de algumas virtudes como a virtuosidade, equilíbrio, referência de vida
cotidiana, exercício de memória, entrada para o mundo. O jogo de bilboquê era praticado
através da narração de uma história para tentar emboscar o osso. Caso ninguém conseguis-
se, a história era contada para outro jogador. A narração poderia ser substituída por mímica
e canto, tornando-a agradável.
Outro jogo conhecido é o das bolinhas de gude, cuja origem não se tem conhecimento.
Como outros, esse jogo foi construído com pedras, grãos, nozes e cereais. Pode ter tido sua
gênese no jogo de nozes, que era praticado pelas crianças romanas nos primeiros séculos
da era cristã.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 80


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No Líbano era realizado com ovos na época da Páscoa, quando crianças e adultos os
tomavam. São escolhidos pela casca dura. Em Marrocos também era utilizado através de
cacos de cerâmica. É um jogo que tem múltiplas maneiras de jogar e se adapta à imagina-
ção de cada um. Geralmente, a bola é a aposta, porém pode ser substituída por semente ou
pedregulho.
O diabolô é um brinquedo de origem chinesa que é praticado na França por volta do
início do séc. XIX. Entre o oriental era utilizado pelos antigos mascates com furos que produ-
ziam um forte assobio para atrair os fregueses.
Além dos povos antigos, os jogos historicamente tiveram grande importância no reinado
de Afonso X (1252-1284), rei de Castela e Leão. Muitas atividades registradas em seu prefácio
percorreram boa parte do mundo até chegar ao Mediterrâneo, que indicava que tinham muito
tempo de existência.
Depoimentos sobre a relevância dos jogos também podem ser encontrados na obra de
Ariés (1981), quando narra que, na época de Luís XIII, as atividades de crianças se destinavam
também a adultos. Até os contos de fadas eram contados na presença de todos.
O médico do rei segundo o autor descreve todas as brincadeiras do rei no decorrer
de sua infância, na qual ele participava da festa dos adultos, brincava de bonecas ou entre
a guarda. A brincadeira não tinha idade ou classe social, mas fazia parte da cultura popular.
É provável que seja uma das razões que muitas brincadeiras se conservaram durante muito
tempo:
Os jogos de sociedade são essencialmente ligados aos contextos e nasceram do reencontro
individualizado de dois tipos de objetos diferenciados para jogar: o tabuleiro e o pião. Foram pra-
ticados em determinadas épocas do ano, pontuados por festas que tinham início, desenvolvimento
e fim. Os princípios básicos eram os mesmos em que assentavam os do trabalho (CARNEIRO,
2003, p. 25).

Nos jogos de mesa observa-se dois momentos: no primeiro o homem joga sozinho
criando estratégias para a guerra e a paz e no segundo desenha traços no chão como a ama-
relinha, alinhamentos de buracos cheios de grãos e também diagramas gravados em pedras.
A Igreja Católica no Concílio de Trento no séc. VVI, considera os jogos pecaminosos e
banidos da cultura popular, em meados do séc. XVII, princípio do séc. XVIII a aristocracia volta
a praticá-los em locais apropriados, denominados de “academias”.
As atividades lúdicas com a industrialização seguida pela urbanização desaparecem
das cidades e com elas, a cultura popular, ficando essas atividades restritas às regiões rurais
ou às periferias das grandes cidades podem ainda desaparecer.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 81


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS JOGOS NA CULTURA INDÍGENA não terminasse até o pôr- do- sol, os partici-
pantes colocavam a bola em um prato limpo,
Poucas são as heranças indígenas, juntamente com as proteções de couro que
com a utilização dos jogos que determinavam usavam em seus corpos, e evocavam os fe-
a cultura popular. De acordo com o ponto de nômenos da natureza.
vista cultural, os povos antigos e as culturas
indígenas desenvolveram inúmeras atividades A partida foi reiniciada no dia seguinte.
lúdicas e uma dessas atividades foi o jogo da As regras do jogo eram de golpear a bola
pelota, o mais importante, para os maias e com as nádegas, quadril ou os joelhos. Em
para os astecas. outros lugares poderia ser utilizado pedaços
de madeiras de quatro a sete quilos. A bola
Há construções de campos que indi- era de caucho (borracha dura) de três a qua-
cam que sua existência é de 1300 a. C. Esses tro quilos que deveria passar no aro da pare-
locais tinham formato em I ou T com marca- de. Os jogadores se protegiam com aparatos
dores redondos ou quadrados no centro e a almofadados confeccionados com couro de
realização tinha por um lado caráter de diver- veado, por causa do peso da bola.
timento e por outro lado tinha a simbologia
mística e a religiosa. Os jogadores assumem papéis de se-
res cósmicos, devido ao uso de símbolos de
O campo era local de sacrifício e res- Deuses importantes. Geralmente jogavam
surreição do Deus do Milho, em que os maias nus e com luvas nas mãos, pois estavam ex-
achavam que reuniria os descendentes vivos postos a acidentes e as partes mais afetadas
com os antepassados mortos. Havia na pa- eram aquelas usadas para golpear a bola.
rede duas pedras em forma de aro, uma de Para evitar que o sangue ficasse acumulado
frente da outra. Cada uma delas estava presa usavam uma pequena navalha para curar as
em um ídolo, o Deus do Jogo. Ganhava o partes afetadas pelos golpes da bola.
jogo aquele que conseguisse completar os
pontos determinados, passando a bola pelo Participavam desses encontros pes-
aro de pedra da parede. soas da nobreza e do povo, por causa do
simbolismo religioso que era uma forma de
O jogador que ganhasse era considera- divertimento e um espetáculo para os partici-
do especial, pois recebia prêmios e também pantes e espectadores.
era convidado a frequentar as casas dos diri-
gentes, obtendo riqueza e prestígio. Seu time Nos períodos da conquista espanhola
pegava todos os objetos que conseguisse da surgiram as apostas, nas quais os jogadores
plateia. O capitão da equipe perdedora perdia apostam tudo o que tinham: casas, sementes,
a sua cabeça, que muitas vezes era utilizada objetos pessoais e até mesmo sua liberdade.
como bola em outro jogo. O desaparecimento do jogo da pelota deve-
-se ao fato de que os conquistadores ordena-
Os participantes realizavam uma série ram a destruição dos campos, para realizar
de rituais com os objetos que utilizam no jogo cerimônias contra a religião católica. Mesmo
e as oferendas aos Deuses, sempre na vés- assim continua sendo praticado em algumas
pera. Os Deuses eram colocados em seus regiões do México por algum tempo.
nichos sempre antes da partida começar.
Não só os maias praticavam jogos
O jogo consistia na representação de como outros povos indígenas também tiveram
um fenômeno cósmico dos astros de luz lu- e ainda têm seus costumes. Entre os índios
tando contra a obscuridade. Se a atividade da Colômbia, por exemplo, a cama de gato
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 82
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

era e ainda é muito comum. Foram encon- cultivo de produtos. Por causa do processo
tradas diferentes formas do desenho com o de miscigenação, da catequese e escravidão
barbante entrelaçado. Ao mesmo tempo em e mais recente a urbanização, são poucas
que mudavam as posições do barbante, iam as brincadeiras indígenas existentes e suas
contando suas histórias, mantendo a cultura. comunidades acabaram perdendo seus es-
Também os esquimós e maias praticavam a paços.
atividade através de canções.
Os estudos antropológicos de Aracy Lo-
Entre os índios brasileiros, o primeiro pes da Silva (2002) mostraram que entre os
brinquedo continua sendo o chocalho feito de xavantes, são comuns, ainda hoje, algumas
casca de frutas. Seu uso era para afastar os brincadeiras. A construção de casinhas repre-
espíritos. A criança dispunha de outros obje- senta diferentes papéis frequentes durante a
tos para brincar, como pedaços de madeira atividade, na qual as crianças interagem em
e pedrinhas. Pais e avós talhavam arcos e histórias fabulosas, fruto de sua imaginação.
flechas para as crianças usarem com dois ou Ao mesmo tempo em que constroem viven-
três anos de idade. Eram armas aperfeiçoa- ciam a cultura local e como não têm bonecas,
das para os maiores acompanharem os pais brincavam com os irmãos.
na caça e na pesca.
Os utensílios de cozinha confecciona-
As crianças brincavam também com fo- dos com terra umedecida pelas crianças.
lhas de árvores, bolas de látex, petecas, es- Para a decoração, juntam pedaços de pano,
pigas de milho, imitação de animais, subindo borracha, tampinhas, latas, muitos deles guar-
em árvores, nadando, correndo, dançando. dados em cestos, que elas pegam por oca-
Essas atividades criavam vínculos com o seu sião das brincadeiras.
grupo.“Em algumas tribos, as crianças roda-
A brincadeira de pega-pega era realiza-
vam pião, montavam a cavalo em seus irmãos
da dentro da água durante o inverno, na qual
e lançavam objetos lascados de pedra, co-
as crianças tentavam pegar as outras. Forma-
nhecidos como “bumerangues" (CARNEIRO,
vam-se grandes grupos para brincar dessa
2003, p. 29).
atividade. Jogavam-se aos bandos dentro dos
Entre taulipangues, tapirapés e tupis rios, porém, não costumam empurrar uns aos
encontravam-se jogos com fios, conhecidos outros, o que mostra respeito entre eles pelo
como cama de gato. Uma característica inte- desenvolvimento dos demais. O rio propicia
ressante desse jogo é que as crianças indí- para as crianças outras atividades durante o
genas tentavam fazer figuras com o barbante. ano, tais como atravessar o rio com a água
nos joelhos, nadar, correndo, além de favore-
Os brinquedos prediletos da petizada
cer a construção, com argila, castelos e casi-
eram: jogo de beliscão, cantos com mímicas,
nhas às suas margens.
peões, papagaio de pano, barro e madeira.
Os instrumentos musicais causavam nas Entre os meninos, desafiar o limite da
crianças indígenas um verdadeiro fascínio velocidade é muito comum com o auxílio
pelo som, o que justificava a presença dos de uma roda de bicicleta, um pneu ou até
indiozinhos nas procissões, animavam as co- mesmo uma peneira. Quando precisavam ir
reografias e eram utilizados para a catequese de um lado para o outro, nunca o faziam de
dos adultos pelos jesuítas. uma maneira simples. Correm em um só pé,
andam de costas, cobrem os olhos, traçam
As meninas, desde pequenas, auxilia-
caminhos, criam. Também pode-se observá-
vam suas mães nos serviços domésticos e no
-los girando sobre si para manter o equilíbrio.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 83
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Pode-se realizar essa atividade em grupo ou pedrinhas. Esses jogos estão na memória in-
individual. fantil através da transmissão provinda de ge-
ração em geração.
As crianças compartilham as regras em
todas as suas ações. “Há, brincadeiras com Muitos jogos preservam sua estrutura
animais do cerrado, que são transformados inicial, outros modificam-se, recebendo novos
de acordo com a imaginação infantil, ou que conteúdos. A força de tais jogos explica-se
permitem o desenvolvimento de sensações pelo poder da expressão oral. Os jogos tra-
visuais, táteis, olfativas e auditivas” (CARNEI- dicionais desenvolvem a convivência social e
RO, 2003, p.30). perpetuam a cultura infantil.
As crianças da aldeia guarani próxima O jogo tradicional infantil é um jogo li-
à cidade de São Paulo cultivam alguns cos- vre, no qual a criança brinca pelo prazer de
tumes da tribo, tais como subir em árvores, brincar. As motivações internas das crianças
caçar passarinhos, brincar com as folhas, re- criam outros jogos de acordo com seu inte-
presentar os papéis sociais, dançar e can- resse. Para compreender a origem e o signifi-
tar nas rodas. As atividades indígenas estão cado dos jogos tradicionais infantis é preciso
desaparecendo por causa da influência do recorrer às raízes folclóricas.
homem branco através de sua cultura urbani-
Os estudos clássicos garantem que as
zada, devido ao fato da aldeia ficar perto da
determinações das origens brasileiras se de-
grande metrópole. Essas culturas nos ensi-
vem à mistura de três distintas raças que são:
naram o respeito, à liberdade e o prazer de
a vermelha, a negra e a branca provinda dos
brincar.
colonizadores. A história da colonização brasi-
JOGOS TRADICIONAIS INFANTIS leira trouxe a descoberta e a exploração eco-
nômica do “pau-brasil” por Vasco da Gama,
O jogo tradicional é considerado parte Pedro Álvares Cabral e Fernando Magalhães
da cultura popular de um povo em certo perío- em 1500.
do histórico. Está sempre modificando a cada
geração que vai aparecendo, Em 1532 os portugueses já estavam
adaptados ao Brasil, proveniente do convívio
O jogo e a criança caminham juntos des-
de o momento em que se fixa a imagem com os trópicos da Índia e da África. A colo-
da criança como um ser que brinca. Por- nização portuguesa se deu em São Vicente
tadora de uma especificidade que se ex- e Pernambuco através da exploração dos es-
pressa pelo ato lúdico, a infância carrega cravos e mais tarde pelos negros.
consigo as brincadeiras que se perpetu-
am e se renovam a cada geração (KISHI- A miscibilidade do povo colonizador é
MOTO, 2003. p. 39). responsável pelo crescente número de mes-
tiços pela extensão territorial do Brasil. Essa
O jogo tradicional infantil faz parte do
miscigenação é maior do que a população
folclore atribuindo características como a tra-
em relação ao tamanho do país. As índias
dicionalidade, a transmissão oral, conserva-
brasileiras idealizavam a figura de Moura- En-
ção, mudança e universalidade.
cantada por serem muito parecidas com sua
São jogos considerados antigos pro- fisionomia.
venientes da transmissão cultural. Hoje as
Como as índias eram muito dóceis fa-
crianças cultivam brincadeiras que os povos
cilitava a aproximação dos portugueses, au-
antigos da Grécia e do Oriente brincavam tais
mentando com isso o número de mestiços
como a amarelinha, empinar papagaio, jogar
entre os brancos e índios para desbravar os
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 84
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

sertões. Como os negros não eram acos- Os folclores portugueses têm tradições
tumados com os trabalhos domésticos e o europeias. Aquelas que não eram de origem
cultivo da terra fez com que os portugueses portuguesa sofreram transformações com
utilizarem eles nos serviços de campo, de en- as novas gerações luso-brasileiras. A tradi-
genhos, serviços domésticos e outros. ção milenar do folclore constata nos jogos
tradicionais infantis a pipa. Foi introduzida no
A nacionalidade brasileira é formada
Maranhão por volta do séc. XVI pelos portu-
pela mistura do índio e negro com o bran-
gueses e é de procedência oriental. As pipas
co, formando com isso o elemento branco.
eram utilizadas primitivamente pelos adultos
Com a vinda de imigrantes estrangeiros para
em estratégias militares e com o passar do
o Brasil foi marcante a presença do elemento
tempo transformam-se em brinquedos infan-
branco.
tis. Foi através da miscigenação que os tradi-
As bandeiras e as estradas constituídas cionais infantis ficaram conhecidos em todo
em sua maioria de mestiços entre brancos e o mundo.
índios permitiram a rápida miscigenação da
A CRIANÇA E OS JOGOS NO ENGENHO
população primitiva. Antes da abolição da es- DE AÇÚCAR
cravatura no séc. XIX começou a chegar no
Brasil imigrantes de origem mediterrânea e Na época do engenho as famílias en-
germânica (portugueses, italianos, espanhóis, tregavam seus filhos para serem criados e
alemães e outros) para trabalhar como mão- amamentados pelas escravas africanas que
de- obra escrava em diferentes épocas como educavam e brincavam com as crianças; com
as de 1888 a 1897 e as de 1906 a 1984, isso os costumes e tradições portuguesas fo-
que voltaram mais tarde no período de 1920 ram sofrendo influência e modificações.
a 1930.
Podemos citar como exemplo a do cor-
O povo brasileiro é formado pelo cruza- dão umbilical ser atirado ao fogo ou ao rio
mento das raças brancas, ameríndias e afri- sob a penas dos ratos o comerem e a criança
canas. Esse cruzamento volta a ocorrer com se torna ladra; a de darem nomes de santos
os povos europeus e asiáticos para compor a as crianças para protegê-las de virar lobiso-
população atual. Com a mistura da população mem, ou ainda a criança trazer ao pescoço o
veio também seu folclore. O folclore brasileiro vintém ou a chave que cura os sapinhos de
com a miscigenação recebeu nova cara. As leite. Já nas canções de ninar a ama- negra as
características portuguesas permaneceram adaptou às condições regionais, o riacho de
de acordo com o professor Cyro dos Santos Maria Encantada vira riacho da Mãe- D' Água
da Faculdade de Letras da Universidade de e o mato fica povoado de bicho carrapato,
Lisboa. Não se sabe ao certo o que é consi- começa assim a aparecer as figuras do bicho
derado cultura luso-brasileira. papão, cuca, boitatá, negros velhos, negros
surrões e o Saci-Pererê com a finalidade de
Antes de vir para o Brasil, os portugue-
amedrontar crianças choronas.
ses receberam influência europeia, africana e
peninsular. Os primeiros colonizadores trouxe- No Brasil as canções de ninar mudam
ram o folclore lusitano, o qual incluía os con- sua versão dependendo da região, mas sua
tos, histórias, lendas e superstições que foram essência continua a mesma. O folclore africa-
adocicadas pelas negras como também os no caracteriza-se por histórias cheias de bi-
jogos, festas, técnicas e valores. chos animados, príncipes, princesa, pequenos
polegares, mouras- encantadas e mouras tor-
tas que eram cantadas pelas avós coloniais.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 85
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Entre os contos que assustavam as Ainda hoje as regiões Sudeste e Nor-


crianças, contava-se que na Mata do Rolo deste preservam brincadeiras denominadas:
estava aparecendo lobisomem, que se ali- chicotinho, chicotinho queimado, cinturão
mentava com o sangue de crianças, animais queimado, cipozinho queimado, quente e frio
e adultos. Diziam que ele comia o fígado de e peia quente. Jogos aparentemente inofen-
menino e tomava banho no sangue de criança sivos como o pião e empinar papagaio de-
de peito. "Lá vem o papa- figo!" É assim que monstraram o sadismo dos meninos da casa
as crianças se assustavam. grandes e de sobrados através da prática de
" lascar-se o pião" ou de " comer-se o papa-
Temáticas do cotidiano dos tempos da
gaio" do outro; papagaio alheio é destruído
escravidão, do patriarcalismo e do rude sis-
por meio de lasca, isto é, lâmina de vidro ou
tema de transporte eram brincadeira de faz
caco de garrafa escondido nas tiras de panos
de conta dos meninos de engenho, o mais
de rabo.
comum entre elas era aquele que o menino
servia como meio de transporte, estimulado Até hoje crianças do mundo todo utili-
simbólico para a brincadeira do menino bran- zam o mesmo sistema de competir nos jogos
co. de pião e papagaio. Entre as brincadeiras que
surgiram no sistema patriarcal e escravocra-
Friedman (1963, p.47) descreve que “o
ta, encontram-se diversos jogos simbólicos
melhor brinquedo dos meninos de engenho
que têm como tema central os eventos, os
outrora: montar a cavalo em carneiros, mas
valores dessa época. Brincar de cangaceiro
na falta de carneiros: moleques”,
e de capa- bode são exemplos dessa natu-
Nas brincadeiras, muitas vezes bruxas, reza. No Nordeste brasileiro as histórias de
dos filhos de senhores de engenho, os cangaceiro se refletiram na imaginação fértil
moleques serviam de tudo: eram bois de
das crianças dos tempos de engenho e em
carro, eram cavalos de montaria, eram
bestas de almanjarras, eram burros de suas brincadeiras.
leiteiros e cargas mais pesadas. Mas prin- Separar brincadeiras de meninos bran-
cipalmente cavalos de carro (HUIZINGA,
1993, p. 67).
cos e pretos da época do engenho é uma
tarefa difícil, pois devido a tantos séculos de
Ainda hoje, nas zonas rurais menos in- convívio misturaram-se seus valores, suas tra-
vadidas pelo automóvel, os meninos brancos dições e seus costumes.
brincam de carro de cavalo com o moleque e
até as molequinhas servem de parelhas. Um
barbante serve de rédea e um galho de goia-
beira de chicote. A questão mais destacada
nessas brincadeiras é a prática de maltratar
moleque, que é potencializado pelas condi-
ções sociais da sociedade imperial.
A malvadeza ou o gosto de maltratar ne-
gros parece ter sido um deleite para o menino
brasileiro criado nos tempos da escravidão.
Outra brincadeira que nos mostra isso, além
de montar a cavalo no moleque, é o jogo da
peia queimada que consiste em imitar bater
com um chicote nas costas do negro punido.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 86


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A realidade exige que os profissionais da educação encarem o jogo sob duas perspecti-
vas. Os mais tradicionais o veem como uma atividade, especialmente da escola, pois impede
no planejamento e na organização, caracterizado pela escolha livre.
Por outro lado, os mais avançados adotam uma postura aparentemente evoluída, deven-
do ser realizados pelos adultos sob o pretexto de ocasionar excesso de diretividade. Nenhuma
das condições está certa, pois o profissional do brincar não pode intervir na brincadeira da
criança, como também não pode deixá-la sem direção, para escolher a sua brincadeira favorita.
Para ser um bom profissional especialista no brincar é preciso ter algumas caracterís-
ticas: extrapolar o limite do conhecimento, aliá-lo à sua prática, ter um movimento dialético
que inclui atitudes, posturas, valores, curiosidade, paixão, busca de significado, desejo de
interação, relação com o contexto e bom senso.
O papel do professor é orientar e supervisionar: ele deve permitir as brincadeiras livres,
sem imposições, deixando a criança atuar por livre e espontânea vontade. O educador deve
estar presente e pronto para ajudar, quando necessário, criando um ambiente agradável e
de confiança para o desenrolar das brincadeiras, deve favorecer os jogos, sugerir estímulos
adequados e deixar que as crianças encontrem soluções para os problemas e não oferecer
"soluções prontas".
É importante que a ação do educador se oriente no sentido de ampliar o repertório das
crianças no ponto de vista cultural e linguístico. Portanto os educadores exercem a tarefa de
alimentar o imaginário infantil de forma que as atividades se enriqueçam e à medida que as
relações vão se estabelecendo e se tornam mais complexas.
Compreendendo e conhecendo a evolução das crianças, o educador pensa no tipo de
atividade que irá propor com clareza de intenção, definido como ela será realizada, prevendo
a ocupação do espaço e o limite do tempo para permitir a realização dos movimentos infantis
em sua totalidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 87


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
FRIEDMANN, A. (org). O direito de brincar: a brinquedoteca, São Paulo, Scritta/ ABRINQ, 1992.

HUIZINGA, J. Homo Ludens: o jogo como elemento da cultura, São Paulo, Perspectiva, 1993.

KISHIMOTO, T. M. Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a educação, 7. ed. São Paulo, Cortez, 2003.

KISHIMOTO, T. M. Jogos infantis: o jogo, a criança e a educação,10. ed. Rio de Janeiro, 2003.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 88


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Letras - Espanhol pela Universidade


de Franca (2010); Graduação em Pedagogia pela
Universidade Nove de Julho (2012); Graduação em
Letras - Inglês pelo Centro Universitário de Jales
(2018);Bacharelanda em Administração de Empresas
pela Claretiano – Rede de Educação (2021);
Especialista em Psicopedagogia pela Claretiano –
Rede de Educação (2017); Especialista em Docência
do Ensino Superior pela Faculdade Campos Elíseos
(2020); Especialista em Psicopedagogia pela
Claretiano – Rede de Educação (2017); MBA
em Gestão de Tecnologia da Informação
(TIC) pela Universidade Pitágoras (2020);
Especialista em Educação a Distância
pela Faculdade Campos Elíseos
(2021); Micro empresária RAJ –
EDUCACIONAL com objetivo de
assistência pedagógica e orientação
educacional.

ANDRESSA
SILVA GUEDES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 89
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM DA LÍNGUA INGLESA

RESUMO: O ensino de língua estrangeira é importante por diversas razões, tanto de natureza
político-econômica quanto de natureza política-ideológica, sendo uma contribuição para todo o
processo educacional. O objetivo central deste artigo é levar o profissional de ensino de língua
estrangeira a uma reflexão sobre o processo de ensino-aprendizagem da língua estrangeira. Para
tanto, foi realizado um estudo bibliográfico com os principais autores sobre o tema e explanadas
as teorias de aquisição de língua de Stephen Krashen e suas hipóteses. Esta é a teoria que melhor
explica o processo de aquisição e aprendizagem de línguas, processo esse que é conceituado
e diferenciado pelo autor.

Palavras-chave: Língua Estrangeira; Ensino-aprendizagem; Educação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 90


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

P
ara a interação com o outro e com a nossa língua materna (LM), de maneira
subjetiva e social, o indivíduo utiliza o sistema de signos vigentes na sociedade,
produzindo assim diferentes formas de expressão. O produto dessa interação é
positivo, pois os indivíduos falantes pertencem ao mesmo universo de códigos. Contudo, na
aquisição de uma língua estrangeira, os resultados poderão não ser positivos devido à ocor-
rência de diversos fatores que interferem no processo de aquisição.
A valorização no mercado de trabalho do indivíduo que domina uma segunda língua
exige que as escolas ofereçam um segundo idioma na sala de aula. No Brasil, a língua es-
trangeira obrigatória, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), é a
língua inglesa, visto que insere o educando na sociedade globalizada (BRASIL, 1998).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 91


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS A primeira fase, a pré-análise, pode


ser identificada como fase de organização.
A metodologia de pesquisa torna-se in- Segundo Bardin (2011), o primeiro contato
dispensável para a qualidade e confiabilidade envolve a leitura “flutuante”, ou seja, ocasião
do trabalho científico. Logo, é importante e ne- na qual o pesquisador analisará os documen-
cessário classificá-la quanto à sua natureza, tos pela primeira vez e levantará hipóteses e
sua maneira de abordar o problema, seus ob- objetivos, assim como fará a elaboração dos
jetivos e os procedimentos técnicos utilizados. indicadores que orientarão a interpretação e
Segundo Bruyne (1991), ela deve aju- preparação do material.
dar a explicar não apenas os produtos da Referente aos objetivos, esta pesquisa
investigação científica, mas, principalmente, é exploratória. Segundo Gil (1999, p. 43), a
seu próprio processo, pois suas exigências pesquisa exploratória proporciona maiores
não são de submissão estrita a procedimen- informações sobre o assunto que se vai in-
tos rígidos, mas, sim, da fecundidade na pro- vestigar; facilitar a delimitação do tema da
dução dos resultados. pesquisa; orientar a fixação dos objetivos e
Minayo (1993, p. 23) “postula que é a formulação das hipóteses ou descobrir um
uma atividade básica das ciências na sua in- novo tipo de enfoque para o assunto. Seu ob-
dagação e descoberta da realidade. É uma jetivo principal é o aprimoramento das ideias.
atividade de aproximação sucessiva da re- Na maioria dos casos, essas pesquisas en-
alidade que nunca se esgota, fazendo uma volvem levantamento bibliográfico.
combinação particular entre teoria e dados”. Quanto aos procedimentos técnicos, o
Há duas formas de abordar o problema presente estudo é delimitado como bibliográfi-
da pesquisa: qualitativa e quantitativamente. co. De acordo com Lakatos e Marconi (2000,
Segundo Gil (1999, p. 94), “[...] métodos de p. 107), as técnicas de coleta de dados “são
pesquisa qualitativa estão voltados para au- um conjunto de preceitos ou processos de
xiliar os pesquisadores a compreenderem que se serve uma ciência; são, também, as
pessoas e seus contextos sociais, culturais e habilidades para usar esses preceitos ou nor-
institucionais”. mas, na obtenção de seus propósitos”. Logo,
esta é a parte prática do conteúdo coletado
Já a quantitativa, afirma Godoy (1995, e observado.
p. 58), “[...] é a obtenção de dados descriti-
vos sobre pessoas, lugares e processos in- PROCESSO DE ENSINO APRENDIZAGEM
terativos pelo contato direto do pesquisador DA LÍNGUA INGLESA
com a situação estudada, para compreender Aprender uma nova língua é uma ne-
os fenômenos segundo a perspectiva dos su- cessidade atual do mundo globalizado. Se-
jeitos, ou seja, dos participantes da situação gundo Schütz (2006), “[...] a aquisição da
em estudo”. língua é um processo de assimilação natural,
A investigação deste artigo apresenta intuitivo, subconsciente, fruto de interação em
como eixo primordial a análise de conteúdo, situações reais de convívio humano, em que
assim a forma da pesquisa é qualitativa. Se- o aprendiz participa como sujeito ativo”. Esse
gundo Bardin (2011), as três fases fundamen- processo é similar ao processo de assimila-
tais da análise de conteúdo são: pré-análise, ção da LM (língua materna) pelas crianças.
exploração do material e tratamento dos re-
sultados – inferência e interpretação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 92


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Através da interação com a família e área de conhecimento que chamamos apren-


com a sociedade, a criança adquire um co- dizagem”. Representa o ponto de vista de um
nhecimento sobre a língua que permite que autor/pesquisador sobre como interpretar o
ela se comunique com o seu próximo. Essa tema aprendizagem, quais as variáveis in-
comunicação é efetiva, pois a criança com- dependentes, dependentes e intervenientes.
preende e se faz compreender pelos outros, Tenta explicar o que é aprendizagem e por
mesmo sem nunca ter ido à escola e estuda- que funciona como funciona (MOREIRA; MA-
do sobre a língua. SINI, 2011).
Compreendemos a aprendizagem como Compreendemos que a aprendizagem
o estudo consciente da gramática, no qual não se delimitaria à inteligência e construção
exige o estudo sobre a língua em uso. Nesse de conhecimento propriamente, mas, sim, à
contexto, o estudante deixa de ser um falante identificação pessoal, de caráter, formação
para ser um aprendiz da língua no que se humana, socialização e relação através da in-
refere às suas regras. Para Schütz (2006), a teração entre pessoas. Referente à aprendiza-
aprendizagem da língua estrangeira se refere gem escolar, identificamos elementos centrais
à abordagem de ensino tradicional aplicado para o desenvolvimento da prática escolar: o
nas escolas de ensino regular e em muitos aprendente, o professor, o ambiente escolar,
cursos de línguas. os objetos de aprendizagem e a participação
da família no acompanhamento e na orienta-
Nesse processo de aprendizagem, há
ção dos aprendentes.
transmissão de conhecimentos ao discente a
respeito da língua estrangeira: funcionamen- As teorias de aprendizagem emergem
to gramatical e vocabulário. A aprendizagem para compreender o desenvolvimento cogni-
se dá na quantidade de acertos do aluno, e tivo humano e, consequentemente, têm auxi-
o ambiente de ensino não é propício para a liado na formação do professor e na sistema-
espontaneidade. tização do trabalho pedagógico na sala de
aula, buscando apontar dinâmicas nos atos
TEORIA DA APRENDIZAGEM
de ensinar e aprender, partindo da evolução
A teoria da aprendizagem será explana- cognitiva do sujeito para explicar a relação
da com o intuito de auxiliar na explanação e que se dá entre a informação antecedente e
reflexão da evolução cognitiva do homem. As o novo conhecimento.
teorias de aprendizagem têm como primordial As teorias da aprendizagem se carac-
objetivo buscar reconhecer a dinâmica envol- terizam nesta pesquisa com o intuito de fun-
vida nos atos de ensinar e aprender, partindo damentar o processo de aprendizado. Rea-
do reconhecimento da evolução cognitiva do lizaremos uma breve síntese das principais
homem para assim tentar explicar a relação teorias behavioristas ou comportamentalistas
entre o conhecimento preexistente e o novo e teorias cognitivas que procuram compreen-
conhecimento a ser elaborado a partir do der e explicitar o processo de aprendizagem,
meio em que a criança está inserida. não esgotando nossas discussões no tocante
Segundo Moreira e Masini (2011), teo- à aprendizagem da Língua Estrangeira (LE).
ria de aprendizagem significa uma construção A abordagem comportamentalista ou
humana para compreender a área de conheci- behaviorismo centra os estudos no compor-
mento da aprendizagem. Os autores definem tamento humano. Encontramos essa prática
como teoria de aprendizagem a “construção nas salas de aula, principalmente no ensino
humana para interpretar sistematicamente a de LE. Ocorre desta forma: no instante em
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 93
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

que o professor diz e o aluno repete; fornece tensão de analisar a mente, o ato de conhe-
um modelo, e o aluno pratica-o; expõe as re- cer, como o homem desenvolve seu conhe-
gras gramaticais no quadro, e o aluno “apren- cimento, como produz conhecimento acerca
de”; fornece uma lista de palavras, e o aluno do mundo, analisando aspectos que intervêm
as memoriza. no processo “estímulo/resposta”.
Nessa percepção, compreendemos que Ainda que os cognitivistas estejam inte-
há uma relação direta entre aquilo que o alu- ressados no comportamento, o realce da pes-
no recebe, nesse caso o insumo linguístico quisa está em compreender como a mente
(input), que pode ser apresentado tanto na estrutura/organiza as experiências. Conforme
forma oral quanto escrita, e o que o apren- Becker (2001, p. 19), o professor é um auxiliar
diz é capaz de produzir (output). Logo, nessa do aluno, um facilitador. O aprendente traz em
concepção, o papel do insumo é muito im- si um saber que ele precisa, apenas, trazer
portante. à consciência, organizar, ou, ainda, rechear
de conteúdo”. Considerando a epistemologia
Segundo Ellis (1994, p. 243), o insu-
cognitivista a qual concebe que a aprendiza-
mo é composto de estímulo e de resposta,
gem ocorre de dentro para fora numa relação
denominado feedback. É através do insumo
sujeito-objeto, as dificuldades ou retardos na
que o indivíduo que fala com o aprendente
aprendizagem se justificam como “déficit”
modela padrões linguísticos específicos, que
herdado e não têm causa externa (BECKER,
o aprendiz internaliza através da imitação. Fo-
2001). Esse fundamento é explicado devido
ram inúmeras críticas aos métodos de ensino
ao fato de algumas pessoas aprenderem me-
que têm como fundamento o behaviorismo.
lhor do que outras.
Vale destacar, como forma de resumir essas
críticas, as palavras exatas de Richter (2002): Segundo Noam Chomsky (1955), um
Os resultados destes métodos são geral-
dos mais influentes linguistas da segunda
mente decepcionantes: não resultam em metade do século XX, a linguagem é uma
fluência nem correção. Ou seja, focalizar faculdade inata da mente humana. Devido a
o aprendizado fortemente na gramática nossa constituição biológica, nascemos com
e em exercícios mecanicistas, repetitivos, estruturas cognitivas que possibilitam a apren-
memorizadores, não ajudam o aluno a dizagem de línguas.
produzir linguagem com mais desemba-
raço nem com maior adequação (RICH- O autor ainda discorre que possuímos
TER, 2002). um Dispositivo de Aquisição da Linguagem
Não devemos nos olvidar de que a in- (DAL), ativado quando somos expostos à lín-
sistência na correção diminui a motivação: é gua. Para esse linguista, somos providos por
enervante para o aluno querer comunicar-se uma gramática universal que é inata. O papel
sabendo que a mensagem está em alguém do insumo linguístico, nessa concepção, é mi-
que não se interessa pelo subjetivo, estando nimizado, funcionando para ativar o processa-
o sujeito à espreita aguardando qualquer “cri- mento interno da língua, mas a garantia para
me” contra o idioma! Pesquisas já mostraram que a aprendizagem ocorra está na capaci-
que repetição exaustiva de formas não leva a dade inata do aprendiz. Nas teorias cognitivis-
utilizar bem essas formas (RICHTER, 2002). tas, os erros não são considerados evitáveis,
como para o behaviorismo. Segundo Menti
Os avanços no campo da neurociên- (2006), “são produtos da aprendizagem e
cia deixam o behaviorismo refutado em favor são naturais no processo de aquisição”.
do cognitivismo. O cognitivismo tem a pre-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 94


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Referente à estrutura da língua, Krashen Compreende-se o conhecimento como


(1982) é um dos estudiosos que defende a “processo”, e não “estado”, ou seja, nenhum
existência de uma ordem natural e previsível conhecimento pode ser considerado acaba-
de aquisição de estruturas gramaticais da lín- do, pois está sempre se transformando, em
gua. Segundo Selinker (1972), o aprenden- um processo de elaborar e reelaborar concei-
te cria a interlíngua – não é nem a língua tos, significados e tendências, não podendo
materna nem a língua-alvo. A interlíngua se ser simplesmente transmitido entre os indiví-
modifica conforme hipóteses sobre o que é duos, e sim construído individualmente por
aceitável ou não na língua. Como os “erros” cada aluno ou coletivamente.
que o aprendiz comete estão relacionados à
São inúmeras as teorias embasadas nos
sua interlíngua na ordem natural de aquisição
princípios do construtivismo, como a Epistemo-
da língua, corrigi-los tem pouco ou nenhum
logia Genética e a Teoria Sócio-Histórica, que
efeito. O aprendente, nessa visão, não é mais
pautam no processo de compreensão, trans-
visto como sujeito passivo, e sim ativo.
formação, armazenamento e utilização da infor-
Concluímos assim que a linguagem tem mação envolvendo a cognição e procura pela
papel decisivo no processo de construção do regularidade nesse processo mental.
conhecimento. Ela é o alicerce da mediação,
A epistemologia genética foi desenvol-
fornecendo a cultura entre sujeito e objeto do
vida pelo biólogo, psicólogo e filósofo suíço
conhecimento e sendo indispensável à for-
Jean Piaget (1982). Segundo o ator, o co-
mação de demais conceitos. No século XX,
nhecimento é uma contínua construção, que
no Brasil, surgiram novas teorias nas áreas
começa a partir do nascimento, continuando
da psicologia educacional-cognitiva, como
entre os quatro estágios de desenvolvimento
Piaget, Vygotsky, Ausubel e Walton, que pro-
cognitivo: sensório-motor (0-2 anos); pré-ope-
põem que o conhecimento é construído em
ratório (2-7 anos); operatório-concreto (8-11
ambientes naturais de interação social e es-
anos); e operatório-formal (8-14 anos). O au-
truturado culturalmente. As teorias construti-
tor ainda postula que o crescimento cognitivo
vistas consideram o papel ativo do sujeito e
da criança se dá através de assimilação e
do meio no processo de aprendizagem, logo
acomodação. O indivíduo constrói esquemas
consideramos o conhecimento construído a
de assimilação mental para abordar a realida-
partir da interação do sujeito com o meio.
de. Todo esquema de assimilação é constru-
A teoria filosófica que fundamenta a vi- ído, e toda abordagem à realidade supõe um
são é o interacionismo, proposto pelo filósofo esquema de assimilação.
alemão Immanuel Kant (1724-1804). A con-
Quando a mente assimila, ela incorpora
cepção cognitivista da aprendizagem é cen-
a realidade a seus esquemas de ação, impon-
trada no aluno. O conhecimento é construído
do-se ao meio. Quando os esquemas de ação
a partir de interações e mediações com o
da pessoa não conseguem assimilar determi-
meio. É interessante destacar outras caracte-
nada situação, a mente desiste ou se modifi-
rísticas das teorias construtivistas, cuja preo-
ca. No momento em que a mente se modifica,
cupação é com o processo de compreensão,
ocorre o que Piaget chama de acomodação,
transformação, armazenamento e utilização
que leva à construção de novos esquemas de
das informações no plano da cognição.
assimilação, promovendo o desenvolvimento
cognitivo. Através de assimilações e acomo-
dações constantes e contínuas, o indivíduo
organiza sua realidade e seu conhecimento.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 95
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nessa mesma direção se associa a Há diversos estudos realizados que


adaptação, que se constitui na própria organi- buscam a identificação dos estilos de apren-
zação dos conhecimentos do meio no interior dizagem, distinguindo os estilos em visuais e
do organismo do sujeito em busca do equilí- táteis. Afirmam que a compreensão do mun-
brio. Marçal (2009, p. 5) a define como dos do se dá por meio da visão e depois pelo tato.
atos biológicos e dos termos referenciados, Os de Klein, descritos por Barros (2009), ao
afirmando que: explicar como as pessoas assimilam os even-
tos novos com os armazenados na memória,
[...] os atos biológicos são atos de adap- identificaram dois estilos: os niveladores e os
tação ao meio e organização do meio afinadores.
ambiente, sempre procurando manter
um equilíbrio, ou seja, a organização é Segundo Alonso, Gallego e Honey
inseparável da adaptação, essa que por (2002, p. 24), esse conceito foi empregado
sua vez é a essência do funcionamento relacionando-o ao âmbito pedagógico, sendo
intelectual. A organização é a habilidade
explicado, inicialmente, estilo como “as con-
do indivíduo de integrar as suas estrutu-
ras prévias em sistemas coerentes. [...] a
clusões acerca da forma como atuam as pes-
assimilação é o processo pelo qual uma soas, favorecendo a classificação e a análise
pessoa integra um novo dado perceptual, dos comportamentos”. Sendo definido como
motor ou conceitual às estruturas cogni- “traços cognitivos, afetivos e fisiológicos que
tivas prévias, e [...] acomodação é toda servem de indicadores relativamente estáveis
modificação dos esquemas de assimila- no modo do aluno perceber, inter-relacionar
ção sob a influência de situações exterio- e responder às situações de aprendizagem”.
res ao quais se aplicam. E [...] equilibra-
ção trata de um ponto de equilíbrio entre Lozano (2000, p. 40) indica que a forma
a assimilação e a acomodação (MARÇAL, pessoal e distinta de como cada um apren-
2009, p. 5). de se constitui como na característica básica
ESTILOS DE APRENDIZAGEM do estilo de aprendizagem, definindo estilo
como: “o conjunto de preferências, tendên-
Há várias pesquisas realizadas acerca cias e disposições de uma pessoa para fazer
de estilos e estratégias de aprendizagem no algo, ou seja, é um padrão de conduta que o
âmbito da língua estrangeira, sendo que o distingue das demais”.
produto delas é a relação entre o estilo para Given e Reid (2000, p. 25) contemplam
uma LE e o estilo cognitivo. Compreende- a melhoria no processo de ensino-aprendi-
mos o estilo cognitivo nesse contexto como zagem quando ocorre a identificação dos
a forma como cada aprendente aprende e os estilos de aprendizagens: “a identificação do
mecanismos que desenvolve para tentar reter estilo de aprendizagem incita a ligação entre
informações. Admitir a relação implica com- o ensinar e o aprender”. Bender (2003, p. 74)
preender que há estilos de aprendizagens reforça: “quando se conhece e respeita os
mais predispostos à aprendizagem da LE. diferentes estilos de aprendizagem, o ato de
ensinar é adaptado a esse fato”.
Frequentemente, o conceito de estilo de
aprendizagem se relaciona a três pilares: gê- Garcia Cué (2007, p. 56) comprova esse
nero, personalidade e inteligência. Na cons- traço distintivo no modo de aprender de cada
trução desta pesquisa, compreendemos que um quando define estilo como “um conjunto
gênero e inteligência são insignificantes quan- de atitudes, preferências, aptidões e tendên-
do nos referimos a estilos de aprendizagem, cias que tem uma pessoa para fazer algo e
que se manifesta por meio de um padrão de
não possuindo correlação com a personali-
conduta e de destrezas que a distinguem das
dade.
demais pessoas”.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 96
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Averiguando as publicações e biblio- personalidade, e os vê como elemento me-


grafias, depreendemos que as muitas defini- diador entre a habilidade e a personalidade,
ções para o conceito de estilos consideram, podendo assim sofrer impacto de experiên-
por vezes, diferentes postulados teóricos e, cias vividas durante os anos de escolaridade.
em outras, são ampliações, reformulações
ESTILOS COGNITIVOS
ou atualizações de uma definição existente,
uma vez que os estilos de aprendizagem são Os estilos cognitivos mais estudados
um campo de investigação muito abrangente, referem-se a três dimensões: impulsividade
sobrepondo-se a muitos outros campos de e reflexividade de resposta; convergência e
interesse. divergência de pensamento; independência
A identificação dos estilos de aprendi- e dependência de campo.
zagem permite planificar e aplicar estratégias A primeira dimensão citada está relacio-
de ensino centradas no aluno e proporciona nada ao tempo de execução de uma tarefa,
orientações para a individualização do ensino. sendo que na impulsividade ocorre um baixo
O modo como o indivíduo maneja o desafio e tempo de latência entre a apresentação da
busca solução é diferente de um para outro. tarefa e a resposta, enquanto que a reflexivi-
Adotar estratégias, trilhar caminhos, é decidir dade da resposta estaria relacionada à pon-
alternativas evidenciando recurso próprio e deração prévia de uma resposta.
singular de lidar com as informações.
Na segunda dimensão, a convergência
Assim, adjunto aos tópicos discorridos aparece associada ao pensamento lógico, ou
acima, podemos desencadear as indagações seja, o raciocínio e o pensamento divergen-
que permeiam a prática pedagógica, como tes aparecem associados à criatividade. Além
saber como ocorre a aprendizagem do alu- disso, contextos de aprendizagem com maior
no, visto que compreender como as pessoas ou menor estruturação estariam relacionados
elaboram e processam as informações é uma à independência e dependência de campo, a
das possibilidades de conhecer como ele terceira dimensão.
aprende. Se na perspectiva construtivista só
a ação espontânea do sujeito ou nele desen- Segundo esses teóricos, o estilo cogni-
cadeada tem sentido, é possível afirmar que tivo é individual e relativamente estável, sendo
cada um elabora e testa suas experiências possível identificá-lo, por exemplo, pela Esca-
segundo seu modo particular de aprender. la de Avaliação de Estilos Cognitivos desen-
volvida por Bariani (1998). Concluímos ser
Allport (1973, p. 35) discorre que “exis- importante a identificação dos estilos cog-
tir como pessoa e desenvolver a própria visão nitivos dos sujeitos, uma vez que os estilos
de mundo determinaria o estilo cognitivo” e cognitivos predominantes podem influenciar
também que a divergência no modo como o modo de aprender e, consequentemente,
cada um aprende pela existência de dispo- o modo de ensinar e a interação de quem
sições perceptivas, que são as relações pas- aprende com quem ensina.
sadas com o mundo, as disposições emocio-
nais e expectativas para o futuro em relação
à cultura na qual está inserido.
Já segundo Messick (1976), os estilos
cognitivos exprimem diferenças individuais na
organização cognitiva do indivíduo, o compre-
endendo como mediador entre habilidade e
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 97
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ESTÁGIOS DE APRENDIZAGEM DA LE No setor de processamento da informa-


ção, o processamento da informação mani-
A aprendizagem de uma segunda língua pula o conhecimento que foi estocado para
será realizada mais eficientemente quando do que possa ser usado em tarefas específicas.
desenvolvimento de várias competências. A No setor de input e output, o conhecimento é
competência comunicativa apresenta pelo usado para compreender a comunicação que
menos três dimensões: competência grama- ocorre na interação com o mundo através da
tical, competência sociolinguística e compe- visão, audição, escrita e leitura, dentre outros.
tência estratégica. Finalmente, no setor de uso do conhecimento,
A competência gramatical diz respeito à o conhecimento armazenado é utilizado para
habilidade de produzir e compreender formas desempenhar tarefas específicas.
de expressão sintática, léxica e fonologica- De modo geral, o contexto de ensino-
mente corretas. Competência sociolinguística -aprendizagem é visto primordialmente em ter-
refere-se à habilidade de usar a língua de ma- mos dos resultados que venha a apresentar. A
neira apropriada nos contextos socioculturais. interpretação do resultado da aprendizagem
Competência estratégica envolve a habilidade de L2 pressupõe um conceito de proficiên-
de transmitir eficientemente a informação a cia ou competência. No desenvolvimento da
um ouvinte, e a habilidade de usar estraté- competência comunicativa, a proficiência é
gias de comunicação para solucionar possí- vista como uma meta.
veis problemas que venham a aparecer no
decorrer do processo (CANALE; SWAIN apud Para os fins desta pesquisa, nos basea-
YULE; TARONE, 1989). mos na conceituação de Stern (1989) para a
definição de proficiência. Inicialmente, o autor
No processo de aprendizagem, o cére- resume proficiência como “saber a língua” e
bro de qualquer aprendiz seleciona a informa- propõe um modelo com quatro estágios. O
ção dada procurando responder a três per- “saber a língua” significa dizer que o usuário
guntas: (1) Qual a importância da informação conhece as regras que regem a L1 e saber
que está sendo exposta? (2) Esta informação como usá-las sem prestar atenção a elas.
satisfaz a uma necessidade básica? (3) Qual
a relevância dessa informação para os obje- O conhecimento da forma é apontado
tivos pessoais do aprendiz? Depois de tentar como o primeiro estágio, chamado de Conhe-
responder a essas três perguntas, abre-se a cimento Intuitivo das Formas da Língua 1 (in-
entrada para o processo de aprendizagem no tuitive mastery of the forms of the language).
sistema cognitivo. O sistema cognitivo é res- No segundo estágio, o conhecimento intuitivo
ponsável por estabelecer os objetivos para o dos significados linguísticos, cognitivos, afe-
aprendizado e monitorá-lo. tivos e socioculturais (intuitive mastery of the
linguistic, cognitive, affective and sociocultural
De acordo com Marzano (1998 apud meanings) estão vinculados ao uso da língua.
TILESTON, 2004), o sistema cognitivo está O terceiro estágio refere-se à capacidade de
organizado em quatro setores. No setor de usar a língua com a máxima atenção à co-
armazenamento e retenção, os processos municação e a mínima atenção à forma. Fi-
mentais fornecem ao aprendiz o acesso ao nalmente, o último estágio diz respeito ao uso
conhecimento que está estocado na memó- criativo da língua (the creativity of language
ria permanente. Permite, pois, armazenar o use).
conhecimento novo para que possa ser acio-
nado posteriormente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 98


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A comunicação verbal envolve a rela- Os fatores afetivos também dão à crian-


ção entre indivíduos, e não a mera repetição ça vantagens sobre o adulto e o adolescente.
e memorização de frases e a prática de es- A criança enxerga os fatos do ambiente, o
truturas. Diante da complexidade da aprendi- que se passa com outras pessoas, sempre a
zagem da língua, parece ser mais coerente partir de si próprio, pois o psiquismo infantil é
assumir que proficiência em uma língua é um egocêntrico. Esse traço se opõe à autoconsci-
processo multifacetado que pode ser mais ência (ligada a fatores como a insegurança e
bem compreendido ao se identificar dois ou inibição, que influem no grau de sucesso da
mais componentes ao invés de se esperar aquisição de uma língua), presente a partir da
que possa ser expressa em um único contex- puberdade: a possibilidade de ver as coisas
to (STERN, 1989). de fora de si mesmo, inclusive ver-se sobre o
prisma de outras pessoas.
Os principais fatores que interferem no
processo de aquisição e aprendizagem da A puberdade representa o trauma de
língua estrangeira, segundo Richter (2002, p. sofrer mudanças críticas de natureza física,
99), são: idade, inteligência, aptidão, perso- cognitiva e emocional. Adolescentes mudam
nalidade, estilos de aprendizagem e atitudes não só na forma como entendem a si mesmos
socioculturais. como também no modo de se relacionarem
socialmente com os outros; diferem inclusive
IDADE
na forma como usam processos comunicati-
Neurologicamente, está comprovado vos para restaurar o equilíbrio afetivo.
que uma criança aprende uma língua diferen- Assim, a puberdade é considerada um
temente de um adolescente ou adulto. Aos divisor de águas pedagógico. Na trilha do
dois anos, inicia-se o processo de lateraliza- desenvolvimento da identidade, há um con-
ção do cérebro humano. A partir dos dois junto de fatores de autoidentificação e forta-
anos, aproximadamente, as habilidades infan- lecimento da autoimagem que se desenvolve
tis vão sendo “mapeadas” e setorizadas. Aos conjuntamente com o “ego psicológico” e a
cinco anos, grande parte da lateralização já língua utilizada, que Richter (2002) chama de
ocorreu, mas a divisão do trabalho entre os “ego linguístico”, ou seja, é a identidade que
hemisférios cerebrais estará completa só aos a pessoa desenvolve com referência à língua
12 ou 13 anos, quando o indivíduo entra na que emprega.
puberdade.
O ego infantil é muito flexível, dinâmico,
A partir da puberdade, o sotaque que em formação até a chegada da puberdade.
a criança adquiriu (a parte fonético-articulató- Até aí, aprender a primeira ou segunda lín-
ria da língua materna) dificilmente se perderá guas não representa um perigo que poderá
totalmente, embora os processos linguísticos agredir à integridade psicológica do indivíduo
de ordem mais alta, aqueles não ligados à – desde que o ensino não seja acompanha-
pronúncia, permaneçam maleáveis mesmo do de atitudes preconceituosas contra a lin-
após a pré-adolescência – o que permite a guagem ou contra o(s) grupo(s) de falantes
um adolescente ou adulto aprender muito dessa língua, como no caso dos alunos de
bem uma segunda língua até o ponto em que descendência alemã ou italiana, citado por Ri-
só aspectos da pronúncia o distinguem de um chter (2002) como exemplo, que sofrem com
falante nativo. o preconceito na escola mesmo no ensino da
língua materna, sentindo-se constrangidos e
inibidos diante dos colegas.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 99
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As crianças, em suma, não se importam APTIDÃO


com sua imagem social, sendo mais espontâ-
neas na comunicação e mais dadas à inicia- O autor define a aptidão como “voca-
tiva. Esse fator as torna aptas a aprenderem ção” para línguas e postula que certas pesso-
uma língua com mais sucesso do que um as têm facilidade na aprendizagem de línguas.
adolescente ou adulto, visto que não se pre- PERSONALIDADE
ocupam com sua autoimagem.
Para ele, a personalidade do discente é
A partir da puberdade, o ego passa
composta por um conjunto de fatores: auto-
a ser defensivo. Segundo o autor, o aluno
estima, ansiedade, empatia, motivação e au-
constrange-se ao tentar comunicar-se, sen-
dácia ou iniciativa. Compreendendo a motiva-
te-se fragilizado quando percebe que errou
ção como uma força propulsora decisiva no
ou pode errar, teme se expor. Comparando
desenvolvimento humano, concluímos que o
as crianças com adolescentes e adultos, se
professor deve constantemente observar nos
percebe que elas são menos conscientes das
discentes se não está lhes faltando “motiva-
diferenças de formas linguísticas: são mais
ção”. Em caso afirmativo, é importante ajudá-
“semânticocêntricas”, isto é, estão mais cons-
-los a encontrar um sentido para estarem no
cientes das diferenças de significação do que
ambiente de aprendizagem de uma segunda
de diferenças de estrutura.
língua, pois ao contrário não ocorrerá aquisi-
Esse fator lhes permite cometer erros ção/aprendizagem.
formais descontraidamente, o que contribui ESTILOS DE APRENDIZAGENS
para a maior espontaneidade da sua comu-
nicação. Crianças, em princípio, não dão Discentes diferem quanto às estratégias
grande importância aos erros pedagógicos de aprendizagem e quanto às habilidades que
que cometem, das testagens das hipóteses entram em jogo no processo. Richter (2002)
que realizam. Em aprendizado da segunda discorre que toda estratégia de ensino-apren-
língua, adolescentes e adultos obtêm sucesso dizagem tem valor, visto que não há nenhum
em grande parte por conseguirem atravessar método que sirva para todos. A melhor solu-
psicologicamente fortalecidos a odisseia de ção é permitir-lhes personalizar o seu percur-
forjar uma segunda identidade linguística. so pedagógico.
INTELIGÊNCIA ATITUDES SOCIOCULTURAIS
Para Richter (2002), a competência co- O objetivo das aulas de LE não é o de
municativa inclui três subcompetências: ana- tornar o discente cópia de um falante nativo
lisar as experiências, efetuar sínteses e agir da língua-alvo, mas de auxiliar os discentes
nos contextos. Ainda discorre que a capacida- nas diversas situações de comunicação.
de de contextualizar, de criar, de efetuar sínte-
ses mobiliza, principalmente, o lado analógico
(direito) do cérebro. Logo, nada se opõe à
criatividade e ao pensamento divergente do
aprendiz quanto à escolarização tradicional.
Quando a instrução é informal (aprendizagem
natural de línguas), o QI clássico pesa bem
menos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 100


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A visão panorâmica sobre concepções do processo de ensino e aprendizagem da língua
estrangeira nos faz refletir sobre o papel do docente sobre as dificuldades de aprendizagem
na língua.
Compreendemos que no aprendizado da LE o perfil do estilo do aprendente não deve
ser considerado favorável ou desfavorável. O resultado do perfil deverá ser observado e uti-
lizado como diagnóstico, não como sentença de forma pejorativa, sobre a qual não se pode
intervir. O diagnóstico referente ao perfil do aluno será uma indicação sobre como o aluno se
comporta quando se esforça na aquisição da aprendizagem.
Após a explanação desta pesquisa, compreendemos a necessidade da formação conti-
nuada dos profissionais de língua estrangeira com intuito de proporcionar ao aprendiz a opor-
tunidade de melhor se desenvolver. Assim, é necessário que o professor conheça as teorias
cognitivistas presentes na prática educativa para serem praticadas, discutidas, analisadas,
criticadas, enfim, tornarem-se vivas e latentes.
Em síntese, o processo de ensino e aprendizagem é complexo, pois envolve indivíduos,
objetos, meio, educador-mediador do conhecimento, unidade escolar. Devem haver reflexões,
para que não haja a pretensão de que apenas explanar verbalmente conteúdos, apresentar
definições e realizar exemplos sejam autossuficientes para que os aprendentes construam o
conhecimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 101


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALLPORT, G.W. Personalidade: padrões e desenvolvimento. São Paulo: EPU, 1973.
ALMEIDA FILHO, José Carlos P. Dimensões comunicativas no ensino de línguas. Campinas: Pontes, 2002.
ALONSO, C.G.; GALLEGO, D.J.; HONEY, P. Los estilos de aprendizaje: procedimientos de diagnóstico y me-
jora. Madrid: Mensajero, 2002.
BARDIN, L. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2011.
BARIANI, I.C.D. Estilos cognitivos de universitários e iniciação científica. 1998. Tese (Doutorado em Educação)
– Universidade Estadual de Campinas, Faculdade de Educação. Campinas, 1998.
BARROS, D.M.V. Estilos de uso do espaço virtual: como se aprende e se ensina no virtual? Inter Ação: Rev
Fac Educ UFG, v. 34, n. 1, 2009, p. 51-74.
BECKER, Fernando. Educação e construção do conhecimento. Porto Alegre: Artmed, 2001.
BENDER, T. Discussion based online teaching to enhance student learning: theory, practice and assessment.
Sterling Virginia: Stylus Plushing, 2003.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclo do
ensino fundamental: língua estrangeira. Brasília: MEC/SEF, 1998. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/
arquivos/pdf/pcn_estrangeira.pdf. Acesso em: 26 out. 2016.
BROWN, H. Douglas. Principles of Language Learning and Teaching. 4. ed. New York: Longman, 2000.
BRUYNE, P. Dinâmica da pesquisa em ciências sociais. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1991.
CHOMSKY, N. The logical structure of linguistic theory. Cambridge, MA: Mimeo MIT, 1955.
ELLIS, Rod. The study of second language acquisition. Oxford: Oxford University Press, 1994.
GALISSON, Robert. D'hier à aujourd’hui la didactique des langues étrangères. Paris: Cle International, 1980.
GARCIA CUÉ, J.L. Los estilos de aprendizaje y las tecnologías de la información e de la comunicación en la
formación del profesorado. 2007. Tese (Doutorado) – Universidade de Educación a Distancia, Madrid, 2007.
GERMAIN, Claude. Evolution de l’enseignement des langues: 5000 ans d’histoire. Paris: Clé International,
1993. (Col. Didactique des langues étrangères.)
GIL, Antonio Carlos. Métodos e técnicas de pesquisa social. 5. ed. São Paulo: Atlas, 1999.
GIVEN, B.; REID, G. Learning styles: a guide for teachers and parents (revised). Oceanside: Learning Forum
Publications, 2000.
GODOY A.S. Introdução à pesquisa qualitativa e suas possibilidades. Revista de Administração de Empresas,
v. 35, n. 2, 1995, p. 57-63.
KRASHEN, S. Principles and Practice in Second Language Acquisition. Oxford: Pergamon, 1982.
LABOUR, M. Learner empowerment via raising awareness of learning styles in foreign language teacher trai-
ning. In: ARMSTRONG, S.J. (Editor). Learning styles: reliability and validity. Proceedings of the 7th Annual Elsin
Conference. Ghest: Ghest University, Belgium and Elsin. p. 227-234.
LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Fundamentos de metodologia científica. São Paulo:
Atlas, 2000.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 102


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LOZANO, R.A. Estilos de aprendizaje y enseñanza: un panorama de la estilística educativa. México: Trillas,
2000.
MARÇAL, V.E.R. A inteligência como adaptação: relação entre acomodação e assimilação. 2009. Disponí-
vel em: http://www.academia.edu/205969/A_Intelig%C3%AAncia_como_Adapta%C3%A7%C3%A3o_rela%-
C3%A7%C3%A3o_entre_Acomoda%C3%A7%C3%A3o_e_Assimila%C3%A7%C3%A3o.
MENTI Magali de Moraes. O que norteia a escolha de professores de língua estrangeira por diferentes tipos
de feedback corretivo. 2006. Tese (Doutorado em Letras) – Faculdade de Letras, Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2006.
MESSICK, S. Individuality in learning. San Francisco: Jossey-Bass, 1976.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. O desafio do conhecimento. São Paulo: Hucitec,1993.
MOREIRA, M. A. MASINI, E. F. S. Aprendizagem significativa: a teoria de David Ausubel. São Paulo: Centauro,
2011.
PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. 4. ed. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1982.
RICHTER, Marcos Gustavo. Ensino do português e interatividade. Santa Maria: UFSM, 2002.
______. Ensino de português e interatividade. Santa Maria: UFSM, 2000.
SCHÜTZ, Ricardo. Assimilação natural x ensino formal. 2006. English Made in Brasil. Disponível em: http://
www.sk.com.br/sk-laxll.html.
SELINKER, L. Language Transfer. M.A: Newbury House, 1983.
SOBROZA, Lidiane Schlotefeldt. Aquisição x aprendizagem da língua estrangeira. Disponível em: http://jararaca.
ufsm.br/websites/l&c/download/Artigos08/Lidiane.pdf. 2017.
SOUZA, Lilian. O aprendizado de uma segunda língua (espanhol) pensado a partir da educação sociocomunitária
e do multiculturalismo. Disponível em: http://unisal.br/wp-content/uploads/2016/03/Disserta%C3%A7%C3%A3o_Li-
lian-de-Souza.pdf. 2017.
STERN, H. H. Fundamental concepts of language teaching. Oxford University Press, 1989.
TILESTON, Donna Walker. What every teacher should know about learning, memory and the brain. Corwin Press,
2004.
YULE, George; TARONE, Elaine. Focus on the Language Learner. Oxford University Press, 1989.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 103


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada de Licenciatura Plena de Pedagogia pela


Faculdade Anhanguera de Itapecerica da Serra
Conclusão em 2016. Especialista em Alfabetização
e Letramento pela Faculdade São Luiz. Professora
de Educação Infantil na Prefeitura de São Paulo no
CEI CEU Yolanda Souza Santalucia Prof. Professora
de Educação Básica na Prefeitura de Taboão da
Serra na Emeb Darcy Ribeiro.

AUDREY AKEMI
RODRIGUES KANASHIRO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 104
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DAS ARTES VISUAIS PARA O


DESENVOLVIMENTO INFANTIL

RESUMO: O objetivo deste artigo é proporcionar aos leitores a importância das artes visuais
no desenvolvimento infantil. Embasados em pesquisas bibliográficas busca-se clarificar que a
educação das crianças desde a creche já vem sendo ajudada pelas artes visuais, pois é com
ela que as crianças são estimuladas diariamente, e aumentam sua capacidade de expressão
e de percepção de mundo. Os professores devem ter o cuidado de levar a arte até os alunos
pois são eles os mediadores do conhecimento. A arte é uma grande aliada dele para o pleno
desenvolvimento de seus alunos desde bem cedo nos anos iniciais da vida.

Palavras-chave: Artes Visuais; Desenvolvimento; Linguagens Artísticas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 105


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
nsinar por meio das Artes Visuais estimula maior desempenho da capacidade
cognitiva e potencialidades por parte do aluno. É por intermédio da Arte que a
criança pode se expressar, expor seus sentimentos e ideias, ampliar sua relação
com o mundo ao seu redor. Com a arte as crianças conseguem se expressar e desenvolver
suas habilidades com o desenho, a pintura entre outras expressões artísticas.
A arte visual tem dado grande contribuição à escola na formação da criança e no seu de-
senvolvimento utilizada como uma forma de expressão, com ela a criança adquire sensibilida-
de e competência para lidar com formas, cores, imagens, gestos, sons e demais expressões.
Com esta pesquisa num primeiro momento iremos explanar sobre a história da arte no
Brasil, em seguida mostrar que o professor de educação infantil deve ter uma preparação para
usar a arte visual adequadamente para desenvolver as atividades com seus alunos em sala
de aula, após iremos dialogar com as Leis de Diretrizes e Bases, em seguida as artes visuais
utilizadas na educação infantil e finalmente esclarecemos sobre as linguagens artísticas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 106


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A HISTÓRIA DO ENSINO DE ARTE NO Não se pode negar que as escolas – em


BRASIL sua maior parte – dedicaram-se à difusão
da informação “feita” e ao ensino dos ins-
Embora comentar-se á mais à frente no trumentos da leitura. Os métodos usados
trabalho algumas iniciativas relacionadas ao para adquirir tal informação não são os
que desenvolvem capacidade de exame e
ensino de arte no Brasil datadas dos séculos
de comprovação de opiniões. Pelo contrá-
XVI e XVII, comecemos pela Missão France- rio, são positivamente hostis a isto. Tendem
sa, em que de fato houve uma tentativa de a embotar a curiosidade nativa e a sobre-
estabelecer esse objetivo aqui no Brasil por carregar os poderes de observação e ex-
critérios artísticos, não meramente de tentati- perimentação com tal massa de material
va de controle ou forma de comunicação com desrelacionado, que nem sequer operam
povos de culturas diversas (os indígenas). com a efetividade que se encontra em mui-
tos iletrados (DEWEY, 1970, p. 236).
Dom João VI tinha como missão tentar
criar uma tradição artística no Brasil seguindo Essa onda de atitudes voltadas para
os moldes europeus. Essa tendência ainda essa nova concepção de educação rendeu
permaneceu por bastante tempo. Entre o final alguns frutos, como as intervenções de Mário
do século XIX e o começo do XX ainda era de Andrade, que organizou ateliês para crian-
dominante em nossas terras a reprodução de ças em parques e bibliotecas, na época em
obras tidas como clássicas e o desenho geo- que ocupava o cargo de Secretário de Cultura
métrico, fortemente baseado em concepções de São Paulo. Infelizmente a repressão do Es-
matemáticas e na mera imitação, sem espaço tado Novo acabou mitigando essas grandes
para o exercício da criatividade. iniciativas por parte de diversos artistas bra-
Na terceira década do século XX a arte sileiros ligados ao modernismo.
então surge como atividade interdisciplinar, Outras tentativas foram pulando-nos
capaz de gerar ligações entre as diferentes mais diversos cantos do país, durante os
disciplinas, mas ainda estando em um plano anos seguintes. A Lei de Diretrizes e Bases
secundário e limitado ao simples cubismo.
de 1961 colaborou para a manutenção de
Com a conhecida semana de Arte Mo- muitas das experiências iniciadas nos anos
derna, a relação entre arte e educação no anteriores, mas no final das contas, com a
Brasil toma novos rumos, sofrendo alterações chegada do Regime Militar, a arte incorpora-
drásticas graças às ideias de livre expressão da ao ensino escolar de maneira integral foi
trazidas por figuras como Heitor Villa-Lobos, uma ideia que acabou não vingou.
Mário de Andrade e Anita Malfatti, que enten-
diam a arte como uma forma de expressão Se durante o início do Regime Militar
autêntica da interioridade do sujeito, algo que, a arte passou a fazer parte do currículo es-
por possuir caráter subjetivo, não poderia ser colar, vale salientar que tudo não passou de
ensinado. maquiagem para esconder a verdadeira face
de um sistema educacional baseado no tec-
Tais iniciativas tinham como arcabouço
nicismo e no automatismo.
teórico os estudos e proposições de John
Dewey, tomadas como base para algumas Não havia espaço para a criação, sendo
grandes reformas educacionais ocorridas em que a cultura das artes das crianças terminou
estados como Espírito Santo e Minas Gerais. por ser direcionada para a representação de
Podemos citar como exemplo condensado de deveres cívicos, de confraternizações formais,
algumas das convicções de Dewey o excerto de datas festivas do calendário nacional, sem-
abaixo, de Liberalismo, Liberdade e Cultura: pre com o objetivo de uniformizar desumana-
mente a formação dos estudantes.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 107
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Com o enfraquecimento do Regime Mi- De acordo com os Parâmetros Curricu-


litar e sua posterior aniquilação, a arte voltou lares Nacionais de Arte: Na Educação Infantil
a ganhar espaço no país, impulsionada pelos as crianças ampliam a visão que têm sobre
movimentos pós-modernistas, como a pro- as artes, e é onde elas conhecem as múltiplas
posta triangular, que segundo Barbosa (1994) linguagens e expressões. Se nesse momento
postula que o ensino de arte deve ocorrer o adulto não oferecer diversidades de lingua-
através de três eixos: o estudo histórico da gens artísticas limitando, estar-se-á limitando
arte, a leitura, interpretação e compreensão sua visão holística do mundo onde vivem.
da obra de arte e o fazer artístico em si, en-
Os trabalhos voltados para a arte pre-
quanto criação.
cisam ter espaços privilegiados garantidos
Cursos de mestrado e doutorado foram em creches, pré-escolas e escolas, para que
criados, e nos últimos anos da década de sejam espaços humanizados de autoria e
80, mais de cem trabalhos acadêmicos so- expressão artística. Conforme o Referencial
bre arte relacionada a alguma especificidade Curricular Nacional para a Educação Infantil:
foram publicados. Também nasce a idealiza-
A questão da livre expressão e da ideia
ção dos Parâmetros Curriculares Nacionais,
de que a aprendizagem artística era uma con-
que agora incluiriam a arte na educação de
sequência automática dos processos de de-
maneira oficial e irrevogável, pelo menos em
senvolvimento em diversos países mudaram o
teoria, dando também suporte metodológico
ensino de artes. A partir daí constatou-se que
para o ensino de arte em sala de aula.
o desenvolvimento artístico resulta de formas
Ensinar artes visuais nas escolas é as- complexas de aprendizagem e, assim, não
segurado pela Lei de Diretrizes e Bases da acontece automaticamente à medida que a
Educação, onde é ressaltado sua importância criança cresce.
na Educação atual. Quando a criança nasce,
Mas sim por influência da vivência cultu-
já se manifesta por meio das artes, emitindo
ral de cada criança. No ensino aprendizagem
sons, fazendo movimentos e os primeiros ra-
em Artes Visuais a criança traça caminha ao
biscos. Segundo algumas pesquisas, as artes
lado de sua criação e construção individual
visuais ajudam a desenvolver a afetividade e
que envolve escolhas, experiências pesso-
a socialização da criança em sala de aula, in-
ais, aprendizagens, relação com a natureza,
clusive levando isso para a vida na sociedade.
e suas motivações intrínsecas e extrínsecas.
É extremamente significativo que nas es-
colas de Educação Infantil tenha um espaço
para as Artes Visuais, pois da mesma forma
em que se destina na alfabetização, palavras
e textos escritos, a linguagem visual abrange
atividades que são trabalhados vários aspec-
tos do desenvolvimento da criança, entre eles,
destaca-se o fantástico, pois a fantasia é es-
sencial para a construção do aprendizado, é
fantasiando, que a criança cria e transforma
a imaginação em realidade, de acordo com
seus sonhos e anseios.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 108


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A ARTE SOB A LUZ DA LEGISLAÇÃO O grande desafio do professor da edu-


cação infantil, atualmente, é contribuir para
A arte precisa ser reverenciada no sen- a construção da realidade por meio da arte,
tido holístico, cingindo diversas áreas e os deixando as crianças livres para criar. Inse-
professores têm o dever de levar seus alunos rindo um ensino onde as diferenças culturais
a apreciar, analisar, refletir e experimentar a permitam levar a criança a aflorar seu próprio
arte, pois todas as linguagens artísticas fa- potencial humano e criativo, aumentando a
zem parte do dia a dia deles. As artes visuais ligação existente entre a arte e a vida.
são alicerçadas em conhecimentos artísticos
peculiares para dar valor essencial na escola Os conteúdos da aprendizagem em
e tornar-se mais interessante para o ensino artes poderão ser organizados de modo a
aprendizagem. permitir que, por um lado, a criança utilize
aquilo que já conhece e tem familiaridade, e,
Os professores devem fazer com que por outro lado, que possa estabelecer novas
seus alunos tenham acesso e contato com relações, alargando seu saber sobre os as-
os conhecimentos culturais básicos para a suntos abordados.
vida em sociedade. A arte torna o indivíduo
capacitado para entender a realidade com re- Convém ainda lembrar que a necessi-
siliência, o ensinando a ter determinação para dade e o interesse também são criados e sus-
mudar, tornando mais humana e acolhedora citados na própria situação de aprendizagem.
para se viver nessa sociedade. (BRASIL, 1998, p.107). As produções artís-
ticas das crianças são janelas abertas para
Pois a vinculação entre a linguagem ar- conhecermos cada um desses pequenos
tística e as outras linguagens, chega-se ao alunos, mais do que isso, são registros sin-
real sentido ao ensino da arte porque cada gulares de experiências estéticas únicas que
atividade artística tem uma característica sin- o professor pode utilizar para ajudar essas
gular de criação e produção de arte e ideali- crianças no seu desenvolvimento diariamente.
zação do mundo. Como podemos observar
no Brasil (1998, p. 89). A LINGUAGEM DAS ARTES VISUAIS NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
As diretrizes mencionam que o ensino
artístico na escola, além de proporcionar co- As Artes Visuais representam o mundo
nhecimento sobre as diversas áreas da arte, real e imaginário, expressando, comunicando
oportuniza também a criança um fazer criativo e atribuindo sentido a sensações, sentimen-
em sua totalidade. tos, pensamentos e realidade por meio da
organização de linhas, formas, pontos, tanto
Desse modo é o docente que deve re- bidimensional como tridimensional, além de
pensar em sua sala de aula, maneiras de usar volume, espaço, cor e luz na pintura, no dese-
o tempo, o espaço, a forma de lidar com os nho, na escultura, na gravura, na arquitetura,
conteúdos e com o universo de informações, nos brinquedos, bordados, entalhes etc. O
deixando para trás a fragmentação da educa- movimento, o equilíbrio, o ritmo, a harmonia,
ção que existia, dando lugar à significação do o contraste, a continuidade, a proximidade e a
espaço de aprendizagem, para que os alunos semelhança são atributos da criação artística.
cada um com suas singularidades culturais
envolvem-se com mais criticidade na recons- Na educação infantil as artes visuais
tituição particular da sabedoria cultural con- são utilizadas diariamente com as crianças,
quistada pela humanidade durante anos de em todos os momentos as crianças são esti-
experiências vividas. muladas por meio das artes visuais quando
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 109
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

trabalha-se a pintura, o desenho, os rabiscos, Períodos críticos (grau de plasticidade


oferecer às crianças muitas cores em basi- cerebral) são estágios de desenvolvimento
camente tudo na sala de aula, isso faz com para funções específicas do cérebro. São tipo
que elas se sintam familiarizadas desde muito “janelas de oportunidade” nos primórdios da
cedo com as artes visuais. vida, quando o cérebro da criança está par-
ticularmente susceptível às entradas de esti-
Quando a criança chega na educação
mulação sensorial, para o amadurecimento
infantil, ela já começa a ampliar o universo de
de sistemas neurais mais desenvolvidos.
suas habilidades físicas, cognitivas e psico-
lógicas. Antes a creche que é primeiro local Cores, movimentos, sons e afetividade
onde as crianças são acolhidas na educa- são estímulos sensoriais básicos na primeira
ção infantil, era considerada apenas como infância (1 aos 3 anos), (BARTOSZECK; BAR-
um local onde prestava-se o assistencialismo TOSZECK, 2004, p.11).
às crianças que ainda não podiam ir para o
PCN – AS PROPOSIÇÕES DOS
ensino fundamental e os pais precisavam tra- PARÂMETROS CURRICULARES
balhar, deixavam elas nesse lugar para serem NACIONAIS EM ARTE NA EDUCAÇÃO
cuidadas. INFANTIL
Atualmente as creches e pré escolas
Esses documentos trazem ao educador
embasadas por pesquisa da neurociências,
noções como o fato de que a arte é o instru-
fazem um excelente trabalho pedagógico
mento capaz de gerar um ambiente ideal e
para desenvolver as crianças em todos os
servir como veículo para a subjetivação con-
seus aspectos físicos, cognitivos e psicológi-
jugada ao universo externo, ou seja, tem o
cos, porque os estudos da neurociências trou-
poder de fazer com que o indivíduo engran-
xe à luz que todas as crianças necessitam do
deça seus horizontes perceptivos, sensoriais,
máximo de estimulações desde quando ainda
reflexivos e imaginativos.
encontram-se mesmo no ventre das mães e
que essa estimulações terão grande impor- Segundo os idealizadores dos Parâme-
tância no futuro desenvolvimento intelectual tros Curriculares Nacionais (1997), é a arte
e físico e psicológico das crianças. aquela que pode abrir os olhos das crianças
e permitir-lhes um melhor desfrutar do conhe-
• As vias neurais de aderência senso-
cimento exposto pelas outras disciplinas.
rial desempenham papel crucial no
desenvolvimento do cérebro nos pri- Além disso, sendo a arte um objeto his-
meiros anos de vida da criança; tórico por excelência, inserido num contexto
social que sempre dialoga (mesmo que ne-
• Há um período “crítico ou sensível”
gativamente, em alguns casos) com o local
bastante regular para a ativação das
e o global, é ela que permitirá aos alunos
vias neurais sensoriais, a fim de es-
estabelecerem conexões com outras culturas,
timular a formação de circuitos neu-
fazendo com que desde cedo os indivíduos
rais nas partes específicas do córtex;
tentam contato com a multiplicidade de face-
• Quando a estimulação visual não tas das tradições dos mais diversos povos.
está disponível no “período crítico”
o déficit ocorre no desenvolvimento
regular da área do córtex visual não
sendo passível de correção em es-
tágios posteriores.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 110
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

É muito interessante notar a forma como AS ARTES VISUAIS E A PLASTICIDADE


esses documentos caracterizam o reconheci- DO DESENHO INFANTIL
mento da arte por um indivíduo de uma manei-
ra muito aberta, completamente oposta à rigi- Por essa mesma perspectiva Vygotsky
dez conservadora de conceitos de arte mais (1991, p.127) comenta a experiência na atitu-
fechados e muito específicos. Segundo o texto, de da criança que desenha: [...] o desenho é
“para um cientista uma fórmula pode ser’ bela’, uma linguagem gráfica que surge tendo como
para um artista plástico, as relações entre a luz base a linguagem verbal. Nesse sentido, os
e as formas ‘são problemas a serem resolvidos esquemas que caracterizam os primeiros de-
plasticamente'' (PCN – Arte, 1997, p. 27). senhos infantis lembram conceitos verbais
que comunicam somente os aspectos essen-
Esse trecho demonstra satisfatoriamen- ciais dos objetos.
te a preocupação dos idealizadores dos Parâ-
metros Curriculares Nacionais de Arte de fa- Ao pesquisar o significado do desenho
zerem com que os educadores se preocupem na construção do saber, Pillar (1996, p.51)
intensamente com a necessidade de utilizar afirma que “[...] ao desenhar, a criança está
a arte como um meio unificador, de coesão inter-relacionando seu conhecimento objetivo
entre culturas e povos, de despertar a empa- e seu conhecimento imaginativo”. A interpre-
tia pelo desconhecido, eliminando possíveis tação da imagem visual tem grande importân-
preconceitos, já que ideias equivocadas e cia para o desenvolvimento infantil.
imediatistas surgem justamente quando não O desenho proporciona que o mundo
sabemos como interpretar o outro e quere- interior com o exterior se interligue, ou seja,
mos impor nossas próprias visões de mundo a realidade se depara com a imaginação e
sobre esse outro, criando imagens negativas o desejo de significar. Esses códigos visuais
que se reforçam através dos estereótipos. são necessários para as pessoas se condu-
A arte então, nesse sentido, deve ser zirem para vários locais com independência.
entendida como uma forma de estabelecer Assim o desenho é estímulo para exploração
conexões entre diversas tradições, de permitir do universo fantástico infantil.
o contato com aquele que está distante, seja Precisa observar atentamente que, en-
num estado diferente do país, num país vizi- volve até mesmo a posição espacial que per-
nho ou mesmo num outro. mite a adequada visibilidade, forma de com-
preensão do desenho da criança, evitando
interpretações precipitadas. O desenho tem
um caráter de metalinguagem que é a lingua-
gem de formas de espaço, essas constituem
tanto o meio como a maneira que compreen-
demos. As imagens para nossa imaginação.
Esses espaços, possibilitam a amplia-
ção da compreensão e da valorização do de-
senho espontâneo infantil e clarificam o quão
é importante o ato de desenhar para a cons-
trução dos conceitos dos objetos e eventos
que as crianças fazem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 111


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MÚSICA E POESIA: um histórico sobre como nos demonstra os estudos de Pitágo-


música e poesia ras relacionando a música e a matemática.
Havia um ideal civilizatório que não envolvia
O termo música vem do grego μουσική
somente o conhecimento científico tal como
τέχνη (musiké téchne), que em tradução livre
entendemos hoje, mas também o artístico, o
significa a arte das musas. É a arte que se
que para os gregos era, na verdade, duas
ocupa da organização dos sons no espaço e
faces de uma mesma moeda, “Pitágoras de-
no tempo, trabalhando com altura, intensida-
monstrou que a sequência correta de sons, se
de, duração e timbre.
tocada musicalmente num instrumento, pode
Não se tem notícia de civilizações que mudar padrões de comportamento e acelerar
jamais tenham produzido alguma forma de o processo de cura” (BRÉSCIA, 2003, p. 31).
música. Massey (1996), em sua pesquisa
Aristóteles, no seu clássico A Política,
sobre a história da música indiana, traz aos
também postulava que a música deveria fazer
seus leitores a descoberta arqueológica de
parte da educação, se baseando na Odisseia
uma flauta cuja datação é estimada em pelo
para demonstrar a validade de seu aponta-
menos 40.000 anos de idade, construída em
mento:
um fêmur de urso.
Em outro trecho, Ulisses [protagonista da
Já no século XIX, Darwin, em seu livro Odisseia] não encontra espetáculo mais
A Descendência do Homem e Seleção em encantador do que ver todo o mundo ale-
Relação ao Sexo apontava em seus estudos gre, nem tempero mais delicioso para os
evidências de que a música teve um impor- convivas do que ouvir a casa cheia de
cantos de alegria. É, portanto, evidente
tante papel social na evolução humana, tanto
que a música é uma excelente parte da
para fins reprodutivos (parceiros com maiores educação e deve ser ensinada às crian-
habilidades em organizar os sons ritmicamen- ças, senão como necessária ou útil para
te teriam vantagem em relação aos desfavore- ganhar a vida, pelo menos como liberal
cidos nesse quesito), quanto para fins tribais, e honesta. É a música a única no gêne-
como um elemento agregador que dava co- ro dos talentos agradáveis e, se houver
várias outras espécies, quais são elas? É
esão a um grupo, trazendo a sensação de
o que diremos mais adiante". Baste-nos
pertencimento para seus integrantes. agora ter apoiado a autoridade dos an-
De acordo com Bréscia (2003), para os tigos no plano da educação a que nos
propomos, especialmente quanto à músi-
gregos, a música tinha um caráter educador e
ca (ARISTÓTELES, p.48, s/d).
civilizatório, sendo os aedos e rapsodos alta-
mente reconhecidos por seu ofício de recitar Na Roma antiga, a música não dá ne-
poemas musicados (vale lembrar que música nhum grande passo, segundo o livro História
e poesia, na Grécia antiga, eram artes indisso- da música, de Ellmerich (1973 p.26-27), em
ciáveis). Poemas como a Ilíada e a Odisseia que diz: “os romanos não alcançaram gran-
e os comentários nas obras de pensadores de desenvolvimento nas artes em virtude de
gregos nos dão pistas sobre a valorização do sua tendência guerreira e de constantes pre-
ofício artístico naquele tempo. ocupações nas lutas de conquista. Assim o
florescimento artístico romano começa com a
Esses profissionais eram valorizados
subjugação da Grécia em 146 a.C”.
como guardiões de algo que se não era en-
tendido especificamente como uma ciência É muito provável que uma civilização
(no conceito moderno), indubitavelmente era como a romana tenha, sim, trazido algumas
entendido como uma forma de conhecimento inovações para o terreno da música, mas nos-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 112


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

sas fontes de documentação sobre o tema Com o crescimento do luteranismo e


não são tão abundantes quanto às sobre suas vertentes, a Igreja Católica viu-se obri-
esse aspecto da Grécia Antiga, por mais que gada a realizar um movimento de resposta,
historicamente o Império Romano seja mais contra reformas, que teve também impacto
recente. na música praticada dentro das igrejas. Se
antes apenas o canto gregoriano era permi-
A sistematização do conhecimento mu-
tido, nesse período outros estilos nascentes
sical foi muito importante para a Igreja Cató-
começaram a ser admitidos, até culminar na
lica, pois lhe permitiu dar maior coesão aos
música renascentista que tempos depois se-
ritos praticados nas mais diferentes localida-
ria substituída pela barroca, que ficou carac-
des. Como demonstram estudos como o de
terizada por ser o ápice da tecnicidade mu-
Nicholas Bell, Music in Medieval Manuscripts,
sical até aquele momento, tendo Bach como
felizmente, apesar de todas as condições pre-
um de seus maiores nomes, que ficou muito
cárias daqueles tempos, temos bastante do-
conhecido por seu imenso domínio e desen-
cumentação sobre as artes medievais.
volvimento da técnica do contraponto, como
Na Alta Idade Média foi instituído o sis- mostra o estudo de Yearsley (2002).
tema do Trivium e do Quadrivium, sendo que
A ópera também começou a ganhar ter-
o primeiro abrangia três estudos: a gramática,
reno na Europa, por sua complexidade capaz
a dialética e a retórica, e o segundo abrangia
de abarcar temas muito variados, com diver-
a aritmética, a geometria, a astronomia e a
sos desdobramentos. Além de Bach e outros,
música. As escolas separavam crianças e jo-
podemos citar Vivaldi, que é um dos músicos
vens do sexo masculino de crianças do sexo
mais conhecidos dessa época, sendo muito
feminino, mas eram abertas a todas as clas-
cultuado até os dias de hoje.
ses sociais (se muitas não faziam parte des-
se meio não era por proibição, mas por falta Então nasce o romantismo, que tem
de recursos). Tais dados são apontados por Beethoven como um de seus expoentes, um
Thomas Woods, em seu livro Como a Igreja músico que, embora profundo conhecedor e
Católica construiu a Civilização Ocidental: tendo pleno domínio das técnicas clássicas,
O movimento musical dessa época (séc.
subverte as regras musicais vigentes até en-
IX ao XI), iniciou-se com os bardos da tão e cria um estilo novo, que agradava ou-
alta Idade Média. Foi o período em que vidos abertos à novidade e irritava os mais
floresceram as canções de gesta que conservadores.
exaltavam as proezas dos tempos herói-
cos e vieram a constituir mais tarde os
grandes poemas épicos, como a célebre
canção de Rolando, que tanta influência
exerceu sobre a epopeia medieval. Pouco
depois, apareceram no sul da França os
primeiros exemplos da poesia lírica intei-
ramente cantada em língua vulgar e de-
senvolveu-se a arte dos trovadores. Foram
estes que promoveram, especialmente na
alta aristocracia, um movimento artístico
a princípio ainda ligado à igreja, mas que
logo se separou. Os hinos sacros come-
çaram a ser substituídos pelo canto he-
róico e, o culto a Maria, pelo amor cortês
(BORGES, 2002, p. 2).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 113


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A arte deve ser entendida como um ofício educativo essencial, pois é ela quem permite
e procura, através das idiossincrasias peculiares a cada pessoa, delinear a construção pes-
soal do gosto estético, servir de estímulo ao intelecto, e por essas características e outras já
mencionadas neste trabalho, revela-se como um importante aparelho de desenvolvimento da
personalidade do ser humano, ajudando-o a construir um senso moral sólido e mais huma-
nizado.
O ensino de arte, portanto, não deve ficar restrito à intenção de formação de artistas
(embora esta possibilidade possa vir a ocorrer, justamente por meio dos estímulos artísticos na
infância). Fazer arte é pesquisar-se internamente, procurando pelas essências que nos regem
enquanto parte de um mundo globalizado, o que nos entrega a capacidade de desenvolver as
percepções através dos sentidos e da mente, a imaginação, a criatividade, a observação que
quebra o parâmetro imediatista que cerca nossas vidas atualmente, e o raciocínio lógico, que
é fundamental para a convivência em sociedade e para a resolução de problemas complexos
que surgem em nossa existência.
E, por todos esses motivos, e acrescido o fato de que a escola é o ambiente social
oficial para a construção de cidadãos conscientes de seus atos, deveres e atitudes, faz-se
essencial a apresentação sistematizada do mundo da arte e suas mais distintas facetas para
as crianças: o mundo da literatura, o mundo da dança, o mundo da música, o mundo do
teatro, entre tantos outros.
E como preconiza a abordagem triangular, não somente deve ser ensinada a história
e estimulada a interpretação dos objetos artísticos, mas também é imprescindível a criação
direta dos alunos, seja por meio de oficinas, saraus, grupos de pintura, entre outras opções
disponíveis para o educador.
O brincar para a criança é importante para que ela organize suas descobertas e experi-
ências, recriando sua inspiração e compreensão do mundo onde vive, brincando com a arte
é uma forma de deleite para que a criança vivencie outros acontecimentos para auxiliá-los na
absolvição e assimilação do mundo cultural e social.
Em virtude dos argumentos explanados nesta pesquisa evidencia-se às artes visuais é
importantíssima para o pleno desenvolvimento infantil e que o papel dos professores é levar
a arte às crianças sempre valorizando cada vez mais a sua aplicação no cotidiano escolar,
especialmente nas fases iniciais do ensino aprendizagem, em creches e pré-escolas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 114


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: arte / Secretaria de Educação
Fundamental. – Brasília: MEC/SEF, 2000.

BRÉSCIA, Vera Lúcia Pessagno. Educação Musical: bases psicológicas e ação preventiva. São Paulo: Átomo, 2003.

BORGES, Cândida. MÚSICA NA IDADE MÉDIA. Disponível em: <Cândida Borges>. 2019.

BOSI, Alfredo. Reflexões sobre a arte. São Paulo: Ática, 1985.

BRASIL, Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil: conhecimento de mundo. Brasília: MEC/SEF, v. 3.
1998, p. 243. (Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil).

BUORO, Anamélia Bueno. O olhar na construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da Arte na escola.
São Paulo: Cortez, 1996.

FERRAZ, Heloísa; FUSARI, Maria F. de Rezende; Arte na educação escolar. São Paulo: Cortez, 1993.

MOOSBURGER, Laura de Borba. “A origem da obra de arte” de Martin Heidegger: tradução, comentário e notas.
Orientador André de Macedo Duarte. Dissertação (Mestrado em Filosofia). Programa de Pós-Graduação em Filo-
sofia, Universidade Federal do Paraná, Paraná, 2007.

OLIVEIRA, Rafael Cavalheiro de; MUZEL, Andrei Alberto; SANTOS, Mariól Siqueira. A IMPORTÂNCIA DA DANÇA
NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Disponível em: <http://fait.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos.pdf>. Acesso em:
10 Jan 2021.

PONTES, Gilvânia. A presença da arte na educação infantil: olhares e intenções.Disponívelem:<http://www.ufrgs.


br/gearte/dissertacoes/dissertacao_gilvania.pdf>. Acesso em: 10 Jan 2021.

TASSI, Adelaide R. A importância da literatura infantil para o desenvolvimento e aprendizagem da criança. São
Paulo: Vozes, 2002.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 115


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduação em Artes Visuais pela Faculdade


Paulista de Artes (2015); Especialista em Arte
Educação pela Faculdade Campos Elíseos (2019);
Professora de Ensino Fundamental II - Artes - EMEF
Carlos Augusto de Queiroz Rocha.

CARLACAMARA LOPES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 116
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MARIA MARTINS: E SUA AMAZÔNIA SURREALISTA

RESUMO: Este artigo tem a intenção de discutir a obra da artista Maria Martins, em especial a
exposição “Maria: New Sculptures”, e o seu catálogo intitulado “ Amazônia”. Este catálogo, foi
elaborado pela própria Maria, nele estavam apresentados oito personagens míticos da floresta
amazônica, com breves narrações escritas por ela. Sendo com estes trabalhos que a mesma foi
nomeada uma artista surrealista.

Palavras-chave: Maria Martins; Surrealismo; Arte.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 117


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
rtista plástica que desenvolve trabalho em diversas linguagens, escritora, em-
baixatriz e acima de tudo uma mulher de personalidade forte e que sabia o que
queria, essas são algumas faces dessa grande mulher, Maria de Lourdes Alves
Martins mais conhecida como Maria Martins (1894-1978).
Será esta pessoa emblemática e misteriosa, que possui estreito contato com grandes
artistas da história da arte e personalidades nacionais e internacionais da época, que irei
abordar e estudar, em específico a Exposição Maria: New Sculptures, e o catálogo desta inti-
tulado Amazônia, e o surrealismo encontrado nestas obras. Pois, com essa série de trabalhos
podemos perceber o quanto ela foi influenciada por artistas surrealistas e ao mesmo tempo
como conseguiu embutir sua personalidade e brasilidade em suas obras, casando perfeita-
mente os mitos e lendas brasileiras com o surrealismo, se tornando uma das poucas artistas
brasileiras surrealistas.
Essa exposição foi realizada na Valentine Gallery, em Nova Iorque, em 1943, junto à
exposição do abstracionista holandês Piet Mondrian (1872-1944), ela era composta por oito
esculturas retratando as lendas brasileiras, com textos explicativos escritos por Maria, neste
trabalho abordarei apenas algumas obras e seus respectivos textos. Sendo nesse momento,
com esses trabalhos que foram expostos, que ela encantou a todos e principalmente expo-
entes do movimento surrealista da época.
Mesmo sendo uma artista reconhecida mundialmente, em solo brasileiro ela ainda foi
pouco estudada e não recebeu o seu devido reconhecimento. Estudando os seus trabalhos
escultóricos e escritos poderemos constatar como o surrealismo está intrinsecamente ligado
a eles e como conseguiu com suas relações pessoais ou interpessoais, grandes feitos para
a Arte Brasileira no âmbito Mundial.
Uma das bases utilizadas nesta pesquisa foi o escritor francês, poeta e teórico do sur-
realismo André Breton (1896-1966), que também era amigo da artista e o próprio a nomeou
surrealista.
Na primeira seção será abordado a vida pessoal e a vida artística de Maria em um
contexto geral, apenas para mapear brevemente os caminhos que a levaram a ser quem é, e
como inicialmente começou sua carreira e relatar alguns artistas mundialmente conhecidos
com quem a mesma manteve estreito contato. Na próxima serão apresentados os princípios
básicos do surrealismo e em qual contexto surge esse novo movimento artístico e seu emba-
samento. Na terceira seção serão abordadas as diferenças entre Mitos e Lendas, explicando
especificamente o que é o Mito e como para o movimento surrealista o mesmo é de suma
importância. Na quarta e última seção, serão apresentados detalhes da exposição Maria: New
Sculptures, e o catálogo que recebeu o nome de Amazônia feito pela artista em questão.
Explanando algumas obras e trechos dos poemas em prosa escrito por ela. Para demonstrar
como a própria conseguiu conciliar de forma perfeita, as lendas de deuses míticos brasileiros
e o surrealismo com suas obras escultóricas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 118


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

VIDA PESSOAL Pelo fato do seu esposo ser embaixa-


dor, o casal e as filhas morrem em diversos
Às 10 horas, em Campanha (Minas Ge- países do mundo como Equador, Tóquio,
rais), no dia 7 de agosto de 1.894, nasce a Bélgica, França, Dinamarca e EUA, talvez por
filha de João Luís Alves e Fernandina de Faria esse motivo a carreira artística de Maria te-
Alves, Maria de Lourdes Faria Alves. nha tido o seu início tardio, apenas quando a
Seu pai foi um homem muito influente, mesma tinha 45 anos.
foi juiz municipal, promotor, professor e Juiz Maria Martins no dia 26 de Março, aos
Federal. Contudo abandonou a magistratura 78 anos, no Rio de Janeiro faleceu por uma
e ingressou na política, iniciando sua carreira insuficiência cardíaca.
como, vereador, em seguida deputado esta-
dual, federal, senador, ministro do supremo VIDA ARTÍSTICA
tribunal federal e também Membro da Aca- Como foi dito na seção anterior, a vida
demia Brasileira de Letras. Ou seja, Maria vi- artística tardia de Maria, se deu quando a mes-
nha de uma família abastada e respeitada da ma tinha 45 anos de idade. Desde o início, ela
época. sempre testou e utilizou diferentes suportes e
materiais artísticos, mas a fundição em bronze
Aos 20 anos, ela se casa com Octávio
viria a ser a sua técnica principal.
Tarquínio de Sousa, que foi um grande his-
toriador. Em 1916, nasce sua primeira filha, Em 1940, fez parte da Mostra Coletiva
Lúcia Maria Alves de Sousa. Em 1922 ela teve Internacional Philadelphia, na Filadélfia, essa
sua segunda filha, Maise Alves de Sousa. foi sua primeira exposição. Aos 47 anos, em
1941 a artista participa de sua primeira indivi-
Após 9 anos de casamento, Maria rom- dual, Maria no Corcoran Gallery, em Washing-
pe o matrimônio, e se muda com as duas ton, a capa do catálogo é ilustrada com o perfil
filhas para Paris, e inicia um novo relaciona- dela desenhado pelo amigo e pintor Cândido
mento com Carlos Martins, que depois de al- Portinari . Nesta primeira exposição solo fo-
guns anos se torna Embaixador. ram apresentadas 18 esculturas figurativas em
diversos suportes, como madeiras nativas do
Em 1926, ela se casa com Carlos se-
Brasil, gesso, terracota e bronze.
gundo as leis francesas, pois isso no Bra-
sil ainda não era possível, com isso adota Maria aluga um apartamento em Nova
o nome Maria Martins. O casamento do ca- Iorque, em 1942, onde monta o seu ateliê. No
sal foi marcado por inúmeras acusações de mesmo ano, estuda com o escultor lituano Ja-
adultério tanto da parte de Maria como da cques Lipchitz e em seguida faz outra Mostra
de Carlos, mas isso não aparentava abalar a Individual, Sculptures by Maria, dado o curto in-
relação construída e que deveria ser mantida, tervalo de cinco meses entre as duas primeiras
pelo cargo dele, pelos dois. O amante mais exposições, as obras eram quase as mesmas.
conhecido e duradouro de Maria foi o artista Neste mesmo ano, participa de uma
Marcel Duchamp , com quem teve um longo e coletiva, Hommage Fait Rodin, na Buchholz
apaixonado romance até quase o final de sua Gallery, Nova Iorque. Com essa participação,
vida. No mesmo ano de seu casamento, teve Maria entra em contato com grandes artistas
sua primeira filha, mas acabou falecendo. No europeus como Michel Tapié , André Masson ,
ano de 1928 nasce a segunda filha do casal, Yves Tanguy , Amédée Ozenfant , Max Ernst ,
Nora Yolanda Henriqueta. Dois anos mais tar- Brancusi e Marcel Duchamp com quem viria a
de, nasce Anna Maria, terceira filha do casal. manter um longo e intenso affaire, ou seja, ela
estava cercada pelas Vanguardas da época.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 119
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Marco importante em sua carreira e ob- Na fase final de sua vida ela publicou
jeto do estudo desse trabalho aconteceu em três livros (Ásia maior: o planeta China, 1958.
1943 no dia 22 de Maio e 10 de abril de 1944, Editora/Publisher Civilização Brasileira, Rio de
na Valentine Gallery, em Nova Iorque. Ocorreu a janeiro – Ásia Maior: Brama, Gandhi e Nehru,
individual mais importante de sua vida, chama- 1961 Editora/ Publisher Civilização Brasileira,
da Maria: New Sculptures e simultaneamente a Rio de Janeiro – Deuses Malditos I – Nietzs-
do artista Mondrian, Mondrian: New Paintings. che, 1965 Editora / Publisher Civilização Bra-
sileira Rio de Janeiro). E passou a colaborar
Na noite da vernissage, Maria lança o
com o jornal Correio da Manhã, assinando o
livro Amazônia, que também faz parte do nos-
que chamou de “Páginas de um livro de me-
so estudo, com tiragem de quinhentos exem-
mórias”, sob o Título de Poeira da Vida.
plares, no livro estão oito escultura em bronze
Amazônia, Yara, Yacy, Boto, Boiúna, Aioka, MOVIMENTO SURREALISTA
Cobra Grande, Yemanjá, com releitura desses
mitos e lendas escritos em inglês pela própria O movimento surgiu na França na déca-
Maria. da de 1920. Esse movimento foi influenciado
pelas teses psicanalíticas de Sigmund Freud
No ano de 1950, Maria realiza a sua pri- , que consiste em mostrar a importância do
meira exposição em solo brasileiro, a mostra inconsciente na criatividade do ser humano.
individual Maria: Esculturas, no MAM-SP. Um De acordo com Freud, o homem deve libertar
ano depois, participa como artista brasileira sua mente da lógica imposta pelos padrões
convidada da 1º Bienal de São Paulo, ao lado comportamentais e morais estabelecidos pela
de Bruno Giorgi Candido Portinari, Emiliano sociedade e dar vazão aos sonhos e as infor-
D. Cavalcanti , Lasar Segall , Lírio Abramo , mações do inconsciente.
Oswaldo Goeldi e Victor Brecheret . A parti-
cipação de Maria na 1º Bienal se restringe à Contudo o termo Surrealista foi cunhado
exposição de suas obras. A sua amizade com por André Breton , quando o mesmo escreveu
o presidente Getúlio Vargas foi essencial para o Manifesto Surrealista em 1924, para ele tra-
a concretização da mostra. tava-se de “resolver a contradição até agora
vigente entre sonho e realidade pela criação de
Em 1952, o MAM do Rio de Janeiro ga- uma realidade absoluta, uma supra-realidade”.
nha um terreno no Aterro do Flamengo onde
seria construída a sua sede atual, Maria com- O texto se relaciona diretamente com a
põem o grupo de fundadores do MAM RJ. obra de Freud e da psicanálise, exaltando a
importância do onírico, do irracional e do in-
Participa da 3º Bienal de São Paulo, nos consciente, permitindo-lhes explorar nas artes
anos de 1955, com as obras “A soma dos o imaginário e os impulsos ocultos da men-
nossos dias” e ganha o Grande Prémio de te. A postura anti-racionalista do surrealismo
Escultura Nacional – Prêmio Regulamentar de o coloca em oposição direta às tendências
Escultura Nacional. construtivistas e formalistas que floresceram
Depois de seu retorno ao Brasil, Ma- no campo das Artes na Europa após a Primei-
ria Martins realizou apenas três exposições ra Guerra Mundial, 1914-1918. Os principais
individuais, duas em 1950 e uma em 1956. conceitos do movimento são: ausência da ló-
Desde esta última até sua morte ,em 1973, gica, adoção de uma realidade “maravilhosa”
não realizou mais nenhuma mostra individual. e a exaltação da liberdade de criação. Um
Enquanto sua produção plástica foi diminuin- pequeno trecho do manifesto escrito por Bre-
do a produção escrita aumentava. ton, explica melhor essa supra-realidade ou
surrealidade:
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 120
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Acredito na resolução futura destas con- DIFERENÇA ENTRE MITO E LENDA


dições aparentemente contraditórias de
sonho e realidade numa espécie de rea- Existem muitas controvérsias sobre as
lidade absoluta, se assim se pode dizer: diferenças entre mitos e lendas. Por muito
surrealidade. Após a conquista aspiro a
certeza de não alcançá-los, também des-
tempo os sábios que tratavam da mitologia
preocupado com minha morte, no entan- grega colocavam tudo sob o mesmo nome,
to, para não pesar pelo menos as alegrias todas as tradições que não pertenciam à his-
de tal posse tória.
O surrealismo apresenta-se não somen- Para o Folclorista Inami Custódio Pinto
te como um movimento artístico, mas como , resumidamente as diferenças entre mito e
uma crítica cultural mais ampla, que não está lenda se dão da seguinte forma: se você tiver
somente nas artes, mas nos modelos cultu- uma narrativa em torno de um fato histórico
rais, passados e presentes. Na contestação ou real a respeito do qual a imaginação cria
desses valores eles utilizavam diferentes coisas não reais, terá uma lenda. Por exem-
meios como canais de expressão – revistas, plo: o Padre Cícero é uma pessoa histórica,
manifestos, exposições, mobilizam diferentes mas se forem criadas narrativas não verdadei-
modalidades artísticas como escultura, litera- ras sobre ele, serão chamadas lendas. Pelo
tura, pintura, fotografia, artes gráficas e cine- contrário, a narrativa que é pura imaginação e
ma. sem correspondência com o real ou histórico
é chamada mito. Neste contexto, as narrati-
Esse movimento conquistou muitos
vas sobre a Iara, Cobra Grande entre outras
adeptos em diversas linguagens. Na literatura
podem ser entendidas como mitos pois, eles
temos, além de Breton, Louis Aragon , Phili-
não são personagens comprovados cientifi-
ppe Soupault , Georges Bataille , Michel Leiris
camente.
, Max Jacob entre outros. Nas artes plásticas,
René Magritte , André Masson, Joan Miró , O MITO
Salvador Dali , Maria Martins e outros. Na fo-
tografia, Man Ray , Dora Maar , Brassaï . No São considerados narrativas utilizadas
cinema, Luis Buñuel . para explicar fatos da realidade e fenômenos
da natureza, as origens do mundo e do ho-
Observamos certos temas que são mem, que não eram compreendidos por eles.
recorrentes para os surrealistas, como por Os mitos se utilizam de muita simbologia, per-
exemplo, o sexo e o erotismo; corpo, suas sonagens sobrenaturais, deuses e heróis.
mutilações e metamorfoses; a violência, a dor
e a loucura; as civilizações primitivas, apenas Um mito também pode ter a função de
para exemplificar alguns temas. manifestar alguma coisa ou de explicar os
temas desconhecidos e tornar conhecido ao
Tendo como base os princípios do mo- Homem. Os mitos têm caráter simbólico ou
vimento, os artistas da época contestavam explicativo, procuram explicar a origem do ho-
o próprio mundo para criar belas artes, um mem e de seus interesses por meio de perso-
mundo melhor. Até hoje o movimento influen- nagens sobrenaturais, explicando através de
cia muitos artistas. suas histórias.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 121


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O MITO E O SURREALISMO Este conjunto de esculturas é um gran-


de marco na obra dela, pois marca uma mu-
Na seção anterior que retratava o sur- dança decisiva na concepção formal dos tra-
realismo, observamos que os preceitos bási- balhos. Se nas duas exposições anteriores,
cos do movimento que consiste em mostrar suas peças tendiam a uma representação
a importância do inconsciente na criatividade mais tradicional e figurativa da figura huma-
do ser humano, e que o homem deve libertar na, com contornos definidos, mesmo quando
sua mente da lógica imposta pelos padrões já explorando temas brasileiros como Samba,
comportamentais e morais estabelecidos pela Macumba e Yara, agora suas personagens,
sociedade e dar vazão aos sonhos e as infor- embora ainda reconhecíveis, se fundem a um
mações do inconsciente, adotando uma reali- emaranhado de folhas e galhos de uma flo-
dade “maravilhosa” e a exaltação da liberda- resta tropical.
de de criação, fica fácil perceber o quanto os
mitos fizeram parte da temática surrealista. Foi justamente por essa aproximação
do homem à natureza, tão importante para o
Se eles, os mitos, são os relatos de que surrealismo, que André Breton se encantou
o homem é capaz de criar e fantasiar histórias pelas oito esculturas quando as viu na mos-
sobre fatos que fogem da sua explicação, ou tra de 1943. No texto que produziu sobre a
pelo simples fato de criar história para recon- artista para o catálogo da exposição na Julien
tar situações e transmitir para o maior número Levy Gallery, em Nova Iorque, quatro anos
de pessoas. Vemos como o movimento sur- mais tarde, anotou:
realista casa perfeitamente com a temática
Percebe-se facilmente que o que a distin-
mitológica, que foi tão bem empregada por gue de todos os outros é o contato que,
Maria Martins na série Amazônia. em todas as peças, ela restabelece entre
MARIA: NEW SCULPTURES o homem e a terra (em nossos dias, pelo
menos em todas as grandes aglomera-
Em 22 de março de 1943, na Valentine ções humanas, esse contato se perdeu),
é o perpétuo recurso que ela impõe às
Gallery, em Nova Iorque. Maria: New Sculp- fontes vitais (do espírito bem como do
tures, exposição individual de Maria Martins, corpo), que residem na natureza, é o cui-
dividia o espaço da galeria com Mondrian: dado constante de buscar o psicológico
New Painting, exposição do abstracionista ho- sobre o cosmológico, por oposição à ten-
landês Piet Mondrian (1872-1944. dência contrária que comumente domina
e engaja a humanidade numa via de sofis-
À linhas verticais e horizontais, coloridas mas cada vez mais perigosos (BRETON,
e fragmentadas, de Mondrian, contrapunha André. Le surréalisme ET La peinture. Pa-
com as escuras formas enredadas de Maria, ris: Gallimard, 2002, p. 409).
era a Amazônia que ela buscava retratar nesta Em texto para primeira mostra de Maria
mostra, não só em imagens, mas também em Martins no Brasil, em 1950, Benjamin Péret
palavras: para acompanhar a exibição das pe- faria eco a Breton: “Nada evoca tanto as men-
ças, preparou um catálogo, em inglês, no qual sagens da natureza quanto a obra de Maria;
narra brevemente os mitos que envolviam as não que entre uma e outra se possa impor
oito personagens apresentadas: Amazônia, uma filiação direta, mas, sobretudo, porque
Cobra Grande, Boiuna, Yara, Yemanjá, Aioká, ela age sobre a matéria um pouco como a
Iacy e Boto. Todos os breves relatos escritos própria natureza” (Benjamin Péret, em texto
pela própria Maria. para o catálogo da exposição de Maria Mar-
tins no Museu de Artes Moderna de São Pau-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 122


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

lo, em 1950. Reproduzido em Maria Martins. tesse e deixasse um negativo. Este negativo
São Paulo: Fundação Maria Luisa e Oscar era preenchido com bronze. Em entrevista a
Americano, 1997,p.31.) Acrescentaria ainda Clarice Lispector , ela disse: “você vê a coisa
“Maria [...] tende a provocar a natureza, a es- mais linda do mundo: o bronze líquido como
timular nela novas metamorfoses, cruzando o uma chama e que toma a forma que a cera
cipó com o monstro lendário de onde ela pro- deixou”.
vém, a pedra com o pássaro fóssil que dela
O processo de moldagem da cera per-
se evade” (PÉRET, Benjamin, op. Cii., p.31).
dida permitia a ela uma maior maleabilidade,
É importante ressaltar que a série que nas palavras da própria artista: “você vai ao
dá uma guinada na concepção formal de Ma- infinito porque não tem limites” (Maria Martins
ria Martins tenha como tema a selva amazô- em entrevista a Clarice LISPECTOR. In: De
nica, que ela nunca conheceu. Maria entende corpo e alma. São Paulo: Siciliano,1992, p.
a selva amazônica como uma terra em per- 83).
pétua formação e transformação, como lugar
Para a mesma, era como se estivesse
metamórfico por excelência.
trabalhando com o barro, isso era o que a
Geraldo Ferraz , na morte da artista, es- agradava, justamente a falta de rigidez do ma-
creveu: “Para os que não quiserem ver – e eu terial, as inúmeras possibilidades de molda-
fui um deles – a escultura de Maria Martins gem que a cera oferecia.
deve ser considerada a ilustração última de
A partir da série Amazônia, a figura hu-
um movimento que Tarsila timidamente co-
mana começa a se integrar cada vez mais à
locou na sua pintura antropofágica”. E com-
natureza, confundindo-se com esta e, em últi-
pletava: “Maria Martins era pois surrealista,
ma instância, metamorfoseando nela. É para
mas era também um tardio produto desse lim-
esse processo que chama atenção Jayme
bo em que a Cobra Norato e a Antropofagia
Maurício , quando escreve sobre a artista: “O
emergiram, em magia e libertação frenética
vegetal e o humano eram, para ela, irmão: um
vital, e nossa...” (FERRAZ). “Maria Martins,
braço, um galho, um abraço.
apenas uma escultora” (A Tribuna, Santos, 8
abr. 1973, p. 4). Maria Martins esculpia a própria fusão
da seiva vegetal com o sangue animal, a veia-
Para Maria, a mudança formal coincide
-veio da digestão universal exacerbada”. Por
com uma alteração no material e na técnica
isso que, segundo ele, “para os surrealistas,
empregada em suas obras. Em suas duas pri-
ela sempre constituiu o veio telúrico, força da
meiras mostras, os materiais mais recorrentes
terra, a circulação do meio vital através das
das esculturas expostas eram a terracota e as
esculturas mais diversas”. (Maurício, Jayme.
madeiras brasileiras, como jacarandá, imbuia
“Maria:arte + vida = um galho, um braço, um
e mogno.
abraço'' (Correio da Manhã, 1º ABR. 1973).
Poucas foram as peças em bronze, ma-
terial com o qual passaria a trabalhar depois
de 1941. As oito esculturas da série Amazô-
nia foram moldadas em cera perdida. Por este
processo, Maria misturava a cera de abelha
com um pouco de gordura e, com isso, ela-
borava seus objetos. Depois de moldados,
recobria a cera com silicone e gesso, e levava
ao forno, para que a cera do interior derre-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 123
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ALGUMAS OBRAS DA AMAZÔNIA DE Este texto mostra uma afinidade com a


MARIA vertente antropofágica do modernismo e com
o apelo primitivista de poemas como Cobra
Abaixo veremos alguns trechos traduzi- Norato (1931) de Raul Bopp , mito ao qual
dos dos poemas em prosa do Catálogo “Ama- Maria Martins oferece uma versão neste texto.
zônia” desenvolvido por Maria Martins para a
exposição Maria: New Sculptures. Poderemos No caso do livro de Bopp, a busca pela
observar os aspectos míticos, crenças e mi- filha da rainha Luzia impulsiona o trajeto da
tos da Amazônia, incluindo os ritos, as mani- serpente pela floresta, quebrando os galhos
festações do inconsciente e do automatismo para abrir passagem, contemplando as folhas
expressivo que estão resumidos nesta série. secas engolidas pela terra úmida, para dar
O catálogo originalmente contou com a apre- nova vida à vegetação. Por sua vez, “Ama-
sentação de Jorge Zarur, do Instituto Histórico zônia” sugere que a floresta seja incessante-
e Geográfico Brasileiro e teve uma tiragem de mente recriada graças ao encontro entre uma
apenas 500 exemplares. Maria distribuiu exem- mulher e uma serpente.
plares apenas entre seus amigos, funcionários YEMANJÁ
de museus e possíveis colecionadores.
Divindade africana, das religiões Can-
AMAZÔNIA domblé e Umbanda. O seu nome tem origem
Nada melhor do que o próprio texto que nos termos do idioma Yorubá “Yèyé omo ejá”,
Maria fez para o catálogo para começar a en- que significa “Mãe cujos filhos são como pei-
tender um pouco melhor o mundo fantasioso xes”, Iemanjá é a padroeira dos pescadores.
que a própria criou ao falar da Amazônia: No sincretismo religioso, Iemanjá cor-
Todos os anos, para que a floresta possa responde a Nossa Senhora dos Navegantes,
prosperar com toda a sua força e exu- Nossa Senhora da Conceição, Nossa Senho-
berante beleza, o Rio deve se unir à Ter- ra das Candeias, Nossa Senhora da Piedade
ra. Este casamento se realiza graças ao e Virgem Maria. Mas agora vejamos a releitura
encontro de uma mulher com uma ser-
pente. A serpente parte das profundezas
que Maria fez dessa emblemática figura das
do riacho e segue à procura da sonhada tradições brasileiras:
mulher. Dia e noite, ondulando-se através Ela governa os oceanos, todos os mares
da selva, partindo as robustas cordas das lhe pertencem. Iemanjá poderia ter vivi-
trepadeiras, emaranhando-se nos seus do no Mediterrâneo, no Oceano Índico,
laços tortuosos, derrotando os animais, em qualquer lugar de que gostasse, mas
enlouquecendo os pássaros, desliza pela escolheu o Brasil. Lá ela passa os seus
floresta, até encontrar a mulher escolhida. dias oscilando da Bahia ao Amazonas.
Ela sempre é a mais bela entre as belas Nas noites claras, ela surge das águas
morenas do crepúsculo dourado dessas para examinar o seu reino, porque ela
matas. Cobra Norato a tornará a Rainha ama a lua e porque, sendo uma mulher,
do Amazonas. Ela se veste com os seus sabe que o seu cabelo lustroso, alga de
trajes mais finos, se enfeita com as suas todos os oceanos, é ainda mais belo sob
jóias mais raras e se entrega ao Agora o feitiço da lua, transformando as águas
a floresta viverá por mais um ano, mais em prata e seduzindo o mais forte dos
forte, mais misteriosa, mais brilhante e homens. A sua história é longa. Certa vez
mais sombria, guardando no interior do Iemanjá amou Aganju, o Deus da terra.
seu seio virgem as secretas riquezas co- Do amor deles nasceu Orungan, que se
biçadas pelos homens (MARTINS, “Ama- tornou o rei de tudo que existe entre o céu
zônia”, Valentine Gallery, New York, mar, e a terra. Orungan parte para observar
1943). o mundo, viaja sobre a terra e conhece
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 124
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

todas as mulheres –exceto uma. Ela é a BOIÚNA


única mulher proibida para ele e apenas
ela atormenta os seus sonhos e assombra A Boiúna é uma cobra gigantesca que
a sua imaginação. Ele retorna e quão mais vive no fundo dos rios, lagos e igarapés da
bela se encontra do que havia sonhado. Amazônia. Diz a lenda tradicional que essa
Ele já não pode mais resistir. Impotente,
cobra tem um corpo tão brilhante que é capaz
ela se rende. Iemanjá escapa. Lacerada
de volúpia e dor, os seus seios maravilho- de refletir o lugar. Seus olhos irradiam uma luz
sos explodem até transbordarem. E de- poderosa a qual atrai os pescadores que se
les nasce o mar. Nas profundezas mais aproximam pensando se tratar de um barco
distantes das águas, Iemanjá mergulha, grande. Mas quando se aproximam acabam
para ali esconder o seu pesar, a sua ver- virando seu alimento. Dizem que a Boiúna
gonha, a sua beleza. É assim que se tor- pode se transformar nas mais disparatadas
nou, eternamente, mãe e noiva em uma. figuras: navios, vapores e canoa, para enga-
Todos os homens do mar lhe pertencem nar e engolir as pessoas. Sua lenda faz parte
e um dia ela irá. Que importa o quanto
do ciclo mítico de “como surgiu a noite”. Na
espere? – ela sabe que no fim todos eles
serão seus. Durante as suas vidas, os ob- interpretação de Maria segue o texto que a
serva, protege-os, embala-os, canta-lhes própria realizou:
canções de esquecimento. Porém, para Quando, na noite escura tropical da Ama-
cada um deles, na hora marcada, Ieman- zônia, o silêncio é partido por um uivo
já estará lá. Então ela os traz para perto que faz com que o cabelo fique em pé e
de si, para sempre deles – esses novos a carne se arrepie é a Boiúna que retorna
amores que renovam a sua vida e mais – a serpente monstruosa, o espírito do
uma vez revivem o seu cruel destino de mal. A voz aterrorizante domina a floresta,
noiva e mãe. O vagaroso subir e descer deixando os mortais cravados no mesmo
das ondas é a sutil cadência do corpo lugar. O guincho desolador chega cada
sensual de Iemanjá, a sua magia podero- vez mais perto. É a Boiúna em suas ron-
sa. O despertar prateado das águas sob das proféticas, matando os homens – a
os raios da lua é o cabelo brilhante de Ie- Boiúna com suas incontáveis bocas su-
manjá, a alga de todos os oceanos. Para gando-lhes o sangue, esgotando-lhes as
possuí-la, para chegar até ela mais rápido, forças. A Boiúna, o espectro de cada gozo
para tocar os seus seios, pesados com o proibido, de cada êxtase roubado. A vin-
amor proibido, quantos pescadores, quan- gança dos Deuses! À meia noite ela vem
tos marinheiros atiraram-se ao mar, excita- silenciosamente em sua galé de prata.
dos por um desejo inimaginável! Deusa a Esse barco é feito da pilhagem de milha-
quem apenas os mortos podem observar, res de funerais, dos farrapos e mortalhas
Iemanjá é o desespero das mulheres, e o de milhares de seres. A prata é somente
consolo e a luz dos homens que navegam a luz pálida das inúmeras velas funerárias
nas águas equatoriais do Norte do Brasil que cercam o barco com uma auréola ar-
(MARTINS, Maria (AMAZÔNIA, Valentine gente. Ninguém jamais se aproximou da
Gallery, New York, mar, 1943). Boiúna. Nenhum barco, nem mesmo o
mais rápido, jamais a alcançou. Comple-
Maria se apropria de um mito brasileiro
tada a sombria colheita, a Boiúna parte,
e lhe dá a sua interpretação, tanto escrita, deixando os povos ribeirinhos abatidos
quanto plasticamente. com o terror, trêmulos de febre e, em de-
lírio, revivendo apaixonadamente os seus
ritos voluptuosos, nos quais irão cair no-
vamente e que os levarão, na próxima vez,
à galé de prata (MARTINS, Maria. “Ama-
zônia”, Valentine Gallery, New York, mar,
1943).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 125


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

YACY do firmamento. Porém, ali o sol a descobre


e, atraído por sua frágil beleza, recomeça a
Após inúmeras pesquisas sobre este perseguição eterna. Pobre estrela pálida e ta-
conto, acredito que o mesmo seja uma criação tuada, Iaci está condenada a prosseguir com
de Maria, não encontrando outros similares no o seu voo – a partir do amor que a torturou,
folclore brasileiro. Busquei o nome em vários da luz que a encontrou, do calor, que sendo
vida, lhe trouxe a morte. Alas! Iaci persegue
contos, mas todos muitos diferentes uns dos
o esquecimento em vão. A nostalgia da ter-
outros e se parentescos com o texto de Maria: ra é demasiado forte, ela não pode resistir e
Naquela época, somente o sol e a lua traça- regressa, através da luz de uma lua de amor.
ram a passagem do dia para a noite. Naque- Regressa e contempla mais uma vez a sua
la época, Iaci era a virgem mais fascinante floresta gloriosa, o fogo à margem do riacho,
das matas da Amazônia. Filha de um po- o índio tatuado que espera por ela, sonha
deroso Pajé, apaixonou-se loucamente por com ela e vive somente para ela. E Iaci dança
um mero guerreiro de sua tribo. O Pajé vivia por longas horas sob as árvores opulentas,
nas profundezas da floresta, em uma taba abraça o seu amante e faz com que ele vibre
enfeitada com as flores mais raras e com novamente de amor. E dança e dança até que
as penas dos pássaros mais brilhantes da o sol retorna em busca de sua estrela. Então,
Amazônia. Nela, Iaci viveu os seus dias em
Iaci parte mais uma vez em sua jornada eter-
sonhos, esperando pela noite generosa em
que iria juntar-se ao seu índio novamente.
na de libertação” (MARTINS, Maria. “Amazô-
Em uma hamaca coberta e amarrada com nia”, Valentine Gallery, New York, mar, 1943).
o amor, ela se deitava ao lado dele através
das profundas horas líquidas, até que o sol
COBRA GRANDE
cruel se aproximasse para acordar a floresta.
Então, ela fugia e nadava pelas águas perfu-
Muito conhecida no folclore amazônico,
madas do Rio. O índio, como um desvairado, a lenda da Cobra Grande, conta a história de
passava cada momento do seu dia em bus- uma cobra que cresce de forma gigantesca,
ca do seu amor desconhecido. Para ele, Iaci abandonando a floresta para habitar a parte
era o mistério que transcendia os muitos mis- profunda dos rios.
térios dessas noites escuras e úmidas dos
trópicos, quando até mesmo o ar conserva Ao rastejar pela terra firme, os sulcos
o toque aveludado de uma longa carícia. Um que deixa se transformam nos igarapés. Na
dia, consternado pelo enigma, com a perfídia
natural aos homens, ele recorreu a uma es-
percepção de Maria, a Cobra Grande não era
tratégia: manchou os seus lábios e as suas apenas um ser monstruoso como podemos
mãos com o corante indelével que os índios observar a seguir no trecho do poema em
utilizam para tatuarem-se. O artifício teve êxi- prosa que escreveu:
to.Iaci veio. E naquela noite a maravilhosa
viagem foi ainda mais maravilhosa. Muito em Ela mora no fundo do rio num palácio ador-
breve o sol ameaçou a floresta com o seu nado com pedras preciosas e adornado
fogo. Lentamente, Iaci desvencilhou-se dos por flores raras. De lá ela governa a flo-
braços do seu guerreiro e fugiu em direção resta e dita as regras para os outros deu-
ao Rio. As águas macias envolveram-na em ses. Ela é a deusa que manda a noite para
tristes carícias. Descobriu, então, a façanha o mundo de modo que a luz do dia não
infame do índio. machuque seus olhos quando visitar seu
reinado, o imenso e desconhecido mundo
Ela chorou e chamou por Tupã e por da Amazônia. Ela tem a crueldade de um
todos os Deuses, lhes implorou por vingan- monstro e a doçura de uma fruta selvagem.
ça e que a salvassem. Realizou-se um mila- Os deuses tremem ante ela e os mortais
gre. As próprias estrelas se comoveram em lhe fazem reverências. E ela continua viver
lágrimas, teceram com as suas lágrimas lu- tranquila no fundo do seu amado rio [...].
minosas uma escadaria incandescente. Iaci (MARTINS, Maria. “Amazônia”, Valentine
escapa, e escala, escala até a abóbada negra Gallery, New York, mar, 1943.)
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 126
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

BOTO Ela costuma atrair os homens com o


seu belo e irresistível canto, que ecoa pelas
A lenda tradicional do boto, conta que águas e florestas da região. As vítimas cos-
em dias de festas, um boto cor-de-rosa sai tumam seguir Iara até o fundo dos rios, local
dos rios nas primeiras horas da noite, e se de onde nunca mais voltam, os poços que
transforma em um lindo jovem vestido de rou- conseguem voltar acabam ficando loucos por
pas brancas, ele usa um chapéu branco para
causa dos encantamentos da sereia. Para Ma-
disfarçar as feições abrutalhadas. Ele possui
ria Martins como podemos observar no texto
um jeito galanteador e falante, dança, bebe
abaixo Iara está em uma procura alucinante
e se aproxima das moças jovens e solteiras,
para seduzi-las. Depois as convencem para e perigosa pelo amor:
lhe acompanhar em um passeio perto do rio, Iara está apaixonada pelo amor. Ela é a
e acaba engravidando as moças. Na manhã sereia do Amazonas. Não importa o quão
seguinte volta a se transformar em boto no- distante o amor esteja, Iara canta o seu
vamente. Maria Acaba levantando a mesma canto de sedução. Embora perdido de
amor por uma mortal, o amante ouve a
temática do homem sedutor em seu poema,
canção e escuta Iara. Ai dele se a escu-
como podemos observar: ta duas vezes! Ele é conduzido, então, a
Como qualquer Don Juan, o Boto, não buscá-la. Ele a procura. Lá está ela: em
é inteligente, forte ou até mesmo bonito. pé à frente do Rio imenso, sobre uma Vi-
Mas ele sabe como falar com cada mu- tória Régia, o lótus carmim do Amazonas.
lher em especial. Ele diz a ela o que ela Ela é tão branca que reluz o reflexo verde
quer ouvir, ele traz os sonhos que ela quer das folhas. Os seus olhos de esmeralda
sonhar. Ele faz promessas que ela quer carregam a transparência e a perfídia das
que lhe sejam feitas. Don Juan é a quinta águas. O seu cabelo loiro-esverdeado a
essência do homem dissimulado ardiloso envolve com uma sedução diferente. Ele
e traiçoeiro pérfido homem e doce. Ele a não pode resistir – escutou bem demais
persuade de forma que ele seja o fim da o canto de tentação de Iara. Iara ofere-
solidão que a tortura, ele é forte o sufi- ce-lhe uma flor e o beijo da morte. Ele
ciente para ser seu escravo e senhor, que desaparece com ela no riacho. Seguem
para ela é o começo e o fim. [...] Com um juntos o curso das águas – um caminho
riso vulgar ele volta a ser como era antes ora calmo, ora tempestuoso – até o mo-
um peixe sem cor e desaparece no Rio. mento em que surge um novo amor, não
Onde está a jangada mágica, onde estão importa onde no mundo imenso, e Iara
as flores, e as promessas? Onde está o retorna e aniquila outro mortal que não
Amor? Cunhatã, Cunhatã! Tome cuidado consegue resistir à tentação da assassi-
[...], (MARTINS, Maria. “Amazônia”, Valen- na – Iara (MARTINS, Maria. “Amazônia”,
tine Gallery, New York, mar, 1943). Valentine Gallery, New York, mar, 1943).
YARA
Iara é uma personagem muito conhecida
do folclore brasileiro. De acordo com a lenda,
de origem indígena, Iara é uma linda sereia, ou
seja, corpo de mulher da cintura para cima e
de peixe da cintura para baixo, morena de ca-
belos negros e olhos castanhos. A lenda conta
que ela vive nos rios, passa grande parte do
tempo admirando sua beleza no reflexo das
águas, brincando com os peixes e penteando
o seu cabelo com um pente de ouro.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 127


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo teve como objetivo, explicar como surgiu a formação da Amazônia
Surrealista criada por Maria Martins.A premissa deste trabalho foi dar o devido valor a essa
artista que tanto fez mundialmente para a representatividade da arte brasileira.
Conviveu com grandes artistas da história da arte, estava cercada de grandes nomes
das vanguardas mundiais da época e de personalidades brasileiras e internacionais. Contudo
criou uma série de obras que reafirmou para todos a sua identidade brasileira.
A artista em questão nos deixou um legado artístico e de vida muito rico para pesquisa.
Ela se engajou na realização das Bienais de Arte no Brasil e na criação do Museu de Arte
Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), impulsionando assim, a arte em nosso país. Esse le-
gado que ela nos deixou, faz parte de nossas vidas, estudantes e apreciadores da arte, e que
lutamos para ser espaços acessíveis para todos.
Neste trabalho, não foram englobados os diversos trabalhos da artista, foi realizado ape-
nas um recorte de sua obra, um recorte que eu julgo ser uma grande ruptura em sua carreira
e grande marco que a faz se destacar de outros artistas da época.
Com a exposição Maria: New Sculptures, ela conseguiu resgatar e auto-afirmar uma
identidade brasileira na arte mundial e atingir a veia do surrealismo com a reinterpretação e
apropriação dos mitos tão caros para eles. E conseguir ser coroada uma surrealista pelo pró-
prio André Breton, escritor do manifesto, não é para qualquer um, eu acredito que tais feitos
não podem ser deixados de lado e não podemos permitir que caiam no esquecimento.
Foi realizado uma grande exposição das obras de Maria Martins no Museu de Arte
Moderna de São Paulo (MAM –SP) no ano de 2013, que se chamava “Maria Martins: Meta-
morfoses”, com curadoria de Veronica Stigger , que percorria todos os períodos de criação
da artista, tanto plástico quanto escrito. Isso fez com que, de lá para cá, o nome da artista
voltasse para os círculos de discussão do mundo da Arte.
Portanto concluo este artigo, comprovando que a artista foi de suma importância para
a arte brasileira, além de uma grande mulher, muito à frente de seu tempo, mas que mesmo
enfrentando uma sociedade patriarcal conseguiu marcar o seu nome na história.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 128


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
AMAZÔNIA; by Maria, Valentine Gallery, New York Março 1943.

BRETON, André. Manifesto Surrealista. São Paulo, Brasiliense, 1985.

CALLADO, Ana Arruda. Maria Martins, Uma Biografia. Rio de janeiro, Gryphus, 2004.

CASCUDO, Luís da Câmara. Lendas Brasileiras. Rio de Janeiro, Cattleya Alba, 1945.

CURY, Constantino. Dicionário de Artistas Plásticos Brasileiros. São Paulo, Cury Arte Brasil, 2005.

FER, Briony, BATCHELOR, David, WOOD, Paul. Realismo, Racionalismo, 2007.

SURREALISMO: A Arte no Entre-Guerras, São Paulo, Cosac & Naify Edições, 1998.

GOMBRICH, E H. A História da Arte. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1985.

KRAUSS, Rosalind E. Caminhos da Escultura Moderna. São Paulo, Martins Fontes, 1998.

PERLINGEIRO, Max. Escultores/Esculturas. São Paulo, Edições Pinakotheke, 2003.

RAMPAZZO, Lino. Metodologia Científica. São Paulo: Loyola, 2003.

RAMOS,Graça.Maria Martins:escultora dos Trópicos/texto Graça Ramos; Introdução Paulo Herkenhoff-Rio de Ja-
neiro: Artviva, 2009.

ROCHA, Everaldo. O que é o Mito. São Paulo, Brasiliense, 1996.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 129


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade


Bandeirante de São Paulo (2009); Especialista
Licenciatura em Artes Visuais pela Faculdade
de Educação Paulistana (2020); Professora de
Educação Infantil – no CEI (Direta) Pres. Juscelino
Kubitschek Oliveira.

CAROLINE
DE SOUZA FARIA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 130
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE ARTES VISUAIS NA


EDUCAÇÃO INFANTIL

RESUMO: Esse trabalho tem como objetivo mostrar a importância das artes visuais na educação
infantil e no desenvolvimento da criança, levando assim os educadores da infância a repensarem
suas práticas e metodologias. As artes visuais contribuem para o desenvolvimento da imaginação,
percepção, da intuição, da cognição, além de ser uma importante forma de expressar emoções e
sentimentos e visão de mundo entre tantos outros benefícios que poderiam ser citados, devendo
as práticas metodológicas estimular a criatividade natural da criança, levando- a experimentar
diferentes técnicas, resgatando a importância da expressão artística do aluno. Conclui-se assim
que as artes visuais são uma importante forma de linguagem na primeira infância, sendo relevante
o estudo da temática para que a prática em sala seja utilizada de forma contextualizada.

Palavras-chave: Artes Visuais; Criança; Educação Infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 131


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
s artes visuais estão presentes no dia a dia das crianças desde muito cedo, nas
cores e figuras de uma parede, em um quadro, nas ruas, em casa, nos brinque-
dos, ou seja, no cotidiano, ainda que não percebam e a escola e os professores
devem atentar-se para a arte como meio de aprendizagem e como área de conhecimento.
No entanto, no ambiente escolar ainda é vista como apenas divertimento, passatempo,
quando na verdade as artes visuais e suas linguagens ampliam as potencialidades infantis e
contribuem muito para o desenvolvimento na educação infantil.
Promover arte na educação é possibilitar, é dar liberdade, mas estar atento a reação da
criança durante as atividades, observando o processo como recurso, explorando os poten-
ciais de criação para que esta venha a contribuir na aprendizagem, valorizando-se o fazer da
criança, dando importância à capacidade que ela tem de criar.
Quando a criança realiza atividades de expressão artística como pintar e desenhar, ex-
pressa emoções e sensações que quando estimuladas desde a primeira infância possibilitam
o desenvolvimento de atitudes como o senso crítico, a sensibilidade e a criatividade, além do
estímulo à criação, o aprender e o inovar.
Usar artes visuais na educação infantil é uma forma de proporcionar à criança um
aprendizado que promova a integração de aspectos essenciais ao seu desenvolvimento, como
imaginação, percepção, cognição, sensibilidade, intuição etc. Portanto, as linguagens artísticas
contribuem de forma significativa na formação da criança.
Ao utilizar as linguagens das artes visuais no cotidiano da sala de aula e produzir traba-
lhos utilizando o desenho, a pintura, à modelagem, a colagem, a construção, entre outras, e
desenvolver o gosto, o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação, o professor
pode construir, junto com seus alunos, um espaço fecundo de possibilidades de conhecimen-
tos, de vida e de sonhos, um espaço onde as crianças podem viver profundamente a sua
infância, com autonomia e criatividade, de forma ativa e responsável, contribuindo de forma
significativa na formação da criança
Dessa forma, este artigo busca trazer uma reflexão sobre as contribuições do ensino
da arte no desenvolvimento das crianças e ampliar o olhar sobre as possibilidades ao se
ensinar arte.
Como metodologia para a realização deste trabalho foi utilizado a pesquisa bibliográfi-
ca, tendo como referência os documentos oficiais que tratam do ensino de artes visuais na
educação infantil, sendo estes o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil e os
Parâmetros Curriculares Nacionais de Artes, artigos, textos e autores com renome na temática
abordada.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 132


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ENSINO DE ARTES VISUAIS NA O RCNEI sugere que o trabalho com


LEGISLAÇÃO ESCOLAR artes visuais seja uma prática diária no am-
biente escolar, propondo que:
Artes visuais é a designação dada ao
[...] as Artes Visuais devem ser concebi-
conjunto de artes que representam o mundo
das como uma linguagem que tem estru-
real ou imaginário e que tem a visão como tura e expressam, comunicam e atribuem
principal forma de avaliação e apreensão, sentido a sensações, sentimentos, pen-
como o desenho, a pintura, escultura, cerâ- samentos e realidade por meio da orga-
mica, fotografia, vídeo, produção cinemato- nização de linhas, formas, pontos, tanto
gráfica, gravura, entre tantas outras que aqui bidimensional como tridimensional, além
de volume, espaço, cor e luz na pintura,
poderiam ser citadas.
no desenho, na escultura, na gravura, na
O ensino de Arte foi incluído no currí- arquitetura, nos brinquedos, bordados,
culo escolar pela LDB de 1971, com o nome entalhes etc. (RCNEI, 1998, p. 85).
de Educação Artística, ainda como atividade O ensino das artes deve considerar
educativa e não como disciplina. três eixos de aprendizagem, o fazer artístico,
Em 1988, ano da atual Constituição Fe- a apreciação da arte, seja ela criação própria
deral, em meio a discussões sobre educação, ou de outro, e a reflexão do objeto, conforme
sofreu riscos de ser excluída do currículo es- o RCNEI:
colar, fato que levou educadores da área a Fazer artístico- centrado na exploração,
organizarem manifestações a fim de garantir expressão e comunicação de produção
a permanência do estudo das artes nas es- de trabalhos de arte por meio de práticas
artísticas, propiciando o desenvolvimento
colas.
de um percurso de criação pessoal; Apre-
Com a atual Lei de Diretrizes e Bases, a ciação-percepção do sentido que o objeto
matéria Artes foi reconhecida como disciplina, propõe, articulando-o tanto aos elementos
de linguagem visual quanto aos materiais
tendo revogadas disposições anteriores, ga- e suportes utilizados, visando desenvol-
rantindo-se desde então o ensino obrigatório ver, por meio da observação e da fruição
em todas as escolas brasileiras de educação a capacidade de construção de sentido,
básica, conforme dispõe o parágrafo 2º do reconhecimento, análise e identificação
artigo 26: "o ensino da arte constituirá com- de obras de arte e de seus produtores;
ponente curricular obrigatório, nos diversos Reflexão- considera tanto no fazer artístico
como na apreciação, é um pensar sobre
níveis da educação básica, de forma a pro- todos os conteúdos do objeto artístico
mover o desenvolvimento cultural dos alunos". que se manifesta em sala, compartilhan-
do perguntas e afirmações que a criança
Posteriormente a Lei 13.278, promul-
realiza instigada pelo professor e no con-
gada em 2016, coloca como parte essen- tato com suas próprias produções e as
cial desse cronograma tanto as artes visuais dos artistas (RCNEI, 1998, p. 89).
quanto a música, a dança e o teatro.
A criança que desde a mais tenra ida-
De acordo com os Referenciais Curricu- de tenha acesso às artes crescerá com um
lares Nacionais da Educação Infantil (RCNEI), conhecimento enriquecedor, poderá exercer
do MEC, as atividades de artes visuais na seu pensamento crítico, deixar transparecer
educação infantil envolvem desenho, pintura, a ludicidade e ter um ótimo desenvolvimento
colagem, gravura, escultura, fotografia, dese- psicomotor e geral. Conforme diz os Parâme-
nho no computador, vídeo, cinema, televisão tros Curriculares Nacionais:
e outros.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 133


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A educação em arte propicia o desen- COMO TRABALHAR AS ARTES VISUAIS


volvimento do pensamento artístico e da COM AS CRIANÇAS DA EDUCAÇÃO
percepção estética, que caracterizam um
modo próprio de ordenar e dar sentido
INFANTIL
à experiência humana: o aluno desenvol-
Nossos ancestrais já utilizavam a arte
ve sua sensibilidade, percepção e imagi-
nação, tanto ao realizar formas artísticas para se comunicarem desde a era primitiva,
quanto na ação de apreciar e conhecer através dos registros nas cavernas dos acon-
as formas produzidas por ele e pelos co- tecimentos cotidianos, consolidando assim a
legas, pela natureza e nas diferentes cul- arte como meio de comunicação e sensibi-
turas (PCN 's 2000, p. 19). lização, desenvolvida historicamente, desse
A criança na Educação Infantil precisa modo, os conhecimentos que temos em rela-
de estímulo para adquirir novos saberes e se ção a outras culturas, se dão, em sua maioria
apropriar de seus conhecimentos, sendo a através da sua arte, pois estão presentes no
linguagem visual uma forma muito importante cotidiano de forma marcante, como salienta
de expressão e comunicação. Guerra, Martins e Picosque:
A comunicação entre as pessoas e as lei-
O educador deverá incentivá-la em suas
turas do mundo não se dão apenas por
criações, valorizar suas diversas formas de meio da palavra. Muito do que se sabe
expressão e de se comunicar com o meio, sobre o pensamento e os sentimentos
pois nessa etapa a criança busca na imagi- das mais diversas pessoas, povos, paí-
nação as maneiras de se expressar, manifes- ses, épocas são conhecimentos que ob-
tando-se através do desenho, das pinturas e tivemos única e exclusivamente por meio
de suas músicas, teatro, pintura, dança,
das modelagens, tendo estes grandes signifi-
cinema, etc. (GUERRA, MARTINS E PI-
cados, “Todas as crianças têm condições de COSQUE, 1998, p. 14).
se expressar através das linguagens visuais:
cada uma do seu jeito, com seu ritmo, deixan- Quando se trata de arte, com o básico
do suas próprias marcas e, por isso, devem uma criança já consegue desenvolver seus
ter suas produções artísticas respeitadas e sistemas cognitivos, emocionais, perceptivos,
valorizadas” (BRASIL, 2006, p.33). psicomotores,

Toda produção que use a criatividade além de toda a expressão de sentimen-


como forma de realização é arte, ainda que tos: medos, frustrações, alegrias, motivações,
de forma não intencional. No entanto cabe potencialidades, entre muitos outros.
ao professor alimentar esse percurso de for- As artes visuais na educação infantil
ma intencional, auxiliando na descoberta de costumam ser deixadas em segundo plano,
novos caminhos, despertando a curiosidade, sendo abordada apenas superficialmente pe-
indagando e gerando dúvidas, instigando os los professores. É comum a realização de ati-
alunos. vidades com desenhos e tintas, no entanto,
não costumam ser contextualizadas.
A presença da dança, do teatro e da
música como ferramenta de aprendizado tam-
bém é muitíssimo importante para a aquisi-
ção do conhecimento e desenvolvimento das
crianças, sendo formas de expressão e co-
municação tão importantes quanto a oral e
a escrita.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 134
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O Referencial Curricular Nacional para apreciadas as criações infantis, ainda que pa-
Educação Infantil (1998) cita que as artes reçam apenas rabiscos.
pode ser trabalhada através de atividades
Na foto abaixo a idéia é que através da
permanentes, tais como desenhar, mode-
sombra a criança recria a figura do porco:
lar, colar, recorte e colagem, e etc, ou seja,
aquelas que já fazem parte da rotina diária de Foto 1
atividades da educação infantil e atividades
específicas e bem planejadas, releituras de
obras de autores diversos , desenhos com
carvão, mosaicos, entre outras.
É importante que seja oferecido a maior
variedade possível de conteúdos de artes na
educação infantil, "experienciando ludicamen-
te a observação e o contato com as formas
e diversos materiais artísticos as crianças se
expressam, ao mesmo tempo em que desen-
volvem suas potencialidades estéticas”, diz
Ferraz e Fusari (1993, p. 109).
Fonte: O autor (2019)
Sendo o primeiro contato da criança
com o mundo artístico aguçando o desejo O professor pode incentivar a auto ex-
de se conhecer e fazer arte, deve- se levar pressão ao propor que as crianças façam um
em consideração que “a organização do tem- desenho representando uma história que foi
po em Artes Visuais deve respeitar as pos- contada, um acontecimento do dia, um local
sibilidades das crianças relativas ao ritmo e visitado, fugindo assim do desenho estereo-
interesse pelo trabalho, ao tempo de concen- tipado.
tração, bem como ao prazer na realização
O contato da criança com a Arte deve
das atividades” segundo o Referencial Curri-
acontecer da forma mais lúdica e prazerosa,
cular Nacional para Educação Infantil (1998,
na foto abaixo as crianças de forma divertida
p.107).
produzem uma tela onde se utilizam dos pés
Um trabalho de autorretrato, realizado para produzir arte.
a partir da foto impressa de cada criança. A
Foto 2
foto é colocada dentro de um saquinho de
pasta catálogo, e o objetivo é que através da
própria foto a criança se auto desenhe e os
resultados são surpreendentes. E esse deve
ser o caminho a ser seguido em artes, criar
novas possibilidades e aguçar a curiosidade.
A Importância das Artes Visuais na Edu-
cação Infantil visa não à importância da be-
leza estética, mas a capacidade da criança
de produzir e criar segundo suas habilidades
e seu olhar de mundo. É um erro de leitura
classificar as obras de artes como boas ou Fonte: O autor (2019)
ruins, por isso desde a infância devem ser
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 135
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Foto 3 O desenho, a pintura e a colagem das


crianças são marcas que elas deixam a
partir de sua relação com o mundo, em
diálogo permanente com seu imaginário.
São marcas pessoais. Portanto, é muito
importante percebermos que cada crian-
ça tem um jeito próprio de se expressar:
traços com mais vigor ou mais leves, ocu-
pando o espaço todo ou apenas um canti-
nho, usando muitas cores ou escolhendo
apenas uma, etc. Nós professores (as),
Fonte: O autor (2019) que lidamos dia-a-dia (sic) com meninos
Conforme o Referencial Curricular Na- e meninas e suas produções culturais,
seremos capazes de reconhecer a pro-
cional para a Educação Infantil: dução de cada criança mesmo que não
[...] tal como a música, as Artes Visuais tenha nome escrito se possibilitarmos que
são linguagens, e também uma das formas os pequenos se expressem com autoria
importantes de expressão e comunicação (BRASIL, 2006, p.48).
humana, o que, por si só justifica sua pre-
sença no contexto da educação, de um Na foto abaixo, observamos o aluno
modo em geral, e na Educação Infantil, que ao se deparar pela primeira vez com a
particularmente (RCNEI, 1998, p. 85). massinha de modelar e um molde de árvore,
São comuns nas escolas de educação ficou encantado e logo disparou “olha, uma
infantil os trabalhos de artes serem utilizados coleção de árvores”, se referindo a sua pró-
como forma de decoração em painéis, em pria criação.
datas comemorativas, em eventos destina- Foto 4
dos aos pais, desconstruindo o significado
do ensino das artes visuais. Sem falar que
na elaboração destes trabalhos a maior par-
te está centrada na criação do adulto e não
na participação da criança, quando deveriam
favorecer o potencial do aluno em detrimento
do interesse da escola:
A Arte, não pertence às creches, pré-es-
colas e escolas e não deve ser subser-
viente ou ficar a serviço de outros interes-
ses. Ela vem abrir as portas e janelas das
instituições educacionais para mostrar a
Fonte: O autor (2019)
vida de outra forma - estética e poética –
e favorecer o transbordamento das múl- A presença das artes visuais na educa-
tiplas linguagens da criança, favorecen- ção infantil, ao longo da história, tem de-
do o acesso e estimulando as diferentes monstrado um descompasso entre os ca-
formas de expressões artísticas (BRASIL, minhos apontados pela produção teórica
2006, p. 28). e a prática existente. Em muitas propostas
as práticas de artes visuais são entendi-
A criança deve ter acesso às mais varia- das apenas como passatempos em que
das manifestações artísticas, a fim de familiarizar- as atividades de desenhar, colar, pintar
-se com a arte como forma de expressão e de e modelar com argila ou massinha são
compreender a si e ao outro, através da criação, destituídas de significados (BRASIL, 1998
do desenho, da pintura, da modelagem, etc.: p. 87).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 136


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

É necessário que as crianças tenham a É preciso compreender que os proces-


oportunidade de realizar suas próprias cria- sos e evoluções são mais relevantes que o
ções, que desenvolvam seu potencial criador resultado final, e não será através de dese-
e não sejam submetidas a atividades prontas nhos prontos ou atividades mecânicas que a
ou mecanizadas e nem tenham sua criativida- criança se desenvolverá, mas sim com liber-
de podada, uma vez que é nessa etapa que dade para desenvolver sua própria criação,
a criatividade começa a se aflorar. como observa os Parâmetros Curriculares
Nacionais de Arte:
A educação em Arte, mesmo inserida
há tempos nos currículos escolares, ainda A didática do ensino da Arte manifesta em
não é trabalhada de maneira apropriada, geral em duas tendências: uma que pro-
põe exercícios de repetição ou a imitação
muitas vezes o professor tem dificuldade
mecânica de modelos prontos. Outra, que
em trabalhar a temática, ainda que tenha ao trata de atividades somente auto- estimu-
seu dispor materiais, oferecendo a disciplina lantes (sic). Ambas favorecem tipos de
como mera recreação, por isso, a necessida- aprendizagens distintas que deixam um
de de formação adequada, a fim de ampliar legado empobrecido para o efetivo cres-
os conceitos e definições de artes da atuação cimento artístico do aluno (PCN, 2000,
p. 94).
docente, refletindo essa mudança em seu co-
tidiano escolar, buscando conhecimentos que O ensino da Arte deve acontecer de ma-
lhe dê suporte à prática educativa, ainda que neira imaginativa, envolvente e estimuladora,
não seja essa sua formação específica. buscando instigar a criatividade e a capacida-
de de criar e inventar das crianças e diversos
Andrade remete a essa questão ao falar
são os materiais que poderão ser utilizados
da falta de acesso e oportunidades tanto dos
nesse percurso, folhas secas, pedaços de te-
educadores como da população em frequen-
cidos, papéis variados, cabendo ao professor
tar locais voltados às exposições artísticas:
pesquisar a temática com o intuito de subsi-
Atualmente predomina uma cultura políti- diar sua prática docente.
co-pedagógica que privilegia os proces-
sos racionais em detrimento dos proces- A arte é a linguagem básica das crian-
sos sensíveis, relegando a arte um papel ças pequenas, pois através dela exteriorizam
de menor importância em nosso contex- o que ainda não conseguem expressar atra-
to diário. Além disso, muitos educadores
vés da fala, assim sendo é importante que os
vivem a arte e o próprio ensino de arte
de forma fragmentada e excludente, já espaços educativos no tocante ao ensino da
que museus, teatros, livros, cinemas e a arte sejam espaços de múltiplas linguagens,
própria educação escolar são bens que espaços de trocas, respeito e expressão, as-
professores e educadores, assim como sim Andrade nos diz que esses espaços ou
a maioria da população, ainda não tem escolas:
acesso (ANDRADE, 2009, p. 68).
[...] carecem de propostas que desafiem
No entanto para que se alcance o su- o imaginário da criança, que exploram a
cesso no processo de sensibilizar para as linguagem visual, musical e corporal nas
artes, deve haver planejamento assim como milhares de possibilidades de criar com
ocorreria com outra matéria, fazendo adapta- diferentes materiais e suportes e diferen-
tes formas de produzir, entender e ler ima-
ções conforme a observação do desenvolvi-
gens, bem como investigar possibilidades
mento da turma e do interesse pelas ativida- do próprio corpo e gestos com uma ri-
des propostas, considerando sempre a faixa queza imensa de expressão (ANDRADE,
etária das crianças, se auto- avaliando a cada 2009, p. 69).
experiência posta em prática.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 137
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Precisam ser consideradas as ativida- de utilizá-los por medo de que ferimentos fos-
des tradicionais de artes visuais, (pintura, co- sem causados, pois era comum serem feitos
lagem, modelagem), mas também deve- se de arminhas, iniciou um trabalho de ressigni-
abrir espaço para as artes visuais contempo- ficação desse graveto.
râneas advindas com as novas tecnologias,
As crianças levariam para sala os gra-
sendo elas as produções cinematográficas,
vetos encontrados e a partir daí construídos
as fotografias, a televisão.
em conjunto com os alunos, de acordo com
O teatro é uma importante forma de o imaginário, transformando-se em aranhas,
artes visuais a ser trabalhado na educação cobra, borboleta, o que a imaginação permi-
infantil, através dele a criança se socializa, tisse.
torna-se desinibida, decorar falas, faz uso do
Nesse contexto, o professor como me-
canto, entre outras coisas que trazem benefí-
diador do conhecimento propicia à criança
cios à criança. Podendo ser usado para de-
habilidades como observar, imaginar, criar,
senvolver as potencialidades das crianças e
sentir, ver, admirar.
aprimorar a criatividade.
Foto 5
O teatro dentro deste contexto tem a
função de integrar, socializar idéias e acima
de tudo desenvolver sua aprendizagem de
uma maneira lúdica. Ao brincar de faz-de-
-conta a criança espontaneamente utiliza-se
de sua capacidade de teatralidade como um
potencial, por meio da dramatização, a crian-
ça desenvolve suas idéias, a consciência do
outro e dela própria, a comunicação verbal e
não verbal.
O momento de contação de histórias
tão comuns na educação infantil é uma práti-
ca que pode facilmente entrar no campo das
Fonte: O autor (2019)
artes visuais, através da proposta de encena-
ção. O professor pode contar uma história e Sempre que possível o professor deve
deixar que os alunos a encenem, disponibi- optar por espaços abertos e métodos que fa-
lizando vestuários e figuras que auxiliem na çam com que os alunos sintam liberdade para
dramatização. se expressar, sendo mediador do processo
de aprendizagem, interagindo e fazendo-os
As Orientações Curriculares da Cidade
ter gosto ao fazer arte, havendo inúmeras
de São Paulo cita que o educador deve res-
possibilidades de conteúdos permitindo às
significar ações, práticas pedagógicas e ex-
crianças exprimirem-se, manifestar-se, comu-
periências, a partir da construção de novos
nicar-se e desenvolver-se por meio das artes
conhecimentos, alinhado aos interesses dos
visuais, estabelecendo uma parceria produti-
educandos.
va de criar e fazer juntos.
Na foto 5 temos um exemplo, onde a
professora ao perceber que durante o mo-
mento do parque as crianças tinham um gran-
de interesse por gravetos, ao invés de proibir
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 138
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DO TRABALHO O ensino de artes é um importante alia-


COM ARTES VISUAIS PARA O do da educação para o desenvolvimento das
DESENVOLVIMENTO DAS CRIANÇAS crianças, o trabalho com cores, formas, ges-
NA EDUCAÇÃO INFANTIL tos, e as diversas expressões artísticas são
fundamentais para o desenvolvimento cogni-
A arte quando inserida desde cedo no tivo, afetivo, motor e perceptivo da criança.
cotidiano das crianças favorece o interesse É importante destacar que as aulas de artes
pelos elementos da cultura na qual estão in- visuais, mesmo sendo descontraídas e diverti-
seridas, bem como o interesse pela diversida- das devem ser vistas como meios de aprendi-
de presente na criação artística de variados zagens e ter um objetivo definido como acon-
países, permitindo que cheguem a um enten- tece com as demais propostas.
dimento do cotidiano e do contexto do qual
participam, relacionando- se de forma natural No entanto para que esse trabalho ocor-
com o mundo artístico. ra de forma significativa é necessário que
aconteça a capacitação docente através da
Considerando que o objetivo da educa- oferta de cursos e especializações com enfo-
ção é o desenvolvimento das diversas lingua- que no ensino de artes, pois bem sabemos
gens das crianças de 0 a 6 anos, as propos- que a formação em pedagogia por si só não
tas pedagógicas devem contemplar as artes garante e tão pouco vislumbra o conhecimen-
visuais. A arte é um importante meio de co- to em artes visuais aos docentes.
municação e expressão para o ser humano,
que muitas vezes não consegue se expressar É importante que o professor entenda
através das palavras, enquanto educadores a real finalidade do ensino de artes na edu-
temos por obrigação prover diferentes meios cação infantil e tenha acesso aos mais varia-
para que todos se sintam ouvidos,vistos e dos tipos e formas de artes visuais, mas tão
parte da sociedade. importante quanto é que as crianças da edu-
cação infantil tenham oportunidade de criar e
Através das artes visuais é possível per- recriar, pois aquilo que ela cria é uma expres-
ceber sentimentos de alegria, tristeza, choro, são do que pensa ou do que sente, e tenham
ódio, e do mesmo modo também expressá- suas produções valorizadas, passando assim
los, na formação do sujeito, da sua história a ter o conhecimento de arte enquanto a pro-
e de sua cultura. Na idade da pré- escola as duz. Podemos concluir que as artes visuais
crianças necessitam receber estímulos para possibilitam o desenvolvimento das mais va-
a aquisição de novos saberes e descobertas, riadas aptidões necessárias à vida não só da
para assimilação de novos conhecimentos criança, mais do ser humano em formação,
apresentados e para o desenvolvimento de assim sendo, não pode passar imperceptível
suas próprias criações. no contexto educacional infantil.
O ensino de artes visuais na educação
infantil deve respeitar atividades apropriadas
para faixa etária dessa etapa escolar que cor-
responde dos 0 aos 6 anos de idade, apre-
sentando propostas e atividades planejadas
previamente, que favoreçam a construção do
conhecimento e a criação artística de cada
indivíduo de forma lúdica e divertida.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 139


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação infantil é uma etapa fundamental para o desenvolvimento da criança, e o
ensino das artes visuais nessa etapa possibilita a ampliação das formas de expressão e o
universo criativo e imaginário das crianças, assim a escola deve ser um espaço de afeto, de
cuidado, de sensibilidade e de conhecimento, oferecendo às crianças, oportunidades para o
pleno desenvolvimento das experiências artísticas e estéticas, valorizando sua existência, a
fim de torná-los um ser humano melhor e com uma visão de mundo diferenciada.
É importante que o professor desperte o interesse através de atividades inovadoras
e interessantes, para que as crianças adquiram o gosto e o prazer que a arte proporciona,
desenvolvendo o cuidado e o respeito pelo processo de produção e criação, no entanto, a
experiência de vida conta muito na forma de transmitir o conhecimento, e para que isso ocorra
efetivamente é necessário formações adequadas e pertinentes a temática aos educadores,
bem como facilitação do acesso a locais que disponham das diversas formas de artes visuais,
como teatros, museus.
O professor deve tomar cuidado para não limitar a imaginação e a criação das crianças
ao buscar a estética com padrão nas atividades sugeridas. A criança deve sempre ter sua
produção valorizada pelo professor, sem que este faça por ela, a fim de ter seu potencial cria-
dor desenvolvido, e os mais variados tipos de materiais disponíveis para manipulação, dentro
da intencionalidade do planejamento.
A arte quando parte do universo da criança desde a educação infantil favorece o desen-
volvimento intelectual, social, emocional, cultural, entre outros aspectos. Contribuindo ainda
para que se torne um sujeito autônomo, criativo, espontâneo, que expressa suas emoções.
Desse modo torna-se claro a importância do ensino das artes visuais na educação infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 140


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ANDRADE, Euzânia. A arte e a capacidade mágica de pintar, desenhar, criar e sonhar! In: ANGOTTI, Maristela.
Educação Infantil. Campinas: Alínea, 2009.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação à Distância. Coleção Pró- infantil: módulo IV: unidade
5. Brasília, DF, 2006. v.2.

______.Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Formação Pessoal e Social.


Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil.v.3. Brasília, DF, 1998.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: arte. Brasília, DF, 2000.

FERRAZ, Maria Heloísa Corrêa de Toledo; FUSARI, Maria Felisminda de Rezende e. Metodologia do Ensino de
Arte. São Paulo: Cortez, 1993.

IAVELBERG, R. Para gostar de aprender arte: sala de formação de professores. Porto Alegre: Artmed, 2003.

MARTINS, M.; C.; PICOSQUE, G.; GUERRA, MT. Didática do ensino da arte: A língua do mundo: Poetizar, fruir e
conhecer arte. São Paulo: FTD, 1998.

SÃO PAULO, Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educação In-
fantil - São Paulo: SME/COPED, 2019.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 141


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Ciências e Matemática pela


Universidade Ibirapuera (2002); Especialista
em Educação Matemática pela PUC-SP (2005);
Pedagogo pela UNINOVE (20120; Professor de
Ensino Fundamental II - Ciências - na EMEF Vera
Lúcia Fusco Borba, Professor de Educação Básica
– Matemática - na EE Prof. João Caly.

CLÁUDIO
APARECIDO DE OLIVEIRA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 142
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ALGUNS ASPECTOS IMPORTANTES DO ENSINO DE


CIÊNCIAS DA NATUREZA NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO
FUNDAMENTAL
RESUMO: Vivemos em um início de século em que as teorias científicas, que até então eram vistas
com parcimônia e admiração, recebem uma carga de desconfiança à veracidade e aplicabilidade
destas teorias científicas. Trata-se de um embate entre ideologias principalmente no que se
refere a explicações de fenômenos físico, químico e biológico. Esse cenário também atingiu o
ensino de ciências no ensino fundamental, o que sugere uma retomada de conceitos e uma nova
apresentação didática visando um efetivo processo de alfabetização em Ciências da Natureza.

Palavras-chave: Ensino de Ciências; Didática; Currículo; Novas Metodologias.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 143


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
s avanços científicos e tecnológicos do século XX trouxeram para a virada do
milênio uma esperança de maior acesso a informações e, portanto, a conheci-
mentos e desenvolvimento.
No entanto, a relação entre o aumento de informações e o desenvolvimento da apren-
dizagem não seguiu de forma simultânea como muitos imaginavam em relação à integração
entre ciência, tecnologia e sociedade.
Segundo Paiva e Moraes (2014), O advento da sociedade da informação é muitas ve-
zes apresentado como um acontecimento natural, resultante das tendências modernizadoras
e inovadoras nas sociedades ocidentais, cuja alavanca fundamental são as tecnologias da
informação e comunicação (TIC).
Nesse contexto, pensando em uma sociedade em constante transformação e modificada
cada vez mais rápido pelas TICs, de modo geral embasam o que alguns teóricos chamam de
Sociedade da Informação.
Como sabemos que a escola por natureza reflete os caminhos percorridos pela socie-
dade é notória a importância dela nesse processo de transformação. Se é verdade que a ins-
tituição escolar repercute as tensões e dilemas atuais, qual será o seu papel — e o papel dos
seus agentes — no ensino de Ciências da Natureza nos anos iniciais do ensino fundamental?
Por essa razão, os teóricos da Sociedade da Informação invocam as escolas e os sis-
temas educativos como parte fundamental do processo de mudança ambicionado, i.e., “levar
os indivíduos a perceber a dimensão das mutações em curso e as suas consequências”
(AFONSO; ANTUNES, 2001, p. 7).
Longe de ter a pretensão de responder a questões tão complexas e dependentes de
um desenvolvimento gradativo de mudanças sociais, o objetivo desse artigo é indicar alguns
desafios do ensino de ciências nos anos iniciais com base no processo de alfabetização em
Ciências, referenciado pela formação do professor, pelas bases curriculares e pela contribui-
ção das Ciências Naturais no processo de alfabetização e consolidação da aprendizagem
nos anos iniciais.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 144


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AS CIÊNCIAS NATURAIS NOS ANOS De acordo com os Parâmetros Curricu-


INICIAIS DO ENSINO FUNDAMENTAL lares Nacionais (PCN), o ensino de ciências
se justifica no ensino fundamental da seguinte
Existe uma discussão teórica intensa maneira:
referente à importância da reflexão sobre os
O aprendizado das ciências é de parti-
conhecimentos disponibilizados na escola,
cular importância para o desenvolvimen-
tendo em vista a fragmentação e especifici- to da cidadania, razão pela qual, quanto
dade dos currículos oficiais. mais pobre material ou culturalmente for
o meio social e a família de uma criança,
Para Young (2007), a tarefa específica não lhe dando portanto a oportunidade
da escola é garantir o acesso ao conheci- de contato com os equipamentos mais
mento especializado, não disponível no dia a elementares da tecnologia contemporâ-
dia das crianças e jovens. Portanto, identificar nea, tanto maior é a responsabilidade
e qualificar as múltiplas relações envolvidas da escola em constituir-se como um am-
nos fenômenos naturais e sociais é a base biente científico-tecnológico diversificado,
dando ao aluno acesso e condições de
para uma configuração curricular equânime compreensão ativa dos principais equi-
atualmente. pamentos de uso socialmente difundidos
(Brasil,1997a).
Essa ideia de justiça curricular é tam-
bém corroborada por Sacristán (1999, p. 186) Orientações curriculares oficiais de Ci-
destacando a necessidade de que um currí- ências naturais para os anos iniciais do ensi-
culo sirva ao ideal de justiça, onde não se no Fundamental
pode partir da ideia de diferenciar os conteú-
dos da educação. Atualmente as bases constituintes para
a orientação curricular de Ciências da Natu-
Nessa concepção de currículo as Ciên- reza no território nacional está estabelecida
cias naturais foram organizadas no sentido nos parâmetros curriculares nacionais (PCN),
educacional mais pleno de desenvolvimento indicando para os anos iniciais do ensino
das capacidades sócio- cognitivas-emocio- fundamental que o ensino de Ciências deve
nais respeitando as fases de aprendizado e oportunizar à criança explorar o mundo natu-
seus objetivos específicos de consolidação ral e social no qual está inserida.
do conhecimento.
Delizoicov e Angotti (2000) enfatizam
Isto posto, podemos iniciar o questio- um conjunto de habilidades relacionadas à
namento de como articular o conhecimento área e que asseguram esta instrumentação
científico com a função social das ciências do aluno dos anos iniciais, para que possa
naturais e os objetivos específicos de aprendi- melhor se relacionar com seu contexto.
zagem de alfabetização e letramento proposto
para os anos iniciais. São elas: a observação, a classificação,
a tomada e registro de dados, análise e apli-
E ainda, como relacionar a formação do cação. Habilidades essas que obviamente
professor de Ciências da Natureza com essa necessitam ser adequadas com o devido ao
realidade contemporânea? Não se trata aqui nível cognitivo dos alunos.
de responder essas questões, mas, utilizá-las
como sustentação para descrever alguns dos
desafios do ensino desse campo conceitual
nos anos iniciais do ensino fundamental.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 145


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Tanto os PCNs com os autores citados são e valorização dos modos de intervir na
acima corroboram com o indicativo da ne- natureza e de utilizar seus recursos, para
a compreensão dos recursos tecnológi-
cessidade constante da formação de sujeitos
cos que realizam essas mediações, para
cientificamente alfabetizados desde a fase a reflexão sobre questões éticas implícitas
inicial do Ensino Fundamental e apresentam nas relações entre Ciências, Sociedade e
aproximações e convergências com o enfo- Tecnologia (BRASIL, 2000, p. 24).
que nas ciências.
Existe ainda uma série de informações
Os Parâmetros Curriculares Nacionais vinculadas às mídias de comunicação, que
(BRASIL, 1997, p. 27) também destacam a em alguns casos, não se apresentam de acor-
importância de se incluir no trabalho peda- do com o ponto de vista científico e se torna
gógico a história das ciências, como fonte de um desafio e uma responsabilidade no ensino
conhecimento que auxilia na construção de de ciências formal. Por isso, a necessidade
um olhar crítico acerca da ciência, tecnologia de contemplar conteúdos que tenham relação
e suas interações com o meio social, com- direta com o cotidiano dos alunos, não para
preendendo ciência e produção tecnológica serem descritos, mas sim, comparados com
como atividades não neutras, mas “[...] con- o mundo físico a sua volta e que sirvam para
textualizada nas relações entre as sociedades tomadas de decisão.
humanas e a natureza”.
O envolvimento do aluno e sua parti-
Nesse sentido, o ensino de ciências nos cipação cidadã em processos decisórios re-
anos iniciais deve favorecer o desenvolvimen- querem mais do que o domínio de um conjun-
to de habilidade e principalmente, valores que to de conhecimentos específicos, demanda
os possibilitam continuar aprendendo e atin- “sensibilidade social frente às implicações
gindo patamares mais elevados de cognição do desenvolvimento científico tecnológico”
e relacionamento com suas ações cotidianas. e uma alfabetização científica que se impõe
IMPORTÂNCIA DAS CIÊNCIAS como uma “dimensão essencial de uma cul-
NOS ANOS INICIAIS DO ENSINO tura de cidadania” (PRAIA; GIL-PÉREZ; VIL-
FUNDAMENTAL CHES, 2007, p. 145).
É nos primeiros anos do ensino funda-
De acordo com os documentos oficiais
mental que os alunos apresentam uma curio-
e o senso comum entre os educadores so-
sidade em relação aos processos de aprendi-
bre o ensino de ciências, em geral, destacam
zagem e em relação aos fenômenos naturais.
a importâncias de possibilitar às crianças a
apropriação de conhecimentos relacionados Neste contexto, o processo de alfabeti-
à ciência e à tecnologia, para que possam ler zação científica deve ser desenvolvido mesmo
e interpretar o mundo a sua volta: antes da aquisição da leitura e da escrita, con-
Mostrar a ciência como um conhecimen- tribuindo para fomentar a curiosidade infantil
to que colabora para a compreensão do e sua inserção na cultura científica, por meio
mundo e suas transformações, para reco- de uma prática pedagógica interdisciplinar e
nhecer o homem como parte do universo contextualizada.
e como indivíduos, é meta que se propõe
para o ensino da área na escola funda-
mental. A apropriação de seus conceitos
e procedimentos pode contribuir para o
questionamento do que se vê e ouve, para
a ampliação das explicações acerca dos
fenômenos da natureza, para a compreen-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 146
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No âmbito do Ensino Fundamental, de É neste conceito de alfabetização que


acordo com Lorenzetti e Delizoicov (2001, p.8- nos concentramos sabendo que existem ou-
9), a alfabetização científica nos anos iniciais, tros igualmente importantes em se tratando
é entendida “[...] como o processo pelo qual de um escopo polissêmico do conhecimento
a linguagem das Ciências Naturais adquire humano.
significados, constituindo-se um meio para o
Lorenzetti e Delizoicov (2001) esclare-
indivíduo ampliar o seu universo de conheci-
cem que esta conceituação de letramento,
mento, a sua cultura, como cidadão inserido
transcendendo a de alfabetização, será de
na sociedade”.
fundamental importância para o entendimen-
Esse contato emocional e motivacional to da alfabetização científica para as Séries
da ciência com as crianças é de suma impor- Iniciais.
tância para o desenvolvimento do indivíduo e
A categoria letramento em Ciências re-
deve ser incentivado e fomentado pelo pro-
fere-se à forma como as pessoas utilizarão os
fessor de forma mais concreta e relacional
conhecimentos científicos, seja no seu traba-
possível.
lho ou na sua vida pessoal e social, melho-
Alfabetização científica nos anos iniciais rando a sua vida ou auxiliando na tomada de
do Ensino fundamental decisões frente a um mundo em constante
mudança.
A alfabetização científica vem sendo
objeto de estudo em diversospaíses com di- Assim sendo, a alfabetização científica
ferentes enfoques e conceituado conforme os que está sendo destacada preocupa-se com
valores culturais e sociais de determinadas os conhecimentos científicos, e sua respec-
comunidades visando o entendimento de fe- tiva abordagem, que sendo veiculados nas
nômenos e a análise de situações cotidianas. primeiras séries do Ensino Fundamental, se
Neste sentido, a educação tem papel funda- constituam num aliado para que o aluno ad-
mental e ocupa um lugar privilegiado. quira e desenvolva a capacidade leitora e es-
critora para compreender o seu universo:
A alfabetização, para Soares (1985),
é um processo permanente, que se esten- Pensar e transformar o mundo que nos
deria por toda a vida, que não se esgotaria rodeia tem como pressuposto conhecer
os aportes científicos, tecnológicos, assim
na aprendizagem da leitura e da escrita. Faz
como a realidade social e política. Por-
parte da natureza humana a busca incessan- tanto, a alfabetização científica no ensino
te por novos conhecimentos, e esta busca de Ciências Naturais nas Séries Iniciais
permanente faz com que o homem produza é aqui compreendida como o processo
novos conhecimentos constantemente, sem- pelo qual a linguagem das Ciências Natu-
pre mediados pela linguagem, oral ou deixar rais adquire significados, constituindo-se
um meio para o indivíduo ampliar o seu
de ser.
universo de conhecimento, a sua cultu-
Notamos aqui que o referido autor su- ra, como cidadão inserido na sociedade
(LORENZETTI; DELIZOICOV, 2001, p.52).
pracitado trata da alfabetização científica, não
apenas na dimensão da aquisição da língua Portanto, os recursos metodológicos
escrita, mas na também das habilidades de existentes e utilizados nos anos iniciais do
leitura e escrita necessárias para o entendi- ensino fundamental, são também, eficazes no
mento dos conceitos e padrões científicos. processo de alfabetização em ciências em
seus objetivos de desenvolver a capacida-
de leitora e escritora do mundo a sua volta
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 147
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

articulados com o vocabulário e os gêneros tomada e registro de dados, construção de


científicos. Somado a isso se encontra a fase tabelas, análise, síntese e a aplicação. Bizzo
cognitiva dos estudantes nessa faixa etária (1998), corrobora com essa afirmação da se-
ligados a curiosidade e ao concreto como guinte maneira:
fonte motivacional. Os professores polivalentes que atuam
Formação docente para o ensino de ci- nas quatro primeiras séries do ensino fun-
damental têm poucas oportunidades de
ências nos anos iniciais
se aprofundar no conhecimento científico
A formação docente em geral é anali- e na metodologia de ensino específica da
área, tanto quando sua formação ocorre
sada e discutida sobre os pontos de vista da
em cursos de magistério como em cursos
formação inicial e da formação continuada na de Pedagogia (BIZZO, 1998, p. 65).
busca por políticas públicas que coloque o
Brasil em melhores condições de competiti- A estrutura curricular dos cursos de pe-
vidade em um contexto de economia globa- dagogia não tem como objetivo formar espe-
lizada. cialistas nas diversas áreas do conhecimento,
mesmo porque, nem os cursos específicos
Além desses dois aspectos, também se dão conta do grande arcabouço de conhe-
acrescenta a especificidade da formação de cimentos das Ciências Naturais necessários
professores de Ciências. No caso dos anos para subsidiar as ações do professor, neces-
iniciais do ensino fundamental essa especifi- sitando assim, de uma constante formação
cidade é tratada de forma mais linear e con- para adequar o currículo a necessidade da
dicionada a um ensino pautado em situações comunidade atendida.
textuais e pouco experimentais voltados para
o processo de alfabetização e não especifi- Nesse ponto se justifica a necessidade
camente a formação de uma visão da ciência da formação continuada, não somente para
como conhecimento produzido pela humani- professores dos anos iniciais, mas, para to-
dade é necessário para desenvolvimento dos dos os docentes da educação básica, em
métodos científicos. qualquer área de atuação devido a dinâmica
de construção do conhecimento em meio a
Segundo Ferreira (2005), desde sua uma sociedade em constante transformação.
criação, a disciplina escolar Ciências Físicas
e Naturais foi portadora de uma ideia que a Segundo Lima e Maués (2006), o pro-
acompanhará até os dias atuais: seria peda- fessor polivalente deve desenvolver a capa-
gogicamente interessante iniciar os estudan- cidade de situar cada disciplina, cada noção
tes no estudo das ciências por meio de um e cada conteúdo ensinando de modo a pro-
ensino integrado. Fundamentava essa ideia a mover e intensificar o desenvolvimento da
visão positivista de que as diversas ciências criança.
possuíam um método único, o que justificaria Essa capacidade somente será possí-
essa reunião para fins de ensino. vel se estiver articulada com as experiências
No entanto, apesar dos esforços ocor- adquiridas nas práticas pedagógicas e nos
ridos nos últimos anos para modificar o en- momentos de reflexão das ações.
sino de Ciências, a formação do professor
polivalente foi deixada de lado, sem a reno-
vação necessária para as novas tendências
de ensino articulado com o desenvolvimento
das habilidades de observação, classificação,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 148
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A missão de articular os conhecimen- Além destes notáveis pesquisadores,


tos curriculares de forma dinâmica e atrativa contamos também como orientação curricular
estimulando o despertar da curiosidade tão oficial os Parâmetros Curriculares Nacionais
comum na faixa etária dos alunos dos anos (2000) que descrevem metas e objetivos de
inicias do ensino fundamental, é por si só, aprendizagem para o ensino de ciências da
uma missão dificílima e dependente de uma natureza nos processos de alfabetização e
diversidade metodológica que só a formação letramento, dando destaque também para a
em serviço seria capaz de fornecer subsídios importância da articulação entre a formação
aos professores. inicial e a formação continuada docente.
Longe de querer oferecer a panaceia Outras referências curriculares posterio-
para o ensino de ciências nos anos iniciais res como a atual não foram utilizadas neste
podemos afirmar que existe uma convergên- artigo por se tratar de orientações posterio-
cia entre a formação inicial e a formação res à análise da formação dos professores
continuada que configura um grande desafio polivalentes que atuam a partir da primeira
atual. década do século XXI, formação essa, que
prevalecerá ainda por um longo tempo, como
É a necessidade de oferecer ao docen-
afirma Lima e Maués (2006).
te em ambas formações a oportunidade de
identificar, problematizar e refletir sobre seus Ressaltamos ainda, que tais ideias e
conhecimentos, suas concepções e suas prá- conceitos apresentados podem incentivar o
ticas pedagógicas. pensamento crítico quanto a função dos con-
ceitos científicos e descrição de fenômenos
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
naturais como narrativas importantes no pro-
Este artigo foi estruturado com base bi- cesso de ensino nos anos iniciais despertan-
bliográfica, no campo da análise qualitativa do a curiosidade característica da faixa etá-
com abordagem descritiva exploratória docu- ria em questão considerando a alfabetização
mental, utilizando livros e artigos sobre a im- como foco desse nível de ensino.
portância do ensino de ciências naturais nos
anos iniciais do ensino fundamental.
Como aporte teórico metodológico fo-
ram utilizadas as ideias expostas por Sacris-
tán (1999, p. 186), destacando a necessidade
de que um currículo sirva ao ideal de justiça,
Delizoicov e Angotti (2000).
Esses autores pontuam que as contri-
buições do ensino de ciências no processo
de aquisição da linguagem se aproximan-
do da observação dos fenômenos naturais,
Lima e Maués (2006), oferecem informações
e estudos relevantes sobre a formação do
professor polivalente e sobre a constante ne-
cessidade de formação em serviço para que
cada conhecimento específico contribua com
o objetivo de alfabetizar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 149


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
As referências trazidas à baila neste artigo demonstraram a complexidade dos princípios
que norteiam a alfabetização e o letramento, que por estarem em constante transformação
são polissêmicos e intrinsecamente ligados ao desenvolvimento da humanidade.
Dentro desse conceito extremamente aberto, tivemos a intenção de discutir alguns as-
pectos da importância das Ciência da Natureza no processo de alfabetização dos anos iniciais
do Ensino Fundamental.
Atualmente são apresentadas de forma sucinta, porém clara, as diferenças entre alfabeti-
zação e letramento na Base Comum Curricular para o Ensino Fundamental, as BNCs, que não
foram exploradas neste artigo porque pretendemos apresentar as referências que tínhamos
no final do século passado como fundamentos da formação docente da grande maioria dos
profissionais ainda atuantes.
Lembrando que esse fato temporal é meramente especulativo com a intenção de de-
monstrar um possível cenário para análise da inserção dos conceitos científicos por parte
dos docentes que tem como base curricular estrutural a licenciatura em Pedagogia existente
no final do século passado.
Portanto, utilizamos os Parâmetros Curriculares Nacional para identificar diretrizes das
Ciências Naturais como campo conceitual importante para o processo de ensino nos anos
iniciais evidenciando um conhecimento que colabora para a compreensão do mundo e suas
transformações reconhecendo os seres humanos como agentes dessas transformações des-
tacando o papel da história da Ciência na construção de um olhar crítico em relação ao atual
desenvolvimento tecnológico.
Também foi destacado por diversos autores, o fato que nos anos iniciais é predominante
as aprendizagens que exploram a curiosidade infantil e a observação de fenômenos como mo-
tivador para aquisição das diversas linguagens que compõem a alfabetização e o letramento.
No entanto, o tratamento didático dado aos conceitos científicos se limita a transmitir a
descrição de fenômenos naturais de forma ilustrativa seguindo os padrões dos livros didáticos.
Notamos, também, que, em nenhum dos autores que descreveram a importância do en-
sino das ciências naturais explorados neste artigo, citaram ou fizeram referência à importância
do erro na construção do conhecimento científico como sendo fundamental para desenvolver
as competências científicas.
A detecção e a correção de erros constroem muito mais do que o acerto e a valoriza-
ção disso seria muito importante se desenvolvido no processo de alfabetização para mitigar
o “peso” que o erro traz no processo de aprendizagem.
Obviamente, este é um tema que necessita de maiores pesquisas, mas se configura
em um questionamento interessante para posteriores artigos. Nesse sentido, o ensino de
ciências nos anos iniciais deve favorecer o desenvolvimento de habilidades e principalmen-
te, valores que os possibilitem continuar aprendendo e atingindo patamares
mais elevados de cognição relacionado com suas ações cotidianas e com
a observação de fenômenos naturais e científicos ampliando o vocabulário
científica e a leitura do mundo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 150


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ANGOTTI, J. A. P.; DELIZÓICOV D. (1990). Metodologia do Ensino de Ciência. São Paulo: Cortez.

BASTOS, Fernando. História da Ciência e ensino de Biologia: a pesquisa médica sobre a febre amarela (1881-
1903). 1998. 212p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São
Paulo, 1998.

BIZZO, Nélio. Ciências: fácil ou difícil? São Paulo: Ática, 1998.

BRASIL (1997a). Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Ciências Naturais.
Brasília: MEC/SEF.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Ciências Naturais. Rio de
Janeiro, 2000.

CARVALHO, Anna M. P.; GIL-PÉREZ, Daniel. Formação de professores de Ciências. São Paulo: Cortez, 2001.

DELIZOICOV, Demétrio; ANGOTTI, José. A. Metodologia do ensino de Ciências. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

______ et al. Sociogênese do conhecimento e pesquisa em ensino: contribuições a partir do referencial fleck ano.
Caderno Brasileiro do Ensino de Física, v. 19, número especial, 2002, p. 52-69.

______. Problemas e problematizações. In: PIETROCOLA, Maurício (Org.). Ensino de Física: conteúdo, metodologia
e epistemologia numa concepção integradora. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2006.

______; ANGOTTI, José A. PERNAMBUCO, Marta Maria. Ensino de Ciências:fundamentos e métodos. 3. ed. São
Paulo: Cortez, 2009.

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler. São Paulo: Cortez/Autores Associados, 1987.

KRASILCHIK, M. O professor e o currículo das Ciências. São Paulo: Edusp, 1987.

LIBÂNEO, José Carlos. Ainda as perguntas: o que é pedagogia, quem é o pedagogo, o que deve ser o curso de
Pedagogia. In: PIMENTA, Selma Garrido (Org.). Pedagogia e pedagogos: caminhos e perspectivas. São Paulo:
Cortez, 2002.

LIMA, Maria E. C. Castro; MAUÉS, Ely. Uma releitura do papel da professora das séries iniciais no desenvolvimento
e aprendizagem de Ciências das crianças. ENSAIO, v. 8, n. 2, 2006.

LORENZETTI, L.; DELIZOICOV, D. Alfabetização científica no contexto das séries iniciais. Revista Ensaio, v. 3, n.
1, 2001.

MATTHEWS, Michael R. História, Filosofia e ensino de Ciências: a tendência atual de reaproximação. Caderno
Catarinense de Ensino de Física, v. 12, n. 3, p. 164-214, dez. 1995.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 151


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduado em Educação Física pela Universidade


Bandeirantes de São Paulo (2008); Professor de
Ensino Fundamental II – Educação Física - na PMSP.

CLAYTON
EMILIO DA SILVA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 152
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O DOCUMENTÁRIO EDUCAÇÃO PROIBIDA: UMA ANÁLISE À


LUZ DAS TEORIAS DO CURRÍCULO

RESUMO: A escola ou instituição escolar é lócus da prática docente e da organização escolar, é lugar
que a profissão é apreendida, onde os valores do professor vêm à tona, seu conhecimento real e
suas competências pessoais e profissionais emergem como práxis na formação e reconstrução
do sujeito docente – reflexionando as questões acerca do currículo. Sujeito docente que na
troca com colegas, alunos e outros profissionais se refazem durante o processo formativo e de
trabalho, assim como na ação coletiva de formação de consciências. Baseados nesses dados
o professor que recebe formação, universitária e continuada, é ensinado a pensar criticamente
o currículo, defende-se que mesmo estando imerso e sendo parte integrante desse sistema, é
parte responsável pelas rupturas das falsas consciências produzidas pela escola e pelo currículo,
estando habilitado a gerar liberdade de ação, protagonismo de conhecimento e emancipar mentes
e corpos, ao dar voz à massa. Assim o objeto dessa pesquisa está na compreensão do conceito
de currículo e na reflexão das ações adotadas pelos professores, ações emancipatórias ou
subalternizantes. A pesquisa será de caráter qualitativo e no que concerne à teoria, o corpus será
analisado à luz dos pressupostos teóricos dos seguintes estudiosos Silva (2014), Nóvoa (1995);
Silva (2013), Zabala (1998); Mosé (2013) e Hannoun (1998) e do documentário A Educação
Proibida, por considerar que estes referenciais produzam uma criticidade ao tema abordado.

Palavras-chave: Currículo; Formação de Professores; Educação Proibida.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 153


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO
O interesse em construir este artigo emergiu de experiências distintas da prática pro-
fissional como professor, que pensa criticamente o currículo, de reflexões oriundas das con-
versas com colegas docentes e da reflexão sobre o documentário A Educação Proibida. O
entrecruzamento dessas experiências possibilitou a indicação de caminhos para pesquisa,
que fossem relacionados conhecimentos sobre currículo, formação de professores e emanci-
pação de ideologias escolares.
A escola ou instituição escolar é o lócus da prática docente e da organização escolar,
é lugar que a profissão é apreendida, onde os valores do professor vêm à tona, seu conheci-
mento real e suas competências pessoais e profissionais emergem como práxis na formação
e reconstrução do sujeito docente.
Sujeito docente que na troca com colegas, alunos e outros profissionais se refazem
durante o processo formativo e de trabalho, assim como na ação coletiva de formação de
consciência discente. Segundo Aranha,
a organização escolar funciona com base em dois movimentos inter-relacionados: de um lado,
a estrutura e a dinâmica organizacional atuam na produção de ideias, dos modos de agir, das
práticas profissionais dos professores; de outro, estes são participantes ativos da organização
contribuindo com a definição de objetivos, com a formulação do projeto pedagógico-curricular,
com atuação dos processos de gestão e de tomada de decisão (ARANHA, 2006, p.51).

Diante a assertiva a pergunta norteadora desta pesquisa é: por que professores que
recebem formação, universitária e continuada, que se refazem e se reconstroem no processo
de prática docente, e são levados a pensarem criticamente o currículo na escola, apenas legi-
timam aquilo que é criticado neste tempo formativo – o que leva a naturalização dos discursos
hegemônicos escolares? Por que dentro dos termos tradicionais curriculares, qualquer meto-
dologia educacional que busque algo diferente será ‘proibida’? Corroborando neste sentido
Mosé (2013, p. 47) questiona:
Por que a escola prepara para a vida, em vez de ser a vida exercida no presente? E por que o
presente das crianças na escola não é também um exercício da cidadania, de respeito a si mesma,
à vida e ao outro? Por que a escola não é um espaço democrático, de produção de conhecimento,
de debates, de criação? Em vez disso, tem sido um presídio de alunos, um depósito de conteúdos
impostos sem muito sentido, um desrespeito aos conhecimentos que os alunos já trazem, um
lugar onde as crianças não têm direito a voz (MOSÉ, 2013, p. 47).

Tem-se sabido que há uma paridade entre o desenvolvimento profissional e organizacio-


nal, mesmo compreendendo segundo Aranha (2006) que a escola ainda é lugar de isolamento
do professor. Estando sua ação cerceada e limitada à sua sala de aula.
Dessa forma a transformação da realidade de isolamento pode ser estimulada à medida
que os professores compartilhem com seus colegas de trabalho e alunos suas dificuldades,
seus medos, suas angústias, seus sucessos e seus prazeres, com a consciência de que a
adoção dessas práticas pode gerar uma reflexão coletiva dos projetos políticos escolares,
dos instrumentos avaliativos e da visão de aluno na escola.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 154


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Se antes cabia ao professor formar-se individualmente para dar conta de uma docência
expositiva e solitária, numa relação dual com os alunos, essa concepção passa a exigir uma
prática compartilhada e solidária, visto que o professor não trabalha mais solitariamente, além
de uma mudança de foco na relação com os educandos, visto que a exposição de conteúdos
passa a dar lugar ao incentivo constante à pesquisa, à orientação de estudos, à solução das
dúvidas e problemas que nascem dos mais diversos e inesperados lugares.
O professor é um colaborador na construção de saber, visto que lhe cabe, neste novo
funcionamento, mas orientar que explicar, mais pesquisar que ensinar. Destarte se o professor
é este sujeito, que recebe formação, universitária e continuada – que está imerso em processo
formativo, é ensinado a pensar criticamente o currículo, então a hipótese sustentadora dessa
pesquisa é que mesmo estando imerso e sendo parte integrante desse sistema, é parte res-
ponsável pelo rompimento das falsas consciências produzidas pela escola, estando habilitado
a gerar liberdade de ação, protagonismo de conhecimento e emancipar mentes e corpos, ao
dar voz à massa – ao adotar a socialização de seus saberes no espaço escolar.
Assim o objetivo desta pesquisa é compreender currículos e refletir se as ações adota-
das pelos professores, veículos comunicativos da ideologia escolar/curricular, emancipam o
sujeito do currículo que massifica consciências, ou apenas naturaliza a prática legitimando o
conhecimento de massa.
Para atingir o objetivo proposto neste trabalho, o texto encontrar-se-á organizado em
duas seções, a saber: i) Currículos: compreendendo teorias, neste item faz-se um breve per-
curso histórico, das primeiras manifestações de currículo, passando pelo surgimento e crítica
à essa prática, até a produção das novas consciência acerca da temática; ii) Breve contex-
tualização: Teorias Tradicionais do currículo e a Educação Proibida, Este item apresentará
discussões sobre o conceito de teorias do currículo em paralelo às discussões apresentadas
no documentário de 2012, a Educação Proibida. Por fim, as primeiras considerações sobre a
temática, nas quais se buscará a constatação da hipótese levantada, na busca pela resposta
do problema de pesquisa.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 155


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

UM ESTUDO DAS TEORIAS DO Em ambientes escolares o currículo é


CURRÍCULO definido: como grade curricular; como o con-
teúdo das disciplinas, rigidamente organiza-
Neste item faz-se um breve percurso dos; como conjunto de atividades a serem
histórico, das primeiras manifestações de cur- desenvolvidas na escola; conjunto de conhe-
rículo, passando pelo surgimento e crítica à cimento/saberes a serem transmitidos via dis-
essa prática, até a produção das novas cons- ciplinas escolares.
ciências acerca da temática.
O currículo reflete a necessidade de
O termo currículo é empregado em vá- uma sociedade. Tem função socializadora e
rios sentidos e com os mais variados signifi- cultural, bem como, é uma forma de apropria-
cados. O currículo vitae é o documento que ção da experiência social acumulada e traba-
contém, em resumo, todos os dados da for- lhada a partir do conhecimento formal que
mação escolar e profissional de uma pessoa. a escola escolhe, organiza e propõe como
O currículo Lattes, por sua vez, configu- centro das atividades escolares.
ra-se como instrumento que registra informa- Uma questão central de qualquer teoria
ções profissionais de cientistas, professores, de currículo, sem dúvida, é saber qual conhe-
pesquisadores, estudantes de pós-graduação cimento deve ser ensinado. O quê? O que
e graduação, profissionais autônomos, funcio- ensinar? O que saber? O currículo é sempre
nários de empresas, governos e organizações resultado de uma seleção. Por que esses e
civis etc. As informações registradas no Cur- não aqueles conhecimentos devem ser ensi-
rículo Lattes incluem formação educacional, nados e aprendidos? Por isso, talvez, a con-
publicações, atividades exercidas, vínculos ceituação devesse ser menos ontológica (O
institucionais atuais e passados, participa- que é currículo?) e muito mais histórica (como
ções em congressos e eventos, produtos ge- em diferentes momentos e em diferentes teo-
rados e patenteados, bolsas e financiamentos rias educacionais o currículo vem sendo con-
obtidos etc. cebido?).
O currículo acadêmico representa a ca- Constata-se por meio da história que o
minhada que o aluno faz ao longo de seus tempo e o espaço escolar não são naturais e
estudos, implicando tanto conteúdos estuda- nem consensuais, mas sim construídos a par-
dos quanto atividades realizadas sob a tute- tir e em torno de um momento histórico vivido.
la escolar. Neste sentido, conforme Gimeno Neste sentido, a escola atual foi construída
Sacristán (1998, p.125): “A escolaridade é com permanências e mudanças sempre ten-
um percurso para os alunos/as, e o currículo do o currículo como base dessa construção.
é seu recheio, seu conteúdo, o guia de seu Nas teorias de currículo a pergunta “O que
progresso pela escolaridade”. saber?” nunca está separada de outra per-
Já o currículo escolar (da escola) é gunta fundamental e precedente: O que os/
orientador da prática escolar. Mola mestra as estudantes devem ser ou se tornar?
que vai organizar tanto os aspectos adminis- Para ilustrar, Silva (2013, p. 17) nos
trativos quanto os pedagógicos da escola, ou aponta uma importante questão do currículo
seja, orienta todas as ações administrativas relativa à sua implicação subjetiva na cons-
e pedagógicas desenvolvidas no ambiente tituição da identidade de cada ser humano:
escolar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 156


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Etimologia da palavra currículo, que vem zagem, avaliação, didática, organização, pla-
do latim curriculum, pista de corrida, po- nejamento, eficiência e objetivos. Enquanto
demos dizer que no curso dessa corrida
a teoria crítica assenta-se em questões de
que é o currículo acabamos por nos tor-
nar o que somos. Nas discussões, quan- ideologia, reprodução cultural e social, poder,
do pensamos em currículo pensamos classe social, capitalismo, relações sociais de
apenas em conhecimento, esquecendo- produção, conscientização, emancipação, re-
-nos que o conhecimento que constitui o sistência, currículo oculto.
currículo está vitalmente envolvido naquilo
que somos, naquilo que nos tornamos: A teoria pós-crítica está fundamentada
na nossa identidade (SILVA, 2013, p. 17). nas discussões sobre identidade, alteridade,
diferença, subjetividade, significação e discur-
Assim, devemos considerar que todo o
so, saber-poder, representação, multicultura-
conhecimento/saber que constituem o currí-
lismo, gênero, sexualidade, raça, etnia. Em
culo interfere naquilo que somos, naquilo que
suma, Silva (2013, p. 87) conclui:
nos tornamos, ou seja, na nossa identidade
e na nossa subjetividade, pois, é pensado de Depois das teorias críticas e pós-críticas,
forma a garantir a organização, o controle e não podemos olhar para o currículo com
a mesma inocência de antes. Os currícu-
a eficiência social, visando, com isso, regular
los têm significados que vão muito além
as ações dos sujeitos da educação. daqueles aos quais as teorias tradicionais
Neste sentido, conforme Silva (2013), nos confirmam. O currículo é espaço, lu-
gar, território. O currículo é relação de po-
toda concepção de currículo está estreita- der. O currículo é trajetória, viagem, per-
mente inter-relacionada com o tipo de conhe- curso. O currículo é autobiografia, nossa
cimento (saber) e, mais ainda, com o tipo de vida, curriculum vitae: no currículo se forja
ser humano que se deseja formar. Indivídu- nossa identidade. Currículo é texto, discur-
os alienados, sem autonomia, adequados às so, documento, currículo é documento de
demandas e exigências da sociedade e que identidade (Silva, 2013, p. 87).
rendem cada vez mais e melhor no mundo do CONTEXTUALIZANDO AS TEORIAS
trabalho ou cidadãos políticos, ativos, cons- TRADICIONAIS DO CURRÍCULO À IDEIA
cientes de seus direitos e deveres, que sabem DE UMA EDUCAÇÃO PROIBIDA
ser e agir diante das situações?
Este item apresentará discussões sobre
Ao longo da história tivemos alguns do- os conceitos de teorias do currículo em pa-
cumentos e linhas pedagógicas norteadores ralelo às discussões apresentadas no docu-
do currículo na educação que se baseiam mentário de 2012, A Educação Proibida.
na importância da formação integral e nos
Esse documentário é o resultado de
esclarecem sobre como essa formação vai mais de noventa entrevistas realizadas em
muito além de conteúdo e informação, pois oito países através de quarenta e cinco expe-
apenas com conteúdo não conseguiremos riências educativas não convencionais e um
formar pessoas capazes de proporcionarem total de setecentos e quatro co-produtores.
mudanças que atendam aos desafios impos- Dirigido por Germán Doin e produzido por
tos pela sociedade. Verónica Guzzo, questiona a escolarização
Tomaz Tadeu da Silva (2014) apresenta moderna. Através de depoimentos de educa-
dores de diversos países da América Latina,
sua visão sobre as diferentes teorias do currí-
o filme mostra que não existe um modelo edu-
culo: Teoria tradicional; Teoria crítica e Teoria
cacional perfeito, mas existem outras formas
pós-crítica. Em síntese a teoria tradicional tem
de ensino, colocando a necessidade de um
sua base nos processos de ensino, aprendi- novo paradigma educacional.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 157
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O documentário proporciona um debate Na maioria das escolas essa prática


sobre o processo de escolarização trazendo pedagógica se caracteriza por sobrecarga
argumentos favoráveis à mudança de para- de informações que são veiculadas aos alu-
digma, revelando as deficiências do modelo nos, o que torna o processo de aquisição de
atual escolar e os valores de uma educação conhecimento, para os alunos, muitas vezes
que leva em consideração a convivência de- burocratizado e destituído de significação. No
mocrática, a autonomia e o respeito às singu- ensino dos conteúdos, o que orienta é a or-
laridades de cada indivíduo. ganização lógica das disciplinas, o aprendi-
O documentário A Educação Proibida zado moral, disciplinado. O professor é visto
(2012) aponta que as sociedades sempre vi- como a autoridade máxima, um organizador
veram processos de mudanças, porém nunca dos conteúdos e estratégias de ensino e, por-
houve tantas transformações na amplitude e tanto, o guia exclusivo do processo educativo.
na velocidade daquelas que estamos vivendo.
As mudanças aconteciam de modo lento e Não há argumentos coerentes que justi-
eram incorporadas gradativamente pelas po- fiquem a existência desse modelo pedagógi-
pulações através das gerações. co para uma escola do século XXI. Enquanto
o mundo muda em grande velocidade, a es-
A partir da segunda metade do século cola parece parada no tempo. Nesse sentido,
XX, as alterações começaram a se intensifi- Mosé (2013, p.56) salienta:
car e a incidir em diferentes campos da vida.
Vivemos mudanças tecnológicas, científicas, o que precisamos de fato encarar é
religiosas e políticas que vêm causando al- que ou a escola passa a ser de fato um
espaço vivo de produções de saberes, de
terações no comportamento humano e nas
valorização da curiosidade, de pesquisa,
necessidades das sociedades. da arte e da cultura, da criatividade, da re-
Ainda ressalta que o atual modelo esco- flexão – um espaço de convivência ética e
democrática na qual se exercita a cidada-
lar tem uma proposta de educação ultrapas-
nia, um espaço vinculado a comunidade
sada, cuja função se define como a de vigiar a que pertence, bem como a cidade, ao
e punir os alunos, corrigir e ensinar a matéria. país, ao mundo – ou se tornará obsole-
A metodologia decorrente de tal concepção ta e estará fadada ao desaparecimento
baseia-se na exposição oral dos conteúdos, (MOSÉ, 2013, p.56).
numa sequência predeterminada e fixa, inde-
pendentemente do contexto escolar, enfati- O conceito de teorias e currículos tradi-
za-se a necessidade de exercícios repetidos cionais aparece pela primeira vez como um
para garantir a memorização dos conteúdos. objeto de estudo em pesquisa nos Estados
Unidos dos anos de 1920. Provavelmente, em
A função primordial da escola, nesse decorrência dos movimentos ocorridos nos
modelo, é transmitir conhecimentos discipli- Estados Unidos da época de industrialização,
nares para a formação geral do aluno, for-
abertura das fronteiras, movimentos imigrató-
mação esta que o levará a inserir-se futura-
rios, juntamente a massificação da escolari-
mente na sociedade. Os conteúdos de ensino
correspondem aos conhecimentos e valores zação.
sociais acumulados pelas gerações passadas
como verdades acabadas e embora a esco-
la vise à preparação para a vida, não busca
estabelecer relação entre os conteúdos que
se ensinam e os interesses dos alunos, tam-
pouco entre esses e os problemas reais que
afetam a sociedade.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 158
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Movimentos estes, que exigem do país, Segundo o documentário A Educação


a formação de um novo perfil de homem, o Proibida (2012), este sistema “prussiano ori-
qual deveria ter habilidades profissionais e ginado do padrão militar de educação da
competências adequadas às exigências do Prússia do século XVIII, tem como objetivo
mercado de trabalho. Movimentos ainda que, gerar uma massa de pessoas obedientes e
segundo documentário A Educação Proibida competitivas, com disposição para guerrear”.
(2012) colocaram, “as escolas nos mesmos
patamares das fábricas e dos presídios, com Bobbitt analisa o currículo de acordo
seus portões, grades e muros; com horários com a organização e o desenvolvimento de
estipulados de entrada e de saída, fardamen- forma mecânica e industrial. O currículo deve
to obrigatório, intervalos e sirenes indicando ser pensado de forma que estabeleça pa-
o início e fim das aulas”. drões de comportamento, ou seja, deve ser
pensado de forma que molde os indivíduos
Neste momento histórico, as questões
sobre currículo são amplamente discutidas, para que atendam às necessidades da socie-
sendo, o livro The Curriculum, escrito por dade capitalista.
Franklin Bobbitt em 1918, o marco que esta- O modelo de ensino proposto por Bob-
belece o currículo como campo de estudos bitt volta-se para a economia, para a produção
na história da educação estadunidense. Bob- em série. Visa à padronização, a moldagem,
bitt foi um dos precursores para o surgimento ou seja, todos devem sair com o mesmo perfil
da Teoria Tradicional do Currículo. de trabalhador. Já os estudantes devem ser
Este autor buscava igualar o sistema processados como um produto fabril. Neste
educacional ao sistema industrial, utilizando pensamento é nítida a semelhança existente
o modelo organizacional e administrativo de entre a forma de organização escolar e fabril.
Frederick Taylor, Taylorismo ou Administra-
ção Científica é o modelo de administração Tanto na instituição educacional quan-
desenvolvido pelo engenheiro estadunidense to na fábrica, os horários inflexíveis e o som
Frederick Winslow Taylor (1856-1915), que é estridente das sirenes marcam o início e o
considerado o pai da administração científica. término da jornada de trabalho. E, as tarefas
Caracteriza-se pela ênfase nas tarefas, obje- padronizadas a serem executadas são alheias
tivando-se aumentar a eficiência da empresa ao tempo e ao ritmo do indivíduo em sua to-
aumentando a eficiência no nível operacional. talidade (organismo biológico, psicológico e
social) e às suas particularidades.
Bobbitt defendia que as escolas deve-
riam funcionar como empresas, de acordo Neste aspecto, os alunos só podem
com as necessidades e interesses do sistema aprender aquilo que está determinado como
capitalista. Para isso, considerava imprescin- sendo necessário para o seu crescimento in-
dível, um modelo de currículo e de escola ba- telectual e para o mercado de trabalho, não
seados no estabelecimento de objetivos que podendo mostrar interesse por outro conteú-
favorecessem o desenvolvimento de habilida- do, pois o aluno que se expressa fora do pa-
des e competências, principalmente aquelas drão estabelecido pela escola é ridicularizado
necessárias para exercer com eficiência as e considerado fora do padrão.
ocupações profissionais da vida adulta. De-
fendia ainda, que a escola deveria estabele-
cer procedimentos e métodos para a obten-
ção de resultados de forma que pudessem
ser eficientemente mensurados.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 159


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O modelo de currículo proposto por que viva em paz e harmonia em um mundo


Bobbitt encontra em Ralph Tyler consolidação cada vez mais miserável. Um sujeito adaptado
definitiva, pois Tyler propõe um modelo base- às exigências e aos padrões da sociedade.
ado na construção de objetivos. Tyler identifi- Como sabiamente lembra Alves (2000, p. 23):
ca o currículo como um conjunto de objetivos Nietzsche dizia ‘o que elas realizam (es-
que a escola se propõe a alcançar, em que colas), é um treinamento brutal, com o
os resultados são definidos em termos com- propósito de preparar vasto número de
portamentais, traduzindo-se num produto que jovens, no menor espaço de tempo possí-
deve ser medido. vel, para se tornarem usados e abusados,
a serviço do governo’. Se ele vivesse hoje
Tal proposta domina o campo do currí- certamente faria uma pequena modifica-
culo nos EUA, influenciando outros países, in- ção na sua última afirmação. Em vez de
clusive, até hoje, no Brasil. O currículo, nessa ‘usáveis a serviço do governo’, seriam
usados e abusados a serviço da econo-
perspectiva, é essencialmente uma questão
mia (Alves, 2000, p. 23).
técnica, cujo paradigma está centrado na sua
organização e desenvolvimento. Rubens Alves (2002, p.29), ainda faz
uma analogia que ilustra muito bem as teo-
Busca-se a eficiência pedagógica por
rias do currículo à ideia de uma Educação
meio da instalação de uma pedagogia da
Proibida:
concorrência, da eficiência e dos resultados,
que forme indivíduos alienados, sem autono- Escolas que são gaiolas existem para que
mia, adequados às demandas e exigências os pássaros desaprendam a arte do voo.
Pássaros engaiolados são pássaros sob
da sociedade, colaborando, desta forma, na controle. Engaiolados, o seu dono pode
propagação da ideologia dominante. levá-los para onde quiser. Pássaros en-
gaiolados têm sempre um dono. Deixa-
No documentário A Educação Proibida
ram de ser pássaros. Porque a essência
(2012), o sistema educacional vigente acaba dos pássaros é o voo. Escolas que são
refletindo verdadeiras estruturas políticas di- asas não amam pássaros engaiolados. O
tatoriais que produzem cidadãos ‘adestrados’ que elas amam são os pássaros em voo.
para servir ao sistema. Existem para dar aos pássaros coragem
para voar. Ensinar o voo, isso elas não
Tal teoria pode ser compreendida como podem fazer, porque o voo já nasce den-
a arte do bom adestramento em que o indi- tro dos pássaros. O voo não pode ser en-
víduo é tido como um objeto que pode ser sinado. Só pode ser encorajado (ALVES,
2002, p. 29).
moldado e adestrado como um animal para
retirar e se apropriar ainda mais e melhor Daí a pergunta norteadora desta pesqui-
dele. O homem, neste contexto, é conside- sa, por que professores que recebem forma-
rado a-histórico, é concebido apenas como ção universitária e continuada, e são levados
reprodutor das informações oriundas do cur- a pensar criticamente o currículo na escola,
rículo/matéria escolar. apenas legitimam aquilo que é criticado neste
A luz das teorias críticas e pós críticas tempo formativo – o que leva a naturalização
do currículo educação proibida tenta superar dos discursos hegemônicos escolares? Por
um sistema que se preocupa apenas com a que dentro dos termos tradicionais curricula-
formação do sujeito competente que renda res, qualquer metodologia educacional que
cada vez mais e melhor no mercado de tra- busque algo diferente será ‘proibida’?
balho em um mundo sem emprego. Ou seja,
um sujeito alienado, acrítico e sem autonomia
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 160
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Para a construção deste estudo adotar-se-á uma perspectiva qualitativa de pesquisa,
visto que neste tipo de pesquisa o papel do investigador é “o de melhor compreender o com-
portamento e experiência humanas [...] compreender o processo mediante o qual as pessoas
constroem significados e descrever em que consistem estes mesmos significados” (BOGDAN
e BIKLEN, 1994, p. 70).
De acordo com Martins e Bicudo (1989, p. 23 e 27), “a pesquisa qualitativa busca uma
compreensão particular daquilo que estuda [...] procura introduzir um rigor, que não é o da
precisão numérica, aos fenômenos que não são passíveis de serem estudados quantitativa-
mente”.
Em linhas gerais, irá optar-se por esse tipo de pesquisa justamente por ela ser mais sen-
sível à perspectiva do sujeito, sem desconsiderar a influência e a subjetividade do pesquisador
no processo de geração e escolha dos registros que constituirão o corpus a ser analisado.
No que concerne à teoria, o corpus será analisado à luz dos pressupostos teóricos dos
seguintes estudiosos Bioto-Cavalcanti (2014), Nóvoa (1995); Mosé (2013); Silva (2013), Za-
bala (1998); e Hannoun (1998), por considerar que estes teóricos e profissionais, produziram
teoria fundamentada em prática e vice-versa, que se párea ao estudo desenvolvido aqui.
Se pretende neste estudo, enveredar-se e discutir questões teóricas e práticas que en-
volvem a construção e reconstrução do conceito de currículo pelos professores em paralelo
ao estudo do documentário: A Educação Proibida, 2012.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 161


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À luz da teoria bobbiana – tratada no livro Documentos de identidade: uma introdução às te-
orias de currículo, de Tomaz Tadeu da Silva (2013) –, entende-se que esse modelo curricular posto
de educação supõe o processamento de crianças e adolescentes como um produto fabril. Conceito
que também pode ser compreendido no documentário A Educação Proibida.
Bobbitt defendia que a educação deveria funcionar como as empresas, de acordo com as
necessidades e os interesses do sistema em vigor. Para isso, considerava imprescindível uma pro-
posta educativa baseada no estabelecimento de objetivos que favorecessem o desenvolvimento
de habilidades e competências, principalmente aquelas necessárias para exercer com eficiência as
ocupações profissionais.
O indivíduo deveria ser avaliado por suas capacidades, atitudes e hábitos, pois, para esse
estudioso, o comportamento determina a vida, e o homem é “primeiramente um fazedor e não um
conhecedor” (BOBBITT, citado por PARASKEVA, 2005, p. 11).
Ainda segundo Hannoun, “o ato de educar presume, no educador a capacidade para educar
e, no educando, aptidão para receber a educação” (1998, p. 17). Nessa perspectiva, os sujeitos só
podem aprender aquilo que está determinado como necessário para o seu crescimento intelectual
e para o mercado de trabalho. Não podem mostrar interesse por outro conteúdo, pois aquele que
se expressa fora do estabelecido é ridicularizado e considerado fora do padrão.
No documentário A Educação Proibida fica nítida a semelhança existente entre a forma de
organização institucional e fabril e o processo atual de escolarização. Tanto na instituição quanto na
fábrica, os horários inflexíveis e o som estridente das sirenes marcam o início e o término da jornada
de trabalho.
E as tarefas padronizadas a serem executadas são alheias ao tempo e ao ritmo do indivíduo
em sua totalidade e às suas particularidades. No caso das crianças e adolescentes apresentadas no
filme, apenas a busca de outros recursos metodológicos e práticas didáticas representam momentos
de folga desse sistema fabril.
Por inserirem-se nesse contexto institucional, essas crianças e adolescentes acabam por legi-
timar esse ritmo fabril, já que não conseguem emancipar-se do currículo de forma autônoma. Sob
essa lógica, os sujeitos que fogem ao padrão estabelecido são advertidos e encaminhados às ins-
tâncias hierárquicas superiores, para prestação de contas, quando não são também ridicularizadas
pelo próprio grupo de inserção. Para garantir a manutenção desse padrão, são acompanhadas por
funcionários e pais em reuniões mensais.
Busca-se a eficiência educacional por meio da instalação de uma pedagogia formal e normali-
zadora, que estimule a concorrência, a eficiência e os resultados, que forme sujeitos alienados, sem
autonomia, adequados às demandas de mercado, colaborando, desta forma, para a propagação
da ideologia dominante na sociedade brasileira: a ideologia do capital.
A preocupação essencial é com a formação do sujeito competente, que renda cada vez mais
e melhor no mercado de trabalho, em um mundo sem empregos formais, com carteira assinada e
direitos trabalhistas. Por fim, a preocupação deste projeto será refletir as questões acerca de currí-
culos, compreendendo e questionando suas teorias, a fim de apontar caminhos possíveis para a
emancipação dessa prática que massifica consciências e imbeciliza o sujeito.
Segundo Bioto-Cavalcanti (2014), essas discussões estão na gênese dos dispositivos es-
colares, motivações primárias, mas que em sua configuração agrega elementos
reflexivos para o presente processo de construção e reconstrução do conceito de
currículo. Ainda, segundo a mesma autora, essa ação reflexiva dá significado à
prática escolar e origina outros e novos dispositivos curriculares, objeto de inte-
resse desta pesquisa.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 162


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. A alegria de ensinar. Campinas, SP: Papirus, 2000.

______. Por uma educação romântica. Campinas, SP: Papirus, 2002.

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Temas de filosofia. São Paulo: Moderna, 1996.

BIOTO-CAVALCANTI, Patrícia Aparecida. Currículo: perspectivas de análise e transformação. Eccos Revista Cien-
tífica (Impresso), v. 34, p. 05-229, 2014.

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari K. Investigação qualitativa em educação. Trad. por Maria João Alvarez; Sara
Bahia dos Santos; Telmo Mourinho Baptista. Portugal: Porto, 1994.

DOIN; Germán (dir.); GUZZO, Verônica. Documentário. A Educação Proibida. 2012.

FONSECA, Selva Guimarães. Ser professor no Brasil: história oral de vida. São Paulo: Papirus, 1997.

HANNOUN, Hubert. Educação: Certezas e Apostas. Trad. Ivone C. Benedeti. São Paulo: Fundação Editora da
Unesp, 1998.

MARTINS, Joel; BICUDO, Maria Aparecida Viggiani. A pesquisa qualitativa em psicologia: fundamentos e recursos
básicos. São Paulo: Cortez, 1989.

MOSÉ, Viviane. A escola e os desafios contemporâneos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013.

PARASKEVA, João M. Bobbitt, John Franklin (2004) o currículo: resenha educativa. 2005. Disponível em: www.
edrev.info/reviews/revp36.pdf. Acesso em: 09/10/2020.

SACRISTÁN, GIMENO. O currículo: os conteúdos do ensino ou uma análise prática. In:______.; PÉREZ GÓMEZ,
A. I. Compreender e transformar o ensino. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. Cap. 6, p. 119-148.

SILVA, Tomaz Tadeu da. Documentos de identidade: uma introdução às teorias de currículo. Belo Horizonte: Au-
têntica, 2013.

ZABALA, Antônio. A Prática Educativa: Como Ensinar. Trad. Ernani F. da F. Rosa. Porto Alegre: Artmed, 1998.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 163


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduação em Pedagogia pela Faculdade Sumaré


(2013); Especialista em Ensino de Filosofia no
Ensino Médio pela Faculdade UNIFESP (2018);
Professor de Ensino Fundamental I na EMEF CEU
Perus, Professor de Educação Básica na EMEB
Donald Savazoni.

CLEBER
AMERICO CARTUCHI

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 164
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

METODOLOGIA E DIDÁTICA FILOSÓFICA – CONCEPÇÕES


PARA PROBLEMATIZAR O ENSINO DE FILOSOFIA

RESUMO: O presente trabalho propõe reflexões metodológicas e didáticas sobre o ensino de


filosofia. Promove, por meio de problematizações, caminhos para questionar e construir o
pensamento do ensino filosófico. Reflete sobre as articulações que compreendem a história da
filosofia, temas, conceitos, concepções, problemas e outras formas de pensar, que são inerentes
ao saber filosófico, dimensionando, assim, a expansão do ensino-aprendizagem de filosofia e
como ele pode ser problematizado. Demonstra com bases teóricas filosóficas à luz de bibliografias
destacadas – Gelamo (2009), Cornelli, Carvalho e Coelho (2013), Gallo (2006), Gontijo (2013)
e outros, – os possíveis caminhos para fomentar essa área do conhecimento. Conclui, com
considerações, sobre a importância de refletir a metodologia e a didática filosófica, tendo em
vista as possibilidades e conexões que podem ser realizadas para promover o ensino de filosofia,
para que essa não seja uma mera reprodução irrefletida.

Palavras-chave: Filosofia; Metodologia; Didática;

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 165


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
nsinar o pensamento filosófico para alguém, ensinar filosofia, pode parecer uma
tarefa que se limita – hipoteticamente baseado no senso comum – a decorar
aforismos, que são muitas vezes replicados de forma errônea, ou mesmo a me-
morizar um determinado tema, autor, ideia de um filósofo, ou texto, entre outras questões que
parecem habitar o imaginário de algumas pessoas, quando se ouve a palavra “filosofia” ou
algo relacionado ao seu ensino, mas será mesmo que o ensino de filosofia se encerra por
esses caminhos?
Partindo desses pressupostos, o presente trabalho tem como objetivo propor reflexões
metodológicas e didáticas para que se possa ponderar o ensino de filosofia de uma forma
ampla em sua complexidade. De forma, a demonstrar possíveis direções que podem levar a
vários lugares distintos do saber, ampliando assim a dimensão do ensino-aprendizagem da
filosofia, que é uma área do conhecimento tão complexa e necessária para a potencialização
do desenvolvimento cognitivo dos seres humanos e que não se limita à história da filosofia,
mas que também pode encontrar nela formas de ampliação do pensamento, por meio dos
problemas filosóficos, temas, conceitos, problemas e de outras formas de pensar, que são
inerentes ao saber filosófico.
Para nortear algumas formas de conceber o ensino-aprendizagem do ensino de filosofia,
partindo da metodologia e da didática, selecionou-se alguns autores que com ponderações
teóricas bibliográficas contribuem para a reflexão proposta, dentre eles, Gelamo (2009), Cor-
nelli, Carvalho e Coelho (2013), Gallo (2006), Gontijo (2013) e outros, possibilitando visualizar
de forma ampla, quais elementos e opções estão dispostas, quando se problematiza essa
área do conhecimento. Nesse sentido, a escolha da metodologia bibliográfica de pesquisa,
encontra bases na concepção de pesquisa, que de acordo com Lakatos e Marconi (2010) se
desenvolve de maneira qualitativa por meio de toda bibliografia tornada pública, que podem
estar dispostos em artigos científicos, livros e outros.
Sendo assim, espera-se que, ao final dessa exposição, a trilha para o ensino de filosofia
seja ampliada para inúmeras estradas, rodovias, espaço marítimo, aéreo, sideral e transcen-
dental; rumo a novos horizontes filosóficos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 166


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O DESAFIO DO ENSINO DE FILOSOFIA – O Esclarecimento é caracterizado como


ESTÍMULO DO PENSAMENTO POR MEIO “saída do homem de sua minoridade”,
como momento em que esse homem dei-
DOS TEXTOS CLÁSSICOS xa de se subordinar à autoridade e passa
A filosofia como disciplina se apresenta a “pensar por si mesmo”, deixando de
se subordinar à tutela do outro. Entretan-
como um desafio didático, pois diferente de
to, conclui, a partir da caracterização do
algumas áreas do conhecimento, ela não tem mecanismo social que instiga as pessoas
uma fórmula pronta e quando essa é reprodu- a permanecerem covardes, que é “difícil
zida sem reflexão necessária e apenas veicu- para todo homem tomado individualmente
lada e transmitida como saber pronto; pode livrar-se dessa menoridade", sendo isso
se tornar o que Gelamo (2009), baseado em possível apenas no contexto do espaço
Benjamin (1986), chama de empobrecimento público, das relações públicas, do conjun-
da experiência: to da sociedade (CORNELLI et al 2013,
p.70).
O ensino da Filosofia, em vez de criar
um lugar de resistência ao empobrecimento Gelamo (2009) também problematiza
da experiência, e consequentemente ao empo- sobre o gesto da imitação que é reproduzida
brecimento da vida, acabou por contribuir para pelo outro, que por sua vez pode ser reprodu-
o seu crescimento, transformando a existência zido por outros e assim por diante:
em algo ainda mais empobrecido (GELAMO, No gesto de imitação (da experiência)
2009, p. 127). ecoa a mesma forma de simulação de
aprendizagem que perpassa a problemá-
Assim como também alerta Chauí (2013) tica da transmissão do conhecimento no
e Cornelli, Carvalho e Coelho (2013) sobre a ensino da Filosofia. Perspectivada como
importância da leitura dos clássicos e como imitação, a possibilidade de formação de-
o trabalho em sala de aula deve ser norteado senvolve-se no interior de um processo
por eles, já que dessa forma, o educando terá que separa o pensamento e a vida, imo-
acesso de fato ao texto fonte e poderá proble- bilizando o movimento de passagem de
matizar por si mesmo sobre o texto e seu autor: sentido entre ambos. Nesse processo não
ocorre um exercício filosófico acerca de
O texto clássico, situado no núcleo da- um conhecimento que nos toma a partir
quilo que se concebe como a tradição de uma experiência que se faz dele, mas,
herdada, se apresenta, paradoxalmente, ao contrário apenas se repete o pensa-
como interlocutor da investigação filosó- mento de um filósofo (de seu comenta-
fica contemporânea, mas também como dor ou do professor-explicador), fechado
sua matéria, cânon a ser revisitado e apre- sobre si mesmo, sem que seja possível
endido, decifrado e apropriado. A própria a abertura à experiência de pensar um
leitura é parte do debate contemporâneo. problema que afeta a sua própria vida fi-
Mais do que isso, é um dos mecanismos losoficamente, isto é, a partir da experiên-
centrais através do qual as diferentes al- cia do/ com o próprio filosofar (GELAMO,
ternativas de interpretação de nossa ex- 2009, p. 124-125).
periência se sustentam e se contrapõem
entre si (CORNELLI et al, 2013, p.63). Pode-se compreender, dessa forma, que
só se reflete sobre a Filosofia, de fato, quando
Nessa mesma perspectiva, Cornelli et al se debruça sobre os textos fonte e se vivencia
(2013) utiliza a filosofia kantiana para ilustrar essa experiência; a experiência como sinônimo
a reflexão do pensar por si próprio, através do de vivência da própria leitura e interpretação.
“Esclarecimento”:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 167


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Esse experienciar é a reflexão em suma Trabalhar com os clássicos, como ve-


dos textos filosóficos e seus autores, que po- rificado, se faz necessário, principalmente se
dem nortear uma compreensão e problemati- tratando de filosofia, uma vez que se evidencia
zação; contemplada por aqueles que buscam que essa área do conhecimento é responsá-
ponderar acerca do pensamento filosófico, vel por estimular o pensamento e que, nessa
e contribuir também para a construção des- perspectiva, está posta como disciplina e que
se pensamento, que não é um saber pronto, seu objetivo é problematizar e propiciar a re-
como já foi citado anteriormente, mas a eterna flexão. Assim sendo, uma forma de estimular e
investigação filosófica. nortear os educandos, a esses pensamentos,
é oferecer-lhes fontes desses conhecimentos
Nessa perspectiva, Gelamo (2009) utili-
acumulados, mas que não se esgotam nesse
za o filósofo Foucault para demonstrar como
princípio, sendo – na verdade – propostas de
ele fez uma leitura de Kant diferente de outros
como propiciar as investigações filosóficas.
que tinham interpretações, ou reproduções, em
relação à obra desse filósofo: FILOSOFIA – PARADIGMAS E
Foucault foi profundamente marcado pelo
ROMPIMENTOS PARA ALÉM
pensamento kantiano. Procurando romper DOS TEXTOS CLÁSSICOS E DA
e, até mesmo, transvalorar as interpreta- REPRODUÇÃO HISTÓRICA FILOSÓFICA
ções habituais feitas pelos estudiosos do
filósofo alemão, ele faz emergir proble- Refletir sobre os problemas filosóficos
matizações que foram pouco observadas e as quebras de paradigmas do pensamen-
na obra de Kant. Partindo da tematização to contemporâneo, no ensino de filosofia, é,
kantiana do problema do presente, Fou- de certa forma, de acordo com Gallo (2006),
cault assume uma atitude filosófica que ponderar a figura do filósofo Nietzsche, que
lhe permite criar um movimento de refle- rompeu com algumas questões consideradas
xão por meio do qual vai desenvolver o verdades filosóficas:
seu próprio pensamento (GELAMO, 2009,
p. 100 -101). [...] destacou-se a voz de Nietzsche, que
fez a crítica ao uso da razão tomada como
Nesse sentido, pode-se refletir sobre um absoluta, procurando mostrar que o co-
dos pontos abordados e problematizados por nhecimento é sobretudo vida, é encar-
Chauí (2013) na entrevista concedida a Mar- nado, é ligado ao mundo, por mais que
celo de Carvalho. A filósofa deu a seguinte tentemos transformá-lo em formas puras
declaração: e abstratas (GALLO, 2006, p. 558).

[...] decidi que o clássico com quem eu Partindo dessa perspectiva, pode-se
iria conviver seria Espinosa, porque eu ti- pensar no ensino de filosofia não como “pron-
nha uma longa história com ele, primeiro to”, nem como “exato”, no sentido de apenas
por não entendê-lo e depois por desejá-lo. ser guiado pelos filósofos que já discutiram e
E o curioso é o seguinte: Merleau-Pon- criaram conceitos, mas sim, pensar no ensino
ty praticamente não leu Espinosa; ele e
de Filosofia como a construção de um cami-
Sartre falam várias vezes de Espinosa e
dizem bobagens sobre ele. Porque o que
nho, que propõe outros caminhos.
eles falam sobre Espinosa foi o que Ko- Quando se pensa na história da Filoso-
jève, nas aulas sobre Hegel, lhes dizia. E fia, como base de apoio, pode-se ponderá-la
o que Kojève dizia era a maneira como
como um norte, entretanto, refletir para além
ele interpretava o que Hegel tinha dito so-
bre Espinosa. Então, o que Sartre e Mer-
da história da Filosofia é utilizá-la como ponte
leau-Ponty dizem sobre o Espinosa é de que levará a outros caminhos, todavia, poden-
quinta mão, e é bobagem, só bobagem do chegar ao mesmo lugar, por vias diferentes,
(CARVALHO, 2013, p.26). ou a outros lugares, através desses caminhos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 168


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nietzsche (1997, p. 221, apud Gallo, des, que já não são as mesmas que eram an-
2006, p.559), “as verdades são ilusões que tes, pois o pensamento e as reflexões seguem
foram esquecidas enquanto tais, metáforas seu curso temporal e, nesse panorama, se faz
que foram gastas e que ficaram esvaziadas importante refletir para que haja esses rompi-
do seu sentido” com essa afirmação, o filósofo mentos; diante dos problemas filosóficos.
proporciona reflexões sobre os rompimentos
Para Danelon (2006), que apoiado tam-
dos paradigmas da verdade.
bém nas concepções filosóficas nietzschianas
A ponderação de Nietzsche é uma pro- – destacando um viés mais niilista – afirma
vocação ao que está posto é tido como imu- que:
tável (Verdade). Nessa perspectiva, de acordo O ensino de filosofia que seja filosófico
com Gallo (2006), parafraseando Nietzsche, dá início ao processo de leitura e interpre-
as verdades são como “ídolos que possuem tação do estado doentio e decadente de
pés de barro”, ou seja, a verdade é uma metá- nossa cultura. A aula de filosofia se cons-
fora da qual se esqueceu o sentido – como já titui no espaço privilegiado em que se
apontado –, isso significa que não há funda- opera o processo de analisar, esmiuçar
mento para a verdade. e cavar as entrelinhas (DANELON,2006,
p.8).
Diante dessas análises é possível cavar
um pouco mais fundo sobre as verdades filo- Nesse aspecto, a filosofia pode promo-
sóficas que estão postas. Nessa mesma dire- ver a quebra de padrões e de modelos, pré-es-
ção, segundo Gallo (2006), Nietzsche – em tabelecidos, possibilitando reflexões, em pro-
seu livro “Genealogia da Moral” – propõe o blemas filosóficos, potencializando o olhar e o
rompimento com alguns cânones que eram pensar reflexivo e não engessado, rompendo
tidos como “sagrados”: com o que é fundamentalmente direcionado:
De agora em diante, senhores filósofos, O ensino de filosofia que seja filosófico
guardemo-nos bem contra a antiga, peri- faz uso da História da Filosofia como fer-
gosa fábula conceitual que estabelece um ramenta teórica para operar a interpreta-
‘puro sujeito do conhecimento, isento de ção e a desconstrução das “verdades”
vontade, alheio à dor e ao tempo’, guar- que explicam e justificam nossa cultura
demo-nos dos tentáculos de conceitos decadente; um ensino de filosofia filosó-
contraditórios como ‘razão pura’, ‘espiri- fico opera na teia conceitual, opera nos
tualidade absoluta’, ‘conhecimento em si’; discursos que fundamentam e perpetuam
– tudo isso pede que se imagine um olho o caráter ressentido de nossa civilização;
que não pode absolutamente ser ima- um ensino de filosofia filosófico instaura a
ginado, um olho voltado para nenhuma crise, a cisão nos pilares ideológicos que
direção, no qual as forças ativas e inter- sustentam a modernidade; enfim, um en-
pretativas, as que fazem com que ver seja sino de filosofia que seja filosófico encar-
ver-algo, devem estar imobilizadas, ausen- rega-se de derrubar os ídolos de nossa
tes; exige-se do olho, portanto, algo ab- civilização, conforme Nietzsche em Ecce
surdo e sem sentido (NIETZSCHE,1998b, Homo: “Eu não construo novos ídolos;
p. 109 apud GALLO, 2006, p.561). os velhos que aprendam o que significa
ter pés de barro. Derrubar ídolos (minha
Segundo Gallo (2006, p.561) Nietzsche palavra para ‘ideais’) – isto sim é meu
faz “crítica dirigida a cânones do pensamento ofício (NIETZSCHE, 1995a, p. 18, § 02),
moderno, como Descartes, Kant (quando fala (DANELON, 2006, p.10).
em ‘razão pura’) ou Hegel (quando fala em
‘espiritualidade absoluta’ e ‘conhecimento em
si) ”. Assim, o filósofo provoca e desconstrói a
figura do ídolo – da verdade – e, dessa forma,
sugere outros meios de compreender as verda-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 169
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nesse sentido, a história da Filosofia se Se o problema é fruto de uma experiência


faz importante como fundamento teórico, des- sensível, podemos relacioná-lo com dois
sa forma, essa metodologia – como já dito outros conceitos de Deleuze. O problema
é da ordem do acontecimento; os pro-
anteriormente – pode possibilitar a descons-
blemas são acontecimentos e, portanto,
trução, e até análise, todavia, a sua reflexão caóticos e imprevisíveis. E o problema é
pode ser pensada como forma de propor no- sempre uma singularidade, por sua vez
vas construções filosóficas e não apenas me- composto por um agenciamento de sin-
ras reproduções. gularidades (GUIDO et al. 2013, p.122).
Estabelecer o ensino de Filosofia por Segundo Guido et al (2013, p.101) “a
meio dos problemas filosóficos, na desconstru- palavra método tem origem grega e é formada
ção e construção de seus significados, se faz pelas palavras metá, que significa “em meio
cada vez mais importante, rompendo assim, a”, “junto a ``,''entre `` e'' hodós com o signi-
com o paradigma do ensino da filosofia pau- ficado de caminho, passagem, viagem”. Para
tado apenas na história da filosofia, ou mes- Guido et al (2013) a palavra methodos (mé-
mo, somente acerca dos temas. Problematizar todo) tem o sentido/significado de caminho,
sobre o ensino de filosofia na perspectiva dos condução, de forma que essa palavra seja a
problemas e na quebra dos paradigmas é uma norteadora de um caminho filosófico, entre-
forma de estimular o educando a pensar filoso- tanto, não como sinônimo de receita, mas de
fia para além daquilo que está posto. apontamentos e caminhos que possam ser
PONDERAÇÃO METODOLÓGICA DA percorridos em busca desse conhecimento:
FILOSOFIA PARA ALÉM DO MÉTODO Costumamos ler que a filosofia é uma
disciplina muito especial, diferente de to-
De acordo com Deleuze e Guattari, (1997, das as outras. É verdade. Mas isso tam-
p.10) “a filosofia é a arte de forma, inventar, de bém é verdadeiro para todas as outras
conceber os conceitos” ou seja: a filosofia exis- disciplinas. Todas são especiais, sobretu-
te para criar, construir e desconstruir compreen- do se pensamos no que pode significar
sões para os problemas que existem, sempre aprender. Consideramos que o aprender
não pode estar dissociado daquilo que
existiram e existirão, parafraseando Humber-
se aprende. Assim, quando se aprende
to Gessinger (Engenheiros do Hawaii), que história de verdade, aprende-se a pen-
nos versos da música “Problemas... Sempre sar historicamente; quando se aprende
Existiram” Dispõem sobre algumas questões matemática em sentido forte, aprende-
filosóficas, dentre elas, pode-se encontrar nos -se a pensar matematicamente; quando
versos as proposições “não foram os deuses/ se aprende filosofia a sério, aprende-se
nem foi a morte de Deus”; será que Nietzsche a pensar filosoficamente (GUIDO et al.
concordaria com essa afirmação? Talvez com 2013, p.102-103).
a primeira proposição, sim. Se a análise partir As metodologias filosóficas, de acordo
dos pressupostos da não existência dos deu- com Guido et al (2013), podem ser utiliza-
ses. Todavia, essa mesma afirmação caberia das para problematizar esse ensino, de forma
para o segundo verso, partindo da concepção que o educando possa ser desenvolvido de
nietzschiana da morte da ideia de Deus? Se- fato nessa disciplina e que compreenda as
ria esse um problema que sempre existiu (e peculiaridades que o norteiam. Para refletir
continua existindo)? E quando ele deixaria ou sobre essas propostas metodológicas, os au-
deixará de existir? Ou existirem? tores problematizam sobre três metodologias:
Guido, Gallo e Kohan (2013) também
discorrem sobre como trabalhar com os pro-
blemas com a disciplina de filosofia:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 170


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• A abordagem histórica filosófica; Entretanto, Guido et al (2013) também


alerta que assim como acontece com a abor-
• A abordagem temática;
dagem histórica, a abordagem temática pode
• A abordagem problemática; levar a um ensino de apenas transmissão de
conhecimento sem reflexão e estímulo ao pen-
A abordagem por meio da história da sar.
Filosofia, de Guido et al (2013, p.116) “A abor-
dagem histórica da filosofia é parte da baga- A terceira abordagem proposta por Gui-
gem cultural do professor de filosofia, é um do et al (2013) é a que de fato norteia uma
pré-requisito em sua formação profissional”, aprendizagem significativa da Filosofia, toda-
sendo assim, uma das formas de problemati- via, é a menos conhecida e a que compre-
zar o ensino de filosofia é por meio da história ende um trabalho didático maior, pois parte
da filosofia, porém, não a limitação ao texto da questão problemática que levou, ou leva, o
cânone, mas como uma forma de base, nessa filósofo a pensar, por que alguém pensou algo
perspectiva, os autores afirmam que “conside- daquela forma? O que o levou a pensar dessa
rando as peculiaridades da filosofia, é possível forma? Ou seja, propõe ao educando pensar
priorizar o aprender a pensar, o que poderá o problema, de forma a compreender o proble-
ser garantido por outra abordagem, que não ma por si mesmo, pensado como os filósofos
exclui a história da filosofia” Guido et al (2013, pensaram e construíram conceitos sobre os
p.116). problemas apresentados.
A segunda abordagem, que é a temáti- Para Guido et al (2013) os problemas
ca, funciona como norteadora dos currículos movem as pessoas e, portanto, as fazem pen-
de forma geral, e que podem trazer o tema e sar, dessa forma, trabalhar com a metodologia
até mesmo o filósofo que aborda, ou abordou, proposta por problemas pode possibilitar aos
essa ideia. Segundo Guido et al (2013) a abor- educandos pensar filosoficamente, propondo
dagem temática facilita a forma de o professor que eles realizem um movimento contrário,
trabalhar os eixos filosóficos e problematizá-los para que desse modo seja concebido o enten-
com os educandos: dimento das características filosóficas, nesse
sentido, Guido et al (2013, p.121) ressaltam
[...] o professor pode organizar suas au-
las, utilizando textos dos próprios filósofos
que “pode ser uma maneira de o professor
(fontes primárias) e/ou de comentadores de filosofia estimular os estudantes a fazerem,
(fontes secundárias), bem como uma sé- também eles, a experiência do pensar filosófi-
rie de materiais de apoio, como vídeos, co”, nessa perspectiva, o trabalho com proble-
músicas, textos literários, histórias em mas pode, também, estimular a pesquisa com
quadrinhos, imagens etc. A ideia principal, bases na história da filosofia, o tema ao qual
aqui, é que os conhecimentos de filosofia se refere o problema e os conceitos gerados
não sejam apresentados historicamente, por ele:
como se eles se justifiquem por si sós.
Ao contrário, são definidos objetivos cla- Nietzsche determinou a tarefa da filosofia
ros (no caso, o trabalho com os conheci- quando escreveu “os filósofos não deve-
mentos de filosofia necessários à prática riam mais contentar-se em aceitar os con-
da cidadania) que dão sentido aos temas ceitos que lhe são dados, para somente
recortados. Os temas permitem o trabalho limpá-los e fazê-los reluzir, mas é necessá-
com a história da filosofia, que é tomada rio que eles comecem por fabricá-los, cri-
como referencial ao trabalho desenvolvi- á-los, afirmá-los, persuadindo os homens
do: para tratar de um determinado tema, a utilizá-los” (DELEUZE; GUATTARI,1997,
busca-se na história da filosofia os ele- p. 13-14).
mentos necessários para tal (GUIDO et
al. 2013, p.120).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 171


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ou seja: de acordo com os filósofos não Uma verdadeira “pedagogia do problema”


deveria haver uma mera reprodução dos con- perderia, necessariamente, seu caráter
ceitos, mas sim o surgimento de novos concei- de “pedagogia”, de condução. Pois o en-
frentamento do problema não pode ser
tos que nortearam o pensamento. No entanto,
conduzido, a experiência do pensamento
Guido et al (2013) fazem alguns alertas sobre não pode ser conduzida, ou deixa de ser
o trabalho com os problemas: experimentação, perde sua “objetividade”
A solução de um problema nunca é dada; em nome de uma construção artificial da
ela depende de como se agenciam as ordem da recognição. E uma verdadeira
singularidades que o compõem. Como “pedagogia do problema” perderia seu
multiplicidade, o problema é agencia- caráter de método, uma vez que método
mento, e pode ser articulado de inúmeras também implica condução, organização,
formas. O problema é resultado destes orientação, e tudo isso impede a origina-
encontros e agenciamentos que se dão lidade do pensamento, o ato de criação.
pelas vizinhanças das singularidades e, Ainda está para ser inventada esta “peda-
por sua vez, também produz suas possí- gogia do problema”, mas o que a ela ca-
veis soluções através destes encontros e beria seria o estabelecimento do proble-
vizinhanças (GUIDO et al., 2013, p. 122). mático, a invenção de experimentações
que levassem cada um a experimentar
Os filósofos também fazem uma ressal- seus problemas e, a partir deles, “engen-
va, quanto ao que se entende por problemas: drar pensar no pensamento (GUIDO et al.
2013, p. 123).
Não podemos transformar o problema em
método, em metodologia, como etapa a Nessa perspectiva, os autores problema-
ser superada. Ou o problema é objetivo, tizam, que o educando só pensa filosoficamen-
isto é, fruto da experiência, ou não é pro- te, quando ele se coloca diante do problema e
blema. E se não é problema, não é agen- puder desconstruir o conceito para construí-lo
ciador de experiências de pensamento
novamente. Não somente um repensar, como
(GUIDO et al., 2013, p. 125).
já alertado pelos filósofos:
Dessa forma, se pode pensar que o pro-
Um ensino da filosofia baseado na peda-
blema deve ser instigado e proposto, pois desse gogia do conceito significaria um maior
modo ele será estimulado a pensar o problema e investimento na problematização, isto é,
não induzido ou conduzido a esse pensamento: na colocação dos problemas mais do que
nas soluções. Não que o produto do pen-
Os falsos problemas não são problemas,
samento (o conceito) não seja importante;
de fato, e para o movimento do pensa-
mas sua produção só será possível pela
mento de nada valeria o desenvolvimen-
vivência do problema, e é importante que
to de uma “pedagogia do problema” que
a produção do conceito não seja conclu-
o tomasse de maneira artificial, apenas
siva, mas instigadora de novos problemas
como algo que permitisse uma constru-
(GUIDO et al. 2013, p. 126).
ção racional argumentativa. De novo, es-
taríamos no reino da recognição. Seria
como o interlocutor de Sócrates, nos diá-
logos de Platão, que não passa de uma
“escada” para a construção argumentati-
va do mestre (GUIDO et al, 2013, p. 123).

Nesse aspecto, há uma problematização


que deve ser realizada para não ser sucum-
bido pela reprodução. Entretanto, Guido et al
(2013) discorrem sobre o que eles denominam
“pedagogia do problema” e reforçam o que foi
dito no parágrafo anterior:
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 172
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ENSINO DE FILOSOFIA - Dessa forma, didaticamente, é possível


CONSIDERAÇÕES DIDÁTICAS pensar quais estratégias serão utilizadas para
FILOSÓFICAS que os educandos, participantes dessa ação
pedagógica, possam construir o conhecimen-
Refletir a didática, implica, em ponderar to através dessas interações, porém, esse é
para além do docente, da docência, ou seja, um aspecto mais pedagógico dessa didática,
considerar a formação, mas também, para entretanto, se faz importante ressaltar, que em
além da formação. Nesse momento, o que relação ao ensino da disciplina de filosofia
está posto são as considerações, que possam existem algumas peculiaridades, que preci-
ser feitas, de forma a problematizar o que já sam ser analisadas com cautela, uma vez que,
se faz com o que pode ser feito em relação ao como muitos autores alertam “não se ensina
ensino-aprendizagem em filosofia. Filosofia”, mas sim, propõem-se caminhos que
Nesse sentido: há a área do conheci- podem ser percorridos para o estímulo do pen-
mento, o educando, o docente e os caminhos samento filosófico. Diante dessa problematiza-
que podem ser percorridos para que a disci- ção, surge mais um questionamento: "Como
plina faça sentido para o educando por meio ensinar aquilo que não pode ser ensinado”?
da mediação docente, que nessa perspectiva, Para possibilitar reflexões sobre esses
não se limita à mera transmissão do conhe- questionamentos que estão postos e que fa-
cimento, mas sim, de uma perspectiva des- zem parte da prática docente, Gontijo (2013,
se conhecimento para além da sala de aula. p.49) propõe que seja necessária “uma didáti-
Assim, pode-se dizer, que o espaço escolar ca que cuide do que é próprio da atividade fi-
não deve ser apenas um lugar para fomentar losófica, ou seja, uma didática filosófica, pense
essas discussões, mas sim um espaço, cujo uma didática para além da didática”.
real objetivo deva ser a promoção e a amplia-
ção dessas reflexões para além dos muros da Gontijo (2013) também ressalta que
escola. E como isso pode ser feito? pensar a didática filosófica é fundamental para
o fazer filosófico como base para o desenvol-
Muitas vezes, pensar nas aprendizagens vimento do pensar:
dos educandos é desejar uma receita de bolo.
Por meio de uma didática que cuide do
É querer um passo a passo efetivo para que
que é próprio da atividade filosófica, ou
a construção do conhecimento seja plena e seja, uma didática filosófica, pode-se
eficaz, no entanto, os seres humanos são mais contribuir para que estudantes possam
complexos do que fazer um doce para o café problematizar, conceituar e argumentar
da tarde, todavia, pode-se ponderar caminhos qualificadamente (GONTIJO, 2013, p.49).
e estruturas que poderão possibilitar a che-
gada a um lugar (objetivo), que logo levará Nesse sentido, se faz necessário pen-
a outro, pois numa perspectiva piagetiana – sar um ensino da filosofia que dialogue com a
no sentido das aprendizagens – quando um pedagogia, uma vez que não se pode reduzi-
conhecimento é assimilado e acomodado, -los como limitados aos seus conceitos, mas
diante de algo desconhecido (fenômeno de que de alguma forma eles se complementam,
desequilibração e reequilibração), o ser estará quando pensamos a filosofia didaticamente.
pronto para uma nova aprendizagem, ou seja, Para problematizar essas questões didá-
ponderando esses aspectos: não há uma linha tica e filosoficamente, destaca-se alguns pon-
de chegada, mas sim um ponto, que levará a tos propostos por Gontijo (2013):
outro ponto – um caminho para outro caminho.
• A transposição didática;
• A interdisciplinaridade;

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 173


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• A contextualização; os educandos possam perceber, que a Filosofia


está posta nas ações do cotidiano, por exemplo.
• A avaliação da aprendizagem;
Para Gontijo (2013), avaliamos constan-
• A avaliação no ensino de filosofia; temente, fato que é inerente à profissão do-
Para Gontijo (2013) a transposição di- cente; principalmente. Todavia, a avaliação no
dática envolverá os âmbitos da filosofia, que ensino de filosofia possui algumas particulari-
nesse caso, serão tratados em sala de aula, dades, como demonstra o filósofo:
mas compreendendo também que a filosofia No processo de avaliação no ensino de
não está alheia ao mundo: filosofia não se estará avaliando se alguém
Se considerarmos que não há filosofia, está ou não filosofando. O sentido da ava-
mas, sim, filosofias, e que seu exercício é liação é mais o de verificar como concei-
alcançado por seus métodos, poderemos tos estão sendo aprendidos, reformulados,
também afirmar que não há apenas um mé- criados e como se está conseguindo pro-
todo para se ensinar a filosofia, mas, sim, blematizar e argumentar adequadamente.
métodos diferentes (GONTIJO, 2013, p.50). Ou mesmo em que medida as teorias es-
tão sendo abordadas criticamente e que
De acordo com Gontijo (2013, p. 51), “ao perspectivas criativas os estudantes estão
pensarmos uma didática potencializadora da apresentando em suas elaborações escri-
aprendizagem filosófica, a interdisciplinaridade tas e orais (GONTIJO, 2013, p.53-54).
é um importante recurso para a transposição
didática”. Nesse aspecto, Gontijo enfatiza que Para também pensar sobre esses cami-
a filosofia seja problematizada com as demais nhos, Kohan (2013) sugere reflexões sobre o
áreas do conhecimento para que o educando ensino de filosofia e sobre a própria filosofia. O
possa estabelecer relações com o mundo e filósofo propõe o ensino de filosofia como uma
as disciplinas, para que assim, a filosofia não "Oficina de Pensamento" na qual se pode refletir
se apresente como mais uma fragmentação sobre quem ensina e quem aprende filosofia.
dos saberes humanamente construídos, ao Nessa perspectiva, a aula poderá envol-
contrário, nesse sentido é fundamental que o ver os componentes que compõem a metodo-
educando, por meio das problematizações e logia da didática da filosofia, seja ela pensada
relações estabelecidas com as mais variadas por problemas, temas, tradições filosóficas,
formas do pensar, seja capaz de romper com história da filosofia, ou outras concepções,
pensamentos e construí-los, ou fortalecê-los, uma vez que o objetivo, nesse sentido é “pro-
novamente com outras perspectivas. blematizar, conceitualizar, a partir de si, com
A contextualização é uma forma de tra- outros fazedores de problemas e conceitos.
zer o educando para a proposta filosófica re- Kohan” (2013, p. 78).
lacionando a filosofia com o meio que ele está Refletindo nessa mesma linha de pensa-
inserido, não somente dentro da sala de aula, mento Sardi (2002) utiliza alguns exemplos que
mas para além dela:
são bastante ilustrativos, como por exemplo a
Os processos sociais, religiosos, econô- pergunta: "quem sou eu?", de acordo com o
micos e culturais atravessam o cotidia- filósofo dependendo de como essa pergunta é
no marcando suas vidas e provocando realizada, ela possibilitará diferentes respostas
diferentes respostas, como a indiferença e, conforme a mediação ocorre, uma pergunta
e a revolta. Seus ídolos, músicas, filmes que teria uma resposta "sim" ou "não" pode-
e festas preferidos expressam gostos e, rá se tornar filosófica, promovendo questiona-
muitas vezes, uma hierarquização de va- mentos e reflexões, possibilitando assim, uma
lores (GONTIJO, 2013, p.52).
desconstrução e construção do conhecimento.
Nesse sentido, a aula se torna significativa
e proporciona a ilustração necessária para que

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 174


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino de filosofia conta com suas próprias particularidades, que são ressaltadas e
se faz necessário ponderar sobre elas, para que não se caia em uma mera reprodução, ou
seja, pensar o ensino de filosofia é pensar didaticamente e metodologicamente.
Nesse sentido, refletir a práxis no ensino de filosofia é estar, de fato, filosofando, uma vez
que ponderar o ensino-aprendizagem é se deslocar cognitivamente para contemplar aquilo
que se pretende que o outro saiba, por meio de problematizações e considerações didáticas.
A filosofia, como área do conhecimento, é fonte de reflexão, é base que pode estabele-
cer conexões com as demais áreas do conhecimento, seja por meio da história da filosofia,
que de uma forma ou de outra possibilita refletir sobre o surgimento de conceitos, que com-
põem o saber e o fazer humano. Seja pelos temas que podem ser componentes específicos
do conhecimento filosófico ou seja pelos problemas que são levantados, problematizados e
ponderados, de forma que possam gerar novas concepções, reflexões, soluções ou novos
problemas; que provavelmente não se encerram em si, mas que poderão proporcionar novas
ideias e perspectivas, do novo ponto de partida estabelecido.
Portanto, conceber que o ensino de filosofia não se trata de percorrer por um único
caminho – para a construção do pensamento – é fundamental e inerente para problematizar
esse ensino-aprendizagem, que pode estimular o pensamento humano e possibilitar descons-
truções e construções pré-concebidas, além de romper com os paradigmas considerados
como única verdade, quando muitas vezes são apenas reproduções irrefletidas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 175


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
CARVALHO, M - Sobre a filosofia e a história da filosofia – entrevista com Marilena Chauí. In Filosofia e Formação,
vol.1/ organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

CERLETTI, Alejandro. A formação docente no ensino de filosofia. In: CARVALHO, Marcelo. In filosofia e formação:
vol. 1 / organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. -- Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000. Introdução: Para que filosofia? Unidade 1, Capítulo
1: A origem da Filosofia. Capítulo 2: O nascimento da Filosofia. (p. 5-38). Disponível em http://home.ufam.edu.br/
andersonlfc/Economia_Etica/Convite%20%20Filosofia%20-%20Marilena%20Chaui.pdf. Acesso em 15 de fevereiro
de 2021.

CORNELLI, Gabriele. CARVALHO, Marcelo; COELHO, Cecília. A Filosofia e o Conceito de Clássico. In: CARVALHO,
Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Filosofia e Formação. Volume 1. Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

DANELON, Márcio. Por um ensino de filosofia como diagnóstico do presente: uma leitura à luz de Nietzsche. Dis-
ponível em: http://29reuniao.anped.org.br/trabalhos/trabalho/GT17-2095-Int.pdf. Acesso: 9 de fevereiro de 2021.

DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. O que é filosofia? 2.ed. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1997.

GALLO, Silvio. Modernidade/pós-modernidade: tensões e repercussões na produção do conhecimento em edu-


cação. Educação e Pesquisa, v. 32, n.3. São Paulo, 2006. Disponível: http://www.scielo.br/scielo.php?script= sci
_ arttext & pid= S151797022006000300009 & lng= pt\ nrm=iso Acesso: 6 de fevereiro de 2021.

GELAMO, RP. O ensino da filosofia no limiar da contemporaneidade: o que faz o filósofo quando seu ofício é ser
professor de filosofia? [online]. São Paulo: Editora UNESP; São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. 178 p. ISBN
978-85-98605-95-1. Available from SciELO Books.

GONTIJO, Pedro - Ensinar- Didática para além da didática. In: Ensinar filosofia: vol. 2 / organizadores Marcelo
Carvalho, Gabriele Cornelli. -- Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

GUIDO, Humberto; GALLO, Silvio; KOHAN, Walter O. Princípios e possibilidades para uma metodologia filosófica
do ensino de filosofia: história, temas, problemas. In: CARVALHO, Marcelo. CORNELLI, Gabriele (org.). Ensinar
Filosofia. Volume 2. Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

KOHAN, Walter Omar- Como ensinar que é preciso aprender? Filosofia: uma oficina de pensamento. In: ensinar
filosofia: vol. 2 / organizadores Marcelo Carvalho, Gabriele Cornelli. -- Cuiabá, MT: Central de Texto, 2013.

LAKATOS, E. M.; MARCONI, M. A. Fundamentos de Metodologia Científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2010.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. Campinas; SP.Ed. Papirus, 1990.

MUNARI, Alberto. Jean Piaget / Alberto Munari; tradução e organização: Daniele Saheb. – Recife: Fundação Joa-
quim Nabuco, Editora Massangana, 2010.

SARDI, Sérgio A. - A vivência como princípio metodológico no filosofar com crianças. educação v. 27 - n° 02. 2002.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 176


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Licenciada em Pedagogia desde 2006, "Latu


Sensu", pelo Centro Universitário das Faculdades
Metropolitanas Unidas (FMU).Pós graduada nos
cursos de Psicopedagogia Institucional desde
2017. Pós-graduada em Alfabetização de Jovens
e Adultos desde 2018 e em Autismo desde 2020,
pela Faculdade Campos Elíseos (FCE). Professora
atuante na rede municipal e estadual do estado
de São Paulo.

CREUSA
DA SILVA PINHEIRO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 177
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

FERRAMENTAS PEDAGÓGICAS QUE CONTRIBUEM COM O


TRABALHO COM CRIANÇAS DEFICIENTES

RESUMO: O presente artigo tem o objetivo de contribuir para a compreensão de como se dá o


processo de inclusão do aluno deficiente pelo sistema de Educação vigente para assim poder
ser usado como base para que a educação consiga trilhar caminhos significativos, integrando
as experiências trazidas no contexto escolar para que elas ajudem a corrigir os problemas
encontrados. Foram colhidas também informações de bibliografias diversas. As conclusões básicas
a que se chega foram que a necessidade de apoio aos profissionais da educação é urgente e
necessária, e que a rede educacional está defasada, precisando ser reestruturada. É necessário
reestruturar o ensino de forma a corrigir as falhas, apontar os erros e oferecer uma educação
de qualidade para todos com ensino digno para o indivíduo, além de ser possível constatar que
esta pesquisa é excelente fonte de dados que contribui para que se busquem respostas para os
problemas existentes facilitando o convívio e a prática de criar regras que servirão como apoio
em relação ao que se propõe nos projetos pedagógicos escolares.

Palavras-chave: Ferramenta Pedagógica; Inclusão; Desenvolvimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 178


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
presente artigo tem a finalidade de contribuir para que se compreenda a função
das ferramentas pedagógicas para o desenvolvimento de uma Educação real-
mente inclusiva, este interesse se deu após observar a forma com que a criança
se desenvolve, estando à educação presente e influenciando o aprendizado e a formação do
indivíduo, principalmente na sua infância.
A ideia é refletir sobre o trabalho realizado em sala de aula dando-lhe um caráter de
estudo, partindo da hipótese que a aprendizagem deriva de fatores de atividades motoras
auxiliadoras do desenvolvimento do saber infantil, sendo necessário auxiliar nas dificuldades
corrigindo problemas de aprendizagem é de suma importância para que se possam valorizar
as formas de aprendizagem observando-as com olhares críticos, para que as mesmas possam
ser vistas com caráter pedagógico específico para favorecer o desenvolvimento completo do
indivíduo em formação.
A escola é o espaço que favorece as relações sociais presentes no dia a dia da criança
sendo enriquecidas e favorecidas na Educação Infantil pela prática pedagógica, contribuindo
para a construção de conceitos de aprendizagem, bem como contribuir para a assimilação
de informações oferecidas para a criação de nova aprendizagem servindo assim como apoio
didático eficiente e sólido, favorecendo a construção do conhecimento propriamente dita.
O objetivo geral deste trabalho é, realizar um estudo de caso para investigar e entender,
como transformar as ferramentas didáticas e qual o apoio pedagógico necessário para a cons-
trução e o desenvolvimento das habilidades a serem desenvolvidas nas crianças deficientes
transformando a escola permitindo que ela seja realmente inclusiva.
Especificando ainda qual o favorecimento do desenvolvimento da criança diante da po-
sição do educador, levando-o a perceber que o desenvolvimento de atividades lúdicas auxilia
na formação e desenvolvimento do indivíduo, considerando a relevância deste diante de todo
processo educativo, analisando a possibilidade de por meio da brincadeira entender como
ocorre à apreensão das regras, e dos conceitos a serem ensinados às crianças, considerando
as seguintes hipóteses:
É possível utilizar as diversas ferramentas didáticas para que estes sejam considerados
facilitadores do processo de ensino e aprendizado deficientes?
Será possível que as crianças deficientes consigam construir e abstrair conceitos ensi-
nados apesar de sua dificuldade de aprendizado apoiando-se em tais ferramentas?
É possível que se desenvolva a atenção, os conceitos lógicos, favorecendo a abstração
utilizando os brinquedos e as brincadeiras como ferramenta pedagógica?
Para responder estas dúvidas as reflexões serão pautadas em referenciais teóricos clás-
sicos voltando o olhar para a aprendizagem contribuindo com o fornecimento de informações
para que se compreendesse a fundo o tema abordado nesta pesquisa, bem como outros
autores que tratam do tema.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 179


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REALIDADE DO TRABALHO COM alizam as escolas deveriam pensar no todo,


CRIANÇAS DEFICIENTES não da forma que pensam, individualizado o
processo.
Analisando a educação na sua situação
em que encontra, imagina-se que ela não tem Os medos, a insegurança, o trauma, e
mais jeito, está falida, mas não é verdade, o preconceito sempre estiveram presentes
hoje o processo educacional passa por uma criando o estigma de que o Deficiente Inte-
fase de reflexão muito importante, na qual lectual era incapaz, inútil, que se estivesse
para que o ensino seja de qualidade e os em sociedade estaria sempre em evidência,
portadores de necessidades especiais sejam sendo uma verdadeira vergonha social. Tanto
valorizados, sendo necessário este processo que , não se percebia Deficientes Intelectu-
para criar constantes reflexões, registros, pos- ais convivendo em sociedade, estes estavam
sibilidades e desafios, para que seja estrutu- sempre a parte, excluídos ou escondidos, dos
rado um marco histórico, considerando este olhos de todos.
um dos momentos mais importantes para Com a virada de século, entre os sécu-
educação inclusiva. los XX e XXI, as pessoas Deficientes come-
Sendo necessário desenvolver postu- çaram a ser vistos como seres sociais, que
ras, que mude o que pensa a sociedade, é possuem potencialidades que podem e de-
um importante desafio, da escola com o ideal vem ser respeitadas e aproveitadas em seu
de buscar uma sociedade mais humana, mais desenvolvimento, transformando-os em seres
fraterna, independente das condições físicas, funcionais.
psicológicas, emocionais ou linguísticas de Haja vista a abertura hoje dada para
cada um. Valorizando e construindo a história que estes se tornem alunos e participem das
individual de cada um em diferentes momen- atividades das escolas regulares, passando
tos do processo ensino aprendizagem. a serem aceitos em todos os segmentos so-
O grande objetivo educacional da déca- ciais, culturais independente de suas limita-
da, é a inclusão das pessoas deficientes, no ções. O conceito de que todos podem e de-
sistema regular de ensino, e este proporcio- vem aprender de acordo com suas limitações,
na, um grande desafio para profissionais da vem se estruturando de forma a favorecer a
área e órgãos competentes, pois a sociedade inclusão de maneira efetiva, o que contribui
mostra-se ainda incompreensível, insensível e para que se mude o olhar diante da deficiên-
não comprometida com seus deficientes, mas cia, o que estimula também a necessidade
é preciso construir mecanismos que modifi- de manter contato com os responsáveis por
quem esta realidade. esta criança para que se entenda quais são
os caminhos para que se desenvolva seus
O paradigma tradicional da escola deve diversos saberes.
ser transformado, permitindo a revisão dos
seus currículos, percebendo que cada turma Para tanto, é preciso acreditar em pri-
é uma turma, que cada escola é uma esco- meiro lugar que o Deficiente aprende, consi-
la, que somos únicos, e que é impossível derando-se suas dificuldades, e habilidades,
transformar a escola em uma grande linha de acordo com suas condições e seu tempo
de produção onde as máquinas criam peças de aprendizagem, oferecendo-lhe as mesmas
exatamente idênticas, todos temos habilida- oportunidades dos outros alunos, contando
des diferentes, necessidades diferentes e as com o apoio de seus familiares para que con-
pessoas que coordenam administram e ide- tribuam para a efetivação do trabalho.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 180


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

É pertinente e relevante porque consi- Existem iniciativas públicas de adequar


dera a necessidade de compreender o pa- a educação para o deficiente, mas o estado
pel da escola e família na vida do educando, ainda engatinha em tal processo, não tendo
evidenciando as dificuldades em se manter nem realizado pequenas experiências no as-
um diálogo saudável entre ambas esferas de sunto, e por isto não oferecem apoio adequa-
convívio social que envolvem o do aos seus profissionais.
Deficiente Intelectual, para facilitar e Sem a abertura adequada, o professor
permitir meios de reflexão e busca de cami- busca tal aperfeiçoamento por conta própria
nhos para facilitar seu acesso ao processo para adequar-se à realidade e assim oferecer
de inclusão escolar de maneira adequada. A
um bom atendimento para o sucesso comple-
necessidade desta reflexão permite analisar
to da educação é preciso entender o contexto
a importância desse contato, uma vez que
social a que o ensino tem se proposto, permi-
é a família o primeiro grupo social em que
o indivíduo está inserido e que é ela em seu tindo que o professor se transforme como as
ambiente familiar que irá fornecer as informa- borboletas, para que este busque seu objeti-
ções necessárias para que se possa realizar vo, trabalhando contra a discriminação que ai
um trabalho efetivo no desenvolvimento do esta, com os conhecimentos voltados a todos
aluno em questão. os alunos, mostrando que está à frente de sua
sala, mas, o poder não está centralizado em
Porém, considerar que estas informa- si, que todos são protagonistas do
ções, só serão transmitidas a partir do mo-
mento em que esta família se sinta segura conhecimento, que estão lá buscando
se faz necessário, para que se compreenda novas experiências para o crescimento indivi-
e se conheça as necessidades dos alunos, dual de cada um.
construindo assim uma verdadeira escola in-
clusiva. VISÃO PEDAGÓGICA NO AUXÍLIO
DO TRABALHO COM CRIANÇAS
Alguns órgãos de educação já fazem DEFICIENTES
sua parte tentando transformar as ideias e
oferecer novas visões, como é o caso dos Desde que a criança nasce, esta já con-
CEFAI, que visa enfrentar junto aos profes- vive em sociedade por fazer parte de uma
sores estes desafios, esta busca viabilizar convenção definida como família, participan-
as formações continuadas do professor, que do de um ambiente mantenedor de conheci-
deve manter-se atualizado quanto ao assunto, mento e desenvolvimento, desenvolvendo por
oferecendo–lhe subsídios adequados para a meio de influências do meio sua forma de agir
realização do seu trabalho. e pensar interagindo com diversos parceiros
Ao oferecer para o professorado cur- obtendo diferentes oportunidades.
sos que sejam de qualidade para que estes O compromisso das instituições escola-
consigam rever seu conhecimento, conside- res se limita em garantir o direito de viverem
rando que estudos realizados mostram que situações acolhedoras, seguras, agradáveis e
o deficiente tem as mesmas necessidades e desafiadoras selecionando os valores dos en-
passam pelo mesmo processo de desenvol- sinamentos oferecidos, respeitando os desen-
vimento de um dito normal, é uma considera-
volvimento da criança por meio de um proces-
ção de suma importância, pois seu processo
so recíproco, desta forma o educar e cuidar é
é simplesmente um pouco mais lento, o que
entendido como inseparáveis em toda ação
favorece sua aprendizagem suas novas des-
cobertas, e sua construção da história. educativa definindo todos os envolvidos como
iguais, apesar de diferentes, favorecendo a
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 181
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

inclusão de crianças portadoras de necessi- Outro ponto importante é o envolvimen-


dades educacionais especiais, transformando to da criança deficiente com as diferentes
o professor em mediador da criança em toda linguagens, colocando a criança em contato
a aprendizagem, considerando a família fator com o mundo externo, oferecer acesso a dife-
principal para a realização do trabalho. rentes atividades instrucionais diferenciadas,
oferecendo-lhe trabalhos em grupo, para que
O ato de realizar atividade como ob-
servar um móbile, cuidar de outra criança, ela obtenha um aprendizado cooperativo, par-
separar objetos, cantar, ouvir poesias, con- ticipando de diferentes metodologias e dife-
versar sobre o desenvolvimento dos animais, rentes estilos de aprendizagem.
são habilidades produzidas pelo processo Desta forma o contato destes alunos
de aprendizagem oferecido a criança desta com o trabalho realizado na unidade escolar
forma se construí uma relação humana, nas é importantíssimo, pois a inserção destes no
atividades sócio culturais, oferecendo ativida- ambiente escolar favorece o desenvolvimento
des concretas, que servem de base a novos
psíquico da criança levando-a a se apropriar
saberes fundamentais, as suas funções psi-
do conhecimento oferecido transformando-a
cológicas (afetivas, cognitivas, motoras, lin-
em dona de seus saberes.
guísticas) as transformando e desenvolvendo
novos aprendizados dando sentido a todas Todos devem estar matriculados na
as relações com o mundo a natureza e a cul- unidade escolar, pois a inserção destes no
tura, interligando-as a novas informações de ambiente escolar favorece o desenvolvimento
mundo contribuindo com sua relação com o psíquico da criança. Ao nascer a criança se
mesmo. encontra em um ambiente social com valores
O aprendizado se dá após o processo culturais específicos, ao adentrar os muros da
de experimentar, testar, sentir e pensar infor- escola, estes conhecimentos são aprimora-
mações recebidas após a análise de matura- dos devido ao estabelecimento das relações
ção orgânicas de cada experiência oferecida com o outro. As aquisições do aprendizado
favorecendo a relação com diferentes parcei- criado por meio destas experiências são cha-
ros nas mais diferentes tarefas, por imitação madas de apropriação.
ou por transmissão social.
Segundo Vygotsky, a educação é im-
Contribuindo para o desenvolvimento portante para que o sujeito se reconheça
de uma sociedade humanitária, menos pre- como participante da sociedade, transforman-
conceituosa, injusta, contribuindo para que do o conhecimento adquirido como fruto do
crianças deficientes permitindo que estas trabalho realizado entre professores, alunos,
sejam vistas como iguais, garantindo-lhes o família, equipe técnica, construindo um apren-
acesso e permanência nas escolas, contri-
dizado coletivo.
buindo com atividades que favoreçam seu
desenvolvimento. O nível de desenvolvimento real, passa
ao nível de desenvolvimento potencial, uma
Os reconhecimentos destas diferenças
favorecem o aparecimento e o reconhecimen- vez que a exploração e a comparação reali-
to das potencialidades sendo possível permi- zada entre o conhecimento adquirido e a ex-
tir criar, descobrir e reinventar novas estraté- periência oferecida criem um conhecimento
gias pedagógicas que incluam atividades que sendo que para ser considerado adequado,
garantam a participação de todos os alunos, deve-se buscar a mediação entre ambos e
respeitando as dificuldades e restrições de esta deve ser oferecida pelo professor.
cada um deles, reavaliando o trabalho e reco-
meçando o trabalho sempre que necessário.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 182
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

De modo geral, o trabalho com deficien- Maranhão (2007) define a criança como
te deve ser observado como possível, consi- sujeira do seu processo de aprendizado ao
derando tudo o que a criança sabe favorecen- brincar uma vez que ela constrói por si seus
do intervenções pedagógicas que permitam valores e regras no dia a dia para que se
que ela aprenda mais, promovendo o desen- dê às suas interações com o mundo físico e
volvimento do indivíduo. social. Observa-se que o processo de apren-
dizagem existente no ato de contemplar dois
Para o sucesso completo da educação
pontos importantes, o de permitir que a crian-
é preciso entender o contexto social a que
ça desenvolva o movimento, da forma mais
o ensino tem se proposto, permitindo que o
eficiente possível e o fato de desenvolver a
professor busque alcançar seu objetivo, traba-
criatividade necessária para alcançar os ob-
lhando contra a discriminação, contribuindo
jetivos propostos.
para que seu conhecimento seja disseminado
a todos os alunos, descentralizando o poder, A este processo, aliam-se às qualida-
criando um ambiente social onde todos que des das execuções justificadas pela necessi-
dele participam são protagonistas do conhe- dade funcional dos mecanismos de controle
cimento buscando novas experiências para o de movimento conhecidos por nós como psi-
crescimento individual de todos. comotricidade, necessários para desenvolver
habilidades e exteriorizá- las desenvolvendo
Os procedimentos utilizados para rea-
o conhecimento.
lizar atividades propostas, a busca de solu-
ções e as regras criadas, acabam se tornan- Os conhecimentos derivam de soluções
do meios eficientes de resolver problemas, de problemas que podem ser utilizados por
permitindo a evolução individual de cada um. prazer funcionais, ficando guardado na me-
Portanto, dentro da prática educacional ao mória do indivíduo. No ser humano, existe
falarmos ferramentas educacional, fala-se de uma tendência a automatizar os movimentos,
desenvolvimento da criança, onde em cada esta tendência, torna favorável o processo de
prática existe um saber fazer que se encon- aprendizagem, pois a necessidade de aten-
tra em constante mudança e que favorece o ção revertida em situações de aprendizagem,
acesso à construção de outros conhecimen- torna-se contribuições infalíveis ao processo,
tos. pois ao concentrar-se a criança assimila os
conceitos ensinados e desenvolve habilida-
Estes fatores são dados de grande im-
des que somadas a outras atividades auxiliam
portância na formação do indivíduo, pois o
no desenvolvimento.
relaciona ao meio físico trabalhando todos os
componentes de ordem física, afetiva e mo- É preciso ter ciência da ferramenta pe-
tora, transpondo as dificuldades que imagina dagógica seja ela lúdica, motora ou didática
ou que tenha encontrado em certa situação. para favorecer o saber fazer, uma vez que
o conseguir realizar para estes alunos gera
O desenvolvimento do conhecimento
sentimentos de satisfação e competência ven-
envolve a reprodução dos exercícios que favo-
cendo as limitações e destruindo barreiras in-
recem o pensamento operativo, incentivando
ternas.
o indivíduo a utilizar-se do raciocínio lógico
dedutivo, construindo por meio de ações sim- Atualmente, o BNCC (2017), destaca o di-
bólicas e operativas favorecendo sua inteli- reito que toda criança tem de viver experiências
gência. significativas em sua educação, ressaltando o
quanto é possível aprender por meio de jogos,
brincadeiras, danças e práticas esportivas.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 183
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ao servir-se deste método, o professor Pois este recurso permite que a criança
está colaborando para o sucesso do proces- o utilize para obter prazer e para se ajustar a
so ensino-aprendizagem, isto quer dizer que um mundo incompreendido ou temido. Fried-
durante esta prática ocorre a potencialização man, (1996), ressalta que as brincadeiras
de situações em que a criança é estimulada, educativas ou didáticas estão voltadas para
incentivando assim a participação dela por incentivar o desenvolvimento cognitivo e são
meio de um objeto significativo para ela. importantes para o desenvolvimento dos co-
nhecimentos. Eles ganham espaço possibi-
Tendo atenção a estes fatores estimula-
litando o desenvolvimento das habilidades
-se à construção do conhecimento de forma
manuais, a criatividade, enriquecem a experi-
eficiente, pois, oportuniza-se o sucesso a va-
ência sensorial, além de promover a sociali-
riadas habilidades e conhecimentos. Deve-se
zação entre as crianças.
olhar todas as atividades sejam elas lúdicas
ou não, pautadas nas ferramentas pedagógi- O contato com diferentes métodos favo-
cas um importante instrumento no desenvol- rece o processo de aprendizagem, segundo
vimento infantil, tornando as atividades atra- Vygotsky apud Kishimoto, (1998) o ser huma-
entes aos olhos recebendo uma dimensão no tem a possibilidade de imaginar eventos
educativa gigantesca. nunca vividos, planejar ações a serem reali-
zadas em momentos posteriores. Por meio
É preciso lembrar que ao incluir ativida-
dos diferentes tipos de atividades oferecidas
des diferenciadas em sua prática o professor
são acionados mecanismos que desenvol-
deve ter em mente os objetivos claros, para
vem os processos mentais e evidenciam a
que estes atinjam o estágio de desenvolvi-
importância das relações entre o imaginário
mento da criança. O professor deverá tam-
e a realidade.
bém propiciar, mediar e organizar um am-
biente favorável à interação e a aprendizagem É preciso verificar que estas ferramentas
suprindo as necessidades infantis. pedagógicas devem ser integradoras, trazen-
do novidades fundamentais para despertar o
É interessante ressaltar, que as experi-
interesse das crianças, pois conforme estas
ências iniciais das crianças devem ocorrer por
vão jogando, elas vão se conhecendo melhor
meio de brincadeiras que propiciem vivenciar
e construindo interiormente seu mundo.
situações concretas que oportunizem a cria-
ção de conceitos relacionados à capacidade, Desta forma, a escola resgata os conhe-
peso, comprimento e temperatura. cimentos necessários para o desenvolvimento
da aprendizagem, possibilitando as interferên-
O contato com diferentes tipos de brin-
cias necessárias para que a sociedade seja
cadeiras e metodologias durante o período
formada de indivíduos criativos, dinâmicos,
infantil pode favorecer o processo de apren-
sensíveis, inventivos, descobridores e encora-
dizagem desde que sejam adequadas à faixa
jadores de sua autonomia, com pensamentos
etária e a necessidade das crianças, desta
críticos, chegando a níveis mais elevados do
forma a ausência de pressão do ambiente
conhecimento.
cria um clima bastante propício para investi-
gação necessária à solução de problemas. A A aprendizagem, no entanto, depende
brincadeira permite à criança a flexibilidade da motivação de interesse dispensado pela
para buscar alternativas de ações e soluções criança. Esses são aspectos importantes para
de problemas. que as crianças sejam introduzidas na ativi-
dade realizada, sentindo-se segura para rea-
lizá-la.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 184
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Na Educação Infantil, o projeto pedagó- A vantagem de analisar cuidadosamen-


gico trabalhado está ligado ao brincar. Todos, te as ferramentas escolhidas para a realização
coordenadores, professores e funcionários das atividades é poder pautar todos os possí-
devem ser convidados a realizar o resgate veis acessos à imaginação e as dificuldades
das brincadeiras infantis, populares ou não, existentes levando a criança a superá-las e
para enredar as crianças a conhecerem sua corrigi-las, sem maiores problemas para seu
cultura e desenvolverem as habilidades dos desenvolvimento.
alunos.
É preciso aproveitar esta satisfação da
Percebe-se que as atividades ofereci- criança em relação ao lúdico para se obtiver
das permitem que a criança se integre ao eficiência no desenvolvimento de habilidades
meio social em que ela está inserida deixan- motoras e raciocínio lógico, criando e estimu-
do de ser egocêntricas aprendendo assim a lando atividades que possibilitem trabalhá-las,
dividir e a conviver no meio social onde existe para que com o passar do tempo a criança
o outro, e com as brincadeiras coletivas, o consiga reparar seus problemas, com a coo-
olhar o outro, é possível que esta melhore e peração de todos que lidam com seu proces-
se desenvolva como cidadã aprendendo a ter so de formação da criança.
o que lhe é de direito sem agredir, ofender ou
O profissional atento à questão das di-
limitar a liberdade do outro.
ferentes habilidades que as atividades lúdicas
Quando se oferece à criança algum tipo promovidas podem minimizar as diferentes
de atividade que busque desenvolver o co- dificuldades e promover uma satisfação da
nhecimento vários sentidos são despertados criança pelo ambiente escolar principalmente
e por sua vez treinados e desenvolvidos de para desenvolver suas habilidades específi-
forma completa, entende-se, portanto, que o cas.
brincar encontra-se presente na formação de
cada indivíduo interligando o homem ao seu
ambiente por meio de seus movimentos, é,
portanto, esta relação que facilita o processo
de aprendizagem desenvolvido na escola.
A própria criança revela a satisfação em
desenvolver na escola atividades, se sentindo
parte oferecendo caminhos para que com o
passar do tempo a criança consiga reparar al-
guns problemas, com a cooperação de todos
que lidam com seu processo de formação da
criança.
O desenvolvimento infantil, serve como
parâmetro para que se valorize e se reorga-
nize as atividades desenvolvidas de forma a
perceber a importância, podendo este ser o
caminho para que o processo de aprendiza-
gem se torne realmente produtor de conheci-
mento e trabalhe as habilidades específicas
do indivíduo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 185


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se por meio deste que a ferramenta pedagógica escolhida baseado seja na
brincadeira ou na exploração de objetos, seja no desenvolvimento do conhecimento físico,
favorecem o desenvolvimento dos sentidos e pensamentos, sozinhos ou em grupo, reconhe-
cendo assim seu espaço entendendo com se vive em sociedade.
Para seguir o avanço esperado é necessário que a criança seja inserida no ambiente
buscando ao mesmo tempo soluções, reflexões, análise e criação em todas as atividades
valendo-se de pontos que contribuam para que a criança desenvolva a imaginação podendo
não só resolver problemas e situações, mas que por meio da sua criatividade encontre várias
maneiras de resolver seus problemas ampliando suas habilidades conceituais.
Este fato é possível, pois são as regras que permitem que a criança se comporte de
forma diferenciada do que ela realmente é, transformando o que é natural, permitindo que
ela entenda os diversos papéis sociais. Tais experiências são excelentes oportunidades de
contribuir a linguagem da criança com diferentes objetos e possuindo diferentes situações
estimulando a linguagem externa e a ampliação do vocabulário.
Percebe-se, portanto, que a atividade mostra um pouco da personalidade da criança,
devendo o professor estar atento para conhecer todas as crianças. Incentivando a troca tra-
balhando com a socialização entre as crianças, o professor ensina a controlar o sentimento
de posse contribuindo com a formação do cidadão desenvolvendo valores sociais coletivos.
Os professores de Educação Infantil devem ter esclarecimento quanto à importância das
brincadeiras e brinquedos, para isto o profissional deve ser ativo, que tome decisões e que
leve em conta as formas de pensar da criança, deve
também estimular a cooperação entre as crianças, pois as relações de socialização
favorecem e influem na aprendizagem.
Hoje, na sala de aula, o professor e os alunos sentem-se presos, pois a sala é mar-
cada pela seriedade e o conteúdo é garantia de que o papel da escola foi realizado com
competência, e quando a brincadeira ocupa o lugar do conteúdo na concepção de muitos
os professores não estão trabalhando. O professor deve ser aquele companheiro que brinca
e incentiva a turma.
Este deve fazer com que as crianças o sintam como amigo participante e ativo, e ao
mesmo tempo, ensinar a criança a valorizar o brinquedo e compreender que este está fazendo
parte do aprendizado. Assim, pude comprovar que o aluno especial tem passado por uma
inclusão que é quase uma exclusão sofrida pelas dificuldades e que apesar de todas as ações
estas lhe parecem insignificante, num primeiro momento, elas se tornam desgastantes devido
à falta de estrutura e conhecimento profissional, dificultando as relações entre professores e
alunos.
Percebe-se que ao valorizar profissional oferecendo meios para que seu conhecimento
esteja sempre sendo renovado, o sistema está valorizando o processo pedagógico e o psico-
pedagógico, estabelecendo uma relação ampla com o saber e o aprender, vencendo desafios
e enfatizando a resolução dos problemas causados pelas dificuldades dos alunos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 186


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Concluo também que órgãos da educação, segurança e assistência social, pois as


construções e reestruturações desta são de suma importância para que amenizar, a pressão
sofrida pelos educadores no processo de ensinar, pois assim estes aprenderiam a lidar com
a demanda tão heterogênea que estão recebendo em sala de aula.
A reestruturação dos currículos, cursos e conteúdo a serem trabalhados também devem
ser revistos, para que a integridade intelectual do deficiente não seja desperdiçada, pois, os
acontecimentos e descobertas científicas tem acontecido a uma velocidade fenomenal e estes
há seu tempo conseguem desenvolver seu saber, como qualquer indivíduo normal.
Há a necessidade também da ampliação dos projetos que deram certo acerca do as-
sunto, favorecendo a informação, unificando estados e prefeituras, em prol do sucesso da
causa, entendendo, que independente do setor que lhe compete, os governantes precisam
unificar a sociedade.
Para que se mude este paradigma e se altere realmente a maneira de visualizar o tra-
balho e a função da escola diante do deficiente favorecendo assim a mudança da forma de
gerir e aceitar a entrada desta criança no ambiente escolar é preciso que ela perceba que
a escola está mudando seu comportamento e seu olhar diante das situações que envolvam
esta criança.
Este processo de mudança torna-se complexo, uma vez que para se confiar é necessá-
rio conhecer a fundo o ambiente, as pessoas, as relações estabelecidas dentro do ambiente
escolar, o que sugere que se abra os portões escolares para a entrada, a participação e per-
manência destas famílias no espaço escolar, o que de certa forma também causa insegurança
aos que participam da comunidade escolar, gerando uma situação de conforto.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 187


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental

– Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil/ Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Educação Fundamental – Brasília MEC/SEF volume 3, 1998.

FREIRE, J. B. Educação de Corpo Inteiro – Teoria e Prática da Educação Física, 4ª Edição, São Paulo: Ed. Sci-
pione, 2001.

FRIEDMANN, Adriana : Brincar, crescer e aprender – o resgate do jogo infantil. São Paulo: Moderna, 1996.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida: O brincar e suas teorias , São Paulo : Cortez ,2001.

______. Jogo,brinquedo e brincadeira. São Paulo: Cortez, 2001.

MARANHÃO, Diva. Ensinar Brincando. A aprendizagem pode ser uma grande brincadeira. WAK Editora, Rio de
Janeiro, 2007.

MANTOAN,Maria Teresa Egler. Caminhos pedagógicos da inclusão. São Paulo: Memnon, 2001.

NETO, Carlos Alberto Ferreira: Motricidade e jogos na infância. Rio de Janeiro: Sprint,1995.

SAWAIA,Bader. As artimanhas da exclusão, Petrópolis: Vozes, 2001.

SKLIAR, Carlos. Educação e exclusão. Porto Alegre: Meditação. 2001.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 188


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade Paulista


(2013). Atua como professora de Educação Infantil
e Anos Iniciais do Ensino Fundamental na rede
Municipal e Estadual de São Paulo.

CRISTIANE
APARECIDA DOS
SANTOS RAMOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 189
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DA FORMAÇÃO DOCENTE PARA A


APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NO ENSINO
REGULAR
RESUMO: A inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais em sala de aula no
ensino regular é o enfoque de muitas discussões sobre Educação Especial, devido à importância
e urgência de atender as necessidades particulares discentes, respeitando as limitações de modo
que ocorra a potencialização das habilidades e capacidades. Sendo assim, este trabalho buscou
refletir acerca da formação dos professores na atualidade em relação à Educação Especial e
Inclusiva, enfatizando a necessidade do docente em conhecer as limitações e potencialidades
de seus alunos no Ensino Regular para trabalhar as habilidades sem que ocorra a exclusão em
sala de aula. Para tanto, a pesquisa objetivou analisar a formação dos professores para atuação
na educação inclusiva, por meio de uma pesquisa bibliográfica, justificando a relevância do
estudo pela necessidade de o professor em atender todos os alunos em sala de aula no ensino
regular, contemplando desde às deficiências até os problemas de aprendizagem e disciplina.
O estudo possibilitou identificar que a formação dos professores deve proporcionar a utilização
das ferramentas necessárias para uma reflexão crítica acerca de suas práticas, permitindo a
participação de todos os alunos, a fim de potencializar as habilidades e atender às necessidades
discentes.

Palavras-chave: Educação Inclusiva; Formação Docente; Sistema Educacional.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 190


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
Educação Inclusiva trata-se de uma proposta que oferece aos alunos com ne-
cessidades educacionais especiais um espaço de participação no processo de
ensino-aprendizagem nas salas de aula regulares, objetivando atender as necessi-
dades particulares discentes, respeitando as limitações de modo que ocorra a potencialização
das habilidades e capacidades (MANTOAN, 2007).
A escola de educação inclusiva deve estar voltada ao ensino compartilhado, ou seja, as
discussões devem envolver todos os alunos, proporcionando a troca de experiências, a fim
de que ocorra o desenvolvimento da capacidade crítica, direcionado à formação de sujeitos
que respeitam o próximo e as diversidades (COSTA, 2010).
Sendo assim, este trabalho buscou refletir acerca da formação dos professores na atu-
alidade em relação à Educação Especial e Inclusiva, enfatizando a necessidade do docente
em conhecer as limitações e potencialidades de seus alunos no Ensino Regular, a fim de
atender as particularidades dos sujeitos, proporcionando qualidade e resultados positivos no
processo de ensino-aprendizagem.
Dentre os objetivos que nortearam a realização dos estudos, destacam-se: analisar
a formação dos professores para atuação na educação inclusiva; realizar uma revisão de
literatura para compreender a formação inicial e continuada dos professores que atuam na
Educação Básica; identificar as adaptações curriculares para atendimento aos alunos da
Educação Inclusiva.
A relevância deste trabalho justifica-se pela necessidade de uma formação inicial e
continuada dos professores, a fim de que ocorra a construção do conhecimento acerca das
possibilidades de adaptações para o atendimento dos alunos com necessidades educacionais
especiais.
Os professores precisam compreender as limitações e potencialidades de seus alunos
para proporcionar a qualidade no processo de ensino-aprendizagem, sem distinções ou ações
excludentes, sendo possível a inclusão por meio de estratégias pedagógicas coerentes com
a realidade da sala de aula.
Como metodologia, utilizou-se a pesquisa bibliográfica com revisão de literatura, que
favorece a construção de ideias a partir de referências já realizadas por diferentes autores que
tratam os temas estudados.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 191


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

BREVE CONTEXTO DA EDUCAÇÃO ciência respeitando as características próprias


ESPECIAL dos momentos históricos, mas ainda marcada
pelo direcionamento pedagógico em relação
Historicamente, as pessoas com defici- às necessidades médicas, tornando os as-
ência física sempre enfrentaram grandes de- pectos pedagógicos relevantes após muita in-
safios quanto ao reconhecimento e a inclusão sistência dos defensores da educação como
das atividades sociais comuns aos cidadãos. forma de socializar e promover os avanços
Muitos anos marcaram o afastamen- nas pessoas com deficiência, reconhecendo
to dos deficientes ao convívio social, vistos o atendimento médico como prioritário (SIL-
como amaldiçoados por suas deficiências VA, 2011).
ou mesmo por crenças religiosas que segre- No Brasil, a educação especial está
gam estes sujeitos. As famílias isolavam os marcada por dois momentos: entre os anos
deficientes devido à vergonha ou desconhe- de 1954 e 1956, cujos aspectos estavam vol-
cimento por suas limitações e, com medo de tados às iniciativas oficiais isoladas e os anos
maltrato, a exclusão social passou a ser uma de 1957 e 1993, com iniciativas oficiais em
fonte de proteção (MOSQUITEIRA, 20013). caráter nacional. Até a década de 1950, a
Após o século XIX, as evoluções da me- educação era para deficientes, não reconhe-
dicina passaram a voltar estudos às deficiên- cida ainda como Educação Especial (COSTA,
cias, buscando soluções aos problemas dos 2010).
indivíduos, consideradas como incapacidade Portanto, a Educação Especial é impor-
e defasagem de caráter físico, psicológico, tante para atender as exigências e perspecti-
motor, entre outros. Durante séculos, o tra- vas sociais crescentes, buscando a aplicação
tamento aos deficientes levava o termo “re- da democracia e o reconhecimento dos direi-
tardado mental”, presente ainda em muitos tos de cada cidadão, possível apenas quando
códigos de classificação de doenças (SILVA, todos os sujeitos obtiverem acesso à infor-
2011). mação, conhecimento e aos meios necessá-
Em meados de 1960, os sujeitos cha- rios para sua plena formação, respeitando as
mados de deficientes ou retardados passa- limitações e explorando as potencialidades.
ram a ser conhecidos como excepcionais, O final dos anos 1980 é marcado pelo
com o propósito de amenizar os direciona- movimento de inclusão que objetiva abolir
mentos aos deficientes, encarando-os como qualquer tipo de exclusão, priorizando a igual-
talentosos e atribuindo positividade às limi- dade de oportunidades sociais, escolares e
tações; desta maneira acreditava-se que as profissionais. Esse movimento passou a ser
atitudes preconceituosas seriam superadas. reconhecido mundialmente, buscando a de-
Outras nomenclaturas também representaram fesa de todos os alunos em frequentar esco-
os deficientes físicos, como pessoas com las regulares, valorizando as diversidades a
necessidades educacionais especiais, obje- fim de ensinar sobre as diferenças e garantir
tivando a exclusão do sentido de deficiência a construção da aprendizagem no espaço
(COSTA, 2010). escolar, estendendo às conquistas sociais
A conquista pelas igualdades e exer- (COSTA, 2010).
cício dos direitos deve-se aos avanços dos
Direitos Humanos, registrando progresso na
inclusão das pessoas deficientes, marcadas
pela segregação e rejeição. A Educação Es-
pecial que vai adquirindo espaço vagarosa-
mente, adota uma concepção acerca da defi-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 192
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A INCLUSÃO NO SISTEMA gurada a frequência em escolas regulares, va-


EDUCACIONAL lorizando as diversidades para a construção
do processo de ensino-aprendizagem em um
O século XX é marcado pelas lutas espaço escolar comum, com oportunidades
contra todos os tipos de discriminação, apre- iguais aos alunos.
sentando a insatisfação dos sujeitos em mo-
vimentos mundiais acerca do impedimento Aos pais cabe a obrigação de matricu-
do exercício cidadão de pessoas deficientes, lar seus filhos na rede regular de ensino, a fim
causando uma revolução inclusiva na socie- de garantir o direito de todos os indivíduos,
dade. independente das diferenças encontradas.

A educação inclusiva também nasce Sendo assim, as definições do autor


neste contexto, assumindo um debate que remetem a capacidade dos sujeitos em en-
centraliza a escola como papel de supera- tender e reconhecer o outro, convivendo e
ção da exclusão, criando condições para que compartilhando as diferenças existentes. A
as práticas cotidianas dos indivíduos sejam educação inclusiva é a prática de acolher sem
mais tolerantes, respeitando as diferenças qualquer restrição, abrangendo alunos com
(FACION, 2009). todos os tipos de deficiência, assim como
abre espaços para aqueles que não apresen-
Apesar de a sociedade atual reconhe- tam limitações físicas, mental, psicológica ou
cer as diferenças, ainda existem muitas pes- habilidades superdotadas.
soas que escondem suas limitações a fim de
evitar conflitos e sofrimentos. Pessoas com Sendo assim, a ação de incluir alunos
características intelectuais, físicas, culturais, deficientes na escola é sinônimo de uma re-
sexuais, sociais, linguísticas, entre outros volução educacional, fundamental para que
padrões considerados diferentes sofrem ao ocorra a inclusão social, objetivada como
frequentarem salas de aula estruturadas com uma meta sólida, capaz de ser atingida em
modelos tradicionais de ensino que mantém diferentes sistemas que revela uma escola
uma educação padronizada em perfeições e aberta, solidária, comunitária e democrática,
aspectos historicamente preservados e de- ultrapassando os limites da integração e al-
fendidos como normais para a convivência cançando o respeito às diversidades em uma
social. sociedade com direitos iguais a todos os hu-
manos (MOSQUEIRA, 2013).
Um sistema de ensino que garante a
inclusão deve vetar a utilização de qualquer Um sistema educacional inclusivo ultra-
prática discriminatória, garantindo a igualdade passa as reflexões e práticas existentes nas
de oportunidades para todos, pois a discrimi- escolas, buscando mudanças efetivas em
nação ocorre a partir de condutas que negam conceitos, políticas e parâmetros pedagógi-
ou restringem o direito de uma pessoa, consi- cos, que estejam de acordo com o direito de
derada diferente, ao acesso às oportunidades todos à educação. A inclusão é um processo
que são legalmente asseguradas a todos os de aperfeiçoar a educação de modo que to-
cidadãos, independente de suas limitações dos os alunos sejam beneficiados, tendo ou
ou escolhas (FACION, 2009). não deficiências, dependendo da vontade e
disponibilidade do quadro gestor, dos profes-
Segundo Mantoan (2007), os movimen- sores e do próprio sistema educacional de
tos que defendem a inclusão das pessoas ba- modo a enfrentar as inovações e adotar a
seiam-se no princípio da igualdade de oportu- inclusão (CORREIA, 2005).
nidades em todos os âmbitos sociais, assim
como o acesso às instituições educacionais
de ensino. Portanto, a todos os alunos é asse-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 193
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A inclusão dos alunos com deficiência atitudes discriminatórias dentro da socieda-


em salas regulares de ensino deve ser uma de, implicando em mudanças que dependem
conquista diária que depende da dedicação do tempo, da vontade, das adaptações e da
de todos os envolvidos no processo de ensi- tomada de providências da comunidade es-
no-aprendizagem, pois tudo que é diferente colar, buscando o funcionamento eficaz e
do habitual tende a representar insegurança transformador, decorrentes de um sistema
naqueles que praticam, ou seja, se os profes- inclusivo.
sores e gestores não estão preparados para
A educação inclusiva não ocorre ape-
lidar com as deficiências e desconhecem as
nas por decretos e diretrizes, mas é construída
práticas pedagógicas para trabalhar com tais
dentro das escolas por todos os envolvidos
limitações, a consequência é resistir e tentar
na qualidade do processo de ensino-apren-
“fugir” dessa situação, não que seja um des-
dizagem, sendo necessária a coletividade,
caso com a inclusão, mas apenas o ato de
mobilizações, discussões e ações desenvolvi-
evitar as mudanças desconhecidas (SILVA,
das pela comunidade escolar como um todo
2011).
(MANTOAN, 2007).
A escola tradicional é o espaço de me-
A educação inclusiva é importante para
todologias e práticas resistentes às mudanças
atender as exigências e perspectivas sociais
e propostas diferentes. O tradicionalismo não
crescentes, buscando a aplicação da demo-
atende às diversidades devido à rigidez e se-
cracia e o reconhecimento dos direitos de
leção na estrutura de ensino, centrada na re-
cada cidadão, possível apenas quando todos
produção de conteúdo, exaltando o professor
os sujeitos obtiverem acesso à informação,
como único detentor do conhecimento.
conhecimento e aos meios necessários para
As instituições de ensino ainda seguem sua plena formação, respeitando as limita-
esta proposta engessada, resistindo à inclu- ções e explorando as potencialidades (FA-
são e carecendo de recursos para atender as CION, 2009).
deficiências, como espaços físicos adequa-
Segundo Mosquera (2013), quanto à
dos e profissionais qualificados para atender
educação inclusiva, cabe à aplicação do en-
a demanda dos alunos (MEDEIROS, 2009).
sino que penetra todo o sistema educacional
O sucesso da inclusão de alunos com de um país, proporcionando aos deficientes
deficiência depende de um posicionamento a elevação de suas capacidades, o desen-
do sistema educacional que esteja especiali- volvimento da personalidade, a participação
zado em todos os alunos e não apenas nos socialmente e profissionalmente ativa e a ob-
deficientes ou não deficientes. tenção de conhecimentos.
A qualidade do ensino nas escolas re- O Ministério da Cultura e Educação
gulares é movimentada por práticas adapta- (MEC) ainda aponta a Educação Especial
das de modo a responder às necessidades como o conjunto de recursos educativos que
de cada um dos alunos, desde que não seja estão à disposição de quaisquer alunos que
limitada à educação especial e suas modali- necessitem de uma continuidade ou perma-
dades de exclusão. Os progressos significati- nência educacional.
vos ocorrerão através da adaptação das prá-
Neste contexto, a educação inclusiva
ticas pedagógicas às diversidades de todos
abrange três níveis humanos: acadêmico,
os aprendizes (MOSQUEIRO, 2013).
socioeconômico e pessoal, não dependendo
A escola inclusiva não proporciona ape- apenas das ações do docente para ocorrer
nas uma educação de qualidade a todos, mas com eficácia e eficiência, devido à necessi-
cria situações decisivas para a eliminação de dade de serviços que a contemplem. A prin-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 194


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

cipal característica de uma escola inclusiva é da autonomia de fato. A autonomia, portanto,


atender alunos com e sem deficiências, que depende da acessibilidade, de modo que a
necessitam de serviços apropriados para sua pessoa com deficiência consiga transitar, in-
limitação ou não (CORRÊA, 2005). dependente de suas limitações.
Facion (2009) faz uma referência aos A independência traduz-se na possi-
parâmetros da inclusão, essenciais para o en- bilidade da pessoa com deficiência tomar
sino: modalidade de atendimento, educação decisões sem que ocorra a intervenção de
apropriada e serviços adequados. Estes parâ- terceiros, sejam profissionais da saúde ou
metros têm por finalidade o melhor desenvol- educação, seja de familiares ou amigos. Já
vimento possível dos alunos com deficiência o empowerment, trata-se de uma pessoa, ou
dentro das turmas regulares, confirmando a grupo de pessoas que utilizam seu poder
necessidade das escolas em estarem equi- para nortear a condição específica de tomar
padas e preparadas para receber estes alu- decisões ou escolher o que é melhor para
nos, sem deixar de atender a necessidade de si ou para o grupo, assumindo o controle de
aprendizagem de todos os sujeitos. suas vidas.
Portanto, muitas são as vantagens da No caso da educação inclusiva, o pro-
educação inclusiva, permitindo que ocorra o fessor é o “líder”, norteando as condições
desenvolvimento de atitudes positivas diante do grupo de alunos, escolhendo as práticas
às diversidades, pois este processo facilita o ideais para alcançar as necessidades dos
alcance de resultados positivos no desenvol- discentes com e sem deficiência (SASSAKI,
vimento acadêmico e social, preparando o 2007).
sujeito para a vida em comunidade e evitan-
As escolas que propõe uma educação
do que os efeitos negativos de uma exclusão
inclusiva devem apresentar componentes dis-
derrubem a confiança e autoestima dos defi-
cursivos, organizacionais, operacionais e insti-
cientes (CORREIA, 2005).
tucionais, defendendo a escolha pela vertente
Para Facion (2009), ainda é possível que melhor atender as necessidades de seus
destacar como vantagens da implementação alunos, através da formação de equipes es-
da educação inclusiva em todas as modalida- pecializadas, com alianças entre pessoas de
des da vida humana, ultrapassando o alcance áreas diferentes de modo que o ambiente de
aos deficientes, mas atingindo a sociedade aprendizagem seja pleno e atenda às diferen-
em geral, pois envolve profissionais da área tes exigências dos alunos (FACION, 2009).
da saúde, como médicos, fonoaudiólogos,
Também as políticas sociais e a legis-
psicólogos e fisioterapeutas, ao mesmo tem-
lação que defendem a educação inclusiva
po em que conta com todos os profissionais
devem ser formuladas de maneira adequa-
da educação regular e especial.
da, a fim de que o objetivo do processo de
Alguns conceitos direcionam a educa- ensino-aprendizagem atinja a participação em
ção inclusiva, segundo Sassaki (2007) como sociedade integralmente pelas pessoas com
a autonomia, a independência e o empower- e sem deficiência (MANTOAN, 2007).
ment. Quanto à autonomia, significa a con-
Desde que a educação inclusiva come-
dição do domínio físico e social da pessoa
çou a ser discutida, em meados da década
que a exerce, desde que a privacidade e a
de 1980, as instituições de ensino nacionais
dignidade estejam maximamente preserva-
e internacionais passaram a incluir processos
das. Ou seja, o sujeito com necessidades
decisórios em todas as etapas educacionais,
educacionais especiais tem direito a autono-
do planejamento a implementação, supervi-
mia diariamente em suas ações, sendo ne-
são e avaliação de políticas e programas que
cessária adaptação do meio para conquista
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 195
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

atendam os alunos com deficiência de todos Estando as escolas empenhadas na


os aspectos (SASSAKI, 2007). eliminação das barreiras que impedem ou
dificultam a inclusão dos deficientes, tanto a
A inclusão não se limita ao direito de
comunidade escolar quanto as famílias auxi-
acesso do deficiente em escolas regulares de
liarão na construção do processo de ensino-
ensino, estendendo-se a conquista pelo res-
-aprendizagem a fim de garantir um planeja-
peito mútuo e pelas adaptações físicas, mate-
mento participativo, assim como a troca de
riais e profissionais de modo que promovam
experiências que enriqueceram o desenvol-
uma aprendizagem satisfatória e significativa
vimento pedagógico, social e psicológico a
também para os alunos com necessidades
fim de garantir a inclusão educacional (MAN-
educacionais especiais, pois são cidadãos
TOAN, 2007).
com limitações e não anormalidades (FA-
CION, 2009). Ao trabalhar com as diferenças é neces-
sário compreender que o ensino precisa de
Porém, ainda existem muitas defasa-
apoio, recursos didáticos, metodologias ino-
gens no suporte, nas políticas e na aplica-
vadoras, propostas curriculares e avaliações
ção da legislação que assegurem a educa-
que visem o benefício de todos os alunos
ção inclusiva, tanto referente à infraestrutura
em sala de aula, independente se o discen-
precária, quanto ao oferecimento de cursos
te apresenta ou não deficiências (FACION,
de especialização que formem profissionais
2009).
qualificados para trabalhar com o aluno res-
peitando suas limitações e explorando suas As crianças com necessidades educa-
habilidades e potencialidades. cionais especiais conseguem alcançar um
melhor desenvolvimento quando frequentam
ESTRATÉGIA DOCENTE PARA O
escolas regulares, pois adquirem informações
TRABALHO COM AS DIVERSIDADES
como os outros alunos, de caráter igualitário
Quando o processo da educação inclu- e, por mais que o tratamento receba alguns
siva está orientado pelos princípios dos direi- cuidados, dependendo da deficiência, as con-
tos humanos e por uma proposta pedagógica dições são propícias para construção das di-
que visa à aprendizagem construtiva e parti- versidades, para o respeito ao próximo, pelo
cipativa na organização do sistema educacio- conhecimento das leis de uma sociedade e
nal, as políticas especiais voltadas aos alu- pela interação e vivência com os cidadãos de
nos com deficiência seguem um modelo que modo a promover a qualidade de vida pro-
condenam a segregação, enfatizando a inclu- fissional e pessoal do aluno com limitações
são como principal representante do sistema (SASSAKI, 2007).
educacional inovador, superando as ideias As atitudes preconceituosas que ex-
ultrapassadas de que os alunos deficientes cluem alunos com necessidades educacio-
deveriam ser separados conforme suas ne- nais especiais permanecem por gerações,
cessidades, sem interação com outros alu- devido às informações desconexas ou a falta
nos, criando um ambiente de desvantagens de experiência em conviver com as diferenças
posteriores à vida pessoal e profissional dos humanas em todos os aspectos (FÁVERO,
deficientes (CORREIA, 2005). FERREIRA, BARREIROS, 2009).
Os professores, neste contexto, devem Para Jannuzzi (2004), a educação
contribuir com a inclusão dos alunos deficien- torna-se a resposta contra as diversidades,
tes na educação regular de modo a elaborar driblando os desafios a fim de alcançar os
estratégias pedagógicas que favoreçam a in- objetivos estipulados através de práticas edu-
tervenção na exclusão social e educacional cativas, ações, participação da comunidade
dos alunos (SASSAKI, 2007). escolar, além da implementação de políticas
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 196
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

públicas que garantam o direito dos indivídu- porta a deficiência de cada aluno, mas a ma-
os em conviver coletivamente em sociedade, neira como ele desenvolve suas habilidades,
incluindo a educação como responsabilidade mesmo apresentando limitações, que podem
de todos os cidadãos. variar entre físicas, psicológicas e o baixo ren-
dimento escolar.
O século XX ficou marcado pelas mu-
danças que consolidaram alguns movimentos O importante é auxiliar o aluno no de-
sociais a favor da garantia dos direitos às di- senvolvimento compensatório de sua defici-
ferenças humanas, destacando a educação ência, incluindo situações de aprendizagem e
como um dos principais projetos que ampa- conhecimento aproveitáveis para a realidade
ram a inclusão dos alunos, através da inova- social, pessoal e profissional do aluno incluí-
ção de práticas pedagógicas e na produção do (COSTA, 2010).
de materiais didáticos alternativos, acessíveis
Ao receber um aluno na sala de aula que
às necessidades de cada aluno considerado
pertence à educação inclusiva em aspectos de
especial (FACION, 2009).
deficiência, o professor sente-se apreensível,
Para Costa (2010), na realidade esco- justamente, pelo fato de que cada deficiência
lar, apesar de existirem políticas e legislações é única e singular, assim como cada sujeito.
que garantam o acesso dos deficientes nas Mesmo que o docente já tenha trabalhado com
escolas regulares, embasados em metodolo- um aluno surdo, por exemplo, ao receber outro
gias que representam mais a parte burocráti- em determinada situação, suas ações e práti-
ca da escola do que as práticas propriamente, cas talvez não representem o mesmo impacto
o professor torna-se o profissional mais envol- conquistado anteriormente, devido ao fato da
vido com as crianças, logo o mais próximo singularidade presente nas pessoas (FÁVERO,
também as situações de inclusão, receben- FERREIRA, BARREIROS, 2009).
do uma enorme responsabilidade em educar
Sendo assim, a investigação pelas par-
e inserir os deficientes no contexto escolar,
ticularidades do aluno deficiente, assim como
promovendo a socialização, a inclusão e a
do aluno não deficiente, é fundamental para a
aprendizagem aos alunos.
compreensão das realidades, limitações e po-
Devido às defasagens em todos os âm- tencialidades de todos os discentes, de modo
bitos educacionais, os professores, apesar de que o professor possa realizar um planeja-
buscarem a promoção da inclusão dos alunos, mento eficaz que alcance os objetivos estipu-
ainda apresentam queixas e dificuldades acer- lados pelo sistema educacional, pela escola
ca de como receber e trabalhar cada limitação e para suas próprias realizações profissionais
discente, de modo a contemplar os objetivos (JANUZZI, 2004).
do processo de ensino-aprendizagem, além
A possibilidade de compreender tais
de estarem despreparados e inseguros para
situações implica no repensar das práticas
ensinar alunos com e sem deficiência ao mes-
pedagógicas, direcionando a aprendizagem
mo tempo, em um mesmo espaço educacional
à formação do aluno crítico, reflexivo, ativo,
(FÁVERO, FERREIRA, BARREIROS, 2009).
criativo e participativo, diante de uma socieda-
“Os conhecimentos docentes não são de que ainda resiste às inclusões. As práticas
suficientes para alcançar a compreensão dos que visam o desenvolvimento da capacidade
processos de aprendizagem de alunos defi- de abstração levam o aluno a ser envolvido à
cientes, bem como suas técnicas, seus recur- dinâmica pedagógica, permitindo que ocorra
sos, seus materiais” (FACION, 2009, p.136). uma organização própria e diferenciada do
Durante a formação da criança, cada sujeito professor ao trabalhar com cada aluno de ma-
adquire uma singularidade, tornando-a dife- neira coletiva, sem deixar de enxergar cada
rente dos demais indivíduos, logo, não im- sujeito como único (COSTA, 2010).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 197
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Januzzi (2004) afirma que o professor O PERFIL DOCENTE DA EDUCAÇÃO


precisa saber relacionar os objetivos do ensi- INCLUSIVA
no às situações pedagógicas, de modo que
os conteúdos e as estratégias apresentem Além das práticas necessárias para ser
relações que garantam a qualidade no pro- um bom professor, o docente que assume
cesso de ensino-aprendizagem. uma sala de aula com alunos deficientes pre-
cisa estar preparado para realizar a inclusão
O relacionamento entre conteúdos e es- destes alunos, mantendo um ambiente de
tratégias, porém, não consideram os alunos aprendizagem favorável a todos os alunos
como participantes do processo, pois apesar participantes (MEDEIROS, 2009).
dos objetivos pedagógicos estarem voltados
aos alunos, eles aprendem após o planeja- Atualmente, porém, não basta que o
mento técnico, previamente formulado. professor apresente todas estas exigências
em seu perfil para ser um profissional de qua-
Neste contexto, as estratégias pedagó- lidade em sala de aula, devido a abrangência
gicas precisam ser um referencial às relações da educação inclusiva. Primeiramente, para
sociais criadas em salas de aula entre cole- ressaltar as necessidades do professor inclu-
gas e professores, principalmente na situação sivo, é necessário entender que existem dois
entre o aluno e o professor. Para a educação, perfis para quem trabalha com alunos de in-
faz-se necessário relacionar a realidade social clusão: o professor generalista e o especia-
presente na escola à oportunidade de apren- lista (MOSQUEIRA, 2013).
der, ou seja, quanto mais interação existe em
sala de aula, maior será o grau de aprendiza- A formação de um professor generalista
gem e conhecimento do aluno, seja ele defi- que trabalha com educação inclusiva engloba
ciente ou não (MOSQUEIRA, 2013). conhecimentos sobre: o desenvolvimento da
instituição e das inovações curriculares; ensi-
A comunicação em sala de aula depen- no, concepções e práticas pedagógicas fora
de principalmente, das práticas reflexivas do das vertentes tradicionalistas; condições de
docente, capacitado para improvisar diante atuação, aplicação de metodologias e reno-
dos imprevistos e alterar os planos e ativi- vação do ensino. Estes conhecimentos preci-
dades previamente preparadas quando há sam estar articulados ao conteúdo que será
necessidade. Conforme o professor aperfei- ensinado, bem como às necessidades espe-
çoa seus métodos didáticos, a variação do ciais de cada aluno da turma (SILVA, 2011).
repertório permite que ele responda às cir-
cunstâncias de imprevistos em sala de aula O professor precisa estar disposto a en-
(JANUZZI, 2004). trar em contato com o conhecimento em ge-
ral, estreitando o conhecimento próprio com o
O professor que apresenta uma práti- que está acontecendo nas diversas áreas de
ca reflexiva está em constante mudança para atividades humanas, mantendo-se informado
adequar suas ações e atividades às necessi- sobre as realizações dentro e fora da sala de
dades de seus alunos, enfrentando situações aula. Estas ações esperadas de um professor
que permitem a análise e compreensão de generalista pressupõem uma atitude diferen-
como deve utilizar os conhecimentos científi- ciada que se articula, integra e proporcionam
cos em sala de aula para resolver incertezas, uma constante revisão do próprio conheci-
elaborando rotinas flexíveis, recriando estraté- mento (COSTA, 2010).
gias, inventando técnicas e recursos de modo
a inovar como docente e atender aqueles que Neste contexto, os professores são mais
dependem de sua atuação: o aluno (COSTA, abertos a ouvir, a entender e a desenvolver as
2010). informações apresentadas na sala por seus
alunos e, mesmo que o docente as conheça,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 198
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

vai saber lidar com a situação e inovar em neste ambiente, propondo atividades e refle-
suas atividades pedagógicas (MOSQUEIRA, xões que auxiliam o crescimento do deficiente
2013). (MEDEIROS, 2009).
Segundo Silva (2011), trabalhar com a O professor que atua na Educação Es-
inclusão é saber desenvolver operações men- pecial deve ter a competência para exercer
tais que funcionem de maneira sistêmica, ou uma prática inclusiva especializada, ampara-
seja, o professor deve pensar no aluno como das e embasadas nos Parâmetros Curricula-
pertencente a uma rede de relações, que vai res Nacionais, elaborados a fim de defender
adquirindo características através da integra- o respeito às diversidades regionais, cultu-
ção entre suas potencialidades e as experi- rais, políticas e considerar as necessidades
ências com colegas, familiares, professores comuns educacionais de todos os alunos em
e sujeitos de maneira geral. variados contextos (SILVA, 2011).
Esta relação permite que a criança uti- Desse modo, a intenção é criar espaços
lize sua criatividade, explorada pelo profes- escolares com condições de aprendizagem
sor após a observação, articulação e avalia- que permitam aos alunos deficientes um aces-
ção, de modo a promover um ambiente de so em conjunto, explorando as potencialida-
aprendizagem que facilite a socialização e a des e trabalhando os conhecimentos sociais,
interação de alunos deficientes com alunos reconhecendo as necessidades e incluindo
não deficientes, preparando-os para um fu- para o exercício da cidadania.
turo profissional e pessoal mais autônomo e
Ao atender a educação especial, o pro-
independente (MANTOAN, 2007).
fessor precisa elaborar propostas pedagógi-
Já o professor especialista tem sua for- cas baseadas na interação com os alunos e
mação voltada para trabalhar especificamente entre os alunos, atendendo os objetivos do
com alunos incluídos, estando preparado para currículo e reconhecendo os tipos de capaci-
lidar com os conhecimentos de cada área das dades dentro das salas de aula.
necessidades educacionais especiais e apto
A sequência didática adotada também
para identificar e potencializar cada limitação
deve seguir diferentes ritmos de aprendiza-
dos alunos deficientes. A formação do profes-
gem, de modo que todos alcancem resul-
sor especialista deve contemplar os conheci-
tados positivos ao final do processo, assim
mentos da gestão educacional inclusiva, vol-
como metodologias que motivam o aluno.
tando suas competências ao desenvolvimento
A avaliação precisa abranger uma proposta
de trabalhos realizados de modo a integrar
emancipadora, objetivando o progresso e as
projetos de outras áreas, desde acadêmicas,
conquistas de cada aluno no contexto cole-
até de atendimento à saúde, assistencialismo,
tivo e em aspectos individuais, autônomos e
justiça e de infraestrutura (SILVA, 2011).
independentes (COSTA, 2010).
“O professor especializado conduz a
ação docente, mas pede auxílio a médicos,
psicólogos, entre outros, dependendo das
condições que o aluno apresentar” (FÁVERO,
FERREIRA, BARREIROS, 2009, p.75). Como
a educação inclusiva apresenta propostas po-
líticas e pedagógicas que valorizam a cultura
humana, referente aos direitos igualitários dos
homens, principalmente quanto ao acesso e
permanência educacional, o professor espe-
cialista é quem está capacitado para lidar
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 199
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A educação inclusiva representa a luta pela igualdade e não discriminação, buscando
garantir o direito de todos os cidadãos, igualmente, de modo a conseguirem acesso e par-
ticipação dentro das escolas, estendendo seu reconhecimento na sociedade e contribuindo
para a eliminação dos preconceitos, diminuindo as diferenças.
A escola precisa ser um lugar que supere os desafios e desenvolva as potencialidades
dos alunos, alcançando os objetivos educacionais e proporcionando aprendizagem, infor-
mação e conhecimento aos discentes. O ambiente escolar também deve contribuir para a
construção da autoconfiança de modo que os alunos possam driblar as situações cotidianas
de maneira criativa, crítica e transformadora, sejam eles deficientes ou não.
Neste contexto, a formação dos professores deve proporcionar a utilização das ferra-
mentas necessárias para uma reflexão crítica acerca de suas práticas, norteando seu trabalho
para situações de aprendizagem que promovam a inclusão do aluno, formando cidadãos que
respeitam o próximo e trabalham em busca de uma sociedade mais justa e menos discrimi-
natória; também as instituições de ensino precisam abrir espaço para que este trabalho de
inclusão ocorra eficazmente, contribuindo com materiais, auxílios e amparos aos professores,
à adaptação do currículo e à promoção de situações prazerosas de convívio.
A ausência de preparo profissional para atender alunos com deficiência atrapalha a cons-
trução de uma aprendizagem de qualidade, mas não é fator determinante para que a inclusão
não ocorra nas escolas. O empenho entre professores e alunos resulta em possibilidades e
limitações entre ambos, proporcionando uma inclusão generalizada, não apenas dos alunos
com deficiência, mas da sala de aula. Como todos os cidadãos são únicos perante a socie-
dade, não há motivos para tratar com diferenças aqueles que apresentam maiores limitações,
pois a singularidade é uma característica humana presente através dos tempos e gerações.
A inclusão de qualquer aluno depende da revisão dos papéis da escola, dos professores,
familiares e dos próprios alunos. Como a formação do professor leva-o ao maior contato com
os alunos, suas práticas, ações, metodologias, atitudes e emoções precisam ser trabalhadas
em função da qualidade do processo de ensino-aprendizagem, promovendo a capacitação de
seus alunos, seja deficiente ou não, além de potencializar suas habilidades de maneira que
se tornem cidadãos conscientes, críticos e atuantes na sociedade, capazes de transformar o
preconceito em algo obsoleto.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 200


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
CORREIA, L. M. Inclusão e Necessidade Educativa Especial: um guia para educadores e professores. 2. ed. Porto:
Porto, 2005.

COSTA, S. M. Educação especial em tempos de Educação Inclusiva: identidade docente em questão. São Carlos:
Pedro & João Editores, 2010.

FACION, J. R. Inclusão escolar e suas implicações. 2. ed. Curitiba: IBPEX, 2009.

FÁVERO, O. FERREIRA, T. I.; BARREIROS, D. Tornar a educação inclusiva. 6. ed. Brasília: UNESCO, 2009.

GIL, A.C. Métodos e técnicas de pesquisa social. 6. ed. São Paulo: Atlas; 2010.

JANUZZI, G. M. A educação do deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. Campinas. Coleção
Educação Contemporânea. Autores Associados. 2004.

MANTOAN, M. T. E. Caminhos pedagógicos da educação inclusiva. In: GAIO, R.; MENEGHETTI, R. Caminhos
pedagógicos da Educação Especial. 4. ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2007.

MEDEIROS, C. Saberes Docentes e Autonomia dos Professores. 2. ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2009.

MOSQUERA, J. Educação especial: em direção à educação inclusiva. 16. ed. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2013.

SASSAKI, R. K. Inclusão: Construindo uma sociedade para todos. Rio de Janeiro: WVA, 2007.

SILVA, E. G. O perfil docente para a educação inclusiva: uma análise das atitudes, habilidades sociais e o perfil
escolar inclusivo. 2011. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Filosofia e Ciências, Universidade Estadual
Paulista, Marília. Disponível em: < https://www.marilia.unesp.br/Home/Pos-Graduacao/Educacao/Dissertacoes/
silva_eg_dr_mar.pdf>. Acesso em 01/02/2021.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 201


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade Braz


Cubas (2008); Especialista em Educação Especial
pela Universidade Braz Cubas (2014); Professor
de Ensino Fundamental I e Educação Infantil - na
EMEI Lucília de Andrade Ferreira, Professora de
Educação Básica II – Educação Especial DI - na
EE Tokuzo Terazaki.

DAIANA
GOMES ANDRADE

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 202
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE ARTE PARA ALUNOS COM


DEFICIÊNCIA INTELECTUAL

RESUMO: Este estudo buscou compreender e refletir acerca da educação escolar que tem sido
oferecida às pessoas com deficiência, conhecer a Deficiência Intelectual, suas características,
Diagnósticos, Legislação e estratégias de intervenções pedagógicas para uma inclusão de
qualidade da pessoa com deficiência e refletir a partir das concepções de diversos autores que
tratam a respeito do tema. Utilizando-se da pesquisa bibliográfica, discutiu-se o processo de
inclusão, no contexto escolar, dando enfoque a seus objetivos e organização, considerando a
legislação nacional e diretrizes da educação especial. A inclusão de alunos com deficiência na
rede regular de ensino é garantida por lei, porém, há a necessidade de criar-se uma metodologia
específica, bem como recursos materiais para serem trabalhados com esses alunos, preparação
dos professores e funcionários e adequações das escolas, eliminando as barreiras arquitetônicas
para a efetiva integração da pessoa com deficiência como cidadãos, respeitando os direitos
e deveres de participação social. Acreditar nesses princípios é fazer do ambiente escolar um
local de troca de experiências, respeitando as individualidades e as diferenças, abandonando as
discriminações e os preconceitos, promovendo a solidariedade e dizendo não à violência. Somos
todos iguais, porém temos nossas particularidades.

Palavras-chave: Educação Especial; Cidadania; Inclusão.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 203


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
escolha do tema “A IMPORTÂNCIA DO ENSINO DE ARTE PARA ALUNOS COM
DEFICIÊNCIA INTELECTUAL” foi escolhido, por acreditar-se ainda existir a discri-
minação social, trazida historicamente de culturas estrangeiras por pessoas que
procuravam encobrir a própria deficiência por vários motivos, inclusive por discriminação e
preconceito e que ainda vemos nos cenários educacionais e sociais.
No Brasil, a inclusão de pessoas com deficiência é uma conquista muito recente, porém,
não tem sido para todos ainda. Entretanto, as mudanças que vêm ocorrendo com a inclusão
social são notórias, tendo início nos primeiros anos da Educação Básica até o Ensino Supe-
rior e vemos diversas empresas e até mesmo o setor público abrindo portas do mercado de
trabalho para a pessoa com deficiência. E isto tem feito com que a sociedade em geral passe
a olhar o deficiente com mais respeito , solidariedade e senso de justiça.
Objetivou-se construir argumentos para o significado da educação inclusiva de modo
que a educação especial se conclua nas redes regulares de ensino do Brasil em geral, bene-
ficiando aos alunos que desta realmente necessitam; proporcionando à comunidade escolar a
práxis em sentido lato, desintegrando o paradigma teórico-complexo, que permanece somente
“no papel”, impedindo que se efetive e finalmente que, a nossa educação nacional não seja
vista, ela, como “portadora de necessidades educacionais especiais”.
Por meio de pesquisa bibliográfica utilizou-se os fundamentos e concepções de reno-
mados autores e suas ideias que auxiliaram na construção deste trabalho. Utilizou-se também
das Leis, parâmetros, Diretrizes e decretos que regem a Educação Especial na atualidade.
Este trabalho justifica-se pela necessidade de se discutir muito a respeito do tema “In-
clusão social” de qualidade para pessoas com deficiência e igualdade de direitos e acessibi-
lidade. Por este motivo, o presente trabalho fará reflexões de como está sendo a inserção da
pessoa com deficiência no âmbito social e escolar, fazendo apontamentos relevantes sobre
a legislação brasileira e tendo como ponto de partida as pesquisas científicas e as conside-
rações de diversos autores.
A forma como tem se organizado a Educação Especial, dentro da sua própria história,
faz com que as pessoas deficientes continuem excluídas do processo educacional. O proces-
so inclusivo ideal é aquele que proporciona condições para que as pessoas com deficiência
sejam inseridas na sociedade em geral e a garantia de seus direitos como cidadãos. A Edu-
cação tem a função social transformadora, que visa construir um mundo melhor para todos,
com mais esperança e amor.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 204


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A EDUCAÇÃO ESPECIAL E SEUS Porém, é importante ter certeza de que,


DESAFIOS MEDIANTE A LEI DE com maior ou menor envolvimento por parte
DIRETRIZES E BASES DA EDUCAÇÃO dos diferentes segmentos participantes desse
NACIONAL processo, não são os dispositivos legais que
definem, por si só, o projeto educacional, mas
Objetivou-se aqui subsidiar a prática pe- a forma como essa legislação é operacionali-
dagógica da educação Especial, a partir de zada na realidade escolar.
alguns dispositivos legais hoje vigentes em
nosso País. Esse documento é fruto do traba- Enquanto modalidade de educação es-
lho de um grupo constituído pela Secretaria colar entende-se a educação especial como
de Educação Especial do Ministério da Edu- um conjunto de recursos e serviços educa-
cação e do Desporto que pretende explicitar cionais especiais organizadas para apoiar,
o papel da educação especial frente à Lei suplementar e, em alguns casos, substituir
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional os serviços educacionais comuns, de modo
– LDBEN numa perspectiva relacional entre a garantir a educação formal dos educandos
as modalidades de educação escolar e os que apresentam necessidades educacionais
diferentes níveis de ensino, contemplando as muito diferentes da maioria das crianças e
interfaces necessárias, garantindo o real pa- jovens (MAZZOTA, 2003).
pel da educação, enquanto processo educa- Esse exercício de realizar uma nova lei-
tivo do aluno e apontando para o novo “fazer tura sobre a educação do cidadão que apre-
pedagógico”. senta necessidades educacionais especiais
A educação especial, enquanto moda- visa a subsidiar e programar a Lei de Diretri-
lidade de educação escolar organiza-se de zes e Bases nº. 9.394/96, baseado tanto no
modo a considerar uma aproximação suces- pressuposto constitucional que determina no
siva dos pressupostos e da prática pedagógi- capítulo V da Educação Especial na LDB:
ca social da educação inclusiva e ao cumprir Podemos notar também que a educa-
os seguintes dispositivos legais: Constituição ção, direito de todos e dever do Estado e da
Federal (1988), Lei n°. 9.394/96 que trata família, será promovida e incentivada com a
das Diretrizes e Bases da Educação Nacional, colaboração da sociedade, visando ao ple-
Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº. no desenvolvimento da pessoa, seu preparo
8.069/90). Lei nº. 7853/89, que estabelece para o exercício da cidadania e sua qualifi-
“normas gerais para o pleno exercício dos cação para o trabalho, como das interfaces
direitos individuais e sociais das pessoas por- necessárias e básicas propostas no capítulo
tadoras de deficiência e sua efetiva integração V da própria LDB, com a totalidade dos seus
social”. dispositivos preconizados. Para compreender
Por meio da análise desses dispositivos tais propósitos torna-se necessário retomar as
legais podemos, a princípio, compreender as indagações já mencionadas.
diferentes ideias pedagógicas subjacentes às A LDB cita que a educação especial
estratégias de fazer educação, sob o ponto deve ocorrer na instituição escolar destinada
de vista de políticas públicas, cujo objetivo à educação infantil, ao ensino fundamental,
essencial é a formação do cidadão, por parte médio e à educação superior, de modo a
dos diferentes poderes. propiciar o pleno desenvolvimento das po-
tencialidades sensoriais, afetivas e intelectu-
ais do aluno utilizando-se de um projeto po-
lítico pedagógico que contemple as normas
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 205
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

de cumprimento dos 200 dias letivos; horas O projeto pedagógico é um mecanismo


aula, meios para recuperação e atendimento de ajuste que busca corrigir distorções
educacionais, encoberta ou não, que pro-
do aluno, articulação com as famílias e a co-
vocaram/provocam uma inversão dos re-
munidade e execução de uma proposta pe- ais propósitos do processo ensino-apren-
dagógica e um conjunto de outros elementos dizagem, principalmente no que tange às
que permitam definir objetivos, conteúdos e relações entre teoria/prática, mas essen-
procedimentos relativos à própria dinâmica cialmente o sentido da escolaridade de
escolar. cada cidadão. Esta nova possibilidade
nos leva a rever o papel da instituição
Assim, a educação especial deve ocor- escolar, a gestão escolar, o aluno, a for-
rer, preferencialmente, nas escolas perten- mação escolar, o ensino formativo e a in-
centes à rede regular de ensino, na escola fra-estrutura escolar frente à educação do
cidadão com necessidades educacionais
comum, dentro dos princípios da “escola in- especiais. Nesse sentido, deve ser garan-
clusiva”, entendida como aquela que além de tida uma ampla discussão que contemple
acolher todas as crianças, garante uma dina- não só os elementos enunciados anterior-
micidade curricular que contemple mudar o mente, mas também, pais, professores e
caráter discriminatório do fazer pedagógico, outros segmentos da comunidade, expli-
a partir das necessidades do aluno: citando uma competência institucional vol-
tada às diversidades e especificidades da
Há que se observar que essa “nova prá- comunidade escolar, considerando que o
tica” escolar, embora sendo de respon- aluno é o centro do processo pedagógico
sabilidades do poder público (federal, (SANTOS, 2005, p.32).
estadual, do Distrito Federal e municipal),
pode ser também promovida por institui- Desde o nascimento, até a velhice, a arte
ções privadas de ensino, filantrópicas, está em nosso meio, desde criança aprende-
especializadas, que deverão possibilitar mos as manifestações culturais do local em
programas pedagógicos que dêem su- que vivemos, alimentação, modo de vestir, de
porte às necessidades apresentadas pelo
pensar e de agir. A cultura é indissociável do
aluno, além de oferecerem os níveis de
ensino previsto em seu próprio regimen- ser humano e é de suma importância abordar
to escolar. Em termos de definição das neste trabalho que tipo de cultura são apren-
ações pedagógicas, a escola deverá pre- didas na infância e qual a contribuição do
ver e prover suas prioridades, em termos ensino de arte para a quebra de paradigmas
de recursos humanos e materiais, práticas historicamente construídos, os tipos de brin-
curriculares, garantindo sua competência
quedos, a questão de gênero, ressaltando-se
institucional (SANTOS, 2005, p.32).
que não existe mais brincadeiras, danças ou
Segundo as Diretrizes nacionais para outro tipo de arte específicos para meninos
a educação especial na educação básica ou meninas, mas que todos têm o direito de
(2001), os princípios gerais da educação das expressar-se como deseja.
pessoas com necessidades educacionais es-
É fundamental que o docente trabalhe
peciais, forma previamente delineados pela
a arte de forma livre, espontânea, que não
nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
seja reprodutora de ideologias, mas que pro-
(1996), tem como eixo norteador a elabora-
porcione a liberdade do aluno ser o que qui-
ção do Projeto Pedagógico da escola que in-
ser , desenhar o que quiser , criar, imaginar,
corpore esta modalidade de educação esco-
expressar, para que de fato o ensino de arte
lar, a partir de uma articulação com a família
alcance os seus objetivos.
e a sociedade civil organizada:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 206


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INCLUSÃO E NECESSIDADES que ser ampliado para incluir todas as crian-


EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA ESCOLA ças que não estejam conseguindo se bene-
ficiar com a escola seja por que motivo for”
O fator da inclusão de crianças com ne- (UNESCO, 1994, p.15).
cessidades educacionais especiais, na rede
de ensino, insere-se no contexto das discus- Segundo Carvalho (2000) e Oliveira e
sões, mais evidentes, relativas à integração de Poker (2002), o paradigma da escola inclu-
pessoas portadoras de deficiências enquanto siva pressupõe, conceitualmente, uma edu-
cidadãos, com seus respectivos direitos e de- cação apropriada e de qualidade, oferecida
veres de participação e contribuição social. conjuntamente a todos os alunos os ditos nor-
mais e aqueles portadores de deficiência nas
Santos (2002), explica que esta discus- classes do ensino comum, da escola regular,
são mais ampla sobre inclusão, fundada na onde deve ser desenvolvido um trabalho pe-
movimentação histórica decorrente das lutas dagógico que sirva a todos indiscriminada-
pelos direitos humanos, não mais se consti- mente.
tui numa novidade, se levar em consideração
que tais princípios já vêm sendo veiculados Sendo assim, o ensino inclusivo é a par-
em forma de Declarações e diretrizes políticas te prática da inclusão para todos, indepen-
pelo menos desde 1948, quando da apro- dentemente de seu talento, de sua deficiência
vação da Declaração Universal dos Direitos (sensorial, física ou cognitiva), de sua origem
Humanos. socioeconômica ou cultural. É preciso deixar
claro que a deficiência existe e que pessoas
O autor é claro ao explicar no que diz deficientes podem ter seu espaço na socieda-
respeito aos vários cenários em que tais prin- de, porém também é preciso esclarecer que
cípios de participação e direitos humanos se existem limitações, e assim alguns requisitos
inserem, incluindo-se o educacional, ainda há são fundamentais na escola para que eles
muito a ser esclarecido e discutido a respei- possam desenvolver seu processo de apren-
to das diferentes conotações que a inclusão dizado, sendo alguns deles o ritmo, o tempo,
possa assumir. a forma de ensinar:
Importante ressaltar que o próprio texto O princípio fundamental da escola inclusi-
afirma (UNESCO, 1994, p. 15), a Conferência va é o de que todas as crianças deveriam
de Salamanca: aprender juntas, independentemente de
quaisquer dificuldades ou diferenças que
Proporcionou uma oportunidade única de possam ter. As escolas inclusivas devem
colocação da educação especial dentro reconhecer e responder às diversas ne-
da estrutura de ‘educação para todos’ fir- cessidades de seus alunos, acomodan-
mada em 1990. Ela promoveu uma plata- do tanto estilos como ritmos diferentes de
forma que afirma o princípio e a discussão aprendizagem e assegurando uma edu-
da prática de garantia da inclusão das cação de qualidade a todos através de
crianças com necessidades educacionais currículo apropriado, modificações orga-
especiais nestas iniciativas e a tomada de nizacionais, estratégias de ensino, uso de
seus lugares de direito numa sociedade recursos e parcerias com a comunidade.
de aprendizagem (UNESCO, 1994, p. 15). Dentro das escolas inclusivas, as crian-
ças com necessidades educacionais es-
No que diz respeito ao conceito de ne- peciais deveriam receber qualquer apoio
cessidades educacionais especiais, a Decla- extra que possam precisar, para que
ração afirma que: “Durante os últimos 15 ou se lhes assegure uma educação efetiva
20 anos, tem se tornado claro que o conceito (UNESCO, 1994, p. 61.
de necessidades educacionais especiais teve
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 207
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo Almeida (1991), oficialmente ou para compreender os benefícios que a


o sistema educacional, através da educação inclusão e a integração podem trazer para
especial, deve oferecer várias modalidades de todos? Sobre essas questões parecem exis-
atendimento. Dentre as modalidades encon- tir ainda muitas lacunas. Elas se manifestam
tram-se as classes especiais onde os alunos quando os professores não têm clareza de
recebem instrução em classes separadas, suas ações profissionais (PCN, 1997).
mas participam com as demais crianças de
O SIGNIFICADO DA EDUCAÇÃO
classes regulares em atividades extraclasses, ESPECIAL
tais como: reuniões, atividades esportivas, e
outros eventos os quais a escola tem por há- De acordo com as Diretrizes Nacionais
bito desenvolver ou participar. para a educação especial na Educação Bási-
O LÚDICO NA EDUCAÇÃO ESPECIAL ca (2001): essas Modalidades educacionais
SEGUNDO OS PARÂMETROS devem se organizar no espaço escolar por
CURRICULARES NACIONAIS (PCNS) meio de processos educacionais próprios,
definido em uma proposta pedagógica, que
Os Parâmetros Curriculares Nacionais visa assegurar um conjunto de recursos e
(1997) têm sido discutidos e analisados em serviços educacionais especiais, organizados
vários âmbitos, mas estava faltando este olhar institucionalmente para apoiar, complementar,
específico da educação especial. Ao obser- suplementar e, em alguns casos, substituir
varem-se os documentos e outras estratégias os serviços educacionais comuns, de modo
de intervenção, percebe-se a preocupação a garantir a educação escolar e promover
com as novas diretrizes mundiais que tratam o desenvolvimento das potencialidades dos
do respeito às diferenças, da crítica aos atos educando.
discriminatórios, da inserção de valores éticos
Os alunos ou pessoas com necessida-
e culturais, e da apreensão desses valores
des educacionais a serem atendidos durante
como uma das metas prioritárias da ação pe-
o processo educacional deverão ser aquelas
dagógica.
que aparentemente apresentarem dificulda-
Tais ideias embasam os Parâmetros des precisas e que limitem os processos de
Curriculares Nacionais e visam principalmen- aprendizagem. Quando se observar que não
te ao aprimoramento do aluno como indivíduo se está acompanhando as atividades curricu-
participativo e consciente de suas possibili- lares, como os demais alunos, será necessá-
dades e deveres sociais. A melhoria da qua- rio averiguar as causas.
lidade do ensino é um desafio para todos os
Estas podem não estar vinculadas às
docentes e os procuram mostrar que o valor
causas orgânicas específicas, podem estar
da aprendizagem é mais evidenciado quando
relacionadas às condições que limitam o alu-
reflete em profundidade o sentido e o fortale-
no. Este poderá ter dificuldade no aprendiza-
cimento da cidadania, preparando os alunos
do em função da comunicação ou mesmo
para a vida.
por outros fatores ou, ainda poderá ter facili-
Mas será que os professores de arte, dade no aprendizado, maior que os demais
em suas práticas, estudos e reflexões sobre alunos e para ele também deverá haver ensi-
os Parâmetros Curriculares Nacionais, estão no especial. Este é o verdadeiro significado
realmente conscientizados sobre a extensão da educação especial compreendida dentro
da diversidade cultural, e para agir com a arte da Educação Nacional, pois, quando se fala
junto a diferentes alunos, principalmente às em especial, muitos temem que seus filhos
crianças e jovens portadoras de deficiências, dela venham necessitar. No entanto, a LDB
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 208
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

foi muito nobre em acrescentar à educação vencer as barreiras arquitetônicas existentes


especial o superdotado, pois quebram parte nas escolas, já que são raros os estabeleci-
daqueles preconceitos e discriminações, tra- mentos de ensino dotados de rampas, eleva-
tados de início. dores ou banheiros adaptados que permitam
o livre acesso de alunos na cadeira de rodas.
E é isto que importa aos cidadãos, ven-
cer as barreiras que impedem de prosseguir, Para Mantoan (2004) o mais importan-
dar oportunidade àqueles que dela necessi- te é garantir a todas as crianças uma escola
tam e cumprir com a cidadania, que, segundo democrática que reconheça e valorize a dife-
trata o artigo 22 da Lei de Diretrizes e Bases rença. Enquanto não dermos oportunidades
da Educação Nacional de 1996: “A educa- reais a todas as crianças desenvolverem seus
ção básica tem por finalidades desenvolver o talentos e se tornarem seres humanos mais
educando, assegurando-lhe a formação co- completos, a própria educação perde seu ver-
mum indispensável para o exercício da cida- dadeiro sentido. Por isso, toda educação é
dania e fornecer-lhe meios para progredir no inclusiva, caso contrário não é educação.
trabalho e em estudos posteriores” (BRASIL,
Para Sassaki (2003, p. 42) inclusão
LDBEN.1996 p. 9).
social é um processo que contribui para a
Muito mais que direito a exercer a cida- construção de um novo tipo de sociedade por
dania; a educação especial está hoje presen- meio de transformações, pequenas e grandes
te em todas as leis que estruturam o país e nos ambientes físicos. Inclusão, portanto é:
todos podem ter acesso a essas leis, cumpri-
• Atender aos estudantes portadores
-las e fazê-las cumprir, basta, pois, o exercício
de necessidades especiais e na vi-
à cidadania.
zinhança da sua residência;
FUNDAMENTAÇÕES SOBRE INCLUSÃO
SOCIAL E SEUS CONCEITOS • Propiciar a ampliação do acesso
desses alunos às classes comuns;
De acordo com Mantoan (2004), a edu-
• Propiciar ao professor da classe co-
cação inclusiva traz a diversidade presente
mum suporte técnico;
na sociedade para a sala de aula, garante o
direito dos deficientes à formação escolar e • Perceber que as crianças podem
ensina as crianças a respeitar e valorizar as aprender juntas embora tendo obje-
diferenças. A inclusão de pessoas com algum tivos e processos diferentes;
tipo de deficiência no sistema regular de ensi-
• Levar os professores a estabelecer
no, do nível fundamental à universidade, con-
formas criativas de atuação com as
tinua sendo uma luta no Brasil, mesmo com
crianças portadoras de deficiência;
a Constituição de 1988 garantindo a todos,
irrestritamente acesso à educação. • Propiciar um atendimento integrado
ao professor de classes comum.
Mantoan (2004), ressalta que alguns
números provam que em 1999, enquanto ha- • Inclusão, portanto não é:
via cerca de 8000 deficientes físicos no País,
• Levar crianças às classes comuns
frequentando o ensino fundamental, apenas
sem o acompanhamento do profes-
400 permaneciam no ensino médio. Essa
sor especializado;
enorme evasão escolar tem uma explicação à
maioria dos alunos com deficiência física de- • Ignorar as necessidades especiais
siste de estudar porque não consegue mais da criança;
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 209
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Fazer as crianças seguirem um pro- • Saber quais aprendizagens está cons-


cesso único de desenvolvimento ao truído neste sujeito;
mesmo tempo e para todas as ida-
• Saber quais marcas está definindo
des;
suas escolhidas;
• Extinguir o atendimento de educa-
• Estar disposto a vincular-se ao sujeito;
ção especial antes do tempo;
• Ter disponibilidade para a aceitação do
• Esperar que os professores de clas-
outro em sua maneira de ser;
ses regulares ensinassem as crian-
ças portadoras de necessidades es- • Ter flexibilidade para avaliar sua própria
peciais sem um suporte técnico. trajetória como educador e mudá-la; se
necessário for.
HÁ UMA DIFERENÇA ENTRE
INTEGRAÇÃO E INCLUSÃO Com o exposto até aqui, afirma-se que
não bastam objetivos e ou justificativas; é
• Integração vem impor o aluno defi-
preciso, mesmo nos limites de uma prática
ciente a obrigação de acompanhar e
social, buscar por uma educação que se faça
dominar o conteúdo didático;
especial e inclusiva.
• Inclusiva preconiza que, a escola OS PROCESSOS DE INCLUSÃO
corresponde à realidade, dê conta
todos os alunos considerando o ta- Sassaki (2003) ressalta que a escola
lento de cada um, fazendo com que inclusiva exige preparo e envolvimento dos
tenha prazer e vontade de aprender; seus profissionais, projetos educacionais
mais completos, capacidade de adaptação
• Para que as escolas se tornem inclu-
do currículo a necessidades específicas dos
sivas, é preciso apenas ter o desejo
alunos e maior provisão dos recursos educa-
de fazê-la assim.
cionais. A inclusão na escola regular neces-
Segundo Sassaki (2003), pode-se dizer sita de apoio legal, que será o respaldo para
que a inclusão é um processo permanente esta linha de atuação, concretizando-se atra-
e contínuo, não é possível admitir que para vés de ações realizadas somente por meio de
as escolas em questão já esteja finalizando. formulações legais.
Porém é possível apontar que os aspectos
Ela é muito mais que isto deve ser abor-
fundamentam uma construção positiva para
dada em todas suas perspectivas, não so-
a inclusão, ou seja, trabalhar com inclusão
mente com as que têm relação com o sistema
requerer:
educacional, mas com a sociedade como um
• Maturidade do profissional em busca todo. Trata-se de um processo que pressupõe
de um trabalho efetivo, de uma vivência reflexão coletiva e a responsabilidade de to-
para a construção do conhecimento; dos os envolvidos: poderes públicos, sistema
educacional, sociedade, especialmente pais,
• Capacidade de desenvolver recursos
escola e todos os seus segmentos. Neste
próprios para lidar com a frustração de
processo as considerações gerais segundo
estar limitando às possibilidades;
Sassaki 2003 são:
• Conhecer o aluno para educá-lo;
• Conhecer como aprende para ensiná-
-lo;
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 210
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• A inclusão deverá acontecer em to- • Há falta de divulgação dos trabalhos


dos os âmbitos sociais; relacionados ao processo de inclu-
são de alunos com deficiências, na
• Há escolas semi-inclusivas que aten-
escolarização comum;
dem alunos com deficiência, tentan-
do encontrar um caminho para o • Os resultados do processo de inclu-
atendimento pedagógico e há tam- são têm sido positivos para os alu-
bém as inclusivas que encontram nos, professores e famílias, pela pos-
este caminho; sibilidade de troca de experiências e
mudanças de valores;
• A avaliação dos alunos com deficiên-
cias inicia-se com a entrevista fami- • A preocupação com a qualidade de
liar, e posteriormente solicitação de atendimento do aluno com deficiên-
laudos, quando necessário; cia acaba estendendo-se a todos os
alunos, os quais se beneficiam no
• O agrupamento destes alunos é feito
seu processo de aprendizagem.
por faixa etária;
A INCLUSÃO SOCIAL DA PESSOA COM
• Existem dificuldades na avaliação DEFICIÊNCIA
dos alunos com deficiência, decor-
rentes do processo de avaliação em Os parâmetros curriculares nacionais
geral; (1997) , preconizam a atenção à diversidade
da comunidade escolar e baseiam-se no pres-
• Desenvolvem o trabalho de inclusão
suposto de que a realização de adaptações
a partir da própria experiência da es-
curriculares pode atender a necessidades par-
cola, pois há grandes dificuldades
ticulares de aprendizagem dos alunos. Consi-
em encontrar assessoria e orienta-
deram que a atenção à diversidade deve se
ção. Os professores apresentam
concretizar em medidas que levam em conta
inseguranças em relação ao desen-
não só as capacidades intelectuais e os co-
volvimento do trabalho por falta de
nhecimentos dos alunos, mas, também, seus
conhecimentos básicos necessários,
interesses e motivações.
muitas vezes através de comporta-
mentos de rejeição. Esta rejeição é A atenção à diversidade está focalizada
menor entre alunos da escola e seus no direito de acesso à escola e visa à melhoria
familiares; da qualidade de ensino e aprendizagem para
todos, irrestritamente, bem como as perspec-
• Não há regularidade nos trabalhos
tivas de desenvolvimento e socialização. A Lei
direcionados ao preparo dos pais,
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
professores e alunos para aceitação
9394/96, reconhece a educação especial
do aluno com deficiência. Apenas
como modalidade de ensino que permeia to-
algumas escolas realizam estes tra-
dos os níveis escolares, deixando claro que
balhos sistematicamente;
não há nos sistemas de ensino tipos separa-
• Há dificuldade em relação ao apoio dos de educação.
das autoridades educacionais;
A educação especial não é um subsis-
• Embora procure atender às diferen- tema, mas sim um conjunto de recursos que
ças individuais dos alunos deficien- devem ser organizados e disponibilizados nas
tes, há preocupação em manter o unidades escolares aos alunos que necessi-
ambiente de uma classe comum; tem de apoios diferenciados. O sistema tem
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 211
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

que ser aberto, inclusivo, universal, atento à OS DESAFIOS EDUCACIONAIS PARA O


diversidade: EDUCADOR E A IMPORTÂNCIA DE SUA
O aprendizado não é adquirido somente FORMAÇÃO DOCENTE
na escola, é construído pela criança em
contato com o social, junto com sua famí-
Hoje, com a Lei 9.394, de dezembro de
lia e no mundo que o cerca. A família é o 1996, novas demandas estão sendo postas
primeiro vínculo com a criança e é respon- para a escola e para os profissionais que nela
sável por grande parte de sua educação, atuam. A legislação, produzida pelo conheci-
e de sua aprendizagem, e por meio desta mento e pelo debate acadêmico e social de
aprendizagem ela é inserida no mundo quase duas décadas, reconhece a importân-
cultural, simbólico e começa a construir
seus saberes (OLIVEIRA, 2006, p.6).
cia fundamental da atuação dos docentes no
processo de ensino-aprendizagem e dedica
As Diretrizes Nacionais para a Educa- atenção especial ao problema de formação
ção Especial na Educação Básica (BRASIL, de professores para educação básica e, em
2001) trata a respeito do serviço de apoio à especial, para o ensino fundamental.
inclusão, pelo qual deve ser desenvolvido o
atendimento educacional especializado (AEE) Constata-se que, de acordo com a le-
na escola, envolvendo-se professores com di- gislação vigente, a atuação profissional do
ferentes funções: docente não se restringe somente à sala de
aula. Relevante, também, é sua participação
Salas de Recursos: serviço de natureza no trabalho coletivo da escola, o que se con-
pedagógica, conduzido por professor
cretiza na elaboração do projeto pedagógico
especializado, que suplementa (no caso
dos superdotados) e complementa (para do estabelecimento escolar, ao qual deve es-
os demais alunos) o atendimento educa- tar subordinado o plano de trabalho de cada
cional realizado em classes comuns [...]. docente:
Esse serviço realiza-se em escolas, em
Inclusão e participação são essenciais à
local dotado de equipamentos e recursos
dignidade humana e ao gozo e exercício
pedagógicos adequados às necessida-
dos direitos humanos. No campo da edu-
des educacionais especiais dos alunos,
cação, tal se reflete no desenvolvimento
podendo estender-se a alunos de escolas
de estratégias que procuram proporcionar
próximas, nas quais ainda não exista esse
uma equalização genuína de oportunida-
atendimento. Pode ser realizado individu-
des. A experiência em muitos países de-
almente ou em pequenos grupos, para
monstra que a integração de crianças e
alunos que apresentem necessidades
jovens com necessidades educacionais
educacionais especiais semelhantes, em
especiais é mais eficazmente alcançada
horário diferente daquele em que frequen-
em escolas inclusivas que servem a todas
tam a classe comum. [...] (BRASIL, 2001,
as crianças de uma comunidade (UNES-
p.50).
CO, 1994, p. 61).

Para Hoffman (2006), a avaliação é um


mecanismo privilegiado que garante a função
seletiva da escola na sociedade capitalista e,
como tal, está atrelada à contradição básica
desta sociedade. Os procedimentos avaliató-
rios como toda a didática respondem à or-
ganização global do trabalho pedagógico na
escola, organização que é produto das expec-
tativas que a sociedade tem da escola. Dentro

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 212


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

do processo ensino aprendizagem, quando Segundo Gadotti (2003), a educação é


avaliamos, exercemos um ato político, pois de total importância para a sobrevivência do
devemos ter em mente que estamos forman- ser humano. Para que ele não precise inven-
do cidadãos críticos. tar tudo, necessita apropriar-se da cultura, do
que a humanidade já produziu. Educar pode
Acredita-se ser o professor quem reflete
ser entendido como uma aproximação entre o
sobre a produção de conhecimento do alu-
ser humano e o que a humanidade produziu,
no, promovendo o movimento, favorecendo
ou seja, se algo era importante no passado,
a iniciativa e a curiosidade no perguntar e
hoje é ainda mais numa sociedade baseada
no responder e construindo novos saberes,
no conhecimento.
junto com os alunos. O diálogo é a confirma-
ção conjunta do professor e dos alunos no Todos os educadores precisam ter ab-
ato comum de conhecer e reconhecer o ob- soluta consciência sobre o que é aprender,
jeto de estudo. Então ao invés de transferir o e o que é aprender a aprender, para que se
conhecimento estaticamente, como se fosse possa ter uma melhoria no ato de ensinar.
posse fixa do professor, o diálogo requer uma Para os educadores, não basta apenas ter
aproximação dinâmica na direção do objetivo. conhecimento de como se constrói o conheci-
mento, eles necessitam também saber o que
Para Freire (1997) por meio de uma
é ensinar, o que é aprender e como aprender.
relação dialógica e dialética entre professor
Nas palavras de Gadotti (2003) aprender não
e aluno, a proposta pedagógica do autor,
é o simples fato de acumular conhecimentos,
centraliza-se na dimensão do conhecimen-
todos podem aprender por meio das próprias
to, no sentimento de aceitação do outro, da
experiências vividas. Aprendem-se quando
interação, da intersubjetividade e requer um
tem um projeto de vida, aprende-se em toda
professor problematizador da realidade, que
nossa existência, não existe um tempo próprio
juntamente com seus alunos cria estratégias,
para aprender.
caminhos e alternativas visando à solução de
problemas. Por meio da “problematização” da Faz-se necessário a consciência de que
realidade, da significação é possível desen- se precisa de um tempo para aprender e para
volver uma concepção libertadora na relação que nossas informações sejam sedimentadas.
professor e aluno e conhecimento e aprendi- Não é possível injetar dados e informações no
zagem: cérebro de ninguém, é preciso que se tenha
Como situação gnosiológica, em que o
vontade própria, exige-se também disciplina
objeto cognoscível, em lugar de ser o tér- e dedicação. Como diz Paulo Freire (2011,
mino do ato cognoscente de um sujeito, p. 79): “Quem ensina aprende ao ensinar e
é mediatizador de sujeitos cognoscente, quem aprende ensina ao aprender”.
educador, de um lado, educandos, de ou-
tro, a educação problematizadora coloca, Para Gadotti (2003) muitos educado-
desde logo, a exigência da superação da res não conseguem ver um sentido naquilo
contradição educador x educando. Sem que estão ensinando e consequentemente,
esta, não é possível a relação dialógica, os alunos também não veem sentido algum
indispensável à cognoscibilidade dos su-
no que estão aprendendo. Em uma época
jeitos cognoscentes, em torno do mesmo
objeto cognoscível (FREIRE, 2001, p. 78). de dúvidas, de perplexidades, de mudanças,
esse profissional deve estabelecer sentido
com seus alunos. O processo de ensino e
aprendizagem deve ter sentido para o proje-
to de vida de ambos para que dessa forma
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 213
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

seja um processo verdadeiramente educa- São necessários currículos mais com-


tivo: “O grande constrangimento de muitos pletos que a simples graduação teórica, pois
dos professores está no “viver sem sentido” para que se possa lecionar, é indispensável
do que estão fazendo, o ato de educar está ter um bom preparo, já que os alunos pre-
basicamente ligado ao “viver com sentido”, à cisam de uma didática especial de modo
impregnação de sentido para nossas vidas” que possam ter seu aprendizado facilitado.
(GADOTTI, 2003, p. 53). Sendo assim, é evidente que precisa haver
mudanças no processo de formação dos pro-
Para Piaget (1978), ensinar nos dias
fissionais, e que passe a existir um campo
de hoje é necessário principalmente em dois
na faculdade voltado exclusivamente para a
pontos: Ter gosto pelo aprendizado, ter pra-
catequização de técnicas especiais de ensino
zer no ato de ensinar, como um médico que
(SANTA ROZA, 1999).
cuida de seus pacientes, para que acolham
a cura e, sobretudo, amar o aprendente. Ape- Conforme Moran (2007), bons profes-
nas aprendem-se de verdade quando aquilo sores e educadores são os segredos na mu-
que se aprende é realmente significativo para dança educacional, os professores têm muito
que assim se possa envolver profundamente mais liberdade e opções do que parece. A
no que se aprendeu: A educação não é só educação não evolui com professores mal
ciência, mas é também arte. O ato de educar preparados, muitos educadores começam a
é complexo. O êxito do ensino não depende lecionar sem uma formação adequada, princi-
tanto do conhecimento do professor, mas da palmente do ponto de vista pedagógico. Co-
sua capacidade de criar espaços de aprendi- nhecem o conteúdo, mas não sabem como
zagem. (GADOTTI, 2003, p. 41). gerenciar uma classe, como motivar diferen-
tes alunos, que dinâmicas utilizar para facilitar
As ideias de Gadotti expressam carac-
a aprendizagem, como avaliar o processo de
terísticas indispensáveis ao exercício docen-
ensino-aprendizagem além das tradicionais
te, pois explicita ao educador ter habilidades
provas.
para ensinar os conteúdos programados, e o
conhecimento escolar de que o aluno neces- Como costuma assumir, por necessida-
sita. Segundo Santa Roza (1999), precisa-se de, um número de aulas cada vez maior, ten-
urgentemente tomar uma solução a respeito dem a reproduzir rotinas e modelos; procuram
da formação de adultos educadores, e não poupar-se para não sucumbir, dão o mínimo
nos atermos a uma intelectualização do sa- de atividades possíveis para diminuir o tem-
ber. Pois, o ensino tem como intuito a trans- po de correção. Preparam superficialmente
missão de conhecimentos seguindo parâme- as aulas e vão incorporando esses modelos
tros e técnicas de aprendizagem, por meio como os possíveis, que se tornam hábitos,
do domínio de aspectos didáticos, para que cada vez mais enraizados (MORAN, 2007).
assim, se possa transmitir a matéria de uma
Muszkat, Miranda e Rizzutti (2011), fa-
maneira mais compreensível e objetiva. Entre-
zem algumas orientações importantes aos
tanto, pode-se dizer que a produção acadê-
professores:
mica hoje é fraca, pois o sistema educacio-
nal vem passando por uma crise, devido às • Manter contato com os pais frequentemente;
mudanças sociológicas e tecnológicas que o
• Sentar a sós com a criança e perguntar
mundo de uma maneira geral vem passando.
como ela acha que aprende melhor 9 quan-
do a mesma tiver condições de respon-
der);
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 214
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Procurar estratégias e recursos de solução pronta. Em sua convivência com alu-


ensino flexíveis até descobrir a me- nos, o professor deve observar e analisar o
lhor maneira para ensiná-la; comportamento deles e tratá-los de acordo
com suas características peculiares dentro de
• Criar um caderno para melhor comu-
sua fase de evolução.
nicação entre o professor e a família;
Mizukami (1999, p. 99) em abordagem
• Elogiar a criança sempre que apre-
sócio-cultural afirma que a relação entre o
sentar avanços;
mestre e o aprendiz é horizontal, professor e
• A cada semana, sentar-se com a aluno aprendem juntos em atividades diárias.
criança, conversar sobre seu pro- Neste processo, o professor deverá estar en-
gresso em sala de aula e ouvir a gajado em um trabalho transformador procu-
opinião dela; rando levar o aluno à consciência, desmisti-
ficando a ideologia dominante, valorizando a
• Oferecer regras de convivência cla-
linguagem e a cultura.
ras e objetivas;
Hoje se aproveita efetivamente, em mé-
• Transformar as tarefas em jogos;
dia, menos da metade do tempo na sala de
• Eliminar ou reduzir o uso de testes; aula, pela percepção de que os cursos são
muito longos e de que muitas das informa-
• Avaliar pela qualidade, não pela
ções que acontecem na sala de aula pode-
quantidade;
riam ser acessadas ou recuperadas em outro
• Planejar junto à criança as atividades momento. Muitos alunos e professores estão
que serão desenvolvidas; desmotivados com o ensino uniforme, padro-
nizado, que não se adapta ao ritmo de cada
• Dar preferência à estratégia de ensi-
um.
no participativo;
Moran (2007) diz ainda que criticam o
• Dividir as tarefas grandes em várias
confinamento do processo de ensino-apren-
pequenas;
dizagem à sala de aula, sempre com as mes-
• Utilizar diferentes recursos de ensi- mas turmas, com a mesma programação, nos
no; mesmos horários. São complicados os des-
locamentos diários de professores e alunos
• Colocar o aluno com dificuldade pró-
de lugares distantes para poder estar todos
ximo à mesa do professor;
juntos na mesma sala, ao mesmo tempo, prin-
• Evitar estímulos que possam distrair cipalmente no nível superior.
o aluno;
Numa visão mais ampliada, a educação
• Propor atividades individualizadas; na atualidade vive problemas de ordem ide-
ológica estrutural, que perpassam o sistema
• Ao adverti-la, sempre explica para a
econômico vigente. Influenciada por esses
criança a razão da advertência.
ideários, a escola encontra-se presa e repro-
Na abordagem cognitivista, Mizukami duz a chamada ideologia dominante neolibe-
(1999, p. 77) coloca que o professor atua ral, onde como exemplo tem-se os chamados
investigando, pesquisando, orientando e controles escolares sugeridos pelo Ministé-
criando ambientes que favoreçam a troca e rio da Educação e Cultura – MEC (PRADA,
cooperação. Ele deve criar desequilíbrios e 2008).
desafios sem nunca oferecer aos alunos a
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 215
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O Provão tem sido preconizado nas es- O educador universitário no contexto em


colas superiores como um instrumento que que os Institutos de Ensino Superior e os
alunos estão vivendo, não pode mais ser
define o bom profissional para o mercado de
uma pessoa que fique repetindo aulas
trabalho, através das notas obtidas. Há cursos enfadonhas e massacrando seus alunos.
e escolas que preparam aulas e cursinhos Que não é tarefa fácil, isso todos nós sa-
específicos para os alunos se saírem bem no bemos, mas é necessária. O que está em
provão (PRADA, 2008). jogo é toda uma geração de alunos que
continuam a não receber o tratamento que
Queiroz (2001 apud KADOW, 2006) merecem. E, se não forem os professores
relata que educador, deve ter como uma de que fizerem essa reflexão, outros farão por
suas metas, humanizar os alunos. Ele deve eles. O que poderá ser pior, muito pior
ter um espírito libertador intelectual, ser autô- (FINGER, 2010, p. 11-12).
nomo moralmente e pluralista em seus pen- De acordo com Pimenta (2002), embo-
samentos, ele deve também, em sua prática ra os educadores universitários possuam ex-
pedagogia libertar seus alunos da ignorân- periências significativas na área de atuação,
cia, do preconceito, do capricho, da alienação ou tenham um grande embasamento teórico,
e de falsas consciências, buscando assim, predominam, no geral, o despreparo e até um
desenvolver as potencialidades humanas de desconhecimento científico do que seja um
cada um. Para ingressar no magistério supe- processo de ensino aprendizagem.
rior, segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
Educação Nacional - Lei nº. 9394/96, em seu Para o autor, é preciso considerar que
Capítulo VI, artigo 66 cita: a atividade profissional de todo docente pos-
sui uma natureza pedagógica, e vincula-se a
A preparação para o exercício do magis- objetivos educativos de formação humana e
tério superior far-se-á em nível de pós-
-graduação, prioritariamente em progra-
a processos metodológicos e organizacionais
mas de mestrado e doutorado. Parágrafo de construção e apropriação de saberes e
único. O notório saber, reconhecido por modos de atuação. Faz-se também necessá-
universidade com curso de doutorado em rio o desenvolvimento de algumas competên-
área afim, poderá suprir a exigência de cias fundamentais para o exercício da prática
título acadêmico (BRASIL, LDBEN. 1996, pedagógica: a liderança, a ação interpessoal
p. 23).
para a eficácia da prática, gestão participati-
Por meio do avanço nas ofertas edu- va com a instituição e seus alunos, contribuir
cacionais, a uma ação de massa e deixando para a qualidade da universidade, a constru-
de pertencer a grupos privilegiados, novas ção da autonomia como finalidade da educa-
oportunidades de trabalho surgiram no cam- ção e ser pessoalmente um eterno aprendiz.
po educacional.
Diante do exposto acima, como Pimenta
Conforme Finger (2010) o papel do (2002) acredita-se que grande parte dos edu-
educador universitário pode ser muitos, crê cadores do ensino superior constrói sua iden-
ainda que as respostas possam ser muitas, tidade docente por meio das experiências que
todas elas, perfeitamente justificáveis. Finger adquiriram como alunos de diferentes profes-
(2010) acredita, porém, que algumas coisas sores, que lhes possibilitam dizer quais eram
são fundamentais e precisam ser encaradas os bons professores, e dessa maneira formam
com muita seriedade por educadores e ges- modelos positivos e ou negativos, nos quais
tores universitários: se espelham para reproduzir ou negar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 216


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Na verdade, eles não se identificam duzindo seu trabalho não mais de forma isola-
como professores, uma vez que olham o ser da, mas em redes acadêmicas dominando o
professor e a universidade do ponto de vista conhecimento contemporâneo e manejando-o
do ser aluno. O desafio, então, que se impõe para a resolução de problemas, um docente
é o de construir a identidade de professor que domine o trato da matéria do ensino e a
universitário, baseado não apenas nas expe- integre ao contexto curricular e histórico-so-
riências vividas e no saber específico, mas cial, utilizando diversificadas formas de en-
também no empenho em construir saberes sinar, dominando sua postura e buscando a
pedagógicos por meio de uma contínua for- participação do aluno.
mação, que viabilize o desenvolvimento de
Em relação à educação superior, o sur-
competências necessárias ao exercício do
gimento de suas instituições (escolas superio-
magistério:
res, faculdades e universidades) está ligado à
Não posso ser educador se não percebo função crescente que elas passam a desem-
cada vez melhor que, por não poder ser penhar nas sociedades modernas: produção
neutra, minha prática exige de mim uma
de conhecimento, ensino, e extensão. Assim,
definição, uma tomada de posição, deci-
são e ruptura. Exige de mim que escolha como um fenômeno, a educação superior é
entre isto ou aquilo. Assim como não pos- constituída por uma diversidade crescente de
so ser educador sem me achar capacita- instituições, propostas, funções e orientações,
do para ensinar certo e bem os conteúdos ao mesmo tempo, em que mantém relações
de minha disciplina não posso, por outro e interações complexas com o sistema eco-
lado, reduzir minha prática docente ao
nômico, político e social, evidenciando-se
puro ensino daqueles conteúdos. Esse é
um momento apenas da minha atividade como fator importante no processo de trans-
pedagógica. Tão importante quanto o en- formação social, pela sua crescente expansão
sino dos conteúdos é minha coerência na quantitativa e o aumento de sua relevância
classe. A coerência entre o que digo, o social no mundo contemporâneo.
que escrevo e o que faço (FREIRE, 2011,
p. 39).

Para as Instituições de ensino superior,


os requisitos necessários para ser um bom do-
cente seriam a capacidade de comunicação,
atualização e profundidade de conhecimentos
teóricos e práticos, precisão no domínio do
tema, fluência verbal, correção e adequação
da linguagem e domínio dos aspectos didá-
ticos aplicáveis à situação de aprendizagem.
Por sua vez, é Cunha (2005) quem diz
que por não ser uniforme, a formação docen-
te universitária não sofre alteração, porém as
seleções para a carreira docente são unâni-
mes com relação à escolha do profissional,
buscando um educador competente e com-
petitivo, inserido na sociedade e mercado de
trabalho com maior nível de escolarização e
de melhor qualidade, além de utilizar de tec-
nologias de informação na sua docência pro-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 217
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, M. A. Programa de atendimento operacional aos alunos portadores de necessidades especiais. Trabalho
apresentado no III Encontro Paranaense de Diretores e Secretários da Administração Acadêmica, Paranaguá, 1991.

BARBOSA, A. M. A imagem no ensino da arte: anos oitenta e novos tempos. São Paulo: Perspectiva; Porto Alegre:
Fundação IOCHPE, 1991.

BOOTH, T. The Policy and Practice of Integration. In: BOOTH, T. & COLE, T. Apart or a part? Integration and the
Growth of the British Special Education. Milton Keynes, open University Press. 1987.

BRASIL. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Resolução 02/2001. Brasília: Minis-
tério da Educação. Conselho Nacional de Educação, 2001.

______. PCN. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Adaptações Curriculares.
Secretaria de Educação Fundamental. Secretaria de Educação Especial. Brasília: MEC/SEB, 1997.

______. LDBEN - Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Lei 9394/96. Brasília: MEC/SEF, 1996.

______. ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei nº. 8069 de 13/07/1990.

______. PNEE. Secretaria da Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial: Livro 1/MEC/SEESP –
Brasília: A secretaria, 1994.

______. Diretrizes nacionais para a educação especial na educação básica. Brasília: MEC/SEESP, 2001.

CARVALHO, R. E. Temas em educação especial. Rio de Janeiro: WVA, 2000.

COLE, T. The History of Special Education. British Journal of Special Education, v. 17, n. 3, 1990.

CUNHA, M. I. O professor universitário na transição de paradigmas. São Paulo: Araraquara: Junqueira e Marin,
2005.

FINGER, A. P. O papel e as funções do professor em um ambiente universitário moderno e tecnológico. Unifil. Dis-
ponível em: http://www.unifil.br/docs/pec/O_papel_e_as_funcoes_do_professor.doc. Acesso em: 05/Ago./2020.

FREIRE, P. Ação cultural para a liberdade. 2a edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 43. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011.

______. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2001.

GADOTTI, M. Boniteza de um sonho: ensinar e aprender com sentido. Novo. Hamburgo: Feevale, 2003.

HADLEY, R. & WILKINSON, H. Integration and its Future: a Case Study of Primary Education and Physical Disability.
Disability and Society, vol.10, n. 3, Sept. 1995.

HOFFMAN, J. Avaliação mediadora: uma prática na construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Me-
diação, 2006.

JONES, E. Resources for Meeting Special Needs in Secondary Schools. In: BOOTH, T. & POTTS, P. (orgs) Integra-
ting Special Education. Oxford, Basil Blackwell, 1983.

KADOW, R. C. As diversas faces da educação: memorial de formação. Unicamp. – Memorial. Campinas, 2006.
em: http://libdigi.unicamp.br/document/?down=20637. Acesso em: 19/ Jul/2020.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 218


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MASON, M. & RIESER, R. (sem data) Altogether Better: from "Special Needs" to Equality in Education. London,
Comic Relief.

MAZZOTTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: história e políticas públicas. 4. ed. São Paulo: Cortez,. 2003.

MITTLER, P. et. al. Special Needs Education. London, Koogan Page.1993.

MIZUKAMI, M. G. N. Ensino: As abordagens do Processo. São Paulo: EPU, 1999.

MORAN, J. M. Educação que desejamos: novos desafios e como chegar lá. 1. ed. São Paulo: Campinas, Papirus,
2007.

MUSZKAT, Mauro; MIRANDA, Monica Carolina; RIZZUTI, Sueli. Transtorno Do Déficit De Atenção e Hiperatividade.
São Paulo: Cortez, 2011.

OLIVEIRA, A. A. S.; POKER, R. B. Educação inclusiva e municipalização: a experiência em educação especial de


Paraguaçu Paulista. Revista Brasileira de Educação Especial, Marília, v. 8, n. 2, 2002, p. 233-244.

OLIVEIRA, Silvia Suely Sillos. A importância do psicopedagogo frente às dificuldades de aprendizagem, 2006.
Disponível em: http://www.abpp.com.br/ artigos/62.html>. Acesso em : 22 Ago. 2020.

PIAGET, J. Fazer e compreender. São Paulo: Edusp e Melhoramentos, 1978.

PIMENTA, S. G; ANASTASIOU, L. G. C. Docência no ensino superior. São Paulo: Cortez, 2002.

PRADA, L. R. A. Educação contemporânea: ato político ou econômico? 2008. Disponível em:http://www.portal-


farmacia.com.br/pedagogia/artigos/3817/educacao-contemporanea-ato-politico-ou-economico. Acesso em: 01/
Set/2020.

SANTOS, J. B. A Dialética da Inclusão/Exclusão na História da Educação de Alunos com Deficiência. Revista da


FAEEBA - Educação e Contemporaneidade. Salvador, v. 1, n. 1, 2002.

SANTOS, C.L. Inclusão no contexto social e escolar. Rio de Janeiro: Instituto a vez do mestre Psicopedagogia, 2005.

SANTA ROZA, E. Quando brincar é dizer: a experiência psicanalítica na infância. 2. ed. Rio de Janeiro: Relume-
-Dumará, 1999.

SANTOS, M. P. Profª. drª. A inclusão da criança com necessidades educacionais especiais. Caderno do fórum
permanente de educação e saúde – MEC/Instituto Philippe Pinel – Ano 2000. p. 56-62.

SASSAKI, R. K. Inclusão - construindo uma sociedade para todos. 5. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2003.

SHIMAZAKI, E. M. O Processo de elaboração conceitual por alunos classificados como portadores de deficiência
moderada. Campinas: UNICAMP, 1994. (Dissertação de Mestrado).

UNESCO e Ministério da Educação e Ciência, Espanha 1994. Conferência Mundial sobre Necessidades Educativas
Especiais: Acesso e Qualidade, Salamanca. Espanha, 7-10 de Junho 1994.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 219


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduado em Licenciatura em educação física pela


Faculdade Interlagos de educação e Cultura 2012;
Especialista em Psicomotricidade pela Faculdade
FCE Faculdade Campos Elíseos 2020; Professor
de Ensino Fundamental II – Educação física - na
EMEF Antenor Nascentes.

DIOGO BATISTA
DE SOUZA MENDES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 220
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A UTILIZAÇÃO DOS JOGOS CONDICIONADOS COMO


FERRAMENTA PEDAGÓGICA PARA A INICIAÇÃO AO FUTSAL

RESUMO: O objetivo deste estudo é analisar as vantagens da utilização dos jogos condicionado
na iniciação ao futsal. A investigação consiste em reflexão de vivência pedagógica em um projeto
escolar de contraturno realizado na EMEF Antenor nascentes no decorrer do ano de 2018 com
atletas de 10 a 15 anos, no contraturno escolar, realizado em dois treinos semanais de uma hora
e meia cada sessão. O foco do trabalho é identificar as vantagens da aplicação deste método
pedagógico em relação ao método tradicional (fracionado). O estudo concluiu que o jogo reduzido
é de suma importância para o aprendizado e desenvolvimento de jovens atletas, pois trabalha-
se dentro do contexto do jogo, com suas variáveis e imprevisibilidades, produzindo atletas com
autonomia, velocidade de raciocínio, tomada de decisão e criatividade, para enfrentar situações
inesperadas, além de poder imprimir ritmo e intensidade aos treinos.

Palavras-chave: Futsal; Futebol; Jogo Condicionado; Iniciação Esportiva.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 221


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
formação dos futuros atletas, sempre foi tema de estudo e investigação, princi-
palmente com a modernização dos modelos de jogos nos esportes coletivos.
O futsal torna-se mais dinâmico a cada dia, os jogos mais rápidos e in-
tensos, as tomadas de decisão mais frequentes, e a previsibilidade do jogo cada vez menor,
cria a necessidade de atletas mais versáteis, capazes de seguir os comandos, mas também
capazes de improvisar, mudar e modificar de acordo com as circunstâncias.
Os jogos condicionados permitem um trabalho de intensidade, e imprevisibilidade que
mais se assemelha ao momento do jogo, trabalhando a equipe em suas necessidades espe-
cíficas. Além de inserir os aspectos sociais, motores e cognitivos necessários aos esportes
e a vida em sociedade, “em situações que envolvem o acaso, nossos processos cerebrais
costumam ser gravemente deficientes” (MLODINOW, 2008 p.7):
A necessidade de ativar mentalmente nossos atletas para as ações do jogo está intimamente
ligada à melhoria do seu desempenho motor. O tempo de resposta entre “o que fazer” e o “fazer”
necessita ser encurtado para que seja realizado com velocidade e precisão. Os atletas são subme-
tidos a uma ginástica cerebral, tornando possível aceitar outras realidades, aceitar que é possível
encontrar outras rotas para a solução das tarefas específicas do jogo (MLODINOW, 2008 p.7).

Os jogos reduzidos, definem-se com uma parte fracionária do jogo em si ou com re-
gras modificadas, esta forma de aplicação permite privilegiar a vivência de alguma técnica,
ou situação específica de jogo em um ambiente dinâmico. Diversas formas de modificações
estruturais podem ser aplicadas em um jogo reduzido, como por exemplo mudanças nas
dimensões do campo, ou do número de jogadores, situações de vantagem numérica, ou de
contra-ataque entre outras. Porém todas voltadas à vivência direta, e dentro do contexto de
jogo (variável, imprevisível, rápido e conflituoso).
Freire (2011) afirma que as habilidades de chutar, cabecear, passar, etc., só se tornam
eficientes quando são inteligíveis e lógicas, por integrarem os fatores motores, intelectuais,
sociais, morais e emocionais, de maneira equilibrada.
Portanto, simplificações e reducionismos, como simplesmente perfilar os alunos para
chutar ao gol, cria um ambiente de treino pouco produtivo, e desestimulante. Levando os alu-
nos a se dispersar e desinteressar-se pelas atividades.
Para que os jogos reduzidos funcionem como ferramenta pedagógica viável, e funciona,
é necessário que o professor tenha total noção dos objetivos específicos daquele jogo. O
que é esperado que os atletas aprendam ou assimilam quando forem aplicadas as variações
propostas ao jogo formal

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 222


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para compreender a aplicação dos jo- Muitas crianças e adolescentes aban-


gos condicionado é necessário compreender donam a prática de esportes devido a mo-
os princípios do jogo de futsal (e da maioria notonia e desmotivação nos treinos que não
dos esportes coletivos): apresentam qualquer variação, além de co-
branças excessivas e perfeccionismo entre
outros (Fundamentos da Psicologia do Espor-
te e do Exercício - 6. ed PG 500).
É importante perceber que jogos condi-
cionado são diferentes e jogadas ensaiadas,
uma jogada ensaiada é um modelo prefixado
de reação, quando a equipe se encontra em
um situação x deve realizar os movimentos
Com o conhecimento dos princípios de
treinados para alcançar um resultado pré es-
jogo é possível planejar quais jogos condicio-
tabelecido. No jogo reduzido, a liberdade de
nado são capazes de atender a estas deman-
criação e interação se mantém.
das, na busca do melhor desenvolvimento
dos atletas. Os jogos condicionado no futsal O que muda são as exigências para
são de suma importância, pois nele podem alcançar um objetivo (que pode ser um nú-
ser agregadas todas as possibilidades que mero de passes, uma finalização a partir de
existem no jogo formal (GUARDIOLA, 2016). um local específico, ou jogar com um número
incomum de jogadores, que pode ser desi-
Através do jogo o aluno encontra situ-
gual entre uma equipe e outra 3x2 5x3 entre
ações que propiciam a aquisição dos princí-
outros).
pios individuais e coletivos estipulados para
a sessão de treino. A maior vantagem deste Outra grande vantagem do jogo reduzi-
método, é a possibilidade de tomar decisões do é simplificar o jogo e reduzir a disponibili-
durante todo o treino, dentro de situações va- dade de opções e variáveis. Em um jogo 5x5
riadas. a quantidade de opções de jogadas e lances
é tão grande que pode confundir um atleta
Outro fator importante percebido duran-
novato, pois o mesmo quando confrontado
te a vivência das aulas da turma de treina-
com tantas oportunidades não sabe se passa
mento, foi a questão de o treino em formato
a bola, chuta, corre sozinho etc.
de jogos ser mais motivador, sempre que se
coloca algum tipo de competição os alunos Enquanto em um jogo 3x3 por existi-
se empenham mais, e treinam mais intensa- rem menos jogadores, as opções são ,meno-
mente, o foco aumenta, e o prazer da seção res e as escolhas mais fáceis outra variável
de treino também é maior. para simplificar é seccionar área de jogo, por
exemplo verticalmente, em uma situação de
Quando se trabalha com grupos jovens,
3x3 o goleiro fica em sua área designada, e
em que alguns estão realizando seus primei-
um jogador cuidaria de um lado do espaço e
ros contatos com o esporte, é importante
jogo, e o outro da outra metade.
manter o clima descontraído e o ambiente
favorável, tecnicismos exagerados e cobran-
ças em excesso, podem acabar por afastar
do esporte, os jovens que deveríamos atrair.
Contribuindo para um futuro sedentário.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 223


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Evitando o amontoamento entre as Os jogos condicionados não precisam


crianças correndo todas atrás da bola, como ser a única metodologia aplicada, trabalhos
é comum em categorias de base, criando técnicos focados em habilidades específicas
assim noção espacial, sem ter que orientar como finalizações ao gol, partindo de situa-
verbalmente em diversos momentos, interrom- ções específicas (cobranças de faltas, laterais
pendo a dinâmica do jogo e o andamento do entre outros) além da iniciação ao esporte,
treino. com o aprendizado de técnicas básicas de
condução de bola, e aprimoramento técnico.
“Um dos fatos muito recorrentes da ini-
ciação dos Jogos Desportivos de oposição, Porém se estas metodologias forem a
luta direta pela bola e invasão de quadra base de todo o treinamento, o atleta pode per-
(Bayer, 1994), como é o caso do Futsal, é a der a capacidade de realizar em momentos
existência de uma estrutura jogada da moda- de pressão, além de perder o interesse na
lidade, na qual prevalecem a centralização da atividade rapidamente.
atenção na bola, pouco estímulo ao uso da
INFLUÊNCIA DOS JOGOS
visão periférica, pouca coletividade e presen- CONDICIONADOS NO
ça de comunicação na ação baseada na uti- DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA
lização de estímulos vocais: “Eu, eu!!”, “Aqui,
eu to ‘livre‘”, “Passa pra mim!”. O desenvolvimento do ser humano en-
volve três dimensões: psicomotor, cognitivo e
Garganta (1995) descreve essa fase do
afetivo-social. Os três estão conectados e sua
jogo como a fase anárquica, ou seja, uma
divisão é apenas didática. Estas são as bases
fase em que o jogo ainda não obedece à
para a formação integral do aluno como um
regras/conceitos de caráter coletivo, preva-
ser humano único, e respeitando as caracte-
lecendo a utilização de recursos individuais,
rísticas que os diferem dos adultos, com suas
a busca incessante pela bola por todos os
fases de desenvolvimento e suas necessida-
participantes e por sua vez um preenchimento
des específicas.
pouco racional do espaço de jogo” (CARDO-
SO, 2011). Respeitar estas características e buscar
desenvolver as três dimensões (psicomotor,
Após trabalhar atividades que desen-
afetivo e cognitivo), deve sempre ser a base
volvam aspectos como o citado acima, é
de um trabalho esportivo, voltado para o de-
necessário realizar um momento de reflexão
senvolvimento de sua integralidade e sua ca-
com os atletas, com diálogo e opiniões, para
pacidade de viver em sociedade. Focar-se
que seja possível a tomada de consciência,
apenas no ato de praticar o esporte em si, é
e internalização dos conceitos apresentados.
uma falha como treinador e como educador.
Trabalhar com esta metodologia permite um
Muitas vezes caímos na tentação de nos con-
aprendizado mais orgânico do que a simples
centrar unicamente no rendimento esportivo,
exposição ou verbalização dos conceitos.
e esquecemos o lado pedagógico de nossa
Pois durante o momento do jogo o atle- prática docente.
ta tende a repetir seus padrões pré estabe-
1- Dimensão Psicomotora: Envolve a or-
lecidos, seja o ato de ficar parado na área
ganização do corpo e do movimento do indiví-
esperando para receber a bola e realizar a
duo no tempo e no espaço. Está relacionado
finalização ao gol (a famosa banheira) ou ou-
com a capacidade de realizar os fundamentos
tros costumes que já estão enraizados em
técnicos, bem como com as capacidades fí-
seu modo de jogar.
sicas e coordenativas.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 224
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A capacidade motora é um dos eixos Quando falamos de esporte, entra a


básicos para o rendimento esportivo, fazen- questão da competição, da cooperação e
do com que o iniciante possa estar apto a principalmente da oposição. Ter capacidade
realizar da melhor forma movimentos e téc- afetiva é de suma importância para os es-
nicas complexas. Os jogos na iniciação são portes para que uma equipe possa trabalhar
importantes por propiciar o desenvolvimento como um time, ou possa se apoiar frente a
das capacidades físicas e coordenativas, e alguma adversidade encontrada seja nos trei-
o aprofundamento dos fundamentos técnicos nos ou nas competições.
específicos da modalidade esportiva.
A autoestima é importante, por favorecer
2- Dimensão Cognitiva: Envolve os pro- a aprendizagem, fazendo com que o iniciante
cessos cognitivos ou do pensamento. Pode- tenha consiga desempenhar com coragem e
-se dizer que é a “inteligência” do atleta, sua segurança uma determinada tarefa, contribui
capacidade de responder a estímulos, criar para que ele se sinta bem socialmente. Neste
estratégias e tomar decisões. Devido ao ca- sentido os jogos colocam o iniciante frente a
ráter dinâmico de uma partida de futsal, o desafios sociais a serem vencidos, pois ele
atleta está o tempo todo tomando decisões tem que resolver problemas que o jogo lhe
(se chuta ao gol, se passa a bola, para quem apresenta de forma coletiva e individual.
passar, onde se posicionar etc.) quanto me-
De nada adianta possuir a melhor habi-
lhor a capacidade de tomada de decisão de
lidade de chute se ao encontrar-se frente ao
um atleta, melhor sua capacidade de fazer a
gol com a chance de converter um tento, o
diferença em um jogo. Pois é matematicamen-
mesmo sucumbe frente a pressão e o medo
te impossível criar e memorizar um sistema
de errar e decepcionar seus companheiros,
de jogos específico para cada situação que
pais, amigos, treinador entre outros.
se apresentar em uma competição.
A dimensão afetiva social deve ser tra-
Nesta dimensão, que têm relação di-
balhada pelo treinador visando também o
reta com o intelecto e raciocínio, devem ser
auto desenvolvimento. Como uma criança
considerados alguns componentes, como:
que se vê pressionada por um treinador que
percepção, antecipação, tomada de decisão,
lhe coloca uma grande carga emocional vai
memória motora, imaginação do movimento
conseguir desempenhar em um jogo, as fa-
e capacidade de reação. Através do jogo, o
mosas preleções pré jogo podem ser usadas
atleta poderá desenvolver estes aspectos.
e são importantes, mas quando se trabalha
Podendo o jogo ser direcionado para um
com jovens atletas é importante ser cuidado-
momento mais específico do jogo, mas sem
so.
perder a característica da imprevisibilidade.
Lembrar da importância de aproveitar
3- Dimensão Afetivo-Social: Este domí-
o momento, explicar que erros acontecem e
nio diz respeito ao agir, interagir e reagir com
que não são motivo para vergonha, e que a
outras pessoas, envolvendo sentimentos. O
partir do momento que nos colocamos em
homem é um ser que vive e depende da so-
uma competição, estamos sujeitos a perder
ciedade, nossa evolução e sobrevivência só
ou ganhar, e que muitos jogos virão, com mui-
foi possível através destas interações sociais,
tas oportunidades de desenvolvimento. Negli-
seja quando formávamos grupos para caçar
genciar este aspecto, pode afastar os jovens
animais maiores e mais fortes, ou quando
atletas do esporte e criar uma experiência
acontecia a permuta de itens necessários à
traumática para o aluno
sobrevivência.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 225
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OBJETIVOS ATITUDINAIS EM RELAÇÃO • Jogo de trabalho de passes:


AOS JOGOS CONDICIONADOS Objetivo: desenvolver a capacidade
• Aceitação de competir com os ou- técnica da equipe atacante de reter a bola e
tros e não rivalizar; trabalhar linhas de passe, e desenvolver na
equipe defensora o senso de cobertura e mar-
• Predisposição para criar, transformar cação.
e adaptar regras que deem priorida-
de à inclusão de todos; Método: este jogo pode ser desenvolvi-
do de diversas formas, as mais comuns são
• Reconhecimento e valorização de não permitir a condução da bola, o atleta de
atitudes não discriminatórias quanto posse da mesma deve permanecer no mes-
habilidade, sexo e outros; mo lugar e passar para seus companheiros
• Valorização dos jogos como integra- para buscar a realização do gol (para facili-
ção social; tar esta forma de aplicação e melhorar sua
dinâmica é melhor trabalhar com vantagem
• Cooperação e aceitação das funções numérica para a equipe que estiver atacan-
atribuídas dentro das atividades; do, este método funciona bem com o uso do
• Valorização e respeito pelas sensa- jogador coringa).
ções e emoções pessoais dos co- Outra opção é definir um número mí-
legas; nimo de passes que devem ser realizados
• Respeito ao limite pessoal e o limite entre a equipe antes da finalização ao gol.
do outro; Também pode-se usar uma combinação dos
dois métodos.
• Respeito à integridade física e moral
do outro; • Jogo do coringa:

• Predisposição para cooperar com Objetivo: aprender a validar a superiori-


o colega e grupo nas situações de dade numérica
aprendizagem. Metodologia: um dos jogadores será o
EXEMPLOS DE JOGOS CONDICIONADOS coringa. Este é um jogador que pertence aos
dois times envolvidos na atividade, o coringa
• Jogo de compactação de ataque: sempre atua como atleta da equipe que pos-
sui a posse de bola, esta equipe por possuir
Objetivo: desenvolver a capacidade de
o coringa sempre atuará com um jogador a
focar em criar chances de finalização da área
mais, permitindo ataques mais rápidos e mais
mais central da quadra em busca de uma me-
opções de passes para buscar o gol. O corin-
lhor chance de realização do gol. A defesa,
ga precisa ser um atleta com boa capacidade
por sua vez, aprende a se compactar mais e
cognitiva, pois deve estar atento a qual equipe
impedir a infiltração de jogadores desmarca-
deverá prestar apoio no momento.
dos em áreas de vantagem estratégica.
Método: o professor define uma área
(normalmente marcações da quadra de vôlei)
de onde obrigatoriamente o chute deve ser
executado para validar o gol.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 226


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Jogo para aprendizado de posicio- • Jogo de contra ataque e defesa em


namento para categorias de base: velocidade
Objetivo: ensinar aos atletas iniciantes Objetivo: Trabalhar a velocidade, aten-
a buscar um bom posicionamento para si, e ção e concentração, conseguir mudar rapida-
a respeitar o espaço ocupado por seus com- mente de um situação de ataque para uma
panheiros de equipe. de defesa.
Metodologia: Os alunos são organiza-
dos em duplas, e essas duplas são posicio-
Metodologia: a quadra poderá ser divi-
nadas atrás dos dois gols. Um goleiro será
dida de diversas maneiras, vertical, transver-
posicionado em cada baliza, e uma dupla co-
sal, em setores etc. Os atletas devem ocupar
meçará defendendo. A primeira dupla sairá
seus setores tanto de maneira ofensiva quan-
de trás de um gol, trocando passes e condu-
to defensiva, sem invadir o espaço de seus
zindo a bola com o objetivo de marcar um gol
colegas, e buscar dentro desta formação chu-
na meta adversária. A outra dupla realizará
tar ao gol adversário.
a defesa desta meta. Quando a bola sair de
• Jogo dos 10 passes campo ou for tomada, a dupla que defendia
sai do jogo e volta para a fila, e outra dupla
Objetivo: treinar o passe, a recepção e
imediatamente entra com outra bola atacando
o domínio
a meta da qual saíram os primeiros atacan-
Metodologia: simples: divida os alunos tes. Os atletas que estavam atacando devem
em duas equipes e coloque uma bola em organizar-se para defender sua meta neste
jogo. O objetivo da atividade é que a equipe momento, sem intervalo ou tempo para re-
troque 10 passes entre si sem que o adver- organizar-se. Após este ataque a dupla que
sário intercepte a bola. Cada vez que isso iniciou sai de campo e dá lugar para outros
ocorrer, o time marca um ponto. atacantes, e os que estavam atacando execu-
tam a função de defesa. Neste jogo os emba-
• Pega-pega cabeceio
tes são muito rápidos e curtos, e é necessário
Objetivo: treinar o cabeceio de forma manter os atletas alertas para que realizem
divertida sua função o mais rápido possível.
Metodologia: divide a turma entre al-
guns pegadores e fugitivos. Para que um
aluno pegue o outro, ele deverá cabecear a
bola no colega. Opte por bolas leves para não
machucar os alunos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 227


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo, buscou demonstrar a importância dos jogos condicionados como
ferramenta pedagógica para o ensino do futsal. Esta metodologia pode e deve ser aplicada
a todos os esportes coletivos, devido a sua vantagem estratégica.
Através dos jogos reduzidos é possível trabalhar conteúdos conceituais, procedimentais
e atitudinais, o que é impossível em um treinamento baseado apenas em práticas isoladas e
repetições de gestos técnicos.
Através desta metodologia é possível preparar um atleta mais dinâmico, capaz de traba-
lhar em equipe, e de improvisar em situações de imprevisibilidade no momento do esporte. O
simples ato de correr entre cones ou chutar uma bola parada sem resistência, possui pouca
transferência ao jogo em si além de desestimular os jovens atletas, causando muitas vezes o
abandono do esporte.
Outra vantagem deste método de trabalho, é a possibilidade de atender grupos nu-
merosos, pois certos jogos podem ser realizados com até vinte alunos na quadra. Porém o
benefício mais perceptível de utilizar este modo de trabalho é a motivação dos atletas, pois
diversas situações de desafio podem ser criadas, desde realizar um número definido de gols,
a marcar de uma forma específica, além disso os jogos reduzidos podem ser direcionados
para forçar uma situação específica em que um grupo esteja precisando de mais treino, com
o contra ataque por exemplo.
Com a configuração certa de jogo os mesmos alunos podem realizar dezenas de con-
tra ataques em um curto espaço de tempo. Porém os jogos reduzidos não podem excluir o
trabalho de fundamentos e bases de jogo, a capacidade de conduzir e driblar com eficiência
são básicas para que o atleta possa desempenhar em um jogo, e nem sempre a pressão que
a situação de um jogo condicionado pode proporcionar é desejável.
Em certos momentos é preferível que o atleta possa pensar e ter seu tempo para ajus-
tar-se à situação e aprender as técnicas necessárias. O que parece mais eficiente é o uso de
ambos os métodos, jogos e treinos analíticos, de acordo com a necessidade da equipe de
atletas em questão.
Mais estudos são necessários nessa área, para aprofundar este método de trabalho,
e compreender suas reais vantagens e desvantagens, além de como aplicá-lo de maneira
eficiente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 228


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BERTOLD, Douglas. A utilização dos jogos condicionado como ferramenta para a construção do jogo de futebol
: uma revisão de literatura. 2015. 50 f. Dissertação (licenciatura em educação física)- universidade federal do Rio
Grande do Sul, universidade federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2015. Disponível em: <http://hdl.handle.
net/10183/126451>. Acesso em: 04 Mar. 2021.

CARDOSO, Wagner. Jogos Pedagógicos ? Estruturação do Espaço de Jogo . 2011. Disponível em: <http://futsal-
comovocenuncaviu.blogspot.com/2011/10/jogos-pedagogicos-estruturacao-do.html>.

LEONARDO, Lucas. Construção de uma Progressão Pedagógica no Ensino do Handebol Através do Jogo ? Cons-
trução de uma Progressão Pedagógica no Ensino do Handebol Através do Jogo : A Escolha dos Jogos II. 2009.
Disponívelem:<https://pedagogiadohandebol.com.br/2009/07/01/construcao-de-uma-progressao-pedagogica-no-
-ensino-do-handebol-%E2%80%93-a-escolha-dos-jogos-ii/>. Acesso em: 04 Mar. 2021.

NOGUEIRA BALZANO, Otávio. Metodologia do jogo condicionado para o desporto futsal . 2012. Disponível em:
<http://futsalalan.blogspot.com/2012/01/metodologia-do-jogo-condicionado-para-o.html>. Acesso em: 04 Mar.
2021.

RODRIGUES, Marcelo Francisco. Et al. Jogos reduzidos na aprendizagem do futebol para crianças de 10 a 12
anos. Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento. Ano 03, Ed. 09, Vol. 03, pp. 52-64, Setembro
de 2018. ISSN:2448-0959.

XAVIER, Marquinhos. Ativação Mental – Pensamento ou Ação (Ato mental / Ato motor): Metodologia de Treina-
mento. 2014. Disponível em: <http://marquinhosxavierfutsal.blogspot.com/2014/06/ativacao-mental-pensamento-
-x-acao-ato.html>. Acesso em: 04 Mar. 2021.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 229


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduação em pedagogia pela Universidade


Bandeirante de São Paulo UNIBAN (2004);
Professora de Ensino Fundamental I, na EMEF
Edgard Carone.

ELAINE APARECIDA
BALSANTE NASCIMENTO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 230
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AS NOVAS TECNOLOGIAS NA EDUCAÇÃO

RESUMO: As novas tecnologias auxiliam no trabalho dos professores, contudo é necessário valorizar
a formação docente, pois uma boa maneira de cativar os alunos seria por meio das novas
tecnologias que é fundamental para as novas competências e habilidades que um educador deve
possuir em pleno século XXI, a inclusão digital é essencial para o trabalho docente no mundo
globalizado.

Palavras-chave: Novas Tecnologias; Aprendizagem; Interdisciplinaridade; Inclusão.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 231


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
stamos em tempos no qual a tecnologia tem sido uma grande aliada na apren-
dizagem. Com esta interação tecnológica, vieram muitas superações para os
envolvidos na educação.
As escolas tiveram que se organizar de forma que pudessem contemplar com maestria
as aulas online, que em um primeiro momento seria por alguns dias, meses e no atual momen-
to ano. Na atualidade é preciso ressaltar a importância que as novas tecnologias trazem para o
sucesso de ensino e aprendizagem, mas esta ferramenta deve ser utilizada com planejamento
para que o objetivo de formar o aluno em sua integralidade seja alcançado com sucesso.
Acima de tudo, para que o professor saía das aulas convencionais do antigo sistema
tradicionalista e que realmente tenha uma relação de aproximação com seus alunos e com as
novas ferramentas tecnológicas, há uma grande necessidade da formação continuada, pois
muitas vezes os alunos por serem os chamados “nativos digitais” superam os docentes na
facilidade de manusear tais equipamentos.
Moran (1995), afirma que a internet é uma grande aliada à educação, mas, contudo,
é preciso ter cuidado para utilizá-la devido a um grande número de informações que são
veiculadas, desta forma, o professor como mediador irá auxiliar seus alunos em utilizar as
ferramentas tecnológicas da melhor maneira.
Diante do exposto, é necessário que a educação seja transformada, e se vivemos em
um mundo globalizado e tecnológico, as instituições escolares não podem ficar paradas no
tempo, precisa evoluir e agir de acordo com o público que atende. A escola e os professores
estão preparados para trabalhar com a tecnologia? E qual sua importância?
Esta é uma ótima indagação. Muitos professores não estão preparados para essas tecno-
logias em sala de aula, e por muitas vezes essas mesmas tecnologias não são tão acessíveis
assim na maioria das escolas, no que diz respeito a escola pública.
Muitas vezes o professor que é mais tecnológico, vamos dizer assim, traz seus equipa-
mentos para propiciar aos seus alunos uma aula mais interativa e diferenciada.
É claro que não podemos generalizar, pois existem escolas que são muito bem equipa-
das e tais equipamentos manuseados. Mas para tal, se faz necessário formação contínua dos
profissionais da escola, até porque existem aqueles com dificuldades de usar as tecnologias
disponíveis.
A escola deve ser um espaço propício para a construção e desenvolvimento do conheci-
mento por meio da troca de saberes e discussões que envolva todo o entorno e a comunidade
escolar. Com o auxílio das novas tecnologias como ferramenta da educação, os professores
em conjunto com seus alunos, criarão possibilidades para que os alunos pesquisem, experi-
mentem e desenvolvam formas de comunicação e interação social.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 232


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Antes do período da inserção das novas tecnologias, a escola era somente um espaço
conhecido como método bancário em que o aluno só ia para adquirir conhecimento, dife-
rentemente os novos processos de educação permite que os alunos sejam construtores de
seu próprio conhecimento que possam interagir com seus educadores ao longo das práticas
pedagógicas e que esteja em consonância com a realidade social.
O trabalho será realizado a partir de pesquisa bibliográfica e pesquisa quantitativa a fim
de analisar como é feito o uso da tecnologia em escola pública e constatar seus benefícios
na aprendizagem de crianças e adolescentes. As fontes de pesquisa serão através de livros,
rede mundial de computadores, revista científica, legislações e teses de mestrado e doutorado.
O principal objetivo de usar as novas tecnologias na educação é transformar o aluno em
mais ativo, crítico e participativo da sociedade, de modo que o professor vai ajudar a criar uma
nova maneira de construir o conhecimento, deixando de lado uma forma tradicional de ensino.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 233


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A FORMAÇÃO DO DOCENTE DIANTE A sociedade atual necessita de um en-


DAS NOVAS TECNOLOGIAS sino dinâmico que viabilize um profissional
que esteja preocupado em buscar novas me-
Pensando no processo histórico no con- todologias para alcançar o objetivo principal
texto educacional, podemos perceber a pre- da educação que é o aluno.
sença constante das diversas tecnologias na
atualidade, viabilizando também as mudanças A transformação digital possibilita avan-
educacionais, a forma de lidar com o ensino ços e ao mesmo tempo exige mudanças que
aprendizagem e principalmente o papel do muitas vezes podem ser dolorosas. Mas para
professor diante disso tudo. tal mudança, é preciso que o ser humano
esteja disposto a isso, pois todos têm capa-
A formação continuada é primordial no cidade de se adaptar aos novos desafios em
sucesso do profissional da educação, par- diversos setores da sociedade, inclusive no
tindo do pressuposto que o conhecimento é setor educacional.
inacabado, por isso o educador deve sempre
estar atento e se atualizar, pois vivemos em Líbano (2007), afirma que a prática de
uma sociedade globalizada em que a veloci- uma formação continuada possibilita que o
dade de informações é sempre em um ritmo educador também reflita sobre sua prática na
frenético, e que se metodologias de ensino sala de aula, além de permitir que se aprenda
arcaicas já não funcionam para despertar o e aprimore tais ações, mas tudo isso deve ser
interesse dos educandos. feito na prática coletiva do corpo docente. O
educador precisa de uma postura que valori-
Contudo, além do processo de espe- ze a interação entre aluno e professor, com o
cialização contínua do docente, as escolas objetivo de torná-lo um cidadão, ético, estético
precisam ter uma infraestrutura que permita e político, capaz de transpor o conhecimento
a utilização das novas tecnologias na sala de adquirido nas instituições escolares em seu
aula, pois se o educador deve estar aberto cotidiano.
aos processos de mudanças, não é diferente
do espaço em que se promove a aprendiza- O profissional da educação precisa en-
gem. tender que estamos em um novo contexto his-
tórico e social e deste modo ele deve estar
De acordo com Libâneo (2004) a forma- disposto a enfrentar mudanças e adaptações
ção do professor não se restringe unicamente e deve, portanto, incentivar a pesquisa dos
a graduação, vai muito mais além, pois deve alunos, através da orientação sendo um fa-
contemplar toda sua trajetória profissional, vis- cilitador no trabalho com as novas tecnolo-
to que a cada época mudam-se os costumes gias, e muitas vezes devem estar dispostas
e a maneira como ensinar, o educador deve a aprender com seus alunos que tem uma
sempre se transpor aos bancos de estudo, facilidade incrível em manusear os aparelhos
visto que este não é o único detentor do saber tecnológicos.
dentro da sala de aula.
Segundo Masetto (2000, p.142), “O
De acordo com a Lei de Diretrizes e Ba- professor deve assumir uma nova atitude, ain-
ses (9394/96), o governo federal deve pro- da que desempenhe o papel de especialista,
mover o investimento financeiro nos prédios que possui conhecimentos e experiência, ele
das instituições escolares e oferta de apare- pode ser alguém que colabora para dinamizar
lhos tecnológicos para que seja feita uma re- o trabalho com o aluno, aquele que trabalha
forma no currículo que abrange o professor, em equipe”.
o aluno e as novas tecnologias.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 234
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

De acordo com Novão (1991), embora Atualmente os educadores assistem


estejamos em pleno século XXI, período em mudanças na prática e nos hábitos dos alu-
que houve um grande crescimento da produ- nos, e os instrumentos tecnológicos estão
ção tecnológica, sobretudo pelo advento da fazendo cada dia que passa parte essencial
internet em que informações são cada vez na vida das pessoas, seja nos mais variados
mais rápidas, os alunos muitas vezes pos- assuntos, a população está cada vez mais
suem um conhecimento tecnológico que so- dependente das Tics.
brepõe o professor, esta criança e adolescen-
A escola precisa deixar seu espaço
te não quer ficar somente em aulas com giz
mais integrado com os alunos e possibilitar
e lousa, necessitam de dinâmica e interação
aprendizagens que permitam o reconheci-
na educação, para que ela deixe de ser uma
mento do aluno como um agente social de
simples teoria é que eles possam vivenciar o
sua própria história. Contudo, é preciso res-
que aprendem na escola.
saltar que a inserção de computadores em
A ESCOLA DO SÉCULO XXI instituições escolares está voltada para o de-
senvolvimento de políticas públicas, em que
A escola é um ambiente que acolhe di- o processo de informatização está ocorrendo,
versas pessoas das mais variadas culturas, mas há um distanciamento do que é pregado
e o currículo deve ser formado de modo que por parte do governo e o que ocorre nas es-
contemple um número maior de pessoas. colas, além de ser essencial a valorização do
Por meio do ensino com a tecnologia profissional, pois sem este, não será possível
os estudantes poderão ter conhecimentos das o desenvolvimento de trabalhos.
mudanças e permanências da sociedade, além AS TICS COMO FERRAMENTAS NO
de proporcionar a criticidade do educando. ENSINO-APRENDIZAGEM E O ENSINO
A história deve proporcionar ao aluno NA MODALIDADE EAD
ao final do ensino fundamental que ele seja Gatti (1993) aborda que a utilização da
comparar o acontecimento no tempo, reco- tecnologia na sala de aula possui excelentes
nhecer algumas semelhanças e diferenças resultados, por ser uma técnica que vai além
sociais, identificar diferenças culturais entre dos antigos meios de aprendizagem. Contu-
o modo de vida de sua localidade e possam do a escola deve propiciar a construção do
estabelecer relações entre o presente, passa- conhecimento em conjunto, que envolva pais,
do e futuro (PCN, 1997). comunidade, alunos e equipe gestora.
Neste sentido o currículo deve ser aque- Com a ajuda das novas tecnologias au-
le que apresenta dinamismo e não seja estáti- xiliando o trabalho do professor, se tem a dis-
co, pois os Parâmetros Curriculares Nacionais ponibilidade de novas ideias e instrumentos,
(PCN) para o ensino fundamental, mencionam para que os alunos pesquisem, experimentem
essa importância. e desenvolvam formas de comunicação e in-
O currículo é a expressão dinâmica do teração social.
conceito que a escola e o sistema de ensino
têm sobre o desenvolvimento dos seus alu-
nos e que se propõe a realizar com e para
eles. Portanto, qualquer orientação que se
apresente não pode chegar à equipe docen-
te como prescrição quanto ao trabalho a ser
feito. (BRASIL, 2006, p.9).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 235
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No passado, antes do advento da in- tura, as práticas leitoras e escritoras, além da


serção das novas tecnologias na educação, transmissão de conhecimento e informações.
a escola era um espaço de simples reprodu-
O papel das ferramentas tecnológicas
ção do conhecimento, o que foi classificado
não deve ser entendido como substitutivo dos
por Freire (1983), como educação bancária,
demais elementos da educação, como a tro-
agora a partir desses novos instrumentos, se
ca de experiências dentro da sala, o diálogo
faz necessário o trabalho em conjunto de pro-
e a participação da família e da escola na
fessores e alunos.
aprendizagem de crianças e adolescentes.
De acordo com Pretto (1999), é preci-
Conforme afirmações de Moran (2009),
so se trabalhar das mais variadas maneiras
com a internet é possível pensar em possibi-
e que possibilitem a apreensão de conheci-
lidades de aprender e ensinar, pois o aluno
mento dos alunos e com o auxílio das tecno-
possui curiosidade e graças a essa inovação,
logias do século XXI, é totalmente possível
podemos ter também um ensino à distância
despertar o interesse e estimular os educan-
que atenda a disposição de tempo do edu-
dos, favorecendo as trocas de experiências.
cando.
Na educação atual, deve-se valorizar o uso
de diferentes linguagens e da influência midi- A internet promove a cooperação no
ática e deve haver um investimento por parte trabalho de professor e aluno, que tenham
das políticas públicas para capacitação de consciência e comprometimento com a edu-
educadores e gestores. cação, em várias disciplinas se faz importante
o uso das novas tecnologias, como a televi-
A educação é reconhecida como base
são e o cinema, por exemplo, que para se
de sustentação de uma sociedade e é a gran-
fazer um bom uso destes instrumentos em
de expectativa de transformação social. É por
sala de aula é necessário que o professor
meio dela que os indivíduos podem conquis-
tenha clareza dos pontos a serem abordados,
tar seu espaço e contribuir para um mundo
deve-se fazer uma pausa no filme assim que
melhor. A educação é a porta de acesso para
achar necessário e aproveitar para desenvol-
grandes transformações e acompanhar as
ver competências e habilidades de observa-
mudanças do mundo.
ção e criticidade.
Moran (2009) em seus estudos aborda
O ensino através das novas tecnologias
que a escola tem resistido bastante às mu-
não deve ser somente uma forma de distra-
danças e que infelizmente mesmo após vários
ção, mas que estas possibilitem a discussão
estudos referentes à linhagem construtivista,
e o entendimento por parte dos alunos, algo
ainda se tem figura do professor como o úni-
que enriqueça a aula. A habilidade para inte-
co responsável do ensinar e aprender e que
ragir com os meios de comunicação não vem
se deve, portanto, refletir e avaliar as concep-
de forma natural no processo de ensino e de
ções da educação sempre.
aprendizagem, mas sim só com intenso traba-
Contudo, as tecnologias existem para lho do educador. É extremamente importante
possibilitar um alcance de uma educação in- que se tenha o domínio das imagens midiá-
clusiva e de qualidade, e que a partir dela seja ticas, inclusive do cinema, com o objetivo de
possível, um aproveitamento maior das van- trabalhar junto com seus alunos.
tagens de se ter uma educação transforma-
dora. As novas tecnologias geraram grandes
transformações na educação, servem como
ferramenta para complementar a aula, a lei-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 236
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Moran (2007) ressalta que o ensino Dessa forma podemos destacar a po-
EAD possibilitou uma profunda transformação tencialidade da internet no ensino de língua
no ensino, pois anteriormente o aluno apenas estrangeira, pois pode ser utilizada nos mais
se relacionava com o conteúdo, agora com variados ambientes como na sala de aula, a
a possibilidade do ensino a distância todos distância para garantir uma maior comodida-
os envolvidos no processo educativo tem a de e facilidade ao estudante.
possibilidade de realizar a integralidade:
A tecnologia é um instrumento que
A EAD em rede está contribuindo para acompanha as pessoas dentro e fora da sala
superar a imagem do individualismo, de que de aula, desta forma, se faz necessário um en-
o aluno tem que ser isolado de um mundo de sino que viabilize uma educação significativa
leitura e atividades distantes do mundo dos e que fuja dos preceitos da educação conven-
outros. A internet traz a flexibilidade de aces- cional. O professor para gerar um ensino de
so junto com a possibilidade de interação e qualidade com o uso das novas tecnologias
participação. Combina com o melhor off-line, da informação deve possuir uma familiaridade
do acesso quando a pessoa quiser com o com tais ferramentas e explorem as inúmeras
on-line, a possibilidade de conexão, de estar possibilidades de trabalho.
junto, de orientar, de tirar dúvidas, de trocar
Existem várias habilidades que podem
resultados. (MORAN, 2007, p.38).
ser desenvolvidas com o auxílio da Internet,
De acordo com Palloff e Pratt (2007), pois esta tecnologia promove as competên-
hoje a educação online pode assumir as mais cias e habilidades de leitura de hipertexto
variadas vertentes e possibilitar um curso que além de promover a discussão entre esses
evidencie o contato com outras pessoas, pois elementos. É uma estratégia totalmente efi-
na maioria destes cursos, muitas empresas caz, pois além de garantir a interação gera
marcam encontros presenciais para que to- uma comodidade e facilidade para a socie-
dos os envolvidos possam discutir o que foi dade contemporânea.
abordado online, gerando assim uma apren-
É necessário que assumam e valorizem
dizagem satisfatória.
os seus conhecimentos e as suas práticas,
De acordo com Moran (2007) os cur- que considerem a diferença um desafio e
sos a distância que possuem os subsídios da uma oportunidade para a criação de novas
plataforma AVA, podem obter características situações de aprendizagem e que se dispo-
diferentes, como o que necessita de inscrição nibilizem os recursos disponíveis.
em períodos pré-estabelecidos e os que os
A escola democrática respeita os di-
interessados podem se inscrever a qualquer
reitos de todos, reflete e observa a constru-
momento, isso varia muito de acordo com os
ção da ação pedagógica. A escola deve ser
objetivos da instituição que proporciona tais
aberta, pluralista, democrática e de qualida-
cursos.
de, como está nos referenciais curriculares.
De acordo com o referido autor, o su- Inclusão não é uma tarefa fácil, mas é, sem
cesso dos cursos à distância só terão um re- dúvida, possível. Se a realidade enfrentada
sultado realmente eficaz após a participação é difícil, como salas lotadas e alunos indis-
dos estudantes envolvidos nas discussões e ciplinados, é necessário buscar formas para
atividades propostas, que a interação entre mudá-la.
todos que farão um curso de aproveitamento
satisfatório, principalmente no que diz respei-
to ao ensino de línguas.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 237
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A literatura evidencia que, no cotidiano A Educação Inclusiva é responsabilida-


da escola, os alunos com necessidades edu- de de todos os envolvidos com o processo
cacionais especiais, inseridos nas salas de educacional e desenvolvimento do aluno, in-
aula regular, vivem uma situação de experi- cluindo aluno, família, professor, escola, apoio
ência escolar que não atende às suas neces- técnico, comunidade, governo etc. Podem-se
sidades, e não participam das atividades em criar oficinas de ambiente virtual para alunos
classe, porque não são adequadas às suas com necessidades especiais. Para isso é pre-
aptidões. ciso a capacitação de professores em tecno-
logias, pesquisa na criação de softwares na
A inclusão da criança deficiente no sis-
identificação das necessidades; mão de obra
tema educacional é desejável sob todos os
especializada em programação, e uma visão
aspectos. Para que isso se torne realidade,
pedagógica, para atender às diversas neces-
é necessário vencer uma série de barreiras
sidades educacionais especiais.
como a pedagógica, a administrativa e a ar-
quitetônica. É preciso a instalação de chu- Tornam-se necessárias, como formas
veiros e vestiários, banheiros equipados para de enfrentamento dos preconceitos e este-
higiene dos alunos. reótipos existentes no ambiente educacional,
ações em políticas públicas voltadas à for-
Somente com uma educação mais justa
mação inicial e continuada dos educadores,
e inclusiva é que conseguiremos que a socie-
buscando uma educação que estimule as
dade seja modificada. Essa mudança deverá
potencialidades de seus educandos e que
ser feita por meio da qualificação profissio-
assegure o aprendizado nas escolas.
nal, com a observância dos valores culturais
e acima de tudo pelo respeito às limitações
das pessoas. É importante também que a for-
mação de professores os capacite para lidar
com pessoas com deficiências, distúrbios,
transtornos, dificuldades, e mais que isso,
saber diferenciá-los entre si.
Através desse trabalho fica claro que
algumas práticas contribuem na inclusão dos
alunos com necessidades especiais, dentre
estas, o uso do computador como ferramenta
para o trabalho com essas crianças. Pensar
em inclusão pressupõe políticas educacionais
claras, coerentes e fundamentadas nas rela-
ções sociais, entretanto pouco se tem feito no
sentido de sua aplicação prática. Os conheci-
mentos sobre a inclusão social e os direitos
em lei, não devem ser apenas teorias, mas
sim posto em prática.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 238


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O meio onde a criança está inserida também é um fator de influência no processo de
aprendizagem. No decorrer desta revisão das tecnologias na escola, vimos que há diversas
dificuldades que interferem de forma positiva ou negativa.
Podem ser intrínsecos ou extrínsecos, mostrando que o professor tem um importante
papel no ensino aprendizagem de seus alunos. A criança ao ingressar na educação, carrega
consigo suas experiências vivenciadas de seu lar, ampliando e integrando sua cultura e suas
relações sociais.
Portanto o professor deve conhecer e estar atento às etapas do desenvolvimento do
aluno, colocando-se na posição de facilitador da aprendizagem. Ele deverá estabelecer uma
relação de ajuda e de percepção com seus alunos.
Nos dias atuais não se pode ignorar a influência que a tecnologia exerce sobre os
educandos no cotidiano escolar, esse contexto requer novas práticas educativas a fim de
despertar o interesse dos alunos e que este possa de fato obter um conhecimento que lhe
seja satisfatório.
Com a inserção da internet, houve uma grande mudança no modo de se comunicar
com as pessoas e manter relacionamentos, deste modo como o nosso cotidiano está total-
mente digital, essas transformações também atingem as práticas educativas. Antigamente, no
ensino tradicional todo conhecimento era voltado para a figura do educador, agora, com os
alunos que são pertencentes à cultura dos nativos digitais, estes também são protagonistas
no processo de ensino e aprendizagem.
Deve se ter em mente que a sociedade também se transformou a partir da tecnologia e
práticas que antes eram feitas agora devem ser totalmente transformadas, o professor deve ser
um mediador da aprendizagem e permitir que as novas tecnologias auxiliem o seu trabalho.
O envolvimento dos estudantes apenas é possível, se o professor trabalhar o seu en-
torno e sua realidade, para que estes tenham um aproveitamento maior dos conteúdos e que
o ensino se torne mais atrativo. O trabalho será realizado a partir de pesquisa bibliográfica
e pesquisa quantitativa em uma escola pública, de modo a ilustrar os conceitos abordados
nesta pesquisa. As fontes de pesquisa serão através de livros, rede mundial de computadores,
revista científica, legislações e teses de mestrado e doutorado.
O principal objetivo de usar as novas tecnologias na educação é transformar o aluno
em mais ativo, crítico e participativo da sociedade, de modo que o professor vai ajudar a criar
metodologias de ensino e quebrar paradigmas de formas de ensino mais arcaicas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 239


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
FERRETTI, Celso João. Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Rio de Janeiro: Vozes,
1994, p. 151-164.

GATTI Bernadete. Formação continuada de professores: a questão psicossocial. Cadernos de Pesquisa, São Paulo,
n. 119, p. 191-204, julho de 2003.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 13 Ed. São Paulo: Cortez, 1994.

MCLUHAN, M. Os meios de comunicação como extensões do homem. São Paulo: Cultrix, 1969.

MORAN, José Manuel. Novas tecnologias e o reencantamento do mundo. Revista Tecnologia Educacional. Rio de
Janeiro, vol. 23, n2. 126, set. / out. 1995

MORAN, J.M.; MASETTO, M.T.; BEHRENS, M.A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. 13. ed. São Paulo:
Papirus, 2007.

OLIVEIRA, Gustavo Adolfo Galati de. Interdisciplinaridade e inclusão social no processo de implantação da Uni-
versidade Federal do ABC: da proposta à prática. 2010. 172f. Dissertação (Mestrado em Educação) - Faculdade
de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010. Disponível em: <http://www.teses.usp.br/teses/dis-
poniveis/48/48134/tde-05082010-113710/>.

PALLOF, R; PRATT, K. O aluno virtual: um guia para trabalhar com estudantes online. Tradução de Vinícius Figueira.
Porto Alegre: Artmed, 2004.

PRADO, M.E.B.B. Articulações entre áreas de conhecimento e tecnologia. Articulando saberes e transformando a
prática. In: ALMEIDA, M.E.B. de; MORAN, J.M. (org.). Integração das tecnologias na educação. Brasília: Ministério
da Educação/SEED/TV Escola/Salto para o Futuro, 2005. Disponível em<http://www.virtual.ufc.br/cursouca/mo-
dulo_4_projetos/conteudo/unidade_1/Eixo1- Texto12.pdf>. Acesso em:>.

PRETTO, Nelson de Luca. Uma escola sem/com futuro: Educação e multimídia. Campinas: Papirus, 1999.

SANTOS, Margarida Maria Calafate dos. A nova tecnologia em projetos interdisciplinares na escola pública: um
estudo à luz da Teoria da Atividade. UFRJ, 2009. 188p. Disponível em: <http://www.letras.ufrj.br/linguisticaaplicada/
site/dissert/margaridacalafate.pdf>.

SCHAFF, Adam. A sociedade informática: as consequências sociais da segunda revolução industrial. 4. ed. São
Paulo: Brasiliense, 1995.

WERTHEIM, Margaret. Uma história do espaço de Dante à Internet. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

DAMASCENO, L. L. GALVÃO FILHO, T. A. F. As novas tecnologias como tecnologia assistiva: Usando os Recursos
de Acessibilidade na Educação Especial. Disponível em: <http://infoesp.vila.bol.com.br>.

GALVÃO FILHO, T. A. Educação especial e novas tecnologias: o aluno construindo sua autonomia. 2005. Disponível
em <http://infoesp.vila.bol.com.br>.

MORAN, J. M.. Ensino e aprendizagem inovadores com tecnologias audiovisuais e telemáticas. In: MORAN, J. M.;
MASETTO, M. T.; BEHRENS, M. A. Novas tecnologias e mediação pedagógica. Campinas, SP: Papirus, 2000. p.
11-65.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 240


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Licenciatura em Matemática pela Universidade


Bandeirantes de São Paulo, em 2008. Licenciatura
em Pedagogia, pela Faculdade Aldeia de
Carapicuíba, em 2013. Professora de Educação
Básica II, no Estado de São Paulo e de Educação
Infantil na Prefeitura Municipal de São Paulo.

ELENEUDA
NOGUEIRA FEITOSA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 241
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A EDUCAÇÃO ESPECIAL E A DINÂMICA DA INCLUSÃO

RESUMO: Este artigo vem abordar reflexões acerca do tema de Educação Especial a dinâmica
da inclusão. Educar pessoas com deficiência intelectual requer consciência e muita paciência.
A percepção envolve um esforço consciente para escolher as atividades e palavras com
sabedoria. Por exemplo, se um aluno demonstra talento artístico, incentive-o fornecendo tarefas
voltadas para esse conjunto de habilidades. Além disso, escolher cuidadosamente as palavras
reduzirá os problemas potenciais causados pelo vocabulário limitado dos alunos. A paciência
é um componente integral para enfrentar os desafios educacionais mencionados. O professor
provavelmente precisará repassar as aulas ou corrigir o comportamento inadequado de um aluno
várias vezes.

Palavras-chave: Comportamento; Consciência; Paciência.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 242


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

P
retende-se com este trabalho contribuir com um olhar mais aprofundado sobre
a dinâmica da inclusão, que muitas vezes é feita sem planejamento, como mera
ordem vinda de cima para baixo. Em um país como o nosso, em que a educa-
ção de qualidade é privilégio para poucos, pessoas com necessidades especiais precisam
enfrentar inúmeras barreiras para alcançar a escolarização. O desconhecimento e a falta de
informação levam ao preconceito, muitas vezes vivido de forma cruel.
Além da aprendizagem em si, a escola tem que estar atenta para colaborar com a in-
clusão dos alunos na sociedade, e para dar suporte ao núcleo familiar que também enfrenta
dificuldades para se comunicar com crianças deficientes.
É papel do educador ajudar os indivíduos a se sentirem aceitos do jeito que são, sem
que suas características particulares sejam apontadas como defeitos. Muitos estudos apontam
a diferença qualitativa no desenvolvimento dos alunos que se sentem incluídos na escola – a
começar pelos recursos arquitetônicos e curriculares.
A partir disto, pretende-se demonstrar também como faz diferença quando se planeja
aulas realmente inclusivas, que dão conta de maneira flexível das necessidades de todos os
alunos, sem exceções. Desta forma nos aproxima-se do objetivo maior de garantir a inclusão
social como processo de adaptação da sociedade para receber os indivíduos que dela estão
excluídos.
Nos últimos anos, várias pesquisas abordaram a importância da inclusão nas instituições
de ensino, surgindo leis que incentivaram a sociedade olhar a realidade de muitas crianças que
viviam à margem dela. Em tempos atuais grandes esforços estão concentrados nas mudan-
ças que devem ser produzidas para que os educandos com necessidades especiais possam
vivenciar o momento da escola igual ao de pessoas sem nenhuma necessidade especial.
A Constituição Brasileira de 1988 garante o acesso ao Ensino Fundamental regular a
todas as crianças e adolescentes, assegurando, portanto, o mesmo direito para as crianças
com necessidades especiais, com atendimentos especializados complementares, de acordo
com a vontade dos pais.
A partir do impacto da LDB (Lei de Diretrizes e Bases da Educação), 9394/96, gerou-se
a visibilidade quanto à existência e os direitos das pessoas com necessidades educacionais
especiais. Quanto antes o diagnóstico puder ser feito e as intervenções necessárias realiza-
das, maior a chance de a criança com necessidades especiais progredir no âmbito escolar,
social e afetivo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 243


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

TIPOS DE DEFICIÊNCIA: TRANSTORNO DISTÚRBIO EMOCIONAL


DO ESPECTRO DO AUTISMO (ASD)
Perturbação emocional refere-se a uma
O Transtorno do Espectro do Autismo condição que exibe uma ou mais das seguin-
se refere a uma deficiência de desenvolvi- tes características durante um longo período
mento que afeta significativamente a comu- de tempo e em um grau excepcional que afe-
nicação (verbal e não verbal) e a interação ta adversamente o desempenho educacional
social. Esses sintomas são geralmente evi- de uma criança:
dentes antes dos três anos de idade e afetam
• Incapacidade de aprender que não
adversamente o desempenho educacional da
pode ser explicada por fatores inte-
criança. Outras características identificadoras
lectuais, sensoriais ou de saúde
de pessoas com TEA são o engajamento em
atividades repetitivas / movimentos estereoti- • Incapacidade de construir e / ou
pados, resistência à mudança no ambiente e manter relacionamentos interpesso-
na rotina diária e respostas incomuns a estí- ais satisfatórios com colegas e pro-
mulos sensoriais. fessores
SURDO-CEGUEIRA • Tipos de comportamento ou senti-
mentos inadequados em circunstân-
A surdez cegueira refere-se a deficiên-
cias normais
cias visuais e auditivas concomitantes. Essa
combinação causa graves necessidades de • Um humor generalizado de infelici-
comunicação, desenvolvimento e educação dade / depressão
que não podem ser atendidas por meio de
• Uma tendência de desenvolver sin-
programas de educação especial apenas
tomas físicos ou medos associados
para crianças com cegueira ou surdez.
a problemas pessoais ou escolares
SURDEZ / DEFICIÊNCIA AUDITIVA
O distúrbio emocional não se aplica a
Surdez significa que a deficiência au- crianças socialmente desajustadas, a menos
ditiva de uma criança é tão severa que afeta que seja determinado que tenham um distúr-
o processamento de informações linguísticas bio emocional.
com ou sem amplificação e afeta adversa- DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
mente o desempenho educacional da crian-
ça. A deficiência auditiva se refere a uma de- A deficiência intelectual é definida como
ficiência (flutuante ou permanente) que afeta um funcionamento significativamente abaixo
adversamente o desempenho educacional de da média da inteligência geral que existe ao
uma criança. lado de déficits no comportamento adaptativo
e se manifesta durante o período de desenvol-
ATRASO DE DESENVOLVIMENTO
vimento da criança, causando efeitos adver-
Atraso no desenvolvimento é um termo sos no desempenho educacional da criança.
designado para crianças do nascimento aos
nove anos e é definido como um atraso em
uma ou mais das seguintes áreas: desenvol-
vimento cognitivo, desenvolvimento físico,
desenvolvimento sócio emocional, desenvol-
vimento comportamental ou comunicação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 244


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS As deficiências de aprendizagem especí-


ficas não incluem problemas de aprendizagem
Crianças com deficiências múltiplas resultantes de deficiências visuais, auditivas ou
são aquelas com deficiências concomitantes, motoras, deficiência intelectual, perturbações
como deficiência intelectual e cegueira ou de- emocionais ou que sejam colocados em des-
ficiência intelectual e deficiência ortopédica. vantagem ambiental / econômica.
Essa combinação causa graves necessidades
educacionais que não podem ser atendidas DANO DE FALA / LINGUAGEM
por meio de programas destinados a crianças Os distúrbios de fala ou linguagem re-
com uma única deficiência. ferem-se a distúrbios de comunicação, como
DEFICIÊNCIA ORTOPÉDICA gagueira, dificuldade de articulação ou de lin-
guagem / voz, que têm um efeito adverso no
Deficiências ortopédicas referem-se a desempenho educacional da criança.
deficiências ortopédicas graves que afetam
adversamente o desempenho acadêmico de LESÃO CEREBRAL TRAUMÁTICA
uma criança. Deficiências ortopédicas incluem Lesão cerebral traumática refere-se a
aquelas causadas por anomalias e doenças uma lesão adquirida no cérebro causada por
congênitas, bem como deficiências por outras forças físicas externas. Essa lesão resulta em
causas (por exemplo, Paralisia Cerebral). deficiência funcional parcial ou total e / ou
OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE prejuízo psicossocial e deve afetar adversa-
mente o desempenho educacional da criança.
Outras deficiências de saúde referem-se
a uma limitação de força, vitalidade ou esta- DEFICIÊNCIA VISUAL (INCLUINDO
do de alerta, resultando em estado de alerta CEGUEIRA)
limitado ao ambiente educacional de alguém. A deficiência visual, que inclui a ceguei-
Essas deficiências geralmente são devidas a ra, refere-se à deficiência visual que, mesmo
problemas de saúde crônicos ou agudos - in- após a correção, afeta negativamente o de-
cluindo epilepsia e síndrome de Tourette - e sempenho educacional da criança. O termo
afetam adversamente o desempenho educa- “deficiência visual” inclui pessoas com visão
cional da criança. parcial e cegueira.
DEFICIÊNCIA DE APRENDIZAGEM A INCLUSÃO NO CONTEXTO ESCOLAR
ESPECÍFICA
No Brasil, há uma luta intensa dos gru-
A deficiência de aprendizagem especí- pos sociais minoritários por seus direitos. O
fica refere-se a uma gama de distúrbios em mundo ainda não está totalmente adaptado
que um ou mais processos psicológicos bási- para que pessoas com necessidades espe-
cos envolvidos na compreensão / uso da lin- ciais possam ter uma vida normal, sendo am-
guagem - falada ou escrita - estabelece uma paradas em suas dificuldades por meio do
deficiência na capacidade de ouvir, pensar, próprio povo e do Estado (SILVA, 2003).
ler, escrever, soletrar e / ou cálculos mate-
máticos completos. Incluem-se as condições A escola é a base introdutória no mundo
como deficiências perceptivas, dislexia (tam- social. As crianças especiais devem ser aco-
bém discalculia, disgrafia), lesão cerebral, lhidas, se possível, por instituições de ensino
disfunção cerebral mínima e afasia do desen- regular. O sistema educacional brasileiro passa
volvimento. por uma série de modificações, visando a uma
verdadeira inclusão educacional (SILVA, 2003).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 245
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A realidade, tanto dos profissionais da No contexto de seu livro "Pedagogia do


educação quanto dos alunos, é marcada por Oprimido", Paulo Freire (1996) procura cons-
relativismos e medos. Conseguir uma edu- cientizar o docente do seu papel fundamental
cação justa e menos preconceituosa da re- de problematizador da realidade do educan-
alidade é o primeiro passo para a inclusão do, de modo que suas vivências façam parte
educacional. A escola e o professor têm um deste processo para que de fato se tenha um
papel fundamental no processo educativo da significado na aprendizagem. Pois para Paulo
vida de qualquer pessoa, principalmente das Freire ensinar a pensar e problematizar sobre
crianças com necessidades especiais, nome- a realidade é a maneira mais correta de se
adamente físicas (SILVA, 2003). produzir conhecimento, visto que, a partir daí
o discente terá a capacidade de reconhecer-
Há, no entanto, que se você tiver uma
-se como um ser social. “[...] aprender, é um
'aparência' distinta, uma atenção maior do
processo que pode deflagrar no aprendiz uma
que o normal. Através da utilização de méto-
curiosidade crescente, que pode torná-lo mais
dos eficazes e adaptados ao caso particular,
e mais criador” (FREIRE, 1996, p. 24).
é possível proporcionar capacitação, tanto no
domínio cognitivo como no físico, incentivan- Desse modo, pode-se dizer que diante
do a socialização e a autonomia dos alunos dos métodos de ensino do autista, este tem a
especiais. Como afirma Silva (2003, p. 23): necessidade de reconhecer-se como um ser
Existe um investimento maciço no desen-
social, e essa tarefa fica a cargo do professor
volvimento de políticas nacionais, regio- alfabetizador, que por meio de metodologias
nais e locais de formação continuada de centradas no aluno, tenha o objetivo de cons-
professores. Porém, ressente-se de uma cientizá-lo como construtor de seu conheci-
reflexão mais densa sobre quais formas mento.
e estratégias de formação continuada po-
derão contribuir para o professor ampliar Diante de alguns artigos sobre educa-
sua gama de conhecimentos e constituir ção inclusiva formam-se os elos de sabedo-
novas aprendizagens sobre o ser profes- ria e trabalho mútuo, tanto por parte dos do-
sor (SILVA, 2003, p. 23):
centes, quanto da família que precisa buscar
Portanto, a formação continuada de pro- materiais que estimulem o fazer da criança,
fessores é fundamental para a contribuição levando em consideração o letramento que
de novas estratégias de ensino, ampliando os perdura por toda vida.
conhecimentos dos professores em relação a
Para BARROSO (2005, p.11) “a demo-
pedagogia que está sendo aplicada em sala
cratização da escola pública, ou melhor, a
de aula.
sua refundação enquanto uma escola efeti-
Paulo Freire (1996) não discute direta- vamente popular - é uma tarefa - desafio ain-
mente o tema de inclusão, mas no decorrer da em aberto para os educadores”. O pro-
dos estudos percebe-se que sua pedagogia jeto - aparentemente irrealizável - é construir
é centralizada no sujeito. Diante desta con- uma educação pública que seja, ao mesmo
cepção acredita-se que a educação especial tempo, democrática (extensiva a todos, indis-
deva ser pensada de modo que o discente tintamente) e portadora de uma determinada
seja visto como um ser construtor de seu co- qualidade, que seja socialmente referenciada
nhecimento, capaz de interagir, e que tenha e distante da lógica excludente. Uma escola
materiais que estimulem suas habilidades. que consiga inserir as novas gerações num
mundo inteiramente transformado e distante
daquele que originou a sua universalização.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 246
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Uma das tarefas é identificar constante- larização de todas as pessoas, pelo respeito
mente as intervenções e as ações desenca- aos diferentes ritmos de aprendizagem e pela
deadas e/ou aprimoradas para que a escola proposição de outras práticas pedagógicas,
seja um espaço de aprendizagem para todos o que exige ruptura com o instituído na so-
os alunos. Isso exigirá novas elaborações no ciedade e, consequentemente, nos sistemas
âmbito dos projetos escolares, visando ao de ensino. A ideia de ruptura é rotineiramen-
aprimoramento de sua proposta pedagógica, te empregada em contraposição à ideia de
dos procedimentos avaliativos institucionais e continuidade e tida como expressão do novo,
da aprendizagem dos alunos. podendo causar deslumbramento a ponto de
não ser questionada e repetir-se como mode-
É importante ainda uma atenção espe-
lo que nada transforma.
cial ao modo como se estabelecem as re-
lações entre alunos e professores, além da Quando o objetivo é o atendimento de
constituição de espaços privilegiados para alunos com necessidades educacionais espe-
a formação dos profissionais da educação, ciais, muito desse novo discurso tem servido
para que venham a ser agentes co-responsá- para condenar práticas da educação espe-
veis deste processo. cial, sem, contudo ressaltar que sua trajetória
reflete em alto grau a marginalização a que
Afora ações para garantir que as esco-
foi submetida pelas políticas educacionais, o
las se constituam em espaços de aprendiza-
que a fez constituir-se também como alter-
gem para todos os alunos, na CF 88 (art. 205,
nativa com o poder de reiterar o isolamen-
inc. III) está previsto que o Estado deve ga-
to social daqueles em atendimento por essa
rantir atendimento educacional especializado
modalidade de ensino. Tem ainda aparecido
aos educandos com necessidades educacio-
como a grande vilã, responsável quase que
nais especiais (Res. 2/01), preferencialmente
isoladamente pela perpetuação de fortes me-
na rede regular de ensino.
canismos de resistência à escolarização de
No Brasil, tradicionalmente, é a educa- todos em escolas regulares.
ção especial que tem se responsabilizado por
O que se pode denunciar, com certa
esse tipo de atendimento. Nesse sentido, para
garantia de que seja posição consensual, é
Sousa e Prieto (2002, p.123), “tem-se pre-
o descaso com que muitos de nossos gover-
visto o ‘especial’ na educação referindo-se
nantes ainda tratam a educação de pessoas
a condições que possam ser necessárias a
com necessidades especiais. Livros, artigos,
alguns alunos para que se viabilize o cum-
seminários e congressos sobre Inclusão Es-
primento do direito de todos à educação”. O
colar, têm sempre um caráter pedagógico em
que se tem como objetivo precípuo, portanto,
que quase nunca se fala das questões psico-
é a defesa da educação escolar para todos
lógicas que envolvem e que podem contribuir
como um princípio.
em muito para o sucesso da Inclusão Escolar.
Se o princípio da educação inclusiva
O curso de Pedagogia tem pouquís-
vem se fortalecendo desde meados da déca-
simas matérias de Psicologia. Quando há,
da de 1990, na prática é o modelo da integra-
apenas são repassadas de forma rápida as
ção escolar que ainda predomina.
teorias tradicionais. Um conteúdo atualizado e
A educação inclusiva tem sido carac- maior de Psicologia poderá ajudar a melhorar
terizada como um “novo paradigma”, que se as relações dos professores com seus alu-
constitui pelo apreço à diversidade como con- nos por meio do conhecimento dos proces-
dição a ser valorizada, pois é benéfica à esco- sos e etapas do desenvolvimento da criança,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 247
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

a construção de seus conhecimentos, como com colegas de trabalho, com seus alunos,
cada uma reage e modifica sua forma de sen- com suas experiências familiares e na comu-
tir, pensar, falar e agir, o papel das interações nidade.
sociais e do ambiente nesses processos. Es-
O bom educador preocupa-se com o
ses conhecimentos dariam aos professores
seu processo de autoconhecimento, com a
condições de pensar e agir com mais auto-
descoberta de conhecimentos e interesses
nomia, de estruturar um ambiente educativo
próprios, com suas motivações pessoais. Ele
que permita a construção efetiva das compe-
se permite autoconhecer em suas habilidades
tências consideradas importantes na cultura
e dificuldades, preparando-se bem para con-
e desenvolvimento global da criança.
tribuir com a formação de qualquer aluno que
Ao longo de sua história, muitos psicó- venha a integrar sua sala de aula.
logos vêm pesquisando e elaborando teorias
DESENVOLVIMENTO DE
sobre o desenvolvimento do ser humano, o APRENDIZAGEM PARA CRIANÇAS COM
papel das interações sociais nesse desen- NECESSIDADES ESPECIAIS
volvimento e sobre a aprendizagem. Nesse
contexto, poderia se apresentar pelo menos Aprender é um processo de mudança
três concepções psicológicas: a inatista - que comportamental, resultante da experiência
supõe que o desenvolvimento humano é de- construída por aspectos emocionais, am-
terminado por fatores genéticos, sendo que bientais e neurológicos. A aprendizagem, em
todas as características físicas e psicológicas seu aspecto global, é idêntica a cada apren-
de uma pessoa são herdadas geneticamente dizagem; em seu aspecto particular, deve ser
de seus pais; a ambientalista - que, ao con- traduzido pela heterogeneidade dos dutos ob-
trário, acredita que a criança nasce sem que servados na aprendizagem em sala de aula,
nada esteja determinado biologicamente, de ou seja, cada um tem suas peculiaridades na
maneira que o meio ambiente em que vive é hora de aprender. Os exercícios de aprendiza-
que irá moldá-la, estimula-la e corrigi-la se- gem, como armazenar e consolidar passaram
gundo um padrão ideal de comportamento; a por transformações e, atualmente, a base edu-
interacionista - que, diferindo das duas primei- cacional é formada pela reflexão, pela busca,
ras, considera que tanto os fatores biológicos pela urgência de criar novos procedimentos.
como os ambientais são fundamentais para De acordo com Mittler (2000, p. 25):
o desenvolvimento humano e não podem ser [...] no campo da educação, a inclusão en-
dissociados. volve um processo de reforma e de reestru-
turação das escolas como um todo, com o
Mas o verdadeiro professor, conscien-
objetivo de assegurar que todos os alunos
te de seu compromisso e desafio ético de possam ter acesso a todas as gamas de
educar a todos que pertencerem ao seu alu- oportunidades educacionais e sociais ofe-
nado, primeiro o receberá e somente depois recidas pela escola (MITTLER, 2000, p. 25).
irá se informar, buscar o maior número pos-
A educação, assimilada como prática
sível de informações e recursos para promo-
comunitária e inserida em um contexto social,
ver o desenvolvimento global daquele aluno.
econômico e político, não é uma atividade
De modo geral, o bom educador reconhece
neutra. A prática pedagógica, quando realiza-
que sua formação é permanente, contínua e
da dentro dos valores dominantes, reduz a ex-
flexível e que ocorre em salas de aulas das
clusão social. Essa mudança traz benefícios
universidades, com o hábito e prática de leitu-
para todos, garantindo direitos fundamentais
ras e de estudos, assim como também no dia
em diversos níveis (MITTLER, 2000, p. 25).
a dia das escolas, na convivência cotidiana
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 248
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Assim, o ser humano que está incomple- humana e o ideal de que todos os indivíduos
to em sua estrutura biológica é considerado tenham a mesma capacidade de inteligên-
deficiente. Historicamente, são determinados cia. De acordo com Strieder e Zimmermann
a serem incapazes e ineficientes no mundo (2000, p. 146):
do trabalho, educação e convívio com outras A inclusão exige uma mudança de men-
pessoas. Hoje, através do novo paradigma talidade e de valores nos modos de vida
da inclusão educacional e social para o res- e é algo mais profundo do que simples
gate da integração, a fim de construir uma recomendações técnicas, como se fos-
sociedade mais justa e menos discriminatória sem receitas. Requer complexas reflexões
(MITTLER, 2000, p. 25). de toda a comunidade escolar e humana
para admitir que o princípio fundamental
A educação inclusiva é um movimen- da educação inclusiva é a valorização da
to contemporâneo, que busca a inclusão de diversidade, presente numa comunida-
de humana (STRIEDER; ZIMMERMANN,
todos na rede regular de ensino, proporcio-
2000, p. 146).
nando igualdade de condições de acesso e
permanência na escola, e que inclua não só Centros educacionais, locais onde se
inserir o aluno com necessidades especiais agregam valores, princípios e conhecimentos,
no ensino regular, mas proporcionar-lhe tanto todos os alunos aprendem, sejam estes porta-
acompanhamento técnico específico do en- dores de necessidades especiais. A comuni-
sino, visando sempre a busca pelo conheci- dade em geral, o ambiente familiar e demais
mento (MITTLER, 2000, p. 25). agentes sociais devem ser impulsionadores
do desenvolvimento e da inserção das pesso-
Educação inclusiva, portanto, significa
as com deficiência, tanto na escola como no
educar todas as crianças em um contexto es-
mercado de trabalho e na vida social (STRIE-
colar. A opção por essa modalidade de en-
DER; ZIMMERMANN, 2000).
sino não significa negar as dificuldades dos
alunos. Pelo contrário. Com a inclusão, as Incluir pessoas com necessidades
diferenças não são vistas como problemas, educacionais especiais na escola regular
mas sim como diversidade. É essa varieda- pressupõe uma grande reforma no sistema
de, a partir da realidade social, que é possí- educacional. Isso implica a flexibilidade ou
vel ampliar a visão de mundo e desenvolver adequação do currículo, com modificação
oportunidades de convivência para todas as das formas de ensino, metodologia e ava-
crianças. Preservar a diversidade apresenta- liação; Implica também no desenvolvimento
da na escola, presente na realidade social, de trabalhos em grupo em sala de aula e na
representa oportunidade de atendimento às criação e adaptação de estruturas físicas que
necessidades educacionais com ênfase nas facilitem a entrada e circulação de todas as
habilidades, capacidades e potencialidades pessoas (STRIEDER; ZIMMERMANN, 2000).
de educar (MITTLER, 2000, p. 25).
É um desafio, fazer a inclusão, sem
A inclusão escolar não é um processo perder de vista que além das oportunidades,
fácil, mas sim um desafio. A escola trata de devemos garantir não só o desenvolvimento
um novo tema, deixando de lado seu caráter da aprendizagem, como também o desenvol-
seletivo. Escolas de qualidade são aquelas vimento integral das pessoas com necessida-
que propõem contextos educacionais em des educacionais especiais.
que todos os alunos tenham oportunidades
de aprender, sempre respeitando a pluralida-
de de culturas, a complexidade da interação
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 249
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

FORMAÇÃO PROFISSIONAL O sistema educacional brasileiro vem


passando por significativas mudanças nas
A escola atual não oferece condições últimas décadas, e nesse contexto, o Ministé-
suficientes para ser vista como uma escola re- rio da Educação e a Secretaria de Educação
almente “inclusiva”, porque quando se fala em Especial (MEC/SEESP, 2007) ressaltam em
escola inclusiva é necessário que este recin- que: “o movimento mundial pela educação
to tenha crianças partícipes e atuantes. Para inclusiva é uma ação política, cultural, social
que exista a educação inclusiva, é necessário e pedagógica”, que foi desencadeada “em
haver educadores capacitados, uma escola defesa do direito de todos os alunos de esta-
adaptada às necessidades da criança com rem juntos, aprendendo e participando, sem
deficiência, que necessitar de atendimento es- nenhum tipo de discriminação”:
pecializado, como a Secretaria de Educação
A educação inclusiva constitui um para-
Especial (2004, p. 7) expõe: digma educacional fundamentado na con-
A escola é um espaço no qual se deve cepção de direitos humanos, que conjuga
favorecer a todos os cidadãos, o acesso igualdade e diferença como valores in-
ao conhecimento e o desenvolvimento de dissociáveis, e que avança em relação à
competências, ou seja, a possibilidade de ideia de equidade formal ao contextualizar
apreensão do conhecimento historicamen- as circunstâncias históricas da produção
te produzido pela humanidade e de sua da exclusão dentro e fora da escola (BRA-
utilização no exercício efetivo da cidada- SIL, 2007, p.1)
nia. É no dia-a-dia escolar que crianças e
jovens, enquanto atores sociais têm aces- A educação inclusiva tem um passado
so aos diferentes conteúdos curriculares, de segregação, segundo a Organização Mun-
os quais devem ser organizados de forma dial da Saúde (OMS), 10% das pessoas têm
a efetivar a aprendizagem. Para que este algum tipo de deficiência, o que representaria
objetivo seja alcançado, a escola precisa 15 milhões de brasileiros, de acordo com o
ser organizada de forma a garantir que
Censo do IBGE de 2000. Em 2004, a fim de
cada ação pedagógica resulte em uma
contribuição para o processo de aprendi- aprimorar a formulação de políticas públicas,
zagem de cada aluno (SEE, 2004). o MEC passou a definir melhor as várias cate-
gorias de deficiência (BIAGGIO, 2009, p.21).
Sabe-se que a participação da família
tem uma parte importante, pois muitas vezes Um novo desafio se impõe à prática do-
cente na contemporaneidade, o trabalho
a rejeição começa dentro da própria casa. De em equipe, pois “o professor sozinho não
acordo com Mantoan (2010): pode de forma isolada transformar um
É preciso levantar a discussão para o ca- centro educacional em espaço inclusivo,
minho percorrido pela educação brasileira mesmo que sua sala de aula seja um es-
para concretizar seu “projeto inclusivo”, paço inclusivo”, é necessário colaboração
que esbarrou em “equívocos conceituais e articulação entre toda a comunidade
e dificuldades na reorganização peda- escolar, especialmente da família (DÍEZ,
gógica”, os avanços da escola brasileira 2010, p. 21).
nessa direção têm acontecido de forma
Percebe-se que a inclusão está presen-
lenta, pois ainda há “muita resistência por
parte das instituições à inclusão plena e te cada dia mais em nossos cotidianos, dessa
incondicional, e isso ocorre por causa da forma, a família e a escola devem caminhar
inexperiência com a diferença” (MANTO- lado a lado, para que a criança com neces-
AN, 2010, p. 13). sidades especiais possa ter um acompanha-
mento adequado que contribuirá para o seu
desenvolvimento integral e significativo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 250


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com as mudanças que vêm se consolidando no Brasil em relação aos trata-
mentos, intervenções e políticas públicas para pessoas com necessidades especiais, ainda
é possível enxergar muitos desafios a serem transpostos pelos profissionais da educação em
relação ao atendimento da criança e da família.
A família é entendida como elemento importante na rede de apoio, mas precisa ser
qualificada para apoiar e auxiliar no tratamento. Nem sempre a relação entre os familiares
e os profissionais que atendem as crianças é harmoniosa, cabendo ao profissional propor
estratégias que amenize e convide a família a juntos apoiarem e superarem.
Fazer valer o direito à educação para todos não se limita a cumprir o que está na lei e
aplicá-la, sumariamente, às situações discriminatórias. O assunto merece um entendimento
mais profundo da questão de justiça. A escola justa e desejável para todos não se sustenta
unicamente no fato de os homens serem iguais e nascerem iguais.
A inclusão escolar está articulada a movimentos sociais mais amplos, que exigem maior
igualdade e mecanismos mais equitativos no acesso a bens e serviços. Ligada a sociedades
democráticas que estão pautadas no mérito individual e na igualdade de oportunidades, a
inclusão propõe a desigualdade de tratamento como forma de restituir uma igualdade que foi
rompida por formas segregadoras de ensino especial e regular.
As políticas educacionais não estabelecem uma remuneração decente para os profes-
sores, que são obrigados a trabalhar dois e até três turnos, para conseguirem manter sua
sobrevivência, e a de sua família. Ao falarmos em inclusão escolar temos que destacar a im-
portância dessa inclusão para desenvolvimento social, para desconstrução de um imaginário
social, e a representação deste imaginário no inconsciente dos indivíduos.
Assim, a inclusão escolar permitiria trabalhar os novos indivíduos que iriam ditar as
regras e padrões da nova sociedade que estaria se formando, por meio da nova geração.
Através da convivência com as diferenças as crianças vão construindo o processo para in-
clusão social, um mundo melhor, no qual todos saem ganhando, e com isso, possibilitando
falar em inclusão social real.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 251


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial. Brasília, 1994.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394, 20 de dezembro de 1996. Brasília, Minis-
tério da Educação, 1996.

______. MEC. Secretaria de Educação Especial: Direito à educação: orientações gerais e marcos legais. Brasília:
MEC/SEESP. 1997.

______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Decreto Nº 5.296 de 02 de dezembro de 2004.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér; ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos. 3. Ed.
São Paulo: Summus, 2006.

______. PRIETO, Rosângela Gavioli. Inclusão Escolar. Summus. 4. ed. SP, 2006, p. 16, 17, 36, 37, 39, 40, 41.

MENDES, E. G. Construindo um “lócus” de pesquisas sobre inclusão escolar. In: MENDES, E.G; ALMEIDA, M. A;
WILLIAMS, L. C. de.Temas em educação especial: avanços recentes. São Carlos: EDUFScar, 2004, p. 221-230.

MITTLER, Peter. Educação inclusiva. Contextos sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

POKER, Rosimar Bortolini. Troca simbólica e desenvolvimento cognitivo em crianças surdas: uma proposta edu-
cacional. UNESP, 2001, p. Tese de Doutorado.

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica.

SKLIAR, Carlos. A surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Mediação 1998.

STAINBACK, Susan Willian. Inclusão, um guia para Educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 252


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade


UniÍtalo (2012); Especialista em Alfabetização e
Letramento pela Faculdade de Desenho de Tatuí
(2016); Professora de Educação Infantil e Ensino
Fundamental I - na EMEF Pracinhas da FEB.

ELENICE
ORNELAS ROCHA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 253
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA – A IMPORTÂNCIA DOS


REGISTROS NO TRABALHO DOCENTE

RESUMO: Diante da percepção de multiplicidade de características da criança e do jovem no


conceito relacional de ensino aprendizagem, se faz necessário um olhar também amplo sobre as
possibilidades de registro e documentação das inferências destes indivíduos na transformação
contínua de seu percurso de aprendizagem. As particularidades de cada criança vem de encontro
com as diversidades instrumentais e ferramentas de apoio ao fazer pedagógico como contexto
de avaliação da prática docente e as mais variadas possibilidades de transformações cotidianas
do ambiente da sala de aula. A Escola se faz múltipla a cada reavaliação e revisão constante
de suas práticas, tal qual aos indivíduos a ela pertencentes descobrem-se também o educador
busca ampliar suas compreensões de métodos de como acompanhar de forma significativa as
mais amplas possibilidades de desenvolvimento individuais e coletivas.

Palavras-chave: Docente; Documentação; Registro.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 254


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
presente artigo tem por objetivo analisar a funcionalidade e aplicabilidade do re-
gistro como subsídio fundamental no cotidiano pedagógico, se as compreensões
sobre o desenvolvimento e utilização dos registros como meio de aprimoramento
da avaliação do percurso pedagógico de professores e alunos.
Sobre a perspectiva de análise de literaturas direcionadas sobre o tema a busca pela
identificação dos critérios, meios de utilização e eficácia dos registros como instrumento de
base para a práticas de aula, de acordo com o dicionário Houaiss (2001), documentação
significa “[...] ato, processo ou efeito de documentar. Reunião de documentos com o propósito
de esclarecer ou provar alguma coisa”.
O currículo pedagógico vem sendo discutido constantemente nas bases da educação,
de tal modo a se questionar quais seriam de fato os conteúdos e áreas pré-determinadas
para as etapas da educação básica, porém entre as determinações curriculares e projetos
paralelos se procuram estabelecer vínculos entre as aprendizagens sistêmicas e as realidades
múltiplas de vivências dos indivíduos, seus conhecimentos prévios, suas visões de mundo.
As conceitualizações acerca do planejamento e produção de documentação pedagó-
gica baseadas na escuta ativa surgem como resposta às necessidades encontradas nas
convivências em sala de aula, nas bagagens afetivas de cada indivíduo, no público atingido.
Os registros precisam de atenção sobre suas narrativas e construções coletivas bem como
constante análise sobre os percursos construídos e que podem e devem ser revisitados sem-
pre que necessário, de tal modo que sejam mais do instrumento, mas sim veículo motor do
fazer pedagógico.
Aprofundando-se nas pesquisas sobre as origens, as utilizações, os mecanismos e a
significações da documentação pedagógica do fazer didático o educador, abrem-se vertentes
sobre a auto análise da prática docente, dos sistemas avaliativos, das instrumentalizações e
mecanismos do exercício docente, como descreve Malaguzzi na citação de Edwards (1999,
p. 83), "os professores devem aprender a interpretar processos contínuos, em vez de esperar
para avaliar os resultados. [...] deve incluir o entendimento das crianças como produtoras e
não como consumidoras".
A necessidade de ampliação de visão do professor sobre as narrativas individuais dos
educandos transmuta a necessidade do planejamento pelo currículo para um planejamento
que os escute e transforme conforme as necessidades e expectativas do grupo, onde o edu-
cador perpetue seu papel de mediador do processo de aprendizagem dos indivíduos. Desta
forma todos possam construir em conjunto um sistema funcional de aprendizagem signifi-
cativa, e para o educador as próprias ferramentas de observação e construção contínua de
aprendizagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 255


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A DOCUMENTAÇÃO PEDAGÓGICA- O fomento de toda esta estrutura está


CONTEXTUALIZAÇÃO pautado na conhecida Pedagogia da Escu-
ta, que trata exatamente da escuta ativa das
As percepções advindas sobre o con- crianças para observar suas expectativas e
ceito de documentação pedagógica estão li- necessidades e juntamente criar projetos que
gadas diretamente com as inferências sobre venham de encontro.
a conceitualização, que diz sobre a prática
sistêmica de escuta, registro e reflexão de Essa vertente está direcionada ao fato
acontecimentos ocorridos no ambiente esco- da descentralização de uma educação padro-
lar. Segundo Silva (2011) a documentação nizada e formal pautada somente nas diretri-
pedagógica é um dos pilares do progresso zes estagnadas de um currículo obrigatório
do planejamento, pautando-se nas obras de que limite ou engesse o processo em moldes
acompanhamento das escolas públicas de que não possam ser flexíveis e ajustáveis con-
educação infantil públicas da região de Reg- forme a necessidade de cada criança, grupo,
gio Emilia na Itália, que juntamente com mais escola e demais variáveis do ambiente esco-
onze princípios tornam-se mais do que essen- lar. A sala de aula que possa expandir muito
ciais para a prática pedagógica dos professo- além das paredes físicas e simbólicas, onde a
res desta região. escuta seja recurso e que cada aprendizagem
seja ferramenta, Schwartz (2018) narra esta
Esta abordagem surgiu na região logo linha entre as percepções do que é flexível e
depois da segunda guerra mundial, devido mutável e a grade curricular básica estrutura-
à grande devastação da região mobilizou as da formal:
mães na intenção de reconstruir uma escola
[...] aprendizagens consideradas primor-
que pudesse ser gerida e administrada por
diais na escola são a leitura, a escrita,
elas, os princípios pedagógicos adotados as operações matemáticas. No entanto,
nesta escola que ficou mundialmente conhe- aprender a falar, a produzir, a 11 elabo-
cida, foi idealizada pelo pedagogo Loris Ma- rar e expor pensamentos, a argumentar
laguzzi, que propôs o conceito de desconstru- sobre eles e a escutar os outros são es-
ção do conceitos de disciplinas formais mas tratégias necessárias para construir qua-
litativamente na viabilização de outras
trabalhando por meio de projetos, onde as
aprendizagens (SCHWARTZ, 2018, p.11).
atividades são organizadas através das mani-
festações dos interesses das crianças, e não O trabalho pedagógico está pautado
previamente planejadas pelos professores. nas relações sejam entre educadores com
Os relatos do próprio Malaguzzi demonstram educadores ou entre estes e os educandos,
a perplexidade e empolgação a deparar-se estas relações necessitam ser observadas
com a iniciativa daquelas mulheres: de tal modo que possam subsidiar as bases
Esta ideia parece-me incrível! Corri até lá
de compreensão do percurso pedagógico de
em minha bicicleta e descobri que tudo aprendizagem dado pela própria didática em
aquilo era verdade. Encontrei mulheres sala de aula ou em qualquer espaço de intera-
empenhadas em recolher e lavar pedaços ção. O enfoque primordial está direcionado no
de tijolos. As pessoas haviam-se reunido incentivo ao protagonismo infantil e suas ba-
e decidido que o dinheiro para começar ses consolidadas para a construção de seus
a construção viria da venda de um tanque
abandonado de guerra, uns poucos ca-
próprios saberes, ou seja, "uma abordagem
minhões e alguns cavalos deixados para mais democrática na ação social, sem colo-
trás pelos alemães em retirada (MALAGU- car em destaque um protagonista singular"
ZZI, 1999, p.59). (FERRETTI, ZIBAS; TARTUCE, 2004, p. 3).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 256


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Todos os indivíduos estão inerentes ao [...] é o tempo da grande travessia entre


protagonismo e as possibilidades de exercício a infância e a idade adulta. Na infância,
a ação dos filhos é controlada de fora,
desta ação se fomenta nas bases do sistema
pelos pais. Na idade adulta espera-se que
educacional como necessidade humana bá- a conduta da pessoa seja controlada, de
sica, e cabe ao educador possibilitar experi- dentro, por ela própria. [...] É o tempo em
ências onde todos possam sentir-se aptos de que o jovem vai, aos poucos, construindo
exercer essas ações protagonistas de suas sua autonomia (COSTA, 2000, p. 47, grifo
vivências, Filipini (2009) discorre sobre esse do autor).
protagonismo, “Cada um de nós tem o direi- Estas transições são observáveis, esti-
to de ser protagonista, de ter papel ativo na muláveis e pautáveis como conceitos de pla-
aprendizagem na relação com os outros. Esse nejamento e posteriormente objeto de registro
é o motor da educação”. por meio da documentação pedagógica. Pois
Sobre este protagonismo inferem as ca- os grandes construtores de seus próprios co-
pacidades de observação individual de cada nhecimentos são os protagonistas do9s pro-
criança e jovem dentro do ambiente escolar cessos e objetos de observação e registro, a
e em sua profundidade de possibilidades de imagem da criança como ser vazio, vaso a
aprendizagens se fomentam as narrativas de ser preenchido foi acertadamente substituída
documentação pedagógica. pela visão de ser detentor de características
únicas e construtor de seus conhecimentos,
Desde o primeiro dia deste indivíduo no assim descritas por Barbosa e Horn (2008):
espaço de aprendizagem toda as sua baga-
Passou-se de uma concepção a qual as
gem inicial difunde-se com as múltiplas nar-
crianças eram vistas como seres em falta,
rativas dos pares a sua volta, as inferências incompletos, apenas a serem protegidos,
dos mediadores e os espaços que frequenta, para uma concepção das crianças como
desde seu processo de adaptação aos espa- protagonistas do seu desenvolvimento,
ços, sua troca de narrativa do ambiente ante- realizado por meio de uma interlocução
rior de convívio (seja de seu lar, outra turma, ativa com seus pares, com os adultos
que as rodeiam, com o ambiente no qual
outra escola) até as transformação naturais
estão inseridas [...] (BARBOSA; HORN,
comportamentais de cada indivíduo que mol- 2008, p. 28).
da-se conforme suas relações, sentimentos,
necessidades e aquisição do processo autô- Para esse indivíduo múltiplo, diverso,
nomo e sua inferência protagonista de suas único, individual e coletivo, que ensina e
ações e produções. aprende, que troca e absorve. Para este indiví-
duo as observações necessitam ser também
No processo transitório entre o perío- diversas e amplas, e para isso se depara a
do heterônomo para o autônomo o percurso necessidade de reflexão sobre a contextuali-
protagonista permeia o caminho, este período zação de documentação pedagógica.
transitório, para Costa (2000):
A documentação pedagógica não se li-
mita somente do ato de observar e registrar,
mas, também, dos atos de analisar e refletir,
compartilhar interpretações para, pelo con-
templar o passado, compreender o presente
e projetar o futuro do trabalho educativo:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 257


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

[...] como conteúdo, é o material que re- Os processos decorrentes das trans-
gistra o que as crianças estão dizendo formações individuais necessitam de conhe-
e fazendo, é o trabalho das crianças e
cimentos dos aspectos norteadores do pla-
a maneira com que o pedagogo se re-
laciona com elas e com o seu trabalho. nejamento para o trabalho pedagógico, de
Tal material pode ser produzido de muitas tal modo que a própria a prática de docu-
maneiras e assumir muitas formas – por mentar pedagogicamente o cotidiano escolar
exemplo, observações manuscritas do resgata momentos e acontecimentos, como
que é dito e feito, registros em áudio e ví- descrevem Barbosa e Horn (2008) , onde de
deo, fotografias, gráficos de computador,
tal modo tanto os adultos, sejam eles profes-
o próprio trabalho das crianças, incluindo,
por exemplo, arte realizada no atelier com sores, coordenadores, gestores ou famílias ,
o atelierista. Este material torna o trabalho quanto as crianças participam do processo
pedagógico concreto e visível (ou audível) de construção de historicidade, permeadas
e, como tal, é um ingrediente importante pela coletividades, porém ser perder suas
para o processo da documentação pe- identidades individuais. A fomentação da me-
dagógica (DAHLBERG; MOSS; PENCE,
mória por meio dos registros e propiciando
2003, p.194).
a oportunidade de revisitação das memórias
Registro não se limita, portanto, ao que e vivências “no contexto da Documentação
é escrito, mas sim toda reprodução que possa Pedagógica, propiciando elementos para o
armazenar informações sobre as interações, professor repensar suas realizações junto aos
progressos, manifestações espontâneas de alunos” (MENDONÇA, 2009, p. 67).
ações, reações, sons, mnemônicas faciais,
O ato de observação das vivências e
gestos.
trocas cotidianas não se pautam nas relações
Muitas ferramentas podem ser utiliza- vivenciadas sem a necessidade de aponta-
das para a captação destas ações e utiliza- rem-se as transformações ocorridas durante
das como recurso de registro, filmagens de o percurso pedagógico de cada criança e jo-
imagens e gravações de áudios, fotografias, vem em seu âmbito de aprendizagem. Dentre
anotações, pinturas, esculturas, desenhos, as todas as vertentes de documentações existen-
mais amplas expressividades humanas, de tal tes atualmente muitas podem se citadas como
modo que mesmo a criança que não se ex- as mais utilizadas pelos professores em sala
presse verbalmente possa expressar por ou- de aula como subsídio de apoio aos registros
tras formas, como sua própria interação com e alimentação da documentação pedagógica,
ambientes, experiências e manifestações in- tais como cita-se diário de classe ou diário
dividuais (DAHLBERG; MOSS; PENCE, 2003, de aula, portfólio, anedotários, formulário de
p.194). acompanhamento diário do trabalho do pro-
fessor, relatórios avaliativos, recursos digitais
Todas essas possibilidades de registros
e espaço físico. As especificações de cada
fomentam as bases para a estruturação do
um destes instrumentos serão mais bem ex-
planejamento continuado, que usa por si as
plicitadas no capítulo a seguir.
próprias vivências como material de desenvol-
vimento de atividades futuras, possibilitando o
protagonismo dos alunos e das turmas, limi-
tando deste modo uma identidade de apren-
dizado, consequentemente único e com de-
senvolvimentos próprios (DAHLBERG; MOSS;
PENCE, 2003, p.194).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 258


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As dinâmicas decorrentes entre os ins- Recursos nem sempre são materiais,


trumentos de observação e a prática pedagó- podendo ser formas abstratas, sensoriais,
gica estão diretamente ligados aos pontos e perceptíveis, como a experimentação do ar,
características observáveis e as percepções do tempo, variando conforme os objetivos pla-
acerca do que se observa, se reflete, docu- nejados. Deste modo o professor necessita
menta e transforma-se em novo ponto de observar constantemente os meios com os
partida para a oferta de novas experiências quais as aprendizagens ocorrem no cotidiano
de aprendizagem, onde se objetivam as nar- e por meios destas observações analisar os
rativas outrora apontadas como enfoque das objetivos, recursos e estratégias adequadas
observações anteriores. para o desenvolvimento da atividade.
A DINÂMICA DA PEDAGOGIA E OS O próprio planejamento necessita de
INSTRUMENTOS DA DOCUMENTAÇÃO embasamento técnico para a própria estru-
PEDAGÓGICA turação dele, deste modo o ato de planejar
precisa ser também planejado, necessita de
Toda ação de ensino necessita ser pla-
estruturação e capacitação pedagógica para
nejada, ainda que possa ocorrer sem o plane-
que se chegue ao ato de compreender e con-
jar, por meio do planejamento se faz possível
cretizar o mesmo:
analisar intencionalidade, apontar aspectos
de onde cada educando pode atingir, o que Produzir conhecimentos tem o significa-
pode construir, suas próprias inferências no do de processo, de reflexão permanente
sobre os conteúdos aprendidos buscan-
processo e todas as transformações neste do analisá-los sob diferentes pontos de
percurso. Como descrevem Farias, Sales, vista; significa desenvolver a atitude de
Braga e França (2011): “A prática educati- curiosidade científica, de investigação da
va, como intencional e sistemática, precisa realidade, não aceitando como conheci-
ser organizada previamente, o que se con- mentos perfeitos e acabados os conteú-
cretiza por meio do planejamento das ações dos transmitidos pela escola [...] (LOPES,
p.22, 1992).
didáticas e pedagógicas da escola (FARIAS;
SALES; BRAGA; FRANÇA, Distrito Federal, Sobre a ótica da documentação peda-
2011, p. 107). gógica, não se pode desvincular o ato de pla-
nejar das observações realizadas em sala de
O exercício desta prática ainda ensina-
aula por meio dos mais variados instrumen-
do nas formações de professores busca de-
tos, como o diário de aula ou conhecido mais
monstrar a necessidade de observação ampla
popularmente diário de classe, Magalhães e
do educador que está em formação sobre as
Marincek (1995) denominam como um instru-
expectativas e iniciativas a serem mediadas
mento de apoio a memória ativa do professor,
durante o processo de ensino aprendizagem,
onde este registra as evoluções dos percur-
neste processo este é levado a considerar por
sos da turma, anota percepções de seu fazer
exemplo quais seriam os objetivos estipula-
pedagógico, seus pensamentos , avalia as
do para determinada atividade, como atingir
propostas realizadas, onde terminam por de-
essas expectativas dar-se a de forma ampla,
finir da seguinte forma é “um documento com
onde cada indivíduo construirá seus próprios
a história do grupo e os avanços do próprio
aprendizados, então este planejamento deve-
professor” (MAGALHÃES; MARINCEK apud
rá oferecer recursos e meios que possibilitem
CAVALCANTI, 1995, p. 5).
esses processos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 259


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo Zabalza (1994, p. 91), os re- álogo entre educador e educando. Oportuniza
gistros realizados pelo professor na forma de o ato de “documentar, registrar e estruturar os
diários, sobre suas investigações, são quais procedimentos e a própria aprendizagem”, fa-
atribui o sentido de expressar o pensamen- vorecendo os processos de desenvolvimento
to do professor, estes diários são a possibi- pessoal e profissional (SÁ-CHAVES, 2004, p.
lidade de dar a conhecer o que o professor 15).
“expõe-explica-interpreta” sobre sua ação
Um documento não tão comum, porém
cotidiana. Deste modo os autores discorrem
muito funcional é conhecido como anedotá-
como o documento diário de classe o profes-
rio, possuindo caráter direcionado sobre a
sor pode realizar uma verificação constante
ótica afetiva emocional, relacional e sociais
de seu próprio trabalho e a desenvoltura da
como descrevem Barbosa e Horn (2008), fun-
turma sobre suas inferências. Como um diário
cionando como fichas individuais, onde tam-
em sua essência sendo rotineiro, porém não
bém se podem registrar aspectos familiares
menos inovador a cada registro.
da criança, intercorrências entre as crianças
Os Portfólios, segundo Villas Boas e seus pares. Diferentemente do conceito de
(2004, p. 169), “(...) destinam-se a reunir anedota popular pelo dicionário, que reme-
amostras dos trabalhos dos alunos durante tem a cenas cômicas, comédias, nesta pers-
um certo período de tempo, mostrando seu pectiva sobre a visão pedagógica trata das
progresso por meio de produções variadas”. relações entre as crianças com seus pares,
O portfólio destina-se como documentos que com as professoras e todas as manifestações
reúnem registros de múltiplas linguagens vi- destas trocas resultantes de convivência no
suais como pinturas, desenhos, vídeos, fotos, ambiente escolar.
registros de falas individuais, dentre outras
Em seu livro Linguagens Geradoras,
formas de relatos das inferências de cada
Junqueira Filho (2005), explica o Formulário
criança, são produzidos armazenados em
de acompanhamento diário do trabalho do
determinados períodos escolares e constan-
professor, como documento oferecido como
temente revisitados ao longo do ano para um
sugestão de acompanhamento diário, con-
reabastecimento de vivências e registros, sen-
templando os conteúdos-linguagens compo-
do possível observar-se as individualidades
nentes da rotina pedagógica. Composto por
e o percurso pedagógico desenvolvido por
folhas diárias de registro tendo por objetivo
cada um e pela turma.
por este registro escrito uma articulação entre
Para Sá-Chaves (2004), o portfólio as etapas passadas, presentes e planejadas
pode ser utilizado como estratégia para um futuramente com o grupo de crianças, apon-
real aprofundamento no conhecimento sobre tando-se as inferências de alterações, suges-
a relação ensino-aprendizagem, aproximando tões pela observância diária, “Cada dia vivido
a compreensão dos processos. Em suas refle- pelo grupo indica os caminhos do trabalho
xões Sá-Chaves (2004) indica o emprego dos a ser realizado nos dias seguintes e assim
portfólios na etapa de formação inicial acadê- sucessivamente” (JUNQUEIRA FILHO, 2005,
mica de professores. O portfólio, não pode p. 58).
empregar papel de coletânea ou álbum ape-
nas para armazenamento, mas deve ser um
documento reflexivo que favorece a percep-
ção do pensamento do estudante à medida
que ele vai (ou não) gradativamente analisan-
do criticamente suas práticas, permitindo o di-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 260
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os Relatórios avaliativos individuais de aprendizagens bem como a possibilidade


são documento que mais frequentemente de própria auto-observação das crianças e
são produzidos por professores titulares de jovens em suas interações o que pode servir
classe, e nestes documentos são contempla- de base para outras dinâmicas como a auto-
dos aspectos amplos de cada crianças nos análise ou levantamento de propostas diver-
âmbitos social, cognitivo, motor, psicomotor sas das trabalhadas anteriormente. Segundo
e afetivo, e comumente baseiam-se nas ano- Petry (2009, p. 125), “a imagem guarda e ao
tações e registros de situações vivenciadas guardar documentação documentar se lança
pelas crianças nas mais variadas situações como possível instrumento de recuperação e
de aprendizagens, tem por finalidade relatar de produção de sentidos para quem se dis-
as experiências vivenciadas pela criança em põe a lê-las”.
determinados períodos e acompanhar seus
Diante da realidade e acontecimentos
progressos e descobertas individuais e com
atuais com a expansão das tecnologias englo-
seu grupo.
bam-se neste instrumento as mídias sociais
Descreve o percurso percorrido pela e sua implementação de uso como apoio e
criança e suas interações com seu grupo, tal subsídios de interação entre famílias e escola,
como o desenvolvimento de seu processo de tais como as redes sociais como Facebook,
heteronomia para autônomo e reconhecimen- Instagram, com a postagem de atividades, su-
to identitário. Sobre os relatórios Hoffmann gestões e devolutivas das famílias com fotos,
(2000, p. 66), considera ser um “instrumento vídeos e relatos, bem como a própria plata-
socializador de conquistas históricas, favore- forma do Google Classroom adotada durante
cendo o surgimento de outros olhares reflexi- o período pandêmico do vírus Sars-Cov (CO-
vos sobre a sua história, tornando-a singular VID -19), entre 2020 a 2021, como apoio for-
para muitas outras pessoas, e, ao mesmo mal de aparato de comunicação oficial entre
tempo, contextualizando o seu processo evo- famílias e escola, professores e alunos para
lutivo e natural de desenvolvimento”. a dinâmica de aulas remotas (este recurso
adotado pelo sistema de educação público
Estas relações analisadas na constru-
em algumas das redes municipais e estadu-
ção dos relatórios descrevem as relações en-
ais) levando-se em consideração que as es-
tre os atores das vivências em sala de aula,
colas particulares e outras regiões adotaram
professores, crianças, e todos os movimentos
os sistemas que mais aproximam-se de sua
dinâmicos de aprendizagens como ambiente,
realidade.
situações, falas, sensações, indagações, des-
cobertas e trocas. As plataformas de interação de comu-
nicação como a mais famosa WhatsApp tam-
Para Kramer (2002, p. 52), os recursos
bém funcionaram como veículo de comuni-
digitais, como filmagem e fotografia, são um
cação e partilha de registros documentais de
constante convite à releitura, a uma forma di-
fotos e vídeos das interações de crianças e
versa de ordenar o texto imagético. Podem ser
jovens em suas experiências em suas casas.
olhadas muitas vezes, em diferentes ordens e
O fotógrafo alemão Wim Wenders descreve
momentos, podem ter outras interpretações”.
numa entrevista para Entler (2016) o proces-
Estes registros permitem uma observação
so subjetivo da observação e ponto de vista
sistemática dos fatos pela possibilidade de
por meio da fotografia:
revisão constante dos materiais, sendo pos-
sível reavaliar constantemente as situações e
descobrirem-se novas facetas das situações
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 261
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

[...]a câmera, portanto, é um olho capaz Todas essas dinâmicas entre vivência,
de olhar para frente e para trás ao mesmo coleta de imagens, sons, registros visuais
tempo. Para a frente, ela de fato ‘tira uma
criam o ciclo de observação contínua entre o
foto’, para trás, registra uma vaga som-
bra, uma espécie de raio X da mente do que se vê, o que se registra e o que se podem
fotógrafo, ao olhar direto através do olho observar posteriormente as imagens tiradas,
dele (ou dela) para o fundo de sua alma podendo criar uma linha de tempo gradativa
(ENTLER apud WINDERS, 2016). entre as experiências, as possibilidades de
armazenagem visual, bem como as informa-
Sobre esta narrativa, em observância ao
ções intrínsecas ao que não se pode captar
relato do fotógrafo profissional sobre a captu-
pelas imagens, são levados a refletir sobre o
ra de imagens, se nota a intencionalidade da
que sentiu, o que se experienciou e o que há
fotografia ou do ato de filmar como oferecer
de ligação entre o que se vê e o que se faz.
ao espectador a maior oferta de objetos de
observação sobre o indivíduo ou situação ali Sobre todos os demais instrumentos
produzida, torna-se também o responsável pe- apontados anteriormente, estão diretamente
las imagens parte do processo de registro de ligados ao espaço físico, onde as experiên-
tal modo que direciona o olhar do espectador cias são vividas, registradas e ainda melhor
para os fatos que acredita serem relevantes e expostas, como narrado nas experimentações
isso torna-se também instrumento de obser- artísticas individuais, registros fotográficos, vi-
vação e reflexão. A esta percepção múltipla, o vências em geral a exposição destas produ-
conceito de exotopia pode ser aplicado como ções nos espaços físicos promove um reinicio
Amorim (2004) descreve: dos ciclos de observação onde se podem
Exotopia significa desdobramento de visualizar as produções individuais e coleti-
olhares a partir de um olhar exterior. Esse vas, revisitar memórias e reavaliar experien-
lugar exterior permite, segundo Bakhtin, cias e suas aprendizagens, bem como nas
que se veja do sujeito algo que ele próprio propostas iniciais das contribuições de Reg-
nunca pode ver; e, por isso, na origem do gio Emilia, já citados anteriormente, o espaço
conceito de exotopia está a ideia de dom,
adquire papel fundamental na documentação
de doação: é dando ao sujeito um outro
sentido, uma outra configuração; que o pedagógica, no processo de estímulo a auto
pesquisador, assim, como o artista, isto avaliação, processo de incentivo da autoes-
é, dá de seu lugar, dá aquilo que somen- tima, protagonismo e apropriação cultural e
te de sua posição, e, portanto, com seus espacial dos indivíduos.
valores, é possível enxergar (AMORIM.
2004, p.14). Da entrada principal aos corredores, até
as paredes das salas, todos os espaços são
Essa capacidade de terceirizar o olhar,
parte importante do sentimento de pertenci-
deve ser empático e alheio ao mesmo tem-
mento e protagonismo de aprendizagem. Para
po, posicionar-se como expectador sem infe-
o próprio Malaguzzi (1999, p. 73), e “toda a
rências diretas porém tendo a noção ampla
escola, as paredes são usadas como espa-
de possibilidades de ação do protagonista a
ços para exibições temporárias e permanen-
fim de posicionar-se onde este necessita e
tes do que as crianças e os professores cria-
acompanhar esta narrativa sendo pertencente
ram: nossas paredes falam e documentam”.
e observador ao mesmo tempo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 262


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As possibilidades e transformações Aquilo que é criado, produzido ou ge-


advindas do preenchimento identitário de rado espontaneamente ou sobre uma pers-
paredes e espaços transmutam a imagem pectiva estimulada em propostas didáticas é
de escola como espaço alheio para a per- posteriormente utilizada como mecanismo de
cepção de “minha escola” e “nossa escola”, observação do fazer pedagógico e do percur-
aproximando crianças e jovens da responsa- so de aprendizagens das crianças e jovens
bilização de membros deste espaço e não no contexto documental pedagógico e, além
somente frequentadores, sentirem-se repre- disto, subsídio importante de reflexão da prá-
sentados imprimem imagens de respeito e va- tica docente, das autoavaliações da escola e
lorização do coletivo e do individual, inferem dos membros docentes.
as possibilidades de apropriação cultural de
As influências dos instrumentos, re-
suas perspectivas e cuidado ao patrimônio
cursos, espaços, ferramentas, linguagens e
que se tornam mais do que muros e pare-
abordagens são as grandes questões que
des se tornam obras de arte constantes e
circundam os círculos de avaliação docen-
mutantes, que possibilitam maior incentivo
te, nas reuniões, aprimoramentos, revisões e
criativo, como explica Freire (1985) “E aí, no
avanços metodológicos do trabalho escolar.
final do ano, há um céu no teto, todo pintado
Sobre quais influências estão as escolas ob-
ou cheio de recortes, mil coisas. . .” (FREIRE
servando o trabalho planejado, como estão
apud ABRAMOVICH, 1985).
planejando e como estão pontuando estas
As narrativas que preenchem estes es- observações são alguns dos tantos questio-
paços oferecem um relato visual do proceder namentos contundentes que todo educador
de historicidade daqueles membros ocupan- deve se fazer cotidianamente.
tes destes espaços e oferecem possibilidades
A formação de indivíduos reflexivos,
de acompanhamento de projetos, experimen-
protagonistas e criativos, é possível por meio
tações, sem um aprofundamento das narra-
do exercício de autoanálise de suas vivências,
tivas cotidianas porém exemplificadoras das
suas apreciações artísticas, posturais e per-
marcas gráficas visuais e orais das turmas
cepção ampla dos papéis empregados em
e indivíduos do núcleo escolar. Novamente
ambiente escolar e fora dele.
citando o contexto de exotopia sobre as pro-
duções em geral, Amorim (2006), diz:
A criação estética ou de pesquisa implica
sempre um movimento duplo: o de tentar
enxergar com os olhos do outro e o de
retornar à sua exterioridade para fazer in-
tervir seu próprio olhar: sua posição sin-
gular e única num dado contexto e os va-
lores que ali afirma (AMORIM apud BRAIT,
2006, p. 102).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 263


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na busca pela compreensão das individualidades das crianças e jovens, pedagogica-
mente se faz necessário a criação de ferramentas que subsidiem ao educador uma possi-
bilidade de ampliação do olhar e fomente a capacidade de ver mais além das situações e
perceber as transformações decorrentes da multiplicidade das individualidades.
No processo de transição de heterônomo para o autônomo a criança e o jovem ne-
cessita é de fato buscar o protagonista que lhe preenche a necessidade de expressar-se de
forma criativa, seja por meio de suas produções individuais e coletivas bem como suas falas
e ações serem significativas no meio que habita.
Pautado na importância da escrita para o processo de observação ativa, Loris Mala-
guzzi desenvolveu na região de Reggio Emilia em parceria com mães que desejavam uma
educação ampla para seus filhos, depois de períodos de destruição pós-guerra, de tal modo
a fomentar naqueles indivíduos que suas criações não necessitavam ser cerceadas, e mais
ainda que seus sentimentos poderiam ser expressados de muitas formas que não somente
nas metodologia tradicionais e que isso só seria enriquecedor tanto para aquelas crianças,
como para os educadores que observavam estas transformações, para as famílias destes
indivíduos e estudiosos como Malaguzzi.
A escuta foi multiplicando-se e tomando formas de instrumentalização o que veio a tor-
nar-se posteriormente conhecido como documentação pedagógica, e fragmentando se modo
a oferecer variedade de recursos e pontos de vistas que eram muito necessários no que se
referia a enxergar cada indivíduo em suas particularidades e oferecer um planejamento que
viesse de encontro às narrativas apontadas por meio destas observações.
Tão necessária como a compreensão destes instrumentos se faz a autoanálise do indiví-
duo que observa e os instrumentos de observação, as crianças de jovens, para a construção
de projetos que sejam enriquecedores para o ambiente de sala de aula e transformadores
para todos os envolvidos. Muito mais do que aprendizagem de conceitualização básica e
obrigatória, o uso adequado de instrumentos de observação e avaliação dos percursos peda-
gógicos a narrativa qualitativa se sobrepõe ao quantitativo, onde notas são mais importantes
que vivências.
O uso reflexivo da documentação pedagógica possibilita ao educador uma análise per-
tinente do fazer pedagógico e do processo de transição destes indivíduos para uma autono-
mia protagonista, formando cidadãos reflexivos, criativos e capazes de avaliar suas próprias
condutas e inferências no ambiente ao qual estão inseridos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 264


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
AMORIM, Marília. Cronotopo e exotopia. In: B. Brait (Org.). Bakhtin: outros conceitos chave. Contexto, São Paulo,
2006.

______. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências Humanas. Musa. São Paulo,2004.

BARBOSA, Maria Carmem S.; HORN, Maria da Graça S. Projetos Pedagógicos na Educação Infantil. Artmed, Porto
Alegre, 2008.

COSTA, Antônio Carlos Gomes da. Programa cuidar: conversando com os pais – um diálogo sobre educação
para valores na família. Editora Souza Cruz, São Paulo, 2000.

DAHLBERG, Gunilla; MOSS, Peter; PENCE, Alan. Qualidade na educação da primeira infância: perspectivas pós-
-modernas. Artmed, Porto Alegre,2003.

EDWARDS, Carolyn. GANDINI, Lella. FORMAN, George. As Cem Linguagens da Criança: a abordagem de Reggio
Emilia na educação da primeira infância. Artmed, Porto Alegre, 1999.

ENTLER, Ronaldo. O corpo e a câmera: oscilações nostálgicas de Wim Wenders em torno da fotografia. Icônica,
São Paulo, 2016. Acesso em 27 fev. 2021. Disponível em: http://www.iconica.com.br/site/o-corpo-e-a-camera-os-
cilacoes-nostalgicas-de-wim-wenders-em-torno-da-fotografia/. Acesso em 27 fev. 2021

FARIAS, Maria S. de; SALES, Josete de O. C. B; BRAGA, Maria Margarete S.de C. FRANÇA, Maria do S. L. M.
Didática e Docência- aprendendo a profissão. Liber Livro Brasília, 2011

FERRETTI, Celso. J., Zibas, Dagmar. M. L., e Tartuce, Gisela Lobo. P. P. O protagonismo juvenil na literatura especiali-
zada e na reforma do ensino médio. Cadernos de Pesquisa- Fundação Carlos Chagas, São Paulo,2004. Acesso em:
28 fev. 2021. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?script= sci_arttext & pid=S0100-15742004000200007
& lng=pt lang=pt.

FREIRE, Madalena. A paixão de conhecer o mundo: relato de uma professora. Paz e Terra, Rio de Janeiro,1985.

FILIPPINI, Tizziana. O papel do pedagogo. In: EDWARDS. Carolyn, Lella, FORMAN, George. As Cem Linguagens da
Criança. a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Artes Médicas Sul, Porto Alegre, 1999.

HOFFMANN, Jussara. Avaliação na Pré-Escola: um olhar sensível e reflexivo sobre a criança. Mediação, Porto
Alegre, 2000.

HOUAISS, Antônio; VILLAR, Mauro de Salles. Dicionário Houaiss da língua portuguesa. Objetiva, Rio de Janeiro,
2001.

JUNQUEIRA FILHO, Gabriel de Andrade. Linguagens Geradoras: seleção e articulação de conteúdos em educação
infantil. Porto Alegre: Mediação, 2005.

KRAMER, Sonia. Autoria e Autorização: questões éticas na pesquisa com crianças. Cadernos de Pesquisa. São
Paulo, 2002

LEITE, Márcia. Remexendo Fotografias e Cotidianos. In: ALVES, Nilda; SGARBI, Paulo (Org.). Espaços e Imagens
na Escola. Rio de Janeiro: DP & A, 2001.

LOPES, A. O. Planejamento de ensino numa perspectiva crítica de educação. In: CANDAU, V. Repensando a di-
dática.: Cortez, São Paulo,1992

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 265


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MAGALHÃES, L.; MARINCEK, V. Instrumentos de registro da reflexão do professor. In: CAVALCANTI, Z. (Coord.).
A história de uma classe. Artes Médicas, Porto Alegre, 1995.

MALAGUZZI, Loris. História, ideias e filosofia básica. In: EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George.
As Cem Linguagens da Criança: a abordagem de Reggio Emilia na educação da primeira infância. Artmed, Porto
Alegre,1999.

MENDONÇA, Cristina Nogueira de. A Documentação Pedagógica como Processo de Investigação e Reflexão na
Educação Infantil. 2009. 135 f. Tese (Doutorado em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação,
Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho, Marília, 2009

PETRY, Letícia Marlise. Educação Infantil: vida-história de grupo em processos de criação. Dissertação (Mestra-
do em Educação) – Programa de Pós-Graduação em Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul
(UFRGS), Porto Alegre, 2009. Acesso em: 27 fev. 2021. Disponível em: https://lume.ufrgs.br/bitstream/hand-
le/10183/18260/000727734.pdf?sequence= 1 & isAllowed=y.

SÁ-CHAVES, Idália. Portfólios Reflexivos: estratégias de formação e de supervisão. Universidade de Aveiro, Aveiro,
2004.

SCHWARTZ, Suzana. Falar e escutar na sala de aula: propostas de atividades práticas. Vozes, Rio de Janeiro, 2018.

SILVA, J. S. da. O Planejamento no Enfoque Emergente: Uma experiência no 1º Ano do Ensino Fundamental De
Nove Anos. Tese (doutorado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Programa
de Pós-Graduação em Educação, Porto Alegre, 2011.

VILLAS BOAS, Benigna Maria de Freitas. Portfólio, Avaliação e Trabalho Pedagógico. Papirus, Campinas, 2004.

ZABALZA, Miguel Angel. Tradução de E. Rosa. Diários de Aula: um instrumento de pesquisa e desenvolvimento
profissional. Artmed, Porto Alegre, 2004.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 266


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela


Faculdade Mozarteum de São Paulo (2018).
Especialista em Neuropsicopedagogia pela
Faculdade Campos Elíseos (2019). Professora
de Educação Básica – Física - na EE Ayr Picanço
Barbosa de Almeida Profa.

ELLEN YOSHIE
SUDO LUTIF GUNJI

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 267
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A NEUROCIÊNCIA E OS PROCESSOS DE APRENDIZAGEM

RESUMO: A sociedade e a escola passam por um momento importante de transição, o que implica,
para esta última, um redimensionamento para atender aos desafios que se lhe impõem. A escola
não se limita apenas à instrução, mas se dirige ao indivíduo completo e deve converter-se em
um instrumento para o seu desenvolvimento. A escola deve cuidar do cognitivo, reconhecendo
que, ao lidar com ele, está lidando com o afetivo, pois, dada a integração das duas dimensões,
o que se conquista no plano cognitivo é um lastro para o afetivo, e vice-versa. Nesse sentido
o professor é um indivíduo completo, com afeto, cognição e movimento, e ambos, professor e
aluno, estão num constante processo de mudança. E mais: é contrário à natureza tratar o humano
fragmentariamente. Outro diferencial no processo educacional é a importância do contato com
o entorno, com o mundo, não só para conhecê-lo, mas para contribuir com soluções reais, com
contato com a vida, com a cidade, com o mundo (redes, comunidades) com as áreas profissionais
desde o começo; uma troca rica com o entorno. Não apenas conhecendo o mundo, mas também
modificando-o. O papel do professor nos projetos inovadores é muito mais amplo e avançado: É
o de desenhador de roteiros pessoais e grupais de aprendizagem, de mediador avançado que
não está centrado só em transmitir informações de uma área específica. O professor é cada vez
mais um coach, que orienta o aprendizado, uma pessoa que ajuda os estudantes a elaborarem
seus projetos de vida e aprendizagem.

Palavras-chave: TCI; Aprendizagem Significativa; Construtivismo.


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 268
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
s teorias que o homem constrói para sistematizar seu conhecimento, para expli-
citar e prever eventos, são constituídas de conceitos e princípios. Conceitos são
signos que apontam regularidade em objetos ou eventos, os quais são usados
para pensar e dar respostas rotineiras e estáveis ao fluxo de eventos.
Princípios são relações significativas entre conceitos. Teorias também expressam rela-
ções entre conceitos; porém são mais abrangentes, envolvendo muitos conceitos e princípios.
Subjacentes às teorias estão sistemas de valores aos quais se pode chamar de filosofias ou
visões de mundo.
No caso das teorias de aprendizagem, são três as filosofias subjacentes _ a comporta-
mentalista (behaviorismo), a humanista e a cognitivista (construtivismo) _ embora nem sempre
se possa enquadrar claramente determinada teoria de aprendizagem em apenas uma corrente
filosófica.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 269


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

COMPORTAMENTALISMO mente se ocupava de estudar o que as pes-


soas pensavam e sentiam (MASLOW, 1954).
A tônica da visão de mundo behavio-
rista está nos comportamentos observáveis Para os behavioristas, a psicologia de-
e mensuráveis do sujeito, i. e., nas respos- via ocupar-se daquilo que as pessoas fazem,
tas que ele dá aos estímulos externos. Tan- omitindo, por irrelevante, qualquer discussão
to é que uma ideia básica do behaviorismo sobre a mente. Para os cognitivistas, o foco
mais recente é a de que o “comportamen- deveria estar nas chamadas variáveis intermi-
to é controlado pelas consequências”: se a tentes entre estímulos e respostas, nas cog-
consequência for boa para o sujeito, haverá nições, nos processos mentais superiores
uma tendência de aumento na frequência da (percepção, resolução de problemas, tomada
conduta e, ao contrário, se for desagradável, de decisões, processamento de informação,
a frequência de resposta tenderá a diminuir compreensão). Quer dizer na mente, mas de
(MASLOW, 1954). maneira objetiva, científica, não especulativa
(MASLOW, 1954).
Grande parte da ação docente consistia
em apresentar estímulos e, sobretudo, refor- A filosofia cognitivista trata, então, prin-
ços positivos (consequências boas para os cipalmente dos processos mentais; se ocupa
alunos) na quantidade e no momento corre- da atribuição de significados, da compreen-
tos, a fim de aumentar ou diminuir a frequ- são, transformação, armazenamento e uso da
ência de certos comportamentos dos alunos informação envolvida na cognição. Na medi-
(MASLOW, 1954). da em que se admite, nessa perspectiva, que
a cognição se dá por construção chega-se
As aprendizagens desejadas, i. e., aqui- ao construtivismo, tão apregoado nos anos
lo que os alunos deveriam aprender, eram noventa (MASLOW, 1954).
expressas em termos de comportamentos ob-
serváveis. Os objetivos comportamentais de- O construtivismo é uma posição filosó-
finiam, da maneira mais clara possível, aquilo fica cognitivista interpretacionista. Cognitivista
que os alunos deveriam ser capazes de fazer, porque se ocupa da cognição, de como o
em quanto tempo e sob que condições, após indivíduo conhece, de como ele constrói sua
a instrução. A avaliação consistia em verifi- estrutura cognitiva. Interpretacionista porque
car se as condutas definidas nos objetivos supõe que os eventos e objetos do universo
comportamentais eram, de fato, apresentadas são interpretados pelo sujeito cognoscente. O
ao final da instrução. Se isso acontecia, ad- ser humano tem a capacidade criativa de in-
mitia-se, implicitamente, que havia ocorrido terpretar e representar o mundo, não somente
aprendizagem (MASLOW, 1954). de responder a ele (MASLOW, 1954).

COGNITIVISMO No ensino, esta postura implica deixar


de ver o aluno como um receptor de conheci-
A filosofia cognitivista, por sua vez, en- mentos, não importando como os armazena
fatiza exatamente aquilo que é ignorado pela e organiza em sua mente. Ele passa a ser
visão behaviorista: a cognição, o ato de co- considerado agente de uma construção que
nhecer, como o ser humano conhece o mun- é sua própria estrutura cognitiva (MASLOW,
do. É interessante notar que o surgimento do 1954).
cognitivismo se dá praticamente na mesma
época do nascimento do behaviorismo, em
contraposição a ele, mas também como uma
reação ao Mentalismo da época que basica-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 270
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

HUMANISMO um mundo civilizacional (FONSECA, 1999,


1989a, 1989b, 1987a).
A filosofia humanista vê o ser que
aprende, primordialmente, como pessoa. O Joseph D. Novak, professor da Universi-
importante é a autorrealização da pessoa, dade de Cornell, nos Estados Unidos, é co-au-
seu crescimento pessoal. O aprendiz é visto tor da segunda edição do livro básico sobre a
como um todo _ sentimentos, pensamentos teoria da aprendizagem significativa de David
e ações _ não só intelecto. Neste enfoque, a E Ausubel (AUSUBEL et al., 1980).
aprendizagem não se limita a um aumento Novak, contudo, tem uma proposta
de conhecimentos. Ela é penetrante, visceral, mais ampla, da qual a teoria da aprendiza-
e influi nas escolhas e atitudes do indivíduo. gem significativa é parte integrante. Partindo
Pensamentos, sentimentos e ações estão in- da ideia de que a educação é o conjunto de
tegrados, para o bem ou para o mal. Não experiências (cognitivas, afetivas e psicomoto-
tem sentido falar do comportamento ou da ras) que contribuem para o engrandecimento
cognição sem considerar o domínio afetivo, (empowerment) do indivíduo para lidar com
os sentimentos do aprendiz. Ele é pessoa e a vida diária, ele chega ao que se chama de
as pessoas pensam, sentem e fazem coisas uma teoria de educação (Novak, 1981).
inteiramente (MASLOW, 1954).
A premissa básica da teoria de Novak
TEORIAS DE APRENDIZAGEM: é que os seres humanos fazem três coisas:
BEHAVIORISMO, HUMANISMO E pensam, sentem e atuam (fazem). Uma teoria
COGNITIVISMO de educação, segundo ele, deve considerar
Em termos antropológicos, para o ser cada um destes elementos e ajudar a explicar
humano não basta satisfazer as suas neces- como se pode melhorar as maneiras por meio
sidades biológicas de sobrevivência; a partir das quais os seres humanos pensam, sentem
delas, ou com base nelas, emergem outros e atuam (fazem). Qualquer evento educativo
tipos de necessidades mais transcendentes, é, de acordo com Novak, uma ação para tro-
como as de segurança, pertença, estima e au- car significados (pensar) e sentimentos entre
torrealização (MASLOW, 1954), consideradas o aprendiz e o professor.
psicoemocionais e psicoafetivas, bem como Os cinco elementos de Novak são,
outras ainda mais distantes, denominadas psi- aprendiz, professor, conhecimento, contexto e
cossociais e socioculturais. avaliação. Estes são os constituintes básicos
Para satisfazer esse conjunto de neces- de um número infinito de eventos educativos.
sidades é necessário que se produzam ferra- De alguma maneira, em um certo contexto,
mentas e instrumentos extra biológicos, sen- interagindo com o professor (ou com algo que
do essa atividade social que está na base da o substitua). A avaliação encaixa aí porque,
satisfação de necessidades individuais. Essa muito do que acontece na vida das pessoas
atividade emergida da interação entre os se- depende da avaliação.
res humanos, e impossível de se concretizar A aprendizagem significativa subjaz à
por um único ser humano, constitui a simulta- integração construtiva entre pensamento, sen-
neidade da transformação da natureza e da timento e ação que conduz ao engrandeci-
criação cultural. Tal transformação, operada mento (empowerment) humano (AUSUBEL et
pela atividade dos seres humanos em geral, al., 1980).
está na origem da cultura; por meio dela o
ser humano acrescentou ao mundo natural

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 271


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

APRENDIZAGEM E ENSINO Embora, em termos gerais, o período


de latência se caracterize por uma diminuição
Os pais, primeiros educadores da crian- das pulsões sexuais e dos desejos hostis, as
ça e primeiros mediatizar à aprendizagem, relações serão mais tranquilas, acolhedoras e
têm uma influência crucial no desenvolvi- afetuosas quanto melhor tenham sido resolvi-
mento global dos seus filhos; por analogia, dos os conflitos edipianos da etapa anterior,
os professores também exercem uma função podendo ressurgir certos focos de tensão e
primordial no desenvolvimento holístico dos de conflitos quando essa resolução não tiver
seus estudantes. Segundo Frankl (2008): sido de todo satisfatória.
Se há, de algum modo, um propósito na Finalmente, a chegada da puberdade
vida, deve haver também na dor e na morte.
Mas, qualquer pessoa pode dizer à outra o
marcará o fim dessa fase de relativa tranqui-
que é esse propósito, cada um deve des- lidade, reaparecerão as pulsões sexuais da
cobri-lo por si mesmo e aceitar a responsa- etapa fálica (agora com genitalidade hete-
bilidade que sua resposta implica, se tiver rossexual) e, com elas, uma nova etapa de
êxito, continuará a crescer apesar de todas conflitos, de tensão e de agitações no âmbito
as indignações (FRANKL, 2008, p.7). social e pessoal.
Encontrar o sentido e o propósito da Na teoria psicossocial de Erikson
vida é a pergunta maior. O que me move dia- (1980), a tensão desses anos ocorre entre a
riamente? Frankl, citando Nietzsche, afirma: laboriosidade em contraposição à inferiorida-
“quem tem por que viver pode suportar quase de. As crianças irão se dedicar nessa etapa a
qualquer coisa " (FRANKL, 2008, p.7). aprender tudo o que precisam para se incor-
Em nossa sociedade, a aprendizagem porarem, alguns anos mais tarde, como mem-
é realizada fundamentalmente na escola, que bros adultos e ativos de seu grupo social.
adquire especial relevância como contexto de De acordo com Erikson, as experiências
influência no qual as crianças se relacionam que as crianças vão tendo nos diferentes con-
com adultos diferentes de seus pais e com textos de desenvolvimento farão com que o
os companheiros, ponto de referência para os desenvolvimento da personalidade se incline
processos de comparação social. para um dos pólos que definem essa etapa.
Na descrição de Freud (1938), os anos Dessa forma, quando a criança vai ganhan-
escolares se correspondem com o período do habilidades e destrezas sociais, sente-se
de latência, uma etapa de relativa tranquilida- competente e produtiva; no pólo oposto, as
de que está entre a sexualidade pré-genital experiências negativas e o fracasso escolar
infantil e a sexualidade genital que aparecerá levam a sentimentos de incompetência e de
na puberdade. inferioridade.

O período de latência nasce do declínio Em resumo, as descrições clássicas


da conflituosidade edipiana dos anos anterio- sobre o desenvolvimento da personalidade
res, declínio que é fruto da repressão dos de- durante esses anos remetem a uma maior
sejos incestuosos e do fortalecimento do supe- concentração de crianças no âmbito da adap-
rego; as crianças intensificam os processos de tação social, de novas tarefas intelectuais e
identificação com os adultos e a interiorização relacionais. É como se dessem como certo
das normas e dos valores presentes em seu que as bases da personalidade já estão for-
meio social, já constituído tanto pela família madas em consequência das experiências
como por outros adultos e companheiros. dos anos anteriores, o que não deve ser en-
tendido como se não pudesse haver modifica-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 272
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ções, mas como se as mudanças que forem CRÍTICAS A ESCOLA TRADICIONAL E O


produzidas partirão sempre dos alicerces já ENSINO HÍBRIDO
construídos.
A importância de se superar a cultura
Antes de educar a criança, são os pais escolar parte do princípio de que o conheci-
que temos de educar; em paralelo, antes de mento pode ser entregue pelo professor ao
educar os estudantes, são os professores que estudante. Esse modo de entender como o
temos de mediatizar. A sociedade vale o que conhecimento se estabelece não foi ainda de
valem as famílias (MAUCO, 1968) e, conse- todo superado na educação, o que exige es-
quentemente, o que valem as suas escolas forços constantes.
(FONSECA, 1999).
Isso porque os resultados dessa con-
Formar país, e subsequentemente edu- cepção arcaica atrasam os avanços no pro-
cadores e professores, é um dos primeiros cesso de desenvolvimento dos estudantes,
passos do desenvolvimento dos filhos e dos já que o objeto do conhecimento proposto
estudantes, na medida em que o desenvolvi- pode não fazer sentido pleno àqueles que
mento psicológico e social de uma criança aprendem.
ou de um jovem é impossível sem o desen-
volvimento psicológico e social dos adultos Além disso, não se pode esquecer que
(VYGOTSKY, 1978, 1962). as descobertas da neurociência apontam que
pessoas diferentes podem aprender de dife-
A escolaridade baixa resulta na diminui- rentes formas. O entendimento de Gardner
ção da capacidade viso motora, menor des- (1985) sobre as inteligências múltiplas, por
treza e habilidade prática. Indivíduos com es- exemplo, alerta para o problema que se es-
colaridade baixa parecem adotar estratégias tabelece quando a escola não leva em conta
diferentes para execução e aprendizagem. as capacidades inatas dos estudantes, nive-
Duas estratégias são usadas para ajudar na lando suas propostas como se todos agissem
formulação de um movimento. A primeira é da mesma forma aos processos de ensino e
baseada na análise visual do movimento (sen- aprendizagem.
sorial), com transformação da informação vi-
sual em representação motora. Se partirmos da premissa defendida por
Gardner (1998), como fazer para que cada
A segunda é baseada na interpretação estudante tenha suas capacidades contem-
verbal do gesto (semântica) e ocorre quando, pladas e reconhecidas e a escola se valha
por exemplo, é dado um comando verbal para disso como potencial e não fator limitador? A
um movimento. Indivíduos com escolaridade personalização, característica fundante do en-
alta usam as duas estratégias para realizar sino híbrido, pressupõe que o estudante terá
movimentos. Portanto, níveis mais altos de opções e escolherá caminhos para atingir o
escolaridade podem diminuir a influência do objeto de estudo proposto em seu percurso
envelhecimento em tarefas cognitivo-motoras. formativo.
A flexibilização de tempo e espaço, alia-
da aos recursos disponíveis, poderá favorecer
ao estudante perceber de que forma apren-
de melhor. Em outras palavras, aquele que
aprende estará no centro do processo e terá
autonomia para buscar a superação dos de-
safios de aprendizagem para desenvolver as
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 273
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

habilidades que necessita. Juntamente com ser considerados. Além disso, discorda-se, no
essa autonomia, no ensino híbrido, o prota- presente estudo, que o simples uso de tecno-
gonismo vem aliado ao desenvolvimento co- logias on-line caracterize Ensino Híbrido, ou
letivo de ações. seja, o uso esporádico de um ambiente virtual
de aprendizagem, ou de um site ou software
Em outras proposições, evidencia-se
não possibilita considerar que a modalidade
o estímulo para que o estudante busque ex-
é híbrida.
plicações em diferentes linguagens para o
mesmo assunto, partindo do pressuposto já Em relação à forma de adoção de uma
estudado de que as pessoas não aprendem proposta híbrida por parte dos professores
sempre do mesmo jeito e com os mesmos es- ou de instituições de ensino, Christensen et
tímulos. Para alguns, ler será a melhor forma; al.(2013), discutem duas possibilidades: por
para outros, um vídeo será mais interessante. meio de propostas sustentadas ou disrupti-
vas. As sustentadas não provocam mudanças
No ensino Híbrido, o aluno é o centro
bruscas nas atividades de sala de aula. Utili-
do processo, este se envolve ativamente tanto
zam tecnologias digitais, com uma parte on-li-
em atividades individuais quanto em grupo.
ne, mas a sala de aula tradicional é mantida.
Estas são realizadas dentro ou fora da escola,
como forma de ampliar as possibilidades de Essa é uma possibilidade que favorece
construção de conhecimentos. a adoção por parte dos professores, uma vez
que não exige mudanças muito bruscas. Já
Busca-se desenvolver no aluno autono-
nas disruptivas, as mudanças são radicais,
mia, criatividade, pensamento crítico, atitudes
rompendo com a sala de aula tradicional, o
para trabalhos em grupos, hábitos de estudo
que leva a ser mais difícil de ser implementa-
e a comunicação, aspectos
da (CHRISTENSEN et al. 2013).
importantes para a sociedade atual. Al-
Considerando as ações institucionais,
len e Seaman (2010), por exemplo, destacam
Graham et al. (2013) afirmam que é possível
a importância de se estabelecer a porcen-
identificar diferentes estágios de adoção do
tagem de conteúdos abordados presencial-
Ensino Híbrido:
mente e on-line para definir se o processo
pode ser caracterizado ou não como Ensino i) consciência/exploração - é caracte-
Híbrido. rizado por nenhuma estratégia institucional,
mas com certa consciência da importância
Para estes autores o ensino é conside-
e apoio limitado ao professor, de forma indi-
rado presencial quando a quantidade de con-
vidual;
teúdo on-line está entre 0 (zero) e 29. Para ser
Ensino Híbrido, consideram que uma propor- ii) adoção/implementação iniciante - ca-
ção substancial do conteúdo deve ser entre- racterizada pela adoção institucional e pela
gue on-line aproximadamente, 30% a 79%. Já experimentação de novas políticas e práticas
no ensino a distância, mais de 80% do conte- para apoiar a implementação do Ensino Hí-
údo deve ser disponibilizado on-line (ALLEN; brido;
SEAMAN, 2010).
iii) implementação madura/crescimento
No entanto, considera-se que na prática caracterizado por estratégias, estrutura e su-
não é simples utilizar tais porcentagens para porte bem estabelecidos. Diversos estudos
caracterizar as modalidades de ensino, afinal apontaram algumas limitações e potenciali-
o processo de ensino e aprendizagem não é dades no uso das Tecnologias.
estático, vários são os aspectos que devem
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 274
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Conexão entre domínio da tecno- Os professores aprenderam no ano de


logia, teorias educacionais e prática pedagó- 2020 a fazer aula virtual (Lives), utilizar as
gica; tecnologias (Google sala de aula) para dar
suas aulas remotas. Criaram formatos que se
• Formação contextualizada na re-
multiplicaram e se proliferaram nas mídias so-
alidade da escola e na prática do professor;
ciais. A tecnologia foi inserida na educação
• Articulação teoria prática; e o debate permanece se aulas devem ou
não serem presenciais devido à pandemia de
• Autonomia no desenvolvimento
Coronavírus.
de atividades de uso pedagógico do compu-
tador; Pais, diretores, professores e alunos se
dividem cada um relatando suas dificuldades
• Uso do computador segundo a
com o ensino remoto e a insegurança em
abordagem construcionista por meio do ciclo
relação ao retorno das aulas presenciais. A
descrição-execução-reflexão-depuração, com
dificuldade de conexão torna incalculável o
o respectivo registro de processos e produ-
prejuízo na educação. Não se sabe quando
ções;
estaremos livres do vírus e da pandemia, é
• Desenvolvimento de reflexões preciso acesso à internet. Professores e alu-
coletivas nas práticas e sobre as práticas com nos precisam caminhar juntos e trocar expe-
o computador; riências nesse processo de mudança.
• Resgate dos valores humanos e
da multidimensionalidade do ser humano;
• Desenvolvimento de projetos pe-
dagógicos de uso do computador com alu-
nos;
• Mudança pessoal, profissional e
institucional.
Com esses pressupostos, ações reali-
zadas, avanços, limitações e potencialidades
reveladas, é possível que a formação de pro-
fessores para a incorporação do computa-
dor a prática pedagógica desenvolvida tenha
desempenhado o papel de catalisadora ou
semente da mudança educacional porque fa-
vorece aos professores a tomada de consci-
ência sobre as necessidades e possibilidades
de mudanças em suas práticas pedagógicas,
o que ajuda a desencadear a transformação
na escola.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 275


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A sociedade atual se caracteriza pela dinamicidade, pela mudança, não pela tradição,
pela rigidez. O homem moderno vive em um ambiente que está continuamente mudando. O
que é ensinado torna-se rapidamente obsoleto. Neste contexto, o único homem educado é o
que aprendeu a aprender; o homem que aprendeu a adaptar-se e mudar; que percebeu que
nenhum conhecimento é seguro e que só o processo de busca constante do conhecimento
dá uma base para a segurança.
O ensino híbrido ou misturado é uma inovação pedagógica tão antiga quanto as metodo-
logias ativas, tem quase 100 anos. Sua essência consiste em centralizar o processo educativo
no aluno e na aprendizagem, estimulando o protagonismo e a participação, entendidos como
vitais para que o aprendizado faça sentido e seja eficaz na vida das crianças, adolescentes
e jovens.
Ensino mais personalizado que respeite o ritmo e os interesses do que aprendem, focan-
do em um ensino diversificado para atender a diversidade dos alunos. Trata-se do surgimento
das pedagogias ativas, de um ensino diversificado, misturado, que hoje leva o nome de híbrido
e que se tornou uma grande promessa no mundo atual que vivemos onde as tecnologias e
incertezas no processo de ensino e aprendizagem se fazem presentes.
O que ficou claro nesse processo de mudanças e incertezas é que os professores estão
disponibilizando suas práticas e fazendo seu melhor, trabalhando com realidades muito dife-
rentes. As incertezas sobre como será a educação no ano de 2021 continuam com vacina ou
sem vacina. A vacina representa uma esperança no controle dessa pandemia de Coronavírus.
O Brasil é uma referência de imunização para o Mundo, mesmo assim segue com muitos
erros no enfrentamento ao COVID 19. Assim as escolas permanecem no desafio de pensar
como proporcionar uma volta mais segura das crianças e adolescentes às escolas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 276


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALLEN, I. E.; SEAMAN, J. Class Differences: Online Education in the United States. 2010. Sloan Consortium. Dis-
ponível em:<https://files.eric.ed.gov/fulltext/ED529952.pdf >.

AUSUBEL, D. P. Novak, J. D. e Hanesiana, H. (1980). Psicologia Educacional. Rio de Janeiro, Interamericana.


Tradução de Eva Nick et al. Do original Educational Psychology. New York, Holt, Rinehart and Winston, 1978.

CHRISTENSEN, C. M.; HORN, M. B.; STACKER, H. Ensino Híbrido: uma Inovação Disruptiva? 2013. Disponível em:
<https://www.pucpr.br/wpcontent/uploads/2017/10/ensino-hibrido_umainovacaodisruptiva.pdf>.

ERIKSON, E. H. 1 Identity and the life cycle. Nueva York: Norton. s/d.

FONSECA, V. da. Insucesso escolar – Abordagem psicopedagógica das dificuldades de aprendizagem. Lisboa:
Âncora. 1999.

______. Educação especial. Lisboa: Notícias. 1989a.

______. Desenvolvimento humano: Da filogênese à ontogênese da motricidade. Lisboa: Notícias. 1989b.

______. Uma introdução às dificuldades de aprendizagem. Lisboa: Notícias. 1987a.

FRANKL, V. E. Em busca de sentido: um psicólogo no campo de concentração. 25. Petrópolis: Vozes, 2008.

FREUD, S. (1938). Abriss der psychoanalyse. Londres: Imago (Gesammelte Werke, 1940-1952) (Ed. cast.: Com-
pendio del psicoanálisis, en las Obras completas de Sigmund Freud. Madrid: Biblioteca Nueva, 1958-1968.

GARDNER, H. Frames of intelligence. Nova York: Basic Books. 1988.

______. “A multiplicity of intelligences”. Scientific American, vol.9, n.4, 1985. p. 18-23.

GRAHAM, C. R.; WOODFIELD, W.; HARRISON, J. B. A framework for institutional adoption and implementation of
blended learning in higher education. The Internet and Higher Education, v.18, 2013, p. 4–14.

MASLOW, A. (1954). Motivation and personality. Nova York: Harper Row. MAUCO, G. Psicanálise e Educação.
Lisboa: Moraes.1968.

NOVAK, J. D. Uma teoria de educação. São Paulo, Pioneira. Tradução de M. A. Moreira do original A theory of
education, Cornell University Press, 1977/ 1981.

VYGOTSKY, L. Mind and Society: the development of higher psychological processes. Cambridge: Harvard Uni-
versity Press. 1978.

______. Thought and language. Cambridge: MIT. 1962.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 277


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Licenciado em Geografia pela UNESP (Universidade


Estadual Paulista) – Rio Claro (2007); Especialista
em Ensino de Geografia – por COGEAE – PUC/
SP (2011). Professor de Ensino Fundamental II –
Geografia – no CIEJA – Perus.

FRANCISCO
GARCIA DE SOUZA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 278
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ARTES VISUAIS NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS


(E.J.A.)

RESUMO: Partindo do pressuposto que a arte na escola é um elemento importante para construção
do saber, ainda mais na Educação de Jovens e Adultos, onde o aluno encontra várias barreiras, ela
apresenta-se como aliada no desenvolvimento do aluno, elevando sua autoestima e autoconfiança.
Pensar em arte no contexto escolar de jovens e adultos já constitui um desafio, porque nesse
contexto a atividade criadora torna-se passível diante das dificuldades encontradas. O compromisso
do professor com o processo educativo, fará com que aquilo que hoje é utopia, transforme-se em
realidade. Esse será um processo transformador onde a organização do trabalho contribui para
que se consiga uma melhor qualidade para toda a população. Acredita-se que a diversidade de
olhares e pluralidade de pensamentos, poderão ser muito enriquecedores para este trabalho.

Palavras-chave: Artes; Educação; Jovens; Adultos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 279


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
arte permeia a história da humanidade desde os primórdios. Como afirma Duarte
Junior "qualquer cultura sempre produziu arte, seja em suas formas mais simples
[...] seja nas formas mais sofisticadas.
A arte nos acompanha desde as cavernas". Através dela podemos conhecer a cultura de
um povo, seus sentimentos, suas emoções. Percebemos isso através de desenhos pré-histó-
ricos, fósseis, alguns rituais, em que o homem sempre buscou formas criativas de comunicar,
historiar e exprimir seus sentimentos.
Segundo o dicionário Contemporâneo Caldas Aulete, Arte- atividade criadora do espírito
humano, sem objetivo prático, que busca representar as experiências coletivas ou individuais,
e exprimir o indizível pelo sensível. Na escola também a arte sempre esteve presente. A arte
é uma atividade humana, não um produto da natureza.
Nesse sentido, educar através da arte requer, na verdade, um movimento educativo e
cultural que busca a constituição de um ser humano completo, total, dentro dos moldes do
pensamento idealista e democrático. Valorizando os aspectos intelectuais, morais e estéticos,
procurando despertar sua consciência e criatividade, harmonizada ao grupo social que per-
tence.
Aprender arte é desenvolver progressivamente um percurso de criação pessoal cul-
tivado, ou seja, por interações significativas que o aluno realiza com aqueles que trazem
informações para o processo de aprendizagem. Michaud (1993) referindo-se ao ensino de
arte, reporta-se ao engajamento coletivo do aluno como uma necessidade de satisfação dos
participantes desse processo.
A presença do estudante é de suma importância, especialmente a sua pesquisa, a
reflexão, as características de seu trabalho como algo promissor no que tange a produção
artística. Ela apresenta-se como produção, trabalho, construção, sendo a representação do
mundo cultural como significado (MICHAUD, 1993).
Partindo do pressuposto da importância do ensino de artes é que tentamos conhecer a
realidade das turmas de Jovens e Adultos, verificando as atividades que são desenvolvidas,
analisando os principais pontos em que o ensino de artes auxilia a aprendizagem e esclarecer
junto aos educadores e educandos a importância desse ensino para o desenvolvimento da
autoconfiança (MICHAUD, 1993).
Acreditamos que a arte tem de fato uma função específica nesta fase da vida do indi-
víduo, em que ele deixou de ser criança, e que se vê como consciência interrogante, porque
é indissociável da artística e não apenas mera atividade. Nesse sentido, a imaginação é
considerada como potencialidade humana fundamental para qualquer idade ou atividade.
Não existe pensamento genuíno sem imaginação, por isso a importância da arte na escola
(MICHAUD, 1993).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 280


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A escola seria a instituição pública que pode tornar o acesso à arte possível para a
vasta maioria dos estudantes em nossa nação, porque o prazer da arte é a principal fonte de
continuidade histórica, orgulho e senso de unidade para uma cidade, nação ou império, disse
Stuart Hampshire alguma vez em algum de seus escritos (MICHAUD, 1993).
Esse estudo destina-se, assim, a propiciar uma reflexão sobre o trabalho de artes na
educação de jovens e adultos. O que se pode prever é que essas ideias deverão intrigar ou
provocar aqueles que envolvidos com arte-educação, encaram a atual situação da área com
desconforto e que podem tolerar a inquisição dos conceitos, mesmo os mais consagrados.
A questão da restauração dos conteúdos em arte, bem como a interação do contexto na
produção artística, podem ser considerados elementos comuns, sintonizados com as reflexões
que a pós-modernidade nos impõe nesta virada de milênio (MICHAUD, 1993).
O objetivo principal deste estudo é fazer com que o profissional da educação compreen-
da que, apesar das dificuldades, o ensino de artes na educação de jovens e adultos, contribuiu
para o crescimento e aprendizagem dos alunos, elevando a autoestima e autoconfiança, dando
a elas um significado particular, construindo assim, um processo de aprendizagem embasado
no real e não somente no que costumam impor os métodos e tendências educacionais que
permeiam o ensino.
Estas confrontações ensejam raras oportunidades de análise e reflexão sócio cultural,
por possibilitarem que nos coloquemos, também, como aprendizes.
Esta pesquisa apresenta cinco capítulos assim dispostos. A primeira seção apresenta
uma Síntese Histórica da Arte; a segunda, a Arte na Educação. A terceira mostra uma breve
história da Educação de Jovens e Adultos; A quarta aponta o encaminhamento do ensino de
artes na Educação de Jovens e Adultos. E a quinta, discute e analisa os dados coletados.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 281


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

BREVE ANÁLISE HISTÓRICA DA A primeira Constituição Brasileira, de


EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO 1824, garantia uma "instrução primária e gra-
BRASIL tuita para todos os cidadãos." Fato que não
ocorreu por vários motivos: primeiro, porque
Toda a história das ideias em torno da só possuía cidadania uma pequena parcela
alfabetização de adultos no Brasil acompanha da população, aquela das elites econômicas;
a história da educação como um todo que, em segundo lugar, porque coube a respon-
por sua vez, acompanha a história dos mo- sabilidade de oferta da educação básica às
delos econômicos e políticos e consequente- Províncias que, com poucos recursos, não
mente, a história das relações de poder, dos podiam cumprir a lei, permanecendo sob res-
grupos que estão no poder. ponsabilidade do governo imperial a educa-
Dessa forma a mobilização brasileira ção das elites.
em favor da educação do povo, ao longo de Percebemos que o ensino se dava de
nossa história parece ligar-se às tentativas de forma desigual para diferentes grupos e em
sedimentação ou de recomposição do poder diferentes tempos.
político e das estruturas socioeconômicas,
fora e dentro da ordem vigente. O pensamento da elite da época era
de oferecer instrução para todos, influenciado
A alfabetização de adultos tem sido alvo por um pensamento moderno e liberal que
de lutas de interesses e movimentos distintos preconizava que a educação livrava ou ame-
na história da educação. Identifica em cada nizava os sujeitos das ilusões do entusiasmo
período grupos econômicos, grupos políticos e da superstição que poderiam ser origem de
partidários, grupos de educadores e intelec- terríveis desordens, facilitando o desempenho
tuais, grupos ligados a diferentes movimen- do governo.
tos sociais e organismos internacionais, num
verdadeiro embate político e ideológico, em A partir da República iniciam-se inúme-
torno da reivindicação ou não de definição de ras campanhas, normalmente de curta dura-
políticas e ações para a área. ção, descontínuas, sem grande sistematiza-
ção e buscando sempre o apoio e a parceria
As discussões e definições em torno de das diferentes instâncias da sociedade civil.
propostas teóricas e das diferentes concep- Isto reflete a falta de compromisso do poder
ções de alfabetização acompanham essas público em definir uma política de educação
lutas ideológicas e políticas de cada período, institucional, de forma que as práticas para a
trazendo consequências pedagógicas sérias área fossem desenvolvidas de maneira sis-
para o processo educativo dos sujeitos que temática através da rede de ensino regular,
buscam tardiamente a escolarização. como acontece com os demais níveis de es-
Lançando o olhar para as políticas e colarização.
ações desenvolvidas ao longo do processo As primeiras iniciativas desse período
histórico brasileiro, é possível buscar os refe- se estendem até a revolução de 30, onde os
renciais teóricos que norteiam a conceituali- formuladores de políticas e responsáveis pe-
zação, os objetivos e as formas de desenvol- las ações tomam a alfabetização de adultos
vimento do processo de alfabetização. Desde como aquisição de um sistema de código
o Império já aconteciam iniciativas de expe- alfabético, tendo como único objetivo instru-
riências, através das escolas noturnas para mentalizar a população com os rudimentos
adultos. da leitura e da escrita.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 282


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Na década de 30, outra ideia vem ali- A educação ganha novos impulsos sob
mentar a educação: a de preparar os sujeitos a crença de que seria necessário educar o
para as responsabilidades da cidadania. O povo para que o país se desenvolvesse, assim
país, sob a ditadura de Vargas buscou, pela como para participar politicamente através do
centralização das ações, a formação de um voto, que se daria por meio da incorporação
estado moderno nacional: exemplos são a da enorme massa de analfabetos. Os edu-
constituição das leis trabalhistas, normatiza- cadores da época estavam tão empolgados,
ção dos sindicatos e a expansão do sistema que este período ficou conhecido como o do
educativo. O processo de industrialização e a "entusiasmo pela educação".
concentração populacional em centros urba-
Em 1947, houve a criação do SNEA –
nos ocasionam grandes transformações.
Serviço Nacional da Educação de Adultos –
A oferta do ensino básico gratuito aco- com o objetivo de orientar e coordenar os
lhia vários setores, sendo o governo federal o trabalhos do Ensino Supletivo, conseguindo
que impulsionava a ampliação da educação gerar várias ações que permitiram a realiza-
e traçava as diretrizes educacionais para todo ção da 1ª Campanha Nacional de Educa-
o país, com responsabilidade dos estados e ção de Adolescentes e Adultos – CEAA, a
municípios. Em 1938 foi criado o INEP – Ins- qual atendia aos apelos da UNESCO e junto
tituto Nacional de Estados Pedagógicos – o com a ideia de redemocratização do país, a
que permitiu a instituição, em 1942, do Fundo campanha cumpria os objetivos de preparar
Nacional do Ensino Primário, o qual deveria, mão de obra, pois o país vivia um processo
com um programa de ampliação da educa- de crescente industrialização e urbanização;
ção primária, incluir o Ensino Supletivo para penetrar no campo e integrar os imigrantes
adultos e adolescentes. dos Estados do Sul, visava ainda, melhorar
as estatísticas brasileiras em relação ao anal-
Após a Segunda Guerra, em 1945, a
fabetismo.
criação da UNESCO, divulgou e promoveu,
em âmbito mundial, uma educação voltada O início da Campanha se deu no Con-
para a paz dos povos e a educação de adul- gresso, quando delegados de Estados e
tos como uma forma de contribuir com o de- Territórios apresentaram teses que geraram
senvolvimento das nações "atrasadas". sugestões para a elaboração de uma Lei Or-
gânica de Educação de Adultos. A campanha
Com uma concepção funcional do pro-
de Educação de Adultos, pretendia-se numa
cesso educativo, defendia a educação como
1ª etapa, uma ação extensiva que previa a
forma de integração social, de forma passiva
alfabetização do curso primário em dois pe-
e instrumental, sem visão crítica. De qualquer
ríodos de sete meses. Depois seguiria uma
forma, a criação da UNESCO e suas ações
etapa de "ação em profundidade" voltada à
posteriores contribuíram decisivamente para a
capacitação profissional e ao desenvolvimen-
discussão e implementação de ações no que
to comunitário. Nos primeiros anos a campa-
se refere ao analfabetismo, à educação de
nha conseguiu resultados significativos, arti-
adultos e às desigualdades sociais mundiais
culando e ampliando os serviços já existentes
especialmente em países do Terceiro Mundo.
e estendendo-a às diversas regiões do país.
Após a ditadura de Vargas, o país vivia Num curto período de tempo, foram criados
a efervescência política da redemocratização. vários suplementos, mobilizando esforços das
diversas esferas administrativas, de profissio-
nais e voluntários.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 283


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A campanha extinguiu-se antes do final cia, ou melhor, vítima de uma sociedade in-
da década de 50, sobrevivendo à rede de justa e desigual, de um sistema que buscava
Ensino Supletivo por meio dela implantada, reproduzir, pela educação, o poder das elites
assumida pelos estados e municípios. Assim, políticas, econômicas e sociais do país.
as iniciativas e ações que ocorrem nesse pe-
Invertendo a visão do analfabeto com
ríodo, passam à margem das reflexões e dis-
um sujeito sem cultura, sua metodologia con-
cussões sobre o analfabetismo e acerca de
sistia em trazer a discussão do que é cultura e
um referencial teórico próprio para a educa-
fazer os sujeitos reconhecerem-se como pro-
ção de adultos no Brasil e para a consolida-
dutores de cultura a partir de suas próprias
ção de um novo paradigma pedagógico cuja
situações cotidianas, na qual a alfabetização
referência principal foi o pernambucano Paulo
vem inserir-se como mais um instrumento
Freire.
para a leitura do mundo. Nessa "sociedade
Freire, trazendo este novo espírito da em trânsito", Freire procurou mostrar o papel
época acabou por se tornar um marco teóri- político que uma educação pode vir a desem-
co na Educação de Adultos, desenvolvendo penhar, e desempenha sempre – na constru-
uma metodologia própria de trabalho, que ção de uma outra sociedade, a "sociedade
unia pela primeira vez a especificidade dessa aberta". Na sua concepção "a construção de
Educação em relação a quem educar, para uma nova sociedade não poderá ser conduzi-
quê e como educar, a partir do princípio de da pelas elites dominantes, incapazes de ofe-
que a educação era um ato político, podendo recer as bases de uma política de reformas,
servir tanto para a submissão como para a mas apenas pelas massas populares que são
libertação do povo. a única forma capaz de operar a mudança"
(FREIRE, 1983, p.34).
O novo paradigma pedagógico base-
ava-se num novo entendimento de relação Para Freire, através da educação seria
entre a problemática educacional e a proble- possível ampliar a participação consistente
mática social. Partindo das concepções do das massas e levar à sua organização cres-
adulto educando sobre o mundo, através da cente. A educação popular foi sendo divulga-
reflexão e da ação, afirmava a relação dia- da através de inúmeros agentes: intelectuais,
lógica educando/educador: os sujeitos se artistas, estudantes, militantes da igreja, mili-
educavam por meio da problematização das tantes políticos, enfim, de setores população
situações concretas de vida de cada grupo que se sentiam comprometidos politicamente
de trabalho, desenvolvendo suas visões críti- com as classes populares e buscavam uma
cas, ampliando suas visões de mundo, des- real transformação, construídas no respeito
cobrindo a palavra cheia de vida e da sua mútuo, na solidariedade humana, na reflexão
experiência , inserida num contexto cultural coletiva, no compromisso de cada um com a
que faz do homem sua própria humanidade aprendizagem de todo o grupo.
ou desumanidade.
Com a ditadura militar em 1964, os mo-
A grande preocupação de FREIRE é vimentos de conscientização popular foram
"uma educação para a decisão, para a res- desativados e seus líderes punidos por serem
ponsabilidade social e política”(1983, p.12). considerados subversivos. Em l967, a cria-
Freire inverteu a lógica das décadas anterio- ção do Movimento Brasileiro de Alfabetização
res ao trabalhar com a concepção de que o – Fundação MOBRAL foi considerada como
adulto analfabeto não era causa do subde- primeira iniciativa importante na educação de
senvolvimento do país, mas sua consequên- jovens e adultos.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 284
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A própria estrutura do MOBRAL vincu- No governo de Itamar Franco (1992 –


lou-se até meados de 1969 ao Departamento 1994) as formulações em relação ao Plano
Nacional de Educação, bem como promoveu Decenal de Educação, apontavam para a ne-
atividades de alfabetização e programas arti- cessidade de examinar as diretrizes de uma
culados nos campos de saúde, recreação e política educacional, para jovens e adultos.
civismo, mediante convênios com entidades Nesta gestão, nada de inovador, concretizou-
públicas e privadas. -se na prática educacional pelo descompro-
metimento da União.
Em 1970, o MOBRAL, atuou a partir
de convênios estabelecidos com as Secre- Atualmente, a LDB (Lei de Diretrizes e
tarias de Educação e Comissões Municipais, Bases da Educação Nacional) lei 9394/96,
através do Programa de Alfabetização e do deixou muito a desejar em relação às dis-
Programa de Educação Integrada – PEI com cussões expressas na versão proposta pelo
versão compactada das 4ª séries iniciais do CONED (Congresso Nacional de Educação).
antigo ensino primário.
No entanto, a Educação de Jovens e
Os convênios se estenderam a outras Adultos, ao ser tratada como parte do En-
entidades públicas e privadas. Em 1985, após sino Fundamental, e ao deslocar o ensino
a redemocratização do país, o MOBRAL não supletivo como um qualificativo e não mais
apresentou condições políticas para sua so- um substantivo, possibilita, pelo menos, uma
brevivência, sendo extinto e substituído pela nova leitura: a de que a educação de adultos
Fundação Educar. traz uma especificidade própria, consideran-
do tratar-se de educandos que são portado-
O projeto Educar criado pela Nova Re-
res de múltiplos conhecimentos.
pública funcionava em parceria com muni-
cípios e, apesar de sua orientação político Inclusive desafia a escola para aprovei-
pedagógica de educação funcional, a des- tamento e reconhecimento destes saberes
centralização de suas ações possibilitou uma construídos em espaços não escolares, e
maior diversidade de orientações e práticas que, por isso mesmo, ela não pode ser con-
pedagógicas. siderada como uma simples reposição con-
densada do ensino regular, ideia comum em
Também trabalhava com alfabetização
relação ao ensino de suplência.
e pós-alfabetização, refletindo outras concep-
ções acerca do processo. Uma delas é a de O parecer nº774/99 do CEED (Con-
que havia necessidade de uma continuidade selho Estadual de Educação) esclarece que
da educação básica, a fim de não ver reduzi- foi a nova lei que incorporou princípios fun-
do o trabalho de alfabetização com o retorno damentais do antigo supletivo na Educação
dos sujeitos ao analfabetismo ou agora trans- Básica quando:
formados em analfabetos funcionais.
• flexibiliza a organização de seus currículos;
Em março de 1990, com o governo
• centra no aluno o processo de ensino-
Collor, a medida provisória nº 251 extinguiu
-aprendizagem;
a Fundação Educar. Nessa época o Ministério
da Educação lançou o Programa Nacional de • reconhece que a construção do conhe-
Alfabetização e Cidadania – PNAC gestado cimento ocorre de maneira diferenciada
no governo Chiarelli, mas nunca chegou a se para cada educando e somente é sig-
concretizar. nificativa se considerar seus saberes e
vivências;
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 285
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• O parecer reafirma ainda que é atribui- A arte é uma fonte que evidencia o co-
ção da escola ensinar e, portanto, a elas nhecimento interior (ou o retrato) do ser hu-
serão autorizadas o desenvolvimento do mano. Podemos conhecer muito de cada um
ensino fundamental e/ ou médio voltados através da produção artística, na escolha das
para a educação de jovens e adultos. cores, tons, motivos materiais denuncia a sen-
sibilidade e a personalidade do artista, seu
Em 1997 foi implantado o Programa
momento emocional e espiritual do momento.
Comunidade Solidária pela primeira-dama da
República, a antropóloga Ruth Cardoso. Foi Já PAIVA, considera como educação
um dos cursos mais importantes para a alfa- popular à instituição elementar: "a educação
betização de adultos, que em parceria com de adultos é parte da educação popular, pois
empresas, universidades e prefeituras, bus- a difusão da escola [...] quando ganha au-
cava atender municípios do Norte e Nordeste tonomia, e prende-se que sua duração seja
com altíssimos índices de analfabetismo. menos que aquela oferecida à população em
idade escolar, ela passa a ser tratada como
Como sua proposta com o educando
alfabetização e educação de base ou educa-
não ultrapassa cinco meses de trabalho em
ção continuada como querem hoje alguns"
classes de alfabetização, dificilmente pode-
(1987, p. 47).
remos considerar esses cidadãos alfabetiza-
dos. Mas, se este esforço for articulado com Nesta situação, é possível observar
os municípios para darem continuidade ao dois modelos que vêm sendo confrontados
processo de alfabetização e escolarização, na educação de adultos no Brasil. Um mode-
poder-se-á inclusive incorporá-lo ao ensino lo escolar ou sistematizador que se elabora
regular. como processo, cujo objetivo é a transmissão
de conhecimentos, opiniões e valores. Outro
Esse marcos históricos da educação
modelo sistematizador apresenta a autono-
de adultos no Brasil nos reporta ao concei-
mia, a libertação de algum segmento oprimi-
to estabelecido por LUZURIAGA que eviden-
do, onde acreditamos que o ensino da arte
cia a contribuição de Pestalozzi (1746-1827)
adquiriu seu espaço.
conhecido como educador da humanidade,
que afirmava que "a educação tem finalidade Apesar desses modelos apresentarem-
própria: a humanização do homem, o desen- -se como significativos, constituem-se como
volvimento de todas as manifestações da vida mecanismos discursivos e ideológicos das
humana, levada à maior plenitude e perfei- políticas sociais. Ressaltando o grande de-
ção" (1973,p.175). safio pedagógico em termos de seriedade
e criatividade, que a educação de jovens e
Segundo KANT (1724 – 1804), somen-
adultos impõe: como garantir a esse segmen-
te pela educação o homem pode chegar a
to social, que vem sendo marginalizado nas
ser homem. Admitia que na educação reside
esferas socioeconômica e educacional, aces-
o grande segredo da natureza humana. Por-
so à cultura letrada que lhe possibilite uma
tanto é através da arte que o homem pode
participação mais ativa no mundo do trabalho,
expressar seus sentimentos, valores, deixar
da política e da cultura.
aflorar a natureza humana, criando, inventan-
do uma produção única, verdadeira expres- A demanda pelo EJA (Educação de Jo-
são do que sente e imagina. vens e Adultos) envolve hoje um público cada
mais heterogêneo, tanto no que diz respeito à
idade, como às suas expectativas. Conforme
Souza, "há uma aspiração de escolarização
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 286
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

adiantada para ascender profissionalmente. Para FREIRE (1983), ao ligar-se a uma


[...] a procura não se dá apenas por adultos das tendências da moderna concepção pro-
e jovens já inseridos no mercado de traba- gressista, admite que é necessário tornar a
lho, mas dos que ainda esperam nele ingres- educação acessível às camadas populares.
sar, ou que são atingidos pelo desemprego" Porém, a educação cumprirá caráter políti-
(1998, p. 77). co e social na medida em que possa criar o
espaço de discussão e problematização da
Essa conotação detecta-se no modelo
realidade, com vistas à educação conscien-
neoliberal, que assentou sociedades mais
te, voltada para o exercício da cidadania por
desiguais, constituindo-se como um desafio
sujeitos comprometidos com a transformação
formar para a competência num mercado de
da realidade, envolvendo jovens e adultos e a
trabalho cada vez mais restrito em que este
livre expressão por meio da arte.
reduz à problemática do emprego.
Um regime político democrático exige
A qualificação passa, então, a apre-
que as pessoas tenham domínio de instru-
sentar-se como um dos instrumentos de luta
mentos da cultura letrada, que assumam va-
contra o desemprego e a marginalização. A
lores e atitudes democráticas: a consciência
educação de jovens e adultos justifica-se em
de direitos e deveres, a disposição para a par-
grande medida como educação permanente,
ticipação, para o debate de ideias e o reco-
em virtude da crescente globalização da pro-
nhecimento de posições diferentes das suas.
dução e dos mercados, da acelerada mudan-
ça tecnológica, dos crescentes desajustes do O Brasil vem reconstruindo as institui-
mercado de trabalho e da eventual redução ções democráticas e nesse processo a edu-
da demanda por habilidades. Estas habilida- cação tem um papel a cumprir com relação à
des muitas vezes são despertadas através do consolidação da democracia em nosso país.
ensino da arte.
A esse respeito PAIVA comenta: "ne-
Torna-se significativo referenciar a edu- nhum país nos nossos dias será capaz de
cação de adultos no contexto das políticas enfrentar a nova configuração produtiva e a
sociais, remetendo-nos às exigências educa- competição internacional sem uma revisão
tivas que a sociedade nos impõe no âmbi- ampla do seu sistema de ensino como um
to político. Na atualidade problemas da vida todo e sem o estabelecimento de políticas
moderna, sedentários, faz-se necessário um abrangentes para jovens e adultos" (1994, p.
trabalho efetivo com a arte. 34). O que se espera, é que sejam contem-
plados uma maior valorização e espaço de-
A possibilidade de os diversos seto-
vido ao ensino da arte, de forma sistemática,
res da sociedade negociarem coletivamente
para esta camada da população.
seus interesses está na essência da ideia de
democracia. O ideal de democracia sempre
contemplou uma educação escolar básica
universalizada. Através dela pretende-se con-
solidar a identidade de uma nação e criar a
possibilidade de que todos participem como
cidadãos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 287


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ARTE NA EDUCAÇÃO cidadania ativa e participante na complexa


construção de uma sociedade democrática
A história da arte na educação no Brasil, que envolve, entre outras, as práticas artísti-
acompanha a história da educação no país, cas.
ainda que mostre características peculiares.
Situamos com esse trabalho a importância A arte na escola constitui uma possibi-
das artes na educação de jovens e adultos. lidade para os alunos exercitarem suas res-
A lei 9394/96 nos apresenta uma nova visão ponsabilidades pelos destinos de uma vida
sobre o ensino da arte: no art. 26, § 2º: "o en- cultural individual e coletiva mais digna, sem
sino da arte constituirá componente curricular exclusão de pessoas por preconceitos de
obrigatório nos diversos níveis de educação qualquer ordem.
básica, de forma a promover o desenvolvi- Essas concepções e teorias que vão
mento cultural dos alunos” (BRASIL,1997, p. sendo tecidas sobre arte e educação no con-
30). texto das práticas escolares traz ao professor
Falar em arte na educação é lembrar informações sobre o seu papel na educação
de seus múltiplos aspectos, quer através da escolar, identificando pontos extremos de
música, dança, expressão corporal, desenho, duas grandes linhas presentes nas escolas:
pintura e teatro, pois representam um fator uma que identifica o papel da atividade ar-
significativo e vivificador da cultura. Não existe tística com a necessidade de formação de
uma única definição sobre o que seja arte. habilidades e atitudes que concorram para
Como os demais conceitos e ideias, a ideia aquisição de conhecimentos de outras áre-
da arte é construída socialmente, com base as; e outra que identifica na atividade artística
em referências históricas, através de teorias uma oportunidade de catarse ou relaxamen-
e outras referências colocadas pela formação to por meio da livre expressão individual de
escolar e pelos contextos sócio culturais. emoções e sentimentos.

A ideia do que seja arte na educação Dessa forma, a atividade artística é defi-
escolar também tem suas variações. Para al- nida como processo individual de expressão,
guns, a arte é uma disciplina, um conjunto de sentimentos e emoções. Deve propiciar
de conhecimentos específicos. Para outros, formas de atenuar as exigências das demais
ainda, a arte é apenas uma forma de expres- disciplinas, extravasar pressões e tensões co-
são. Por fim, há aqueles para quem a arte é, tidianas e desenvolver a imaginação e a criati-
ao mesmo tempo, uma atividade, uma forma vidade que, acredita-se, são sufocadas pelas
de expressão e um campo de conhecimento: dificuldades características das condições de
"Antes de ser preparado para explicar a im- vida das crianças, jovens e adultos, em espe-
portância da arte na educação, o professor cial aqueles de classes mais populares.
deveria estar preparado para entender e ex- Para Vygotsky, "a imaginação criadora
plicar a função da arte para o indivíduo e a penetra em sua obra através de toda a vida
sociedade" (FUSARI & FERRAZ,1995, p. 25). pessoal e social imaginativa e prática em to-
A área de Arte contribui, portanto, para dos os seus aspectos". A criatividade é um
ampliar o entendimento e a atuação dos alu- fator determinante, pois é ela que proporciona
nos ante os problemas vitais que estão pre- ao aluno a solução de problemas, quer sejam
sentes na sociedade de nossos dias. Tais estéticos ou científicos.
problemas referem-se às ações de todas as
pessoas para garantir a efetivação de uma

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 288


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Cabe ao professor, portanto, proporcio- Desde a infância, tanto as crianças


nar situações que favoreçam o desenvolvi- como nós professores, interagimos com as
mento dessas características, o que se torna manifestações culturais de nossa ambiência
mais fácil por meio da exploração de uma e vamos aprendendo a demonstrar nosso
linguagem integradora como a da arte, ainda prazer e gosto, por exemplo, por imagens,
mais quando se trata de adultos, cuja histó- músicas, falas, movimentos, histórias, jogos
ria de vida abre brechas para muitas possi- e informações com os quais nos comunica-
bilidades de formação e reflexão de posturas mos na vida cotidiana (por meio de conver-
conscientes. sas, livros ilustrados, feiras, exposições, rá-
dio, vídeos, vitrines, etc.) A Arte ocupa uma
Estamos a caminho neste conflito; per-
grande importância na vida das pessoas e
cebemos o conhecimento como algo perma-
na sociedade desde as primordiais civiliza-
nentemente inacabado e que o infinito nesse
ções, o que a torna um dos fatores essenciais
tipo de trabalho, mais que inevitável, é essen-
de humanização. O fundamental, portanto, é
cial.
entender que a Arte se constitui de modos
POR QUE ARTES NA EDUCAÇÃO DE específicos de manifestação da atividade crí-
JOVENS E ADULTOS tica dos seres humanos ao interagirem com
o mundo em que vivem, ao se conhecerem e
Ao lado das tendências pedagógicas ao conhecê-lo.
tradicionais, escolanovista e tecnicista, surge
no Brasil, entre 1961/1964, um importante E é justamente porque a Arte mobiliza
trabalho desenvolvido por Paulo Freire, que continuadamente nossas práticas culturais,
repercutiu politicamente pelo seu método re- mostrando-nos esteticamente as múltiplas vi-
volucionário de alfabetização de adultos. sualidades, sonoridades, falas, movimentos,
cenas, desde a nossa infância, que produ-
Voltado para o diálogo educador edu- zimos e as interpretamos. Essa consciência
cando e visando a consciência crítica, influen- pode nos ajudar a conhecer e reconhecer a
cia principalmente movimentos populares e a manifestação e interferências da Arte em nos-
educação não formal. Retomando a partir de sas vidas. Queremos ter oportunidades para
1971, é considerado nos dias de hoje como perceber, analisar e conversar, por exemplo,
uma "Pedagogia Libertadora", em uma pers- sobre nossas escolhas de cores, nossa ad-
pectiva de consciência crítica da sociedade. miração por certas músicas ou nosso gosto
A partir dos anos 80, acreditando em por certas cenas, objetos artísticos e pelas
um papel específico que a escola tem com pessoas que os produzem.
relação a mudanças nas ações sociais e cul- Precisamos verificar quais das práticas
turais, educadores brasileiros mergulham em artísticas e estéticas existentes em nossa vida
um esforço de conhecer e discutir práticas e contemporânea queremos conservar ou mu-
teorias de educação escolar para essa rea- dar e por quê. Isso significa que necessitamos
lidade. Conscientizam-se de como a escola assumir práticas de uma contínua educação
se configura no presente, com vistas a trans- em Arte. Logo, é na cotidianidade que os con-
formá-la rumo ao futuro. E nos convidam a ceitos sociais e culturais são construídos: o
discutir as ações e as ideias que queremos gostar, desgostar, de beleza, feiúra, etc. não
modificar na educação em Arte, como um de- há lugar para um vazio fantasioso, já que a
safio e compromisso com as transformações mente obriga-se a uma atenção complexa,
na sociedade. chamando a fantasia para assumir funções
mais nobres.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 289
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para o educador Georges Snyders Pretende-se contribuir para a formação


(1992: 13. 15) este confronto deve ser priori- de cidadãos conhecedores da Arte e para a
zado no âmbito da escola, criando-se condi- melhoria da qualidade da educação escolar
ções efetivas de presença das obras de Ar- artística e estética, é preciso que se organi-
tes junto aos jovens. Segundo esse autor, o zem propostas para que se mostre significa-
convívio direto com as obras-primas atende tiva na vida das crianças e jovens. Sabe-se
a uma das principais funções da escola, que que compete ao professor de Arte saber lidar
é a de abrir a possibilidade de um ensino da com os fatos em sala de aula, constituindo a
alegria cultural presente.Completando, quere- sua metodologia de trabalho. Através deste
mos ressaltar a necessidade de um programa trabalho aprimorando as potencialidades per-
de curso de Arte bem estruturado, que leve ceptivas dos alunos, pode-se enriquecer suas
em consideração as experiências dos alunos experiências de conhecimentos artísticos e
com a natureza e culturas cotidianas e ga- estéticos. Isto se dá quando elas são orien-
ranta a ampliação destes e de outros conhe- tadas para observar, ver, ouvir, tocar, enfim,
cimentos: "À medida que trabalhamos para perceber as coisas, a natureza e os objetos
desenvolver a percepção, ajudamos a ver me- à sua volta.
lhor, ouvir melhor, fazer discriminações sutis e
Sentir, perceber, fantasiar, imaginar, re-
ver as conexões entre as coisas" (GARDNER
presentar, fazem parte do universo infantil e
em entrevista a BRANDT, 1988, p.32).
acompanham o ser humano por toda vida.
Isto nos leva a uma proposição para o Trabalhar com o adulto requer muito do pro-
ensino-aprendizagem de Arte fundamentada fessor principalmente uma reflexão sobre os
na educação da percepção e de seu efeito métodos e estratégias a serem adotadas para
sobre a constituição do pensamento artístico se obter um melhor desempenho diante da-
e estético. Entretanto, há professores que res- quele que, muitas vezes, por imposição da so-
tringem sua interferência educativa em Arte à ciedade, não pôde estar sentado num banco
organização de aulas somente com ativida- da escola quando criança. São fatos que nos
des de colorir desenhos prontos ou de repro- levam a pensar que jovens e adultos buscam
duzir danças, canções conhecidas, ou ainda não somente um lugar melhor na sociedade,
dramatizações para fim de ano. mas também uma satisfação pessoal.
Muitos docentes desconhecem ou não O olhar, sentir e fantasiar também fazem
se preocupam em interferir de um modo mais parte do universo emotivo, consequentemen-
educativo na relação que os estudantes man- te, ao compreender e encaminhar o artístico
têm com a cultura e as obras de Artes bem para este lado estaremos desenvolvendo o
como as suas transformações sensíveis cog- processo de percepção criativo e imaginativo
nitivas no entendimento da Arte. Quando se do nosso aluno adulto. Sendo assim, a Arte
pratica o ensino e a aprendizagem da Arte pode ser ruim, boa ou indiferente, mas seja
na escola surgem também questões que se qual for o adjetivo empregado, devemos cha-
referem ao seu processo educacional. Uma má-la de Arte, da mesma forma que a emo-
delas diz respeito aos posicionamentos que ção ruim é ainda emoção.
se assumem sobre os modos de encaminhar
esse trabalho, juntamente com os objetivos
para que atenda às necessidades de cultura
artística no mundo contemporâneo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 290


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Percebemos, através da presente reflexão, que o objetivo foi investigar as propostas e
projetos determinados pelo EJA, para a Educação de Jovens e Adultos nas escolas da Rede
Municipal no tocante ao ensino de Artes. A análise caracterizou o espaço das escolas que
ofertam a Educação Básica de Jovens e Adultos para o ensino fundamental e médio, verifi-
cando as atuais perspectivas para o ensino da disciplina citada.
O compromisso com um processo educativo que vise reformulações qualitativas na
escola precisa do desenvolvimento, em profundidade, de saberes necessários para um com-
petente trabalho pedagógico. No caso do professor de Arte, a sua prática-teoria artística e
estética deve estar conectada a uma concepção de arte, assim como a consistentes propostas
pedagógicas. Em síntese, ele precisa saber arte e saber ser professor de arte.
É atuar de uma forma mais realista e mais progressista, aproximando os alunos do le-
gado cultural e artístico da humanidade, permitindo assim, que tenham conhecimentos dos
aspectos mais significativos de nossa cultura, em suas diversas manifestações.
Para que isso ocorra é preciso evoluir no saber estético e artístico expressando com cla-
reza a sua vida na sociedade. O professor de arte é um dos responsáveis pelo sucesso desse
processo transformador, encontrando uma maneira de organizar seu trabalho a fim de que
contribua para o desafio de conseguir escolas de melhor qualidade para toda a população.
É preciso buscar recursos, informações, aprofundar reflexões, discutir para que se
desenvolva um trabalho com eficiência. Esses recursos podem ser teóricos em bibliotecas,
audiovisuais (fitas em áudio e vídeo, CD, máquina fotográfica, gravadores, computador, etc),
que poderão ser utilizados para música, teatro, dança e artes plásticas, além de uma série de
livros de história da arte onde se encontram reproduções de obras artísticas, que se oferecem
como forma de comunicação estética.
Assim, preparando-se continuamente, e tendo um domínio presente de sua área, de-
tectando os conteúdos fundamentais de arte que de fato, contribuam para a formação de
seus alunos, é que a proposta se efetiva. Buscamos nesse trabalho ainda além de mostrar o
compromisso de saber arte e saber ser professor de arte, desenvolver assim um trabalho de
resgate junto a educação de jovens e adultos, enfrentando questões problemáticas e estimu-
lando a expressão criativa dos alunos.
Aprender e ensinar Arte na Educação de Jovens e Adultos é desenvolver progressi-
vamente um percurso de criação pessoal cultivado, ou seja, alimentado pelas interações
significativas que o aluno realiza com aqueles que trazem informações pertinentes para o pro-
cesso-aprendizagem (outros alunos, professores, artistas), com fontes de informação (obras,
trabalhos dos colegas, acervos, produções, mostras, apresentações) e com o seu próprio
percurso criador.
Fazer arte é pensar sobre o trabalho artístico que realiza, assim como sobre a Arte que
é e foi concretizada na história, pode garantir ao aluno uma situação de ensino-aprendizagem
conectada com valores e os modos de produção artística nos meios sócio culturais. Sabemos
que para se tornar um apreciador e perceber a beleza do mundo que nos cerca, é preciso
conhecer as linguagens artísticas. Desenvolver a sensibilidade para ver, ouvir e apreciar. Não
podemos apreciar, julgar e emitir opiniões daquilo que não conhecemos. E, este conhecer só
será possível, se compreendermos a dimensão histórica em que cada forma artística aconteceu.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 291
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para que isso ocorra, não basta trabalhar um texto da arte pré-histórica, expressionismo,
sem que o aluno seja orientado e estimulado a descobrir o porquê das formas usadas pelo
artista. A criatividade não ocorre sem a influência do mundo, de um referencial e das condi-
ções que propicia o seu ambiente. A criatividade, produto do aluno e do artista é fruto de sua
relação com o mundo apreendido, transformado e recriado.
A valorização da Arte nas escolas e do professor, só será amenizada quando se com-
preender a dimensão da arte num processo histórico, de produção de trabalho fora da alie-
nação e das próprias contradições. Se os professores que lecionam artes, passarem a exigir
oportunidades de terem acesso aos fundamentos teóricos desde o conhecimento relativo à
matéria que lecionam; investindo na sua formação e orientação, como acesso a materiais e
livros para que possam desenvolver um trabalho onde criem situações de aprendizagem e
que o constante desafio perceptivo, as atividades lúdicas estejam sempre presentes.
O trabalho com arte na escola tem uma amplitude limitada, mas ainda há possibilidades
dessa ação educativa ser quantitativa e qualitativa. Para isso, o professor precisa encontrar
condições de aperfeiçoar-se continuamente, tanto em saberes artísticos e sua história, ato em
saberes sobre organização e o desenvolvimento do trabalho de educação escolar em Arte. É
evidente que cada pessoa terá seus próprios interesses, ponto pelo qual se pode partir para
um desenvolvimento mais amplo. Nas aulas não basta praticar atividades, soltar, fazer dese-
nhos, pinturas entre outros. Mas, é necessário mobilizar cotidianamente o nosso caminhar
com a formação estética e artística junto a crianças e jovens da escola.
Que esses novos conhecimentos sejam gradativamente aprendidos mostrando ao mes-
mo tempo o quanto é importante a participação de cada um de nós na sociedade em que
vivemos. A nossa capacidade de articular, manipular e expressar palavras e imagens, tanto
para nós como para os outros, nos permite mudar, desenvolver e dar diversos significados.
Dessa forma, poderemos entender melhor os nossos próprios trabalhos e de outro sem va-
riados contextos ao longo da história da humanidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 292


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ANDRÉS, Maria Helena. Os caminhos da Arte; prefácio de Pierre Weil. Petrópolis, Vozes,1977.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais. Arte. Brasília, MEC/SEF, 1997.

BUORO, Anamélia Bueno. O olhar na construção: uma experiência de ensino e aprendizagem da arte na escola.
3. ed. São Paulo: Cortez, 1998.

COLI, Jorge; O que é arte. 15ª ed; São Paulo: Editora Brasiliense, l995.

COMERLATO, Denise Maria. Dimensões teórico-metodológicas na prática educativa com adultos trabalhadores.
In: Aprendendo com Jovens e Adultos: revista do Programa de Ensino Fundamental para Jovens e Adultos Traba-
lhadores. Porto Alegre. UFRGS, PRÓ RECS e FACED, 1999.

DERDYK, Edith. Formas de repensar o desenho. São Paulo: Scipione, 1994.

DUARTE JÚNIOR, João Francisco. Por que arte é educação? 7. ed. Campinas: Papirus, 1994 (Coleção Ágere).

FREIRE, Paulo. Educação e Mudança, 14. ed. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1983.

______. Educação como prática da liberdade. Paz e Terra. Rio de Janeiro. 1983.

______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro. Paz e Terra. 1987.

FUSARI Maria F. de R.; FERRAZ, Maria H. C. de J. Metodologia do Ensino de Arte. São Paulo: Cortez, 1995.

______. Arte na Educação Escolar. São Paulo, Cortez, 1992.

HADDAD, Sérgio. Tendências Atuais na Educação de Jovens e Adultos. Em aberto. Brasília: ano 11, nº 56 outubro/
dezembro, 1992.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 293


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Educação Física pela UNESP -


Universidade Estadual Júlio Mesquita Filho (2003);
Professora de Ensino Fundamental II- Educação
Física- no CEU EMEF Prof. Carlos Rocha.

GEISA MARIA
LOURENÇO DA SILVA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 294
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A LEGISLAÇÃO DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR


PARA O LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO
RESUMO: Segundo as diretrizes do manual da BNCC- base nacional comum curricular todos os alunos devem
desenvolver ao longo do percurso escolar aprendizagens essenciais ao longo das etapas e modalidades da
educação básica. O ciclo em que se inicia tais aprendizagens e que também será considerada como umas
principais bases para que se alcancem tais aprendizagens é o ciclo inicial de alfabetização e letramento. No
documento algumas competências; mobilização de conhecimentos, conceitos e procedimentos e habilidades:
práticas cognitivas e socioemocionais atitudes e valores são preconizadas como essenciais para formação
integral dos educandos. A etapa em que se introduz o letramento e alfabetização de crianças recebe crianças
que em sua grande maioria já se familiarizou com o ambiente escolar já que podem ter frequentado a educação
pré-escolar em que praticam a socialização e diversas atividades preparatórias para a etapa de alfabetização
e letramento. Tais direitos estão previstos em diversos dispositivos legais como na Constituição Federal de
1988, na LDB Lei de Diretrizes e bases da Educação de 2006, no Estatuto da Criança e do Adolescente e foi
reafirmado no manual da BNCC com orientações de orientações para a promoção destes direitos que passou
a ser obrigatório a partir dos 4 anos de idade. O início da vida escolar começa mais cedo de acordo com a
legislação vigente, e devido a tenra idade em que os educando ingressam na educação pré-escolar o ato de
educar torna-se indissociável do ato de cuidar, a educação deve antes de tudo acolher e criar laços com os
educando de modo que se sintam pertencentes ao ambiente e se sintam acolhidos. Na etapa de alfabetização
e letramento não é diferente, as vivências e experiências e contextos sociais em que se inserem os educandos
devem ser considerados para que os conteúdos sejam articulados com suas necessidades e especificidades.
Ampliar o universo das crianças perpassa por práticas que potencializam as aprendizagens e promovam o
desenvolvimento das crianças em parceria com a família e a comunidade. Sendo um sujeito histórico de direitos
e deveres, os alunos devem experimentar vivências escolares para construir conhecimentos em um ambiente de
aprendizagem que crie laços de solidariedade humano, desenvolva a sensibilidade e o cuidado consigo mesmo
e com o outro. As interações sociais devem ser estimuladas para um ambiente colaborativo e de ajuda mútua,
as brincadeiras devem estar presentes sempre com um propósito educativo, o brincar nesta perspectiva é uma
forma de aprender. Dessa forma, a BNCC a partir de seus eixos estruturantes para as práticas pedagógicas
propõe seis eixos para asseguração na Educação infantil dos direitos de aprendizagem e desenvolvimento
dos educandos; o direito de conviver, brincar, participar, explorar, expressar, participar e conhecer-se que serão
analisados no presente trabalho.
Palavras-chave: Letramento, Alfabetização, Direito de Aprender.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 295
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
criança, é um ser em desenvolvimento, mas isto não a impede de observar,
questionar e construir seus próprios conceitos acerca do mundo que a rodeia.
A expressão “intencionalidade educativa” deve ter como premissa que a educa-
ção tem como missão o preparo dos educandos para o exercício da cidadania, as crianças
chegam à escola com sua bagagem emocional, social e cultural, na escola serão ampliadas
estas bagagens por meio de situações de aprendizagem em que ele compreenda as relações
da natureza e do homem e o cuidado com o meio ambiente.
Cuidar do outro e de si com práticas de higiene e rotinas de cuidados pessoais, apro-
priar-se das questões importantes sobre alimentação saudável e seus benefícios, conhecer
experimentar os alimentos, vestir-se e aprender a identificar aquilo que lhe traz conforto e lhe
faz bem.
Diante de tantas possibilidades do universo de aprendizagens de que dispõe o mundo
para oferecer aos educandos, o professor deve ter uma prática contínua de reflexão, assim,
é preciso constantemente selecionar, organizar, planejar e planejar os conteúdos, prever os
recursos necessários e materiais com intencionalidade educativa.
A alfabetização consiste na capacidade da criança reconhecer os códigos da linguagem,
tal decodificação é o passo para a construção do letramento e da escrita e dos números assim
uma é indissociável da outra.
Durante o processo de aprendizagem o professor deve adquirir o hábito de observar e
registrar suas percepções, impressões para conhecer e compreender os modos de ser e de
aprender de cada aluno, o olhar deve ser direcionado de modo coletivo e individual partindo
do pressuposto de que a escola carrega em si como sua grande essência a diversidade e,
portanto, cada um aprende a seu tempo e seu contexto social.
Tais registros e observações devem conter os avanços e dificuldades e a reflexão sobre
as possibilidades de intervenção para criar situações de aprendizagens efetivas. Nesta etapa
é importante destacar que não há uma avaliação classificatória e ou desclassificatória, a ava-
liação deve ser contínua com base naquilo que foi proposto e o que se quer alcançar, quais
os objetivos e intencionalidades de cada prática pedagógica.
Inicialmente, quando se propõe que os registros sejam feitos os alfabetizadores podem
se ater apenas à escrita destas práticas e vivências propostas, estes podem ser feitos por
meio de fotos, portfólios, desenhos e textos, bem como de relatórios semanais, mensais.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 296


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O EU, O OUTRO E O NÓS A participação também pode se dar ao


permitir que os alunos façam escolhas sobre
O homem é um ser social, é através as atividades da semana mediante acordos
da interação e do convívio social que ele se e contratos pedagógicos, tanto de materiais
constitui como adulto capaz de agir, tomar quanto de brincadeiras, assim o aluno apren-
decisões e transformar sua realidade. Suas de desde cedo a tomar decisões e se posi-
experiências familiares, na escola e demais cionar.
áreas da sociedade influenciarão diretamente
a construção de sua identidade e suas dúvi- O eixo de aprendizagem “Explorar” co-
das, questionamentos, expectativas, perspec- aduna-se com a missão de educar da esco-
tivas serão consolidadas ou não ao longo de la: desenvolver e ampliar a cultura dos edu-
sua vivência. candos, desenvolver seus saberes e prever
o contato com as artes, a escrita, a ciência
Na escola, as interações sociais e a e a tecnologia. A liberdade de explorar está
participação das crianças nas atividades de intimamente ligada a outro eixo da educação:
cuidados pessoais promovem um dos eixos “Expressar”, é importante que os educandos
da educação prevista no manual BNCC que é tenham espaços e tempos para que possam
o conviver com os outros; adultos e crianças expressar suas emoções e sentimentos, suas
em grupos e ou em trios e duplas na troca necessidades e dúvidas, inseguranças e des-
e interação para ampliar conhecimentos, de- cobertas.
senvolver laços, fortalecer a solidariedade e
respeito mútuo e aceitação e tolerância às Portanto, ao ter contato com o outro de
diferenças. diversas formas o educando pratica um eixo
da educação importante para a formação de
O planejamento pedagógico deve sua identidade em vários aspectos como os
prever espaços e tempos nas situações de social, cultural e pessoal, a construção da
aprendizagem em que as crianças brinquem imagem de si mesmo para a formação de
com seus pares e com atividades com inten- conceitos elabora dentro de si uma sensação
cionalidade educativa. O eixo de aprendiza- de pertencimento a um grupo ou camada que
gem “Brincar” como forma de aprender deve permeia sua convivência.
estimular a criatividade, imaginação, fantasia,
ampliar o repertório cultural, desenvolver ha- LEITURA E ESCRITA: HABILIDADES E
bilidades ligadas à arte em suas diversas for- COMPETÊNCIAS PARA A CIDADANIA
mas e movimentos corporais como gesticular, A função essencial da educação é a
dançar, cantar e pular. promoção da cidadania e a formação dos
O eixo de aprendizagem “Participar” educandos para que sejam sujeitos críticos
preconiza que o cotidiano escolar deve estar e autônomos e capazes de tomar decisões e
apto para que todos os educandos partici- fazer escolhas, portanto, a alfabetização e o
pem efetivamente das atividades propostas, letramento são habilidades e competências
especialmente as crianças com necessida- que promovem a cidadania.
des especiais que possuem limitações e ou Ao analisar a história da alfabetização
necessitem de recursos e materiais específi- ela revela que muitas mudanças foram feitas
cos para realizar as atividades percorrendo ao longo da história, tais alterações foram
caminhos diferentes para chegar ao mesmo conceituais, metodológicas e elas ainda acon-
objetivo que outros educandos. tecem pois os estudos, avaliações e pesqui-
sas mostram que a educação no Brasil ainda
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 297
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

não é satisfatória, o fracasso escolar é repeti- seridos nas situações de aprendizagem. Tais
damente discutido e estudado. Os resultados práticas tinham como meta a aprendizagem
das avaliações externas mostram defasagens do alfabeto e da ortografia.
em áreas básicas do conhecimento tais como
Esta agregação do conceito de letra-
a língua portuguesa e a matemática.
mento ocorreu a partir da constatação de
Diante de tal cenário, a alfabetização é que muitos educandos que já haviam sido
item de estudo de teorias e práticas, constan- escolarizados não eram capazes de ler e en-
temente, a busca é por melhores caminhos, tender o que liam, compreender e construir
novos percursos para a efetivação do ensino conceitos a respeito do que leram ou ainda
e da aprendizagem. ser capaz de refletir e desenvolver o senso
crítico e opinar sobre o que leu, ou seja, há
As pesquisas e estudos acerca do apri-
uma decodificação do alfabeto, mas não foi
moramento e melhoria da qualidade do en-
desenvolvido o letramento. Na alfabetização
sino no Brasil trouxeram mudanças e novas
e letramento o aluno deve ser levado a des-
nomenclaturas para os processos de ensino
pertar sua curiosidade em relação ao mundo
e aprendizagem tais como o “letramento”. O
que o rodeia.
termo letramento foi introduzido há cerca de
duas décadas como conceito de prática so- O ciclo de Alfabetização nos 3 anos
cial para o desenvolvimento da leitura e da iniciais pretende assegurar a alfabetização
escrita. até os 8 anos de idade por meio de um tra-
balho integrado com a comunidade escolar
O conceito de letramento trouxe uma
com foco nas potencialidades das crianças
nova visão sobre o processo de alfabetizar,
e seus diferentes modos de ser e aprender,
torna-se essencial o ato de alfabetizar e pro-
respeitando suas experiências e bagagem
mover o letramento ao mesmo tempo visto
sócio cultural , seus ritmos de aprendizagem
que tais conceitos são indissociáveis, o que
e seus direitos de falar, ouvir, ler , escrever,
preconiza é que alfabetizar não é apenas en-
atuar como protagonistas enquanto sujeitos
sinar a ler e escrever, o letramento é conceito
do processo de aprendizagem.
complementar que representa um nível mais
elevado de aprendizagem visto que não se Tais metas para serem atingidas envol-
resume a decodificar a língua , e sim praticar vem um conjunto de ações planejadas que
as ações de leitura e escrita em contextos so- devem estar previstas no Projeto Político Pe-
ciais, ou seja, o letramento amplia o conceito dagógico que em seu documento deve conter
de alfabetização pois este último representa a situações de aprendizagem que sejam con-
aquisição e decodificação do sistema de es- textualizadas para apropriação da linguagem
crita enquanto o letramento vai para além da lendo, escrevendo, produzindo textos, escu-
decodificação, representa o desenvolvimento tando, se expressando e construindo concei-
de habilidades e competências para o uso da tos.
escrita e da leitura em práticas sociais.
Neste contexto, as brincadeiras livres
Na década de 80, os objetivos educa- assumem importância quer sejam sozinhos
cionais eram definidos por meio da aprendiza- ou em grupos participando de jogos, faz de
gem essencialmente da escrita. A alfabetiza- contas, cantigas, rodas de brincadeira e con-
ção acontecia por meio da junção de sílabas, versa para estimular a criatividade, ampliar o
unidades e durante o processo tais unidades repertório oral, movimentar o corpo e desen-
iam sendo acrescentadas a outras até forma- volver a criatividade explorando os espaços,
rem palavras, frases e então os textos eram in- ter contato com a natureza e valorizar o meio
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 298
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ambiente, ter acesso aos meios de comuni- aos alunos como um ponto de partida e es-
cação e informação sem deixar de lado as tabelecimento de objetivos a serem alcança-
culturas e brincadeiras infantis tradicionais. dos considerando ainda suas características
e especificidades, necessidades efetivando a
As práticas pedagógicas devem consi- educação como um ato político.
derar o ritmo de cada criança, os registros
e as observações contribuem para que os É possível afirmar que a alfabetização
educadores identifiquem as diferenças entre mudou suas concepções e também o modo
os educandos sem que isso cause qualquer como é feita a prática pedagógica, antes com
forma de exclusão, mas de atenção e apoio técnicas de memorização que provaram não
serem eficazes, assim. atualmente, a escola
reforçados, segurando que todos estejam al-
considera o ato de alfabetizar como prática
fabetizados. Dessa forma, emerge a impor-
social, porém, embora algumas mudanças
tância de prever recursos e metodologias
tenham ocorrido na educação os resultados
que propiciem as descobertas e despertem ainda são insuficientes e não satisfatório.
a curiosidade dos educandos, estimulando-os
a levantar hipóteses, que interajam e troquem O Brasil apresenta dados de desempe-
conhecimentos para enriquecimento coletivo. nho escolar com baixo aproveitamento esco-
lar, evasão, desvalorização profissional dos
OBJETIVOS DO CICLO DE professores, violência e falta de recursos. Ao
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO contrário do que se pode pensar, os investi-
mentos em educação apresentam números
Segundo a Secretaria Municipal de Edu-
significativos deixando visível a má gestão
cação de São Paulo, o ensino fundamental
destes recursos e ou mal aproveitamento vis-
é obrigatório com duração de 9 anos e tem
to que em grande parte do país o número
como objetivos desenvolver o educando e
de analfabetos funcionais cresce, professores
sua capacidade de aprender como meios
continuam recebendo baixos salários , sem
básicos o pleno domínio da leitura, escrita e
planos de carreira e formação inadequada ou
do cálculo, compreender o ambiente natural
insuficiente.
e social , o sistema político, da tecnologia e
das artes e construir valores em que se fun- A OCDE- Organização para a Coope-
damenta a sociedade. A escola deverá ainda ração e o Desenvolvimento Econômico ao
promover o fortalecimento dos vínculos de analisar os dados da educação no Brasil,
família, os laços de solidariedade humana e aponta que o país está distante de alcançar
de tolerância recíproca. um percentual exigido pela Organização que
aponta para a má qualidade do ensino no
A BNCC- Base Nacional Comum Cur-
Brasil. Além do mais, as lacunas na educa-
ricular observa que o currículo da Educação
ção continuam crescendo com o advento das
Básica compreender a Língua Portuguesa,
novas tecnologias da informação e comunica-
a Matemática, o conhecimento do mundo fí-
ção, as TICs. O mundo se tornou globalizado
sico, natural, da realidade social e política,
e a conectividade nunca esteve tão em alta,
especialmente do Brasil inclusive o estudo
outro fator que coloca a escola em desvanta-
da História e das Culturas Afro Brasileira e
gem pois as antigas práticas, metodologias
Indígenas; a Arte, Educação física e o Ensino
e recursos devem ser adaptadas, a escola
Religioso.
deve encontrar caminhos e meios para atingir
Os documentos mencionados enfati- seus objetivos articulados às mudanças que
zam a necessidade de valorizar os conteúdos ocorreram na sociedade bem como atender
prévios trazidos pelos alunos que contribuirão suas demandas.
para contextualizar as atividades oferecidas

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 299


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A alfabetização e o letramento devem sência a pesquisa e o estudo e mais do que


ser planejados com vistas à utilização destas nunca tal quesito é exigido com as mudanças
ferramentas tecnológicas, senão a educação da sociedade. As aulas exigem uma postura
repetirá mais um ciclo de fracasso, não são dinâmica e inovadora, assim, a reflexão sobre
raras as escolas que ainda não possuem a prática deve ser contínua bem como sua
computador e internet e demais recursos para formação deve ser articulada com o interes-
utilizar as TICs. se dos alunos, diagnosticar as dificuldades,
expectativas e necessidades.
A produção de atividades digitais deve
estar presente nas práticas pedagógicas de O professor com formação contínua
modo reflexivo , tem que haver uma intencio- deve estar preparado para a construção de
nalidade educativa, permeados pelo contexto conhecimentos utilizando a cibercultura (con-
social tais atividades contribuem para o do junto de transformações que ocorrem na so-
multiletramento que é denominado como o ciedade e na cultura e que tem sua origem no
letramento digital em que são apresentadas desenvolvimento do ciberespaço).
imagens, jogos digitais, histórias, vídeos infor-
CONVIVER, APRENDER A APRENDER E
mativos, documentários, músicas educativas
APRENDER A SER NA ALFABETIZAÇÃO
e demais suportes.
E LETRAMENTO
O desafio que se descortina para edu-
cadores e gestores é grande diante da varie- Na etapa da educação infantil, A BNCC-
dade de demandas da sociedade globalizada. Base Nacional Comum Curricular constituiu
Há um movimento frenético de informações e uma estrutura de direitos e aprendizagens
de comunicações, tudo se torna obsoleto da baseada nas interações e brincadeiras como
noite para o dia, a notícia que era manchete eixos estruturantes das práticas pedagógi-
no dia anterior, no dia seguinte está esqueci- cas com fins de alfabetização e letramento. É
da ou foi substituída por algo mais importante preciso considerar a faixa etária dos educan-
ou mais impactante. dos no planejamento, a ludicidade deve estar
Tudo é volátil, rápido e substituível, e presente e a intencionalidade educativa deve
mesmo os recursos tecnológicos não param estar presente no Planejamento Pedagógico.
de inovar e se transformar, tal desafio perpas- O manual determina que os direitos de
sa pelos muros da escola que ainda tenta en- aprendizagem e desenvolvimento devem es-
contrar seu lugar no mundo globalizados visto tar norteados por campos de experiência que
que seus números e dados apresentados em devem ser propiciados aos educandos tais
avaliação nacionais e estaduais deixam a de-
como conviver, brincar, participar, explorar,
sejar frustram cada vez mais os atores envol-
expressar, conhecer-se.
vidos no processo de ensino e aprendizagem.
A base dos eixos de aprendizagem é
Os novos modos de ser e estar no mun-
do trouxeram para os bancos das escolas um indicada para as crianças na etapa da edu-
aluno diferente, mais agitado, mais comuni- cação infantil que serão o alicerce para a in-
cativo, mais ávido por novidades e com uma trodução das crianças na etapa de alfabetiza-
característica marcante: o aluno do século XXI ção, após essa etapa, ao ingressar no ensino
quer experiências, quer ser surpreendido, quer fundamental espera-se que a criança tenha
novidades e descobertas. Neste contexto, o alcançado certa autonomia e evolua em al-
professor como mediador do conhecimento guns aspectos como as interações, cuidados
se depara com a exigência latente de uma pessoais, desenvolveu laços e aprendeu a
formação para o uso de ferramentas tecno- conviver com as diferenças.
lógicas, o professor sempre teve em sua es-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 300
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A base estruturada traz orientações Fica evidente a importância da obser-


para os professores prepararem os alunos vação sistemática e o registro por meio de
que ingressaram na educação infantil, e não portfólios, como forma de exclusão e ou rotu-
é por acaso. A etapa do ensino fundamental lação do aluno como forte ou fraco, inteligente
é a mais longa da Educação básica, nela a ou não, capaz ou não, pelo contrário, a tole-
criança passa por várias fases de desenvol- rância mútua deve ser estimulada e pode ser
vimento físico e psíquico e, portanto, requer uma grande oportunidade de propiciar aos
especial atenção também. alunos com menos dificuldades o exercício
da solidariedade quando o professor estimula
As mudanças sofridas pela criança ao
o espírito de colaboração e solicita a estes
ingressar na etapa do ensino fundamental
alunos com menos dificuldades ajudem os
também se estendem à estrutura curricular,
outros com dificuldades.
a criança chega à esta etapa aos seis anos
e vai progredir para a etapa do ensino médio O PROFESSOR REFLEXIVO NO
após nove anos no ensino fundamental. Por- LETRAMENTO E ALFABETIZAÇÃO
tanto, os esforços nas duas etapas do ensino
O professor é mediador do conheci-
fundamental I e fundamental II devem ser in-
mento e desenvolvimento dos educandos e,
tensos no sentido de promover seu desenvol-
portanto, cabe a ele, norteado pelo Projeto
vimento integral já que passaram sua infância
Político Pedagógico, estudar e pesquisar ma-
e início da adolescência no ambiente escolar.
teriais didáticos, inclusive materiais digitais
Os alunos chegam à escola ainda crian- que podem gerar conteúdos. Tais materiais
ças e cheios de expectativas, querem brin- digitais devem prever conteúdos contextuali-
car, querem se movimentar e descobrir coisas zados para atividades individuais e coletivas.
novas e interagir, porém, ao ingressarem na
Ao acessar a internet o professor /me-
segunda etapa do ensino fundamental come-
diador vai se deparar com inúmeros conte-
çam a entrar na adolescência e suas neces-
údos entre informações e inúmeras formas
sidades e interesses vão mudando drastica-
de comunicação, a análise dos conteúdos
mente.
que serão explorados pode ser feita a partir
Alguns especialistas afirmam que o ce- dos interesses já demonstrados pelos alunos
nário ideal para as etapas da educação bási- como mídias sociais, sejam audiovisuais ou
ca realmente ser efetiva seria uma articulação escritas, páginas de jogos e videogames e
entre professores destas diferentes etapas. outras que despertam a curiosidade e interes-
se dos alunos que podem estimular os alunos
Embora a coletividade seja estimulada,
que já buscam por esses assuntos e oferecer
a escola deve ter um olhar individual para
aos alunos que não têm acesso à internet
cada aluno como sujeito histórico de seu
,mas têm ou terão interesse, afinal fazem par-
aprendizado e desenvolvimento, portanto,
te de seu cotidiano.
uma articulação e troca de informações so-
bre o desenvolvimento do aluno desde seu São muitas as formas com as quais a
ingresso na escola, ajudaria no processo de informação e a comunicação têm chegado
seu desenvolvimento com medidas e deci- aos usuários e dessa forma foram criados
sões em conjunto com vistas a aprimorar e gêneros que demandam estudo e observa-
diagnosticar aquilo que o aluno já sabe fazer, ção; a função social de cada formato digital
o que não consegue fazer, aquilo que faz com no ciberespaço ampliando a cibercultura e
ajuda de alguém e o que precisa aprender. promovendo o letramento digital para as no-
vas gerações.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 301
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ciberespaço é o espaço de comuni- dizado tornando raso e sem consistência seu


cação ,interação, troca e interação social , a uso das novas tecnologias, neste patamar a
vida online faz parte da rotina de grande parte escola emerge como promotora deste saber
da comunidade global, e embora haja uma e deste conhecimento avançado.
enorme quantidade de cultura digital a ser
Mas é preciso compreender que nem
explorada, jovens e crianças em sua grande
todas as escolas possuem recursos tecnoló-
maioria não possuem maturidade e capaci-
gicos, nem todas as crianças possuem aces-
dade suficientes para interpretar e decodificar
so à internet, nem todos que nasceram na
sozinhos , cabe ao professor /mediador se-
era digital necessariamente sabem, utilizam
lecionar os conteúdos que promovam o de-
computadores.
senvolvimento dos processos cognitivos para
a formação de conceitos, conteúdos que po- A IMPORTÂNCIA DOS ESTÍMULOS NA
dem ser explorados para desenvolver a me- PRIMEIRA INFÂNCIA
mória e o raciocínio, leitura e interpretação de
textos digitais, por exemplo. Os estudos já realizados por inúmeros
pesquisadores e especialistas da área da
A alfabetização digital é definida como educação já provaram que é por meio da in-
aquela em que o aluno é capaz de utilizar e teração social que o indivíduo se desenvol-
compreender os recursos das TiCs disponibi- ve e desenvolve habilidades e competência,
lizados de forma a agregar conhecimento, de- pois é um ser social. Desde os anos iniciais
senvolver potencialidades ,formar conceitos, o ser humano desenvolve suas habilidades
selecionar aquilo que é relevante e inovador linguísticas e a depender do estímulo que re-
daquilo que denigre, discrimina e ou diminui cebem quando chegam à escola podem ne-
e exclui o ser humano, ou seja , o aluno deve cessitar de estímulos e de mais interações
ser capaz de discernir o que lhe serve ou para caso contrário a falta de incentivo e estímulo
o desenvolvimento individual e coletivo. pode acarretar em aumento das desigualda-
des sociais.
O mundo digital passa por contínuas
mudanças, inovações e transformações, usu- No Planejamento Político Pedagógico, o
ários da rede de internet apropriam-se destas ato de ler para as crianças, promover rodas
ferramentas e fazem uso das novas tecno- de conversa e o estímulo para que reflitam
logias em diversas áreas , as crianças e os e debatam sobre assuntos de seu cotidiano
jovens, em especial, nascidos na era digital são recursos de grande valia para o desen-
demonstram familiaridade muito maior com volvimento da linguagem. A missão da escola
todos os recursos, ao contrário da educação consiste ainda em sensibilizar a comunidade
que migrou posteriormente para a era digital escolar sobre a importância de ampliar o uni-
torna-se realmente um desafio assim como verso dos educandos com a continuidade das
para os educadores. ações da escola no estímulo à linguagem,
expressão, opinião, e outras formas de ser e
Os nascidos na era digital teoricamente
estar no mundo.
são extremamente criativos e possuem uma
sabedoria inata quando se trata de navegar na O ato de ensinar a ler e escrever con-
internet, utilizar recursos, criar, produzir e re- sidera as várias dimensões no processo de
produzir, descobriram ainda que podem obter aprendizagem: cognitiva, emocional, social,
informações sobre qualquer assunto, porém, cultural. No ensino da leitura e da escrita é
muitas vezes, o jovem não se apropria daquilo preciso que as crianças não só decifra o có-
que realmente é importante para seu apren- digo, mas que, inicialmente o educando pre-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 302
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

cisa compreender que a escrita possui regras lho Nacional de Educação, a implementação
próprias e sons diferenciados, neste momento da Base Nacional Comum Curricular nos es-
o processo de aprendizagem será facilitado tados e municípios brasileiros, e programas
se a criança já teve contato com a leitura de de alfabetização em vários estados como no
histórias e desenvolveu sua capacidade cog- Espírito Santo, Ceará e Pernambuco.
nitiva mínima para atribuir sentido aos sons e
Entretanto, ainda no ano de 2019 o Pro-
fazer a correlação entre a escrita ampliando
grama Todos pela Educação do governo fede-
seu vocabulário também.
ral publicou um relatório com estudos sobre a
As estratégias de ensino voltadas para frequência escolar dos estudantes brasileiros
a alfabetização e letramento não se resumem nada satisfatório e muito preocupante: aproxi-
a apenas saber ler e escrever pois as deman- madamente 329 mil crianças entre 4 e 5 anos
das da sociedade continuam em mudança de idade estavam fora da escola, porém, mais
constante e dessa forma, é preciso oferecer preocupante ainda é a causa apontada pelos
aos alunos os gêneros textuais e tipologias pais e responsáveis: 45% das crianças estão
textuais que circulam na sociedade em vários fora da escola simplesmente porque não exis-
suportes tais como as ferramentas da tecno- tem escolas ou vagas em sua região.
logia da informação e comunicação em dife-
Os dados coletados entre adolescentes
rentes contextos.
de 15 a 17 anos, faixa etária que tem pre-
Portanto, alfabetizar e letrar no século vista a obrigatoriedade de frequentar a es-
atual ganhou uma abrangência maior, decifrar cola, indicam que vários fatores levam a não
o código alfabético não é suficiente, o aluno frequência por parte dos jovens tais como o
precisa entender o que lê, sabe escrever e desinteresse, necessidade de trabalhar para
se expressar de maneira autonomia seguindo sustentar a família, gravidez precoce e uma
os padrões da língua, portanto, requer o do- parcela menor tem afazeres domésticos e cui-
mínio e o desenvolvimento de habilidades e dados com irmãos menores delegados por
competências leitora e escritora para uso nas seus pais que trabalham fora.
práticas sociais.
A parcela dos estudantes que estão
A QUALIDADE DO ENSINO NO BRASIL matriculados e frequentam a escola também
revela dados que mostram que a educação
Em 2013, a consultoria Economist Intelli- não atinge seus objetivos pois o atraso esco-
gence Unit, realizou uma pesquisa no sistema lar e baixo desempenho estão presentes em
de ensino no Brasil e constatou que o Brasil 24% dos alunos do ensino fundamental, por
está em penúltimo lugar em um ranking sobre exemplo. No ensino médio, apenas 9% dos
qualidade da educação no país. Dados de alunos possuem habilidades e competências
2019, porém indicam que a educação avan- desenvolvidas suficientemente adequadas em
çou em qualidade ainda que em pequenos matemática e língua portuguesa, por exemplo.
passos, porém, ainda é insuficiente e insatis-
fatório o desempenho escolar em um país em Na últimas décadas, o Brasil conseguiu
que são investidos milhões, segundo o MEC. universalizar o ensino, porém, os avanços na
qualidade do ensino foram poucos ou não evo-
Ministério da Educação e Cultura que luíram a um patamar de excelência, os estu-
listou em um relatório alguns aspectos positi- dantes encontram dificuldades diversas ao sair
vos com iniciativas que deram resultado tais da escola, além de não concluírem os estudos
como as novas diretrizes curriculares visando na idade indicada, não possuem a consolida-
a formação inicial de professores pelo Conse- ção dos estudos de forma desejável.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 303
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em 2020, as expectativas para o ensino Se a educação enfrentava desafios an-


eram grandes; O Programa Todos pela Edu- teriormente, durante a pandemia eles aumen-
cação inaugurou o Relatório Anual de Acom- taram e dessa vez, se ampliaram para outras
panhamento da Educação a fim de subsidiar dimensões. Nem todos os alunos, ou grande
as ações e estratégias para o alcance de re- parte deles não possuem acesso à rede de
sultados melhores, embora a discussão atual internet, requisito mínimo para acesso às au-
gire em torno de um aumento do percentual las virtuais, somando-se à falta de computa-
que é direcionado ao Fundeb que funcionaria dores, falta de preparo dos profissionais de
como mais um fomento para a melhoria da educação para atuar em meios digitais e con-
qualidade da educação. sequentemente deflagrando uma crise maior
ainda nos próximos anos para a educação
Porém, o surgimento da pandemia
brasileira.
causada pela COVID-19 impactou o mundo
e muitos setores da sociedade que alimen- Muitas pesquisas e sondagens foram
tavam expectativas de crescimento tiveram feitas nos últimos meses a fim de obter da-
seus planos adiados e ou frustrados. dos sobre o andamento das aulas virtuais
e os professores e envolvidos no processo
O isolamento imposto às pessoas trou-
de ensino e aprendizagem apontaram como
xe mais desafios para alunos e professores
grandes desafios a elaboração e organização
no Brasil e junto com os desafios a certeza
de materiais digitais, o despertar dos alunos
de que o ano de 2020 estagnou o ensino em
para essa nova maneira de aprender.
várias regiões do país sem acesso à internet e
sem programas de emergência para continui- É possível depreender do quadro atual
dade dos estudos de milhões de educandos que se desenhou a partir da pandemia do
aumentando assim a desigualdade social. Covid-19 que a desigualdade social que já
imperava pela falta de acesso às novas tecno-
A rotina das pessoas foi alterada com a
logias pelas camadas mais pobres e alunos fi-
adoção de medidas como o isolamento social
cou mais evidente do que nunca. O professor
e quarentena para que o vírus não se espa-
em sala de aula já enfrentava estes desafios,
lhasse mais ainda e vitimasse mais pessoas,
mas, heroicamente, lançava mãos de outros
situação que perdura e está voltando, inclusi-
recursos que preenchessem as lacunas dei-
ve no Brasil, comércios e serviços foram fe-
xadas pela falta de letramento digital e acesso
chados e milhões de brasileiros perderam o
às tecnologias da informação e comunicação
emprego e a renda.
nas escolas. Fica evidente que a qualidade
Grande parte dos setores da economia do ensino ficou mais comprometida e o mun-
foram afetados com a quarentena imposta, e do da educação pós pandemia necessita de
com a educação não foi diferente. Em busca ações de reestruturação do sistema para bus-
de soluções para que os alunos fossem inte- car resultados mais promissores na educação
grados à educação virtual e assim evitassem brasileira.
a aglomeração nas escolas o que acarreta-
ria um aumento de contaminação pela Covid
149, governos estaduais e municipais se or-
ganizaram, se reinventaram, implementaram
ações e estratégias para professores e alunos
em plataformas como o Teams da Microsoft,
calendários escolares e cargas horárias míni-
mas foram readequados.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 304
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A universalização da educação no Brasil foi um avanço essencial para a melhoria da
qualidade do ensino. Porém, os índices de analfabetismo no país e o desempenho insatisfa-
tório dos educandos continua sendo um dos maiores desafios da educação brasileira.
O letramento e a alfabetização por serem indissociáveis agora tende a se readequar para
além de decifrar códigos e sons, sua proficiência deve também abarcar o letramento digital
como demanda social e assim propiciar ao aluno oportunidades fora dos muros da escola
que são exigidas pelas práticas sociais.
Ler e compreender o que lê e dar sentido aos textos ainda é uma habilidade que a
maioria dos estudantes brasileiros não domina, os números de desempenho em matemática
são piores. Alunos que ingressam em faculdades e universidades estão Cada vez mais des-
preparados pois não desenvolveram as proficiências de leitura e escrita básicas.
A formação de professores é voltada para a disseminação de conteúdos e várias esco-
las estão desprovidas de rede de internet e computadores, consequentemente há agora uma
exclusão digital que aumenta as diferenças e as desigualdades sociais já existentes no país.
Portanto, especialmente no contexto histórico pós pandemia, a inserção de programas
e projetos por parte dos governos locais e do governo federal é urgente, a formação de pro-
fessores requer uma capacitação voltada para os alunos que não tiveram acesso à educação.
O letramento e a alfabetização devem capacitar os alunos para enfrentar e superar as dificul-
dades que a sociedade impõe aos indivíduos que nela atuam.
Saber ler e escrever com proficiência empodera os cidadãos de criticidade, autonomia
e torna-os capazes de atuar em sociedade exercendo seus direitos e deveres bem como ca-
pacita-os para colocar em prática as habilidades e competências como empatia, trabalho em
equipe e resiliência tão requisitados no mundo atual.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 305


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BORTONI-RICARDO, Stella M: MACHADO, Veruska R.; CASTANHEIRA, SALETE f. Formação do professor como
agente letrador. São Paulo: Contexto, 2013.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei nº 9694,20 de dezembro de 1996.

FOGAÇA, Azuete. Educação e Qualificação Profissional nos anos 90: o discurso é fato. In: Oliveira, Dalila Andra-
de: Duarte, Marisa RT> (Org.). Política e Trabalho na escola: administração dos sistemas públicos de educação
básica. Belo Horizonte: Autêntica, 2001, p. 55-69.

MOYSÉS, L. M. O desafio de saber ensinar. 2. ed., Campina: Papirus; Rio de Janeiro: Editora da Universidade
Federal Fluminense, 1995.

SAVIANI, Demerval. Escola e Democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação e
política. São Paulo: Cortez,1987.

SOARES, Magda. Alfabetização e Letramento. São Paulo: Contexto, 2015.

VALENTE, J. A. O computador na sociedade do conhecimento. Coleção Informática na Educação. São Paulo/SP.


1991.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 306


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Matemática pela UNG - UNIVERSIDADE


GUARULHOS (2006); Graduada em Pedagogia Pela
FALC (2014); Professora de Educação Infantil no
CÉU CEMEI Direto São Miguel.

GISELE
ROCHA DE ANDRADE

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 307
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PAPEL DA AFETIVIDADE NO ENSINO FUNDAMENTAL

RESUMO: Considerando a criança como sujeito histórico e social, o presente artigo procurou
compreender como ocorre o processo de desenvolvimento afetivo e a construção de vínculos dessa
natureza no Ensino Fundamental. Por meio de uma reflexão sobre as fases do desenvolvimento
humano, os conceitos de afetividade e a construção de vínculos, foi possível analisar como a
cognição e o afeto operam juntos, e que a escola, mais precisamente o professor, como agente
mediador, converge não só para as apropriações do meio externo ou para os aspectos relativos à
cognição, mas em muito contribui para as apropriações de aspectos ligados à afetividade, sendo
esta última tão importante quanto a primeira, consolidando assim a necessidade de o professor
considerá-las na sala de aula.

Palavras-chave: Afetividade; Desenvolvimento Humano; Ensino Fundamental.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 308


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
ste artigo tem como finalidade refletir sobre a importância das relações afetivas
dentro da sala de aula envolvendo professor e aluno das séries iniciais. Sabe-se
que a criança na Educação Infantil está inserida em um contexto voltado à área
afetiva e ao iniciar o Ensino Fundamental o tratamento recebido está pautado em atividades
obrigatórias de leitura e escrita, ficando a parte afetiva para segundo plano.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 309


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONCEPÇÕES DE JEAN PIAGET SOBRE Dois mecanismos são acionados para al-
O DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA cançar um novo estado de equilíbrio. O
primeiro recebe o nome de assimilação.
Jean Piaget (1896-1980), estudioso in- Através dele o organismo – sem alterar
teracionista formado em Biologia e Filosofia, suas estruturas – desenvolve ações des-
tinadas a atribuir significações, a partir da
dedicou-se a investigar a construção do co-
sua experiência anterior, aos elementos
nhecimento. Estudou cuidadosamente a for- do ambiente com os quais interage. O
ma pela qual as crianças construíam seus outro mecanismo, através do qual o or-
conhecimentos lógicos, com a finalidade de ganismo tenta restabelecer um equilíbrio
compreender a evolução e desenvolvimento superior com o meio ambiente, é chama-
do conhecimento humano (DAVIS; OLIVEIRA, do de acomodação. Agora, entretanto, o
1994). organismo é impelido a se modificar, a se
transformar para ajustar às demandas im-
As crianças possuem características fí- postas pelo ambiente (DAVIS; OLIVEIRA,
sicas diferenciadas, sua cidade ou local tam- 1994, p. 38).
bém podem ser distintos, mesmo assim elas
O desenvolvimento psíquico tem início
possuem características universais como a
desde o momento do nascimento da criança,
maneira como nascem, a fragilidade e desen-
terminando somente na fase adulta, onde este
volvimento.
indivíduo está totalmente desenvolvido pela
De acordo com Davis e Oliveira (1994) maturação dos seus órgãos, porém observa-
a noção de equilíbrio é o alicerce da teoria de -se o fato que este desenvolvimento psíquico
Piaget, pois qualquer organismo que possui dá-se por meio do equilíbrio, considera Pia-
vida relaciona-se com o meio em que vive get. Ainda, sobre o desenvolvimento mental
por meio da tentativa de manter um estado da criança, acrescenta:
de equilíbrio, superando as perturbações sur-
O desenvolvimento, portanto, é uma equi-
gidas no decorrer das etapas a serem segui- libração progressiva, uma passagem con-
das. Dessa forma, o desenvolvimento cogniti- tínua de um estado de menor equilíbrio
vo ocorre por meio de diversos desequilíbrios para um estado de equilíbrio superior. As-
e equilibrações, ou seja, diante de uma nova sim, do ponto de vista da inteligência, é
situação, o indivíduo pode entrar em estado fácil se opor a instabilidade e incoerência
de desequilíbrio. relativas das ideias infantis à sistematiza-
ção de raciocínio adulto (PIAGET, 2007,
Sendo assim, o próprio Piaget (2007) p. 13).
relata que:
O funcionamento psicológico das crian-
A cada instante, pode-se dizer que a ação ças é diferente dos adultos, por isso Piaget
é desequilibrada pelas transformações investigou sobre como, através de quais me-
que aparecem no mundo, exterior ou in-
canismos, a lógica das crianças se transfor-
terior, e a cada nova conduta vai funcio-
nar não só para restabelecer o equilíbrio, ma na lógica do adulto (DAVIS; OLIVEIRA,
como também para tender a um equilíbrio 1994). Porém, de acordo com Piaget (2007),
mais estável que o do estágio anterior a este desenvolvimento quando é atingido to-
esta perturbação (PIAGET, 2007, p.16). talmente na fase adulta dá início a uma nova
fase, a de regressão, pois este indivíduo en-
Ainda para Piaget, segundo Davis e Oli- contra-se na fase da velhice, e na criança este
veira (1994), para que aconteça uma nova desenvolvimento é contínuo.
equilibração, dois fatores são necessários:
assimilação e acomodação:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 310


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Portanto: pois possibilitará mudanças nos aspectos afe-


[...] o desenvolvimento mental é uma
tivos, intelectual e social da criança, havendo
construção contínua, comparável à edifi- assim um desenvolvimento do seu pensamen-
cação de um grande prédio que, à me- to. No início do período, nota-se que a crian-
dida que se acrescenta algo, ficará mais ça ainda não domina totalmente a linguagem,
sólido, ou à montagem de um mecanismo pois parte do seu repertório verbal por meio
delicado, cujas fases gradativas de ajus- da imitação, ressaltando também que ela ain-
tamento conduziram a uma flexibilidade e da não possui o conceito de número nesta
uma mobilidade das peças tanto maiores etapa de seu desenvolvimento (BOCK; FUR-
quanto mais estáveis se tornassem o equi- TADO; TEIXEIRA, 2002).
líbrio. Mas, é preciso introduzir uma impor-
tante diferença entre esses dois aspectos Sobre a linguagem, um meio de comuni-
complementares deste processo de equi- cação de fundamental importância para os seres
libração. Devem-se opor, desde logo, as humanos, o próprio Piaget (2006) relata que:
estruturas variáveis – definindo as formas
ou estados sucessivos de equilíbrio – a A aquisição da linguagem, tornada aces-
um certo funcionamento constante que sível nesses contextos de imitação, cobre
assegura a passagem de qualquer esta- finalmente o conjunto do processo, asse-
do para o nível seguinte (PIAGET, 2007, gurando um contato com outrem muito
p. 14). mais vigoroso do que a simples imitação
e permitindo, portanto, à representação
Para o autor, estas estruturas variáveis nascente aumentar os seus poderes
são as formas pelas quais há a organização apoiada na comunicação (PIAGET, p. 55).
mental, sendo elas estabelecidas em dois
aspectos: motor ou intelectual de um lado e Nesta fase, o pensamento da criança
afetivo do outro, mas com duas dimensões: é diferente dos adultos, pois é marcado por
individual e social. No entanto, em cada está- um egocentrismo, ou seja, a criança parte
gio nota-se o aparecimento de características do princípio que tudo ao seu redor está re-
relacionadas com o período desta passagem lacionado a ela, centrado no seu próprio eu,
sendo que pode-se diferenciá-los dos está- não conseguindo colocar-se no lugar do ou-
gios anteriores por possuírem estruturas pró- tro, perpetuando assim até o final do período
prias em cada nível. (DAVIS; OLIVEIRA, 1994).

De acordo com Piaget (2007), a criança Segundo as autoras, este egocentrismo,


passa por quatro etapas de desenvolvimento como é denominado por Piaget, caracteriza tam-
e a cada fase são adquiridas novas estrutu- bém o aspecto afetivo com o predomínio dos
ras cognitivas. As etapas propostas por Pia- sentimentos interindividuais. O fato de a criança
get são as seguintes: Sensório-motora (0 a 2 desta etapa estar centrada em si mesma acaba
anos); Pré-operatória (2 a 7 anos); Operatório- dificultando também o trabalho em grupo. As-
-concreta (7 a 11/12 anos) e Operatório-for- sim sendo, de acordo com Piaget (2007):
mal (11/12 anos em diante). No entanto, con- Com o aparecimento da linguagem, as
siderando a faixa etária em destaque nesta condutas são profundamente modificadas
pesquisa serão priorizadas as características no aspecto afetivo e no intelectual. Além
da criança ao final do período pré-operatório de todas as ações reais ou materiais que
e início do operatório-concreto. é capaz de efetuar, como no curso do
período precedente, a criança torna-se,
Período Pré-operatório (2 a 7 anos): graças à linguagem, capaz de reconstituir
suas ações passadas sob formas narra-
No segundo estágio definido por Jean tivas, e de antecipar suas ações futuras
Piaget, o aparecimento da linguagem desta- pela representação verbal (PIAGET, 2007,
ca-se como um fator de extrema importância, p. 24).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 311


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A criança do pré-operatório tem seu PERÍODO OPERATÓRIO-CONCRETO (7 A


pensamento baseado na percepção imediata, 11/12 ANOS)
não tendo ainda a noção de reversibilidade,
ou seja, “[...] a criança não é capaz de perce- Nesse período, a criança começa a de-
ber que é possível retornar, mentalmente, ao senvolver a construção da lógica, o que lhe
ponto de partida” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, permite perceber pontos de vista diferentes,
p. 43). saindo do egocentrismo intelectual e social
que caracterizavam a fase anterior. Portanto,
No aspecto afetivo, nesta etapa, as com esta superação a criança possuirá uma
crianças utilizam-se dos sentimentos de an- nova habilidade intelectual, que é a capaci-
tipatia e simpatia. “A simpatia, então, de um dade mental de coordenar as operações, po-
lado supõe uma valorização mútua e, de outro, rém com objetos concretos que podem ser
uma escala de valores comuns que permitem manipulados ou que já tenham conhecimento
trocas”. Com isso, as crianças demonstram (BOCK; FURTADO; TEIXEIRA, 2002).
simpatia principalmente àquelas pessoas Sendo assim, as crianças conseguem
com as quais elas se identificam (PIAGET, por meio do pensamento:
2007, p. 38). Porém “[...] a antipatia nasce da
- estabelecer corretamente as relações de
ausência de gostos comuns e da escala de causa e efeito e de meio e fim;
valores comuns” (Ibidem).
- sequenciar ideias ou eventos;
As crianças começam a desenvolver o
- trabalhar com ideias sob dois pontos de
juízo moral, com o aparecimento dos primei-
vista, simultaneamente;
ros sentimentos morais como o amor, temor,
respeito e obediência. As crianças na fase - formar o conceito de número (no início
pré-operatória demonstram respeito pelos do período, sua noção de número está
pais ou pessoas mais velhas, ou seja, indiví- vinculada a uma correspondência com o
objeto concreto (BOCK; FURTADO; TEI-
duos que julgam superiores e a eles obede- XEIRA, 2002, p. 104).
cem, é a moral da obediência (BOCK; FUR-
TADO; TEIXEIRA, 2002). Nesta fase, “[...] o pensamento é rever-
sível: o sujeito pode retornar mentalmente, ao
Nesse sentido, Piaget (2007, p. 53) re- ponto de partida” (DAVIS; OLIVEIRA, 1994, p.
lata que “[...] os sentimentos morais se ori- 43). Ao coordenar as operações esta criança
ginam do respeito unilateral da criança em irá adquirir uma noção de conservação, ca-
relação a seus pais, ou ao adulto, e também racterística do período das operações.
como esse respeito estabelece a formação
A relação afetiva entre os sujeitos en-
de uma moral de obediência ou heteronomia”. volvidos no processo ensina-aprender, o
Observa-se que a criança não possui exercício do diálogo, o fazer compartilhado,
autonomia, aceitando tudo o que lhe é impos- o respeito pelo outro, o estar aberto, o saber
to. Porém, por meio da cooperação, aparece escutar e dizer configura-se como elementos
um novo sentimento, o respeito mútuo, que a de fundamental importância para a aprendi-
criança nutre pelos amigos: zagem.

[...] o respeito mútuo conduz a formas no-


É imprescindível, então, que no contex-
vas de sentimentos morais, distintas da to escolar trabalhemos a articulação afetivi-
obediência exterior inicial. Podem citar, dade-aprendizagem nas mais variadas situ-
em primeiro lugar, as transformações re- ações, considerando-a como essencial na
ferentes ao sentido da regra, tanto a que prática pedagógica e não a julgando como
liga as crianças entre si, como aquela que simples alternativa da qual podemos lançar
as une ao adulto (Ibidem). mão quando queremos fazer uma “atividade
diferente” na escola.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 312
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONTRIBUIÇÕES DE Portanto, é essencial analisar o estado


VYGOTSKY E HENRI WALLON psicológico da criança, pois as atividades têm
PARA A COMPREENSÃO DO que assumir uma coerência com ele, de ma-
DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA neira que o educador deve propor desafios
que a criança poderá realizar, com a sua me-
Para Vygotsky, o funcionamento psico- diação. “Assim como o adulto, uma criança
lógico depende das relações sociais e media- também pode funcionar como uma mediado-
ções estabelecidas entre o indivíduo e o meio ra entre uma outra criança e as ações e sig-
onde vive. Acredita que o homem se constitui nificados estabelecidos como relevantes no
na relação com o outro e socialmente. Para interior da cultura” (OLIVEIRA, 1993, p. 64).
ele, acrescenta que a criança não é consi-
derada como um ser passivo, mas sim um Diante desse fato, o educador deverá
ser ativo em pleno desenvolvimento. Assim analisar quais habilidades já possuem para
sendo, de acordo com Davis e Oliveira (1994, assim perseguir nos próximos aprendizados.
p. 54): A origem das construções cognitivas está pro-
fundamente vinculada às interações sociais,
Para Vygotsky, em resumo, o processo nas quais a cooperação e a colaboração via-
de desenvolvimento nada mais é do que bilizam o desenvolvimento nas atividades co-
a apropriação ativa do conhecimento dis-
letivas.
ponível na sociedade em que a criança
nasceu. É preciso que ela aprenda e inte- Aquele que está em processo de apren-
gre em sua maneira de pensar o conhe- dizagem deve entrar em contato com o mundo
cimento da sua cultura. O funcionamento
da escrita por meio das práticas sociais. Essa
intelectual mais complexo desenvolve-se
graças a regulações realizadas por outras
é a maneira de provocar educação a partir
pessoas que, gradualmente, são substi- da percepção e não apenas de conceitos, de
tuídas por auto-regulações [...] (DAVIS; forma que o saber possa ser construído ati-
OLIVEIRA, 1994, p. 54). vamente, ao serem incorporadas informações
que serão assimiladas significativamente.
De acordo com o autor, a criança passa
por todos estes níveis de desenvolvimento, Vygotsky (1998) afirma que é através
sendo que este processo está em constante da interação com outros membros da cultura
mudança, pois quando uma criança se en- que o homem interioriza as formas sócio-his-
contra em uma determinada atividade não toricamente estruturadas do desenvolvimento
conseguindo realizá-la ela está no nível de psicológico. Os conceitos que a sociedade
desenvolvimento potencial. atribui às palavras variam e devem ser consi-
derados em suas transformações.
De acordo com Vygotsky (1998) o de-
senvolvimento da aprendizagem tem uma rela- Segundo Oliveira (1993), quando um
ção intensa com a Zona de Desenvolvimento educador faz intervenções com os seus alu-
Proximal, pois os seres humanos necessitam nos, vários avanços psicológicos poderão
de estímulos culturais para o desenvolvimento ocorrer, pois estas mediações articulam a
da aprendizagem: aprendizagem no desenvolvimento psicológi-
co da criança. Esse ensino mediado por ins-
[...] É na zona de desenvolvimento proxi-
trumentos e signos só ocorrem com o contato
mal que a interferência de outros indivídu-
os é a mais transformadora. Processos já direto entre as pessoas.
consolidados, por um lado, não necessi-
tam de ação externa para serem desenca-
deados; processos ainda nem iniciados,
por outro lado, não se beneficiam dessa
ação externa (OLIVEIRA, 1993, p. 61).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 313
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONCEITOS DE HENRI WALLON Professores e pais são recipientes de


fantasias, emoções, impulsos, agressividade,
Assim como Jean Piaget, Henri Wallon angústias, medos. O conforto e a estimula-
também descreve o desenvolvimento da ção oferecidos por esses dois agentes im-
criança dividido em etapas. Na concepção prescindíveis no desenvolvimento da criança
walloniana são destacadas cinco etapas: Im- irão viabilizar um processo mais prazeroso,
pulsivo-emocional (0 a 1 ano); Sensório-motor tranquilo e propenso ao sucesso. Para isso,
e projetivo (1 a 3 anos); Personalismo (3 a é necessário estar atento à criança como um
6 anos); Categorial (6 a 11/12 anos) e Pu- todo, inclusive às suas necessidades emocio-
berdade e adolescência (a partir dos 11/12 nais e físicas.
anos). A passagem de um estágio para outro
é marcada por rupturas, retrocessos e revira- O desenvolvimento cognitivo acontece
voltas (GALVÃO, 2008). paralelamente ao social, e um age diretamen-
te sobre o outro, influenciando de maneira
Para Wallon (2007), a criança ainda ne- positiva ou negativa, proporcionando novas
cessita do auxílio dos pais, porém como não perspectivas, novos estímulos, novas reações,
é possível a presença constante da família novos caminhos e novos desafios a todo mo-
na escola, a criança busca no educador o mento para a criança.
afeto que necessita. Diante deste contexto as
crianças se agrupam seja nas salas de aula Todo ambiente de convívio é espaço de
ou nas brincadeiras, mas nem sempre esses aprendizagem, inclusive no que diz respeito
grupos são iguais, pois elas não estão mais à aquisição da escrita. Códigos diversos ro-
na fase de que tudo é voltado unicamente em deiam a criança o tempo todo em todos os
um sentido podendo ser mudado a qualquer âmbitos de sua vida, mediando sua relação
instante. com o meio por meio da linguagem que pri-
meiramente se apresenta apenas como ex-
Nos anos iniciais da fase escolar, a pressão oral, seguida pela possibilidade de
criança entra em contato com diversos novos registro gráfico.
códigos, com representações e com organi-
zações que precisa compreender e assimilar. Dessa forma, é necessário estar atento
É um salto muito grande em seu desenvolvi- ao modo como a criança é assistida no pro-
mento e precisa estar vinculado com o corre- cesso de contato e internalização da escrita,
to direcionamento do mesmo para que ocorra levando em consideração fatores decisivos
de maneira satisfatória e produtiva. que influenciarão diretamente no progresso
e no sucesso da experiência.
O meio oferece muita resistência e exi-
gências, nesse período, dificulta a iniciação Considerando a atuação na área edu-
da criança nesse novo universo. A estimula- cativa e o pleno desenvolvimento dos alunos
ção psicossocial é necessária para que as como meta, cabe investigar se a afetividade
demandas impostas pelo meio não surtam está presente na ação pedagógica entre pro-
efeito negativo na criança. fessor e aluno e se esse afeto contribui para
o processo de aprendizagem. Assim sendo, o
Fatores de saúde, intelectuais, emocio- próximo capítulo abordará o tema afetividade
nais, comportamentais, familiares, contatos na visão de vários autores.
com outras crianças, oscilações físicas e psi-
cológicas, questões sociais e tantos outros
aspectos podem influenciar o aluno que está
em processo de adaptação ao novo meio, em
que ele precisa entender seu papel e como
desempenhá-lo.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 314
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O CONCEITO DE AFETIVIDADE questão afetiva necessita de maior atenção


no que se refere às relações entre as pesso-
Ao se conceituar afetividade percebe- as. Nessa fase começam a surgir os primeiros
-se que existem várias definições sobre o seu sentimentos morais (amor, temor, respeito e
significado. Entre as várias conceituações, Ri- etc.), sendo estes sentimentos imprescindí-
beiro (2010, p. 403) define afetividade como veis para a determinação de uma moral he-
“[...] atitudes e valores, comportamento moral terônoma, pois se sabe que a criança heterô-
e ético, desenvolvimento pessoal e social, mo- noma aceita as regras sem questionamentos
tivação, interesse e atribuição, ternura, interre- (SOUZA, 2003).
lação, empatia, constituição da subjetividade,
sentimentos e emoções”. Segundo a autora, Para Vygotsky, não há separação entre
a afetividade é fundamental para que um am- a afetividade e o cognitivo, pois eles estão in-
biente escolar seja apropriado no sentido de terligados entre si, fato que o autor critica a pe-
promover a aprendizagem dos alunos. dagogia tradicional em separar a afetividade
da cognição. Diante disso, Vygotsky entende
Segundo o Dicionário Aurélio da Língua a afetividade como fator de contribuição para
Portuguesa (FERREIRA, 2004, p. 61): o desenvolvimento do indivíduo, ressaltando
Afetividade. [De afetivo + - (i) dade.] S.f.1. que o ser humano se desenvolve na interação
qualidade ou caráter afetivo. 2. Psic. Con- com o meio social e cultural, para ele, afetivi-
junto de fenômenos psíquicos que se dade e as emoções desenvolvem-se desde o
manifestam sob a forma de emoções, nascimento (OLIVEIRA; REGO, 2003).
sentimentos e paixões, acompanhadas
sempre dá impressão de dor ou prazer, A afetividade, para Wallon, é um fator
de satisfação ou insatisfação, de agrado primordial para o desenvolvimento dos seres
ou desagrado, de alegria ou tristeza (FER- humanos, assim sendo, conforme consideram
REIRA, 2004, p. 61). Almeida e Mahoney (2009), na concepção
walloniana a afetividade pode ser definida da
De acordo com Davis e Oliveira (1994)
seguinte forma:
a afetividade caracteriza-se em amor, ódio,
tristeza, alegria ou medo, sensações que le- Refere-se à capacidade, à disposição do
vam o indivíduo a afastar-se ou aproximar-se ser humano de ser afetado por ser afetado
das pessoas, ou vivenciar novas experiências. pelo mundo externo e interno por meio de
Nesta perspectiva o afeto inclui expressão e sensações ligadas à tonalidade agradá-
veis ou desagradáveis. A teoria apresenta
linguagem, como: sorrisos, gritos, lágrimas,
três momentos marcantes, sucessivos, na
olhar e rosto triste, boca fechada e sobrance- evolução da afetividade: emoções, senti-
lhas caídas, são algumas expressões que co- mentos e paixão (ALMEIDA; MAHONEY,
municam os sentimentos dos seres humanos. 2009, p. 17).
Em seus estudos, Piaget abordou as re- Nesse sentido, Wallon considera a afe-
lações entre afetividade, cognição e relações tividade um fator essencial para o desenvolvi-
sociais, para melhor entender a gênese da mento da inteligência na criança, sendo que
moral (construção de valores e sentimentos). ao nascer o primeiro contato que a criança
Ele defende que a construção de valores, tem com o meio social, é por meio dessa
considerando esses elementos afetivos como interação que se dá sua sobrevivência, por
essenciais para explicar o desenvolvimento depender exclusivamente do outro (WALLON,
cognitivo (SOUZA, 2003). 2007).
Tendo como base os estágios de de- De acordo com Souza (2003), Piaget
senvolvimento propostos por Piaget, a autora utiliza-se de muitos aspectos para explicar
destaca que no estágio pré-operatório esta sua teoria sobre afetividade e cognição, no
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 315
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

entanto, aqui serão descritos apenas aspec- Nesse sentido, percebe-se que o afe-
tos que são necessários para a compreensão to está presente na relação professor-aluno,
da atividade no âmbito escolar, em especial mesmo que não haja contato físico entre eles
nas séries iniciais. como os beijos e abraços, pois o educador
capaz de ouvir seus alunos, conversar com
Almeida e Mahoney (2009) à luz da te-
eles e respeitá-los em suas especificidades
oria walloniana, ressaltam que em suas aná-
também está demonstrando uma forma de
lises com crianças do Ensino Fundamental I,
afeto.
observaram que os alunos demonstram sen-
timentos positivos (tranquilidade, entusiasmo, Ter a afetividade e a aprendizagem
confiança, alegria e prazer), associados ao como tema implica enveredar por um caminho
que sentem pelos educadores. Isso reforça a intrigante que envolve processos psicológicos
importância que os professores têm em de- difíceis de serem percebidos e desvendados.
sempenhar uma relação de afeto com os dis- Apesar da existência de teorias e reflexões a
centes, provocando neles diferentes reações: respeito do tema, a escola continua priorizan-
Há ainda que se destacar a necessida-
do o conhecimento racional em detrimento
de de atentar e refletir sobre a afetividade das relações afetivas. Vivemos uma cultura
presente no processo de ensino-aprendi- que desvaloriza as emoções, e não vemos o
zagem, bem como a de estarmos sem- entrelaçamento cotidiano entre razão e emo-
pre muito atentos ao que nossos alunos ção, que constitui o viver humano, e não nos
e nossas alunas têm a dizer. Ouvi-los (as) damos conta de que todo sistema racional
falar sobre suas vivências e seus senti- tem um fundamento emocional.
mentos na escola constitui-se num dife-
rencial deste estudo, que mostrou que É imprescindível que no contexto es-
as crianças têm muito a comunicar e a colar se trabalhe a articulação afetividade-
informar, de forma autêntica e enriquece- -aprendizagem nas mais variadas situações,
dora. A possibilidade de se expressar de considerando-a como essencial na prática
forma tão espontânea e verdadeira, como pedagógica e não a julgando como simples
ocorreu, permitiu penetrar nesse universo
alternativa da qual podemos lançar mão quan-
afetivo e perceber o quanto a educação,
hoje, precisa aprender ou saber lidar com
do queremos fazer uma “atividade diferente”
ele (SAUD, 2009, p. 41). na escola. Essa articulação deve ser uma
constante busca de todos que concebem o
Saud (2009) baseada na teoria de espaço escolar como lócus privilegiado na
Wallon afirma que são diversos os fatores que formação humana.
contribuem para o ensino e aprendizagem,
dentre eles está o envolvimento entre os alu- A afetividade não se restringe apenas
nos e professores e nesse envolvimento estão ao contato físico. Conforme a criança vai se
o respeito mútuo mantido uns pelos outros, a desenvolvendo, as trocas afetivas vão ga-
confiança, a segurança, o carinho, a admira- nhando complexidade. Adequar a tarefa às
ção e a tranquilidade, enfim, um ambiente pra- possibilidades do aluno, fornecer meios para
zeroso capaz de propiciar o desenvolvimento que realize a atividade confiando em sua ca-
da criança em todos os aspectos. pacidade, demonstrar atenção às suas dificul-
dades e problemas, são maneiras bastante
refinadas de comunicação afetiva.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 316


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo propiciou uma reflexão sobre a importância de estabelecer vínculos
afetivos entre professor e aluno, pois nota-se o quanto a afetividade facilita no processo de
aprendizagem dos discentes, principalmente nas séries iniciais.
Cabe à escola esforçar-se para proporcionar um ambiente estável e seguro, onde as
crianças se sintam bem, porque nessas condições a atividade intelectual fica facilitada. Nesse
sentido, alguns pontos que se julgam centrais para a compreensão do desenvolvimento afetivo
e de seu papel na aprendizagem, devem ser discutidos.
Na escola, a relação com o professor é o eixo de todas as relações e produções. Por
um lado, a criança busca nele a referência adulta e confiança que ficou de fora, quando ela
entrou para escola. Por outro lado, o professor é quem representa a instituição, com seu saber
e suas leis.
O aluno tem de ver o professor não somente como alguém que vai lhe transmitir conhe-
cimentos e preocupado com as explicações sobre determinado conteúdo, mas como alguém
que, comprometido com a ação que realiza, percebe o aluno como um ser importante, com
ideias e sentimentos que podem ser partilhados com ele.
Nesse processo de interação humana, de intercâmbio, o conhecimento estruturado do
professor, sua forma de expressão mais formal, seus valores e concepções se misturam aos
saberes não sistematizados e empíricos dos alunos, aos seus valores e linguagens próprias
de seu ambiente cultural.
A prática educativa é tudo isso: afetividade, alegria, capacidade científica, domínio téc-
nico a serviço da mudança para um mundo melhor ou, lamentavelmente, da permanência do
hoje.
Desta forma espera-se contribuir com este trabalho, não apenas com esclarecimentos,
mas também na prática pedagógica de alguns educadores. O afeto é indispensável na ativi-
dade de ensinar, entendendo que as relações entre ensino e aprendizagem são movidas pelo
desejo e pela paixão e que, portanto, é possível identificar condições afetivas favoráveis que
facilitem e estimulem a aprendizagem.
O sujeito constrói-se a partir das relações entre um mundo externo, estruturado pela cul-
tura e pelas condições históricas, e por um mundo interno, não somente no aspecto cognitivo,
mas afetivo, que envolve desejos, pulsões, sentimentos e emoções, portanto, é extremamente
importante aproveitar essas relações na prática educativa.
Educar é ensinar a olhar para fora e para dentro, superando o divórcio, típico da nossa
sociedade, entre objetividade e subjetividade. É aprender além: saber que é tão verdade que
a menor distância entre dois pontos é uma linha reta quanto que o que reduz a distância entre
dois seres humanos é o riso e a lágrima.
O reconhecimento do aluno enquanto indivíduo, sujeito e cidadão, é fundamental para
que haja o estabelecimento de trocas enriquecedoras das experiências, as
quais promovem a mobilização de estruturas de saberes significativos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 317


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Laurinda Ramalho; MAHONEY, Abigail Alvarenga (Orgs.). Afetividade e aprendizagem: contribuições
de Henri Wallon. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2009.

BOCK, Ana Mercês Bahia; FURTADO, Odair; TEIXEIRA, Maria de Lourdes Trassi. Psicologias: uma introdução ao
estudo de psicologia. 13 ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

DAVIS, Cláudia; OLIVEIRA, Zilma de Morais Ramos. Psicologia na educação. 2 ed. São Paulo: Cortez, 1994.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Dicionário Aurélio da Língua Portuguesa. 3 ed. Curitiba: Positivo,
2004.

GALVÃO, Isabel. Henri Wallon: uma concepção dialética do desenvolvimento infantil. 17 ed. Petrópolis: Vozes, 2008.

OLIVEIRA, Marta Kohl de. Vygotsky – aprendizado e desenvolvimento. Um processo sócio-histórico. In: Arantes,
Valéria Amorim (Org.). Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. 3 ed. São Paulo: Summus, 2003.

______. REGO, Teresa Cristina. Vygotsky e as complexas relações entre cognição e afeto. Um processo sócio-his-
tórico. São Paulo: Scipione, 1993.

PIAGET, Jean. Seis estudos de psicologia. 24 ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2007.

______. A psicologia da criança. 2 ed. Rio de Janeiro: Difel, 2006.

RIBEIRO, Lopes Marinalva. A afetividade na relação educativa. Estudos de Psicologia. Campinas, v. 27, n. 2, p.
403 - 412, jun.-set. 2010.

SAUD, Cláudia Maria Labinas Roncon. Com a palavra, as crianças: os sentimentos de alunos e alunas da 1ª sé-
rie do Ensino Fundamental. In: Almeida, Laurinda Ramalho de Mahoney, Abigail Alvarenga (Orgs.). Afetividade e
aprendizagem: contribuições de Henri Wallon. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2009.

SOUZA, Maria Thereza Costa Coelho de. O desenvolvimento afetivo segundo Piaget. In: Arantes, Valéria Amorim
(Org.). Afetividade na escola: alternativas teóricas e práticas. 3 ed. São Paulo: Summus, 2003.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos supe-
riores. 6 ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

WALLON, Henri. A evolução psicológica da criança. São Paulo: Martins Fontes, 2007.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 318


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Licenciatura em Educação Física pela Universidade


Cruzeiro do Sul, em 2012. Segunda Licenciatura em
Pedagogia, pelo Centro Universitário de Jales, em
2015. Professor de Educação Física na Prefeitura
Municipal de São Paulo e no Governo do Estado
de São Paulo.

JOSÉ ALMEIDA
SANTOS JUNIOR

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 319
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS DESAFIOS E OS AVANÇOS DA EDUCAÇÃO ESPECIAL

RESUMO: Os alunos com deficiência têm muitos obstáculos a superar e desafios a enfrentar à
medida que avançam no sistema educacional. Além dos desafios acadêmicos, comportamentais
e sociais, esses alunos também precisam ser capazes de fazer a transição ao longo de suas
carreiras educacionais de diferentes níveis de ensino para resultados pós-escolares. A transição
para alunos com deficiência deve incluir a opinião de professores de sala de aula, psicólogos
escolares e outros funcionários da escola relacionados, famílias, comunidade e, é claro, o aluno.
Especificamente, o aluno deve ser parte integrante do processo de transição e do planejamento.
Vários relatórios, estudos e decisões judiciais recentes foram publicados que afetam as políticas
e práticas atuais relativas ao ensino médio e à transição de jovens com deficiência.

Palavras-chave: Desafios; Obstáculos; Sistema Educacional.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 320


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

N
o passado, muitos acadêmicos e educadores tinham pouca esperança de melho-
rar significativamente o funcionamento de pessoas com deficiência. Eles acredi-
tavam que a deficiência intelectual era estática e não dinâmica e, portanto, nada
poderia ser feito para melhorar a condição dos indivíduos afetados.
Consequentemente, educar pessoas com deficiência intelectual era considerado uma
perda de tempo e de serviços. Hoje, porém, muitas pessoas se conscientizaram de que a
funcionalidade de todas as pessoas pode ser melhorada e que muito poucas, especialmente
aquelas com deficiências leves a moderadas, podem melhorar a ponto de não poderem mais
ser classificadas como deficientes intelectuais. Isso ocorre porque eles podem funcionar ade-
quadamente e se integrar à comunidade:
A busca por uma sociedade igualitária, por um mundo em que os homens gozem de liberdade
de expressão e de crenças e possam desfrutar da condição de viverem a salvo do temor e da
necessidade, por um mundo em que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os seres
humanos e da igualdade de seus direitos inalienáveis é o fundamento da autonomia, da justiça e
da paz mundial, originou a elaboração da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que repre-
senta um movimento internacional do qual o Brasil é signatário (FACION, 2008, p. 55).

Nas últimas quatro décadas, a educação especial tem atraído a atenção que merece.
Indivíduos com deficiência intelectual passaram de um estado de total exclusão, isolamento e
rejeição pela comunidade para serem considerados indivíduos que precisam de alguma con-
sideração. O motivo desse novo impulso é simples: as pessoas estão começando a saber o
que está acontecendo em outras partes do mundo, devido ao avanço tecnológico. Como em
outras mudanças, a tecnologia transformou a maneira como os indivíduos agem e pensam.
Rossetto (2005, p. 42) afirma que:
[...] a inclusão é um programa a ser instalado no estabelecimento de ensino a longo prazo. Não
corresponde a simples transferência de alunos de uma escola especial para uma escola regular,
de um professor especializado para um professor de ensino regular. O programa de inclusão vai
impulsionar a escola para uma reorganização. A escola necessita ser diversificada o suficiente
para que possa maximizar as oportunidades de aprendizagem dos alunos com necessidades
educativas especiais (ROSSETTO, 2005, p. 42).

As deficiências são multiculturais no sentido de que seu impacto ultrapassa as barreiras


raciais, religiosas, tribais e socioeconômicas. Os pais de alto nível socioeconômico que têm
filhos com deficiência podem pagar os serviços médicos. Infelizmente, devido à pobreza e às
variáveis ambientais que a acompanham, a prevalência de alunos com deficiência de baixo
nível socioeconômico é maior do que a de crianças que vêm de lares abastados.
É fundamental compreender que a educação especial e os campos médicos estão in-
timamente ligados, especialmente no que diz respeito aos casos de alunos com deficiências
intelectuais graves. Não é incomum que tais indivíduos sejam diagnosticados e levados a
hospitais psiquiátricos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 321


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O SIGNIFICADO DE EDUCAÇÃO SURDO-CEGUEIRA


ESPECIAL
Refere-se a um aluno que tem dificul-
Muitos alunos têm necessidades espe- dade em ouvir e ver o que está sendo dito e
ciais de aprendizagem e essas são atendi- mostrado a ele. Eles podem não ser comple-
das por meio da educação especial. A gama tamente surdos ou cegos, mas a combinação
de suportes varia de acordo com a necessi- dos dois desses problemas torna mais difícil
dade e as leis locais. Cada país, estado ou para eles aprender no ritmo de seus colegas.
jurisdição educacional tem políticas, regras, Em alguns casos, eles têm lutado tanto que
regulamentos e legislações diferentes que go- uma escola dedicada apenas aos surdos ou
vernam o que significa e parece a educação apenas aos cegos não têm recursos para aju-
especial: dá-los (DENARI, 2006).
[...] podemos dizer que uma das dife- DEFICIÊNCIA AUDITIVA
renças fundamentais entre os cientistas
naturalistas e os socialistas diz respeito, Um aluno com deficiência auditiva pode
portanto, ao modo como concebem as não ser completamente surdo, mas é difícil
diferenças na constituição biológica das
de ouvir. Em alguns casos, eles podem ser
pessoas. Vista como uma barreira social-
mente intransponível, a disfunção biológi- surdos de um ouvido ou lidar com uma perda
ca desencadeia a exclusão de pessoas auditiva que muda e progride com o tempo.
das atividades cuja realização ela dificul- Resumindo, é qualquer perda ou alteração na
ta. Justifica-se a exclusão, em princípio, audição que não seja definida como surdez
enquanto se aguardam descobertas cien- (DENARI, 2006).
tíficas que permitam atuar biologicamente
sobre aquela anomalia. Mas, enquanto se SURDEZ
aguarda, amplifica-se o potencial desta
barreira, uma vez que a própria exclusão Uma criança surda tem muitas necessi-
desencadeia a constituição de outras bar- dades específicas na sala de aula. O profes-
reiras ao desenvolvimento intelectual, num sor pode ter que aprender Libras, entender
processo contínuo. Cria-se assim uma de-
como operar um sistema de aparelho auditivo
ficiência (TUNES, 2003, p. 9).
e encontrar outras maneiras de se comunicar
A educação especial existe para garan- com alunos surdos (DENARI, 2006).
tir que todas as necessidades educacionais
DEFICIÊNCIA DE APRENDIZAGEM
dos alunos sejam atendidas. Isso significa
ESPECÍFICA
que serviços adicionais, suporte, programas,
colocações especializadas ou ambientes são Eles podem ter uma única deficiência
fornecidos quando necessário e sem custo de aprendizagem ou podem ter mais de uma.
para os pais. Isso pode tornar difícil para a criança ler, se
Quando o professor está pensando em comunicar, escrever, entender matemática e
ensinar crianças com dificuldades de apren- muito mais. As Dificuldades de Aprendizagem
dizagem ou outras necessidades especiais, é Específicas podem incluir um distúrbio do pro-
importante entender o quão ampla é a cate- cessamento auditivo, Dislexia, uma deficiên-
goria de “educação especial”. cia de aprendizagem não verbal ou Disgrafia
(DENARI, 2006).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 322


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AUTISMO PERTURBAÇÃO EMOCIONAL


O autismo significa que uma criança Um aluno com distúrbio emocional lida
pode ter dificuldade em expressar ou contro- com problemas de saúde mental modera-
lar suas emoções, ter problemas de comuni- dos a graves. Em alguns casos, eles foram
cação e até mesmo ter dificuldade para fazer diagnosticados com um transtorno de humor
amigos. Eles também podem fazer movimen- mais grave, como transtorno bipolar ou mes-
tos repetitivos, fixar-se em ideias e se tornar mo transtorno de personalidade limítrofe. Eles
extremamente sensíveis ao ambiente senso- também podem ter esquizofrenia, ansiedade
rial (como luz ou som), (DENARI, 2006). extrema ou até mesmo transtorno obsessi-
vo-compulsivo. Eles podem ficar zangados,
OUTROS PROBLEMAS DE SAÚDE
mesquinhos ou violentos, ou podem se retrair
Este é um termo um pouco “guarda-chu- e se isolar ao extremo (DENARI, 2006).
va” quando se trata dos tipos de educação LESÃO CEREBRAL TRAUMÁTICA
especial disponíveis para os alunos hoje. Isso
pode se referir a condições e doenças que Este tipo de educação especial se refe-
afetam a força de uma criança, a capacidade re a um aluno que sofreu uma lesão cerebral
de se concentrar ou de permanecer acorda- que afetou seu desenvolvimento físico e / ou
da e muito mais. Por exemplo, o TDAH se emocional / de aprendizagem. Normalmente,
enquadra na categoria de “Outros problemas isso aconteceu por causa de um acidente.
de saúde'' (DENARI, 2006). Em alguns casos, no entanto, a lesão cerebral
pode ter sido sustentada por causa do abuso
DEFICIÊNCIA VISUAL / CEGUEIRA
(DENARI, 2006).
O professor deve estar ciente de que DEFICIÊNCIA INTELECTUAL
uma criança que usa óculos não se enqua-
dram na categoria de Deficiência Visual. Um Isso se refere a crianças que não têm
aluno pode precisar de acomodações espe- apenas uma dificuldade de aprendizagem,
ciais, precisar de ajuda para aprender braile mas têm uma capacidade intelectual que está
ou até mesmo de um guia na escola (DENA- bem abaixo da média para sua faixa etária.
RI, 2006). Por exemplo, o aluno pode ter Síndrome de
Down.
DEFICIÊNCIA DE FALA OU LINGUAGEM
Em alguns casos, esse nível intelectual
Este é outro termo genérico no mun- inferior pode tornar difícil para o aluno cuidar
do da educação especial. Isso significa que de si mesmo. Também pode impactar sua
uma criança tem problemas para falar ou se vida social geral e dificultar a comunicação
comunicar. Eles podem não falar a língua de de suas necessidades e sentimentos (FRI-
instrução, podem gaguejar e ter algum tipo GOTTO, 2010).
de deficiência vocal que os impede de falar
(DENARI, 2006). DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS
Em alguns casos, as crianças terão
mais de uma das deficiências desta lista. Isso
significa que os pais podem precisar buscar
programas mais especializados para garantir
que seus alunos recebam o apoio educacio-
nal de que precisam (FRIGOTTO, 2010).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 323
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

DEFICIÊNCIA ORTOPÉDICA totalidade histórica que o constitui, na


qual se estabelecem as mediações entre
Alunos com deficiência ortopédica li- o campo da particularidade e sua rela-
dam com situações que dificultam a movi- ção com uma determinada universalidade
(FRIGOTTO, 2010, p. 236).
mentação com a mesma facilidade com que
crianças sem algum tipo de deficiência po- De modo geral, antes do final dos anos
dem. Eles podem estar em uma cadeira de 1800, as pessoas com retardo mental, parali-
rodas, não ter um membro, precisar de um sia cerebral, autismo e / ou epilepsia residiam
andador ou mancar ou outro problema que em casa e eram cuidadas por suas famílias.
torne mais difícil para eles se moverem. Em A expectativa de vida de pessoas com defi-
alguns casos, eles podem não conseguir es- ciência grave e profunda não era tão grande
crever ou virar totalmente a cabeça para ler como hoje.
(FRIGOTTO, 2010).
A partir do final dos anos 1800, as
O objetivo da educação especial é ga- instituições foram construídas por agências
rantir que os alunos com qualquer uma des- administrativas estaduais e locais para abri-
sas deficiências possam participar da edu- gar pessoas com deficiências de desenvol-
cação junto com os alunos sem deficiência vimento. Essas instituições geralmente eram
e possam acessar o currículo sempre que construídas na periferia da cidade. As atitudes
possível. Idealmente, todos os alunos teriam da sociedade fomentaram esse estilo segre-
acesso equitativo à educação para atingir seu gador de gestão. Infelizmente, a segregação
potencial (FRIGOTTO, 2010). da sociedade estigmatiza ainda mais as pes-
soas:
A SOCIEDADE E SUA RELAÇÃO COM AS
DEFICIÊNCIAS O governo brasileiro durante quase três
séculos não desenvolvia ações para a
Durante os últimos 40 a 50 anos, ocor- escolarização do povo e só na terceira
reram inúmeras mudanças em nossa socieda- década do século XIX surgirá algum em-
de no que diz respeito à gestão e ao tratamen- penho neste sentido. De 1834 a 1934,
assiste-se no Brasil a uma lenta, mas con-
to de pessoas com deficiência. Além disso,
tínua democratização do acesso à escola
houve muitos avanços na assistência médica. pública básica nas redes estaduais e nas
Durante séculos, a sociedade como um todo municipais (LEÃO, 2005, p. 2).
trata essas pessoas como objetos de medo
e pena. A atitude predominante era que tais A terminologia usada para descrever as
indivíduos eram incapazes de participar ou pessoas com deficiência tem mudado junto
contribuir para a sociedade e que deveriam com as mudanças nas atitudes da sociedade.
contar com o bem-estar ou organizações de Termos muito antigos incluem; idiota, imbecil
caridade (FRIGOTTO, 2010): e idiota. Esses termos foram substituídos por
“retardo mental” e “deficiente”. Nos últimos
Qualquer que seja o objeto de análise no anos, tornou-se importante enfatizar o indiví-
campo das ciências humanas e sociais
que se queira tratar no plano da histori-
duo, não a deficiência da pessoa; por exem-
cidade vale dizer, no campo das contra- plo, “indivíduos com retardo mental” em vez
dições, mediações e determinações que de “pessoas com retardo mental”. Pessoas
o constituem, implica necessariamente com deficiência querem ser reconhecidas por
tomá-lo na relação inseparável entre o suas habilidades, não por suas deficiências.
estrutural e o conjuntural. Por outra par- Algumas pessoas preferem o termo “deficien-
te, implica tomar o objeto de análise não
como um fator, mas como parte de uma
tes físicos” em vez de deficientes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 324


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Abordar a exclusão generalizada de Fica-se com a impressão que estamos


pessoas com deficiência em todo o mundo é diante, mais uma vez, dos famosos me-
canismos protelatórios. Nós chegamos
claramente uma questão de direitos humanos,
ao final do século XX sem resolver um
mas também faz sentido do ponto de vista problema que os principais países, inclu-
econômico. A perda de produtividade resul- sive nossos vizinhos Argentina e Uruguai,
tante da exclusão de pessoas com deficiência resolveram na virada do século XIX para
da educação e do emprego, associada à per- o XX: a universalização do ensino funda-
da de impostos e à carga econômica sobre mental, com a consequente erradicação
do analfabetismo (SAVIANI, 2007, p. 3).
os sistemas de bem-estar do Estado, é difícil
de quantificar, mas coloca uma pressão sig- A educação inclusiva visa garantir que
nificativa nas economias já sobrecarregadas os ambientes de aprendizagem regulares
de muitos países: atendam às necessidades de todos os alunos,
A educação nunca foi algo fundamental não apenas adaptando-os para atender às ne-
no Brasil, e muitos esperavam que isso cessidades das crianças com deficiência. Ao
mudasse com a convocação da Assem- integrar a deficiência em todas as áreas da
bleia Nacional Constituinte. Mas a Consti- assistência ao desenvolvimento, as questões
tuição promulgada em 1988, confirmando gerais de pobreza e exclusão podem ser trata-
que a educação é tida como assunto me-
nor, não alterou a situação (FERNANDES,
das de uma forma que não exclui as pessoas
1992). com deficiência.

Quando os custos não econômicos da A INCLUSÃO ESCOLAR DE CRIANÇAS E


deficiência, como o isolamento social e o re- JOVENS COM DEFICIÊNCIAS
forço de percepções negativas das pessoas A educação é uma das ferramentas que
com deficiência como incapazes e não con- mais influenciam o avanço das diferentes so-
tribuintes, também são levados em conside- ciedades, que proporcionam aos seus cida-
ração, um argumento poderoso pode ser feito dãos os conhecimentos e os valores neces-
para promover a inclusão e o empoderamento sários para que possamos alcançar melhores
das pessoas com deficiência. níveis de bem-estar e crescimento económico
Isso não precisa necessariamente ser e pessoal, conseguindo, assim, decréscimos
feito à custa de outras prioridades de desen- econômicos e desigualdades sociais e am-
volvimento importantes. Muitas das questões pliação das oportunidades de emprego para
e preocupações enfrentadas pelas pessoas os jovens:
com deficiência, como exclusão da saúde, [...] para garantir o êxito dos trabalhos na
educação e emprego, são semelhantes às en- escola inclusiva, algumas considerações
frentadas pelos pobres em geral. Promover o devem ser consideras: apoio de especia-
desenvolvimento com deficiência pode trazer listas, unificando os dois sistemas e adap-
benefícios para sociedades inteiras, não ape- tando-os às necessidades de todos os
alunos; potencialização das formas de in-
nas para as pessoas com deficiência e suas tervenção, isto é, aplicação dos sistemas
famílias. Por exemplo, edifícios públicos aces- consultivos e de intervenção direta em
síveis podem ser de grande benefício para os sala de aula comum por meio do ensino
idosos e aqueles com filhos pequenos: cooperativo; adoção de uma nova organi-
zação escolar, propondo a colaboração, o
ajuste mútuo, as formas interdisciplinares
e o profissionalismo docente (DENARI,
2004 apud RODRIGUES, 2006, p.36).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 325


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Portanto, se a educação e a formação Essas dificuldades podem estar rela-


são importantes para qualquer pessoa, ima- cionadas a disfunções físicas ou sensoriais,
gine o quão importante é formar adequada- como graves problemas de visão ou audi-
mente as crianças e jovens com deficiência, ção. Também estão incluídos como meninos
qualquer que seja o seu grau, com todas as e meninas com necessidades educacionais
dificuldades que têm de ultrapassar no seu especiais aqueles com graves distúrbios de
dia a dia. linguagem e aqueles com graves distúrbios
de aprendizagem, sejam gerais ou específi-
A integração das pessoas com deficiên-
cos. Dificuldades emocionais ou comporta-
cia significa uma avaliação positiva das dife-
mentais, que devido à gravidade dificultam
renças. Portanto, tem um significado positivo
a adaptação da criança ao sistema escolar,
não só para as crianças com necessidades
também têm sido incluídas entre os alunos
educacionais especiais e para suas famílias,
que necessitam de atendimento especializa-
mas também para o enfrentamento social de
do:
todos os tipos de diferenças, sejam elas ra-
ciais, religiosas, políticas ou de qualquer na- o princípio básico da inclusão escolar
tureza. Implica reconhecer que todos os seres consiste em que as escolas reconheçam
diversas necessidades dos alunos e a
humanos, pela sua condição como tal, têm
elas respondam, assegurando-lhes uma
direitos iguais: educação de qualidade, que lhes propor-
Segundo Piaget, o ser humano, ao nascer, cione aprendizagem por meio de currícu-
possui apenas as condições biológicas lo apropriado e promova modificações
necessárias para construir a sua inteli- organizacionais, estratégias de ensino e
gência. Em outras palavras, as estruturas uso de recursos, dentre outros quesitos
sensoriais e neurológicas do organismo (UNESCO apud MENDES, 2002, p. 56).
humano constituem uma herança espe-
Qualquer que seja o tipo de deficiên-
cífica da espécie, que impõem limitações
estruturais à inteligência, facilitam ou im- cia que aflige essas crianças, muitas vezes
pedem o seu funcionamento, em si. Mas elas apresentam dificuldades de aprendiza-
a relação entre biologia e inteligência não gem no contexto escolar normal. Essas difi-
acaba aí. Para Piaget, herdamos igualmen- culdades podem afetar a leitura, a escrita, a
te o funcionamento intelectual, ou seja, o linguagem, a matemática e / ou o campo do
modo pelo qual o sujeito, ao estabelecer
desenvolvimento sócio emocional, mas não
trocas com o meio em que vive, constrói
o conhecimento. Esse funcionamento inte- são aplicadas medidas especiais para facili-
lectual, a que Piaget chamou de heredita- tar a integração e o melhor desenvolvimento
riedade geral, está presente durante toda de cada criança com necessidades educa-
a vida e é através dele que as estruturas cionais especiais. Embora essas dificuldades
cognitivas vão sendo geradas e modifica- em alcançar as habilidades acadêmicas bási-
das (MANTOAN, 1989, p.129).
cas determinem que eles requeiram ajuda adi-
Quando falamos de integração e, atu- cional em diferentes áreas, eles não podem
almente, antes de inclusão, referimo-nos à justificar sua segregação do sistema escolar.
identificação, avaliação e desenvolvimento
de programas especiais dirigidos a crianças
e pessoas com dificuldades de aprendizagem
ou deficiência que necessitem de ajudas adi-
cionais para o seu pleno desenvolvimento
educacional.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 326


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Inclusão é a forma de integrar todas as Por outro lado, a inclusão social visa
pessoas na sociedade, sem rótulos ou discri- atingir as pessoas em risco de exclusão so-
minação. Este é o passo necessário que deve cial. Seja por causa de sua deficiência, por
ser seguido para que nossos filhos vivam em causa de sua religião, por causa de sua con-
uma sociedade livre. Onde todos têm as mes- dição etc. Pretende-se, assim, melhorar as
mas possibilidades de atuação, adaptadas às condições vitais de todos, possibilitando que
suas necessidades. todos tenham as mesmas oportunidades pro-
fissionais, económicas, de saúde, políticas,
Parece incrível que hoje existem ainda
educacionais, etc.
milhões de crianças em risco de exclusão so-
cial devido à sua deficiência . Porque, no mo- Em suma, a inclusão deve atingir todos
mento, a inclusão ainda não existe em todas os níveis da mesma forma. Muitas circunstân-
as sociedades, e esta é a maneira das crian- cias podem favorecer a exclusão em qualquer
ças crescerem em igualdade de condições, momento da vida. No caso das crianças com
apesar de sua singularidade: deficiência, alcançar uma vida sem rótulos,
Toda criança tem direito fundamental à
em uma sociedade plural onde todos tenham
educação e deve ser dada a oportunida- as mesmas oportunidades, deve ser um obje-
de de atingir e manter níveis adequados tivo comum de todos.
de aprendizagem, escolas regulares que
possuam tal orientação inclusiva consti- Porque a inclusão também deve ser
tuem os meios mais eficazes de comba- introduzida na família, na educação que os
ter atitudes discriminatórias, criando-se filhos recebem em casa. Porque as crianças
comunidades acolhedoras, construindo que felizmente não têm deficiência podem ser
uma sociedade inclusiva e alcançando excluídas por muitos outros motivos. A educa-
educação para todos, além disso, tais
ção inclusiva supõe, em primeiro lugar, uma
escolas proveem uma educação efetiva
à maioria das crianças e aprimoram a mudança de perspectiva, modificando o foco
eficiência em última instância o custo da de atenção, colocando a ênfase no contex-
eficácia de todo o sistema educacional to, não no indivíduo. Ou seja, pensando em
(SALAMANCA, 2000, p.134). como eliminar as barreiras de aprendizagem,
A inclusão educacional consiste em participação e presença.
trazer para a escola a possibilidade de que Para as crianças com deficiência que
todas as crianças recebam uma educação de conseguem frequentar as salas de aula, a
qualidade, independentemente de suas carac- qualidade e a forma de ensino que recebem -
terísticas físicas, psicológicas ou culturais. muitas vezes em escolas segregadas - podem
Partindo do princípio de que todos somos di- exacerbar muito sua exclusão da sociedade
ferentes e todos temos particularidades que em geral e confirmar noções sociais pré-exis-
nos tornam especiais e únicos. tentes sobre a deficiência. Resolver esta gra-
Isso é para garantir que as crianças te- ve discriminação é um assunto urgente e por
nham as mesmas oportunidades, recebendo várias razões.
uma educação de qualidade, sem exclusões
ou rótulos por sua condição. Um passo fun-
damental para que estes pequenos cresçam
numa sociedade plural, onde todos temos um
lugar independentemente das diferenças que
nos caracterizam.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 327


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em primeiro lugar, negar o direito à Além disso, a criação de sistemas de


educação é roubar às crianças os benefícios educação inclusivos é essencial para alcançar
futuros que a educação traz e a oportunida- uma melhor qualidade educacional e cumprir
de de acessar outros direitos - por exemplo, os direitos humanos de todas as crianças.
ao limitar as oportunidades de emprego ou a A educação inclusiva irá elevar os padrões
participação cívica ativa durante a vida. Isso de qualidade dos sistemas de educação, por
restringe a plena participação social, exacer- meio de estratégias que abordem os estilos
ba a exclusão e limita a capacidade de uma de aprendizagem obviamente diversos de to-
pessoa de escapar da pobreza. Muitas vezes, dos os alunos, e que atendam às necessida-
a exclusão da classe sinaliza o início de uma des específicas de alguns deles. Eles também
vida de exclusão em todas as áreas da so- devem servir para alcançar outros grupos de
ciedade. Esta e outras barreiras encontradas crianças marginalizadas e para garantir a in-
pelas pessoas com deficiência identificam clusão de todos eles.
aqueles que estão tipicamente entre os mais
Ainda assim, os obstáculos que as
pobres dos pobres.
crianças com deficiência enfrentam hoje para
Quando uma criança com deficiência realizar seu direito à educação permanecem
tem a oportunidade de receber uma educa- consideráveis; no entanto, um espaço de
ção de qualidade, as portas se abrem para ação em diferentes áreas está sendo defini-
ela. Isso lhes permite garantir outros direitos do para governos, doadores e comunidade
ao longo da vida, facilitar um melhor acesso internacional.
ao trabalho, saúde e outros serviços.
Nos últimos anos, as estruturas de di-
reitos humanos começaram a imaginar uma
maneira de tornar o direito à educação de
crianças com deficiência uma realidade e co-
locá-lo em prática. Os sistemas de educação
inclusiva são baseados em uma análise de
direitos, que pode empoderar os alunos, cele-
brar a diversidade, combater a discriminação
e promover sociedades mais inclusivas.
Pode ser uma ferramenta valiosa na
resolução de desigualdades. Também pode
acabar com a discriminação ao abalar atitu-
des e comportamentos arraigados; ajudando
todos nós a celebrar e abraçar a diversidade
em nossas sociedades.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 328


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Tradicionalmente, e ainda hoje, em diferentes regiões do mundo o conceito de inclusão
educacional tem se restringido a um grupo de alunos com necessidades especiais, como
os portadores de deficiência física e / ou mental e menores refugiados. As abordagens e
respostas têm sido essencialmente compensatórias e / ou corretivas, principalmente através
do estabelecimento de estruturas curriculares, programas de estudos e escolas especiais
diferenciadas.
Em muitos casos, uma das consequências mais significativas de uma estrutura institucio-
nal e curricular diferenciada tem sido a segregação e o isolamento, no sistema educativo, dos
alunos considerados e por vezes estigmatizados como portadores de necessidades especiais.
Não se trata de contrastar modelos de integração e inclusão como opções políticas
exclusivas (como podemos integrar sem incluir, ou incluir sem integrar?), mas sim compreen-
der e promover a ideia de que cada escola enfrenta o desafio específico de incluir os alunos.
Isso implica necessariamente o desenvolvimento de um conjunto articulado e coerente
de políticas referentes, entre outros aspectos, a uma proposta curricular pertinente e rele-
vante inscrita em uma visão compartilhada, que facilite o diálogo entre os diferentes níveis
de ensino; estratégias pedagógicas variadas e complementares que atendam devidamente
a especificidade de cada aluno; possuir infraestrutura física e materiais didáticos alinhados
ao projeto pedagógico; apoiar permanentemente os professores em suas salas de aula para
que possam efetivamente desenvolver o currículo, dialogar e compreender as expectativas e
necessidades das comunidades e famílias em nível local. Inclusão significa, então, atender
com qualidade, relevância e equidade às necessidades comuns e específicas que essas
populações apresentam.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 329


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
DENARI, F. Um (novo) olhar sobre a formação do professor de educação especial: da segregação à inclusão.
In: RODRIGUES, D (org.). Inclusão e educação: Doze olhares sobre a educação inclusiva. São Paulo: Summus,
2006, p.35-36.

FACION, J. R. Inclusão escolar e suas implicações. 2. ed. Curitiba: IBPEX, 2008.

FRIGOTTO, G. Os circuitos da história e o balanço da educação no Brasil na primeira década do século XXI. In
Revista Brasileira de Educação v. 16 n. 46 jan.|abr. 2010.

LEÃO, S. T. F. L. Breve análise sócio - histórica da política educacional brasileira: ensino fundamental. São Luís –
MA, 23 a 26 de agosto de 2005. Disponível:http://www.joinpp.ufma.br/jornadas/joinppII/pagina_PGPP/Trabalhos2/
Silse_Teixeira _Freitas_Lemos_Le%C3%A3o175.pdf. Acesso em 10 março 2021.

MANTOAN. M.T.E. Compreendendo a deficiência mental: novos caminhos educacionais. São Paulo: Scipione, 1989.

MENDES. E.G. Perspectiva para construção da escola inclusiva no brasil. In: PALHARES. M.S. MARINS. E.S.C.F.
(org) Escola inclusiva. São Carlos: 2002.

RODRIGUES, DAVID. Apud MORIN, Edgar. Inclusão e educação: doze olhares sobre a educação inclusiva. São
Paulo: Summus, 2006.

ROSSETO, M. C. Falar de inclusão... falar de que sujeitos? In: Lebedeff, T. B. Pereira. Educação especial – olhares
interdisciplinares. Passo Fundo: UPF Editora, 2005. p. 41-55.

SALAMANCA: A declaração de Salamanca sobre princípios, políticos e prática em educação especial. Disponível
em: <http://www.portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf>Brasil.Acesso em 07 de março de 2021.

SAVIANI, Dermeval. História das ideias pedagógicas no Brasil. Campinas, São Paulo, Autores Associados, 2007a.

TUNES, E. Por que falamos de inclusão? Linha Crítica Revista Semestral da Faculdade de Educação, n. 16, Bra-
sília: UnB, 2003, p. 5-12.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 330


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Estudos Sociais - História e Geografia


pelas Faculdades Integradas Teresa Martin (1996);
Especialista em Pós Graduação em Educação
Especial e Inclusão pela FATECE – Faculdade de
tecnologia, Ciências e Educação (2013); Especialista
em Educação Inclusiva e Ludopedagogia pela
Faculdade XV de Agosto (2017). Professora em
Ensino Fundamental II e Médio na rede Municipal
de ensino atuante na EMEF Professor André
Rodrigues de Alckmin.

JOVELINA MARLI
DE SOUSA ROCHA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 331
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INCLUSÃO NA EDUCAÇÃO INFANTIL: CONTEMPLANDO AS


NECESSIDADES DAS CRIANÇAS DEFICIENTES

RESUMO: O presente artigo aborda sobre a Inclusão de crianças deficientes na Educação Infantil,
refletindo sobre a importância de se efetivarem práticas que favoreçam esta inclusão. Inicialmente,
expõe sobre as ações inclusivas que foram e são presenciadas na atualidade, assim como os
elementos desafiantes que esta encontra para se efetivar. Em sequência, aponta para a Educação
Infantil como um local facilitador da Educação Inclusiva, necessitando da escola ações que
primem pelo saneamento das necessidades das crianças deficientes. Em continuidade, reflete
sobre o papel do professor e suas ações estratégicas para efetivar a Educação Inclusiva de
crianças deficientes na Educação Infantil. Conclui, evidenciando que as ações dos professores de
Educação Infantil são essenciais para a organização de práticas pedagógicas que contemplem as
necessidades das crianças deficientes, assim como da formação de todas as crianças em uma
perspectiva de respeito à diversidade. Traz por objetivo possibilitar reflexões sobre a Educação
Inclusiva e a Educação Infantil, pensando nas crianças deficientes e o início da sua trajetória
escolar por meio de argumentos que abordam esta temática. Trata-se de uma pesquisa de revisão
de literatura.

Palavras-chave: Educação Inclusiva; Educação Infantil; Crianças Deficientes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 332


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
Educação Infantil, para muitos indivíduos, é a primeira fase que estes têm con-
tato com a escola, iniciando sua jornada formativa. Neste espaço muitas são as
aprendizagens que as crianças vão se deparar, aprendizagens essas que trazem
significado sobre sua função do mundo. Tais aprendizagens se dão por meio das interações
que vão sendo estabelecidas com o meio e com o outro.
Uma criança deficiente quando adentra a vida escolar pela etapa da Educação Infantil,
se depara com o contato com pessoas diversas que até então não faziam parte do seu ciclo
de relacionamentos e ficam suscetíveis a discriminações, preconceitos e prejulgamentos.
Diferente de grande parte das escolas de Ensino Fundamental e Médio, a Educação
Infantil tende a acolher crianças deficientes de uma maneira diferente. As crianças por serem
pequenas e, também, estarem tendo contato com outras pessoas que perpassam seu contexto
familiar, geralmente estão desprovidas de pensamentos discriminatórios e não apresentam
condutas de segregação das crianças deficientes. Ao contrário, as crianças possuem curio-
sidade e constituem vínculos afetivos com grande facilidade, possibilitando uma relação de
respeito à diversidade nestes espaços.
O adulto diferente da criança pode estar arraigado de preconceitos e, também, de in-
seguranças para atuar juntamente com crianças deficientes e isto impacta não somente nas
práticas pedagógicas, mas também na formação que está proporcionando a estas crianças
com quem tem contato.
Dessa forma, é importante pensar sobre o cotidiano de Educação Infantil e a Educação
Inclusiva com vistas às crianças deficientes para que as práticas pedagógicas desenvolvidas
neste espaço sejam mais efetivas no contemplar das necessidades das crianças deficientes.
Assim, este artigo traz por objetivo traz por objetivo possibilitar reflexões sobre a Edu-
cação Inclusiva e a Educação Infantil, pensando nas crianças deficientes e o início da sua
trajetória escolar por meio de argumentos que mostram a necessidade de ressignificar os
espaços e cotidianos educacionais.Para compor o teor deste artigo, foi utilizada a metodolo-
gia de pesquisa de revisão de literatura com análise crítica-reflexiva de artigos científicos que
dissertam parcial ou integralmente sobre a temática.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 333


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AÇÕES PARA UM EDUCAÇÃO Para Fantacholi (2013), essa visão de


INCLUSIVA Educação Especial não pode mais ser conce-
bida na atualidade diante de tantos estudos
As ações para a efetivação de uma que apontam para o respeito à diferença e
Educação Inclusiva, segundo Amorim (2018), a necessidade de aceitar o outro com suas
compreende âmbitos políticos, culturais, so- especificidades, utilizando destas para maxi-
ciais e pedagógicos, que foram desencade- mizar suas aprendizagens, de forma a garan-
adas para a garantia do direito à educação tir-lhe sua atuação social e transformadora do
para todas as crianças, na perspectiva de meio.
uma educação ofertada de forma igualitária,
com a visão de que as aprendizagens ocor- Para isso, a escola necessita ser re-
ram em um ambiente comum, coletivo me pensada, visto que, por mais que existam
sem vivências discriminatórias. políticas públicas que abordem a Educação
Inclusiva, ainda é possível encontrar práticas
Esta concepção está embasada nos di- em grande número que não tem atendido às
reitos humanos e tem seus pilares estrutura- necessidades das crianças com deficiência
dos na equidade, ou seja, oferta de práticas em ambiente educacional regular.
pedagógicas que contemplem as necessida-
des individuais das crianças, sem exclusões Dessa forma, Pedroso (2017) traz uma
e segregações por suas especificidades. explanação sobre o que é a Educação Inclu-
siva, colocando que:
Compreender o que vem a ser a Educa-
Educação Inclusiva é um movimento mun-
ção Inclusiva é de suma importância para sua
dial baseado nos princípios dos direitos
efetivação. De acordo com Carneiro (2012), humanos e da cidadania, onde o objetivo
para que haja este entendimento é essencial principal é eliminar a discriminação e a
que se faça uma análise do contexto histó- exclusão, garantindo o direito a igualda-
rico que gerou as lutas por uma Educação de de oportunidades e a diferença, mo-
Inclusiva, um contexto que por muitas épo- dificando os sistemas educacionais, de
cas segregou a criança com deficiência das maneira a propiciar a participação de
outras crianças em ambiente educacional e todos os alunos, especialmente aqueles
até social. que são vulneráveis a marginalização e a
exclusão (PEDROSO, 2017, p. 3-4).
As salas e escolas que eram destinadas
à Educação Especial visavam a normalização Na ótica de Koscheck (2020), a inclu-
das crianças deficientes, primando por uma são de crianças com deficiência na educação
formação que o assemelha-se com as crian- comum é uma ação ainda recente e conta
ças ditas como “normais”, para que assim com estudos teóricos que a defendem na
pudesse se inserir na sociedade. Somente esperança da estruturação de políticas públi-
com o alcance desta “normalização” que es- cas mais incisivas e efetivas. A discriminação
tas crianças estariam capacitadas para se cultuada com o passar da história educacio-
envolverem socialmente, caso contrário, con- nal não somente nacional, mas internacional,
tinuariam excluídas da sociedade. Tal ótica sobre a inclusão de crianças deficientes no
ignorava as necessidades das crianças de- ensino regular, traz uma discriminação que
ficientes e causava maior segregação entre impacta na visão de potencial e capacidade
as crianças, sua vida social e relações com destes estudantes, excluindo as crianças de-
o outro, com bases em uma visão de homo- ficientes mesmo que inseridas neste contexto
geneização. educacional comum.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 334


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em complemento, Pedroso (2017) co- social as crianças deficientes para que se sin-
loca que a inclusão na educação de crian- tam pertencentes deste espaço.
ças deficientes é um processo que apresenta
De acordo com Koscheck (2020), um
complexidade, pois envolve vários elementos
processo dinâmico e gradual envolve a efeti-
que fazem com que a escola se reestruture e
vação da Educação Inclusiva e este processo
repense o seu papel de formadora de sujeitos
é de suma importância para que sejam visibi-
ativos socialmente. Esta inclusão perpassa a
lizadas ações que perpassam de uma escrita
inserção das crianças deficientes no contex-
em um papel, com práticas que realmente
to educacional, apontando para a fundamen-
contemplem as concepções intrínsecas a esta
talidade de observar suas necessidades e
característica da educação contemporânea.
buscar estratégias de ações que favoreçam
a construção de um conhecimento indepen- Segundo Pedroso (2017), uma educa-
dente das limitações que estas crianças pos- ção para todos diante de um contexto histórico
sam apresentar, pois são capazes de apren- que ainda está arraigado na educação não se
der como outra criança qualquer se dado os constitui como algo fácil, porém é necessário.
estímulos adequados. A oferta de um Educação Inclusiva não tem
dependência somente com a escola ou com
Os resquícios preconceituosos de uma
seus profissionais, ela precisa de bases mui-
educação que excluía as crianças deficientes
to sólidas com políticas públicas que sejam
se tornaram um dos grandes desafios que
aplicáveis e apresentem resultados visíveis.
são encontrados na atualidade. Sobre isto,
Carneiro (2012) evidencia que: Um primeiro e importante passo é des-
A história da educação de pessoas com vendar o que é integração e o que é inclusão,
deficiência apresenta um quadro de total pois estes conceitos têm causa confusão e
exclusão. Esses indivíduos eram institu- tem impactado em uma educação que não é
cionalizados e viviam longe do convívio inclusiva. Para melhor visualizar esta diferen-
social geral, passando por períodos em ça, Amorim (2018) expõe que:
que eram separados em escolas ou clas-
ses especiais estabelecidas de acordo Os termos “integração” e “inclusão”, em-
com as características de suas deficiên- bora tenham significados parecidos, são
cias, entendendo que sua participação usados para indicar situações de inserção
em ambientes comuns só seria possível diferentes e se justificam em atitudes te-
mediante um processo de normalização, órico-metodológicas que não se enqua-
até o momento atual que prevê direitos dram. O processo de integração escolar
educacionais iguais e equidade educacio- tem sido entendido de várias maneiras.
nal (CARNEIRO, 2012, p. 82). O uso da palavra “integração” aponta-se
mais especificamente à inserção de alu-
Segundo Amorim (2018), é de respon- nos com deficiência, ou mesmo nas es-
sabilidade da escola a busca por soluções colas regulares, mas classifica também
pedagógicas viáveis que efetivem a Educa- alunos agrupados em escolas especiais
ção Inclusiva, necessitando ser ressignifica- para pessoas público-alvo de Educação
Especial, seja também em classes espe-
da e transformada para acolher a todas as ciais, grupos de lazer ou residências para
crianças. A sua função está na formação de deficientes (AMORIM, 2018, p. 2).
sujeitos que sejam capazes de atuar na socie-
dade e transformá-la e deve ter suas portas A inclusão, por outro lado, explanada
abertas a todas as crianças que, por meio de por Galan et al (2017), traz o respeito às
um convívio com as diferenças, adquirirão va- diferenças e práticas pedagógicas que con-
lores que permeiam suas relações interpesso- templem esta diversidade no cotidiano educa-
ais fora do ambiente educacional, propiciando cional. Para as crianças com deficiência, as
interações mais harmônicas que dão espaços ações inclusivas envolvem uma formação que
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 335
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

permita que estas crianças se sintam perten- As crianças deficientes, segundo Galan
centes a sociedade e que tenham oportuni- et al (2017), apenas para compreensão de
dades neste espaço. sua conceituação, são aquelas crianças que
apresentam algum tipo de limitação seja cog-
O respeito que é desenvolvido na es-
nitiva, motora ou síndromes. Essas crianças
cola com o convívio de crianças com e sem
possuem algumas limitações, mas muitas ca-
deficiência é multiplicado na sociedade com
pacidades e a escola deve focar nestas capa-
atitudes de bem com o próximo, transforman-
cidades para maximizar suas aprendizagens.
do a sociedade em um ambiente acolhedor
e que visualiza seus cidadãos como sujeitos De acordo com Carneiro (2012), ter
de direitos iguais. na escola crianças com deficiência é algo
comum na atualidade e as escolas de Edu-
Neste contexto, Koscheck (2020) afir-
cação Especial foram extintas para iniciar o
ma que a Educação Inclusiva, assim como
processo de inclusão diante da concepção
a educação em si, é um processo que tem
de Educação Inclusiva. Porém, é comum ser
continuidade e não se finda, pois o ser hu-
visualizado que por mais que as crianças de-
mano aprende em todas as etapas do seu
ficientes se encontrem em escolas regulares,
desenvolvimento. Aos poucos já é possível
existem muitas práticas exclusivas e tais prá-
perceber que esta concepção tem adentra-
ticas, em sua maioria, estão relacionadas a
do as escolas, de forma sútil, mas causando
falta de conhecimento e de experiência dos
reflexão nos profissionais que ali trabalham,
profissionais que têm contato com elas. Sobre
iniciando um movimento em prol da criança
isso, Carneiro (2012) pontua que:
com deficiência. Porém, a luta para sua efeti-
vação ainda não terminou e esta conscienti- A escola inclusiva terá que construir uma
zação da importância da Educação Inclusiva história de interação com esses alunos
para as crianças deficientes precisa aumentar de modo que se percebam indivíduos
capazes de aprender. Percepção envolve
para que a escola se torne um lugar que re-
contato direto. Sem o estabelecimento de
almente acolha a todas as crianças e suas uma relação de ver, ouvir, tocar etc. não é
necessidades. possível conhecer o outro. A escola, com
Diante dessa premissa, Fantacholi todos os seus atores, deve se abrir para
essa experiência do conhecer. Muitas ve-
(2013) acrescenta que:
zes considera-se a necessidade de pre-
A perspectiva da educação especial re- paro da escola para receber o aluno com
quer um olhar diferenciado para o desen- deficiência, incluindo nesse preparo cur-
volvimento humano, para o seu processo sos de formação para todos os envolvidos
de ensino/aprendizagem das pessoas no processo educacional. Embora sejam
com necessidades educacionais espe- ações importantes e necessárias, por si
ciais. Os objetivos da educação em mui- só não modificam práticas (CARNEIRO,
tos países, inclusive no Brasil, é construir, 2012, p. 87).
desconstruir e reconstruir conhecimentos
e metodologias em busca de uma educa- Conhecer as limitações das crianças
ção de qualidade para todos. Entretanto, deficientes é uma tarefa que não pode ser
quando falamos de alunos com necessi- deixada de lado. Somente com este saber
dades educacionais especiais (NEE) tor- que são possíveis organizações de práticas
na-se necessário ampliar essa discussão pedagógicas que respeitem as necessidades
em razão da complexidade dos proces- destas crianças e oferte atividades que maxi-
sos de aprendizagem e desenvolvimento mizem as aprendizagens que são adquiridas,
desta criança (FANTACHOLI, 2013, p. 3). assim como a construção de um conhecimen-
to de mundo e seu papel neste espaço. Vale
ressaltar que Freire (1999 apud KOSCHECK,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 336
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

2020) sempre foi muito claro quando coloca lhedor, as crianças se sentem pertencentes a
que ensinar não está relacionado a transmis- escola e os pequenos detalhes que a escola
são do conhecimento, mas sim a criação de leva em consideração, fazem com que estas
possibilidades de ações para que as crian- crianças se sintam importantes e valorizadas.
ças o construam. Sendo assim, a escola deve
O preconceito é uma das ações a se-
buscar estratégias de ações que permitam
rem repensadas para que se efetive a Educa-
esta construção de conhecimento pelas suas
ção Inclusiva. De acordo com Matos e Sekkel
crianças deficientes.
(2014), o preconceito não é algo que o sujei-
Koscheck (2020), acrescenta, ainda, to nasça com ele, muito pelo contrário, este é
que a escola tem dentro de suas responsabili- adquirido pelas relações que são estabeleci-
dades o acolhimento, recebimento e o ensino das na sua formação inicial, desde as meno-
de todas as crianças, não possuindo poder res idades que pode ocorrer em família, co-
para segregá-las, excluí-las ou separá-las. To- munidade ou grupo de afinidades. A respeito
das as crianças possuem direito à educação disso, Matos e Sekkel (2014) advertem que:
de qualidade em um ambiente coletivo co- A possibilidade de abertura à experiência
mum e a escola deve fazer valer este direito, com aquele que é alvo de preconceito
inclusive de serem respeitadas e formadas de parece ser o único caminho efetivo para a
maneira a poderem atuar socialmente, inde- superação dessa barreira. Assim o maior
pendentemente de qualquer característica ou desafio da inclusão é a mudança de ati-
especificidade que estas crianças possuam. tudes no sentido de criar uma predisposi-
ção para o acolhimento das diferenças. A
A escola precisa se movimentar e se ideia de acolhimento traz o sentido de cui-
ressignificar. Para isso, existem exemplos de dado, que pressupõe o reconhecimento
Educações Inclusivas que estão em progres- e legitimação das necessidades de cada
so como aponta Carneiro (2012): um, caracterizando-se como ação huma-
nizada, contrária à indiferença presente no
Vários caminhos são possíveis e neces- ambiente social. Para Adorno (1995), a
sários no trabalho escolar buscando a frieza se tornou um traço básico da cons-
construção de um modelo inclusivo. Em tituição humana em nossa sociedade, o
outros países, temos acompanhado o es- que o levou a destacar a importância da
tudo e a prática de formas de colabora- educação na primeira infância como for-
ção dentro da escola, com o objetivo de ma de fortalecer a identificação entre as
unir o trabalho já existente que chamamos pessoas. É na infância que se forma o ca-
de comum, ao trabalho específico, que ráter, e as experiências infantis possuem
chamamos de especial, a fim de garantir valor determinante e fundante do psiquis-
a inclusão, a permanência e o sucesso mo (MATOS; SEKKEL, 2014, p. 88).
de alunos com deficiência na escola. A
colaboração na escola pode ser exercida Portanto, a Educação Inclusiva tem que
de várias formas incluindo o estabeleci- ser visualizada com maior efetividade nas es-
mento de redes de apoio através de par- colas e não diferente sua presença deve vir
cerias com outros setores da comunidade desde a Educação Infantil. A formação dos
como a saúde, assistência social, esporte
sujeitos se inicia quando pequenos e se tive-
e lazer, ou através de parcerias entre a
própria equipe escolar, entre o professor
rem contato com uma Educação Inclusiva, os
da classe comum e o professor especia- preconceitos, dificilmente, serão instaurados e
lizado (CARNEIRO, 2012, p. 89-90). as conveniências entre pares, crianças com e
sem deficiência, se constitui de maneira mais
Diante desta assertiva, Koscheck (2020) harmoniosa, de maneira comum, como deve
enfatiza que o ambiente educacional para ser na sociedade.
acolher as crianças com deficiência deve ser
estruturado para isso. Com um ambiente aco-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 337
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A EDUCAÇÃO INCLUSIVA E A Em complemento, Amorim (2018) colo-


EDUCAÇÃO INFANTIL ca que reconhecer e valorizar as diferenças
faz parte do contexto de Educação Infantil e
A Educação Infantil, segundo Pedroso deve estar inserido no processo de ensino-
(2017), se constitui como um espaço favorá- -aprendizagem, necessitando, para isso, um
vel para a inclusão de crianças com deficiên- currículo e práticas pedagógicas que contem-
cia. Este é um ambiente repleto de diversida- plem a diversidade no cotidiano educacional.
de tanto dos adultos quanto das crianças e se A formação do profissional de educação tam-
torna um dos primeiros espaços de socializa- bém é pauta importante a ser realizada para
ção das crianças em contato com o outro, o que as práticas pedagógicas sejam qualifica-
que possibilita as interações desde pequenos das e atendam as mais variadas necessida-
com as diferenças. des das crianças com e sem deficiência.
Para Carneiro (2012), a Educação In- Segundo Koscheck (2020), a inclusão
fantil ainda não está totalmente preparada de crianças deficientes na Educação Infantil
para atender as necessidades das crianças não é diferente do que em outras etapas de
deficientes, mas as práticas pedagógicas que educação. A escola necessita ofertar práticas
ali ocorrem tendem a priorizar tais necessida- pedagógicas que ampliem as aprendizagens
des com um olhar sensível dos profissionais significativas que são adquiridas pelas crian-
de educação que ali trabalham. Nesta etapa ças e possibilidades de ações que permitam
de desenvolvimento humano, são consolida- a construção de conhecimento de mundo
das bases de aprendizagens e conhecimen- e sua função neste meio, inferindo em uma
tos sobre a importância das interações com o formação que possibilite que as crianças se
outro e acabam por influir na constituição de sintam pertencentes à sociedade.
posturas perante a diferença de uma maneira
mais natural. Ao verificar a necessidade de um pro-
fissional especializado para o atendimento
É muito difícil na Educação Infantil en- de algumas necessidades das crianças com
contrar posturas das crianças que sejam pre- deficiência para atuar de forma conjunta com
conceituosas, na verdade elas tem dúvidas o professor de sala, Carneiro (2012) enfatiza
sobre as diferenças e se houver intervenção que:
adequada mostrando que todos são impor-
Dentre as possibilidades de colaboração
tantes e devem ser valorizados, minimiza-se
na escola, o trabalho do professor espe-
as práticas discriminatórias futuras. Diante da cializado em parceria com o professor
responsabilidade da Educação Infantil, en- comum ganha destaque na educação in-
quanto espaço de educação formal, Amorim fantil. A educação especial, que sempre
(2018) evidencia que: teve um caráter substitutivo, passa a ter
um caráter complementar no modelo de
A inclusão das crianças público-alvo da
educação inclusiva. A política educacio-
educação especial no sistema regular de
nal brasileira prevê o atendimento educa-
ensino acelera o compromisso de ofere-
cional especializado aos alunos com defi-
cer a elas condições de desenvolvimento
ciência como forma de apoio ao trabalho
acadêmico e social, pois, as crianças têm
escolar, devendo ser oferecido por profes-
as mesmas necessidades que as demais,
sor especializado em período inverso ao
porque pensam, sentem e criam. Não po-
da escolarização do aluno (CARNEIRO,
demos privá-las de experiências significa-
2012, p. 91).
tivas, as quais proporcionam condições
de desenvolvimento físico, mental e social Para Galán et al (2017), o profissional
que valorizam a independência corporal e especializado deve ser buscado apenas quan-
a maturidade psicoemocional (AMORIM,
do existe esta necessidade. Por outro lado,
2018, p. 5).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 338
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

muitas são as deficiências que não necessi- tis, as quais permitem que todas as crianças
tam deste profissional. Na Educação Infantil, interajam e criem brincadeiras que acolham
a forma com que os professores conduzem as crianças deficientes, possibilitando a exte-
as atividades e a concepção de ação e ca- riorização de emoções e sentimentos.
pacidade das crianças já possibilita muitas
As aprendizagens que ocorrem por
aprendizagens para as crianças deficientes,
meio do brincar que impactam na conscien-
pois dá espaço para que interajam e criem
tização de regras sociais e de convívio apon-
suas possibilidades de ações.
tam para o respeito às diferenças e implicam
Uma importante atividade que existe na em práticas mais humanizadas. Para maximi-
Educação Infantil e que respeita não somente zar estas interações, o professor tem um pa-
as crianças deficientes, mas as característi- pel importante como mediador, estimulador e
cas da infância, de acordo com Fantacholi interventor das atividades, mostrando o valor
(2013), são as brincadeiras. Para brincar não que cada criança tem para o mundo, seja ela
é necessário ter atributos específicos, basta com deficiência ou não.
se envolver e se dedicar a um mundo imagi-
A compreensão de mundo que as crian-
nário que todas as crianças possuem.
ças deficientes passam a ter com o acesso e
A brincadeira é uma maneira que as frequência na Educação Infantil, partindo de
crianças têm de se comunicar com o mundo, uma Educação Inclusiva, como coloca Fanta-
permitindo que se construa um conhecimento choli (2013) se iniciam pelas interações com
sobre mundo e sua participação neste meio. o outro, o que mostra o quanto as crianças
O brincar possibilita a qualquer criança o de- são capazes de atuar socialmente.
senvolvimento da autonomia, do pensamento
Portanto, a Educação Infantil preci-
reflexivo e sua criatividade, desenvolvendo-a
sa buscar instrumentos metodológicos que
integralmente. Dessa forma, Fantacholi (2013)
evidenciem as diferenças não em uma pers-
coloca que:
pectiva de segregação, mas em uma ótica
Assim, é pelo brincar que a criança de- de aceitação e respeito pelo o outro, assim
senvolve capacidades importantes como como a criança de vínculos afetivos, os quais
a atenção, a memória, a imitação, a imagi- são responsáveis pela formação de crianças
nação, ou seja, suas funções psicológicas
que se defendam, somente assim, mudanças
superiores, características tipicamente
humanas que diferenciam o homem dos
mais significativas na sociedade serão vistas,
animais, além do desenvolvimento de áre- pois estas aprendizagens perdurarão toda a
as da personalidade como afetividade, caminhada escolar e depois dela.
motricidade, inteligência, sociabilidade e
criatividade. Tanto no brincar com jogos,
O PAPEL DO PROFESSOR NA INCLUSÃO
brinquedos e brincadeiras, a criança rela- DE CRIANÇAS DEFICIENTES NA
ciona-se, de maneiras variadas, com as EDUCAÇÃO INFANTIL
pessoas e com os objetos à sua volta.
Portanto estas relações estão na base As ações que são desenvolvidas na
psíquica, pois só por meio do contato e Educação Infantil, de acordo com Koscheck
da apropriação da humanidade historica- (2020), são parte de um processo contínuo
mente constituída é que cada indivíduo de socialização das crianças e inferem na
humaniza-se (FANTACHOLI, 2013, p. 7). construção de sua identidade. Neste con-
texto, o professor assume um papel impor-
A brincadeira é um estímulo que propi-
tante na oferta de práticas pedagógicas que
cia a motivação das crianças, desde que ade-
contemplem a diversidade. Ele é o mediador
quada a sua faixa etária. O envolvimento das
das práticas pedagógicas, contribuindo para
crianças com a brincadeira, segundo Amorim
a formação das crianças. Ao refletir sobre
(2018), não dá ênfase nas deficiências infan-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 339
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

as crianças com deficiência, seu papel é de relação, às crianças deficientes se sentem


suma importância para que sintam valoriza- capazes e vão em busca de superar os seus
das e pertencentes ao ambiente social, ne- limites, enquanto o professor oferta atividades
cessitando, para isso, que constitua vínculos que explorem as potencialidades delas. Po-
afetivos, baseados na consciência de que são rém, as grandes barreiras que se encontram
capazes, que podem ser autônomos e que nesta relação estão correlacionadas a falta de
merecem respeito. conhecimento do professor, o que mostra a
importância da busca de formações continu-
Os professores precisam assumir com-
adas constantemente, pois o professor sem
promisso de desenvolvimento de um traba-
conhecimento se sente inseguro em interagir
lho que atenda às necessidades das crian-
com as crianças com deficiência. Assim, o
ças com deficiência na Educação Infantil em
professor deve compreender o que Galán et
conjunto com os demais profissionais de
al (2017) explicam com clareza:
educação, família e comunidade escolar. Se-
gundo Carneiro (2012), dar visibilidade para O procedimento de ensino - aprendizagem
a criança com deficiência na Educação In- no sentido afetivo se mostra pelo propó-
fantil, depende de um professor que possua sito do professor ofertar diversos aconte-
cimentos, proporcionando um ambiente
conhecimento e que lute pelos direitos dessa
favorável, para que todos os estudantes
criança, solicitando ações da escola, família consigam envolver-se da mesma maneira
e comunidade que ressignifique a importân- e pela sua condição de responder as per-
cia da educação para estas e para suas for- sistentes perguntas, na busca de explorar
mações. Em relação a isto, Carneiro (2012) o universo e assim simplificar ao aluno a
coloca que: sua diferença em associação aos objetos
(GALAN et al, 2017, p. 26).
A prática pedagógica inclusiva deverá se
constituir pela junção do conhecimento Para Galán et al (2017), o professor de
adquirido pelo professor ao longo de sua Educação Infantil precisa oferecer atividades
trajetória e da disponibilidade em buscar diferentes para visualizar quais são as que
novas formas de fazer considerando a
causam motivação, interesse e fascinação na
diversidade dos alunos e as suas carac-
terísticas individuais (CARNEIRO, 2012,
criança deficiente. O ponto de partida é a ofer-
p. 81). ta de algo que a envolve, que permita que ela
interaja, estimulada emocionalmente, ou seja,
Para Amorim (2018), o professor não com prazer.
deve se acomodar na sua formação, deven-
do constantemente buscar novos saberes que O olhar sensível e observador do pro-
refletem sobre o desenvolvimento da crian- fessor dará as diretrizes para a escolha e sele-
ça deficiente e o seu papel em maximizar o ção de atividades que despertem a motivação
acesso a aprendizagens significativas. Asso- na criança com deficiência, mesmo que a co-
ciar toda a teoria que busca em sua forma- municação oral não ocorra adequadamente
ção com as experiências vivenciadas com por alguma limitação ou por estar em cons-
as crianças deficientes é tarefa de suma im- trução por causa da imaturidade fisiológica da
portância para que a Educação Inclusiva se faixa etária. O vínculo afetivo e as relações de
efetive, propiciando o acesso a práticas peda- proximidade do professor com a criança per-
gógicas adequadas que desenvolvam estas mitirá a verificação das atividades que mais
crianças integralmente. lhe trazem interesses.

O professor, na ótica de Carneiro (2012), Dessa forma, Galan et al (2017) acres-


deve interagir com as crianças deficientes e centam que o professor tem responsabili-
constituir vínculos afetivos para que elas sin- dades na preparação, escolha e estabeleci-
tam confiança e segurança. Por meio desta mento das intencionalidades das atividades
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 340
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

planejadas e ofertadas, gerando situações em Para uma educação ser realmente inclu-
que as aprendizagens possam ser adquiridas siva, não adianta, como evidenciam Matos e
mediante a ação da criança deficiente, ten- Sekkel (2014), buscar instrumentos somente
do esta como centro do processo de ensino- para a criança deficiente, organizando as ati-
-aprendizagem. A mediação do professor está vidades de forma distinta das demais crian-
no despertar da curiosidade e no incentivo a ças, pelo contrário, as atividades devem ser
sua ação, os motivando a tentar coisas dife- pensadas para todos, com respeito a cada
rentes sem medo de errar, pois estas tenta- especificidade, ´para que explorem e viven-
tivas e erros geram a construção do conhe- ciem as experiências em conjunto.
cimento de forma reflexiva, constituindo suas
As crianças possuem uma percepção
aprendizagens. Para que o professor possa
e compreensão de mundo magnífica e de-
constituir práticas pedagógicas adequadas,
vem ser levadas em consideração suas falas,
a sala deve estar adequada para isso. Assim,
vozes, gestos, enfim, é importante a escuta
Pedroso (2017) evidencia que:
das crianças sobre a suas concepções sobre
A sala de aula inclusiva propõe um novo o outro e as diferenças para a organização
arranjo pedagógico: diferentes dinâmi- das práticas pedagógicas. Pensando, desta
cas e estratégias de ensino para todos, forma, Matos e Sekkel (2014) enfatizam que:
e complementação, adaptação e suple-
mentação curricular quando necessários. [...] importância de ouvir as contribuições
A instituição, a sala de aula e as estra- que as crianças podem dar para o desen-
tégias de ensino devem ser modificadas volvimento de processos inclusivos. Além
para que a criança possa se desenvolver disso, enfatiza a necessidade de que to-
e aprender (PEDROSO, 2017, p. 7). das as crianças aprendam a reconhecer
os pontos fortes e as possíveis contribui-
Nesta perspectiva, Fantacholi (2013) afir- ções das crianças com deficiência nos
ma que o professor enquanto mediador do pro- processos grupais, e não apenas de aju-
cesso de ensino-aprendizagem deve organizar dá-las em suas dificuldades. O conheci-
um ambiente que seja favorável ao desenvol- mento sobre a aceitação e a credibilidade
vimento de práticas pedagógicas que possibi- dos alunos normais a respeito dos alunos
litem o desenvolvimento integral das crianças com deficiência e outras necessidades
especiais é fundamental para o sucesso
com deficiência, com suportes, ferramentas e
do processo de inclusão escolar (MATOS;
instrumentos que facilitem a brincadeira e a en- SEKKEL, 2014, p. 88).
trada das crianças em seu universo imaginário
sem que sejam limitadas. Portanto, a inclusão de crianças defi-
cientes na Educação Infantil exige ações con-
Contemplar a diversidade na organização cretas, simples e que o professor em conjunto
deste espaço é fundamental para que as crian- com a escola, comunidade e família são ca-
ças com deficiências se sintam pertencentes ao pazes de ofertar para estas crianças, assim
meio. Ao visualizarem elementos que possibili- como para as outras crianças que crescerão
tem que se reconheçam, o professor dá espa- e se desenvolverão com bases sobre respeito
ço para que as crianças criem e ressignifiquem ao outro, permeando relações mais harmôni-
seu papel e importância para o meio. Conforme cas em sociedade agora e no futuro.
Koscheck (2020), o professor precisa adaptar
o meio educacional e de acesso, contato, da
criança com deficiência a aspectos que fazem
parte da sua identidade e herança familiar, bus-
cando formas de oportunizar que estas crianças
se encontrem seja nos brinquedos, na arquite-
tura ou nas atividades propostas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 341


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante das fontes argumentativas encontradas neste artigo, foi possível perceber que
se as crianças conviverem desde o início da sua etapa educacional com crianças deficientes
sua formação pode ser dar em uma perspectiva de inclusão.
Isso pode ocorrer, pois os espaços de Educação Infantil possuem estrutura e concep-
ções que favorecem a inclusão, dependendo das ações e práticas pedagógicas dos pro-
fessores para que esta formação ocorra qualitativamente. Dessa forma, o professor tem um
papel fundamental no cotidiano da Educação Infantil e na valorização das crianças deficientes,
necessitando buscar conhecimentos novos, se atualizando para ser capaz de atuar na escola
com visões de inclusões e propiciar o desenvolvimento integral de todas as crianças com
tem contato.
Sendo assim, ao ressignificar os espaços de Educação Infantil e inserir práticas in-
clusivas no cotidiano educacional, o professor está proporcionando a todas as crianças a
compreensão da importância de respeito ao próximo e das relações harmônicas entre pares,
permitindo que a criança deficiente se sinta pertinente ao meio em que se encontra inserida.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 342


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
AMORIM, Amélia Valadares de. OS DESAFIOS DA EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. 2018. Dis-
ponível: <https://multivix.edu.br/wp-content/upload s/2018/12/os-desafios-da-educação-inclusiva-na-educação-.
pdf>. Acesso em: 08 nov. 2020.

CARNEIRO, Relma Urel Carbone. EDUCAÇÃO INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Práxis Educacional Vitória
da Conquista, v. 8, n. 12, 2012, p. 81-95.

FANTACHOLI, Fabiane das Neves. CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO
INFANTIL: UMA PERSPECTIVA HISTÓRICO-CULTURAL. Revista Eletrônica Saberes da Educação, v. 4, n.1, 2013.

GALAN, Ana Enelise et al. A INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS E OS
DESAFIOS DO DOCENTE NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Ensaios Pedagógicos, v.7, n.2, 2017.

KOSCHECK, Arcelita. EDUCAÇÃO ESPECIAL E INCLUSIVA NA EDUCAÇÃO INFANTIL - UM OLHAR ESPECIAL.


Disponível em: <http://www.gestaouniversitari a.com.br/artigos/educacao-especial-e-inclusiva-na-educacao-infan-
til-um-olhar-especial>. Acesso em: 08 nov. 2020.

MATOS, Larissa Prado e SEKKEL, Marie Claire. EDUCAÇÃO INCLUSIVA: FORMAÇÃO DE ATITUDES NA EDUCA-
ÇÃO INFANTIL. Revista Quadrimestral da Associação Brasileira de Psicologia Escolar e Educacional, SP, v. 18, n.
1, p. 87-96, 2014.

PEDROSO, Soraia. INCLUSÃO DE CRIANÇAS COM NECESSIDADES EDUCACIONAIS ESPECIAIS NA EDUCAÇÃO


INFANTIL. 2017. Disponível em: <https://www.riuni.unisul.br/bitstream/handle/12345/5619/pdf-A.pdf?sequence=
1 is Allowed=y>. Acesso em: 08 nov. 2020.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 343


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Letras pela Universidade Paulista


(2011); Graduação em Pedagogia pela Universidade
Nove de Julho (2014); Especialista em alfabetização
e letramento pela Faculdade Campos Salles (2017);
Especialista em educação infantil pela Faculdade
São Luís (2018); Professora de Ensino Fundamental
II - Língua Inglesa - na EMEF Professor Antônio
Prudente, Professora de Educação Infantil e
Fundamental I na EMEI Antônio Callado.

JULIANA
GONÇALVES SILVA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 344
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

GÊNEROS TEXTUAIS NO PROCESSO DE ALFABETIZAÇÃO E


LETRAMENTO

RESUMO: Este artigo tem como objetivo refletir sobre a prática de alfabetização no ambiente
escolar do ensino regular, com intuito de propor uma prática onde a alfabetização e letramento
andem juntos, através do uso dos gêneros textuais que circulam em nossa sociedade. Com foco
na formação continuada do profissional da educação.

Palavras-chave: Alfabetização; Letramento; Escrita; Gêneros Textuais.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 345


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
o se deparar com o grande número de analfabetos funcionais que temos em
nossa sociedade, pessoas que conhecem o código, sabem escrevê-lo, mas não
expressam entendimento ao se deparar com a leitura de um simples bilhete. É
necessário enfrentar essa realidade e propor formas para modificá-la. Atualmente o termo
alfabetização vem atrelado à palavra letramento, através do trabalho conjunto acredita-se que
se possa vencer essa grande dificuldade que a educação enfrenta.
Com o intuito de buscar formas de trabalho onde a alfabetização ande junto ao letramen-
to, se faz necessário a busca por sentido, compreender a sociedade e as formas que utiliza
para comunicação. Assim os gêneros textuais aparecem como instrumento significativo para
ser utilizado nas práticas atuais da alfabetização e letramento, visto que é por meio deles que
a sociedade se comunica.
O primeiro capítulo tem por objetivo refletir sobre a prática adotada e como chegam às
crianças à escola. Seguida pelo segundo capítulo que explica este conceito de gênero textual,
a construção do sentido do texto traz alguns gêneros textuais que podem ser usados para
envolver os aprendizes em práticas sociais de leitura e escrita. Buscando em alguns momentos
trazer propostas de trabalho.
No terceiro capítulo se afirma a necessidade de alguns conhecimentos prévios e da
formação contínua do profissional da educação para que este consiga incorporar em suas
práticas ações assertivas e propostas que sejam coerentes ao momento que os seus alunos
estão no processo de alfabetização e letramento.
Propostas ricas em diversidades de gêneros textuais e de atividades contextualizadas
que busquem trazer os usos sociais da escrita e leitura em situações reais no cotidiano escolar.
Sendo o professor um facilitador do processo, pois obtém maior conhecimento e vivências
a respeito da leitura e escrita, por meio de um conjunto de conhecimentos que buscam a
construção de sentido.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 346


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O INGRESSO NA LEITURA E ESCRITA Os estudos sobre o letramento investigam


as práticas sociais que envolvem a escri-
Sobre o ingresso na leitura e escrita é ta, seus usos, funções e efeitos sobre o
imprescindível que exista plena convicção indivíduo e a sociedade como um todo.
Alguns dos resultados obtidos pelas pes-
que não se trata apenas no aprendizado do quisas indicam que todos os usos linguís-
código, mas do uso nas práticas sociais, en- ticos são situados no espaço e no tempo
tão não devemos ficar presos a uma prática e são a sedimentação de práticas sociais
arcaica, como afirma Ferreiro (2011, p.18): longamente desenvolvidas e testadas, as
quais, por sua vez, se sedimentam na
As práticas convencionais levam, todavia, condição de estruturas chamadas gêne-
a que a expressão escrita se confunda ros (MARCUSCHI apud BEZERRA, 2010
com a possibilidade de repetir fórmulas p. 42).
estereotipadas, a que se pratique uma
escrita fora de contexto, sem nenhuma É necessário que o aluno compreenda
função comunicativa real e nem sequer as funções sociais da escrita, seja apresenta-
com a função de preservar informação
do a diversos gêneros textuais, as suas carac-
(FERREIRO, 2011, p.18).
terísticas e seus diversos portadores: jornais,
A alfabetização vai muito além da ques- livros, cartazes, páginas da web, etc.
tão do código e sua decodificação, para que
Ferreiro (2012, p.71) aponta a diferença
um aprendiz possa interagir ativamente nesse
das crianças que têm oportunidades sociais
processo, é necessário alfabetizar letrando.
de interagir com os diferentes tipos de objetos
Pois é através das interações sociais que a
sociais das que não tiveram tais oportunida-
função da leitura e escrita toma forma. Através
des, evidenciando que a escola para muitos
da definição de Soares (2012, p.47) é possí-
é a primeira oportunidade de interação das
vel entender o conceito sobre alfabetização e
ações sociais. Sendo este o primeiro contato,
letramento:
se faz necessário que elas possam vivenciar
Em poucas palavras, tomamos o conceito de forma significativa e real uso das práticas
de alfabetização como a ação de ensinar sociais da leitura e escrita, para que o conhe-
e aprender a ler e escrever, e de letramen-
to como o “estado ou condição de quem
cimento adquirido tenha significado fora da
não sabe apenas ler e escrever, mas cul- escola, não apenas dentro dos seus muros
tiva e exerce as práticas sociais que usam e paredes.
a escrita” (SOARES, 2012, p.47).
Grossi (1990) em suas pesquisas sobre
Dessa forma, o processo de alfabetiza- alfabetização de crianças em classes popu-
ção deve andar junto ao letramento, para que lares aponta como chegam essas crianças
o estudante possa mergulhar no mundo da às escolas, com “a ausência quase comple-
leitura e escrita compreendendo o papel que ta de experiências com materiais e atos de
exerce na sociedade e qual a sua importân- leitura e de escrita nas famílias de classes
cia, levando assim sentido na busca desse populares...”. Evidenciando o importante tra-
aprendizado. Segundo Marcuschi (citado por balho a ser desenvolvido pelos profissionais
Bezerra, 2010 p. 42): de educação com essas crianças, no que diz
respeito à inserção nas práticas de leitura e
escrita que habitualmente utilizamos em nos-
sa sociedade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 347


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS GÊNEROS TEXTUAIS A leitura é uma atividade na qual se leva


em conta as experiências e dos conhe-
Para que o educador possa expandir o cimentos do leitor; A leitura de um texto
conhecimento de mundo dos educandos, a exige do leitor bem mais que o conheci-
mento do código linguístico, uma vez que
respeito das funções sociais da escrita, é ne- o texto não é simples produto da codifica-
cessário apresentar diversidade de textos que ção de um emissor a ser decodificado por
se constituem por meio dos gêneros textuais. um receptor passivo (KOCH, 2014 p.11).
Os gêneros possuem estruturas, tipologias
textuais e suportes de comunicação, porém Ao se iniciar no ingresso leitura e da
podem mudar, assumindo formas diferentes e escrita se torna essencial levar ao aluno a
estar em suportes não convencionais. Segun- conhecer as formas que o texto circula na
do Marcuschi (2010, p. 19) os gêneros não sociedade, os objetivos sociais que consti-
são instrumentos estanques e enrijecedores tuem e a leitura com sentido. Para que seja
da ação criativa. possível a construção de sentido do texto é
importante que as estratégias de leitura sejam
Os tipos textuais são: descritiva, nar- colocadas em prática. As antecipações e hi-
rativa, expositiva, argumentativa e injuntiva. póteses, objetivo da leitura, contexto, conhe-
Os gêneros textuais podem ser escritos con- cimento do gênero textual, seleção, inferência
forme um tipo textual ou vários deles, mas e verificação.
normalmente um é predominante. Os gêne-
ros textuais podem ser encontrados em vá- O profissional da educação deve em
rios suportes como livros, jornais, sites, etc. seu planejamento selecionar tempo para a
Existem diversos gêneros textuais, não sendo leitura diária, buscando escolher textos de di-
possível fazer uma lista de todos, mas alguns versos gêneros textuais, pois através dessa
utilizados em nossa sociedade e que podem diversidade o aluno será exposto a um mate-
fazer parte do universo da alfabetização são: rial rico que têm por objetivo a comunicação
contos, receitas, recado, carta, e-mail, bula, real, assim pode refletir sobre o uso e funcio-
artigos, listas, anúncio, piada, entre muitos nalidade da leitura, escrita e seu sistema.
outros. Pois ao tomar contato com diversos gê-
Assim o sujeito que está no trajeto do neros textuais ao iniciar o ingresso na escrita
ingresso na leitura e da escrita necessita que o aluno conseguirá reconhecer e estruturar de
os gêneros sejam apresentados através de forma autônoma os diversos gêneros textuais
leituras com sentido. A partir da “a concep- que estão no cotidiano da sociedade. O edu-
ção de que o texto é lugar de interação de cador deve através dos textos e por meio das
sujeitos sociais” Kock (2014, p.7), os alunos estratégias de leitura levar os alunos a refletir
necessitam de interagir com os textos para sobre o sistema, conteúdo e funcionalidade
que possam construir sentido sobre a leitura. da escrita e leitura dentro de um contexto de
Esse processo necessita que sejam guiados uso. Pois uma pessoa letrada é aquela que
por um leitor mais experiente, o educador, faz uso do sistema de escrita em momentos
que conhece as estratégias de leitura, tem um de interação social. Conforme (KAUFMAN &
conhecimento de mundo maior e do processo RODRÍGUEZ 1995 apud MORAES, 2014, p.
que se leva para conseguir construir sentido 51):
sobre o texto:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 348


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ademais, é importante que o professor disponíveis, para que se possa criar um livro
preze, nas práticas de leitura e escrita, de receitas físico e também virtual, caso a
pelo uso de gêneros variados em seus
escola tenha um site ou página em sites de
usos sociais, e destinados a interlocuto-
res reais, pois “não é fácil imaginar que redes sociais para divulgação da escola e de
alguém escreva ‘para ninguém’ fora dos seus projetos,
muros escolares. Sempre há um destina- [...] pode-se dizer que o trabalho com gê-
tário (KAUFMAN & RODRÍGUEZ 1995 neros textuais é uma extraordinária opor-
apud MORAES, 2014, p. 51). tunidade de lidar com a língua em seus
Sendo importante que os gêneros tam- mais diversos usos autênticos no dia a
dia. pois nada do que fizermos linguisti-
bém possam ser apresentados em seus su- camente estará fora de ser feito em algum
portes reais, não apenas através dos livros gênero (MARCUSCHI apud DIONÍSIO,
didáticos, como notícias nos jornais físicos 2010, p. 37).
e virtuais, receitas em livros de receitas ou
em sites de culinária, quadrinhos nos gibis. Outro gênero textual que faz parte do
Visto que este contato é importante para que uso cotidiano é o bilhete, o professor pode
os alunos possam ter este conhecimento de ser o escriba, no processo de alfabetização,
mundo, visto que existe diferença em ler uma para a escrita de um bilhete que a turma de-
história em quadrinhos no livro didático e pe- seja escrever para a turma da tarde, para in-
gar um gibi para realizar a leitura, pois o livro formar a família de uma festa, de um material
didático é um suporte usado apenas para o necessário para próxima aula e até mesmo
fim da educação na escola e o gibi é o meio para avisar ao diretor sobre a realização de
que a sociedade utiliza para veicular as his- uma atividade que a turma deseja fazer, entre
tórias em quadrinhos (KAUFMAN & RODRÍ- diversas possibilidades reais do uso desse
GUEZ 1995 apud MORAES, 2014, p. 51). gênero.

O professor pode em sala preparar uma A lista é um gênero muito utilizado em


receita com seus alunos, através desse gêne- nossa sociedade, e podemos fazer uso dele
ro que tem linguagem instrucional, pode levar no processo de alfabetização e letramento,
a receita tendo suporte de um livro ou mesmo quando se inicia um projeto pode pensar,
de um site de culinária. Explicar a composi- junto a turma, em uma lista de materiais que
ção do gênero receita, que é normalmente serão necessários para realização das ativi-
dividido pelas seções ingredientes e modo dades.
de preparo. Pode criar uma lista com os nomes dos
Trazendo assim a função social do uso participantes de cada grupo, lista de aniver-
da receita para realidade da sala de aula, des- sariantes do mês, lista de livros já lidos em
sa forma o trabalho didático se torna mais sala e lista pessoal de livros lidos em casa
significativo para criança, proporcionamos para controle , organização e indicação para
momentos de interação com o grupo e com o outras pessoas. Utilizando diversos gêneros
objeto de estudo que é a nossa língua. Pode textuais através do uso e funções numa situ-
também solicitar, como lição de casa, que o ação comunicativa real.
aluno faça uma receita simples com seus fa- Como afirma Bezerra (apud Dionisio,
miliares, assim poderá vivenciar mais uma vez 210, p. 42) que os estudos sobre letramento
o uso desse gênero no meio social. Pedir que investigam as práticas sociais que envolvem a
cada aluno tire foto do produto final da receita escrita, seus usos, funções e efeitos sobre o
ou faça um desenho, conforme seus recursos indivíduo e a sociedade como um todo. Des-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 349


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

sa forma se faz necessário essa prática no exemplo, como na história da “Chapeuzinho


cotidiano escolar. Através da literatura infantil vermelho”, uma versão criada é “A verdadei-
podemos alfabetizar letrando também. Partin- ra história da Chapeuzinho vermelho”, que a
do da leitura de um livro de literatura infantil, história é contada por outro ponto de vista.
podemos encontrar nele vários gêneros textu-
Os gêneros da tradição oral também
ais que estão sendo utilizados na história que
devem fazer parte do trabalho realizado no
está sendo narrada, como quando um perso-
processo de alfabetização e letramento como:
nagem resolve, por algum motivo específico,
parlendas, mitos, lendas, adivinhas, trava-lín-
enviar uma carta para outro personagem.
guas, cantigas, contos, fábulas, entre outros.
Quando o aluno já vivenciou um envio Valorizando o conhecimento prévio do aluno
de uma carta, em uma situação real em sala e sua herança cultural. Como afirma Gomes
de aula, pode ter contato com as caracterís- (2013, p.17), “[...] é importante que o profis-
ticas do gênero e o seu uso e função que sional de educação proporcione momentos e
exerce na sociedade, poderá compreender espaços que viabilizem negociações frutíferas
bem essa passagem na história. Ou seja, ao entre os saberes escolares e os saberes dos
trabalhar com os gêneros textuais em sala de alunos”.
aula no processo de alfabetização e letramen-
O gênero Ciranda é um dos gêneros
to, estamos expandindo o conhecimento de
de tradição oral que podem ser trabalhados
mundo dos nossos alunos,
em sala de aula, a escrita pode ser feita em
Cabe ao professor, enfim, prezar por cartaz grande, para que todos os alunos pos-
promover em sala de aula suas práticas sam visualizar. Após aprendida a ciranda o
de alfabetização e de letramento a partir
professor pode propor momentos que elas
dos mais diversos gêneros do discurso,
favorecendo assim ao aluno a leitura do serão cantadas e dançadas em roda, assim
mundo, a leitura de si, a leitura da vida, trazendo a função social ao ambiente esco-
a leitura da sociedade, a leitura literária lar, pode trazer vídeos que mostram como é
(SANTOS, 2013, p. 29). realizada a ciranda em diversas regiões do
Apresentamos aos alunos esse univer- país, assim contextualizando e ampliando o
so de fantasia e ludicidade dessa literatura, conhecimento de mundo dos alunos. Alguns
que é uma de suas características, ajudamos exemplos de cirandas:
na leitura e interpretação dos textos literários CARANGUEJO
que exige diversos movimentos. Como expli-
Caranguejo não é peixe,
ca Santos (2013, p. 64), “[...] um estudo do
sujeito-enunciador, dos interlocutores, do con- Caranguejo peixe é,
texto de produção, de circulação e de recep- Caranguejo só é peixe
ção da obra, tanto em seu nível mais imediato
quanto no mais abrangente. . .”. Para isso é Lá no fundo da maré!
necessário que o aluno vivencie tal experiên- Palma, palma, palma!
cia, com o auxílio do educador que será um
Pé, pé, pé!
facilitador desse processo.
Roda, roda, roda!
A leitura de histórias consideradas clás-
sicas e suas versões é muito importante, pois Caranguejo peixe é!
trazemos o conhecimento ao estudante que [. . .]
existem várias formas de contar uma história,
do ponto de vista de cada personagem por
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 350
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PEIXE VIVO Visto que com o maior interesse dos


estudantes na leitura e na escrita o processo
Como pode um peixe vivo de alfabetização e letramento se tornará mais
Viver fora da água fria? (bis) fácil, trazendo as vivências de momentos em
Como poderei viver
que a língua é utilizada dentro do seu contex-
to real, fazendo com que o aprendizado seja
Como poderei viver significativo. Assim conseguiremos desenvol-
Sem a tua, sem a sua ver cidadãos críticos e autônomos.
Sem a sua companhia? FORMAÇÃO DOCENTE
[...]. Para que os alunos cheguem a esses
Existem muitas outras cirandas que po- conhecimentos é necessário o planejamento
dem ser trabalhadas na escola, entre outros do trabalho didático. Farias (2009 apud Mora-
gêneros da tradição oral que podem fazer par- es, 2014, p. 40) define o planejamento como
te do processo de alfabetização e letramento, ato, como atividade que “projeta, organiza e
se fazendo importante a contextualização e o sistematiza o fazer docente no que diz respei-
uso real feito por ele na sociedade. to aos seus fins, meios, forma e conteúdo”.
Portanto, para que o aluno descubra Através do planejamento o profissional
as funções da língua escrita – registrar, educador pode prever as ações que tomará,
transmitir, obter conhecimentos, comu- o material que utilizará, possíveis questiona-
nicar ideias, fatos e sentimentos, divertir mentos dos alunos e dificuldades que pos-
-, é preciso que seus usos sejam feitos
a partir de suas finalidades sociais e de
sam surgir no desenvolvimento do trabalho.
suas funções e usos cotidianos (GOMES, Também planejar a forma de avaliação que
2013, p. 55). será utilizada, iniciando pela diagnóstica, pas-
sando pela formativa e chegando na somati-
Um espaço importante para além da va. Conforme Moraes (2014, p. 42):
sala de aula para trabalhar a alfabetização e
letramento com os gêneros textuais é a biblio- Sabendo que as etapas do ato de orga-
teca escolar, espaço que pode ser usado de nizar a ação didática envolvem diagnóstico,
diversas formas pelas escolas. Como o mo- planejamento, execução, avaliação e replane-
vimento de leitura compartilhada, contação jamento, é importante que o professor tenha
de histórias, recitação de poemas e poesias, em mente que tais elementos não são estan-
leitura por fruição, para que consigamos al- ques, mas formam um continuum permeado
cançar com os estudantes o interesse pela por interseções (MORAES, 2014, p. 42).
leitura. Isso desde muito antes dos anos de
O domínio dos educadores sobre o
alfabetização,
tema é crucial, então a formação continuada
É, portanto, de extrema relevância que se é importante para que o trabalho seja feito
dê maior atenção às práticas de leitura e com segurança:
de contação de histórias nas práticas de
letramento desenvolvidas junto aos alu- A ideia de um profissional pensante refle-
nos dos primeiros anos do Ensino Funda- xivo historicamente situado conduz-nos à
mental (e mesmo antes), tendo em vista a concepção do sujeito (no âmbito da do-
necessidade de neles buscamos desper- cência como prática social) como profis-
tar precocemente o interesse pela leitura sional investigador de sua própria prática
e pela literatura (GOMES, 2013, p.134). e da realidade na qual se insere e da qual
é indissociável, como professor-pesquisa-
dor (MORAES, 2014 p. 19.)
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 351
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O professor deve, nesse processo con- Conforme afirma Kock e Elias (2014, p.
tínuo de formação, escutar os sujeitos do pro- 11), “[...] a leitura é uma atividade na qual se
cesso de alfabetização para conhecer o seu leva em conta as experiências e os conheci-
público e assim conseguir colocar em prática mentos do leitor", deixa claro a necessidade
os seus conhecimentos, de acordo ao perfil de proporcionar diversas experiências aos es-
e necessidades que identifica em sua turma. tudantes e ao professor também ter passado
De acordo com Moraes (2014, p.76): por diversas situações de leitura.
A ele cabe, portanto, tomar decisões, Fica evidente a grande importância na
mesmo sabendo que, ainda que diversos busca da formação continuada do profissio-
métodos de alfabetização possam condu-
nal da educação, através de leituras de livros,
zir o aluno com sucesso nesse processo,
nenhum desses métodos terá eficácia ga- artigos, cursos de extensão, pós-graduação e
rantida com todos os alunos (MORAES, da troca de experiências com os outros pro-
2014, p.76). fissionais. De grande valia são os momentos
propiciados pelas escolas de encontro com
Não é possível mencionar a quantidade
os professores, para a reflexão da prática e da
de gêneros existentes em nossa sociedade,
formação. Como afirma Pimenta (2012, apud
visto que são criados novos constantemente,
Moraes, 2014, p. 17), “teoria e prática como
novas formas de comunicação, dessa forma
indissociáveis na prática social”.
é importante a busca por novos conhecimen-
tos, para que não se fique preso a uma prá- O professor deve fazer uso da leitura
tica que não seja mais significativa para a e escrita em seu meio social, dessa forma o
sociedade atual. hábito de ler deve ser cultivado, visto que se
torna difícil ensinar sobre algo que não pratica
Pois os gêneros textuais utilizados por
ou se domina. Visto que um profissional atu-
nossa sociedade mudam e são criados novos
alizado, que busca compreender e encontrar
portadores, como sites, e-books, plataformas,
soluções para o aprendizado de seus alunos
entre outros recursos. Dessa forma é muito
é extremamente necessário para vencermos
importante que o profissional da educação
as estáticas de analfabetismo no país.
saiba utilizar tais recursos, propiciando uma
educação mais atual com os suportes existen-
tes, pois o mundo virtual e através de equipa-
mentos tecnológicos é uma realidade na vida
de nossa sociedade.
Para que o processo de alfabetização
e letramento seja significativo, também se faz
necessário que o professor possua alguns co-
nhecimentos sobre a construção de sentido
do texto. Como o processo de interação autor-
-texto-leitor, fatores de compreensão da leitura,
processos de aquisição da leitura e escrita,
conhecimentos do mundo, intertextualidade,
figuras de linguagem, características dos gê-
neros textuais que serão utilizados, inferência,
levantamento de hipóteses, entre outros conhe-
cimentos que são de extrema importância para
a construção dos sentidos do texto.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 352
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ingresso de muitos alunos na leitura e escrita é realizado muitas vezes na escola,
então o trabalho realizado deve ser feito de forma a levar este aluno a ser inserido no mundo
da leitura e escrita de forma significativa, com foco nas práticas sociais desse objeto. Se fa-
zendo necessário que um leitor e escritor experiente possa ser o facilitador desse processo
tão complexo, que é a alfabetização e letramento. Um leitor que domine os processos de
construção de sentido de um texto, sempre o contextualizando, que tenha conhecimentos das
características e funções dos gêneros textuais utilizados, para que o estudante possa vivenciar
o uso real de diversos gêneros textuais.
Para que essa grande massa de analfabetos funcionais se torne estática do passado.
Através de uma prática e não vise apenas o ensino do código e sua decodificação, mas sim
uma prática que entenda que o domínio e entendimento sobre o que se escreve, para quem
se escreve, o propósito da escrita e que existem objetivos implícitos nos textos. Que cabe ao
leitor decifrar num processo de interação autor-texto-leitor.
Desenvolver pessoas que não sejam passivas no ato de ler e escrever, que possam
interagir ativamente, expressar opiniões com coerência, escrever textos autorais e não ser
vítimas de um processo de alfabetização. Com intuito de mostrar ao profissional da educação
que o processo de alfabetização deve andar junto ao letramento, através do uso dos gêneros
textuais atrelados às práticas sociais, para que os alunos percorrem este percurso de forma
ativa e significativa.
Norteados por profissionais que estão constantemente estejam se aperfeiçoando que
entendam a importância de sua prática pedagógica, do planejamento e dos processos ava-
liativos e das dificuldades no percurso que encontrarão, mas que a convicção que todo esse
percurso valerá a pena, pois os estudantes conseguiram se tornar cidadãos autônomos, críti-
cos e que consigam ser ativos com o uso da língua em meio nossa sociedade grafocêntrica.
Visto que quando temos uma sociedade com altos níveis de analfabetismo, colocamos essas
pessoas à margem de nossa sociedade, sem poder participar ativamente no meio social.
E o que precisamos é de profissionais da educação que acreditem na sua importância
na construção de uma sociedade crítica, sem diferenças sociais, de cidadãos que não sejam
refém das interpretações do mundo pelos olhos dos outros, mas que consigam interpretar o
mundo a partir dos seus conhecimentos e pensamentos. E é por meio da educação de quali-
dade que conseguiremos mudar essa realidade que temos em nosso país, de altas taxas de
analfabetismo e analfabetismo funcional.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 353


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, GERALDO PEÇANHA DE. Práticas de alfabetização e letramento. São Paulo: Cortez, 2009.

______. Desenvolvimento da escrita. Rio de Janeiro: Wak, 2011.

BAKHTIN, MIKHAIL MIKHAILOVITCH. Estética da criação verbal. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2011.

DIONÍSIO, A. P, MACHADO, A. R, BEZERRA, M. A. Gêneros textuais e ensino. São Paulo: Parábola, 2010.

FERREIRO, EMILIA. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artmed, 1999.

_______. Com todas as letras. São Paulo: Cortez, 2011.

_____. O Ingresso na escrita e nas culturas do escrito. São Paulo: Cortez, 2013.

FREIRE, PAULO. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Cortez, 2002.

______. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2015.

GAVALDON, LUIZA LAFORGIA. Alfabetização e construtivismo: teoria, o resgate. São Paulo: EDICON, 2005.

GOMES, LENICE, MORAES, FABIANO. Alfabetizar letrando com a tradição oral. São Paulo: Cortez, 2013.

GROSSI, ESTHER PILLAR. Didática da alfabetização: Didática dos níveis pré-silábicos. Rio de Janeiro: Paz e Terra,
1990.

______. Didática da alfabetização: Didática do nível silábico. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

Didática da alfabetização: Didática do nível alfabético. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.

KOCH, INGEDORE VILLAÇA. Ler e compreender: os sentidos do texto. 3. ed., 10ª reimpressão. São Paulo: Con-
texto, 2014.

MORAES, FABIANO. Alfabetizar letrando na biblioteca escolar. São Paulo: Cortez, 2013.

______. O uso de textos na alfabetização: formação inicial e continuada. Petrópolis: Vozes, 2014.

SANTOS, CARMI FERRAZ, MENDONÇA, MÁRCIA. Alfabetização e letramento: conceitos e relações. Belo Hori-
zonte: Autêntica, 2007.

SANTOS, FÁBIO C. DOS, MORAES, FABIANO. Alfabetizar letrando com a literatura infantil. São Paulo: Cortez, 2013.

SOARES, M. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica, 2012.

______. Alfabetização a questão dos métodos. São Paulo: Contexto, 2017.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 354


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Doutoranda na área de Filologia e Língua Portuguesa


pela Universidade de São Paulo - USP (2021). Mestre
em Letras pelo Programa de Mestrado Profissional
em Letras em Rede Nacional - PROFLETRAS
pela Universidade de São Paulo - USP (2020).
Especialista em Neuropsicopedagogia pela
Faculdade Campos Elíseos - FCE (2019). Segunda
Licenciatura em Pedagogia pela Faculdade Campos
Elíseos - FCE (2021). Segunda Licenciatura em
Letras com habilitação em Inglês pela Faculdade
Campos Elíseos - FCE (2019). Graduação e
Licenciatura em Português e Alemão pela
Universidade de São Paulo - USP (2009
e 2010). Tecnóloga em Automação
de Escritórios e Secretariado pela
Faculdade de Tecnologia de São Paulo
- FATEC-SP (2000). Professora de
Ensino Fundamental II e Médio -
Cat. 3, efetiva, titular de cargo

KATIA MELO
da área de Língua Portuguesa
na Prefeitura Municipal de São
Paulo - SME-SP desde 04/2018
e Professora de Educação
Básica II, efetiva, titular de cargo
da área de Língua Portuguesa e
Literatura no Governo do Estado
de São Paulo - SEDUC-SP desde
03/2014.

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 355
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O CONFLITO PSICOLÓGICO NO ROMANCE: UMA ANÁLISE


COMPARATIVA

RESUMO: O presente Trabalho de Conclusão de Curso – TCC analisa comparativamente a trajetória


de duas personagens da literatura, duas mulheres às avessas que protagonizam os romances
Perto do Coração Selvagem de Clarice Lispector, cuja 1-ª edição ocorreu em 1944, fazendo
parte do estilo modernista brasileiro. E, O Silêncio de Teolinda Gersão, pertencente à literatura
portuguesa contemporânea, 1-ª edição em 1981. A abordagem de ambos se refere, sobretudo,
à linguagem e reflexão feminina dentro de um ambiente, que se revela ao mesmo tempo hostil
e repressor. A temática é o confronto entre o homem e a mulher, a partir de uma perspectiva
objetiva e responsável masculina frente a um universo subjetivo e aventureiro empreendido pelo
feminino. O sonho e as reflexões revelam particularidades da linguagem feminina, assim como,
os fragmentos à descontinuidade do pensamento humano.

Palavras-chave: Literatura; Psicanálise; Feminino; Personagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 356


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
sses modos diversos de ser, o da jovem pintora em busca de uma forma própria de vida, e
o do médico bem sucedido que tenta, através da relação com uma mulher mais nova, sentir
a vitória sobre a morte, revelam-se por diferentes maneiras de dizer as pessoas, as coisas,
os fatos: ele, com a linguagem que respeita a ordem, a lógica, a “verdade”, a precisão; ela, com a
linguagem que vai além dos limites do que é, atraída pelo que poderia ser, em que as categorias
têm a mobilidade dos sonhos e dos desejos (ZAMBONIM, 1997, p. 6).

Nas obras analisadas percebe-se que as escritoras propõem o rompimento com as rela-
ções humanas cotidianas, a quebra das máscaras dos seres (atores) sociais, e como alegoria
usa o mundo onírico, através de uma linguagem poética.
O silêncio surge como ausência de comunicação, um ato de rebeldia, revolta contra um
sistema opressor, no qual a mulher deve travestir-se dentro de um estereótipo pré-determinado,
caso recuse este papel, é discriminada pela sociedade:
[...] Pois eu não pensava em me casar. O mais engraçado é que ainda tenho a certeza de que não
casei... Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá
me acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. – Meu Deus! –
não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com
destino traçado. Daí em diante é só esperar pela morte. Eu pensava: nem a liberdade de ser infeliz
se conservava porque se arrasta consigo outra pessoa. Há alguém que sempre a observa, que a
perscruta, que acompanha todos os seus movimentos. [...] Casei certamente porque quis casar.
Porque Otávio quis casar comigo (LISPECTOR, 1980, p. 159)

As hipóteses lançadas a priori referem-se ao choque entre as necessidades do eu - fe-


minino e o não atendimento das expectativas por seu oposto, masculino. Um ser subjetivo,
como água corrente, sonhador, voltado à imaginação e aventura em oposição ao objetivo,
árido, pedregoso, indiferente, real e estável.
O ser de afirmação versus o da negação. O desejo feminino reprimido e adormecido,
uma frustração transformada em comodismo, diante do medo da indefinição, encontrando
refúgio na segurança e estabilidade do contrato nupcial. O membro social para ser aceito pelo
corpo cede às regras e anula seus reais impulsos e motivações.
Entretanto, surge a contradição do mundo moderno, o isolamento proporcionado pela
monotonia, pela aparente ordem entre todas as coisas, dentro da sociedade artificial surge um
silêncio de angústia, um grito mudo, pois todos anseiam pela perfeita harmonia, mas seguem
sozinhos, cada qual em sua caixa de vidro particular. Tanto a Joana de Clarice quanto a Lídia
de Teolinda alcançam paz perto dos homens, seus maridos, um momento de plenitude. Ao
mesmo tempo, a vontade de abandonar tudo, não olhar para trás e seguir um caminho próprio,
em busca de renovação consigo:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 357


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ele não precisava talvez dela, pensou, mas ela só junto dele encontrava paz. [...] Aceitar ou recusar,
escolher de novo, combinar. O começo de um outro movimento. Abandonou a tela e vagueou pelo
interior da casa, guiada por uma vontade obscura, um desejo mal contido. Precisava de se sentir
existindo, de ser atingida, mesmo que tivesse de sofrer para se provar que estava viva (GERSÃO,
1984, p. 51-58).
[...] Mas agora ela falava também porque não sabia dar-se e porque sobretudo apenas pressentia,
sem entender, que Otávio poderia abraçá-la e dar-lhe paz. Não era mulher, ela existia e o que havia
dentro dela eram movimentos erguendo-se sempre em transição. (LISPECTOR, 1980, p. 100-215)

Há um constante conflito das relações de Joana e Lídia em seu espaço com os outros
seres, pois não querem ser domesticadas, tendem ao despojamento, ao desejo físico, ao
adultério, ao livre arbítrio, expressados através dos sonhos, das lembranças e associações, os
quais dentro da perspectiva freudiana refletem o desejo recalcado no inconsciente humano,
justamente o que a sociedade e os valores censuram, culpam e reprimem no ser, tornam-se
manifestos.
As divagações femininas tratam do arrependimento, do que ficou para trás, do desejo
de fugir, porém chocam-se frente à incompreensão e cobrança masculina:
[...] ela saíra a porta e descera, perdia-se de repente lá embaixo, na rua, onde uma pequena mul-
tidão avançava, [...] porque ela ia em busca do que não existia, não existiria nunca, [...] estava de
repente fora do seu alcance, caminhando, abrindo passagem com o corpo, uma pequena figura
entre outras, que, do alto de quinze andares, os seus olhos não conseguiam seguir mais (GER-
SÃO, 1984, p. 124).

Lispector complementa que: “Não fugir, mas ir. Usar o dinheiro intocado do pai, a he-
rança até agora abandonada, andar, andar, ser humilde, sofrer, abalar-se na base, sem espe-
ranças. Sobretudo sem esperanças” (LISPECTOR, 1980, p. 210).
Quanto ao aspecto estrutural, verifica-se a predominância do narrador com onisciência
seletiva múltipla, o qual segundo Norman Friedman, compreende a reflexão não só da perso-
nagem central, mas também das demais.
A narrativa é apresentada através do discurso indireto e indireto livre, onde especifica-
mente em “Perto do Coração Selvagem” há utilização do discurso direto; enquanto na obra
de “Teolinda Gersão”, além de ser todo fragmentado, apresenta alternância de foco narrativo,
ou seja, dentro da ficção há a realidade de Lídia e Afonso, os quais assumem a narrativa atra-
vés de um diálogo em que se projetam e rememoram a história trágica de Alfredo e Lavínia,
padrasto e mãe de Lídia.
O mesmo recurso é utilizado por Clarice Lispector, em cuja obra há fragmentos do pas-
sado misturados ao presente, os quais compõem um romance essencialmente psicológico,
uma tentativa de reprodução da mente humana e o reflexo de suas experiências no mundo
sensível.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 358


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A influência dos aspectos histórico-sociais na produção dos romances deve ser levada
em consideração, afinal há uma mulher, sinônimo de casamento, família e sobretudo renúncia
aos desejos sexuais, vivendo em um país marcado pela ditadura; no caso do Brasil em 1944,
os últimos momentos do Estado Novo da Era Vargas, permeado por tensões no contexto
mundial.
Da mesma forma, no ano de 1981, Portugal encontrava-se no período pós-Revolução
dos Cravos, ou seja, fim do governo autoritário salazarista; nota-se a proposta de rompimento,
enfim, de negação da repressão, contrariando o autoritarismo e buscando a liberdade.
Quanto aos objetivos desta pesquisa, considera-se para análise e interpretação literária
considera-se a psicanálise de Sigmund Freud (1910), na qual entende-se que o indivíduo deve
moldar sua autoimagem, incorporando os valores sociais (superego), porém ao dar vazão aos
impulsos pessoais (id), este é censurado, reprimido, provocando a neurose. Entende-se, por
sua vez, que a manifestação dos impulsos é a satisfação plena dos desejos, enfim, a sensação
momentânea de plenitude.
Destarte, o objetivo desta pesquisa é analisar as obras a partir do desejo que invade o
ser humano e o incomoda, a necessidade de voltar ao útero materno, retornar ao paraíso, a
Atlântida encoberta, diante do temor em estar exposto ao mundo de carência. Em contrapar-
tida, o masculino, figura paterna, representa a frustração, ou seja, o mundo real, enquanto a
mulher, sendo a figura materna, é a plenitude, provedora de todos os anseios humanos.
Pretende-se compreender as personagens em um contexto de repressão pela sociedade
e as leis visam moldá-las para agir de acordo com o ambiente em que estão inseridas. Afinal,
segundo Freud, as três causas do sofrimento humano referem-se: ao poder superior da natu-
reza, a qual é hostil e ameaçadora; ao envelhecimento e consequente morte do homem; e às
frustrações, diante das relações sociais mal sucedidas. Sendo assim, a vida do ser humano
está condicionada. No entanto, quando reconhece os dois primeiros, ainda pretende viver
intensamente; porém quanto à terceira, por ser interno, é a causa de sua destruição. Por con-
seguinte, esta pesquisa pretende realizar a leitura, reflexão e análise comparativa bibliográfica
das obras selecionadas da Literatura Brasileira e Portuguesa, tendo em vista o estudo das
obras, assim como da crítica literária.
Já como objetivos específicos, este trabalho busca analisar a narrativa, na qual tanto
Joana de “Perto do Coração Selvagem” quanto Lídia de “O silêncio”, protagonistas que vivem
em um ambiente que as aprisiona, uma sociedade patriarcal, cujos valores tendem a submis-
são e menosprezo do feminino.
Portanto, ambas desejam transformar esta condição, saem em busca de seu objeto, ou
seja, a liberdade; em contrapartida, há um outro sujeito, neste caso, o masculino que é priva-
do de seu objeto de desejo, enfim, a mulher e a vida segura e estável proporcionada com o
casamento. Conforme Diana Luz Pessoa de Barros:
[...] quando um sujeito ganha ou adquire um valor, outro sujeito doa esse valor ou é dele privado.
A consequência disso é que a narrativa se desdobra e se redefine como a história de dois sujeitos
interessados nos mesmos valores e em busca desses valores desejados. Os percursos dos dois
sujeitos se encontram, portanto, e interferem um no outro (BARROS, 2003).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 359


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Logo, há um jogo entre o feminino e o masculino, um discurso manipulador seguido


pela ação, quando o sujeito deverá optar por uma afirmativa ou negativa, recebendo a recom-
pensa ou punição por sua escolha. Finalmente, o discurso será analisado em sua semântica,
definindo tempo, espaço, personagens, temas, e relações figurativas que compõem as obras
literárias.
É importante ressaltar que, a presente pesquisa justifica-se pela necessidade de anali-
sar a literatura frente a uma perspectiva do empoderamento feminino em diferentes períodos
históricos. O embate entre o feminino e o masculino, o conflito, a busca de igualdade, a busca
do lugar de fala e de quebra com os valores pré-estabelecidos. É necessário perceber o es-
tilo inovador, a narrativa emancipatória tanto de Clarice Lispector quanto de Teolinda Gersão.
Obras que dialogam com as diferentes gerações e fazem refletir sobre as cobranças sociais
impostas.
Assim, como problematização, a ser discutida nesta pesquisa, refere-se a luta feminina
pela emancipação, bem como a busca pelo empoderamento e igualdade. Considerando-se as
personagens que refletem o perfil do sujeito moderno, cujos desejos não são jamais atendidos
e, por isso, apresentam conflitos não resolvidos durante toda a sua vida.
Não há plenitude e satisfação num mundo hostil ao indivíduo, assim a alternativa é optar
pela mudança constante como forma de manter a chama da vida acesa. Para esta análise,
retoma-se Nietzsche em A Gaia Ciência, para o qual o único meio do homem renascer é
sempre mudar, transformar-se constantemente, renovar-se, reiniciar sempre.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 360


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LÍDIA E SEU SILÊNCIO sociedade repressora/castradora. Uma forma


de aceitabilidade frente a sua condição, uma
No verão, o romance O Silêncio é ini- vida sem perspectivas. Tanto patroa quanto
ciado com o que “Ela imaginou” no pretérito empregada seguem estáveis quando se sub-
perfeito, porém Lídia, a jovem pintora sonha, metem ao superior imediato, no caso da pri-
exatamente no momento presente em que meira, seu marido, afinal, tudo está dentro de
tenta conversar com Afonso. uma ordem aparente.
O sonho imaginado é uma projeção de Uma mulher às avessas, Lídia, propõe
um casal heterossexual que tenta conversar, uma questão inicial que se refere ao tema uti-
não somente sobre sua relação, mas antes lizado para iniciar o diálogo imaginado, uma
sobre a condição da mulher. Esta deseja uma linguagem poética, céu, mar, ponte, barco,
auto interpretação, utiliza a linguagem poé- estrada e rio, palavras soltas e livres num pri-
tica, vasta, tentando abarcar o incompreen- meiro momento, para depois voltar-se inte-
sível, o que está solto, livre, até encontrar a riormente. Entretanto, checando a simbologia
si mesma, justamente a introspecção que o é possível interpretar as palavras da mulher
masculino temia. imaginada como uma tentativa de expressão
A resistência feminina revela-se quan- de seus sentimentos.
do estava pensativa, Afonso lhe questionava As associações revelam o íntimo da per-
e prontamente respondia que não era nada. sonagem, as palavras não surgem por acaso,
Se protegia, se defendia dele porque estava na verdade revelam seu inconsciente. O céu
presa ao arquétipo cobrado, o padrão que representa a tomada de consciência quanto
a sociedade lhe oferecia de molde. No caso a sua condição, sendo pautada pelo mar, ou
dela, o impulso era reagir e falar, porém, era seja, o conflito, as dúvidas e incertezas dian-
censurada pelos valores sociais e reprimia te de um casamento que de uma aventura
seu desejo, mas ainda assim, sonhava e en- transformou-se em rotina. Precisa atravessar a
tão conseguia se expressar, uma forma de ponte, dar vazão aos desejos, decidir e arcar
evitar a neurose. com as consequências, mas jamais ficar em
Conforme Zambonim, ambos utilizam o cima do muro, é preciso entrar em um barco
silêncio através de respostas vazias, recusan- e fazer a viagem. A jovem deseja um cami-
do um estreitamento, um diálogo íntimo, os nho certo, plano, é preciso mudar, mas sem
assuntos eram delimitados, a relação marca- sofrimentos e traumas para então seguir rumo
da pela desigualdade, onde o homem é con- ao destino, a felicidade plena, assim como as
siderado o chefe da casa, protetor e provedor, águas de um rio.
enquanto a mulher deve cuidar dos afazeres A partir desta linguagem metafórica a
domésticos e sobretudo, ser domesticada. mulher procura limitar mais sua imaginação,
Fato que desagrada à Lídia, a qual têm como descrevendo um ambiente familiar, uma casa.
referência de infância sua mãe, Lavínia que O homem mesmo desinteressado, participa
diante de um casamento fracassado, adulte- do diálogo, ambos passam a construir este
ra e por fim, comete o suicídio (ZAMBONIM, ambiente, onde há um gato. Está na imagi-
1997). nação dela, é observador, salta de um lado
A passividade e a domesticação que a para outro, sobre as plantas do jardim e ja-
pintora quer evitar estão presentes em Alcina, nelas. Pode-se perceber que o animal femini-
ex-esposa de Afonso, e na empregada dela, no sente-se preso, inquieto, precisa sair, está
Ana, ambas acomodadas e moldadas pela deslocado.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 361
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Quando o homem afirma que o gato Eis que surge o dia, a luz, a saída das
passeia por um sítio, porém sem descrever trevas, a pureza e a regeneração. A Luz que
o ambiente, apenas resumindo, dizendo que indica o conhecimento, a iluminação. Como a
há um jardim; a mulher prontamente discorda luz solar que renasce todas as manhãs, o ho-
e quer novamente usar a linguagem poética. mem deve sempre prosseguir e renovar suas
Utiliza as cores azul, verde, castanho e preto, forças. É a emanação divina oposta às trevas,
as estações verão, inverno, noite e dia, sol e a vida, a salvação e a felicidade concedidas
chuva para apresentar o seu jardim repleto de por Deus (CHEVALIER, 1982).
opostos, sendo variável poderia ser como é
A ambivalência presente em todo o con-
do que desejasse.
texto em que se desenvolve o romance, dei-
Novamente, o recurso da simbologia xam claras as aflições vividas por Lídia, esta
revela que a cor azul por ser profunda e pode ser entendida como o próprio jardim.
transparente representa a transformação do
A jovem é sonhadora, deseja viver in-
real em imaginário, o caminho do sonho em
tensamente, ter paz, encontrar o equilíbrio, a
busca da felicidade. O consciente que cede
verdadeira felicidade, a plenitude, enfim, ver
lugar ao inconsciente, o homem olha para
tudo o que deseja realizado, ser livre, jamais
si e deseja algo sobrenatural. Ao passo que
se submeter, não quer sua vida controlada
transmite calma e tranquilidade, também indi-
por um homem e moldada pela sociedade.
ca fuga e morte frente a castração, a passivi-
dade e renúncia feminina ao desejo. O conflito É preciso recomeçar, deixar atrás o ve-
que Lídia vivia é apresentado pelo conjunto lho traje social da submissão e inferioridade
de cores que utiliza, seus sentimentos eram feminina, o qual imputa responsabilidades di-
confusos, ansiava por mudanças, mas era re- árias e rotineiras como: [...] esteja pronta a es-
primida pelo meio. pera do marido, com o jantar quente na mesa,
as roupas lavadas e passadas, os utensílios
O verde, por sua vez, pode ser entendi-
domésticos todos em ordem e bem limpos.
do como a busca do equilíbrio. Uma cor re-
frescante, tranquilizadora e humana. A espe- Lídia queria mais, antes de mulher era
rança desejada, o despertar da vida, a força, um ser humano, um espírito que tem sede
a sensação de imortalidade, a juventude eter- de conhecimento, de interpretação de si e do
na. O símbolo do útero materno, o paraíso, mundo em que vive. Então, por que não pode-
lugar onde todas as necessidades humanas ria se manifestar? Era impedida pelo homem
são supridas, por isso é envolvente. [...] Precisava fugir [...].
A mulher que deseja um recomeço, A oposição noite, dia, sol e chuva, reve-
uma vida nova. O castanho, a própria Ter- la o período de reflexão e indefinição que ator-
ra, o princípio passivo, o feminino, materno, mentava a jovem pintora, era preciso tomar
submisso e obscuro. Aliado à cor Preta, a uma decisão, romper, quebrar as máscaras
negritude, a etapa inicial, a necessidade de mesmo sabendo que haveria consequências
começar de novo. e certamente causaram sofrimentos.
Sua vida pode ser traçada pela noite A casa imaginada pela mulher tem uma
que simboliza a gestação, as conspirações aparência domesticada, frustrada, é uma ale-
que vão se manifestar, a expectativa do que goria da esposa submissa, tendo em vista
está por vir, sendo entendida como a libera- agradar sempre, mesmo que suas ações de-
ção do inconsciente, dos sonhos. A obscuri- notem auto renúncia. Com o passar do tempo
dade, aquilo que está além da luz, as trevas. surgem os ventos que simboliza a vaidade, a
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 362
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

inconstância e a instabilidade, a casa rebela- marido. Livre e sem apego semelhantemente


-se e segue outro caminho: ao gato, não se deixa domesticar, tem um ob-
Então era de novo uma casa muito jovem
jetivo a alcançar, a satisfação plena, deseja se
e notava-se que tinha sido inútil todo o completar, encontrar a plenitude nos breves
trabalho de domesticá-la. Então ela cres- momentos de transgressão. “[...] e é então
cia por sobre a cabeça de toda a gente que tudo acontece”(GERSÃO, 1984, p. 19).
e olhava continuamente o caminho. [...]
Como se quisesse partir, ou esperasse Ao narrar o momento em que sua mãe
alguém, não é verdade? perguntou o ho- vai até o quarto de hóspedes onde encontra
mem (mas havia na sua voz um pouco de o amante, utiliza uma linguagem que se apro-
ironia), (GERSÃO, 1984, p. 16). xima do fantástico, na qual os amantes fogem
Logo nas primeiras páginas de O Silên- montados em vassouras, sugerindo a omis-
cio as intenções de Lídia são muito claras, são da realidade, esta que para uma criança
pois ao relembrar a história de sua mãe, re- na época seria vista como cruel demais. A
vela que não aceita a condição de esposa. vassoura simboliza, nos santuários e templos
Sua tentativa é de compartilhar seus medos e antigos, a eliminação de toda a imundícia do
anseios com Afonso, o qual a repele, porque local, tudo o que veio do exterior; em oposi-
também tem medo. ção a purificação pode também ser utiliza-
da pelas feiticeiras para o mal (CHEVALIER,
Sua lembrança do passado é narrada 1982).
como um pensamento, um sonhar no momen-
to presente. “Bom, disse a mulher fechando A alegoria usada por Lídia indica que o
os olhos, vejo Herberto sentado, sozinho com elemento externo que deveria ser varrido para
Alfredo, Lavínia não está, não chegou ainda” fora seria Herberto, mas ao contrário, este le-
(GERSÃO, 1984, p. 17). vava sua mãe junto, para um mau caminho.

Sua mãe era russa e ao chegar em Por- A liberdade que era um bem para La-
tugal não sabia pronunciar o seu nome, o que vínia, em oposição era o mal de sua filha e
fez com que, além de mudar de país, pas- de Alfredo. Os objetos de desejo deles cho-
sasse a se chamar Lavínia. Com o passar do cavam-se, pois enquanto o padrasto e a ga-
tempo acabou não mais utilizando seu idioma rota desejavam Lavínia, a mãe, provedora,
materno, lembrando-se apenas dos vocábu- representante do lar e do ambiente materno,
los gato e adeus. protetor. Esta, por sua vez, também precisava
encontrar o seu lar, Herberto foi apenas mais
Para Alfredo a vida de Lavínia havia co- uma tentativa.
meçado com ele, porém o comportamento
dela revela que se sentia deslocada, algo lhe Quando a jovem pintora começa a refle-
faltava. O motivo de Lavínia lembrar-se destas tir sobre as atitudes de rebeldia de sua mãe
únicas palavras possui um significado, afinal e revela que com o passar do tempo a rotina
Lídia faz referência ao gato, assim como sua sempre retornava ao ambiente familiar como
mãe. A simbologia afirma que o gato repre- uma forma de domesticação, é interrompida
senta a reflexão, a engenhosidade e por ser por Afonso. Ora, ele mesmo questionará so-
observador, malicioso e ponderado, alcança bre o que aconteceria depois com o casal
sempre seus fins (CHEVALIER, 1982). Lavínia e Alfredo, porém não havia real inte-
resse, por isso afirma que é tarde e se prepa-
Frustrada com a vida de casada e o ra para ir embora.
mundo de aparências em que estava inserida,
Lavínia adúltera com Herberto, amigo de seu
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 363
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Enfim, o homem objetivo que traz à tona devia esperar por um esposo, bordando o seu
a realidade, soa como um anticlímax. Não de- enxoval, até que o tempo passou e como pre-
seja compreender e desestruturar a ordem cisava trabalhar, a oportunidade foi embora e
vigente, Afonso está adaptado à monotonia acabou ficando, enfim a indecisão e indefini-
e a rotina; o fato de estar com uma mulher ção moldaram o seu destino. Alcina também
jovem já é o suficiente para ser exaltado na temia a mudança, a insegurança do mundo, a
sociedade patriarcal, afinal o homem tem a falta de estabilidade, por isso estava sempre
permissão para deixar a esposa e se aventu- à espera do marido, seu porto seguro.
rar, entretanto, com uma ou outra está sempre
O medo de ser excluída e apontada
dentro dos moldes pré-estabelecidos das re-
na sociedade castra as mulheres, há uma
lações homem - mulher.
imensa cobrança quanto ao perfil e compor-
A narração fragmentada, reflexiva de tamento feminino. A jovem às avessas não,
Lídia é notada, por exemplo, ao observar os seu medo é justamente se deixar levar pelas
livros de medicina devidamente ordenados, circunstâncias, perder o controle de sua vida,
e abrir um ao acaso, ver as imagens e instru- ficar estagnada e sem perspectivas, viver na
mentos, ao ser interrompida por uma vírgula, penumbra e no silêncio.
a qual indica que no próximo parágrafo há a
A decisão da pintora foi deixar de viver
narrativa de um pensamento, uma divagação
com Afonso. Era aventureira, impulsiva e que-
dela sobre o tempo e os dias parados do
ria entender o que a aproximava dele, aquele
verão. Trata-se de uma referência à rapidez
que sempre fechava as janelas e corria as
e multiplicidade de suas reflexões diante da
cortinas sobre o mar, o que simbolizava que
monotonia e vagarosidade da vida “[...] volu-
não era receptivo às transformações:
mes, formas nítidas, o interior de um corpo,
dias tensos em que o calor se abatia sobre Ela viu o seu rosto inclinado, feio, marca-
a casa e se ouvia no silêncio [...] (GERSÃO, do, envelhecendo, fechado no seu próprio
silêncio, como se não ouvisse, e jamais
1984, p. 23)”.
fosse ouvir, coisa alguma. Uma mulher
Neste verão, em que o sol começa a muito jovem, insegura, quase ignorante
brilhar, a jovem passa a refletir sobre suas de si mesma, entrando de repente em
sua vida com o seu ritmo tumultuoso e
conquistas, afinal conseguiu tirar Afonso de incerto, que era ainda o ritmo veloz do
Alcina. Foi uma vitória? Diante da vida cotidia- crescimento. (GERSÃO, 1984, p. 32-33)
na estava confusa, não tinha certeza, somente
sabia que respirava e vivia. A arma do homem era o silêncio, a in-
diferença, na verdade revelava a espera de
Ao lembrar-se de quando foi a casa de todo ser social. Desejam a harmonia e repe-
Alcina, rememora Ana, a empregada, a qual lem qualquer agressão a esta aparente paz.
habituada à rotina do cotidiano, havia perdido Seguem individuais, preocupados com seus
a noção do tempo, se contaminado pela mo- medos, anseios e ambições. O trabalho, a
notonia diária. Entretanto, o fato de sorrir com escola, o dia a dia, a rotina, o lar, a televisão,
intimidade às visitas foi interpretado por Lídia tudo pronto, mastigado, não há mais tempo
como um sinal de resistência, inconsciente- para compreender a si e aos outros, é preciso
mente quebrava a máscara de sua profissão. digerir tudo, a velocidade da vida no mundo
A jovem pintora que deseja quebrar as virtual aumenta com muita rapidez.
regras sociais também corresponde e conver-
sa com Ana, descobrindo uma mulher molda-
da conforme os padrões patriarcais, recatada
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 364
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Não se admitem falhas, rapidamente os redonda e luminosa, um corpo. [...] lhe


seres são descartados, devem vestir o unifor- estendeu um copo de água em que diluía
um comprimido lilás era talvez – talvez
me do mundo moderno e marchar, sem olhar
piedade? [...] e o meu braço de afogada
para os companheiros, sempre em frente, não estende-se até ao copo em que diluímos
há mais tempo, não é preciso compreender o comprimido lilás e verte-o de uma vez
mais nada. sobre a jarra de flores (GERSÃO, 1984,
p. 45-46).
Os seres sensíveis, assim como a pinto-
ra, não conseguem viver neste mundo, tentam A procura de Lídia, este desejo de li-
compreender um mundo que não os compre- berdade já havia ocorrido antes de Afonso,
ende. Tentam se expressar, querem mudar, assim, há uma referência a Jorge, um homem
mas estão presos pelos olhares alheios que que reclama a ausência da jovem Lídia, do
os reprimem e tentam controlar suas ações seu amor, alegando ser a sua única família
e até seus pensamentos. É proibido sonhar. após a morte de Alfredo. Na verdade, o que
ela deseja é ser amada e aceita do jeito que
A arma de Lídia, a ironia, ao se expres- é, livre, incoerente, louca, mas feliz.
sar utiliza uma linguagem irônica, apresen-
tando um mundo artificial, onde tudo pode No outono, o fato de Lídia ser uma so-
ser resolvido a partir de uma tecla. Tudo em nhadora incomodava Afonso, para ele era
favor do bem estar e prazer humano, livros, uma alienação. Mas viver preso, enjaulado
drogas, máquinas e até mesmo agentes so- numa sociedade que indiretamente manipula
brenaturais. suas ações é de fato, alienante.
Os tempos se misturam dentro da nar- Ao pintar uma tela, Lídia contrapõe a luz
rativa, passado e presente surgem nos blocos e a sombra, o azul-pálido do céu e uma man-
que são fragmentos das conversas e pensa- cha verde. Ora, conforme já foi mencionado o
mentos do casal. A lembrança dos momentos azul revela a submissão, então a mulher apre-
de prazer é contrastada com a realidade da senta desejos e quer encontrar um equilíbrio,
sociedade patriarcal, o homem dita as regras, porém para segui-lo terá que escolher, tomar
o que fica claro diante do gesto em diluir o uma decisão e quebrar as estruturas atuais.
comprimido lilás (anticoncepcional) num copo
Sua decisão era jamais aceitar ser do-
d 'água logo após o ato sexual. Em oposição
mesticada, assim como um gato. Seria capaz
a rebeldia da mulher que não bebe o líquido,
de persuadi-lo também, mas Lídia esperava
despejando-o na jarra de flores. Lídia engra-
algo muito maior do que um amor do cotidia-
vida, sua atitude é justamente contrariar as
no.
ações masculinas, não quer em nenhum mo-
mento seguir as regras ditadas pelo macho: Ao tentar entender a atitude de sua mãe,
Lídia em seus pensamentos chega a dirigir-se
Caminhar contra o vento, como se não
fosse deter-se nunca mais; um desejo e a Lavínia, ou seja, em sua imaginação fala em
uma pressa, uma vontade de cantar. Um segunda pessoa do singular. Questiona sua
homem prendia uma mulher nos seus bra- ausência, a introspecção da mãe que masca-
ços, primeiro devagar, como se tudo se rava uma frustração diante de uma vida sem
passasse ao longe, o vento batendo nos perspectivas, superficial. E imagina a resposta
espinheiros brancos, as janelas fechadas
dela, a justificativa:
de uma casa à beira-mar, até que o mar
vinha subindo e batia nas janelas, nas ca-
beças dos espinheiros brancos, uma voz
subindo, uma boca. Ela era de repente

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 365


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

[...] eu própria não sei mover-me neste O pensamento da mulher revela uma
mundo estrangeiro de que sempre igno- certa frieza, de qualquer forma, se um filho
rei a língua, há um código que me falta,
morrer é uma boca a menos para sustentar.
uma forma de comunicar, nunca soube
exprimir-me e fui sempre arrastada, ape- Mas tenta isentar-se da culpa, pois saiu cedo
nas arrastada, pelas palavras dos outros, para trabalhar e não viu nada, o que se mis-
[...] (GERSÃO, 1984, p. 67). tura com uma revolta contra si mesma, talvez
tentasse compreender por que permitia ser
Lavínia entendia-se como uma mulher
usada daquela forma, como uma máquina de
morta, alheia a tudo o que acontecia ao seu
fazer filhos e produzir renda para o marido
redor, não se encaixava neste mundo. Não se
inerte.
sentia aceita porque não conseguia se rela-
cionar era apenas conduzida. Sua decisão e Ao ver esta cena a jovem pintora conclui
opção foi Herberto, um novo amor: “[...] uma que a ausência dos sonhos e perspectivas
mulher que vem à beira da linha segurando mantém a sociedade em ordem, marchando
uma bandeira verde. Herberto abraça-a, beija- de acordo com os interesses dominantes,
-a longamente na boca, despe-a devagar. Dei- devidamente programados. Imaginar, sonhar,
tar-se contra o seu corpo” (GERSÃO, 1984, criar e qualquer mudança deve ser reprimi-
p. 74-75). da, pois não faria parte deste mundo, seria
o caos, a morte. A revolta de Lídia é contra
Lídia entende que sua mãe foi em bus-
a utilização da mulher como um objeto, sem
ca da concretização do que desejava, o amor,
sentimentos ou pensamentos.
a liberdade, tudo o que não encontrara no
casamento. A jovem pintora também deseja A ansiedade de Lavínia para fugir e en-
ser livre, por isso questiona a correção dos contrar o seu caminho é revelada nos prepa-
homens. O verde sempre presente na obra, rativos, as roupas, a vaidade, a mala sendo
conforme mencionado, simboliza a liberda- fechada às pressas, deseja abandonar tudo,
de, a plenitude, a concretização do desejo, o seguir sem olhar para trás. Formando assim,
equilíbrio e sobretudo a esperança de que se um ciclo de vida semelhante entre mãe e fi-
alcançará o objetivo. lha, tão distantes, mas ao mesmo tempo tão
próximas.
No inverno, a última parte do livro inicia
com a cena de uma mulher desesperada, cujo Quando Lídia conta isso a Afonso, ele
filho estava morto. As recordações da mulher simplesmente acha absurdo, pois, sendo ma-
sofrida, que precisa trabalhar para dar alimen- terialista não compreende que o desejo de
to aos dez filhos, mora debaixo de um teto de Lavínia é o próprio desejo, o amor em sua
lata, subentende-se uma favela. A quantidade essência, o que para ele não existe. Lavínia
de filhos determina a renda familiar, é o retrato é comparada a uma planta frágil, sensível,
da sociedade capitalista, a reificação, onde o que precisa ter suas necessidades supridas,
ser humano é transformado em objeto, vale o sol, a água, o ar, a terra; porém, presa em
dinheiro, uma coisa. Assim, o pai recebe um um vaso é infeliz, a atitude dela ao jogá-lo da
valor em dinheiro para cada filho, mas gasta-o janela e ouvi-lo estilhaçar no chão, revela sua
em bebida, não há um planejamento. vontade de quebrar com tudo o que já viveu
e se libertar. A morte é a sua tentativa final
de liberdade, deixando o endeusamento de
Alfredo, suas ordens e cobranças obsessivas,
e todo o mundo do qual já não fazia parte.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 366


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A informação de que fora um suicídio e de outra vida.


parte de Afonso, questionando os motivos
A fuga da objetividade de Afonso, re-
que a levariam a tomar uma dose excessiva presentada principalmente em suas ações,
de calmantes, se afinal, tinha tudo (de mate- ao anoitecer, se preocupava com a hora, o
rial) para ser feliz. Ora, para ele, Lavínia não relógio, era preciso fechar e pintar o portão,
foi um exemplo, pois não corresponde ao pa- correr as cortinas. Enquanto Lídia retinha suas
drão social. lembranças e desejava sonhar, ser livre e sen-
Novamente contrariada, irritada, Lídia tir-se, existir, aproveitar o verão, passear pela
afirma que o marido não aceita o suicídio da praia, ver o mar, sentir o vento e perder a
noção do tempo.
mãe, porque não admite que uma mulher pu-
desse se revoltar contra a sociedade estáti- A ordem masculina oposta ao caos fe-
ca e aparente em que vivia. Nos fragmentos minino que era o verdadeiro amor de Lídia,
que seguem Lidia tem um sonho, deixando o ciclo da vida, a expectativa de transforma-
subentendida sua gravidez, pois a chuva é ções. Um homem que vivia dentro do padrão
representante da fecundidade, da fertilidade, aceito pela sociedade, médico, bem sucedi-
a qual banhou Lídia junto de uma criança: do, ambientado a rotina, bem casado, porém,
está perfeita ordem em que se encontrava
Caminho descalça, nua, debaixo de uma se tornava cansativa, pois era apenas uma
chuva leve e levo uma criança pela mão.
representação.
[...] A criança descendo, pelos degraus do
sonho. O sol, a água, o corpo molhado, o Lidia rompeu com esta ordem e contra-
rio claro. Estendo a mão, de dentro do rio, ditoriamente ele se considerava um vencedor,
nado até à pequena ilha de areia. Ela olha
dava-se por satisfeito, um velho, cuja rotina de
para mim, sentada na margem (GERSÃO,
1984, p. 108).
vida conduzia à morte, renasceu ao encontrar
uma nova mulher, lhe importava somente a
Nos blocos que seguem, Afonso prepa- aparência. Até a aventura de Afonso levava
ra o quarto para a chegada do bebê. Apesar em consideração os valores e conceitos da
de tudo, o casal não conseguia se entender, sociedade, afinal, na sociedade patriarcal o
eles se agrediram verbalmente o tempo todo, homem pode adulterar, abandonar a esposa
ela conclui que não se amavam. Quando des- e se aventurar. A mulher, não. Por isso Lídia
cobre o aborto, o marido a esbofeteia. quebra com os padrões sociais, porque de-
seja ser livre e se aventurar sem se importar
O silêncio transformava-se num cam-
com a ordem aparente e com a coerência do
po de batalha, uma espécie de guerra fria
mundo.
da sociedade moderna, onde as pessoas se
destroem emudecidas. Precisam aprender a O contraste entre a objetividade de
conviver em sociedade novamente, não sa- Afonso e a subjetividade de Lídia se revela
bem mais se relacionar. sobretudo quando reflete sobre o ambiente
e sua condição, chegando à conclusão de
Ao final do livro as mulheres, Lídia e La-
que estava casada por indefinição, por inse-
vínia se fundem, a decisão é tomada, porém
gurança e busca de uma estabilidade que a
a filha opta por não ter o filho, fruto de uma
sociedade cobrava. Posteriormente, dialogam
união que não existe de fato. Libertá-lo antes
questionando sua relação, o sonho oposto a
mesmo de nascer e ser aprisionado nesse
realidade, então ela afirma que vai embora.
mundo. A rebeldia da jovem pintora é contra
Novamente Afonso, reage com indiferença, é
qualquer um que lhe dê um “script” a seguir.
a autodefesa, transmitindo uma certa segu-
Por isso vai em busca de seu próprio cami-
rança.
nho, em busca de outro amor, de outro filho

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 367


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Não entende os sonhos e desejos de A atitude do homem frente a ameaça é


Lídia, pois a frieza de sua profissão o impede de autoproteção, por isso estabelece limites
de lidar com cadáveres, sabe que as pessoas de verdade ao diálogo, como forma de podar
querem simplesmente viver, mesmo reprimin- a reflexão feminina. Para ele o gato está ape-
do seus desejos e apagando seus sonhos. nas sentado no muro, aparentemente sosse-
Para ele, Lídia é muito jovem e por ter a morte gado, estático, está tudo bem.
distante, acredita no impossível. Tem consci-
Da mesma forma, Alfredo trouxe Lavínia
ência de que a mulher se interpreta, quebra
com sua filha de Paris, um ato impulsivo, fugin-
a própria máscara, rompe com os valores da
do às suas regras e normas, porém dentro da
sociedade e quer recomeçar sem olhar para
sociedade portuguesa, torna-se sua esposa e
trás; porém o homem tem medo, não quer
deve adequar-se ao padrão burguês, decorar
olhar para dentro de si, prefere manter o dis-
as normas de dona de casa. Mas a mulher
farce, a armadura de um homem vencedor,
não aceitava tal condição, sua rebeldia era
bem sucedido.
o isolamento. O diferente, o que é estranho,
Não quer reconhecer a verdade e des- agride, pois não pode ser compreendido, da
cobrir-se mal, prefere transferir a carga de mesma forma o silêncio torna-se violento, um
gênio mal para a mulher, afinal, ela foi enga- grito mudo de revolta, uma consequência do
nada pela serpente e comeu o fruto proibido, medo e da desconfiança. A estrangeira era
consequentemente o homem foi persuadido frágil, mas ao mesmo tempo árida, reprimida,
/ seduzido pelo feminino. Há uma resistên- foi arrancada de suas raízes e estava presa
cia masculina pelo assunto, uma indiferença, numa redoma de cristal, que não era o seu
representada pelo medo do que é estranho; mundo, estava com medo, semelhante a um
agindo assim se protege e fica alheio ao mun- animal acuado.
do externo “desinteressante”.
Diante da atitude da esposa, Alfredo se
Fato que segundo Freud, caso se ca- desespera, mas quando ela retorna a ator-
racterize apenas como um ato falho, pode ser menta, suas cobranças, as reclamações e
entendido como uma resistência, pois revela incompreensões são insuportáveis. Lavínia
o conteúdo do inconsciente através de uma repensa o mundo em que vive e só encontra
distração ou falta de atenção que se mani- uma saída, a morte, onde pretende encontrar
festa de modo involuntário. O homem recusa a verdadeira felicidade e a liberdade absoluta.
admitir que a esposa, o sexo feminino e frágil,
possa refletir sobre o mundo, ter consciência
crítica. É mais fácil entender o diálogo apenas
como um passatempo, uma conversa vazia.
Interessante notar a expressão de indi-
ferença que pode ser considerada deforma-
da e, portanto, conveniente ao homem, pois
esconde a intenção real. Há uma fusão en-
tre o consciente e o inconsciente, ou seja,
Afonso utiliza uma máscara tentando ocultar
o que realmente pensa, que é na verdade, a
inconveniência de uma mulher se manifestar
intelectualmente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 368


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

JOANA E O SEU CORAÇÃO SELVAGEM O ponto de vista da narrativa de Perto


do Coração Selvagem é tanto da criança Joa-
O auto dilaceramento da escritura de na quanto da adulta. O narrador é ambivalen-
Clarice Lispector, manifestando essa alie-
nação, também exterioriza a possibilida-
te e não tem a pretensão de comunicar isto
de de transgressão que a vida subjetiva ao leitor, as informações surgem fragmenta-
comporta. Mas concretizada a transgres- das e dentro de um molde subjetivo. A obra
são, produzem-se inversões súbitas – da pretende apresentar a personagem a partir de
inquietude na quietude contemplativa, do seus próprios pensamentos e das reflexões
ímpeto libertário na renúncia e na abdi- alheias, por isso não há continuidade. É pre-
cação -, que restabelecem, de cada vez,
os extremos das mesmas polaridades:
ciso um leitor ativo, que junte os fragmentos
procura/fuga, encontro/perda, liberdade/ e construa a personagem, reflita e tire suas
necessidade, autenticidade/simulação. O próprias conclusões.
espaço literário da errância do sujeito é,
na obra de Clarice Lispector, tanto o lugar A criança, órfã de mãe, morava com o
das inversões e dos antagonismos quanto pai e inventava poesias e palavras para fa-
da negação e do esvaziamento (NUNES, zer-se notar, um indício de isolamento, o dis-
1973, p. 153). tanciamento imposto pelo homem. Ao imitar
A menina – mulher, cuja vida foi molda- os sons tende a comunicação com o meio,
da pelas circunstâncias, a indefinição que a se importa com o que lhe é menor, indica o
conduziu ao matrimônio. Morava com o pai desejo de que o pai lhe dê atenção, necessita
num ambiente essencialmente masculino, de- de afeto. Olha o mundo e não o compreende,
pois com a tia, o internato e por fim Otávio, as galinhas presas que não tinham consci-
mas estava insatisfeita, sabia que o casamen- ência de seu destino, mas prosseguiram co-
to não a faria feliz, mas estava disponível e mendo as minhocas, a lei da vida, o relógio
na sociedade em que vivia não haveria outra não parava.
perspectiva, logo se submeteu. Uma mulher às avessas, desde a infân-
O primeiro homem de Joana, seu pai, cia ao brincar, se imaginava professora, ou
mantém um distanciamento com sua filha, ainda uma rainha a quem um homenzinho de-
uma relação baseada na autoridade, na in- veria se submeter. Quando imagina sua bo-
diferença e na violência; a rejeição diante de neca indo a uma festa e se destacando das
um ser feminino com o qual não sabe lidar. demais, relata que um carro azul a atropela
Consequentemente, não corresponde às ex- e uma fada a faz nascer de novo. A pequena
pectativas da menina e a reprime. história retrata a condição da mulher como
um ser humano que pretende se destacar,
O marido de Joana, Otávio casou-se mas a submissão e a castração social anulam
com ela porque desejava a liberdade de vi- seus objetivos. A solução é mudar, renascer
ver e errar, sendo concedida por uma mulher sempre, não aceitar, não se acomodar “Me
forte, liberal, sem medo, segura de si, alguém disse que quando crescer vai ser herói'' (LIS-
que lhe deixaria solto, sem culpas, não o re- PECTOR, 1980, p. 26).
primiria jamais, porque seria pior, inferior a
ele. O oposto de Lídia, sua amante, a mulher Suas primeiras relações com o mundo,
típica da sociedade, apegada aos valores pa- um contato com o masculino, o pai, pode ser
triarcais que sonhava em se casar e pela qual comparada a vida política brasileira, um re-
tinha pena. gime autoritário, onde um homem (governo)
indiferente à filha (povo), que reclama atenção
e afeto. Ao atingirem uma situação extrema,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 369
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

segue-se a represália, a violência como forma O conflito vivido a faz refletir sobre a
de silenciar aqueles que transgridem a ordem vida, não consegue exprimir o que sente e
vigente. A criança é vista como um aborreci- as palavras que tenta dizer acabam se tor-
mento, por isso a rejeita, não segue as regras nando reais. O céu azul, a submissão eterna
então precisa ser reprimida. que a fazem entender que só é possível viver
na sociedade a partir do sofrimento, a auto
Os tempos se misturam passado, pre-
sente, real e imaginário. O silêncio surge renúncia e a resignação. Confronta-se com
quando o marido está fora de casa, então in- o mar de sua meninice que tanto apreciava
terpreta-se como uma mulher má, selvagem, apresentando sua condição interior, contra-
não sabe o que fazer, surge a dúvida, quer riada. O marido torna-se um inimigo, afinal
compreender o mundo. Questiona a verdade, é um homem e sua condição o obriga a do-
seus valores e suas próprias emoções sobre mesticá-la. Ao passo que deseja se expressar,
um mundo cruel. Vive um conflito, pois ao ser livre, deixar de se reprimir, transgredir as
mesmo tempo em que deseja viver intensa- regras.
mente tem consciência da morte, da brevida-
A indiferença masculina é sentida por
de da vida.
Joana desde sua infância, no casamento não
Deseja renovar-se, recomeçar; durante lhe é diferente, o homem não a completa, por
o ato sexual sente-se viva, feminina, o equilí- isso o contraria. Rememora sua infância, a
brio representado pelo verde, o homem; logo indiferença do pai, a atração e repulsa por seu
após, o tédio, se compara a uma gata sel- professor, na fase adulta refletidas em Otá-
vagem, a repressão e a condenação social vio. Lídia, a amante do marido lhe dá suporte
diante de um ato pecaminoso, afinal a mulher social para o rompimento, a traição, esta é a
deveria se submeter ao macho, não sentir de- justificativa que precisava, não tem coragem
sejo, mas se preservar: “Mesmo na liberda- de definir seu rumo sozinha; tentou diversas
de, quando escolhia alegre novas veredas,
vezes deixar Otávio, mas não tinha forças, fal-
reconhecia-as depois. Ser livre era seguir-se
tava-lhe a coragem de quebrar a máscara.
afinal, e eis de novo o caminho traçado” (LIS-
PECTOR, 1980, p. 20). Seu medo era de perder o desejo, mor-
Joana estava revoltada com sua condi- rer para a vida, a autodestruição, devido a
ção, desejava sobretudo a liberdade, ser lou- isso tenta mudar sempre. Sentir paz ao lado
ca, estranha, irracional, mas jamais controla- do marido significa que a mantém viva, um
da por um homem. Seu estranhamento com porto seguro. Há um amortecimento do dese-
o mundo surge à medida em que se sente jo, um comodismo frente a situação.
presa, seja pelo pai, marido ou sociedade, Questiona os sentimentos do homem
numa insatisfação constante.
e os seus próprios. O desejo sexual reprimi-
Se assemelha a sua mãe Elza, caracte- do pela sociedade, o homem que age como
rizada como independente, rápida e áspera, uma máquina do sexo, objetivo, desumano.
até mesmo bruta, segundo a perspectiva do Um relacionamento baseado na ansiedade e
pai de Joana. Ao mesmo tempo má e boa, frieza, ela quer a liberação sexual, a esponta-
um olhar de desprezo ao ser humano, não neidade, a cumplicidade; busca no amante,
precisava dele. Por isso é interpretada como uma relação de prazer puro e simples, a ple-
uma herege, uma aberração, na verdade uma nitude, não há um compromisso social, era
mulher que não se submetia; o medo do ho- transgressor, sem começo, meio ou fim.
mem patriarcal era de que sua filha se tornas-
se igual a mãe já morta.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 370


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Joana não correspondia ao arquétipo Joana desejava o inexistente, não uma


da sociedade burguesa, reconhecia suas ne- ideia, mas uma busca incessante por uma
cessidades e limitações. Não pretendia fingir satisfação, uma motivação de vida. Havia uma
e aparentar uma vida feliz e saudável, mas contradição em si mesma, um desequilíbrio,
quebrou sua própria máscara, buscou a es- uma harmonia rompida, ela encontrava-se em
sência, descobriu-se mal e doente. conflito com seus próprios valores e impulsos.
A Introspecção era uma tentativa de rastrear
Sua alegria era refletir sobre sua exis-
e compreender-se.
tência, a eternidade, encontrada na sucessão
infinita, sem princípio nem fim. A saída sempre A viagem na última parte do livro revela
era a transgressão, por isso mudava a ordem o caráter ambíguo da liberdade, permeada
das coisas; friamente questionou a professora pelas incertezas, indeterminações e questio-
sobre o que era felicidade afirmando que não namentos de Joana. Para continuar vivendo
gostava de se divertir, posteriormente roubou deseja apenas mudar, dar vazão ao incons-
um livro. ciente, recomeçar. Sabe quem deseja algo
que não existe, mas sua expectativa é criar,
O silêncio de Joana e o olhar profun-
não ter medo e enfrentar todos os riscos para
do são retratados pelo mar e o gato sempre
se tornar completa.
presentes em suas reflexões, pois vivia um
conflito e tinha necessidade de se libertar, o
desejo de poder tudo e não se sentir culpada,
não criar laços emocionais atrás de si.
Apresentava uma imagem negativa às
pessoas, uma víbora, indiferente, isolada,
mas no seu interior desejava fugir, sofria. Seu
medo era não viver, a insegurança em deixar
de realizar seus desejos, as cobranças das
pessoas com as quais convive, o recuo delas.
Era preciso se lançar para viver ou morrer
mesmo suportando os sofrimentos.
Ao se declarar ao professor, percebeu
que sua relação com os outros não era mais
como quando criança; se afastava cada vez
mais, se fechava num mundo de reflexões e
indagações.
Estava alheia ao que acontecia ao redor,
parada com os olhos arregalados, pensava.
Mas ao mesmo tempo observadora, percebia
quando falavam dela e gostava de surpreen-
der as pessoas. Um bom exemplo foi quando
questionou seus tios sobre quando iria para
o internato, sua aparência era fria e objetiva,
mas interiormente era o oposto.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 371


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os romances apresentam histórias sem começo, meio ou fim definidos. Refletem sobre
a solidão e monotonia da vida, são os momentos de isolamento dos seres. Os fragmentos
narram pensamentos, questionamentos, experiências e atitudes das personagens, tendo em
vista vasculhar a essência.
Não há uma ordem temporal, os fatos se alternam sucessivamente, são memórias que
se fundem, associações, um fluxo de consciência, diferente de uma biografia. A base é refletir
sobre a existência em si mesma, a qual foi desrespeitada (SCHWARZ, 1981).
As mulheres analisadas até o momento apresentam como objeto de desejo a Liberdade,
esta reflete consequências. Deixar a repressão e estar apta a encarar a sociedade significa
enfrentar os preconceitos, simplesmente quebrar os valores e ser consciente de que as ex-
pectativas de aceitação não são positivas.
Ao final desta análise cabe ressaltar que as estações do ano no livro de Teolinda Ger-
são simbolizam as mudanças, o desenvolvimento humano, sobretudo o crescimento, mas
também a continuidade, onde fecha-se um ciclo e outro recomeça, infinitamente. Assim, é a
vida de Lídia, iniciou um grande amor no verão, passou o outono tentando compreender este
sentimento que a ligava a Afonso, e no inverno decide recomeçar uma nova vida, virando a
página e deixando o que ficou para trás.
A sociedade atual, apesar dos grandes avanços, não se diferencia muito do contexto
em que foram escritos O Silêncio e Perto do Coração Selvagem. O patriarcalismo ainda está
presente, mas às vezes camuflado, quando a sociedade condena mulheres que apresentam
uma posição liberal, sendo denominadas, loucas, esquesitas, lésbicas, endemoniadas, pros-
titutas ou sem personalidade.
O livro trata de um conflito entre o homem como ser masculino, e a mulher como ser
feminino no contexto social. Há padrões de comportamento ditados para cada um, cabe a
eles decidirem. Os interesses de ambos se chocam e acabam por desviar-se quando Lídia,
Joana e, também, Lavínia decidem seguir seu rumo, em busca da liberdade.
Afonso, Alcina, Ana e Alfredo de Teolinda Gersão, assim como Otávio e sua amante
Lídia de Clarice Lispector vivem de aparência e permanecem estáticos, no meio da multidão
conformada com as regras sociais e crendo serem felizes assim, porque na verdade se iludem,
achando que escolheram um destino, arrumando desculpas para justificar seus fracassos e
desilusões, sem jamais questionar.
As mulheres silenciosas e silenciadas representantes de tantas outras, que sabem dizer
adeus, despedir-se, ter a coragem de falar “não” à sociedade. Viver como uma metamorfose,
sem medo de mudar, de correr, de gritar. Buscar a essência do mundo, quebrar as máscaras,
as mentiras que modelam os seres, ser diferente por simplesmente não aceitar receber pronto
e programado. Mas antes, criar, pintar suas próprias paisagens, inventar e
escrever suas próprias histórias e sonhos. Desejar o impossível, o inexis-
tente e crer que irá alcançá-lo, algum dia e de alguma forma.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 372


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BARROS, Diana Luz Pessoa de. Estudos do discurso. José Luiz Fiorin (org.) In: Introdução à lingüística II – princí-
pios de análise. 2a edição. São Paulo: Contexto, 2003.

CHEVALIER, Jean. GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: mitos, sonhos, costumes, gestos, formas, figu-
ras, cores, números. Coordenação: Carlos Sussekind. Tradução: Vera da Costa e Silva [et al.] – 9. a edição. Rio
de Janeiro: José Olympio, 1995.

FREUD, Sigmund. Cinco lições de psicanálise. (1910) In: Os pensadores – textos escolhidos. Seleção de Rachel
Moreno. São Paulo: Abril Cultural, 1974.

FRIEDMAN, Norman. O ponto de vista na ficção: o desenvolvimento de um conceito crítico. Tradução: Fábio Fon-
seca de Melo. In: Revista USP. São Paulo: N-º 53, p. 166-182, março/maio de 2002.

GERSÃO, Teolinda. O Silêncio. 3. a edição. Lisboa: O Jornal, 1984.

GOTLIB, Nádia Battella. Leituras do feminino: uma história de desrecalque. In: Mulher – ficção e crítica. 1-º e 2-º
Simpósios de Literatura Comparada. Belo Horizonte: Imprensa da Universidade Federal de Minas Gerais: 1987.

GOMES, Álvaro Cardoso. A voz itinerante: Ensaio sobre o romance português contemporâneo. São Paulo: Editora
Universidade de São Paulo, 1993.

HAAR, Michel. Introdução à psicanálise - Freud. Tradução Manuela Torres. Lisboa: Edições 70, 1999.

LISPECTOR, Clarice. Perto do Coração Selvagem. 7. a edição. Rio de Janeiro: Editora Nova Fronteira, 1980.

LUKÁCS, Georg. Narrar ou descrever? In: Ensaios sobre literatura. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira
S.A. , 1965.

MENDES, Maria dos Prazeres. A metaleitura da voz narrativa feminina em Clarice Lispector e Teolinda Gersão. In:
Via Atlântica. N. 1. São Paulo: Publicação da Área de Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa
– Universidade de São Paulo, 1997.

MORAES, Tereza de. Literatura e Escritura: caminhos da liberação feminina. Tese de doutorado – FFLCH – Uni-
versidade de São Paulo: São Paulo, 2001.

NIETZSCHE, Friedrich. Sobre a verdade e a mentira no sentido extra-moral. (1873) A gaia ciência. (1881 – 1882)
In: Obras incompletas. Seleção de textos de Gérard Lebrun. Tradução e Notas de Rubens Rodrigues Torres Filho.
4-ª edição. São Paulo: Nova Cultural, 1987.

NUNES, Benedito. O drama da linguagem: uma leitura de Clarice Lispector. Quirón: São Paulo, 1973.

ROSENBAUM, Yudith. Clarice Lispector, o bonde, a metáfora. In: Revista 18. São Paulo: Centro da Cultura Judaica,
Julho / Agosto 2004.

ROSIGNOLI, Margareth Maria José Artífice. Na fruição do corpo a descoberta da identidade: Uma análise de: O
cavalo de sol – Teolinda Gersão. Dissertação de mestrado – FFLCH - Universidade de São Paulo: São Paulo, 2001.

SCHWARZ, Roberto. A Sereia e o desconfiado. Editora Paz e Terra: Rio de Janeiro, 1981.

ZAMBONIM, Maria Thereza Martinho. O Silêncio em Teolinda Gersão. Tese – FFLCH – Universidade de São Paulo:
São Paulo, 1997.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 373


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade


Guarulhos (2004); Especialista em Artes Visuais
pela Faculdade Campos Elíseos (2021); Professora
de Ensino Fundamental II - Língua Portuguesa -
na Rede E. E. Cidade Soimco II – Guarulhos-SP.

KELEN REGINA
DE OLIVEIRA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 374
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DA ARTE COMO ESTRATÉGIA PARA A


EDUCAÇÃO INCLUSIVA

RESUMO: Neste trabalho procuramos estabelecer a importância da arte, da cultura e da educação


artística como estratégia para uma educação inclusiva e intercultural. Num primeiro momento
abordaremos o conceito de arte, bem como sua função, comercialização, etc. Passando num
segundo momento à concepção mais específica de arte e educação, para acabar por propor
uma série de experiências já desenvolvidas neste campo. A inclusão também influencia os
processos artísticos, os desenvolvimentos no setor cultural e no campo da educação cultural. O
principal objetivo deste trabalho é compreender o impacto da importância da arte como estratégia
para educação inclusiva. Dentre os autores pesquisados para a constituição deste trabalho,
destacaram-se Barbosa (2005), Barbieri (2012), Silva (2001), Coutinho (2007). A metodologia
utilizada foi a pesquisa exploratória, tendo como coleta de dados, a pesquisa bibliográfica. Por
outro lado, os estudos da deficiência influenciam os processos artísticos e culturais, embora mais
numa dimensão artística relacionada com o conteúdo. O artigo fornece uma visão geral desses
aspectos e trata da questão de saber se e em que condições os desenvolvimentos inclusivos
no contexto da arte e da cultura podem ter sucesso. Concluindo-se que o sistema escolar
atual necessita de uma grande reforma no que diz respeito à igualdade de oportunidades. Isso
também afeta a educação artística nas escolas. Uma cultura escolar participativa deve permitir aos
“excluídos” o acesso à arte e cultura estabelecidas. Não no sentido de uma “conquista adaptativa
de desviantes não culturais”, mas como um equilíbrio de aceitação e cooperação entre posições
divergentes e manifestações culturais.

Palavras-chave: Arte; Educação; Intercultural; Inclusão; Escola.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 375


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

É
inegável que atualmente tanto a escola quanto a sociedade vivem um momento
de mudanças. O desenvolvimento de uma série de acontecimentos históricos no
ambiente escolar, como a escolarização dos alunos, os processos migratórios,
bem como a necessidade de se estabelecer um desenvolvimento integral dos alunos pela
escola como substituto em muitos casos do campo o social familiar, em muitos casos, exige o
desenvolvimento de novas estratégias que possibilitem uma melhor articulação dessas ações.
No presente trabalho, procuramos aprofundar uma área que atualmente se encontra
subdesenvolvida tanto na escola como na sociedade, área que pela sua universalidade e
versatilidade pode gerar inúmeras vantagens como estratégia de uma educação intercultural
e inclusiva, está falando da Arte como estratégia de inclusão social e escolar. No entanto, a
Arte pode ser caótica em muitas ocasiões, pois seus processos e configurações estão sem-
pre em constante mudança, em muitos casos evoluindo ao lado da sociedade, e em outros
aproveitando a confusão que se estabelece em seu conceito.
É importante também ter em mente o poder econômico e comercial que se desenvolve
em torno dele, pois em muitos casos é o poder econômico que move as mudanças e estabe-
lece a referida confusão. Portanto, este trabalho pretende estabelecer um contato com esta
área, e para isso será necessário abordá-la sob duas perspectivas. A situação problema que
a trouxe: como ocorre o desenvolvimento de narrativas e criações artísticas por meio da arte?
O principal objetivo deste trabalho é compreender o impacto da importância da arte
como estratégia para educação inclusiva. Numa primeira perspectiva abordaremos o conceito
de arte, que função tem, que possibilidades, etc. Num segundo, enfocaremos a relação arte-
-educação, colocando as diferentes funções e capacidades que essa relação pode desenvol-
ver. Posteriormente, em uma terceira seção, serão apresentados alguns exemplos do que foi
desenvolvido nas seções anteriores, sendo discutidas as experiências artístico-educacionais.
A metodologia utilizada neste estudo foi realizada por meio de pesquisa bibliográfica
em artigos científicos, livros, periódicos e internet. Esta técnica procura explicar o problema
a partir de referências teóricas publicadas em documentos. Busca-se conhecer e analisar as
contribuições culturais ou científicas existentes sobre determinado assunto, tema ou problema.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 376


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O QUE É ARTE? PARA QUE SERVE? produtos podem ser culturais, materiais ou
institucionais e, além de estabelecer um vín-
Antes de começar a explorar o termo culo de troca com o exterior, se estabelece
Arte, é necessário definir um termo ainda como manifestação de sua identidade de gru-
mais amplo, ou seja, o conceito de Cultura, po (OLLÉ, 2006).
com tudo o que ele implica. O conceito de
cultura objetiva, como “a cultura de um povo”, Quando os produtos evoluem, os que
surgiu apenas no século XVIII e corresponde- ficaram desatualizados tornam-se relíquias
ria a culturas que alcançaram um alto padrão que nos fazem lembrar como era esta comu-
de vida urbana e de consciência nacional. nidade no passado, tornando-se assim o seu
O que se estabelece como Cultura objetiva valor mais característico.
é um conjunto de manifestações do espírito Segundo Coli (1990, p.10) o conceito
de um povo, fruto da história, na medida em que define esse agrupamento de produtos
que construiu a identidade desse povo e o é denominado patrimônio, e sua percepção
constituiu como ser coletivo, sendo, em última também evoluíram ao longo do tempo; A prin-
instância, afirmado como realidade (SILVA; cípio, o patrimônio era considerado exclusiva-
ARAÚJO, 2007). mente artístico, evoluindo para um segundo
Portanto, podemos definir o conceito de conceito denominado histórico artístico, para
cultura como, um sistema de conhecimento se tornar hoje um conceito muito mais amplo
que nos fornece um modelo de realidade, por que engloba tanto a cultura material quanto a
meio do qual entendemos nosso comporta- ideacional, isto é, Patrimônio Cultural.
mento. Este sistema é constituído por um con- O conceito de Patrimônio carrega im-
junto de elementos interativos fundamentais, plícito o de valor, o que indica que o bem
gerados e partilhados pelo grupo que identi- patrimonial foi reavaliado pela valorização que
ficam para os quais são transmitidos a novos nele foi depositada. Uma vez contextualizado
membros, sendo eficazes na resolução de o conceito de patrimônio, podemos nos con-
problemas (JÚNIOR, 2012). centrar em definir o que é arte e quais são
O conceito de Cultura leva-nos a outro suas funções, bem como sua realidade atual
não menos importante, que é a identidade, (BARBOSA, 2005).
tanto cultural como social; O primeiro deles é A concepção de arte sofreu uma evolu-
aquele que estabelece um sistema de referên- ção notável ao longo dos anos; No passado,
cia cultural a partir do qual uma comunidade os artistas não eram considerados como ex-
define sua identidade de grupo; enquanto o pressando suas necessidades espirituais ou
segundo é a assimilação pessoal que essa emocionais consigo mesmos, simplesmente
comunidade faz dos valores e expectativas aqueles que possuíam habilidades artesanais
associadas ao grupo cultural ou étnico a que qualificadas eram considerados artistas, que
pertence. Este último nos leva a uma compa- eram contratados para um trabalho especí-
ração direta com outros grupos que diferem fico. Muitas vezes tornou-se um negócio de
em suas características das nossas, e é essa família (MEDEIROS, 2003).
concepção de diferença que nos leva a uma
sociedade multicultural e plural (BARBOSA, Porém, hoje, esse conceito mudou,
1996). não é mais apenas valorizado um trabalho
bem feito, mas muitas outras características
No entanto, por mais extenso que esse influenciam, como estética, funcionalidade,
tema possa ser, vamos nos concentrar em significado, ideia, etc. Portanto, a arte tornou-
um aspecto cultural, relevante para o ensaio, -se uma forma de expressão, ora puramente
como a produção cultural desses grupos. Os estética, ora provocadora, para exercer um

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 377


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

sentimento, uma emoção no espectador, em instalações, vídeo-criações, etc. continuará a


outros casos a arte se torna um instrumento manter no futuro a mesma emoção que hoje
de protesto, outros de reflexão de uma realida- continua a nos inspirar (FERRAZ, 2010).
de econômica, social, política, pode também
Como mencionamos no parágrafo ante-
nos mostrar um reflexo da personalidade do
rior, a função primária para a qual os museus
artista, de seus medos, preocupações, fanta-
foram criados era cultivar as classes mais
sias, etc. (FREDERICO, 2013):
desfavorecidas, trazendo-lhes arte e tradições
1. Reflexão sobre a realidade. de outras culturas a fim de promover uma rea-
proximação; No entanto, esta primeira função
2. Terapia
evoluiu para outra bem diferente, ou seja, a
3. Exercite e treine nossa percepção caracterização da arte como critério de status
da realidade. e riqueza, claramente pela função comercial
que adquiriu ao longo dos anos; perdendo
4. Transmite sensações com inten- assim a função educativa a que se destinava
sidade e transcendência, difíceis de alcançar e que devemos mais uma vez promover; hoje,
na realidade. e há não mais de vinte anos, os chamados
5. Meios de comunicação e identifi- departamentos pedagógicos ou de educação
cação com o outro. desenvolvem-se em museus, que desenvol-
vem um grande esforço para aproximar a arte
6. Sua influência política, econômi- das escolas (SILVESTRE, 2010).
ca e social.
Finalmente, e como introdução à pró-
7. Seu valor econômico, tornando- xima seção, é importante estabelecer a rela-
-se assim um determinante de status; sem ção que existe entre arte e cultura; Podemos
colecionadores, não há arte. estabelecer a mesma definição de arte para
Este último ponto parece-me especial- todas as culturas? Provavelmente não, uma
mente importante no mundo atual da arte, vez que, como vimos anteriormente, a arte
se falamos que no passado o que prevale- faz parte do patrimônio cultural de cada co-
ceu foi uma qualificação na forma de fazer munidade e se estabelece com uma série de
e representar a realidade; atualmente o valor critérios e valores distintos em cada caso; No
econômico e a aquisição de obras de arte, entanto, se podemos encontrar uma ligação
com as características sociais que isso impli- entre todos eles, em alguns casos pode ser
ca, tornaram-se os pilares que sustentam o o valor estético, em outros o valor social, etc.
equipamento artístico. No entanto, é importante conhecer o contexto
que cada concepção artística abrange para
A função primordial dos museus, que melhor compreender o seu significado (BHA-
deveria ser aproximar o mundo da arte de to- BHA, 1998; HASSAN, 1985).
dos os cidadãos, tornando-se assim um tem-
plo da cultura e da identidade social de uma Como exemplo disso temos as estátu-
comunidade, passou a ser um local de lazer, as fetichistas de Nkisi Nkondo, na região do
no qual o objeto de arte real está sendo des- Congo, que estão enraizadas em pregos, à
locadas por meio de vídeos, apresentações primeira vista podem ter um aspecto feroz e
de teatro, lojas, cafés, onde a aprendizagem monstruoso; Porém, quando o contexto em
e o desenvolvimento integral da pessoa atra- que foram criados e seu significado são co-
vés da contemplação de seu passado e seu nhecidos, suas concepções podem ser par-
presente foram relegados a um fundo menos cialmente variadas, uma vez que os pregos
capitalista. Podemos afirmar que essas no- foram introduzidos pelas pessoas ao longo do
vas formas de arte como performance, lives, tempo para selar acordos ou soluções, soli-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 378


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

citando seu apoio, para mantê-los em vigor e ou necessário pode ser abordado. Como
acreditar que seriam punidos por eles se os mencionado antes, a arte é uma janela para
violassem (LAMAN, 1968). o mundo e todos os educadores, podemos
tirar proveito disso.
Portanto, podemos chegar a nos per-
guntar: pode a arte quebrar as barreiras que Por exemplo, a XXIX Conferência Geral
existem entre as culturas? John Dewey (2010) da UNESCO (2019), propôs promover a in-
achava que sim, afirmando que a arte é a me- clusão das disciplinas artísticas na educação
lhor janela para outra cultura, insistindo que geral de crianças e adolescentes, consideran-
"a arte é uma linguagem universal". do que a educação artística:
ARTE E EDUCAÇÃO 1. Contribui para o desenvolvimento
da sua personalidade, emocional e cognitiva-
O objetivo principal da escola é formar mente;
as crianças para que possam repensar e
mudar o mundo que lhes foi ensinado, ensi- 2. Tem uma influência positiva no de-
nando-as a discriminar o bom do prejudicial, senvolvimento geral, acadêmicos e funcionários.
através do pensamento crítico; ensine-os a 3. Inspirar potencial criativo e fortale-
escolher conscientemente seus valores e con- cer a aquisição de conhecimento;
cepções de mundo e suas vidas, entendendo
os valores e significados de cada socieda- 4. Estimulam as capacidades de
de, comunidade, cultura, etc. (CAVALCANTI, imaginação, expressão oral, habilidade manual,
1995). concentração, memória, interesse pessoal pelo
outro, etc.
No passado, com o acesso de uma elite
altamente selecionada à educação, ensinar 5. Afeta o fortalecimento da consciên-
valores e conceitos comuns era muito mais cia de si e da própria identidade.
fácil; em primeiro lugar porque havia um eixo 6. Oferece às crianças e adolescentes
comum entre todas aquelas crianças e, em ferramentas de comunicação e expressão pes-
segundo lugar, porque as necessidades de soal.
cada criança não eram consideradas; Po-
rém, em uma sociedade plural como a que 7. Contribui para a criação de públi-
vivemos, é preciso levar em conta cada uma cos de qualidade que favorecem o respeito in-
das culturas que nelas se encontram, não tercultural.
apenas como uma ideia demagoga de todos
Por outro lado, Throsby (2001), afirma que
sermos iguais, o que também, mas porque o
a educação artística melhora até os aspectos
conhecimento de outras culturas enriquece
econômicos:
enormemente para o ser humano; a cultura é
permeável e, portanto, cada um de nós abra- 1. A criatividade é o recurso chave no
çou expressões, comportamentos, técnicas, surgimento do conhecimento econômico;
etc., adotados de outras culturas; heranças
2. Ela desempenha um papel na críti-
culturais promovidas pela passagem do tem-
ca social porque contribui para a apreciação de
po (EISNER, 1996).
muitas maneiras pelas quais a arte é um reflexo
No entanto, essas diferenças nem sem- de nossa sociedade;
pre são fáceis de resolver; Em muitos casos
3. Beneficia as gerações futuras por-
são assuntos delicados demais ou em outros
que constrói para o futuro;
não há uma forma viável de apresentá-los, é
aí que entra a educação artística, através dela 4. Gera valores culturais significativos
qualquer cultura, qualquer assunto polêmico e variados.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 379
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Essa capacidade educacional que a 1. Sempre vincule as diferentes


arte possui não é algo novo, já que institui- classes de um tópico comum.
ções defenderam a auto expressão criativa da
2. Estabeleça empatia com o grupo
criança a partir da não intervenção, entenden-
de alunos a quem são direcionados:
do que o professor motiva e apoia, não im-
pondo conceitos nas imagens e procurando 3. Escolha um trabalho que sirva de
não inibir a auto expressão da criança. Sendo introdução para discutir várias disciplinas;
assim, propõe que, além de motivar e apoiar
a criança, a criança deve ajudá-la a compre- 4. Bloqueie em alguns casos o diá-
ender os conceitos ao seu nível, utilizando logo entre códigos e poéticas;
imagens de arte culturalmente valorizadas 5. Tente fazer o grupo de alunos tra-
(IAVELBERG, 2003). balharem mais tarde.
As quatro disciplinas estruturadas no Por outro lado, a partir de um currículo
currículo desta última são História, Estética, multicultural abrangente, também podemos
Crítica e Produção de Obras; porém entra em estabelecer alguns tópicos que irão enrique-
jogo outros como, Filosofia, Antropologia, So- cer o currículo multicultural:
ciologia, Educação e de forma mais tangen-
cial, Geometria, Física, Química, etc. isto é, 1. Traga mudanças e melhorias. Por
por meio de um currículo artístico integrado, exemplo, grafite, colagem, escultura, pintura,
cada uma das disciplinas básicas estabeleci- performance, etc.
das pode ser abordada (COUTINHO, 2007). 2. Melhorar e enriquecer o meio am-
Agora, talvez a próxima questão a ser biente. Por exemplo, vestidos de outras cultu-
abordada seja como incluir o currículo ar- ras, elementos decorativos de edifícios, etc.
tístico nas escolas atuais; Uma das lógicas 3. Como forma de celebração. Por
mais frequentes na aprendizagem cotidiana, exemplo, como certas celebrações são cele-
privilegiada pelos meios de comunicação de bradas em outros países, nascimento, morte,
massa, é a da sedução, a curiosidade de sa- casamento em diferentes culturas, procuran-
ber algo que nos tenha mostrado visualmente do algo em comum, etc.
atraente, somada a uma ideia de espetáculo
e didática. 4. Use arte e imagens para contar
histórias. Por exemplo, colchas, livros ilustra-
Nesse sentido, uma das propostas didá- dos, totens, etc.
ticas mais interessantes pode ser a dos rotei-
ros didáticos, nos quais por meio de diversos 5. Use a arte como solução tera-
roteiros, simulando viagens e roteiros turísti- pêutica.
cos, podem ser feitas várias paradas impor- 6. Como sinal de identidade e sta-
tantes, narrando o propósito que escolhemos tus social. Por exemplo, jóias, selos, vestidos,
dito itinerário (BARBOSA, 2005). insígnias, aspectos culturais desenvolvidos
Por outro lado, como uma ideia para pela teoria da cor, etc.
o desenho da intervenção, podemos estabe- 7. Arte como realização técnica e
lecer um desenvolvimento em espiral, que prazer estético.
conecta algumas experiências com outras e
através da qual as demais disciplinas podem Por fim, a escola é um espaço públi-
ser abordadas. Para estabelecer esta meto- co ideal para repensar o nosso mundo atu-
dologia, é necessário levar em consideração al, através da participação e do contraste de
uma série de critérios (FERRAZ, 2010): ideias e pensamentos; É necessário também
agregar muitos outros espaços públicos que
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 380
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

recentemente estão abrindo suas portas para ARTES PLÁSTICAS


essa reconstrução e comunicação do mundo
atual, como museus, bibliotecas, centros de As visitas a museus podem contribuir
arte, centros cívicos, etc. para o desenvolvimento daqueles conteúdos
que fazem parte do currículo oculto, ou seja,
Além de oferecer aos jovens uma al- outros valores e concepções que não são
ternativa de lazer nos tempos livres, promo- abordados na escola. A arteterapia é uma
vendo através do trabalho com arte o desen- forma eficaz de consegui-lo, pois a criação
volvimento de capacidades de interpretação permite aos reclusos expressarem-se e esta
das mensagens que recebem diariamente comunicação permite-lhes pensar que são
da nossa cultura visual, promovendo o de- capazes de construir, de se permitirem um
senvolvimento de atitudes críticas face à re- projeto de vida diferente, desde que tenham
alidade cotidiana imposta, oferecendo aos acesso a uma nova forma de se valorizarem
jovens atividades oficinas relacionadas com e os outros (SANS, 1995).
exposições temporárias em museus e centros
de arte, promovendo o trabalho em equipe, MÚSICA
o diálogo, a troca de ideias e a complemen-
taridade de competências (BARBIERI, 2012). O fato musical possui inerentemente
uma infinidade de propriedades: curativas
ALGUMAS EXPERIÊNCIAS ARTÍSTICAS- (musicoterapia), terapêuticas (primeiros cui-
EDUCACIONAIS dados), sociais (identidade sócio musical),
lúdicas, lúdicas, afetivas e, claro, educacio-
A arte, como se observa em pontos an- nais. A metodologia parte de uma abordagem
teriores, facilita o desenvolvimento da criativi- de prática intensiva em grupo com grandes
dade, técnica, expressão, e estes podem ser doses de motivação e apoio familiar.
admirados na obra, independentemente do
criador e de suas características; assim, Goya A obra musical se adapta às épocas e
ou Beethoven, cujas características físicas e outras circunstâncias, adaptando as orques-
psíquicas são bem conhecidas, são os últi- tras a diferentes grupos musicais. Um dos
mos relegados a segundo plano em relação objetivos é proporcionar à criança um am-
à grandeza de suas obras. biente acolhedor, alegre e divertido, de forma
a promover sua autoestima, desenvolvimento
Visto que a arte pode ajudar pessoas pessoal e grupal (HOWARD, 1984).
em situação de risco ou em exclusão social a
uma integração mais real e profunda, desen- Os alunos são os únicos criadores,
volvendo nelas tanto competências sociais, começam do zero e escrevem o libreto, de-
físicas e psicológicas, como também um ver- senham a cenografia, compõem a música,
dadeiro desenvolvimento da autoestima e do fazem os figurinos, realizam a campanha de
autoconceito (ALMEIDA, 2001). imprensa, criam a iluminação, etc. Por meio
desse processo, eles se desenvolvem cog-
Porém, é preciso destacar que o que nitivamente, socialmente e emocionalmente,
consideramos arte, em muitos casos, incide além de adaptar muitas das atividades às dis-
apenas no que se denomina Artes Plásticas; ciplinas curriculares oficiais.
porém Arte é muito mais, é Música, é Dança,
é Narrativa, por isso quero desenvolver algu-
mas experiências que tenho feito em cada
uma destas áreas (MÖDINGER, 2012).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 381


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

DANÇA contínua que acompanha a narrativa ocorre


da mesma maneira entre os adultos e entre
A dança tenta aproveitar a expressivi- as crianças, mesmo que as crianças reajam
dade de cada corpo, em sua singularidade, mais rapidamente e com mais violência (SIL-
para se repensar. Dessa forma, vemos dife- VA; ARAÚJO, 2007).
rentes subjetividades representadas, que pro-
porcionam uma nova visão da mesma com- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
plementaridade das atividades educacionais Este estudo foi realizado por meio de
e artísticas favorecendo-se o desenvolvimen- pesquisa bibliográfica em artigos científicos,
to integral da pessoa; entender a arte como livros, periódicos e internet. Segundo Santos
meio para atingir o objetivo geral pendente (2001), esta técnica procura explicar o proble-
para as pessoas com deficiência: integração ma a partir de referências teóricas publicadas
social e normalização. Através da arte desen- em documentos. Busca conhecer e analisar
volvem-se as suas competências sociais, au- as contribuições culturais ou científicas exis-
toestima e autonomia pessoal, desenvolvendo tentes sobre determinado assunto, tema ou
o seu equilíbrio, a dissociação entre as partes problema. O levantamento das fontes de pu-
do corpo, etc. (SELBACH, 2010). blicações será realizado por meio de pesqui-
NARRATIVA sa em bases de dados de acesso via internet
tais como as bibliotecas, utilizando os termos:
O objetivo de desenvolver as compe- Educação, Arte, Inclusão.
tências e o gosto pela leitura, sabendo que
esta pode ser a base para a construção de De acordo com Marconi e Lakatos
aprendizagens e a aquisição de novos conhe- (2001), a metodologia qualitativa preocupa-
cimentos. Foi agendada a leitura coletiva de -se em analisar e interpretar aspectos mais
alguns livros. Isso é óbvio com as histórias do profundos, descrevendo a complexidade do
dia-a-dia: elas são contadas no contexto de comportamento. Nesse tipo de pesquisa da-
conversas e, portanto, são determinadas pe- dos como hábitos, atitudes e comportamen-
las regras em que a conversa está controla as tos são analisados de forma mais detalhada,
conversas. A regra mais importante é que as o que nos permite um maior embasamento no
conversas são bidirecionais. Cada interlocutor desenvolvimento deste. O presente trabalho
pode contribuir igualmente para a conversa foi realizado através do método tipo descriti-
e, mesmo enquanto um está falando, o outro vo-exploratório.
interlocutor reage constantemente a ele e a Neste tipo de estudo, os fatos são ob-
seus enunciados (JÚNIOR, 2012). servados, registrados, analisados, classifica-
Isso também para isso A narrativa deve dos e interpretados, sem que o pesquisador
ser aplicada à primeira vista, porque é o interfira neles. O trabalho foi desenvolvido
narrador que, ao contrário do que acontece com base em uma revisão bibliográfica me-
quando fala em um diálogo, tem o direito de diante o levantamento de obras na área, Edu-
falar durante toda a história. cação e Artes, bem como revistas e consultas
a sites, especializado no assunto.
Mas os ouvintes não ouvem a narrativa
imóvel e passivamente, ao contrário, reagem
com enunciados não verbais e verbais, e o
narrador, que improvisa sua fala durante a
narração em andamento, ajusta seu texto de
acordo com as reações dos ouvintes, enfeita
o passagens, o interesse excita, abrevia as-
sim que encontra rejeição. Essa "interação"
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 382
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Vários ramos da arte, da música à pintura, do drama ao design, são atividades prazero-
sas nas quais as crianças fazem descobertas usando todos os seus sentidos e se expressam
naturalmente, como sentem.
As crianças que se encontraram com atividades artísticas desde tenra idade se conhe-
cem melhor, obtêm pistas sobre o que gostam e o que não gostam, expressam o que veem
e suas experiências ao seu redor por meio de atividades artísticas, enquanto desenvolvem
suas habilidades cognitivas, como planejando, escolhendo, experimentando, corrigindo, con-
tinuando e terminando o que eles começaram, eles ativam sua imaginação.
Quando os problemas sociais são focados por meio da arte, é possível que as crianças
pensem melhor sobre o ambiente em que desejam viver e aumentem seu senso de respon-
sabilidade social. Além disso, o contato das crianças com atividades artísticas como pintura,
música, teatro e dança desde os primeiros anos de vida é visto como um dos fatores mais
determinantes do seu interesse e participação na cultura e na arte nos anos seguintes.
A Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO)
enfatiza este importante papel que as artes desempenham no desenvolvimento infantil e de-
fende o acesso à arte para todas as crianças na sociedade, independentemente do status
socioeconômico, status de refugiado, minoria cultural ou deficiência, como um direito humano
universal.
No entanto, com a redução progressiva do peso das artes no currículo escolar no Brasil,
famílias particularmente desfavorecidas com crianças são privadas de experiência artística de
qualidade. Portanto, as oficinas de arte fora do ambiente escolar ganham importância como
um importante ambiente alternativo de aprendizagem para as crianças conhecerem a arte
desde cedo e ganharem experiências de aprendizagem por meio da arte.
As oficinas de arte, principalmente municipalidades fora da escola, centros juvenis, cen-
tros de educação, bibliotecas infantis como instituições e organizações públicas, organizações
não governamentais, museus e galerias são realizadas em tais instituições culturais e artísticas.
Esses programas, que são oferecidos em diferentes âmbitos e intensidades, oferecem
aos indivíduos a oportunidade de desenvolver suas habilidades de alfabetização cultural e
acesso à cultura, e permitem que a arte alcance o público em uma ampla gama. Além disso,
o desenvolvimento de colaborações entre organizações que oferecem oficinas de arte e o
estabelecimento de parcerias sustentáveis com instituições culturais dessas organizações
pode levar à criação de programas interessantes de artes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 383


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BARBIERI, S. Interações: Onde está a Arte na Infância? LAKATOS, E.M.; MARCONI, M.A. Fundamentos de me-
São Paulo: Blucher, 2012. todologia científica. 7. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

BARBOSA, A. M. Arte/educação contemporânea: con- MEDEIROS, M. B. de. A arte pesquisa. Brasília: Univer-
sonâncias internacionais. São Paulo: Cortez, 2005. sidade de Brasília, 2003.

______. A imagem no ensino de arte. São Paulo: Pers- MÖDINGER, C. R; (et al.). Artes visuais, dança, música
pectiva, 1996. e teatro: práticas pedagógicas e colaborações docentes.
Erechim: Edelbra, 2012.
BHABHA, H. O Local da Cultura. Belo Horizonte: Editora
UFMG, 1998. OLIVEIRA, J. F. de; SOUZA Â. R. de. (UNESCO). Educa-
ção e direitos humanos, diversidade cultural e inclusão
CAVALCANTI, Z. (Coordenadora). Arte na sala de aula.
social.- Série Anais do XXIX Simpósio Brasileiro de Polí-
Porto Alegre: Arte Médica, 1995.
tica e Administração da Educação, Organização: [Livro
COLI, J; Lars E. G, U. O que é arte. São Paulo:Brasilien- Eletrônico]. – Brasília: ANPAE, 2019.
se, 11 ed. 1990.
OLLÉ, Mª C. T. da L. Arte-Educação: desafios para uma
COUTINHO, R. G. Alguns pontos para pensar a forma- formação intercultural. In: VIII Encontro de Pesquisa em
ção do professor de Arte. In: ______. Inquietações e Educação da Região Centro Oeste. ANPED Centro Oes-
mudanças no Ensino da Arte. 3. ed. São Paulo: Cortez. te. Cuiabá – MT: 2006.
2007.
SANS, P. de T. C. A criança e o artista: fundamentos para
EISNER, E. Estrutura e mágica no ensino da arte. Porto o ensino das artes plásticas. 2. ed. Campinas: Papirus,
Alegre: Mediação, 1996. 1995.

FERRAZ, M. H. C. de T.; FUSARI, M. F. de R. Arte na SELBACH. S. Arte e didática. Petrópolis: Vozes, 2010.
educação escolar. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2010.
SANTOS, A. R. Metodologia científica: a construção do
FREDERICO, C. A arte no mundo dos homens – o itine- conhecimento. 4.ed. Rio de Janeiro, RJ: DP & A, 2001.
rário de Lukács. São Paulo: Expressão Popular, 2013.
SILVA, E. M. A; ARAÚJO, C. M. de. Tendências E Con-
HASSAN, I. The Culture of Postmodernism. Illinois: 1985. cepções Do Ensino De Arte Na Educação Escolar Brasi-
leira: Um Estudo A Partir Da Trajetória Histórica E Sócio
HOWARD, W. A música e a criança. São Paulo: Sum-
Epistemológica Da Arte/Educação. Anais... 30ª reunião
mus, 1984.
da ANPED. Caxambú, 2007. Disponível em: http://30reu-
IAVELBERG, R. Para gostar de Aprender Arte: Sala de niao.anped.org.br/grupo_estudos/GE01-3073-Int.pdf.
Aula e Formação de Professores. Porto Alegre, Artmed, Acesso em: 20 jan. 2021.
2003.
SILVESTRE, J. Arte na Educação Infantil. 2010. 54 f.
JOHN DEWEY (trad. Vera Ribeiro; introd.: Abraham Monografia. Universidade do extremo Sul Catarinense
Kaplan) SÃO PAULO: MARTINS, 2010. – UNESC, Artes Visuais. Criciúma, 2010.

JÚNIOR, J. F. D. Por que arte-educação? 22. ed. Cam- THROSBY, D. Economics and culture. Cambridge: Cam-
pinas, SP: Papirus, 2012. bridge University, 2001.

LAMAN, K.. The Kongo (4 volumes). Uppsala, Studia


Ethnographica Upsaliensia IV, VIII, XII, XVI (1953, 1957,
1962, 1968).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 384


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade UNINOVE


(2014); Especialista em Formação Docente e
Educação Especial pela Faculdade Faculdade
de Educação Paulistana, e a Faculdade Campos
Elíseos (2018 e 2020); Professora de Educação
Infantil - no CEI JARDIM TAIPAS.

LAISE CRISTINA
CANDIDO GOES SOUZA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 385
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E AS DIFICULDADES DE


APRENDIZAGEM

RESUMO: O presente trabalho tem como objetivo investigar as consequências da violência doméstica
nas dificuldades de aprendizagem de crianças e adolescentes, além de relacionar a importância
da presença da família na escola contribuindo para o sucesso e segurança do educando, essa
pesquisa também irá ressaltar os direitos da criança e adolescente no que se refere à educação
e os efeitos que a violência doméstica causa nos educandos e consequentemente a falta de
apoio escolar.

Palavras-chave: Violência Doméstica; Dificuldades; Aprendizagem; Família, Direitos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 386


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
violência doméstica é algo infelizmente cada vez mais comum em nossa socieda-
de contemporânea principalmente em relação aos estudantes de escola pública
e esse tipo de violência engloba tantos abusos físicos quanto psicológicos atin-
gindo muito além do que marcas corporais na vida da criança e do adolescente.
Muitas vezes, o que a criança sofre em seu lar ela irá refletir esses reflexos dentro do
ambiente escolar pois é neste local que elas passam a maior parte do tempo. Mesmo havendo
legislações específicas de proteção ao menor, tais como o ECA (1990) essas situações de
violência estão cada vez mais frequentes no cenário da educação brasileira.
De acordo com José e Coelho (2006, p.11) o processo de aprendizagem sofre várias
influências e a questão emocional interfere bastante na educação, ou seja, a maneira de como
a criança é tratada e como ela se sente gerarão uma insegurança, baixa estima e consequen-
temente baixos índices de aprendizagem.
A afetividade e o cognitivo da criança estão completamente atrelados, desta forma,
pode-se afirmar que qualquer problema emocional gera consequências sérias na cognição
dos educandos. BEE (2003) afirma que crianças que sofrem com violência física podem
desenvolver diversos problemas psíquicos como depressão e vários problemas emocionais
além de apresentar baixos índices de QI.
Verificamos uma relação da presença da família no processo da aprendizagem das
crianças for realizada de maneira somativa apresentando vários benefícios ao educando, con-
tudo, quando esta família agride um jovem, este desenvolver transtornos como agressividade,
desânimo e resultados negativos referentes ao ensino e aprendizagem.
Este trabalho tem como principal tema contribuir no estudo sobre professor no seu tra-
balho diário com os alunos, levando em consideração a relevância da família e da violência
doméstica junto aos processos de ensino aprendizagem, pois com sua participação, o pro-
fessor tem um ambiente favorável e mais facilidade em alcançar seus objetivos pedagógicos.
O presente trabalho tem como justificativa contribuir como referencial bibliográfico de
interesse para os profissionais da educação, visto que há um grande número de crianças que
sofrem de violência doméstica principalmente no que se refere às escolas públicas.
A metodologia será uma pesquisa bibliográfica por meio de levantamento por meio de
livros, rede mundial de computadores, revista científica, legislações e teses de mestrado e
doutorado.
Além disso, esta pesquisa será composta por três capítulos, o primeiro aborda as formas
de violência doméstica contra crianças e adolescentes e a importância da família na aprendi-
zagem, o segundo discute temas como as transformações em relação a aprendizagem das
concepções de Criança, os direitos das crianças de acordo com o ECA e as políticas públi-
cas de aproximação da escola e família e garantia de direitos da criança e do adolescente, o
terceiro e último capítulo aborda uma pesquisa realizada com professores da rede estadual,
municipal e particular, ao todo serão entrevistados 6 profissionais para amostragem, assim, os
objetivos serão atingidos ao tentar por intermédio da tabulação relacionar as dificuldades de
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 387
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

aprendizagem que são ocasionadas devido a fatores de violência doméstica que acometem
crianças e adolescentes.
Os entrevistados, foram 2 educadores da rede municipal, 2 da rede estadual e 2 da rede
privada de ensino, estes foram selecionados por meio de pessoas conhecidas que haviam
citado alguns profissionais que lidavam com crianças que sofriam pela violência doméstica.
Sendo assim, para preservar a integridade tanto da escola quanto dos entrevistados e
não gerar um constrangimento, seus nomes serão preservados, assim como os locais de tra-
balho dos mesmos e será aplicado o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE), pois
dessa forma não seria possível saber se há um consenso ou não sobre o assunto tratado, foi
utilizado um fator de desempate, colocando desta maneira, dois profissionais de cada esfera.
Será aplicado um questionário com os professores com perguntas pertinentes ao tema
tratado e após feita a pesquisa, a mesma será tabulada e transformada em gráficos para
uma melhor visualização e entendimento das dificuldades de aprendizagem que são geradas
devido aos transtornos causados pelas violências domésticas em crianças e adolescentes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 388


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AS FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA É imprescindível discutir o que é uma


CRIANÇAS E ADOLESCENTES E família, pois ao longo da história tem se mu-
A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA NA dado esse conceito. Ainda para as autoras,
APRENDIZAGEM atualmente vivemos em uma sociedade diver-
sificada, pois as famílias estão estruturadas
Segundo Maria Amélia Azevedo (1998) de forma diferente de anos atrás.
existem várias formas de violência que são
praticadas contra crianças e adolescentes O antigo padrão de família, antes cons-
que de certa forma, geram uma negação de tituído por pai, mãe e filhos deixa de existir
todos os direitos que são garantidos para este e surgem em seu lugar novas composições
público. familiares desde as mais simples, formadas
apenas por pais e filhos, como também famí-
Entre as situações que são citadas na lias formadas por casais oriundos de outros
obra da autora podemos citar a violência fí- relacionamentos, família composta por ho-
sica que pode chegar até o espancamento mossexuais e famílias formadas apenas por
fatal, a violência sexual que muitas vezes são avós e netos, o que não significa que essas
realizadas pelo próprio parente da criança novas gerações não sejam consideradas fa-
gerando um trauma físico e psicológico no mílias. (SANTOS e SERRANO, 2015).
mesmo e a negligencia que se caracteriza por
uma omissão de cuidados que a criança e o Segundo Tonet (2007) família é um con-
adolescente possuem direitos previstos em junto de pessoas que se unem pelo desejo de
legislações específicas como o Estatuto da estarem juntas, de construírem algo e de se
Criança e do Adolescente que será ressaltado complementarem. Isso porque ainda para a
ao longo deste trabalho. autora, “a escola não pode viver sem a família
e a família não pode viver sem a escola, pois
Todas essas formas de violência geram uma depende da outra” (TONET, 2007).
enormes consequências na vida da criança e
do adolescente e o cuidado familiar e acom- Hoje vivemos em uma sociedade diver-
panhamento é uma ação indispensável para sificada, com vários modelos de famílias. A
o sucesso escolar e bem-estar do indivíduo. Constituição Federal por meio do artigo 226,
§ 6º decreta a união estável como família.
De acordo com Santos & Serrano “Para efeito de proteção do Estado, é reco-
(2015) nos diz que a educação não é uma ta- nhecida a união estável entre o homem e a
refa que a escola possa realizar sozinha sem mulher como entidade familiar, devendo a
a cooperação de outras instituições. É nítido lei facilitar a sua conversão em casamento”
que a família é a instituição que mais perto (BRASIL, 1988).
se encontra da escola. Sendo assim, se le-
varmos em consideração que família e escola A escola isolada é insuficiente para
buscam atingir os mesmos objetivos, devem cumprir o papel educacional: “A escola nunca
elas comungar os mesmos ideais para que educará sozinha, de modo que a responsabi-
possam vir a superar dificuldades e conflitos lidade educacional da família jamais cessará.
que diariamente angustiam os profissionais Uma vez escolhida a escola, a relação com
envolvidos no ambiente escolar, e também os ela apenas começa. É preciso o diálogo entre
próprios alunos e suas famílias. escola, pais e filhos” (PARANÁ, p. 6).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 389


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

De acordo com Santana (2013) a famí- dadão compreendida como: “o fortalecimento


lia é: dos vínculos de família, dos laços de solida-
riedade humana e de tolerância recíproca em
O lugar indispensável para a garantia da
sobrevivência e da proteção integral dos
que se assenta a vida social”.
filhos e demais membros, independen- Ainda segundo as autoras, a família
temente do arranjo familiar ou da forma exerce as funções de cuidados básicos de hi-
como vêm se estruturando. É a família
giene, saúde, alimentação, orientação e afeto,
que propicia os aportes afetivos e sobre-
tudo materiais necessários ao desenvolvi- mesmo sem laços de consanguinidade (CAS-
mento e bem-estar dos seus componen- TRO; REGATTIERI, 2009, p.13).
tes. Ela desempenha um papel decisivo
Já de acordo com o Estatuto da Criança
na educação formal e informal, é em seu
espaço que são absorvidos os valores
e do Adolescente (ECA) “é de responsabilida-
éticos e humanitários, e onde se aprofun- de da escola se articular com as famílias, e
dam os laços de solidariedade. É também dever dos pais assumir o seu papel perante
em seu interior que se constroem as mar- a escola e a sociedade, e ter ciência de sua
cas entre as gerações e são observados relevância na participação e definição das
valores culturais (SANTANA, 2013, p. 34). propostas educacionais” (BRASIL, 1990).
A autora deixa claro que a atuação da Porém, nem sempre esse princípio é
família é decisiva no desempenho escolar, considerado quando se trata do vínculo entre
como também nos valores morais do cida- a escola e a família, observa-se de forma re-
dão. Pode-se observar o quanto a proximi- corrente, que a família delega toda educação
dade entre a escola e a família é significante e responsabilidade para escola. Segundo o
para o desenvolvimento humano, pois é por filósofo, educador e professor Cortella:
intermédio dela que se formam cidadãos crí- As famílias estão confundindo escolari-
ticos e conscientes para ingressarem na so- zação com educação. É preciso lembrar
ciedade (SANTANA, 2013). que a escolarização é apenas uma parte
da educação. Educar é tarefa da famí-
Segundo Piaget, lia. Muitas vezes o casal não consegue
com o tempo que dispõem formar seus
Uma ligação estreita e contínua entre os
filhos e passa a tarefa ao professor, res-
professores e os pais, leva, pois, a muita
ponsável por 35, 40 alunos (CORTELLA,
coisa mais que a uma informação mútua:
2014,p.36).
este intercâmbio acaba resultando em
ajuda recíproca e, frequentemente, em A experiência escolar tem mostrado
aperfeiçoamento real dos métodos. Ao
que a participação dos pais é de fundamental
aproximar a escola da vida ou das pre-
ocupações profissionais dos pais, e ao importância para o bom desempenho escolar
proporcionar, reciprocamente, aos pais e social das crianças. O Estatuto da Criança
um interesse pelas coisas da escola, e do Adolescente (ECA), no seu artigo 4º dis-
chega-se até mesmo a uma divisão de corre:
responsabilidades (PIAGET, 2007, apud
SOUZA, 2009, p. 6) É dever da família, da comunidade, da
sociedade em geral e do Poder Público
Segundo Castro e Regattieri (2009, assegurar com absoluta prioridade, a efe-
p.13) a escola é parte do sistema público tivação dos direitos referentes à saúde,
de ensino que é responsável primário pela à alimentação, à educação, ao esporte,
educação, isto porque no que consta na Lei ao lazer, à profissionalização, à cultura, à
liberdade e à convivência familiar e comu-
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
nitária (BRASIL, 1990, p. 45).
a educação escolar tem como objetivo, no
ensino fundamental, a formação básica do ci-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 390
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

De acordo com Santos & Serrano Hoje vivemos em uma sociedade diver-
(2015) nos diz que a educação não é uma ta- sificada, com vários modelos de famílias. A
refa que a escola possa realizar sozinha sem Constituição Federal por meio do artigo 226,
a cooperação de outras instituições, é nítido § 6º decreta a união estável como família.
que a família é a instituição que mais perto se “Para efeito de proteção do Estado, é reco-
encontra da escola. nhecida a união estável entre o homem e a
mulher como entidade familiar, devendo a
Sendo assim, se levarmos em conside-
lei facilitar a sua conversão em casamento''
ração que família e escola buscam atingir os
(BRASIL, 1988).
mesmos objetivos, devem elas comungar os
mesmos ideais para que possam vir a supe- A escola isolada é insuficiente para
rar dificuldades e conflitos que diariamente cumprir o papel educacional: “A escola nunca
angustiam os profissionais envolvidos no am- educará sozinha, de modo que a responsabi-
biente escolar, e também os próprios alunos lidade educacional da família jamais cessará.
e suas famílias. Uma vez escolhida a escola, a relação com
ela apenas começa. É preciso o diálogo entre
É imprescindível discutir o que é uma
escola, pais e filhos” (PARANÁ, p. 6).
família, pois ao longo da história tem se mu-
dado esse conceito. Ainda para as autoras, De acordo com Santana (2013) a famí-
atualmente vivemos em uma sociedade diver- lia é:
sificada, pois as famílias estão estruturadas O lugar indispensável para a garantia da
de forma diferente de anos atrás. O antigo sobrevivência e da proteção integral dos
padrão de família, antes constituído por pai, filhos e demais membros, independen-
mãe e filhos deixa de existir e surgem em seu temente do arranjo familiar ou da forma
lugar novas composições familiares desde as como vêm se estruturando. É a família
mais simples, formadas apenas por pais e que propicia os aportes afetivos e sobre-
tudo materiais necessários ao desenvolvi-
filhos, como também famílias formadas por mento e bem-estar dos seus componen-
casais oriundos de outros relacionamentos, tes. Ela desempenha um papel decisivo
família composta por homossexuais e famí- na educação formal e informal, é em seu
lias formadas apenas por avós e netos, o que espaço que são absorvidos os valores
não significa que essas novas gerações não éticos e humanitários, e onde se aprofun-
sejam consideradas famílias (SANTOS & SER- dam os laços de solidariedade. É também
em seu interior que se constroem as mar-
RANO, 2015). cas entre as gerações e são observados
Segundo Tonet (2007) família é um con- valores culturais (SANTANA, 2013,p. 23).
junto de pessoas que se unem pelo desejo de Ainda a autora deixa claro que a atu-
estarem juntas, de construírem algo e de se ação da família é decisiva no desempenho
complementarem. Isso porque ainda para a escolar, como também nos valores morais do
autora, a escola não pode viver sem a família cidadão. Pode-se observar o quanto a proxi-
e a família não pode viver sem a escola, pois midade entre a escola e a família é significan-
uma depende da outra “ (TONET, 2007). te para o desenvolvimento humano, pois é por
meio dela que se formam cidadãos críticos e
conscientes para ingressarem na sociedade
(SANTANA, 2013).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 391


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo Piaget, Atualmente os pais estão transferindo a


Uma ligação estreita e contínua entre os
função do educar para as escolas, o pretexto
professores e os pais, leva, pois, a muita para tal atitude é afirmar que não tem tempo
coisa mais que a uma informação mútua: pois trabalham muito, deixam as crianças em
este intercâmbio acaba resultando em tempo integral na escola, em que se alimen-
ajuda recíproca e, frequentemente, em tam, estudam e só chegam em casa para dor-
aperfeiçoamento real dos métodos. Ao mir e no outro dia se inicia o ciclo novamente.
aproximar a escola da vida ou das pre-
ocupações profissionais dos pais, e ao De acordo com Paulo Freire (1993), o
proporcionar, reciprocamente, aos pais professor exerce uma função de mediador do
um interesse pelas coisas da escola, processo de ensino e aprendizagem e não
chega-se até mesmo a uma divisão de deve ser visto como uma pessoa responsável
responsabilidades (PIAGET, 2007, p. 50 pela criação do indivíduo.
apud SOUZA, 2009, p. 6).
Constantemente, algumas famílias trans-
A sociedade necessita de família como ferem funções que não são da escola, como
expressão máxima da vida privada, um lugar consequência disso, temos o mal desempe-
de intimidade, de construção de sentidos e nho escolar e a indisciplina, pois muitas vezes
expressão de sentimentos,na qual se expõe por rebeldia, as crianças e adolescentes co-
o sofrimento psíquico que a vida põe e repõe meçam a fazer certas coisas a fim de chamar
a todos nós. (CARVALHO, 2015, p. 301). a atenção dos responsáveis.
Segundo Zanzarini e Yoshida, Os pais devem separar um tempo para
poder acompanhar a vida escolar de seus
Do ponto de vista da cultura a família é
necessária, pois, toda criança tem ne-
filhos, seja nas lições de casa ou reuniões
cessidade de ter uma família de origem, pedagógicas para que haja um comprometi-
substitutos ou abrigados em instituições mento maior com a educação de seus filhos,
que cumpra a função dos pais cuidando e no entanto, não é o que acontece muitas ve-
transmitindo os valores sociais e culturais zes, como afirma Muller (2000, p.31) “Quan-
(ZANZARINI e YOSHIDA, p.3). to ao envolvimento dos pais nas atividades
propostas pelas escolas constatamos que
Portanto, de acordo com Carvalho (p.
muitos não dispõem de tempo para estarem
304) a importância da família na esfera públi-
indo à escola participar de discussões peda-
ca ainda causa desconfiança, porém é fato
gógicas”.
que a família em sua esfera íntima é um lugar
de encontro humano, de construção de histó- Além das questões de falta de tempo
ria de vida, de exercício do poder moral e de por causa do trabalho, ainda tem as famílias
reposição de valores, sendo isso necessário de pais separados, o que dificulta mais ainda
na esfera pública. o processo de comunicação entre até mesmo
entre os próprios pais, e a relação com a es-
Verifica-se que a família é um fenômeno cola fica cada vez mais distante.
social na qual produz vários efeitos jurídicos,
criando divergências tanto no campo jurídico A escola enquanto uma instituição que
promove o aprendizado e relações culturais,
quanto no sociológico, caminhando sempre à
precisa estimular a participação das famílias
frente das normas e convenções, e buscando
na vida de seus filhos, deve ser um ambiente
seu próprio espaço, criando soluções para acolhedor, que embora tenha as funções de
sua evolução (MARIANO, p. 15). cuidar e educar, são apenas tarefas comple-
mentares aos cuidados do seio familiar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 392


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Além disso se as crianças e adoles- As crianças estão em processo de


centes perceberem que o pai está realmente formação e necessitam de exemplos, estes
preocupado e interessado com que fazem na partem da família que podem auxiliá-los na
escola o trabalho de ensino seria muito mais leitura, nas tarefas e no incentivar interesses
fácil, a partir de estudos realizados, muitas e também na figura do professor que está
vezes o mal desempenho de uma criança é mediando os processos.
uma maneira para atingir o olhar dos pais
As lições de casa são elementos que
que muitas vezes está só trabalhando e não
fazem esse elo de ligação entre os dois gru-
reserva alguns minutos para conversa.
pos de escola e família, além de promover a
Com o acompanhamento familiar é pos- fixação de conteúdos que foram ensinados,
sível encontrar maneiras mais eficazes de até são momentos que propiciam o construir, o
mesmo solucionar problemas de dificuldade processo de fazer juntos e da cooperatividade
de aprendizagem por conhecer melhor as in- entre ambientes escolares e familiares.
dividualidades desta criança. A família tam-
No entanto a escola e a família são cul-
bém deve estar envolvida em todas as deci-
pabilizadas pelo distanciamento que ocorre
sões do que se refere às escolas, esse direito
na vida escolar das crianças, além da questão
previsto por lei inclusive, permite uma ligação
de falta de tempo que é relatada por muitos
entre família e escola.
pais, ainda existe os resquícios de uma es-
Piletti (1987, p, 35) afirma em seu livro cola arcaica que se utiliza de autoritarismo e
que: que acaba afastando a comunidade da parti-
O fato de as atividades de ensino e apren-
cipação efetiva da educação.
dizagem, nas diversas matérias, constitu- O papel do professor não pode ser con-
írem as funções específicas da escola,
siderado como um cuidador, pois este não se
não implica que a comunidade deva es-
tar ausente delas. Pelo contrário: quanto restringe a apenas um aluno, este profissional
maior a presença da comunidade, maior é um educador que cuida dos aspectos que
tenderá a ser a eficácia dessas atividades estão relacionados à escolarização da crian-
(Piletti, 1987, p, 35). ça.
O ideal para uma aprendizagem con- A parceria entre família e escola só vai
creta e significativa seria criar um ambiente chegar no seu êxito a partir do momento em
propício para o diálogo entre essas duas ins- que essas duas instituições estiverem reuni-
tituições e importância na vida do indivíduo das no intuito de atingir um único objetivo, a
como a escola e a família, um local em que formação de um indivíduo em sua integralida-
haja o diálogo e a colaboração mútua entre de, contudo, essa tarefa não é simples, pois
as partes. deve haver uma aproximação entre ambas.
Os pais devem valorizar toda a pro- A escola deve ser entendida como um
dução da criança, pois fazendo isso, estará local receptivo que esteja aberta ao diálogo
sendo responsável por despertar o interesse e no que tange ao ensino de valores, esse
no aluno, que muitas vezes estão carentes só terá êxito na ajuda mútua entre escola e
e necessitam de alguma demonstração de família:
carinho e afetividade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 393


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A família não é o único canal que pode A Lei de Diretrizes e Bases (9394/96)
tratar a questão da socialização, mas é estabelece a participação de todos em uma
sem dúvida, um âmbito privilegiado, uma
educação que tenha professores, os pais,
vez que este tende a ser o primeiro grupo
responsável pela tarefa socializadora. A fa- comunidade, conselho de escola, gestão, vi-
mília constitui uma das mediações entre o sando melhorias para a promoção de uma
homem e a sociedade. Sob este prisma, a educação integral de seus alunos.
família não só interioriza aspectos ideológi-
cos dominantes da sociedade, como pro- Outro fator relevante a participação dos
jeta, ainda, em outros grupos os modelos pais tem relação com a condição social que o
de relação criados e recriados dentro do educando está inserido, quando a família tem
próprio grupo (CARVALHO, 2006, p.16). a escola como um meio de superar limites,
A instituição escolar deve sempre estar melhoria de vida e condição social, se tem
voltada a promover eventos que propiciem a uma maior participação e preocupação, no
ligação com a família dos alunos, portanto, entanto quando os pais não têm noção dos
devem realizar feiras para exposição dos tra- objetivos da escola, eles são um pouco mais
balhos dos alunos, em reuniões promover a resistentes ao participar.
valorização dos trabalhos e talentos que es- A escola também deve conscientizar a
tes educandos possuem, reunião de pais e todos sobre o papel que exerce na socieda-
mestres sempre que for necessário, além de de, enquanto uma instituição que promove o
deixar as portas abertas da instituição para conhecimento e também um espaço que pro-
tirar dúvidas. move a cultura, para que a participação dos
Muitas vezes tem que haver uma vincu- pais na educação dos filhos seja cada vez
lação maior dos direitos e obrigações entre mais consciente.
escola e família, pois na maioria das vezes, os De acordo com Tiba (1996):
responsáveis desconhecem esses elementos,
O ambiente escolar deve ser de uma ins-
o que acaba dificultando também a ida para tituição que complete o ambiente familiar
as escolas. do educando, os quais devem ser agra-
dáveis e geradores de afeto. Os pais e a
A participação entre escola, família e co-
escola devem ter princípios muito próxi-
munidade resultam em uma gestão democrá- mos para o benefício do filho/aluno (TIBA,
tica participativa, em que todas as decisões 1996, p.140).
serão tomadas em conjunto que é abordada
por Cury (2007, p. 76) em seu livro: Desta forma, é dever da família do edu-
cando participar de sua trajetória escolar para
Essa igualdade pretende que todos os visar a ajuda das práticas escolares, somen-
membros da sociedade tenham iguais con- te um trabalho coletivo garantirá a eficiência,
dições de acesso aos bens trazidos pelo co- mesmo que haja situações que possam oca-
nhecimento, de tal maneira que possam par- sionar um distanciamento, deve-se pensar
ticipar em termos de escolha ou até mesmo sempre em um objetivo maior que é o suces-
concorrência no que uma sociedade consi- so na formação do indivíduo.
dera como significativo (CURY, 2007, p. 76).
Nesse sentido, nada melhor que os pais
para decidirem o que será melhor na apren-
dizagem de seus filhos, por isso Paro (2007)
aborda sobre a importância que a família tem
no desenvolvimento da criança.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 394
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS DIREITOS DA CRIANÇA DE ACORDO A criança e o adolescente gozam de to-


COM O ECA dos os direitos fundamentais inerentes à
pessoa humana, sem prejuízo da prote-
De acordo com Silva (2005, p.31-32) O ção integral de que trata essa lei, asse-
gurando-lhes por lei ou por outros meios,
Estatuto da Criança e do Adolescente surgiu
todas as oportunidades e facilidades, a
como foco de ter a proteção integral da crian- fim de lhes facilitar o desenvolvimento
ça e adolescente e ainda afirma: físico, mental, moral, espiritual e social,
Nasceu em resposta ao esgotamento his- em condições de liberdade e dignidade
tórico-jurídico e social do Código de Me- (BRASIL, 1990, art. 3).
nores de 1979. Nesse sentido, o Estatuto Silva (2005, p.36) aborda sobre as ca-
é o processo e resultado porque é uma racterísticas do Estatuto da criança e ado-
construção histórica de lutas sociais dos
lescente que é composto por 267 artigos e
movimentos pela infância, dos setores
progressistas da sociedade política e civil sendo dividido em 2 partes principais como
brasileira, da “ falência mundial” do direito os direitos básicos da crianças e proteção
e da justiça menorista, mas também é a inclusive contra violência e a garantia de prá-
expressão das relações globais interna- ticas sociais que regulamentam os direitos do
cionais que se reconfiguraram frente ao Estado, sociedade e família para com estes
novo padrão de gestão de acumulação menores para que tenham uma vida com li-
flexível do capital (IBIDEM, p.36). berdade e dignidade.
O referido autor ainda ressalta em sua A questão da violência e maus tratos
obra que o Estatuto é baseado na Constituição com as crianças e adolescentes devem ser
Federal Brasileira promulgada em 1988, que vistos como uma negação dos direitos des-
possui um papel fundamental da formulação tes, pois como afirma o Estatuto da Criança
da infância e em seu artigo 227, responsabili- e Adolescente em seu artigo 5º:
za as instituições família, sociedade e Estado Nenhuma criança ou adolescente será
pela garantia dos direitos dos menores: objeto de qualquer forma de negligen-
É dever da família, da sociedade e do cia, discriminação, exploração, violência,
Estado assegurar à criança e ao adoles- crueldade e opressão, punido na forma
cente, com absoluta prioridade, o direito à da lei qualquer atentado, por ação ou
vida, à saúde, à alimentação, à educação, omissão, aos seus direitos fundamentais
ao lazer, à profissionalização, à cultura, (BRASIL, 1990, art.5)
à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
Contudo, infelizmente existe a violência
convivência familiar e comunitária, além
de coloca-los a salvo de toda forma de doméstica que é praticado em nossa socie-
negligencia, discriminação, exploração, dade, Guerra (2001, p. 32-33) afirma:
violência, crueldade e opressão (BRASIL, A violência doméstica representa todo
1988, art. 227). ato ou omissão praticado por pais, pa-
Desta forma, o Brasil deu um salto rentes ou responsáveis contra criança e/
ou adolescentes que – sendo capaz de
grande pois passou a enxergar as crianças causar dano físico, sexual e/ou psicoló-
e adolescentes como sujeitos de direitos que gico à vítima – implica, de um lado, uma
devem ser protegidos por estarem em situa- transgressão do poder/dever de proteção
ção de desenvolvimentos e de acordo com o do adulto e, de outro, uma coisificação
artigo 3º do ECA (1990): da infância, isto é, uma negação do di-
reito que crianças e adolescentes têm de
ser tratados como sujeitos e pessoas em
condição peculiar de desenvolvimento
(GUERRA, 2001, p. 32-33).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 395


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O mesmo autor classifica a violência lações pobres, pois nos últimos 30 anos de
como uma forma de violação dos direitos es- acordo com Szymanski (2007) houve uma
senciais das crianças e adolescentes, pois imposição das ideias burguesas com o ob-
nega as condições fundamentais dos direitos jetivo de manter as desigualdades escolares
dos seres humanos como a liberdade e a e sociais.
segurança. (Ibidem, p. 32).
É notório que a participação das famí-
Guerra (2001), ressalta que entre todas lias nas escolas viabiliza a democratização do
as formas de violência doméstica, a física é a ensino público e esta ação promove não só a
mais frequente em nossa sociedade, e o mes- qualidade de ensino como também podemos
mo, afirma que este ato acaba gerando nas perceber inúmeras melhoras no rendimento
crianças problemas pessoais, psicológicos e escolar do mesmo.
dificuldades de aprendizagem mais graves e
As políticas públicas precisam estar vol-
podem de uma maneira ou de outra repercutir
tadas para verificar quem é a família da peri-
essa violência, e que a criança só terá um am-
feria ou das áreas mais carentes, pois como
biente sadio em uma convivência no âmbito
afirma Sarti (2007, p.85):
familiar saudável.
[...] a família para o pobre associa-se
Deste modo, é necessário a implan- àqueles em que se pode confiar e sua
tação de políticas públicas para a inserção delimitação não se vincula à pertinência
da família no contexto escolar, para que haja a um grupo genealógico e a extensão ver-
uma cooperação entre as instituições que são tical do parentesco restringe-se àqueles
responsáveis por zelar pela criança, Estado, com quem convivem ou conviveram[...] o
uso do sobrenome para delimitar o gru-
família e escola. po familiar a que se pertence, recursos
Fraiman (1997) afirma que uma das utilizado pelas famílias dos grupos domi-
nantes brasileiros para perpetuar o status
causas que afastam as famílias da escola
e o poder conferido pelo nome da família
são fatores como a situação socioeconômica, é pouco significativo para os pobres[...] o
exaustivas cargas de trabalho e subemprego que realmente define a extensão de famí-
que geram um afastamento dos pais na vida lia entre os pobres é a rede de obrigações
escolar de seus filhos. que se estabelece: são da família aqueles
com quem se pode contar (SARTI, 2007,
De certa forma, é preciso analisar o con- p.85).
ceito sócio-histórico e cultural em que as ins-
Fávero (2007) afirma que a criação e
tituições escola e família se encontram, pois,
a manutenção escolar da vida dos menores
a instituição educacional continua pregando
são mais difíceis para as camadas mais po-
como modelo certo a ser seguido, uma famí-
pulares, pois o acesso à rede de serviços
lia tradicional, pois de acordo com Szymanski
públicos não é garantido pelo Estado.
(2007), o comportamento familiar de acordo
com cada camada social é divergente peran- É preciso deixar claro que a educação
te a escola, somente compreendendo esses é um tema muito mais abrangente e também
elementos é que podemos estabelecer uma envolve política e a própria constituição fede-
relação de diálogo entre família e escola. ral coloca o ensino como direito da criança
e obrigação das famílias, em seu artigo 205
Essas dificuldades econômicas devem
afirma que “ a educação, direito de todos, é
ser debatidas pelo Estado e necessita que
dever do Estado e da família.
políticas públicas sejam implementadas para
melhoria das condições de vida das popu-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 396
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Já no artigo 227 a família deve junto No entanto, Veronese (1999) afirma que
com o Estado e a sociedade assegurar à política pública não é a mesma coisa que
criança e ao adolescente o direito à vida, à assistencialismo, pois seu principal objetivo
saúde, à alimentação, à educação, cultura, é assegurar os direitos fundamentais e pro-
dignidade além de protegê-los de todo e qual- moção da cidadania, todos esses elementos
quer tipo de negligência e violência. podem ser adquiridos por meio da educação.
Além disso, a Lei de Diretrizes e Bases Logo, separar políticas públicas de fa-
9394 de 20 de dezembro em seu artigo 1º mília não seria viável como aponta Dourado
diz que “ a educação abrange os processos (2007), pois gera a democratização da esco-
formativos que se desenvolvem na vida fami- la e como já foi abordado aqui neste trabalho,
liar, na convivência humana, nas instituições a participação da família no ambiente esco-
de ensino e pesquisa”, todo esse ensino tem lar tem justamente este propósito, de garantir
como propósito desenvolver a integralidade uma proteção maior ao menor e uma preocu-
do educando e prepará-lo para o pleno exer- pação com sua aprendizagem.
cício da cidadania.
Podemos estabelecer uma relação en-
tre políticas públicas e família em que ambas
geram o desenvolvimento de uma educação
de qualidade, a fim de discutir e assegurar
melhorias na política, administração e ensino
dentro das instituições escolares.
Bucci (2001) afirma que para que o
Estado cumpra seu papel de direito com os
cidadãos se faz necessário a implementação
das chamadas políticas públicas que visam
assegurar os interesses comuns visando a
coletividade que tem como objetivo a partici-
pação popular.
Áppio apud Matos; Bassoli (2004, p.3),
afirma:
As políticas públicas podem ser concei-
tuadas como instrumentos de execução
de programas políticos baseados na in-
tervenção estatal na sociedade como
a finalidade de assegurar igualdade de
oportunidades aos cidadãos, tendo por
escopo assegurar as condições materiais
de uma existência digna a todos os cida-
dãos (BASSOLI, 2004, p.3).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 397


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Foi possível perceber também que o apoio da família é fundamental e os profissionais
acreditam grande importância no acompanhamento familiar na vida dos educandos, sendo
que o dever da instituição familiar é previsto em lei, de participar de sua trajetória escolar para
visar e ajudar diante das práticas escolares, pois, somente um trabalho coletivo garantirá a
eficiência, o sucesso da educação que está pautado na tríade, escola, aluno e família.
A criança e o adolescente são sujeitos de direitos, inclusive previstos na CF (1988) e
no Estatuto da Criança e do Adolescente (1990), mas ao sofrer abusos e casos de violência,
o processo de aprendizagem sofre várias influências e a questão emocional interfere bastan-
te na educação, ou seja, como foi abordado nesta pesquisa, a afetividade e o cognitivo da
criança estão completamente atrelados, desta forma, pode-se afirmar que qualquer problema
emocional gera consequências sérias na cognição dos educandos.
A partir do levantamento bibliográfico foi possível detectar diferentes tipos de violência
doméstica, entre elas violência física que pode chegar até o espancamento fatal, a violência
sexual que muitas vezes são realizadas pelo próprio parente da criança e a negligencia que se
caracteriza por uma omissão de cuidados que a criança, todas as formas de violência negam
os diretos previstos por lei e geram transtornos físicos e psicológicos que consequentemente
irá se refletir na aprendizagem das crianças vitimadas, devido a este processo de cognição
estar atrelado a afetividade dos menores.
Por meio da pesquisa também identificamos que os casos são relatados pelas crian-
ças e que muitas vezes são levados aos órgãos competentes como o Conselho Tutelar, no
entanto, há muitas burocracias de acordo com os entrevistados e se não fosse devido a esse
fator, poderia haver uma identificação maior de casos relacionados a violência doméstica,
logo seria maior a prevenção.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 398


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. 2. Ed. Rio de Janeiro: Livros Técnicos e Científicos, 1981.

AZEVEDO, Maria Amélia ; GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo . Infância e Violência Fatal em Família: Primeiras
Aproximações ao Nível do Brasil . 1. ed. São Paulo: Iglu, 1999.

BAPTISTA, Rachel. Acolhimento familiar: experiência brasileira reflexões com foco no Rio de Janeiro. Dissertação
de Mestrado. Departamento de Serviço Social – PUC- Rio de Janeiro, Abril de 2008.

BEE, Helen. A criança em desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2003.

BRASIL. Lei Federal n. 8069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente.

______. Lei 11525/07 | Lei nº 11.525, de 25 de setembro de 2007

______. Constituição Federal de 1988.

______. Lei de Diretrizes e B. Lei nº 9.394/96, de 20 de dezembro de 1996.

CASTRO, M; REGATTIERI, M. Interação escolar e família: Subsídios para práticas escolares. Brasília: UNESCO,
MEC, 2009.

CORTELLA, Mário Sérgio. A escola e o conhecimento: fundamentos epistemológicos e políticos. 14. ed., São
Paulo, Cortez, 2011.

CURY, C. R. J. A gestão democrática na escola e o direito à educação. Revista Brasileira de Política e Administra-
ção da Educação.RBPAE. V. 23, n.3, set./dez.. 2007. p. 483-495. Porto Alegre: ANPAE, 2007.

FÁVERO, E. A. G. Direitos das pessoas com deficiência garantia de igualdade na adversidade. 2 ed. Rio de Ja-
neiro: WVA, 2007.

FRAIMAN, Leonardo Perwin. A importância da participação. Dissertação de Mestrado. USP/ Instituto de Psicologia.
São Paulo, 1997.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da Esperança: Um reencontro com a pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1993.

GALLARDO, J.S.P. (org.) Educação física escolar: do berçário ao ensino médio. 2. ed. – Rio de Janeiro: Lucerna,
2005.

GUERRA, Viviane Nogueira de Azevedo (2001) HITTING MANIA - Domestic Corporal Punishment of Children and
Adolescents in Brazil, SP/Sweden, Iglu/Save the Children.

KRAMER, Sônia. A infância e sua singularidade. In: Ensino fundamental de nove anos: orientações para a inclusão
da criança de seis anos de idade/ organização Jeanete Beauchamp, Sandra Denise Rangel, Aricélia Ribeiro do
Nascimento – Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Básica, 2007

KUHLMANN JR., M. Infância e educação infantil: uma abordagem histórica. Porto Alegre: Mediação. 1998.

PARO, Vitor Henrique. Gestão Escolar, Democracia e Qualidade do Ensino. Editora Ática, São Paulo, 2007.

PIAGET, Jean. Para onde vai a educação? Rio de Janeiro: José Olympio, 2007.

PILETTI, Nelson. Sociologia da educação: 5. ed. São Paulo: Ática, 1987.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 399


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PINAZZA, Mônica Apezzato. Formação de profissionais da Educação Infantil em contextos integrados: informes
de uma investigação-ação. Tese (Livre-docência) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo: São
Paulo, 2014.

PINTO, M. A infância como construção social. In: _____, SARMENTO,M. J. As crianças : contextos e identidades.
Braga: Centro de Estudos da Criança da Universidade do Minho, 1997.

POSTMAN, Neil. O Desaparecimento da Infância. Tradução: Suzana Menescal de A. Carvalho e José Laurenio de
Melo. Rio de Janeiro: Graphia Editorial, 1999.

REDIN, M. M. (Org.). Infâncias, cidades e escolas amigas das crianças. Porto Alegre: Mediação, 2007.

ROCHA, E.A.C. A Pedagogia e a educação infantil. Revista Ibero-Americana de Educação, n. 22, jan-abr. Disponível
em: http://www.campus-oei.org/revista/rie22a03.htm. 2002. Acesso em 02/02/2021

SARMENTO, M.J. As culturas da infância nas encruzilhadas da 2ª modernidade. Braga: Instituto de Estudos da
Criança, Universidade do Minho, 2003.

SILVA, Helena Oliveira da. Marco conceitual da violência contra a criança e o adolescente. In: SILVA, Helena Oli-
veira da. Análise da Violência contra a Criança e o Adolescente, segundo o Ciclo de Vida no Brasil. São Paulo:
Global/Unicef, 2005.

SZYMANSKI, H. A relação família/escola – Desafios e perspectivas. 2. ed. Brasília: Líbero, 2007.

TIBA, Içami. Disciplina, limite na medida certa. São Paulo; Editora gente,1996

TONET, Ivo. Educação contra o capital. Maceió: Edufal. 2007.

VERONESE, Josiane Rose Petry. Os direitos da criança e do adolescente. São Paulo: LTR, 1999.

ZANZARINI, Maria Pinheiro; Yoshida, Sônia Maria Pinheiro; SILVA, Elizabeth Pereira Galindo. Supervisão escolar e
a prática da ação supervisora. Mato Grosso: 2008.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 400


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade Nove


De Julho (2014); Especialista em Práticas do
Ensino de Geografia pela Faculdade Integradas
de Ariquemes (2016); Professora de Ensino
Fundamental II e Ensino Médio – Geografia - na
EMEF Milton Pereira Costa, Professora de Educação
Básica – na EE República do Haiti.

LAISE
DE OLIVEIRA SILVA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 401
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PERFIL DO PROFESSOR(A) DE GEOGRAFIA NA ATUALIDADE


BRASILEIRA

RESUMO: O artigo tem o objetivo apresentar as exigências para ser um professor(a) da disciplina
de Geografia no atual contexto brasileiro identificando assim se já se estabeleceu um perfil para
esse profissional. A maior evidência do ensino de Geografia no Brasil começa quando surge em
1837 o Colégio Dom Pedro II, antes disso era um ensino realizado de modo indireto. A partir
desse contexto a disciplina passa por diversas mudanças e em conjunto a preocupação com a
formação profissional do docente. A metodologia utilizada foi a revisão bibliográfica no campo
qualitativo e a partir da abordagem descritiva. A fundamentação ocorreu com o uso de livros,
monografias, revistas e artigos científicos. Os principais autores que basearam a pesquisa foram:
Rocha (2000), Cacete (2011), Girotto (2014), Silva (2016), Girotto e Mormul (2019). Enquanto
legislação a respeito da formação docente, de modo geral, é identificado grandes avanços, porém
ainda existem questões relevantes para serem revistas, pois atualmente para ser professor(a) de
Geografia existe a exigência da licenciatura, no entanto ocorre a persistência de outras formações
ocuparem esse espaço sem nada ser feito. O ensino de Geografia é fundamental para a formação
dos sujeitos, mas é preciso qualidade e que esse ensino faça parte do cotidiano das salas de
aula brasileiras sem ser negligenciado e sendo valorizado como deveria ser. Por isso é relevante
trazer a questão de um perfil para esse profissional da educação e através disso proporcionar
uma qualidade para a educação do país.

Palavras-chave: Licenciatura em Geografia; Perfil do Professor; Formação Docente.


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 402
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
década de 90 fornece ao Brasil um período de grande destaque no que refere-se
às reformas educacionais. Mudanças que consistiam em ampliar o acesso e a
permanência de crianças e jovens nas instituições educacionais do país. O foco
estava em universalizar o ensino básico de forma progressiva e em todos os níveis básicos.
E ainda tinha a proposta de investir com o intuito de expandir a formação profissional, tanto
no nível médio quanto superior (SILVA, 2016).
Foi a partir desse contexto de reformas educacionais que se estabeleceu a aprovação
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 (LDB/96), legislação que trouxe
diversas mudanças na busca de oferecer uma educação para todos e com qualidade, assim
iniciou-se discussões e reflexões a respeito de toda organização educacional e em conjunto
a tudo isso ocorre a reformulação da formação dos docentes. Em relação a formação dos
professores já havia uma legislação prevista que é a Lei nº 9.131/1995 criada pelo Conselho
Nacional de Educação (CNE) e ainda no Parecer CNE nº 776/1997, temos a definição das
orientações gerais para formulação das diretrizes gerais dos cursos de graduação (SILVA,
2016).
Diversos autores defendem que para a construção de uma educação pública de quali-
dade no país é preciso, como condição disso, a formação profissional dos docentes. E se a
formação é composta por um conjunto de ações, sujeitos e de processos. E isso através de
estímulos dos mais diferentes saberes em contexto (GIROTTO; MORMUL, 2019). Ou seja, isso
significa que é importante e fundamental que o profissional da Geografia construa um perfil e
que assim outras áreas parem de ocupar seu espaço no contexto educacional do país. Assim
é preciso que se defenda a formação tanto inicial como continuada, além de articular o ensino
e a pesquisa em diferentes ambientes de ensino-aprendizagem (GIROTTO; MORMUL, 2019).
Essas questões nos permitem refletir sobre as exigência para a atuação do docente de
Geografia na educação e conduz para a seguinte problemática: Qual é o perfil do professor(a)
de Geografia na atualidade brasileira? Ele existe? Quais as exigências para se tornar um pro-
fessor(a) de Geografia no Brasil?
Assim, a pesquisa tem como objetivo apresentar qual o perfil do professor(a) da dis-
ciplina de Geografia na atualidade brasileira. Organizando o trabalho através dos seguintes
objetivos específicos: conhecer de forma breve o ensino de Geografia no Brasil. Demonstrar
também de modo breve o histórico da formação dos docentes de Geografia no país. E apre-
sentar se atualmente existe um perfil para o professor(a) da disciplina de Geografia no ensino
brasileiro.
Para chegar aos objetivos propostos nesta pesquisa optou-se pela metodologia da
revisão bibliográfica no campo qualitativo e com abordagem descritiva. A fundamentação
ocorreu com o uso de livros, monografias, revistas e artigos científicos. Os principais autores
que basearam a pesquisa foram: Rocha (2000), Cacete (2011), Girotto (2014), Silva (2016),
Girotto e Mormul (2019) e os documentos legais utilizados foram: LDB n. 9394/96 e as diver-
sas Resoluções que foram sendo estabelecidas ao longo do histórico do ensino de Geografia
no Brasil.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 403
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ENSINO DE GEOGRAFIA NO BRASIL De acordo com Mattos (2010) o ensino


de Geografia possui uma grande necessida-
No Brasil a década de 90 possui des- de que é fazer com que o docente mostre
taque quando se trata de reformas educacio- para o discente as transformações ocorridas
nais. Essas mudanças consistem na busca de no espaço. Para Santos (1994, p. 104 apud
ampliar o acesso e a permanência de crianças SILVA, 2016, p. 20) esse “espaço é um sis-
e jovens na escola. A meta era universalizar tema de valores”, que se altera permanente-
o ensino básico de forma progressiva e em mente. Callai (1998) apresenta um ideia que
todos os níveis básicos, iniciando no ensino assemelha-se a de Santos (1994) e relata que
infantil seguindo pelo fundamental e médio. a relevância da Geografia está na constru-
Além disso, procurou-se investir de modo a ção do ser humano, no seu desenvolvimento
expandir a formação profissional tanto no ní- (Apud SILVA, 2016)
vel médio quanto no superior (SILVA, 2016).
Segundo Callai (1998, p. 58 apud SIL-
As reformas desse contexto eram es- VA, 2016, p. 20) “a Geografia é a ciência que
tabelecidas pelas conjunturas sociais (políti- estuda, analisa e tenta explicar (conhecer) o
cas, econômicas, culturais, administrativas), espaço produzido pelo homem” e, enquanto
e ocorriam através de “uma série de ações disciplina, ela possibilita que o discente se
que culminam com a aprovação da Lei de perceba como participante do ambiente que
Diretrizes e Bases da Educação Nacional de estuda, na qual os fenômenos que ali acon-
1996 (LDB/96) e suas sucessivas medidas teceram são resultados da vida e do trabalho
complementares de implementação ou de dos indivíduos e se encontram inseridos num
correção de percursos”. processo de desenvolvimento.
A Geografia, no Brasil, apenas passa a O Ensino de Geografia sempre passou
ser mais evidente depois da criação do Colé- por muitas transformações e mesmo antes
gio Dom Pedro II em 1837 no Rio de Janeiro. de estar presente no currículo do Colégio Pe-
O Colégio tinha como proposta se tornar uma dro II essa disciplina, desde 19831, já era
referência para o ensino público, no entanto, uma exigência no exame para as faculdades
era uma educação voltada para a formação de direito. E ainda antes desse contexto a
da elite brasileira. Geografia já ocorria, porém de forma indireta
De acordo com Pessoa (2007, p. 31-32 (FELICIANO, 2017; VLACH, 2015).
apud SILVA, 2014, p. 15): De 1838 até acontecer o Decreto Monte
Durante os mais de duzentos anos de mo- Alegre em 1849, o ensino de Geografia era
nopólio o da educação jesuítica no Brasil ministrado junto com o ensino de História e
a geografia não teve vez e nem voz nas ainda após o decreto a disciplina passa a ser,
escolas enquanto disciplina escolar. O além de uma disciplina distinta da de Histó-
ensino dos conhecimentos geográficos
ria, é uma obrigatoriedade em todo o ensino
eram secundarizados no currículo subsis-
tente. Não existiam, também cursos de secundário (FELICIANO, 2017).
formação de professores (as) para atuar Campos (2011 apud FELICIANO, 2017)
com o ensinamento destes saberes. Os
conhecimentos geográficos, embora de
relata que a geografia enquanto disciplina
grande interesse do Estado, eram até en- educacional aparece através de um mode-
tão pouco propagados nas salas de au- lo de educação excludente. Era inspirada e
las (PESSOA, 2007, p. 31-32 apud SILVA, moldada pelo exemplo dos liceus franceses.
2014, p. 15). Quando a disciplina chegou no curso secun-
dário do colégio Pedro II a proposta era a
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 404
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

de instruir a elite que estava no poder. Isso Foram através de conhecimentos geográ-
para a possibilidade do início de uma carreira ficos, parcerias entre geógrafos e cartó-
grafos que o homem venceu a dúvida e
política, como também em relação as outras
comprovou a teoria de Galileu Galilei de
atividades pertinentes, pois viam a geografia que a terra era uma esfera, e através de
como um alicerce para essa capacitação. escolas geográficas, com ajuda financei-
ra dos reinados, treinou geógrafos e car-
Essas transformações, segundo Godoy tógrafos para navegar mundo afora. Foi
(2010 apud FELICIANO, 2017), foram rele- o conhecimento geográfico que deu a
vantes para a disciplina de geografia, pois a Portugal e Espanha seus dias de glórias,
partir delas começou a se construir um olhar expandindo a fronteira, adquirindo novos
para a profissionalização da docência. A for- espaços, dividindo a América, dando iní-
mação e qualificação de profissionais com a cio ao conhecimento de toda a esfera
do planeta, chegando à América (1492),
especificidade da Geografia, depois dessas Índia (1498) e Brasil (1500), (MATTOS,
mudanças, passa a ser uma necessidade, 2010 p. 24).
porque antes era possível atuar como profes-
sor dessa disciplina mesmo com a formação De acordo com Moraes (2003, p. 40
em outras áreas. apud MATTOS, 2010, p. 24) “até o final do sé-
culo XVIII, não é possível falar de conhecimen-
De modo geral, nesse contexto da Geo- to geográfico como algo padronizado, com
grafia os docentes usavam uma metodologia um mínimo que seja de unidade temática e
tradicional e o poder e organização das aulas de continuidade nas formulações.” Era um co-
era focada apenas no professor sem que os nhecimento muito vazio, como por exemplo,
discentes pudessem participar do processo. relatos de viagens, curiosidades a respeito de
(SILVA, 2014). Como reafirma Girotto e Mor- lugares exóticos, dentre outras questões. Para
mul (2019) os programas educacionais de Moreira (1994 apud MATTOS, 2010, p. 24)
estudos da Geografia que existiam no Brasil “a geografia era muito sistemática, variando
consistiam em um olhar compartimentado dos muito entre os diferentes povos.”
conteúdos, repleto de definições conceituais
vagas e de cunho dominantemente teórico, Assim quando ocorreu o início do ensi-
na qual prevalecia a utilização da memória. no de Geografia o resultado do profissional
da área consistiu em uma situação de semi
Leite (2002, p. 249) relata que a Geo- profissionalismo dos primeiros professores da
grafia enquanto ciência aparece em um si- disciplina que ocasionou críticas de alguns
tuação histórica de “fragmentação de gran- estudiosos da área, pois não aceitavam que
des impérios, emergência e consolidação de o ensino fosse marcado por ser um processo
Estados-Nação.” E além disso, seu desen- que ficava apenas em listas de nomes de pa-
volvimento ocorre conforme o “processo de íses e cidades, e muito menos que somente
avanço e domínio das relações capitalistas de indicasse as suas localizações geográficas
produção” (LEITE, 2002, p. 249). (MORMUL, 2009 apud GIROTTO; MORMUL,
2019).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 405


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ainda, segundo Girotto e Mormul É relevante ressaltar que os(as) profes-


(2019), no começo do século XX, o caráter da sores(as) que atuavam no ensino de Geogra-
Geografia ensinada era altamente patriótico e fia, no período Imperial, eram provenientes
seus conteúdos convinham para a consolida- “ou de outras profissões (advogados, sacer-
ção do desejado projeto de modernização. “A dotes etc.), ou então eram autodidatas”. Ainda
Geografia propagava que o bom cidadão era ocorria de serem profissionais em “início de
aquele que não se opunha à afirmação do carreira que exerciam o magistério até encon-
Estado vigente” (GIROTTO; MORMUL, 2019, trar uma boa posição nas suas profissões de
p. 422-423). origem” (ROCHA, 2000, p. 131).
O ensino de Geografia não nega que
Com o decreto realizado por Francisco
passou pelas mais diversas transformações
Campos o ensino superior brasileiro é reno-
no contexto da educação do país, passando
vado e acontece a introdução do sistema uni-
por momento em que não tinha tanta evidên-
cia e chegando em momentos de destaque, versitário. São criadas as Faculdades de
porém é uma disciplina que ainda não possui Educação, Ciências e Letras, ambiente
a devida valorização no espaço educacional acadêmico que passou a conter o curso de
e isso ocorre justamente pela sua formação Geografia, além de outros. A Universidade de
docente ou melhor pela falta dessa formação São Paulo (1934) e a Universidade do Distrito
(GIROTTO; MORMUL, 2019). Federal, absorvida em 1938 pela Universida-
BREVE HISTÓRICO DA FORMAÇÃO de do Brasil, atual UFRJ, foram as duas pri-
DO(A) PROFESSOR(A) DE GEOGRAFIA meiras instituições organizadas sob as novas
NO BRASIL regras. E assim os primeiros cursos de for-
mação de profissionais para atuar na área de
Os conhecimentos da Geografia, até o conhecimento da Geografia foram abrigados
século XIX, no que diz respeito ao que se en-
nas referentes às Faculdades de Filosofia, Ci-
sina nas instituições educacionais no Brasil,
ências e Letras de ambas universidades aqui
não eram ainda organizados para ser de fato
apresentadas (ROCHA, 2000).
uma disciplina específica no contexto escolar.
Enquanto os jesuítas continham a responsa- Segundo Cacete (2011) a formação do
bilidade da educação brasileira, o ensino da docente em Geografia para a escola secun-
Geografia era colocado em segundo plano no dária ocorria pelo Decreto Lei 1.190/39 isso
currículo previsto (ROCHA, 2000). até o ano de 1956. A formação acontecia ao
De acordo com Rocha (2000) os do- longo de três anos e ao finalizar o curso os
centes que ensinavam nas instituições edu- que concluíam realizavam a conquista do di-
cacionais jesuítas vinham dos cursos de Filo- ploma de bacharel e só depois da conclusão
sofia. O ensino de Geografia só passa a ter do curso de Didática que ocorria em um ano
mais destaque na educação brasileira a partir é que se obtinha a licenciatura. Até 1956 os
do período Imperial, porém depois disso o cursos de Geografia e História aconteciam em
ensino fica praticamente inalterado por quase conjunto e depois da Lei Federal 2.594/55,
todo esse momento em relação ao conteúdo quando complementada pelo Decreto Esta-
ensinado ou mesmo no modo de se ensinar. dual 25.701/56, os cursos de Geografia e
Durante todo esse período a prática da geo- História nas Faculdades de Filosofia, Ciências
grafia escolar consistia “na nítida orientação e Letras do País são efetivamente separados.
clássica, ou seja, a geografia descritiva, mne-
mônica, enciclopédica, distante da realidade
do aluno(a)" (ROCHA, 2000, p. 131).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 406


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Com o Parecer 412 no ano de 1962 o mas de Saúde, quanto ao Ensino Religioso
Conselho Federal de Educação - CFE para esse era facultativo aos discentes.
cumprir a função de estabelecer o currículo
Essas matérias do Núcleo Comum ado-
mínimo para todos os cursos superiores, cons-
tavam um escalonamento, na qual nas “qua-
titui o currículo mínimo para a Licenciatura em
tro primeiras séries do 1º grau seriam desen-
Geografia. O curso passa a ter duração de
volvidas como atividades enquanto que nas
quatro anos e o currículo ficou da seguinte for-
quatro últimas séries do 1º grau como área de
ma: “Geografia Física, Geografia Biológica ou
estudo e, finalmente, no 2º grau assumiram a
Biogeografia, Geografia Humana, Geografia
forma de disciplina” (CACETE, 2011, p. 21).
Regional, Geografia do Brasil e Cartografia.”
Ainda era possível escolher duas matérias a O ensino e a formação dos docentes de
partir das seguintes possibilidades: “Antropo- Geografia tem avanços significativos, princi-
logia cultural, Sociologia, História Econômica palmente enquanto legislação, mas é relevan-
Geral e do Brasil, Etnologia e Etnografia do te lembrar que no período do Regime Militar
Brasil, fundamentos de Petrografia, Geologia, que ocorreu de 1964 até 1985, boa parte
Pedologia, Mineralogia e Botânica.” Isso era o do processo de avanços foi interrompido. E
que completava o currículo com as disciplinas assim foram vinte anos de ensino “pautada
pedagógicas estabelecidas no parecer CFE em aspectos vinculados à moral e os bons
292/62. (CACETE, 2011, p. 20). costumes, vistos como necessários para a
formação do cidadão de bem.” (GIROTTO,
Em 1966 a partir do Parecer 106, com
MORML, 2019, p. 423).
a instituição da licenciatura polivalente em
Estudos Sociais, a formação do docente de Segundo Lopes et. al. (2005, p. 3 apud
geografia ocorria nas faculdades de filosofia MATTOS, 2010, p. 25): “Quando o ensino de
de acordo com esses dois modelos. “A licen- Geografia surgiu, no século XIX, seu objetivo
ciatura individualizada em quatro anos (Pa- era formar os indivíduos a partir da difusão
recer 412/62) e a licenciatura em Estudos da ideologia do nacionalismo patriótico, privi-
Sociais, em cerca de três anos” (CACETE, legiando o quadro natural considerado como
2011, p. 21). externo ao homem, conforme o modelo de
Geografia do período”
Segundo Cacete (2011) às mudanças
que acontecem nas licenciaturas ocorre a par- Nesse período, um aspecto que impac-
tir da LDB 5.692/71, isso em termos de dura- tou a formação do professor(a) da disciplina
ção e de currículo. Nesse momento também de Geografia foi a criação das licenciaturas
são criadas as habilitações correspondentes curtas, através da lei 5692/71 que permitiu
a cada uma delas. Com o Parecer 853/71 e apressar a formação. Somente com o retorno
a Resolução anexa 8/71, desdobramentos da da ordem democrática e com a aprovação da
LDB 5.692/71, ficou previsto o currículo pleno Lei de Diretrizes e Bases da Educação – LDB
das escolas de 1º e 2º graus, por meio de um no ano de 1996 que os cursos de licencia-
Núcleo Comum que continha três matérias: a turas curtas foram suspensos. E após esse
Comunicação e Expressão, os Estudos So- período foi que começou a exigência legal de
ciais e as Ciências. Ainda existia uma parte que todos os professores, para atuarem na
diversificada a ser instituída pelos Conselhos educação básica, necessitam realizar cursos
de Educação dos Estados e de modo even- superiores de licenciatura. (GIROTTO, MOR-
tual pelas instituições escolares. Além disso, MUL, 2019).
como parte do currículo se exigia a Educação
Física, a Educação Moral e Cívica, o Progra-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 407
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A Resolução Nº 2 do Conselho Nacional relação ao cuidado de crianças. Essa ideia


de Educação, de 1 de julho de 2015, es- ainda aparece nos dias atuais relacionando
tabelece, como formação mínima para
a profissão do professor como uma missão
o exercício do magistério na educação
básica, cursos de licenciatura com dura- ou dom que o sujeito precisa ter, isso ainda
ção mínima de 3200 horas. Segundo a gerou um contexto de ser um profissional que
Resolução, a formação deverá levar em possa desenvolver seu trabalho de forma gra-
consideração a complexidade do trabalho tuita (GIROTTO; MORMUL, 2019).
docente, a indissociabilidade entre ensi-
no, pesquisa e extensão, a ação profissio- De acordo com Girotto (2014) existe
nal em contexto, o desenvolvimento con- uma variedade em relação às discussões so-
tínuo da prática profissional, entre outros bre os saberes, as práticas, os processos e
princípios (GIROTTO, MORMUL, 2019, p. as ações necessárias para a formação inicial
423-424).
e continuada de docentes. Discussões que in-
Para Rocha (2000), o histórico da for- clusive estão presentes na legislação do país
mação do professor(a) de Geografia encon- e que foram colocadas em práticas durante
tra-se diretamente articulado com as trans- as últimas décadas no Brasil. Assim temos
formações que o Brasil passou ao longo do o Parecer nº 9 de 2001 e as Resoluções nº
último século, desde econômicas, políticas 1 e 2 de 2002, ambos do Conselho Nacio-
como sociais. Gatti e Barreto (2009 apud nal de Educação, que tratam das diretrizes
GIROTTO; MORMUL, 2019, p. 422) relatam para os cursos de formação de professores,
que historicamente os cursos de licenciaturas bem como o Decreto nº 6755 de 2011, que
“nunca estiveram entre os mais disputados, estabelece a Política Nacional de Formação
nem tão pouco entre os mais valorizados, fato, de Profissionais do Magistério da Educação
inclusive, que está associado ao processo de Básica. Esses são exemplos de ações do Go-
feminização da profissão.” verno que buscaram problematizar os sabe-
res e ações necessários à formação inicial e
A docência no Brasil, desde o começo,
continuada de professores.
tem sido predominantemente exercida por
mulheres. Construí uma associação quase Documentos que de um modo, trou-
que direta que pelo fato de serem mães, te- xeram contribuições relevantes para debate,
riam assim melhores condições de trato com dentre eles: o reconhecimento da pesquisa
as crianças (GIROTTO; MORMUL, 2019). como processo fundamental na formação de
professores tanto inicial quanto continuada,
Segundo Girotto e Mormul (2019, p.
“a compreensão das especificidades curricu-
422) a partir de Froebel (1902) relata que pró-
lares que marcam as licenciaturas, a relação
pria noção de jardim da infância, reporta “a
entre teoria e prática e o reconhecimento de
ideia da criança como uma planta que precisa
diferentes sujeitos, saberes e contextos” (GI-
ser cuidada para crescer, o que pressupõe,
ROTO, 2014, p. 43).
inclusive, a redução da ideia de educação à
dimensão do cuidado”.
Isso se resume a um contexto de des-
valorização do trabalho feminino, resultando
em um pensamento, principalmente nos paí-
ses ocidentais, de que o sujeito perfeito para
exercer uma função que naquele momento
se compreendia que não precisava de capa-
citação era a mulher por possuir um dom em
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 408
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PERFIL DO PROFESSOR(A) DE Para Girotto e Mormul (2019), no ano


GEOGRAFIA NO BRASIL de 2017 no Brasil, o perfil do professor de
Geografia em atuação na educação básica
Para Girotto e Mormul (2019, p. 421) permanecia no limite entre a precarização e
uma das marcas do processo de institucio- a profissionalização, ou seja, apesar de existir
nalização da Geografia como conhecimento exigências para a atuação desse profissional
científico-acadêmico e como disciplina esco- o docente de Geografia ainda não é valori-
lar no país é justamente a “defesa da forma- zado e nem reconhecido como deveria, por
ção inicial docente de qualidade e realizada ser um ensino de grande relevância para a
de forma profissional”. formação e desenvolvimento humano:
O que se via dos professores, ao longo Entre a precarização e o profissionalismo,
período do século XX, era uma metodologia o perfil docente em Geografia é revelador
tradicional que se fundamentava na reprodu- dos múltiplos desafios que, como aponta
ção dos conteúdos dos livros didáticos, exe- Nóvoa, temos para construir uma forma-
ção docente pautada no reconhecimento
cutando aulas meramente expositivas usando do professor como um profissional, dota-
apenas a lousa e o giz. Essa metodologia do de conhecimentos e saberes-fazeres
levou os alunos à uma prática de memoriza- específicos, condição sem qual não pode-
ção dos assuntos e a uma reprodução desses mos confrontar o descaso sobre a docên-
conteúdos de modo mecânico. Nesse contex- cia e a escola em todo o país (GIROTTO;
to, o perfil do professor era autoritário, sendo MORMUL, 2019, p. 435).
ele o detentor do saber. Modelo que esteve De acordo com Campos (2012) é en-
presente nas escolas brasileiras até aproxi- carregado aos cursos de Geografia um perío-
madamente o final da década de 80 (SILVA, do de quatro anos para mudar aquele sujeito
2014). que, diversas vezes, ingressa na universidade
Segundo Santos (2019, p. 79-80): com a aprendizagem defasada, em um pro-
fissional com amplo conhecimento no saber
O ato de ensinar Geografia não é uma ta- docente. Afinal, além dos saberes científicos
refa fácil, não que a Geografia, ao contrá-
específicos da Ciência que irá ensinar, são
rio de outras disciplinas, possui elementos
que a torna especial e por isso ensiná-la necessários conhecimentos a respeito da prá-
é considerada uma tarefa mais complexa. tica pedagógica.
Ensinar Geografia torna-se uma atividade
difícil, porque defendemos que seu ensi- Campos (2012) ainda relata que ao lon-
no e aprendizagem devem ser significati- go do processo de formação, os sujeitos são
vos e concretos, e devem dialogar com provocados para que se tornem docentes re-
as demandas atuais e com o contexto da flexivos, capazes de construir o pensamento
vida dos estudantes (SANTOS, 2019, p. geográfico e não apenas um indivíduo que
79-80).
transmita conhecimentos prontos e imutáveis.
De acordo com Girotto e Mormul Ou seja, aponta-se para algumas questões
(2019), a região que atualmente possui o que precisam fazer parte do perfil do profis-
maior número de docentes com a licenciatu- sional de Geografia que seria o fazer com que
ra em Geografia é a sudeste e nordeste do seus discentes participem das aulas e reflitam
país. A explicação sobre essa questão condiz a respeito dos conteúdos ministrados na sala
pelo fato de serem as regiões mais populosas de aula.
da Federação Brasileira e, no caso da região
sudeste, por ser o local em que os primeiros
cursos superiores de Geografia surgiram.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 409
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo os estudos de Girotto e Mor- Ninguém pode improvisar-se como pro-


mul (2019) na formação docente da disciplina fessor. Salvo casos excepcionais, aquele
que exerce uma certa profissão não está,
de Geografia no Brasil ocorre a predominân-
só por isso, apto a ensinar uma disciplina
cia de mulheres no exercício da profissão. Em científica, da qual nada aprendeu desde
relação ao perfil étnico-racial o que predomina a juventude. Nenhum professor de geo-
são os docentes autodeclarados brancos e grafia pensaria em improvisar-se como
pardos, mas isso com diferenças na distribui- engenheiro ou advogado. A recíproca
ção territorial dos dados, pois os docentes deveria ser verdadeira. É quase lugar co-
mum comparar o ensino a um apostolado,
autodeclarados brancos estão concentrados
mas ninguém pensaria em improvisar-se
nos estados do centro-sul do país, com con- padre, e os padres que se dedicam ao
centração maior na Região Sul, enquanto que ensino realizam estudos especializados e
os autodeclarados pardos estão em maior rigorosos. A qualidade do ensino lucrará
proporção nas regiões Norte e Nordeste. com o severo preparo dos professores em
cada especialidade e a proibição absoluta
Ainda os autores destacam sobre o de ensinar toda e qualquer disciplina ao
quanto é importante considerar a pequena indivíduo que não recebeu esta formação
presença de docentes autodeclarados pretos científica e didática (MONBEIG, 1954, p.
e indígenas, pois nessa questão evidencia 12 apud GIROTTO; MORMUL, 2019, p.
423).
a necessidade de avanços em implementar
“políticas de acesso e permanência ao ensino Essa ausência de professores formados
superior destas populações, historicamente na área, que não possuem o domínio sobre
marginalizadas no processo de formação so- os conteúdos, sobre os processos de ensino
cioespacial brasileira” (GIROTTO; MORMUL, e aprendizagem que são elementos inerentes
2019, p. 426). a formação do profissional para o docente
de Geografia é uma questão indesejável e
De acordo com a pesquisa realizado por
que prejudica a construção de um perfil de
Girotto e Mormul (2019) no ano de 2017 os
qualidade para esse profissional. Até mesmo
dados do Censo Escolar apontam que exis-
porque cada área do conhecimento possui
tiam 78903 docentes que ministraram aulas
especificidades que necessitam ser respeita-
de Geografia nos Anos Finais do Ensino Fun-
das. É preciso parar de negligenciar a pro-
damental e no Ensino Médio, em modalidades
fissão docente de Geografia no país e isso
diferente e que não possuíam a licenciatura
apenas será possível quando ocorrer o reco-
na área. E a lei deixa claro essa necessidade
nhecimento dessa formação considerando as
para a atuação no ensino básico.
suas particularidades (GIROTTO; MORMUL,
Um dos docentes que colaborou signi- 2019).
ficamente com a formação do curso de Ge-
Portanto, “em linhas gerais, o perfil do-
ografia da Universidade de São Paulo, Pierre
cente em Geografia no Brasil reproduz o es-
Monbeig (1954 apud GIROTTO; MORMUL,
tereótipo construído em torno desta profissão:
2019), demonstra sua defesa em relação a
mulheres, brancas, concentradas na região
necessidade da formação profissional do-
sudeste” (GIROTTO; MORMUL, 2019, p. 427).
cente em Geografia, ao tecer críticas sobre a
possibilidade de alguém desejar improvisar-
-se professor:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 410


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Esse perfil, segundo Girotto e Mormul de materiais já produzidos, o que avançou


(2019, p. 427) foi construído através da “re- enquanto pesquisa ou não. Assim, com a pro-
produção das desigualdades sociais e raciais posta de apresentar se existe um perfil para o
originadas no processo de formação do ter- professor(a) de Geografia na atualidade bra-
ritório brasileiro.” E do outro, a questão de sileira, esse trabalho fez uso desse tipo de
reproduzir o embasamento patriarcal desta método (PRODANOV; FREITAS, 2013).
sociedade.
Quanto ao campo optou-se pelo qua-
É ainda distante uma construção de car- litativo por seus aspectos considerarem a
reira que permita aos docentes acesso à for- existência de uma relação dinâmica entre o
mação especializada. Além de não existir um mundo real e o indivíduo. Isso significa que
número significativo de licenciados em Geo- há “um vínculo indissociável entre o mundo
grafia com mestrado e doutorado atuando na objetivo e a subjetividade do sujeito que não
educação básica, mesmo sendo extremamen- pode ser traduzido em números” (PRODA-
te relevante que a formação continuada desse NOV; FREITAS, 2013, p. 70).
profissional (GIROTTO; MORMUL, 2019).
O artigo visa descrever os dados rele-
Os conteúdos do ensino de Geografia vantes sobre a temática a ser tratada. Segun-
são fundamentais para a educação brasileira, do Gerhardt e Silveira (2009, p.35) descrever
porque através dele é que se torna possível a “exige do investigador uma série de informa-
contribuição com o desperta do senso crítico ções sobre o que deseja pesquisar.” Assim
dos sujeitos, pois quando se trabalha através foram analisados alguns artigos, livros, teses
de uma perspectiva problematizadora e con- e outros trabalhos científicos que discutem e
textualizada se cria a possibilidade de que apresentam reflexões que podem contribuir
os indivíduos se reconheçam enquanto parte para uma maior compreensão sobre a forma-
do todo, “inclusive desenvolvendo o sentido ção do docente de Geografia no Brasil.
de pertencimento, compreendendo os pro-
Como base de dados a pesquisa fez
cessos, os produtos, as formas e os conteú-
uso da Scielo e do Google Acadêmico, verifi-
dos que se manifestam no espaço e, conse-
cando sua confiabilidade. E quanto aos prin-
quentemente, na vida” (GIROTTO; MORMUL,
cipais autores que contribuíram com a funda-
2019, p. 423).
mentação do trabalho temos: Rocha (2000),
No entanto, essas questões só serão Cacete (2011), Girotto (2014), Silva (2016),
alcançadas a partir de uma formação docen- Girotto e Mormul (2019) e os documentos
te qualificada para o ensino de Geografia e legais utilizados foram: LDB n. 9394/96 e as
em consequência será construído um perfil diversas Resoluções que foram sendo esta-
significativo sem uma maior permanência em belecidas ao longo do histórico do ensino de
questões raciais, étnicas ou qualquer outra Geografia no Brasil. Na busca da literatura
questão. existente foi possível, mesmo não contendo
uma diversidade de autores, apresentar sobre
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
a existência de um perfil para o professor (a)
Neste trabalho optou-se como metodo- de Geografia e como vem ocorrendo essa
logia a revisão da literatura, a princípio, porque formação na atualidade brasileira.
qualquer pesquisa científica precisa de uma
referencial teórico na busca de chegar ao ob-
jetivo que se propõe e em seguida por ser um
método que possibilita a verificação através
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 411
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa colaborou em apresentar que atualmente é exigido a formação para se
tornar um professor(a) da disciplina de Geografia, porém a falta de procura e desvalorização
da profissão acaba fazendo com que outros profissionais com outras formações acabem
ocupando esse lugar.
O ensino de Geografia no Brasil passou por diversas transformações até se tornar uma
obrigatoriedade e se fazer presente no currículos educacionais, porém ainda existe a necessi-
dade de discussões e reflexões acerca de sua importância e efetivamente ocorrer sua prática
na sala de aula e com qualidade, pois apesar de a legislação prever sua presença desde o
Ensino Fundamental I o profissional responsável por essa etapa do ensino possui uma forma-
ção breve e quase sem significado sobre a disciplina de Geografia e por ser um período no
qual o foco encontra-se na alfabetização da leitura e escrita dos indivíduo ela acaba sendo
colocada para segundo plano.
É possível notar os avanços enquanto legislação a respeito da formação docente no
Brasil e isso tanto do modo geral quanto especificamente do ensino de Geografia, porém não
existe uma fiscalização que ofereça punições quando outras áreas ocupam o lugar desse
profissional quando se trata do contexto educacional brasileiro.
Portanto em relação ao perfil profissional do professor(a) da disciplina de Geografia não
possível ainda a organização de um perfil específico para esse profissional, mas a pesquisa
contribuiu, principalmente a partir dos trabalhos de Girotto (2014, 2019) e Mormul (2019),
para compreender que já apontam algumas características que são fundamentais para se
tornar um docente dessa disciplina, dentre elas podemos destacar: ser um sujeito crítico, que
tenha o conhecimento específico na área, ou seja, possua a formação da licenciatura de Ge-
ografia, que saiba contextualizar os conteúdos trabalhados em sala, que conduza uma aula
democrática e participativa e continue em constante formação.
No entanto vale ressaltar que não existem nenhum documento que especifique isso e
que hoje apenas existe a exigência da formação específica e isso somente a partir do Ensino
Fundamental II, pois se fossemos definir o atual perfil do professor(a) de Geografia no Brasil
seria o de profissionais formados em outras áreas em sua maioria e que por não possuírem
essa formação específica acabam negligência a disciplina e os profissionais que seguem em
formação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 412


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. LDB: Leis de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Senado Federal, Coordenação de Edições
Técnicas, 2017. 58 p. Disponível em: http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/529732/lei_de_diretri-
zes_e_basba_1ed.pdf. Acesso em: 28 ago. 2020.

CACETE, N. H. A Evolução do Ensino Superior Brasileiro e a Formação de Professores de Geografia. Revista


Geográfica de América Central. n. especial. EGAL. Costa Rica, 2011.

FELICIANO, L. A. dos S. O Ensino de Geografia no Brasil: do Colégio Pedro II à Universidade de São Paulo – 1837
a 1934. 13 EDUCERE, 4 SIRSSE, 6 SIPD- Cátedra UNESCO. 2017 (Congresso).

GERHARDT, T. E.; SILVEIRA, D. T. Métodos de pesquisa. Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS. Curso de
Graduação Tecnológica. Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. Porto Alegre:
Editora da UFRGS, 2009.

GIROTTO, E. D.; MORMUL, N. M. O Perfil do Professor de Geografia no Brasil: entre o profissionalismo e a preca-
rização. Caminhos da Geografia. Revista online. Uberlândia-MG, v. 21, n.71, p. 420-438, 2019.

GIROTTO, E. D. Entre a Escola e a Universidade: o produtivismo-aplicacionismo na formação de professores em


Geografia”. Tese de Doutorado. FFLCH-USP: São Paulo, 2014.

LEITE, C. M. C. Geografia no Ensino Fundamental. Espaço & Geografia. v. 5, n. 2, 2002.

MATTOS, R. G. P. de. Formação e atuação do professor de Geografia numa Escola do Município de Sapé – PB.
Monografia (Licenciatura Plena em Geografia). Universidade Estadual da Paraíba, 2010.

PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico [recurso eletrônico]:
métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico. 2. ed. Novo Hamburgo: Feevale, 2013.

ROCHA, G. O. R. da. Uma breve história da formação do (a) professor (a) de Geografia no Brasil. Terra Livre, São
Paulo, n. 15, 2000.

SANTOS, J. C. dos. Ser Professor(a) de Geografia no Brasil, da graduação aos desafios da profissão: relatos de
graduandos e docentes do Estado do Paraná. In: CASTRO, F. V. de.; NUNES, A.; NOSSA, P. Ensinar Geografia:
formação inicial de professores e propostas de aplicações didático-pedagógicas. Eumed. Universidade de Málaga,
2019.

SILVA, A. L. da. Uma Breve Reflexão sobre a Trajetória da Geografia Escolar no Brasil: uma discussão metodoló-
gica dos professores e alunos da EEEFM. Estevam Marinho. Trabalho de Conclusão de Curso (Licenciatura em
Geografia). Centro de Formação de Professores de Cajazeiras. Cajazeiras- PB, 2014.

SILVA, F. C. R. Formação inicial de professores de Geografia no Brasil: projetos em disputa. In: 11 SEMINÁRIO
INTERNACIONAL DE LA RED ESTRADO, 2016, Cidade do México. ANAIS (ISSN: 2219-6854). América Latina:
Red Estrado/CLACSO, 2016. v. Único. p. 1-21.

VLACH, V. R. F. O Ensino de Geografia no Brasil: uma perspectiva histórica. In: VESENTINI, J. W. (org.). O Ensino
de Geografia no século XXI. [livro eletrônico]. Campinas, SP: Papirus, 2015.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 413


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade Federal


de Ouro Preto (2011), graduação em História pela
Faculdade de Tecnologia e Ciências-FTC (2011);
Professor de Ensino Fundamental e Educação
Infantil na EMEI Professora Maria Dôgo de Resende
CEI Professora Maria Carmo Pazos Fernandez -
MADU .

LAUDICE MARIA
DE JESUS PACHECO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 414
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE FAMILIAR E ESCOLAR PARA O


DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM

RESUMO: O presente trabalho tem por finalidade estudar o histórico e os aspectos sociais nas
relações família e escola, bem como trazer uma visão geral da escola com base no desenvolvimento
integral do educando, ao valorizar a propagação do conhecimento. Pretende-se apresentar e discutir
a função social da família, com ênfase a influência da família no desenvolvimento da linguagem da
criança, pois o ambiente familiar é a base do desenvolvimento infantil. Além disso, o trabalho traz
inovações e estudos comparativos. A metodologia adotada foi pesquisa bibliográfica em livros,
artigos de revistas e jornais, além de ampla pesquisa na Internet em páginas especializadas sobre
o tema. Os resultados esperados são demonstrar a relevância da união entre escola e família
no desenvolvimento da linguagem e comprovar que um ambiente familiar saudável estimula o
desenvolvimento do educando.

Palavras-chave: Linguagem; Família; Escola; Desenvolvimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 415


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
presente trabalho pretende elucidar a importância do papel da família no desen-
volvimento da linguagem, pois na construção do conhecimento social e pessoal
a família é o primeiro contato, o primeiro ambiente de identificação das crianças
e as escolas devem ser os complementos à educação que começa no centro familiar.
O objetivo desta pesquisa é evidenciar a importância do binômio escola e família en-
fatizando o desenvolvimento da linguagem. A família é o primeiro grupo com o qual nos
comparamos, identificamos e, consequentemente, reproduzimos suas ações, comportamen-
tos, palavras, bem como os hábitos culturais que são passados de geração para geração,
investiga-se nesta pesquisa é a importância da contribuição da família no sucesso escolar da
criança, principalmente com ênfase no desenvolvimento da linguagem.
A educação do contexto familiar influencia no desenvolvimento da autoconfiança da
criança. Ajuda na sua formação, constituindo-a enquanto ser humano completo em seus an-
seios, desejos.
Segundo Kaloustian (1988), a família é núcleo indispensável para a garantia da sobre-
vivência e da proteção integral dos filhos e demais membros, independentemente do arranjo
familiar ou da forma como vêm se estruturando.
Hoje em dia, é necessária a adequação, união da família com a escola, a família irá
fornecer para a criança raízes afetivas e, sobretudo, apoios, materiais necessários ao de-
senvolvimento do bem-estar. A família, possui sim, um papel decisivo na educação formal
e informal. É também em seu interior que se constroem as marcas entre as gerações e são
observados valores culturais.
A escola tem um papel importante no processo de desenvolvimento do educando, des-
de a primeira infância devido a inclusão dos pais no mercado de trabalho, assim as crianças
estão ingressando cada vez mais cedo nas escolas, algumas a partir dos 4 (quatro) meses
de idade.
Diante disso, podemos notar que a escola vai além da transmissão do conhecimento,
ela possui papel importante na construção do caráter, através da sua dimensão social, ob-
jetivando também a socialização dos seus alunos, muitas vezes mediar relações de cunho
afetivo, social e cognitivo.
Portanto, é necessário para o desenvolvimento inicial da linguagem, tanto a experiência
que o educando tem em casa, quanto o envolvimento da família com a escola. É crucial a união
da escola com a família, sendo que esta deve zelar pelo desenvolvimento infantil oferecendo
apoio emocional, ambiente próprio e harmonioso, para que a criança possa se desenvolver
da melhor maneira.
O desenvolvimento da linguagem depende não somente das condições biológicas ina-
tas de cada indivíduo, como também sofre influência de fatores ambientais presentes nos
meios em que as crianças estão inseridas, como por exemplo, a família e a escola. Acosta
et al (2003, p. 35).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 416


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Destaca-se que a pesquisa está focada na análise de dados históricos, bibliográficos


com embasamento teórico e apresentação das visões dos autores pesquisados que discutem
e analisam a importância do papel da família e da escola no desenvolvimento da linguagem
infantil.
Sinteticamente, faz-se o histórico da família, bem como a sua função social e as mudan-
ças históricas na constituição da família. Traz-se o conceito de linguagem, como podemos
adquirir e desenvolver a linguagem enquanto crianças tendo o ambiente familiar como base
além dos possíveis prejuízos se a crianças for afastada contato com a escola.
Menciona-se a participação da escola no desenvolvimento da linguagem que mostra-se
desde a Educação Infantil, quando a linguagem oral é trabalhada para garantir a linguagem
escrita no ensino fundamental.
As considerações finais trazem a conclusão do estudo com comentário acerca da pes-
quisa. Com ênfase em resultados conseguidos através da pesquisa bibliográfica apoiada em
autores que enfatizam a importância da leitura para desenvolvimento da linguagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 417


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

FUNÇÃO SOCIAL DA FAMÍLIA Nos dias atuais, muitas famílias não se en-
quadram mais no modelo antigo de família, sen-
Durante as grandes transformações his- do necessária a evolução do Estado, protegendo
tóricas, conforme ensina-nos o autor Philippe qualquer formação familiar e aqui entra o papel
Ariés (!991), a noção de criança passou por de extrema importância da escola na evolução
diferentes conotações. Inicialmente a criança dessas famílias aos dias atuais e o papel de ex-
era um ser produtivo a partir dos sete anos trema importância da escola como parceria na
de idade, quando começava a ser útil na eco- relação escola/famílias.
nomia familiar fazendo tarefas idênticas aos
seus pais. Na infância, já possuía responsabi- A família, conforme já apresentado, é a
lidades legais perante a sociedade, pois por união de pessoas decorrente de vínculos sanguí-
muito tempo a criança era apenas um homem neos, afetivos e civis. Os pais são os representan-
‘’pequeno'' ou ‘’reduzido’’, não havia núcleo tes legais dos filhos menores de idade, eis que
familiar, muito menos sentimento de amor. não possuem autoridade e discernimentos para
atos da vida até alcançarem a capacidade plena.
Diante disso, o autor Ariés (1991) de-
monstra em seus estudos que até o século Sendo necessária essa representação seja
XVII, antes da transição para a sociedade mo- dos pais ou de um representante legal, o Estado
derna a trajetória da criança era marcada por dispõe em suas leis deveres e direitos, juntos
discriminação, marginalização e exploração. com as responsabilidades dos pais para com
os seus filhos. A Constituição Federal dispõe em
Com o presente estudo podemos anali- seu artigo 229: “Os pais têm o dever de assistir,
sar que a família é o agrupamento social mais criar e educar os filhos menores, e os filhos maio-
antigo criado pelos homens, para socializar, res têm o dever de ajudar e amparar os pais na
trabalhar, facilitar a vida entre os seres hu- velhice, carência ou enfermidade” (MEC, 1988).
manos se agrupavam em clãs, tribos, até o
surgimento das cidades. Assim, a família, hoje em nossa sociedade,
engloba diversos princípios e valores estrutura-
O conceito de família, que vem do latim dos, como no artigo 1º, III, da CF/88 a dignidade
famulus e significa grupo de pessoas, escra- da pessoa humana; no artigo 5º, I da CF/88, a
vos, servos que pertencem ao mesmo padrão. isonomia, ao reafirmar a igualdade de direitos e
Com esse conceito, percebemos nitidamente deveres do homem e da mulher e o tratamento
que os conceitos mudaram durante o decor- igualitário dos filhos; artigo 3º, I, da CF/88 a so-
rer do tempo com a evolução da humanidade. lidariedade social, entre outros.
Antigamente, a família era formada e A família é a base para a evolução do ser
possuía um ‘’chefe’’, uma figura patriarcal, al- humano, suas escolhas estão diretamente rela-
guém que comandava, e era o responsável cionadas com as escolhas que sua família fez
pelas decisões que eram seguidas por todos e continua fazendo durante a sua criação e irão
os membros daquela família. refletir diariamente nas suas escolhas profissio-
Com o passar dos anos, a família pas- nais e até afetivas.
sou a ser vista como meio para o desenvol- Por essa razão é que a família tem inúme-
vimento pessoal dos seres humanos e não ros deveres em relação à educação, como por
mais a instituição antiga. A sociedade evoluiu exemplo, participação na vida escolar de seus
e hoje não falamos mais em obrigações matri- membros, desde e principalmente na infância,
moniais ou chefe de família, os membros da podendo os pais ou seus responsáveis legais,
família passaram a possuir livre arbítrio e os até serem responsabilizados pelo acompanha-
laços passaram a ser subjetivos. mento escolar dos filhos menores de idade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 418


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Conforme é citado na Lei de Diretrizes e Assistir, acompanhar, participar, intera-


Bases da Educação, em seu artigo 2º a educa- gir na vida escolar do filho é papel de suma
ção é dever da família e do Estado, inspirada nos importância da função social da família, visan-
princípios de liberdade e nos ideais de solidarie- do sempre o bem estar daquelas crianças e
dade humana. O artigo 229 da Constituição Fe- da sociedade na qual está inserida, sendo
deral também retrata o papel da família quando assim, uma família ciente de sua função e
estabelece que os pais têm o dever de assistir, cumprindo seus direitos e deveres perante a
criar e educar os filhos. sociedade, reflete diretamente no bem estar
da sociedade como um todo. Diante do ex-
O Parágrafo único do artigo 53 do Estatuto
posto, podemos concluir que a família tem
da Criança e do Adolescente ainda cita que é
como função social propiciar um ambiente
direito dos pais ou responsáveis ter ciência do
sadio para as suas crianças, sempre se pre-
processo pedagógico, bem como participar da
ocupando com o diálogo entre pais, cuidado-
definição das propostas educacionais.
res, responsáveis e a escola.
Conforme ensina-nos a autora Adriana Ma-
AS MUDANÇAS NA CONSTITUIÇÃO DA
luf (2010, p. 58) a família é a agregação social,
FAMÍLIA
locus privilegiado do indivíduo, tem por função
precípua a proteção da vida familiar, bem como Com a evolução da sociedade, notamos
da socialização de seus membros, provendo- a mudança cultural influenciada pelo avanço
-os de afeto e de segurança. Deve possibilitar da tecnologia, mudanças econômicas, so-
o desenvolvimento da personalidade dos seus ciais, entre outras. Essas mudanças afetaram
integrantes. Tendo em vista o momento histórico diretamente as relações familiares.
onde está inserida, deve se adequar às mudan-
ças externas e internas ocorridas no meio social. A criança inicialmente passou a ser
Considera também que uma das funções basila- educada pela própria família e conforme en-
res da família é viabilizar a formação e socializa- sina-nos Ariés (1981), surgiu na infância a
ção do indivíduo. paparicação e o apego. Foi com o surgimento
desses sentimentos que surgiu uma família
Diante disso, cada criança tem o reflexo com a função de educar e disciplinar suas
da sua criação na sua linguagem, modo de agir, crianças. Momento esse em que surge a es-
personalidade, assim a família tem um papel im- cola, conforme o autor supracitado:
portantíssimo no processo de desenvolvimento
A escola medieval não era destinada às
e criação de uma criança na sociedade. É papel
crianças, era uma espécie de escola téc-
da família, e não da escola o preparo da criança nica destinada à instrução dos clérigos
para se inserir na sociedade como um ser huma- [...]. Ela acolhia da mesma forma e in-
no responsável, a escola apenas dará respaldo diferentemente as crianças, os jovens e
necessário para efetivação da função social da os adultos, precoces ou atrasados, ao pé
família. das cátedras magisteriais (ARIÉS, p.124.
1981).
Alves (2007, p. 03) o grupo familiar tem
sua função social e é determinado por necessi- No primeiro momento a história da fa-
dades sociais. Ele deve garantir o provimento das mília e da criança elucida que a preocupação
crianças, para que elas, na idade adulta, exerçam com a educação dos meninos e das meni-
atividades produtivas para a própria sociedade, e nas era diferente, as meninas não podiam ter
deve educá-las, para que elas tenham uma mo- acesso a mesma educação, conforme o autor
ral e valores compatíveis com a cultura em que Ariés ( 1981). As meninas não recebiam por
vivem. Tanto é assim que a organização familiar assim dizer nenhuma educação.
muda no decorrer da história do homem; é alte-
rada em função das mudanças sociais.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 419
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nas famílias em que os meninos iam no aspecto familiar e seguindo um novo pa-
ao colégio, elas não aprendiam nada (p. 126) drão, conforme explica Pereira (1995).: temos
Na Idade Média o papel da escola era um uma queda da taxa de fecundidade, tendência
papel religioso, em síntese, era apenas um do envelhecimento populacional, declínio do
instrumento para coerção do que de aperfei- número de casamentos, aumento da dissolu-
çoamento moral e espiritual (p.126). Assim, ção dos vínculos matrimoniais constituídos,
era papel da Igreja todo o processo de educa- aumento da taxa de coabitação, o que per-
ção, as escolas eram vinculadas às catedrais, mite que as crianças recebam outros valores;
sendo que muitas funcionavam em mosteiros menos tradicionais, aumento de número de
na época. Importante ressaltar que até esse famílias chefiadas por uma só pessoa, prin-
período para educar era necessária uma au- cipalmente por mulheres, as quais trabalham
torização, que na época, era concedida por fora e como consequência passam menos
bispos ou pelos responsáveis das escolas tempo com seus filhos.
eclesiásticas.
Podemos concluir que, obviamente, a
Assim, no fim da idade média, confor- realidade das famílias mudou, as famílias não
me ensina-nos Ariés (1981), tem um marco são mais as mesmas de uma década atrás,
importante, o qual o autor caracteriza esse com a evolução da sociedade, têm também
momento como surgimento do sentimento de a evolução da escola e da educação.
infância, conforme já descrito acima, chama-
A INFLUÊNCIA DA FAMÍLIA NO
dos de paparicação e apego.
DESENVOLVIMENTO DA LINGUAGEM
Somente no século XVII a educação DA CRIANÇA
passou a ser parte decisiva e importante no
período infantil, assim, a educação passou a Aborda-se sobre a aquisição e o desen-
ganhar espaço e a escola nasceu: A esco- volvimento da linguagem, pois esta é a pri-
la medieval não era destinada às crianças, meira maneira de socialização de uma crian-
era uma espécie de escola técnica destinada ça,começando em casa, com a sua família
à instrução dos clérigos [...]. Ela acolhia da desde pequeno.
mesma forma e indiferentemente as crianças, Cumpre esclarecer, inicialmente, a defi-
os jovens e os adultos, precoces ou atrasa- nição de linguagem, assim, podemos definir
dos, ao pé das cátedras magisteriais (AIRES que a linguagem é a capacidade de comuni-
p. 124.1981). cação:
Nos séculos seguintes, XV, XVI, prin- A linguagem nada mais é que a capa-
cipalmente no século XVII a escola passou cidade do homem de se expressar, ele se
a desempenhar papéis importantíssimos na comunicar, expressando com as palavras, as
vida das crianças europeias, mas apenas os suas ideias, pensamentos, desejos, angús-
meninos frequentavam. tias, felicidades, entre outros.
No Brasil, a educação teve início no O primeiro contato de uma criança com
século XVI, com os primeiros professores a linguagem é vendo seus pais, são as ins-
brasileiros, os jesuítas, mas a educação era truções verbais na rotina e cotidiano da famí-
apenas para os filhos da burguesia e a cate- lia. Assim, essa forma de instrução verbal é
quização dos índios, assim excluídos os es- conhecida como implícita, ou seja, são falas
cravos, pobres e as mulheres. sutis com palavras adquiridas dia após dia
A Constituição Federal de 1988 que o através da audição, com influência do mundo
Brasil trouxe um avanço na questão do âmbito exterior, principalmente da família.
familiar, com isso temos maiores mudanças

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 420


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ano após ano, com o desenvolvimento forme o autor Vygotsky (1998) o desenvolvi-
infantil, a linguagem de uma criança vai se mento da linguagem têm origens sociais ex-
aperfeiçoando, expandindo e conhecendo pa- ternas, nas trocas comunicativas entre criança
lavras novas. Assim, o primeiro contato com a e adulto. Porém, essas estruturas construídas
família é fundamental para o desenvolvimento socialmente pela criança dependem das re-
linguístico e no momento em que essa crian- ações de outras pessoas, reações essas de
ça entra na escola ela passa a interagir me- incentivo e de reconhecimento do adulto pela
lhor com as outras crianças. criança, firmando-se assim como sujeito da
linguagem e não como agente passivo.
Diante disso, a linguagem está atrelada
também a aprender a falar, se expressar, co- Assim, o surgimento da linguagem ocor-
municar e, também brincar, desde a primeira re apenas com cerca de dois anos de idade
infância. Para o autor Vygotsky (2009, p. 63) e conforme o autor Zorzi (2002) ela marca o
a função primordial da linguagem é comuni- início de uma revolução da vida dessa crian-
car, relacionar socialmente, influenciar os cir- ça, pois irá mudar completamente o modo de
cundantes tanto do lado dos adultos quanto relacionar-se com as pessoas, com o mundo.
do lado da criança.
Outro autor que estudou a aquisição
A linguagem nos dá o domínio, o poder e o desenvolvimento da linguagem foi Jean
de nos expressar, contar histórias, revelar ide- Piaget o qual desenvolveu a teoria do desen-
ais e, principalmente relatar fatos sem preci- volvimento cognitivo com base na Epistemo-
sar mostrar ou demonstrar algo ou alguém. logia Genética, a qual busca compreender as
Conforme o autor supramencionado, a lingua- origens do conhecimento, de modo a esque-
gem possui a função de nos distinguir de um matizar os níveis das estruturas e processo
animal, ou seja, é o que torna o ser humano cognitivos através do Método Clínico proposto
superior às outras espécies, mesmo com es- por Piaget.
tudos que demonstram que os animais se co-
Assim, podemos concluir que a criança
municam, nenhum deles possui a linguagem
constitui sua inteligência com a aquisição da
como a espécie humana.
linguagem e o seu contato com o mundo, são
Podemos perceber, então, nitidamente, capacidades intelectuais feitas em períodos
o quão importante é a linguagem para os ho- diferentes, a cada idade um novo passo, novo
mens, sem a linguagem não podemos ima- progresso, o qual possibilita compreender o
ginar como seria se expressar, comunicar ou mundo.
até viver em sociedade.
AMBIENTE FAMILIAR COMO BASE DO
Ao entrar em contato com o mundo, DESENVOLVIMENTO INFANTIL
uma criança passa a adquirir experiências,
vivências que construíram a sua história e irão A família desempenha ainda o papel
refletir diretamente em seu futuro, até no seu de mediadora entre a criança e a sociedade,
caráter. A interação social infantil é pressu- possibilitando a sua interação e socialização.
posto essencial na vida e o papel da família É o primeiro contato que a criança tem com
e também, do professor é auxiliar nessa in- o mundo e o cuidado da família para com a
teração. criança é essencial para o desenvolvimento
cognitivo infantil. Quanto mais estimulada a
Uma criança aprende conforme a sua criança for, mais se desenvolverá sua lingua-
experiência de vida diária, por isso a impor- gem e comunicação. Como vimos este sis-
tância de frequentar uma escola, já que passa tema tem sofrido mudanças mais gerais da
a ter uma maior interação social, interagindo sociedade.
com outros adultos e diversas crianças. Con-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 421


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Dessa maneira surgem novos arranjos, Neste sentido, o papel do educador é


diferentes da família nuclear anteriormente do- de levar até as crianças o contato com os li-
minante, constituída pelo casal e filhos que hoje vros. Ao criar o hábito de ler histórias para as
possuem novas formas de combinações. Qual- crianças podem despertar curiosidade para
quer que seja a sua estrutura, a família man- que criem suas hipóteses de leituras que lhes
tém-se como o meio relacional básico para as favoreceram na fase de alfabetização.
relações da criança com o mundo.
Ao ouvir uma história a criança a incor-
A criança depende das interconexões que pora em sua vida ao fazer relações com seu
sua família tem com outros ambientes comple- cotidiano. Bettelheim (1980) ressalta que:
mentares, permitindo contextualizar suas apren- É característico dos contos de fadas co-
dizagens nos vários níveis do mundo social. locarem um dilema existencial de forma
É através do grupo familiar que a criança breve e categórica. Isto permite à criança
aprender o problema em sua forma mais
tem suas primeiras impressões do mundo. É
essencial, onde uma trama mais comple-
neste núcleo que ela vai desenvolver sua ora- xa confundiria o assunto para ela. O con-
lidade. Quando se fala pouco com a criança, to de fadas simplifica todas as situações.
ela desenvolve seu vocabulário. O baixo nível Suas figuras são esboçadas claramente, e
sócio- econômico, a vulnerabilidade e à fragili- detalhes, a menos que muito importantes,
dade nos vínculos familiares, podendo resultar são eliminados. Todos os personagens
em prejuízos e problemas, linguagem, memória são mais típicos do que únicos (BETTE-
e habilidades sociais.Vygotsky (1998) definiu a LHEIM, 1980, p. 15).
zona de desenvolvimento proximal (ZPD) como: Para a criança os personagens podem
[...] a distância entre o nível de desen- retratar sentimentos e situações vivenciadas.
volvimento real, que se costuma determi- Por este motivo, vamos aqui retratar a impor-
nar através da solução independente de tância da literatura infantil e principalmente em
problemas, e o nível de desenvolvimento como acontece uma contação e/ou leitura de
potencial, determinado através da solu- histórias desde o preparo para este momento,
ção de problemas sob a orientação de
o ato de ler em si e a sua finalização mos-
um adulto ou em colaboração com os
companheiros mais capazes (VYGOTSKY,
trando assim como a aprendizagem ocorre de
1998, p. 97). maneira significativa.

Por isso vê-se com grande importância a Pode-se considerar que ler e ouvir histó-
ida destas crianças para CEIS (centro de Edu- rias é momento de interações e afetividades,
cação Infantil) e EMEI (Escolas de Educação onde as crianças têm contato direto com a
Infantil) pois assim terão garantia do Educar e linguagem oral. Em uma contação ou leitura
Cuidar assegurado pelo estado. o narrador aproxima e fortalece os vínculos
entre a turma. As crianças aprendem a par-
A INFLUÊNCIA DO AMBIENTE tir da interação ao se colocar na posição de
ESCOLAR NO DESENVOLVIMENTO DA contador ou leitor o professor estabelece a
LINGUAGEM DA CRIANÇA aprendizagem e desenvolvimento da lingua-
gem oral.
A oralidade é muito importante na relação
familiar para o desenvolvimento da linguagem, As crianças aprendem por imitação nos
mas é na Educação Infantil que acontece o en- primeiros anos de vida, por volta dos seus
riquecimento da comunicação e da expressão três anos as crianças têm um número bem
uma vez que as crianças fazem uso da lingua- maior de palavras e, por isso, a narrativa das
gem a todo o momento e esta ajuda favorece a histórias infantis torna-se para elas alvo de
interação social. grande interesse. A aprendizagem da língua

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 422


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

falada é progressiva e gradativa e na escrita servação e uso. Trabalhar com receitas com
não é diferente, pois as crianças aprendem crianças desde a Educação Infantil possibilita
por meio das interações sociais que aconte- à criança entender os processos sociais da
cem em diversos momentos comunicativos. escrita e leitura.
Muitas vezes as crianças gostam que o Porém antes de todo processo de alfa-
professor repita a história e caso mude algo betização deve-se pensar que o letramento
na narrativa elas reconhecem e se queixam. começa bem antes. Pensando na observa-
Por isso é importante que o professor utilize as ção, escuta e aprendizagem vê quanto é im-
duas estratégias: contar e ler histórias para que portante a aprendizagem de ouvir histórias.
as crianças compreendam a diferença entre Quem nunca teve o grande prazer de ouvir
contar e ler. E sobre isto falaremos a seguir. “causos” contados por grandes contadores
de determinadas comunidades, que nunca
O desenvolvimento da linguagem oral
aprenderam um único livro, mas têm conheci-
é um processo que perdura toda a vida. O
mentos e estratégias de letramento que levam
vocabulário de uma criança está relacionado
ao desenvolvimento de histórias encantado-
com a quantidade e qualidade de participa-
ras que prestem atenção de os cercam.
ções em atos comunicativos que ela viven-
cia em suas interações sociais. O papel do É preciso, no entanto, que a criança
professor é favorecer o desenvolvimento oral tenha a oportunidade de conviver com dife-
possibilitando à criança interagir, construir as rentes portadores textuais para que suas es-
relações sociais: tratégias cognitivas e seu conhecimento se
A linguagem origina-se em primeiro lu-
ampliem. É importante que o professor tenha
gar como meio de comunicação entre a consciência de que trabalhar a leitura de um
criança e as pessoas que a rodeiam. Só livro é diferente de trabalhar um gênero oral.
depois, convertido em linguagem interna, A leitura é feita de forma digna ao que está
transforma-se em função mental interna escrito. A contação de história é diferenciada,
que fornece os meios fundamentais ao o contador pode propor situações que podem
pensamento da criança (VYGOTSKY, conter sua interpretação.
2014, p.144).
A contação é um gênero oral importante
O professor pode incentivar as crian- para o desenvolvimento infantil no que con-
ças a se comunicar e se expressar, ao ou- cerne à leitura de mundo, à construção de
vir histórias amplia a capacidade de escuta. conhecimentos e ao estímulo para a leitura
A leitura é um registro social, que demanda por prazer. Todavia, o grande problema em re-
compreender algo e leva, necessariamente, a lação à leitura nos dias de hoje é demonstrar
reconhecer o portador textual (se é um livro, o seu papel social da escrita para a formação
uma revista, um jornal ou uma receita). de leitores críticos e esse trabalho começa na
É por meio das relações sociais que se primeira infância como já foi dito, e a conta-
estabelecem suas relações e aprendem. Ao ção pode facilitar a língua escrita.
observar o professor folhear um livro, jornal Com diferentes estratégias, a contação
ou revista, a criança aprende como usar o pode servir de suporte, este gênero oral pode
objeto e manuseá-lo. Com o passar das ex- surgir a partir de um livro, assim devemos
periências ao ouvir uma receita e observar nos atentar em não mudar a história, pois é
sua estrutura, a criança obtém a informação importante que a criança perceba que quan-
de como utilizar socialmente e desenvolver do lemos socialmente, deve-se mostrar como
múltiplas competências para o levantamen- posicionamos a voz, como viramos páginas
to de hipóteses, as quais ainda permitem a e como analisamos as imagens com o livro
recuperação da informação por meio da ob- voltado para nossa visão da criança.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 423
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Quando se conta uma história pode- se crianças podem ser os personagens e parti-
usar diferentes objetos como fantoches, dedo- cipar mais ativamente.
ches e diferentes materiais, até mesmo aque-
Ao ler uma história o professor deve se
les não convencionais (como panelas, colhe-
manter no texto escrito. Isso não impede de
res, madeiras). Depois da contação pode-se
usar entonações, mudar a voz, criar vozes
apresentar o livro, o autor, o ilustrador, deixar
diferentes para os personagens, porém não
que as crianças manuseiem o livro. Desse
deve haver mudanças no vocabulário e nem
modo, a criança fará associações relaciona-
simplificá-lo. Um erro cometido às vezes pelo
das à contação e ao que leram no livro, fará
professor é a substituição de palavras ou pa-
inferências relacionadas a outros livros ou a
rar a leitura para explicá-las. Isso faz com que
sua realidade e será capaz de recontar.
as crianças se distraiam.
Quanto mais o professor estuda uma
Se o livro tem figuras o professor pode
história infantil maiores são as possibilidades
combinar anteriormente com as crianças se
de trabalho em sala de aula com as crianças
mostrará durante a história ou depois assim
e melhores serão as atividades pedagógicas
evita interrupções. São estratégias simples,
que, poderão ser exploradas para o desenvol-
mas que funcionam e prendem a atenção das
vimento de estratégias cognitivas de leitura do
crianças. O contador leitura pode em voz alta
mundo e desenvolvimento do comportamento
contribuir para uma aproximação dos não lei-
leitor.
tores com os livros, na ausência do professor
LER OU CONTAR HISTÓRIAS PARA AS as crianças retornarão ao livro, e poderão re-
CRIANÇAS ler mesmo sem saber ler e recontar a história
anteriormente ouvida:
Pode-se afirmar que existe diferença en-
tre ler e contar histórias. Tanto a leitura como a Tudo começa quando a criança fica fas-
cinada com as coisas maravilhosas que
contação de uma história desperta a imagina-
moram dentro do livro. Não são as letras,
ção, a atenção, cria vínculos afetivos, porém as sílabas e as palavras que fascinam. É
as duas formas de compartilhar histórias são a história. A aprendizagem da leitura co-
diferentes. O professor deve demonstrar esta meça antes da aprendizagem das letras.
diferença para as crianças, mesmo aquelas Desejo decifrá-las, compreendê-las – por-
bem pequenas mostrando as características que elas são a chave que abre o mundo
de cada técnica no decorrer da estratégia es- das delícias que moram no livro. Deseja
colhida. autonomia: ser capaz de chegar ao prazer
do texto sem precisar da mediação da
Ao contar uma história, o professor pessoa que o está a ler. (ALVES, Rubens.
pode usar suas próprias palavras, usar um O prazer da leitura: a aprendizagem da lei-
vocabulário mais próximo da oralidade. A his- tura começa antes da aprendizagem das
tória que se conta é mais flexível, pode ter letras. Educação, n°137. Ano 12, 2008).
a marca do professor e suas características Então contar ou ler desperta a criança
durante uma contação. para o mundo letrado. A inserção da criança
Muitas vezes a contação de histórias à leitura como vimos não ocorre de forma es-
tem um planejamento mais teatral por parte pontânea, o professor tem importante papel
do professor, principalmente na Educação In- como leitor ou contador de histórias como
fantil, que pode utilizar de diferentes recursos mediador como Alves ( 2008).
para retratar um conto, uma fábula ou um po-
ema para as crianças. Cabe também destacar
que na contação as interações das crianças
podem ocorrer de modo mais espontâneo. As
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 424
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao realizar esta pesquisa procurou-se mostrar a importância da leitura tanto no âmbito
familiar como no escolar desde os primeiros anos de vida. Um fator muito importante a des-
tacar é que quando a criança é incentivada a ler, o processo de aprendizagem é favorecido.
Buscou-se evidenciar a importância da oralidade para as crianças. Tem-se a convicção que
a leitura ou contação é uma estratégia potente para facilitar o comportamento leitor.
No decorrer da pesquisa apresentada mostrou-se a diferença entre contar e ler histórias.
Os autores citados nesta pesquisa corroboram com a ideia de que para o desenvolvimento
da linguagem oral é importante a criança vivenciar atividades de leitura.
Conclui-se que é importante substituir um ensino baseado quase exclusivamente no
desenvolvimento de funções intelectuais, por um ensino que visa o desenvolvimento do auto-
conhecimento e de competências pessoais e interpessoais facilitadoras de uma (auto) regu-
lação emocional que contribua para o desenvolvimento da leitura e escrita. Portanto, sempre
será necessário constituir um ambiente nos quais os diversos portadores textuais não sejam
coibidos, mas sim estimulados, difundidos e ampliados.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 425


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubens. O prazer da leitura: a aprendizagem da leitura começa antes da aprendizagem das letras. Edu-
cação. nº 137. Ano 12. 2008.

ARIÉS, Philippe. História Social da Criança e da Família. 2. ed. Tradução de Dora Flaksman. Rio de Janeiro: LTC
Editora, 1981.

AZEVEDO, F. A cultura brasileira. 4. ed. Brasília: Ed. Universidade de Brasília, 1963.

BETTELHEIM, Bruno. A psicanálise dos contos de fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra.1980.

BRASIL. [Constituição (1988) ]. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de


1988. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1990.

______. Lei nº. 9.394 de 20 de dezembro de 1996. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. 1996.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei nº. 8.069 de 13 de julho de 1990.

CARNEIRO, Moaci Alves. LDB fácil: leitura crítico-compreensiva artigo a artigo. 18 ed. Petrópolis, RJ: Vozes. 2011.

CARVALHO, Dimas Messias De. A Efetividade Dos Princípios Fundamentais No Direito De Família Para Reconhe-
cimento da Paternidade Socioafetiva. Disponível em: http://www.fdsm.edu.br/site/posgraduacao/dissertacoes/31.
pdf. Acesso em: 12.09.2020.

CERQUEIRA, Aliana Georgia Carvalho. A Trajetória da LDB: Um olhar crítico frente à realidade brasileira. Disponível
em: http://www.uesc.br/eventos/cicloshistoRicos/anais/ pdf. Acesso em: 12.09.2020.

DUARTE, Clarice Seixas. A educação como um direito fundamental de natureza social. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/es/v28n100/a0428100.pdf.

PASSOS, Maurício Da Costa. Por Uma Função Social da Família: Os reflexos protetivos. Disponível em: http://
www3.pucrs.br/pucrs/files/uni/poa/direito/.pdf. Acesso em: 10/09/2020.

PEREIRA, Paulo Adolfo. Desafios contemporâneos para a sociedade e a família. Revista Serviço Social e Socie-
dade, n. 48 a 16. São Paulo, Cortez, 1995.

PIAGET, J. A Construção do Real na Criança. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1970.

PIAGET, J. O nascimento da inteligência na criança. Trad. Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1975.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. Trad. Paulo Bezerra. 2. ed. São Paulo: Editora
Martins Fontes, 2009.

______. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

ZORZI, Jaime Luiz. A Intervenção Fonoaudiológica nas Alterações de Linguagem Infantil. 2. ed. Rio de Janeiro:
Revinter, 2002.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 426


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Ciências Contábeis pela Faculdade


Cruzeiro do Sul (2013), Licenciada em Matemática
pela Faculdade Cruzeiro do Sul (2017), Licenciada
em Pedagogia pela Faculdades Integradas Campos
Salles (2019); Especialista em Psicopedagogia
Institucional pela Faculdade Cruzeiro do Sul (2018);
Professora de Ensino Fundamental II - Matemática
- na EMEFM Professor Derville Alegretti.

LIA RAQUEL
DE SOUZA SILVA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 427
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NA EDUCAÇÃO INFANTIL

RESUMO: Este artigo pretende investigar o quanto o lúdico pode solucionar problemas na
aprendizagem das crianças, pois o lúdico contribui em todos os aspectos transformadores,
refletindo que o aluno necessita de estímulo diário. Ao fazer uma pesquisa com trinta pais
constatou-se que eles acreditam que o lúdico faz a diferença na vida escolar de seus filhos, pois
é sabido que se for feito um trabalho conjunto entre família e escola a aprendizagem desse aluno
será facilitada. Sendo assim o lúdico tem muita valia no momento de ensino/aprendizagem, pois
o educar vai além de um simples livro, mas através de conhecimento e valores passados por
nós mediadores.

Palavras-chave: Lúdico; Aprendizagem; Mediador; Aluno; transformadores.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 428


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

S
ão nos anos iniciais que a criança descobre novas experiências quando o as-
sunto e o brincar, trazendo sua realidade para o mundo da sua imaginação. É
neste momento que a criança trabalha sua vontade de descoberta e encontra
sua própria identidade.
E essa descoberta de identidade perpassa pelo o universo lúdico, passa por aprender
com contexto em que vive para dessa forma a aprendizagem ser enriquecida de significado
e assim passar por essa fase de transformação de uma forma mais agradável, eficiente e
enriquecedora.
Quando a criança brinca, ela tem a oportunidade de interagir com outras crianças, assim
sendo capaz de aprender a respeitar diferentes opiniões, ser respeitado é respeitar o ambiente
escolar, onde é necessário participar de trabalhos em grupo e individual.
É preciso saber que a criança se desenvolve integralmente em todos os aspectos físico,
cognitivo e também emocionalmente, o brincar será uma ótima ferramenta para que o profes-
sor ajude esse aluno na sua aprendizagem.
E entre uma atividade e outra que o professor irá desenvolver atividades lúdicas para
os alunos, fazendo uma mediação entre eles, pois assim a aprendizagem acontece de uma
maneira mais tranqüila, direcionado e apontando os erros e acertos deles de forma que a
criança se desenvolva e não tenha medo de expor sua opinião, fazendo isso o professor irá
estimular o aluno a valorizar seu aprendizado sem abandonar a sua experiência de vida.
Neste sentido, a brincadeira deve ser por conta do aluno, com sua própria fantasia, onde
ele constrói e conhece o mundo a sua volta. A ludicidade tem muita importância na infância
das crianças. O brincar para o aluno é uma atividade cotidiana como suas necessidades do
dia a dia, como sua alimentação, higiene, e o professor precisa deixar esse momento o mais
prazeroso possível.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 429


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A APRENDIZAGEM E O LÚDICO De acordo com os parâmetros curricu-


lares, os educadores podem usar de brinca-
Sabe-se que é nos anos iniciais que deiras lúdicas para apresentar os conteúdos
fica claro a importância do desenvolvimento das disciplinas, seja ela de português, de ma-
integral da criança. Pois sabemos que com temática ou até mesmo uma música:
o lúdico a criança se desenvolve de maneira
adequada para viver em sociedade. O jogo pode se tornar uma estratégia didá-
tica quando as situações são planejadas e
O desenvolvimento integral da criança é orientadas pelo adulto visando a uma fina-
de fundamental importância, não só nos anos lidade de aprendizagem, isto é, proporcio-
iniciais, mas acredito que se a aprendizagem nar à criança algum tipo de conhecimento,
alguma relação ou atitude. Para que isso
das crianças em seu início é fundamental,
ocorra, é necessário haver uma intencio-
logo, entendo que se o início da construção nalidade educativa, o que implica planeja-
desse conhecimento for realizado de forma mento e previsão de etapas pelo professor,
maciça, sem considerar o contexto em que para alcançar objetivos predeterminados
as crianças viver e desenvolve sua aprendi- e extrair do jogo atividades que lhe são
zagem, essa aprendizagem se inicia de forma decorrentes (RCNEI 1998, V.3, p.211.)
muito deficiente. Para que a atividade seja realizada com
Claro que a aprendizagem lúdica deve sucesso é preciso que o professor tenha um
ser utilizada em todos os anos escolares, objetivo a ser alcançado, não usar somen-
porém , é de fundamental importância que te o brincar por brincar e sim com alguma
neste início de aprendizagem as crianças te- intenção de melhorar o desenvolvimento de
nham um repertório lúdico e assim tenham seus alunos: “aprender para nós é construir,
um desenvolvimento de aprendizagem mais reconstruir, constatar para mudar, o que não
significativo. se fez sem abertura ao risco e à aventura do
espírito” (FREIRE,1996, p.69).
O lúdico é uma forma prazerosa de
trabalhar conteúdos complexos em sala de As brincadeiras são apenas instrumen-
aula e assim fazer com que os alunos com- tos que auxiliam as crianças a se desenvolver
preendam que viver em sociedade requer da melhor maneira em todos os aspectos,
que regras sejam compreendidas, ajudando trabalhando sua criatividade, seu intelectual
também no seu aprendizado, desenvolvendo e também o físico (FREIRE, 1996).
em todos os aspectos emocional, cognitivo, As brincadeiras devem ser bem plane-
motor e etc. jadas e contextualizadas, visando o desenvol-
Aberastury (1992) diz que é com o brin- vimento integral das crianças, para isso deve
car que as crianças conseguem expor seus ser utilizada brincadeiras que converse com
sentimentos de alegria, medo, frustração, as- a realidade das crianças, que seja possível
sim ela consegue expressar tudo o que se ela brincar tanto no ambiente escolar como
observa ao seu redor. em sua casa com seus familiares e amigos.
Moyles (2002) aborda que o brincar em É através da brincadeira que o profes-
sala de aula, permite que a criança associe sor se comunica melhor com o aluno, pois
seu aprendizado com sua vivência no, dia a através do momento que a criança aprende
dia, proporcionando que o próprio professor a conviver com diferente, respeitando regras
compreenda suas necessidades e suas di- e aprendendo a ter limites. A brincadeira é o
ficuldades, podendo passar aos pais a real momento que o aluno começa a entender o
situação que o aluno se encontra. mundo a sua volta, e ele por si só compreen-
de sua vivência (FREIRE, 1996).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 430


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A vivência do aluno é algo que deve ser Educar significa, portanto, propiciar situa-
entendido como de fundamental importância, ções de cuidados, brincadeiras e aprendi-
assim não é coerente como docentes planejar zagens orientadas de forma integrada e que
possam contribuir para o desenvolvimento
uma brincadeira que se distancia do contexto
das capacidades infantis de relação inter-
do aluno, devendo assim antes de realizar o pessoal, de ser e estar com os outros em
planejamento, conhecer a comunidade esco- uma atitude básica de aceitação, respeito e
lar, conhecer a realidade familiar dos alunos confiança, e o acesso, pelas crianças, aos
e só depois planejar quais brincadeiras são conhecimentos mais amplos da realidade
possíveis neste contexto. social e cultural (RCNEI, vol. 1, 1998, p.23).

OS BRINQUEDOS Não necessariamente precisa ser um


brinquedo pedagógico, mas é importante que
A partir disso, percebemos que o lúdico o objeto a ser usado deva ter uma finalidade e
ajuda a criança a se descobrir, criando uma um objetivo, sem constranger a criança deixan-
nova realidade, a partir do que ele vive em do que ela fale por si nas horas do brincar, que
seu cotidiano, pois o adulto que ele se torna- ela se sinta tranqüila, pois não podemos forçar
rá, depende muito de como essa infância foi nenhuma situação ou insinuar algo em falso.
desenvolvida.
Faz-se importante também ressaltar que
Pode-se observar que nos anos iniciais não necessariamente o brinquedo deve está
da criança, o ponto chave é a brincadeira. pronto, podemos pensar também na constru-
Conforme a criança se desenvolve, o brinque- ção de brinquedos com materiais acessíveis
do se torna essencial a sua rotina, e conse- para as crianças, um exemplo é fazer um bo-
quentemente aprendem jogo com um grau liche com garrafas pet e meia.
de dificuldade maior, pois sua curiosidade
aumenta cada vez mais, valorizando regras Ensinar a criança a construir o seu brin-
estabelecidas pelo grupo onde se encaixa ( quedo é enriquecedor, dessa forma podemos
RCNEI, 1998). também ensinar que nem sempre precisamos
ir a lojas comprar brinquedos para ter uma
O educador precisa ser mediador e par- brincadeira divertida, além disso, quando
ticipar ativamente dessa etapa, auxiliando o as crianças realizam a construção de seus
aluno a entender que ele não é o único a brinquedos trabalha também a coordenação
ter atenção tirando o egocentrismo, fazendo motora, instiga o pensar criativo, inovador e
o refletir e solucionar problemas em grupo, também realiza o trabalho colaborativo com
trabalhando seu companheirismo e sua so- os outros alunos presentes na sala de aula.
cialização com os demais.
É no brincar que o aluno cria sua iden-
O convívio que a criança tem dentro de tidade, onde ele se expressa, resolve confli-
casa diz muito sobre sua personalidade, ser tos e se integra e desenvolve de modo geral.
eles ver briga ou algo assim, na vida adulta Com todas essas práticas, o professor deve
ele passa a ser agressivo, com seus amigos fazer seus devidos registros com relação ao
da escola e por tanto os professores têm que desenvolvimento da criança, e deve relatar
trabalhar algumas atividades para eles poder tudo, desde um breve relato sobre a atividade
demonstrar aquilo que senti (RCNEI, 1998). até mesmo alguma ocorrência fora do plane-
O brincar não pode ser visto como algo jamento se for feito desta maneira o professor
qualquer, sem sentido, mas precisa ser dire- conseguirá solucionar os problemas e ainda
cionado para que neste momento a criança melhorar sua prática pedagógica, conseguin-
exponha seus sentimentos, seja de alegrias do com que todos os alunos tenham a mes-
ou de tristezas, e assim o professor consegui- ma chance de aprender.
rá resolver seu problema:
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 431
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Há uma grande quantidade de tipos Enfim, o jogo é um momento onde o


diferentes de brinquedos, alguns são espe- aluno monta e desmonta seus conhecimen-
cíficos para que desenvolvam todas as ativi- tos, ele ajuda a construir conceitos de várias
dades como, por exemplo, as atividades mo- formas.
toras que futuramente ajudará a criança a ter
BENEFÍCIOS DO LÚDICO
mais domínio com as atividades de escrita,
sem deixar de trabalhar os movimentos. Os benefícios da utilização do lúdico
Já outros podem auxiliar na questão de na aprendizagem são amplos. O aluno no
identificar problemas afetivos, desenvolvendo momento da aprendizagem estará por vezes
a imaginação e o lado crítico. E por fim os aprendendo brincando e dessa forma a fixa-
brinquedos e jogos que trabalham o racio- ção do conhecimento acontece de forma des-
cínio e a importância de obedecer a regras. pretensiosa e é detida de forma natural sem
Segundo Kishimoto (2000, p.21): que por vezes o próprio indivíduo perceba.

O brinquedo contém sempre uma referên- O formador deve utilizar a aprendiza-


cia ao tempo de infância do adulto com gem lúdica como uma bagagem excelente
representações veiculadas pela memória de conhecimento para o agente aprendiz. É
e imaginação”. O vocábulo “brinquedo” importante ressaltar que o ensino lúdico está
não pode ser reduzido à pluralidade de presente no mundo desde seus primórdios(-
sentidos do jogo, pois conota criança e
tem uma dimensão material, cultural e téc-
CHAGURI, 2006, p. 2).
nica. Enquanto objeto, é sempre suporte O lúdico é extremamente importante para
de brincadeira. É o material estimulante o desenvolvimento do ser humano, po-
para fluir o imaginário infantil. E a brinca- dendo auxiliar na aquisição de novos co-
deira? “É a ação que a criança desempe- nhecimentos, em sala de aula, facilitando
nha ao concretizar as regras do jogo, ao muito no processo ensino-aprendizagem.
mergulhar na ação lúdica” (KISHIMOTO, É através de atividades lúdicas, que ‘o
2000, p. 21). educando explora muito mais sua criativi-
dade, melhora sua conduta no processo
A criança é um ser único e singular, de ensino-aprendizagem e sua auto esti-
cada uma tem sua vivência e experiências, é ma’ (NEVES s/d).
neste momento da construção da sua perso-
nalidade que ela se transforma com relação Finalmente entendo que os benefícios
ao seu convívio em sociedade. A criança se da utilização da aprendizagem lúdica para
desenvolve constantemente com a ajuda do crianças e adolescentes são de grande valia,
brincar e é uma forma de se integrar e se uma vez que o mesmo atende o público em
divertir ao mesmo tempo. Vygotsky (1994, larga escala, podendo beneficiar os alunos
p.131) diz que: em sua vivência escolar.
O brinquedo cria na criança uma nova for-
ma de desejos. Ensina a desejar, relacio-
nando seus desejos a um “eu” fictício, ao
seu papel no jogo e suas regras. Dessa
maneira as maiores aquisições de uma
criança são conseguidas no brinquedo,
aquisições que no futuro tornar-se-ão seu
nível básico de ação real e moralidade
(VYGOTSKY, 1994, p.131).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 432


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ANÁLISES DOS RESULTADOS

Neste quesito é possível analisar que


nem sempre os pais brincam com as crianças
De acordo com as pessoas entrevista- de forma prazerosa, o que de certa forma nos
das observa-se que a maioria delas freqüen- leva a pensar que devemos fazer uso dessa
tou até o ensino fundamental, visando que forma lúdica nas aprendizagens dos alunos e
não é necessário que tenha um ensino supe- ao mesmo tempo incentivar os pais a realizar
rior para que a parceria entre escola e pais atividades da mesma forma.
seja realizada, indo de encontro com a idéia
KISHIMOTO:
O brinquedo supõe uma relação íntima
com a criança e uma indeterminação
quanto ao uso, ou seja, a ausência de
um sistema de regras que organizam sua
utilização. Ele estimula a representação,
a expressão de imagens que evocam as-
pectos da realidade (KISHIMOTO, 2000,
p. 21).

Na pesquisa fica evidente, como pode-


mos ver que os pais são unânimes positiva-
mente quando dão a opinião a respeito da
aprendizagem através das brincadeiras:

Na pesquisa fica evidente, como pode-


mos ver que os pais são unânimes positiva-
mente quando dão a opinião a respeito do
brincar e seu favorecimento ao desenvolvi-
mento das crianças.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 433


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para os pais que foram entrevistados


é de extrema importância que o lúdico seja
trabalhado em sala de aula, tendo em vista
que o teórico (CHATEAU, 1987) a seguir cita
em uma de suas obras:
O significado da atividade lúdica na vida
da criança pode ser compreendida quan-
do se considera a totalidade dos aspectos
envolvidos: preparação para a vida, pra-
zer de atuar livremente, possibilidade de
repetir experiências, realização simbólica
de desejos (CHATEAU, 1987, p.4). O lúdico é muito importante na vida da
criança, uma vez que sabemos o quanto a
tecnologia tem entrado cada vez mais cedo
na vida de nossos alunos, é através do brincar
que ela constrói a sua linguagem, se expres-
sa e forma sua personalidade com relação
ao meio em que vive: “O lúdico proporciona
alegria nos espaços em que se faz presente,
ao mesmo tempo em que possibilita a espe-
rança de liberdade o mundo todo, sugerindo
também que há outras possibilidades para a
vida humana” (ALVES, 1995, p.42).

Os dados apontam que a grande maio-


ria dos pais preferem matricular seus filhos
em escolas particulares, onde acreditam que
essa atividade lúdica seja garantida em sua
aprendizagem, segundo a autora:
O sentido real, verdadeiro, funcional da
educação lúdica estará garantido se o
educador estiver preparado para realizá-
-lo. Nada será feito se ele não tiver um
profundo conhecimento sobre os funda-
mentos essenciais da educação lúdica,
condições suficientes para socializar o
conhecimento e predisposição para levar
isso adiante (ALMEIDA, 2000, p. 63).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 434


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste artigo ficou claro que o lúdico é de extrema importância na vida escolar da crian-
ça, sendo inserido em sua vida desde muito cedo. Tendo consciência que a criança está em
constante processo de transição, em busca do seu autoconhecimento, pois nestas atividades
são trabalhadas as oportunidades de criar, montar e se identificar como ser pensante no meio
onde vive.
Tendo como objetivo maior verificar se a importância da contribuição das atividades
lúdicas como um meio de diminuir e solucionar problemas. Usando o brincar de forma correta
a possibilidade do aluno se desenvolver da melhor maneira é mais garantida.
Devemos também ensinar a construção dos brinquedos, assim desenvolvemos diversas
habilidades e damos aos alunos a oportunidade de brincar e construir sempre e colaboração
e também não podemos deixar de ressaltar que aqueles alunos que não tem a possibilida-
de de adquirir brinquedos nas lojas terá a oportunidade de construir seu próprio brinquedo,
aprender de forma enriquecedora e se torna quem sabe uma adulto mais criativo.
É de fundamental importância também que neste contexto de aprendizagem que os pais
e familiares sejam inseridos neste contexto de aprendizagem e que a educadora tenha como
princípio educativo não só realizar uma aprendizagem lúdica nos momentos de sala de aula
e que espalhe este conceito através das lições de casa e de aulas organizadas com a parti-
cipação dos pais ou familiares, a criança tem que ser vista como protagonista de todo esse
movimento e planejamento, deve ser privilegiada e ter sua aprendizagem integral garantida.
Por fim conclui com esse estudo, que como educadora é preciso ter criatividade e o mais
importante ter consciência e dar credibilidade ao trabalho lúdico, acreditando que é possível
ensinar de forma prazerosa sem se desfazer do seu conteúdo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 435


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ABERASTURY, Arminda. A Criança e seus Jogos. Tradução Marialzira Perestrello, 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 1992.

ACEVEDO, Annie Rehbein. Disciplina sim, mas com amor Um novo modelo para conseguir que seus filhos tenham
bom comportamento. Tradução de Gilmar Saint Clair Ribeiro 2 ed. São Paulo: Paulinas, 2007.

ALMEIDA, Paulo Nunes. Educação lúdica, técnicas e jogos pedagógicos. São Paulo: Loyola, 2000.

BRASIL. Referencial curricular nacional para educação infantil. Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria
de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.

CHATEAU, Jean. O jogo e a criança. São Paulo: Summus, 1987.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à Prática Educativa 36. ed. São Paulo: Paz e Terra,
1996.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. Jogo, Brincadeira e a Educação, 4. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

MOYLES, Janet R. Só brincar? O papel do brincar na educação infantil. Porto Alegre: Artmed, 2002.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 436


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia com habilitação em


Administração Escolar pelas Faculdades Integradas
Campos Salles – FICS. Professora de Ensino
Fundamental I na Rede Municipal de Ensino do
Município de São Paulo, EMEF Júlio de Oliveira.

LIDYANE RAFAELA
ALMEIDA SANTOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 437
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDUCAÇÃO INFANTIL E CURRÍCULO

RESUMO: Inúmeros estudos vêm mostrando o quanto a organização dos espaços influência nas
práticas pedagógicas e nas relações que as crianças e os adultos estabelecem na instituição.
Assim, este trabalho apresenta uma pesquisa que tem por objetivo traçar e possibilitar o pensar
sobre a organização dos espaços na escola da infância, de modo a compreender como essa
organização pode ser transformada e inventada a partir das relações e das ações das crianças e
dos adultos. A presente pesquisa de cunho bibliográfico discutirá as múltiplas possibilidades de
descoberta, apropriação, transformação e produção de conhecimentos pelas crianças em uma
Instituição de Educação Infantil, trazendo elementos que possam subsidiar a construção de um
currículo, no processo de elaboração da Proposta Pedagógica. A Instituição de Educação Infantil
deve possibilitar às crianças a vivência de alguns direitos, tais como o de ver atendidas as suas
necessidades básicas de sono, alimentação, higiene, saúde, proteção, bem como a garantia
do direito de desenvolver as múltiplas linguagens, de brincar, de ter contato com a natureza,
de se movimentar, de ter acesso aos saberes, práticas, produções culturais e ao conhecimento
sistematizado.

Palavras-chave: Didática; Interdisciplinaridade; Prática Docente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 438


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
Educação e a Escola sempre estiveram presentes na vida dos seres humanos.
Ao longo da história da humanidade sempre houve processo de educação, ou
seja, as pessoas necessitavam ensinar: dos mais velhos aos mais jovens toda
sua experiência acumulada, desde os grupos sociais que se sentavam à noite para observar
as estrelas, para contar histórias essa cultura foi sendo passada.
No trabalho, como se cozinha, como se planta, como se caça. Todas essas informações
que fazem parte da cultura que são um bem com a todos foram se constituindo e foram sendo
transmitidas.
Alguns séculos atrás as pessoas começaram a considerar que só essa educação in-
formal não era suficiente para preparar as crianças e com isso se inicia o processo de se
constituir escolas.
Primeiro, escolas isoladas, escolas só para alguns e, principalmente, depois da Revo-
lução Francesa temos a ideia da construção da Educação Pública, ou seja, a educação para
todos se constituindo, portanto, como um direito subjetivo de cada ser humano. Todos nós
temos o direito ao acesso à educação.
A Escola faz essa transformação da Educação como um processo social para a educa-
ção como um processo institucional organizado pensado pela sociedade no sentido de deixar
claro o que é importante para nossas crianças e nossos jovens.
É pela experimentação que aprendemos, provar, sentir, vivenciar, ouvir, participar são
apenas algumas ações que contribuem para o desenvolvimento infantil. A Educação Infantil
atualmente cumpre esse papel de ser o lugar onde as crianças vão se constituindo como
sujeitos sociais numa cultura determinada.
A Escola é muito importante porque a família tem um modo de pensar, um modo de
viver, um modo de se alimentar que é muito específico de uma determinada família.
Quando as crianças são introduzidas na Escola de Educação Infantil se inicia um proces-
so em que as crianças descobrem que existem muitos outros modos de se alimentar, existem
muitas frutas que talvez na sua família não tem acesso por diferentes, existem crianças que
são diferentes na cor, no cabelo, na cor dos olhos, ou seja, a escola é o lugar em que se
aprende a pluralidade da sociedade por meio do diverso.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 439


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CORPO, EDUCAÇÃO INFANTIL, e adultos engendram para se realizar uma


CURRÍCULO E CONHECIMENTO reflexão. É interessante colocar nesse diálogo
uma perspectiva de que não há como isolar
Segundo Miranda (2008), as experiên- o corpo de um debate ou de algum momento
cias motoras vão sendo concretizadas por da vida, isso significa dizer que não há ausên-
meio do aprendizado que embora seja feito cia de corpo.
de forma coletiva, a apropriação do conheci-
mento vai se dando na singularidade humana O corpo humano é fonte de compre-
nas brincadeiras, nos espaços explorados e ensão do mundo, ou seja, é o corpo que en-
que se dá o aprimoramento motor do desen- tende, que compreende o mundo. É o corpo
volvimento infantil e da aquisição do conheci- que aprende, que descobre o pesado, que
mento que neste estágio prima pela experiên- descobre o leve, é o corpo que está enten-
cia que vai sendo vivenciada pelas crianças dendo a materialidade humana, o áspero, o
no espaço educativo. que não é áspero, ou liso, o macio, é o corpo
que entende o toque. Para Moreira (1995), o
Se pensarmos bem iremos perceber corpo comunica no espaço e no movimento
que é no corpo que reside o espaço da singu- que se concretiza o aprendizado.
laridade, o espaço da subjetividade das crian-
Se o corpo tem capacidade de se comuni-
ças e daí a necessidade da reflexão sobre
car tanto e tão bem, como os professores
essa temática na Educação Infantil sem criar envolvidos com as atividades corporais
a ausência do corpo no processo de aprendi- dão conta desse fato? Eles vêm e perce-
zagem. A troca que acontece na vida do bebê bem a fala do corpo? Os diálogos corpo-
é um momento privilegiado em que acontece rais existem, ou a criança é monólogo? O
a conversa, o diálogo, é o momento em que corpo tem vida? Tem significado? Transmi-
te sensações e sentimentos identificáveis
se ajuda o bebê a compreender o que está
pelo professor? (MOREIRA, 1995, p. 86).
acontecendo e como as coisas acontecem e,
ainda, o que ele acabou de fazer e partir daí Ao tocar o corpo não há um só toque,
pensarmos como se dá a troca, a higieniza- tocar uma criança tem uma informação de
ção ou brincar de bola, brincar no pátio, esse como pode se dar as relações entre os su-
é um outro momento. jeitos. Por exemplo, quando os bebês estão
brincando no chão e se sente um cheirinho
É possível o entendimento como um
muito peculiar do berçário e se percebe que
simples despertar ou explosão de energia
alguma coisa aconteceu se inicia uma pro-
em um dia de calor para ir para fora correr
cura de fralda em fralda onde se encontra a
um pouco ou se pode ainda entender como
novidade, ou seja, é necessário identificar o
como um outro momento onde as crianças
cheiro indesejado em um sujeito que sente,
estão entendendo sobre como ela funciona,
deseja, e que é preciso prestar mais atenção
sobre seu corpo, como que consegue fazer,
quando se toca neste sujeito. Isso significa
sobre os limites do seu próprio corpo, sobre
chegar no bebê e dizer, fulano posso ver se
os limites do espaço e do corpo dela, o que
está tudo bem contigo?
acontece quando a criança encontra uma
rampa ou um escorregador e qual o momen- Depois da percepção detectada dizer,
to de descer. vamos lá tocar? É uma outra relação que se
estabelece. Essa relação não passa desper-
Existem uma série de questões que na
cebida pelo bebê ou por qualquer sujeito. To-
relação do corpo das crianças no espaço,
car no outro, dialogar corporalmente com o
no tempo, no encontro com outras crianças
outro tem jeito e esse jeito não é invadindo,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 440
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

esse jeito é pedindo permissão, é compreen- jogo dos sentimentos ou o corpo se manifesta
dendo pelo olhar, se disponibilizando ao outro cotidianamente.
para que alguma coisa possa acontecer e o
Podemos pensar isso em outra dimen-
sujeito possa participar.
são em que as crianças se encontram em-
O professor/educador precisa conside- baixo de uma mesa para contar segredos. O
rar essas questões em sua prática pedagó- que está em questão nesse momento para
gica com o lúdico como eixo norteador do as crianças? Esse tipo de pensamento ganha
aprendizado que a criança vai fazendo e que espaço nas nossas conversas, nas nossas
se torna um desafio constante nas superação reflexões, nas nossas formações sobre a Edu-
dos obstáculos e na aquisição do conheci- cação Infantil? Para Moreira (1995):
mento concreto por meio da experienciação A criança é movimento em tudo o que
Não é à toa que um dos direitos que faz, pensa e sente. O seu corpo presente
é ativo em todas as situações e em todos
a Base Nacional Comum Curricular propõe
os momentos. Ele, o corpo, dialoga o tem-
é o direito da participação do cotidiano, do po todo com todos que o cercam. Desde
cuidado pessoal, ou seja, como é possível uma brincadeira como pega-pega, até as
fazer parte de uma situação que é cotidiano formações em roda ou em colunas, posso
em uma troca, em uma alimentação, como é notar que o corpo, por meio dos movi-
possível participar disso? mentos, denota sentimentos e emoções
(MOREIRA, 1995, p. 85).
O corpo é um espaço de subjetivação,
Não existe ausência corporal, isto é, o
é um espaço de singularidades, um espaço
corpo é presença o tempo todo. Se é o tempo
de autocuidado e de cuidado do outro e o
todo presença temos questões importantes
corpo como uma manifestação pública, como
a fazer: por que colocar os bebês em tanto
algo que se torna para o outro o que se sente
estado de espera. Espera que eu vou te ofere-
em que o corpo se manifesta e dialoga de ou-
cer, espera que eu vou fazer isso, espera que
tra forma em diferentes posturas e posições
nós vamos para lá, espera que vamos para
com determinados comportamentos e postu-
outro lugar. Por quê? O que acontece quando
ras próprias do contexto em que se encontra.
se faz isso?
O corpo é linguagem, o corpo fala e
Será que o que tem valor é realizar um
conta para o outro os sentimentos, as emo-
circuito motor duas vezes por semana para
ções, os desejos, por exemplo quando esta-
uma criança pular, para uma criança deslizar,
mos diante de uma criança que está entre o
para uma criança pular em um pé só? Ou o
pular e o não pular, e pular a primeira vez, que
que tem valor é a criança ter um espaço, um
se tem o desejo de pular, mas que tem algu-
contexto, temporalidade, parcialidade, mate-
ma coisa no mistério do pilar que ainda não
rialidade que possibilite a criança esse dese-
autoriza que a criança se jogue como alguém
jar pular, este desejar deslizar, esse desejar
que já conhece esse pulo, esse pular. Esse
pular em um pé só para se deslocar para
duelo entre pular e enfrentar o desafio ou não.
entender as tantas possibilidades que se tem
O corpo é uma manifestação, o cor- de se deslocar em um espaço.
po fala. O corpo fala da nossa cultura, dos
Segundo Nanni (1998), a Educação In-
nossos gestos. Poderia se pensar em que
fantil tem como finalidade primordial o desen-
momento o corpo fala? Será que o corpo se
volvimento global da criança que se desdobra
manifesta no momento em que o adulto diz,
em experiências de movimento que facilitam o
agora vamos brincar fazer a brincadeira tal, o
desenvolvimento infantil que irá acompanhar
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 441
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

a criança durante toda sua vida. O corpo é se agacha, como está o corpo nisso de mi-
espaço de vida e comunicação do ser huma- lhões de formas que depois que entendeu
no com um complexo de emoções e ações essas tantas linguagens e estas tantas formas
de um ser que vive e pulsa vitalidade que de se expressar tem muito mais sentido ou
precisa ser considerado em sua totalidade. há um espaço maior de atribuição de sentido
Para Freire (2005): aprender pliê.
Corpo e mente devem ser entendidos Segundo a LDBEN Nº 9.394, a Educa-
como um dos componentes que integram ção Infantil se constitui na experiência primei-
um único organismo. Ambos devem ter
ra da Educação Básica na vida da criança
assento na escola, não um (a mente)
para aprender e o outro (o corpo) para que prima pelo desenvolvimento integral da
transportar. É necessário, a cada início de criança em seus aspectos físico, psicológi-
ano, que o corpo da criança também seja co, intelectual e social sendo complementa-
matriculado na escola, e não seja consi- do pela família e pela comunidade (BRASIL,
derado por algumas pessoas como um 1996).
‘estorvo’, que quanto mais quieto estiver,
menos atrapalha a aprendizagem (FREI- Na experiência infantil, na experiência
RE, 2005, p. 11). das crianças que tem muito a ver com essa
Existe uma ideia herdada de outros lu- experiência do começo não faz sentido al-
gares de que agora é o momento de usar o guma essa especialização do conhecimento,
corpo porque se pensou objetivamente que seja na dança, seja na matemática, seja na
se estaria experimentando o corpo e, cotidia- ciência, seja na linguagem oral e escrita.
namente o corpo está lá o tempo inteiro e não Agora, assim como na vida é o momen-
se compreende como o espaço potente de to de fazer uma transição ou de transladar
experiência corporal. conhecimento e quando se está lá para des-
O que significa dançar com crianças cobrir como o corpo faz que também se faz
bem pequenas? Dançar é um conhecimento som porque quando produzo um som há uma
compartimentado em que semanalmente um variedade, uma variação, então, não é só ex-
professor especialista de dança entra para perimentar o corpo como gesto, mas experi-
dizer “vamos aprender o passo tal”, “vamos mentar o corpo como uma fonte de produção
aprender a fazer pliés, semipliês”, etc., ou sonora e dependendo de quem assiste uma
dançar é aquela experiência em que a crian- experiência cênica, teatral, de uma performan-
ça começa a tentar experimentar ao ouvir um ce. É um espaço muito mais complexo do que
barulhinho em que faz junto e experimenta aquele que na tradição escolar que foi inven-
assim e quanto um bebê olha para o outro e tada tentou organizar em gavetas, em limites
diz então vamos dançar juntos né. muito mais do ponto de vista adulto e artificial
do que aquele que as crianças estão tentando
É essa dança que convoca o sujeito a pensar, construir sentido para a experiência
querer entender o seu corpo e que na Edu- que fazem em nível pessoal ou coletivo.
cação Infantil tem muito mais valor do que
aprender a fazer um pliê. Aprender a fazer Segundo a Base Nacional Comum Cur-
um plié é circunscrever o corpo num espaço ricular – BNCC (BRASIL, 2016), na Educação
e numa forma tão limitada, tão empobrecida Infantil seria interessante pensar na reformula-
que não faz sentido nenhum, não tem diálogo ção do Currículo do Professor para as ques-
com a potência infantil que vai fazer pliê de tões relacionadas ao Corpo em Movimento
milhões de formas e que vai entender como para preparar esse profissional para esse
campo da experiência para sair da sua zona
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 442
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

de conforto e interagir com as crianças nas sentido de se sentir seduzida pela novidade
práticas pedagógicas na sala de aula. do aprendizado que acontece na experiência
concreta na Educação Infantil.
Qual é o lugar do professor na Edu-
cação Infantil? O professor tem um papel E a formação do professor? Há que se
fundamental na observação da criança, no pensar no professor que está no dia-a-dia
acompanhamento do processo da criança pensando modos de construção do conhe-
que é singular, no registro do processo de cimento, de compartilhamento de vida, como
aprendizado da própria criança para aquisi- se dá isso na prática? Como se resolve essa
ção de variáveis para compor a avaliação do questão de conhecimento que é específico da
processo de ensino-aprendizagem dos alunos Educação Infantil?
que determinam o percurso realizado pelas
Tolher o direito de brincar com uma
crianças ao longo do seu processo de aqui-
criança é um problema muito complicado na
sição de conhecimento.
Educação Infantil? A atividade na Educação
O professor precisa seduzir estetica- Infantil precisa ser revista e ser repensada, es-
mente as crianças para experimentar, explo- tar em atividade para aprender a complexida-
rar, conhecer, aprender, conviver, participar, de de ser desafiado em situações problemas
conhecer e se expressar. Nessa organização, em um espaço coletivo. A Base Nacional Co-
nesse planejamento intencional do professor mum Curricular – BNCC convoca o educador
que difere o profissional de qualquer outro para rever as atividades cotidianas e a força
sujeito que poderia estar na sala de aula se que tem para a vida das crianças que com-
constitui no fortalecimento de experiências põem o cotidiano escolar na Educação Infantil
das crianças organizando um contexto que com espaço para a produção de sentidos a
convide as crianças a fazer algo, isso passa partir de suas experiências em atividades lú-
pela escolha de recursos materiais, pela or- dicas, colaborativas, cooperativas, jogos que
ganização do espaço, isso vai passar pela desafiam as crianças com suas próprias re-
gestão de um determinado tempo, garantir gras (BRASIL, 2016).
que tenha um tempo para que alguma coisa
Para Sutton-Smith (2017), a atividade
aconteça na organização do grupo que é um
deve se constituir em um movimento de co-
tema que precisa ser desenvolvido na Educa-
locar a criança em atividade valorizando as
ção Infantil (BRASIL, 2016).
características que lhe definem como ser hu-
Segundo Kishimoto (1996), a integra- mano: inteligência, criatividade, simbolismo,
ção entre o corpo, o movimento, o espaço e emoção e imaginação são alguns atributos
os brinquedos juntamente com as brincadei- que colocam em movimento o desenvolvi-
ras que proporcionam o movimento e ação mento cognitivo, intelectual e global da crian-
corporal são fundamentais no processo de ça. Portanto, é necessário criar espaço com
educação da criança que está em fase do seu atividades e situações em que os saberes das
desenvolvimento físico, emocional, psicológi- crianças sejam uma forma de organizar e en-
co, psicomotor e cognitivo. tender o mundo. Muitas vezes a criança assis-
te o professor em atividade (BRASIL, 2016).
Existe a intenção do professor que pre-
cisa ser levada em conta na Educação Infantil Nada é banal na força das práticas co-
que não é o acaso, existe um sujeito que es- tidianas. Não existe uma produção cotidiana
tudou e está pensando em como propor uma que não tenha um espaço de produção de
coisa inovadora que não seja reprodutora sentido para as crianças e isso indica que não
que seja algo que surpreenda as crianças no há necessidade de fazer ou realizar um circui-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 443
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

to motor para determinadas atividades, como nizada por quem tem o direito de ter uma
por exemplo, subir ou descer um degrau. É Escola legal que respeita o tempo do aluno.
possível olhar para o degrau que está presen-
A hora da experiência motora é um mo-
te cotidianamente na vida dessas crianças e
mento privilegiado de olhar o sujeito em sua
entender o tempo e a força está em acolher
totalidade. Não existe agora é social, agora é
e compreender o desafio de descer ou subir
cognitivo, agora é corpo. Quando é que tem
o degrau e pensar a criação, a fruição, a re-
ausência de corpo, de cognição, de sociabili-
petição na Educação Infantil.
dade, de emoção? É urgente olhar a criança
Para Mattos & Neira (2008), os profes- na sua inteireza, percebendo isso será pos-
sores em sua regência em sala devem priori- sível entender que a experiência de desloca-
zar não somente o intelecto, mas a motricida- mento tem a mesma força corporal como a
de buscando desenvolver as potencialidades de brincar no pátio.
da criança como um ser global, único, singu-
Corsaro (2009) desenvolveu uma abor-
lar e inteiro em todos os seus aspectos.
dagem interpretativa da socialização infantil
Segundo Vecchi & Staccioli (2013), a que a considera mais um processo reprodu-
partir da década de 1980 se insere na prática tivo do que linear, portanto, mais participativo
pedagógica a obra de Arte propondo sua re- do que passivo. Trata-se da reprodução inter-
leitura pelas crianças com um convite diferen- pretativa da cultura na qual:
ciado que é que o professor compreenda qual O termo interpretativa captura os aspectos
é o objeto, qual é a materialidade do artista, inovadores da participação das crianças
por exemplo, um ceramista, ele só trabalha na sociedade, indicando o fato de que
com o barro ou tem utensílios? Ele utiliza ma- as crianças criam e participam de suas
teriais para modelar, dar forma aos desenhos. culturas de pares singulares por meio da
Mais do que a obra do artista é o professor apropriação de informações do mundo
adulto de forma a atender aos seus inte-
entender a materialidade do artista porque en- resses próprios enquanto crianças. O ter-
tendendo essa materialidade cria contextos mo reprodução significa que as crianças
com intimidade com a própria materialidade, não apenas internalizam a cultura, mas
daí resulta a continuidade da experiência das contribuem ativamente para a produção
crianças com o barro, por exemplo. e a mudança social (CORSARO, 2009,
p. 31).
Como se dá o deslocamento das crian-
ças nos espaços que compõem o ambiente As crianças são consideradas partícipes
escolar? Há muitas aprendizagens que ocor- ativos de uma rede social constituída desde
rem entre a saída da sala de aula e o pátio a mais tenra idade e, com o desenvolvimento
para o intervalo para as brincadeiras, para os da comunicação e da linguagem constroem
momentos de convívio. O deslocamento entre suas relações sociais. Esse tipo de experiên-
a sala de aula para o pátio e do pátio para a cia é possível com as crianças fazendo suas
sala de aula em si já é uma atividade motora. descobertas, questionando do seu jeito como
as coisas vão se dando e compreendendo
Se construiu uma noção de docência que é necessário interagir e nessa interação
que negou a possibilidade de se deslocar até que o conhecimento vai sendo processado,
o pátio como uma grande oportunidade para experimentado, experienciado e isso só é
as experiências das crianças. Protagonismo é possível na Escola na Educação Infantil.
o docente compreender que o deslocamento
é um direito que a criança tem de parar e
olhar o entorno é uma experiência protago-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 444
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O Referencial Curricular Nacional para 3. Função Pedagógica – A Escola


a Educação Infantil – RCNEI (BRASIL, 1998), de Educação Infantil tem a função de comple-
afirma que as crianças são sujeitos que pos- mentar a Educação Familiar. Complementar,
suem suas particularidades são capazes de ampliar, diferenciar, sustentar a educação da
demonstrarem múltiplas habilidades e com- família. Portanto, todos esses verbos são pos-
petências durante o seu processo de ensino- síveis dentro da Escola. A família, por exem-
-aprendizagem que ocorre no âmbito escolar plo, gostar muito de um tipo de música mais
e se estende às suas famílias. relacionada a cultura local, bem, a escola vai
mostrar que além daquela música da cultura
Atualmente nós discutirmos que a Es-
local há todo um repertório musical criado
cola de Educação Infantil e que as Unidades
pela humanidade em diferentes nações, em
Pedagógicas cumprem três funções:
diferentes tempos em que as crianças podem
1. Função Social – Significa que a se reconhecer e vir a gostar e escutar e, ain-
Escola precisa acolher as crianças. A Esco- da, constituir um diálogo com esse repertó-
la se torna muito importante nas sociedades rio que nem sempre está acessível dentro da
ocidentais no momento em que as mulheres família. A ideia da pedagogia própria para as
deixam o trabalho doméstico e vão para o crianças participativa, diferenciada, se cons-
trabalho realizado em outro lugar. Até então, titui em uma função muito importante na Es-
enquanto as mulheres estavam em casa, as cola.
crianças permaneciam com as mães, as avós
Com a promulgação da Lei Nº 12.796
e as tias dentro da família. Na medida em que
de 2013 que, dentre outras provisões, insere
as mulheres saíram dos lares para o trabalho,
a Educação Infantil na definição de uma Base
a Educação Infantil se faz muito necessária
Nacional Comum Curricular para a Educação
e se constitui com características próprias. É
Básica, essa questão se intensifica com a am-
dever do Estado por meio da Escola propor-
pliação de debates e discussões no interior
cionar um espaço para a criança aprender,
da área. Segundo essa lei, o artigo 26 da Lei
brincar, socializar.
de Diretrizes e Bases passou a ter a seguinte
2. Função Política - A Escola de Edu- redação:
cação Infantil, os CEI 's, as EMEIs cumprem Os currículos da Educação Infantil, ensino
uma função social de extrema importância na fundamental e ensino médio, devem ter
sociedade marcada pela desigualdade entre uma base nacional comum, a ser com-
as famílias e entre as pessoas. As crianças plementada em cada sistema de ensino
ao ingressar na Escola constituem oportuni- e estabelecimento escolar por uma parte
diversificada, exigida pelas característi-
dades de aprendizagem, de desenvolvimento,
cas regionais e locais da sociedade, da
de socialização que são diferenciadas. A ideia cultura, da economia e dos educandos
de que há uma função política está no fato de (BRASIL, 2013).
estabelecer um determinado patamar único
para todas as crianças a partir dos seus sete A proposição de uma Base Nacional
anos para que cheguem na Escola do Ensino Comum Curricular para creches e pré-escolas
Fundamental com certo repertório de conhe- fundamenta-se, também, nas Diretrizes Curri-
cimento necessário para a segunda etapa da culares Nacionais para a Educação Infantil,
sua educação. publicadas inicialmente em 1999 e revistas e
ampliadas em 2009. O documento, de caráter
mandatório, afirma que o currículo da Educa-
ção Infantil emerge a partir da “articulação

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 445


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

dos saberes e das experiências das crianças Segundo quem Gadotti; Padilha & Ca-
com o conjunto de conhecimentos já sistema- bezudo (2004) o conceito de cidade educa-
tizados pela humanidade, ou seja, os patrimô- dora surge na década de 1990, ou seja, a
nios cultural, artístico, ambiental, científico e cidade é o espaço da cultura, educando os
tecnológico” (BRASIL, 2009, p. 6). alunos nas escolas e todos que circulam os
seus espaços, ou seja a escola é o palco da
No entanto, a Escola não fica isolada do
vida e onde se dá a experiência do aprendi-
seu contexto. As Unidades Pedagógicas não
zado.
estão isoladas, estão dentro de um contexto,
dentro de uma cidade, de um estado, de um A cidade é uma grande educadora para
país, de um território. Cada vez mais se perce- as crianças pequenas. A saída das crianças
be o quanto o território em torno da Escola é de dentro da Escola para conhecer o território
importante na constituição de sua Identidade. perto, próximo, visitar os ambientes entorno
da Escola é de fundamental importância, mas
Santos (1994, 2001a), alerta que é
também, cumprindo a função política da Edu-
importante ao pensar o território pensar em
cação Infantil é preciso que essas crianças
duas especificidades de territórios, ou seja,
possam sair de dentro da Escola e conhecer
de um lado temos um território contido com
espaços da cidade que são espaços públi-
a vizinhança da Escola que incide de maneira
cos, espaços para as crianças com possibi-
contundente no interior da Escola pela pre-
lidades de se tornarem espaços de múltiplas
sença dos alunos, da família e pela própria
aprendizagens.
experiência que a criança traz.
As crianças podem por exemplo, parti-
A ideia do território é muito importante
cipar de um passeio a um aquário, passeio a
quando se pensa na educação das nossas
um zoológico, visita a um museu, visita a uma
crianças tanto no sentido do que a Escola tem
exposição, assistir a um concerto numa Sala
que observar dessa experiência das crianças
de Concertos, todas essas são experiências
e seus territórios, da experiência das famílias,
que as crianças têm direito em uma Escola
da experiência do próprio território, as suas
de Educação Infantil e a cidade tem o dever
características, as suas festas, as suas pro-
de propiciar às crianças.
blemáticas, assim como no sentido inverso,
como a escola para seus territórios, da ex- A cidade tem um grande compromisso
periências das famílias, do próprio território com a escola e isso está previsto no Plano
com suas características, suas festas, suas Municipal de Educação que confere à cida-
problemáticas e também, o que a Escola de a importância da oferta de um desenvol-
pode trazer e aportar para o território como vimento cultural para as crianças e também,
intervenção para o território. o Plano de Primeira Infância que tem como
objetivo que a cidade se prepare para acolher
É da relação de troca do que está den-
as crianças pequenas na saúde, na educa-
tro da escola, influenciando o território e aqui-
ção, na cultura e em todos os âmbitos do
lo que o território vertical e horizontal traz para
desenvolvimento infantil, quer dizer, é assumir
dentro da escola que o Corpo Docente preci-
que há a necessidade de oferecer às crianças
sará constituir uma proposta político pedagó-
um mundo adequado para que elas possam
gica para a Escola.
crescer e se desenvolver de maneira plena.
Freire & Macedo (1990) reforçam a
ideia de que na cidade precisamos ousar em
ler o mundo com nosso próprio olhar, mui-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 446
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

tas vezes esse olhar se omite para não haver 3. Educação Integral – Cada vez
comprometimento, daí a importância de se ter mais as crianças precisam além uma educa-
um Currículo que contemple as descobertas ção que garanta a sua integralidade, a sua
que a criança faz no seu processo de apren- inteireza, quer dizer, uma educação que não
dizagem. se ocupe apenas da sua cabeça, da cogni-
ção, mas a ter uma educação que atue na sua
Quando se elabora um Currículo é im-
sensibilidade, na sua corporeidade, nas suas
portante que se tenha alguns marcos de refe-
relações sociais, quer dizer uma educação
rência para definir quais são os grandes ob-
inteira que forme o sujeito integral em que
jetivos que esse Currículo tem. Na discussão
a Escola precisa se modificar para o atendi-
do Currículo na Educação Infantil se assume
mento desta integralidade com práticas mais
três princípios na cidade de São Paulo:
integrais e não disciplinares ou separadas. A
1. Equidade – Diz respeito a sofis- ideia é de ser interdisciplinar, integral, referen-
ticação do conceito de igualdade. Se lá na ciada no contexto do processo de aprendiza-
Revolução Francesa a Igualdade é uma ca- gem das crianças e não uma educação que
racterística discutida e afirmada como funda- não tenha nenhuma relação com o contexto
mental entre todos os seres humanos em que de vida das crianças Uma educação que pos-
todos têm direito a igualdade, essa igualdade sa ter um período maior de atendimento, mas
pressupõe que as pessoas tenham caracte- que isso não signifique oferecer mais da mes-
rísticas muito similares. Portanto, a equidade ma coisa, mas diversificar a Educação (SÃO
aponta que há uma diversidade muito grande PAULO, 2019, p. 34).
entre as pessoas e que há contextos muito
Esses três princípios que fazem parte
desiguais, isso significa que as populações
do currículo da cidade de São Paulo estão
têm determinadas vulnerabilidades, algumas
presentes no âmbito da Creche e da Pré-Es-
mais e algumas menos. Então, equidade é a
cola e que precisam ser defendidos e vividos
ideia de atendimento aqueles que são vulne-
em seus diferenciados contextos na cidade
ráveis de modo a torná-los capazes de estar
de São Paulo:
junto com os outros em pé de igualdade (SÃO
PAULO, 2019, p. 30). Ao considerar bebês e crianças em sua
inteireza humana, o Currículo Integrador
2. Inclusão – Quando nos referimos da Infância Paulistana propõe a integra-
a inclusão estamos nos referindo a inclusão ção dos espaços coletivos na Educação
de todas as pessoas no processo educacio- Infantil e no Ensino Fundamental com a
vida que pulsa para além dos muros das
nal. Todos tem direito a estarem na Escola e
Unidades Educacionais e com o conhe-
a serem incluídos na Escola, não ter o direito cimento humano que deve ser comparti-
apenas de estar na Escola, mas aprender es- lhado e usufruído por toda a sociedade,
tando na Escola, aprender a conviver com os incluindo bebês e crianças (SÃO PAULO,
outros, aprender brincadeiras, aprender con- 2015a, p. 13).
ceitos, aprender canções, enfim, são várias
coisas que a Escola tem a oferecer e com
isso consegue estabelecer a inclusão social
de todas as crianças (SÃO PAULO, 2019, p.
32).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 447


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS a cultura indígena precisa ser referendada e


discutida na Escola, conhecida pelas crianças
A presente pesquisa é de cunho biblio- para que aprendam a valorizar as contribui-
gráfico em que apresentaremos como aporte ções que essa cultura tem e possibilita para
teórico o pensamento e os resultados de pes- a sociedade brasileira (NUNES, 2002, p. 71).
quisas de autores consagrados que refletem
sobre a temática, ressaltando que as meto- As metodologias ativas, compreendidas
dologias ativas fazem parte de uma escola como aquelas que fomentam e dão apoio
que está em constante transformação e que aos processos de aprender. São situações
necessita seduzir os seus alunos para um de aprendizagem planejadas pelo professor
aprendizado significativo e prazeroso. em parceria com os alunos que despertam
e incentivam a participação, postura ativa e
A presente pesquisa parte dos aportes crítica frente à aprendizagem.
teóricos os estudos de Miranda (2008), Mo-
reira (1995), Freire (2005), Kishimoto (1996), Para Moran (2015) os professores em
Gadotti, Padilha & Cabezudo (2004), Freire & seu componente curricular devem organizar
Macedo (1990), Mattos & Neira (2000, e ou- com os alunos no mínimo um projeto impor-
tros que abordaram a temática objeto de nos- tante na sua disciplina, que integre os princi-
sa análise em discussão no presente artigo. pais assuntos da matéria e que utilize pesqui-
sa, entrevistas, narrativas, jogos, utilização de
A influência das Metodologias Ativas se- recursos tecnológicos como parte importante
jam capazes de motivar um efeito no sentido do processo, é importante que os projetos es-
da finalidade pela qual são definidas ou elei- tejam ligados à vida dos alunos e que façam
tas, torna-se necessário que os integrantes sentido no contexto em que vivem.
do meio as assimilem, no sentido de com-
preender, considerem suas capacidades pe- A Escola pode ser o espaço onde as
dagógicas. crianças fazem coisas diferentes que muitas
vezes não podem fazer em casa como brin-
O compromisso com a criança para a car de ser o papai na família, no momento de
Escola Pública e a Escola precisa ter uma um faz-de-conta. A ideia de que meninos e
resposta para isso e a resposta é exatamente meninas brincam juntos, testar jogos de faz-
poder contar para essas crianças coisas da -de-conta tem lugar para meninos e meninas
sua cultura, com as raízes culturais dessas tem lugar para todos. A ideia de igualdade
crianças, interagir com diferentes culturas, das crianças é muito importante para apontar
suas comunidades, conhecer a sua história, as capacidades das meninas que por muito
ampliar esse conhecimento não apenas para tempo ficaram invisíveis.
aquelas comunidades que existem no Esta-
do de São Paulo, na cidade de São Paulo
mas para todas as Comunidades e o modo
de sustentável e ecológico de ver o mundo,
a vida, os animais, a natureza (SÃO PAULO,
2019, p. 48).
A Escola de Educação Infantil como tra-
balha com alunos muito pequenos vai ter uma
intervenção muito grande na subjetivação das
crianças, por isso precisa trazer elementos de
constituição da identidade das crianças e aí
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 448
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
No que concerne à organização e ao planejamento curricular, para que as práticas
pedagógicas tenham como eixo central as especificidades que envolvem os processos de
constituição das crianças como seres humanos e de construção do conhecimento de e para
meninos e meninas, faz-se necessário um exercício de singularização da experiência das
crianças e da infância na atualidade.
Falar de um currículo a partir das experiências de meninos e meninas pressupõe con-
siderar a tensão “entre o normativo que é próprio da educação e o contingencial de que tem
lugar a infância.” A organização de um currículo por campos de experiência demanda a com-
preensão da heterogeneidade que orienta as condutas de adultos e crianças no ambiente da
Educação Infantil que engloba, desde a regulação institucional e o conjunto das legislações
mais amplas que constituem o ordenamento jurídico, até as relações com os pares e as vi-
vências, por parte das crianças, em outros momentos e espaços sociais.
O Currículo na Educação Infantil precisa estar atento às diversidades e às singularidades
das crianças pequenas. Podemos perceber que há uma preocupação política e ética com o
bem-estar dessas crianças, uma vez que as próprias Diretrizes Curriculares Nacionais para a
Educação Infantil – DCNEI possibilitam uma abertura flexível para a construção das propostas
pedagógicas nas instituições de Educação Infantil, enfatizando que essas devem se constituir
com a participação de todos os atores, professores, pais, crianças e comunidade.
Pensar o Currículo na Educação Infantil pressupõe a superação da ideia assistencialista
a partir da promulgação da Constituição de 1988 e com a Base Nacional Comum Curricular –
BNCC temos a valorização da criança como um ser histórico que precisa ter os seus direitos
assegurados para que o seu desenvolvimento possa ocorrer de forma que a aprendizagem
seja realizada na concretude das experiências no grupo interativo com a mediação do adulto.
Finalizamos ressaltando a importância de a criança brasileira ter os espaços educativos
reservados e garantidos de forma que contemplem as necessidades e características inerentes
ao desenvolvimento global da criança e sua importância para a nossa sociedade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 449


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei Nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Es- GADOTTI, Moacir; PADILHA Paulo Roberto; CABEZU-
tabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. DO, Alicia. Cidade Educadora: Princípios e Experiências.
Brasília: MEC/SEF, 1996. São Paulo: Cortez/IPF, 2004.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secre- KISHIMOTO, T. M. (Org.). Jogo, Brinquedo, Brincadeira
taria de Educação Fundamental. Referencial Curricular e Educação. São Paulo: Cortez, 1996.
Nacional para a Educação Infantil Volume 1: Introdução;
MATTOS, M. G. & NEIRA, M. G. Educação Física na
Ministério da Educação e do Desporto, Secretaria de
Adolescência: Construindo o Conhecimento na Escola.
Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1998.
São Paulo: Phorte, 2000.
______. Resolução CEB/CNE Nº 05/09, de 18 de de-
______. Educação Física Infantil: Construindo o Movi-
zembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacio-
mento na Escola. 7. Ed. São Paulo: Phorte, 2008.
nais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 2009.
MIRANDA, M. J. Estudo dos Aspectos Ambientais, So-
______. Resolução CEB/CNE Nº 05/09, de 18 de de-
cioeconômicos e do Desempenho Motor de Crianças
zembro de 2009. Fixa as Diretrizes Curriculares Nacio-
Residentes nas Proximidades do Ribeirão Anicuns, Goi-
nais para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 2009.
ânia – GO. 2008. Dissertação (Mestrado em Ciências
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Ambientais e Saúde) - Universidade Católica de Goiás.
Básica. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educa- Goiânia – GO, 2008.
ção Infantil. Brasília: MEC, SEB, 2010.
MOREIRA, W. W. (Org.). Corpo Presente. Campinas:
______. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Papirus, 1995.
Básica. Organização do Espaço Físico, dos Brinquedos
SANTOS, Milton. O Retorno do Território. In: SANTOS,
e Materiais para Bebês e Crianças Pequenas: Manual
Milton.; SOUZA, Maria Adélia A. & SILVEIRA, María Lau-
de Orientação Pedagógica: Módulo 4. Brasília: MEC/
ra. (Orgs.). Território: Globalização e Fragmentação. São
SEB, 2012.
Paulo: Hucitec/Anpur, 1994.
______. Lei Nº 12.796, de 4 de abril de 2013. Altera a
SANTOS, Milton; SILVEIRA, María Laura. O Brasil. Territó-
Lei Nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece
rio e Sociedade no Início do Século 21. Rio de Janeiro:
as Diretrizes e Bases da Educação Nacional, para dispor
Record, 2001a.
sobre a Formação dos Profissionais da Educação e dar
outras providências. Brasília: MEC/SEB, 2013. SÃO PAULO (Município). Secretaria Municipal de Educa-
ção. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo Integra-
______. Ministério da Educação. Base Nacional Comum
dor da Infância Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015a.
Curricular. Brasília: MEC/SEF, 2016.
SÃO PAULO (SP). Secretaria Municipal de Educação.
CORSARO, Willian. Reprodução Interpretativa e Cultura
Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Edu-
de Pares. In: MÜLLER, Fernanda & Carvalho, Ana Maria
cação Infantil. São Paulo: SME/COPED, 2019.
Almeida. (Ed.). Teoria e Prática na Pesquisa com Crian-
ças: Diálogos com William Corsaro. São Paulo: Cortez, SUTTON-SMITH, Brian. A Ambiguidade da Brincadeira.
2009. (Revisão Técnica da Tradução de Tânia Ramos Fortuna).
Petrópolis: Vozes, 2017.
FREIRE, Paulo. A Educação na Cidade. 6. Ed. São Paulo:
Cortez, 2005. VECCHI, Vea. Arte y Creatividad en Reggio Emilia. El
Papel de Los Talleres en La Educación Infantil y sus Posi-
FREIRE, Paulo; MACEDO, Donaldo. Alfabetização: Lei-
bilidades. Tradução Panlo Bernárdez. Madrid: Ediciones
tura da Palavra, Leitura do Mundo. Rio de Janeiro: Paz
Morata, 2013.
e Terra, 1990.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 450


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Professora de Educação Infantil na Prefeitura


do Município de São Paulo. Pós-graduada em
Alfabetização e Letramento e Graduada em
Pedagogia pelas Faculdades Integradas Campos
Salles, Pós-graduada em Psicopedagogia e
Arteterapia pela Faculdade Paulista de Artes.
E-mail: lucianarodrigues1001@gmail.com

LUCIANA
DE ALMEIDA RODRIGUES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 451
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INCLUSÃO, EQUIDADE E INTEGRAÇÃO ESCOLAR: CONCEITOS


E CONTEXTOS NAS PRÁTICAS ESCOLARES

RESUMO: Esta pesquisa traz o tema Inclusão, Equidade e Integração Escolar: Conceitos e Contextos
nas Práticas Escolares. Temos como objetivos para estudo analisar os conceitos de Inclusão e
Integração Escolar que foram difundidos com o passar dos anos, elencar as características
principais dos dois conceitos relacionados às práticas escolares e aos contextos de aprendizagem
na perspectiva inclusiva e apresentar as principais definições para o termo equidade pensando
nas aprendizagens e nas relações que se estabelecem no cotidiano da escola. Esta pesquisa se
justifica em razão da relevância deste tema nos dias atuais e o fato de a educação escolar inclusiva
estar pautada nas legislações de ensino e a escola deve se adequar às novas demandas e aos
novos contextos que são construídos nos princípios de uma escola inclusiva. Na perspectiva de
uma educação para a inclusão, a educação especial integra a proposta pedagógica das escolas
regulares, com o intuito de promover o atendimento especializado aos sujeitos com deficiência,
transtornos globais e altas habilidades/superdotação. A educação especial deve atuar de maneira
articulada com a educação regular e orientar as formas de atendimento desta clientela, além de
direcionar as ações necessárias para contemplar as especificidades que tais sujeitos apresentam
ao longo do processo educativo.

Palavras-chave: Inclusão Escolar; Equidade; Aprendizagem; Práticas Escolares.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 452


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
sta pesquisa traz o tema Inclusão, Equidade e Integração Escolar e temos como
objetivos para estudo analisar os conceitos de Inclusão e Integração Escolar que
foram difundidos com o passar dos anos, elencar as características principais
dos dois conceitos relacionados às práticas escolares e aos contextos de aprendizagem na
perspectiva inclusiva e apresentar as principais definições para o termo equidade pensando
nas aprendizagens e nas relações que se estabelecem no cotidiano da escola.
Esta pesquisa se justifica em razão da relevância deste tema nos dias atuais e o fato
de a educação escolar inclusiva estar pautada nas legislações de ensino e a escola deve se
adequar às novas demandas e aos novos contextos que são construídos nos princípios de
uma escola inclusiva.
Os estudos recentes na área da educação especial e inclusiva destacam que o uso
de algumas classificações precisam estar contextualizados, e não resumidos em uma mera
especificação relacionada a deficiência ou transtorno apresentado pelo sujeito.
As pessoas estão em constante modificação e nisso transformam os contextos do qual
fazem parte, essas modificações exigem uma atuação pedagógica que trabalhe no sentido
de alterar as situações de exclusão, e reforçar a importância do convívio harmonioso e do
respeito às especificidades, promovendo aprendizagens significativas que incluam todos os
estudantes.
Oportunizar a igualdade de acesso na escola é fundamental para que se cumpram os
princípios de equidade no ensino básico, quando pensamos no ensino superior essa igualda-
de para o acesso já não é tão frequente quando comparada na educação infantil e no ensino
fundamental. Quando pensamos em equidade temos as questões voltadas ao acesso aos
níveis escolares, a distribuição de recursos humanos e materiais, as condições de ensino e os
resultados que indicam a evasão escolar, as notas e as competências que foram adquiridas
pelos estudantes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 453


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PROCESSO DE INTEGRAÇÃO E gos de convívio com as outras pessoas, uma


INCLUSÃO ESCOLAR maneira de exclusão social destas pessoas
que não teriam motivo para permanecerem
[...] a educação é uma questão de direitos isoladas.
humanos e os indivíduos com deficiên-
cias devem fazer parte das escolas, as Em um segundo momento histórico os
quais devem modificar seu funcionamento deficientes são reconhecidos como sujeitos
para incluir todos os alunos (STAINBACK, que merecem educação de qualidade e res-
1999, p. 21). peito, rompendo aos poucos, a barreira da
Januzzi (2004) em seus estudos, enfati- segregação e da discriminação. Com a le-
za que até meados da era da industrialização, gislação específica sobre o tema a situação
apenas a elite tinha acesso à educação esco- passa a melhorar de maneira significativa.
lar, nas cidades do campo nem toda a popu- O conceito de necessidades educacio-
lação frequentava a escola, pois a escola não nais especiais passa a ser difundido com a
transmitia os conhecimentos que esta popu- Declaração de Salamanca e passam a se res-
lação precisava e utilizava em seu cotidiano. saltar o respeito às características individuais
Com o processo de industrialização, dos sujeitos, tanto no contexto educacional
iniciou-se o processo de educação da popu- como no contexto social. Os sistemas de en-
lação, para que pudessem atuar neste siste- sino passam a implementar as políticas pú-
ma e produzir, expandindo assim a educação blicas mas, não atingem de maneira imediata
para as camadas mais populares da socie- os objetivos de garantir apoio e acesso com
dade. qualidade, além de estruturar o ambiente e as
práticas pedagógicas neste sentido.
Ainda com base nos estudos da autora
(JANUZZI, 2004) as formas de organização Mendes (2004) sobre o sistema educa-
da escola foram alteradas para se adequar à cional norte americano no que concerne os
nova clientela, os conteúdos anteriormente or- sentidos da inclusão escolar:
ganizados eram voltados a elite. As crianças O princípio da inclusão nasceu na pers-
e os adolescentes que passaram a frequentar pectiva do sistema educacional norte ame-
a escola apresentaram bastante dificuldade ricanco quando estes começam a sentir o
em adaptar-se e compreender aquela cultura fracasso da integração e o insucesso da
que era transmitida pela escola, constituindo- escola pública. Na tentativa de melhorar
a educação da população de risco elen-
-se posteriormente no fenômeno do fracasso
caram algumas formas para a conhecida
escolar e a responsabilidade era atribuída aos escola de qualidade, que acabou sendo o
alunos e não ao sistema de ensino. alicerce da proposta da inclusão escolar.
Estas novas medidas contemplavam: me-
Mendes (2004) afirma que desde o
nor burocracia, gestão descentralizada,
século XVI a história da educação no Bra- maior flexibilidade para as escolas, res-
sil vinha sendo construída por pedagogos e peito à diversidade, o que contribuiu para
profissionais da saúde que já acreditavam na que a escola respondesse melhor às ne-
possibilidade de ofertar educação aos indiví- cessidades de seus diferentes estudantes
duos considerados incapazes ou ineducáveis. provendo recursos variados, centrados na
Neste período os atendimentos tinham a fun- própria escola (MENDES, 2004, p. 28).
ção assistencial, desenvolvidos em asilos e
O sistema de educação norte america-
manicômios. Quando passaram a pensar em
no, na busca de soluções para o fracasso
uma educação diferente para esta clientela, o
escolar e o insucesso de seus estudantes,
atendimento acontecia em clínicas psiquiátri-
nas escolas públicas, definiu medidas como
cas e alguns institutos isolavam surdos e ce-
a flexibilização escolar e o respeito às diferen-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 454
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ças, que hoje fazem parte dos princípios fun- As escolas devem acolher todas as crian-
damentais que regem a política de inclusão ças, independentemente de suas condi-
escolar no mundo. ções físicas, intelectuais, sociais, emocio-
nais, linguísticas ou outras. Devem acolher
As políticas educacionais relacionadas crianças com deficiência e crianças bem
à inclusão devem estar fundamentadas nos dotadas; crianças que vivem nas ruas e
princípios de igualdade de direito entre as que trabalham; crianças de populações
pessoas e objetivar uma educação de qua- distantes ou nômades; crianças de mi-
norias linguísticas, étnicas ou culturais e
lidade para todos, sem a promoção de atos
crianças de outros grupos ou zonas desfa-
discriminatórios e com o respeito às diferen- vorecidas ou marginalizadas (DECLARA-
ças individuais, garantindo não só o acesso ÇÃO DE SALAMANCA, p. 17-18).
à educação, mas também, a permanência
desses sujeitos na escola para que possam No sentido de conceituação temos que
concluir os seus estudos. a pessoa com deficiência é aquela que tem
impedimentos de longo prazo, de natureza
Na perspectiva de uma educação para física, mental ou sensorial e que podem ter
a inclusão, a educação especial integra a pro- restringida a sua participação efetiva nas prá-
posta pedagógica das escolas regulares, com ticas escolares e nas práticas sociais.
o intuito de promover o atendimento especiali-
zado aos sujeitos com deficiência, transtornos Os estudantes com transtornos globais
globais e altas habilidades/superdotação. do desenvolvimento (TGD) apresentam alte-
rações qualitativas das interações sociais e
A educação especial deve atuar de ma- na comunicação, além de um repertório de
neira articulada com a educação regular e interesses restrito, repetitivo e estereotipado.
orientar as formas de atendimento desta clien- Neste grupo estão os estudantes com síndro-
tela, além de direcionar as ações necessárias mes do espectro do autismo e psicose infantil.
para contemplar as especificidades que tais
sujeitos apresentam ao longo do processo Os estudantes com altas habilidades/
educativo, organizando a rede de apoio e os superdotação possuem um potencial elevado
serviços de colaboração para que este aten- em diferentes áreas, estas habilidades podem
dimento se efetive de maneira satisfatória. se manifestar combinadas ou isoladas, além
disso, apresentam uma enorme criatividade e
Os estudos recentes na área da edu- êxito na execução de tarefas em seus campos
cação especial e inclusiva destacam que o de interesse.
uso de algumas classificações precisam estar
contextualizados, e não resumidos em uma A Declaração de Salamanca é um mar-
mera especificação relacionada a deficiência co no cenário da educação mundial, este do-
ou transtorno apresentado pelo sujeito. cumento foi criado para apontar aos países
a necessidade de políticas públicas e edu-
As pessoas estão em constante modi- cacionais que atendessem a todos de forma
ficação e nisso transformam os contextos do igualitária independente de suas condições
qual fazem parte, essas modificações exigem pessoais, sociais, econômicas e sociocultu-
uma atuação pedagógica que trabalhe no rais. A declaração destaca ainda a necessi-
sentido de alterar as situações de exclusão, dade da inclusão educacional dos indivíduos
e reforçar a importância do convívio harmo- que apresentam necessidades educacionais
nioso e do respeito às especificidades, pro- especiais.
movendo aprendizagens significativas que
incluam todos os estudantes:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 455


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Mantoan (2010) enfatiza que é preciso apoio constante diante dos obstáculos que
levantar a discussão para o caminho percorri- venham surgir no processo educativo.
do pela educação no Brasil para a concretiza-
É preciso unir esforços na busca para
ção do projeto de inclusão escolar, que esbar-
transformar as práticas e articular os diferen-
rou em equívocos conceituais e dificuldades
tes campos do saber dialogando com as po-
na reorganização pedagógica, os avanços da
líticas públicas e reorganizando os processos
escola brasileira aconteceu de forma lenta,
de trabalho para atender a criança com defi-
pois ainda há muita resistência por parte das
ciência de maneira eficiente:
instituições à inclusão plena e incondicional,
e isso ocorre por causa da inexperiência com De acordo com as Diretrizes para a Edu-
a diferença: cação Especial (BRASIL, 2001) a educação
[...] inclusão estabelece que as diferenças especial adquire sua relevância pois possi-
humanas são normais, mas ao mesmo bilita que a diversidade dos sujeitos que es-
tempo reconhece que a escola atual tem tão na escola, sejam contempladas, com o
provocado ou acentuado desigualdades oferecimento de materiais pedagógicos ade-
associadas à existência de diferenças de quados e recursos que contribuam para que
origem pessoal, social, cultural e política, eles tenham oportunidades iguais na escola
e é nesse sentido que ela prega a neces- regular, visando o aprendizado.
sidade de reestruturação do sistema edu-
cacional para prover uma educação de Seguindo esta perspectiva, a educação
qualidade a todas as crianças (MENDES, especial é uma modalidade de educação para
2004, p. 64). aqueles estudantes que apresentam dificulda-
A escola é um espaço privilegiado de des de aprendizagem, definida no contexto de
construção de conhecimento e para o traba- propostas pedagógicas efetivas, permitindo o
lho com valores e atitudes, neste sentido, te- acesso aos mais elevados níveis de desen-
mos alguns desafios para acolher a todos em volvimento e de aprendizagem, integrando es-
suas especificidades e diferenças. tes sujeitos socialmente e formando cidadãos
para o exercício de uma vida produtiva.
Os profissionais que atuam no âmbito
escolar devem estar preparados para o traba- Os princípios da proposta da integração
lho com a diversidade humana, é preciso de- escolar eram confundidos com os conceitos
senvolver uma pedagogia centrada no sujeito, de inclusão escolar, ambos os conceitos de-
abarcando as suas diferenças e acolhendo- fendem a matrícula dos deficientes na escola
-as no sentido de oferecer uma aprendizagem comum, porém, o conceito de integração es-
efetiva e significativa. colar considera que o sucesso dos sujeitos
são frutos de uma responsabilidade individu-
Mesmo com as mudanças consolida- al, em que o sujeito se adequa às caracterís-
das no Brasil em relação às políticas públi- ticas da escola.
cas, as intervenções e aos tratamentos ainda
é possível enxergar muitos desafios a serem Pensando no conceito de inclusão es-
transpostos pelos profissionais da educação colar temos que a escola é quem deve se re-
em relação ao atendimento da criança com estruturar para atender os sujeitos de manei-
deficiência e da família. ra satisfatória e transfere a responsabilidade
individual do sujeito para a responsabilidade
A família é um elemento importante na coletiva, da escola.
rede de apoio, mas precisa ser qualificada
para apoiar e auxiliar no tratamento, cabe ao
profissional estabelecer uma relação harmo-
niosa entre família e escola, numa relação de

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 456


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

GARANTIA DE DIREITOS Araújo (2002) afirma que em nome da


EDUCACIONAIS E O CONCEITO DE construção de uma sociedade democrática,
EQUIDADE é exigida uma nova maneira de convivência
social e de organização social, neste momen-
O movimento mundial em prol da educa- to, passa a se defender maneiras de governo
ção inclusiva pode ser considerado como um que sejam justas e participativas e que contri-
ato político e social, que foi desencadeado pela bua para o bem estar das pessoas, elevando
defesa do direito de todos os sujeitos aprende- o conceito de democracia, com o direito à
rem e participarem juntos das práticas: educa- vida, a educação e a saúde, dentre outros.
tivas e sociais. A educação para a inclusão é
um paradigma educacional que tem fundamen- Para que se alcance a democracia de-
to na concepção dos direitos humanos, neste sejada é preciso considerar que todos os su-
contexto a diferença e a igualdade são valores jeitos são iguais, diante da lei, independente
indissociáveis que devem atuar para a contextu- de suas diferenças ou peculiaridades. É pre-
alização da história de exclusão que por muitos ciso reconhecer a diversidade cultural, social
anos permaneceram dentro e fora da escola. e biológica:
Começo lembrando outro princípio ineren-
É preciso confrontar as práticas de dis-
te ao conceito de justiça e, consequente-
criminação que acontecem nos sistemas de mente, de democracia: a equidade, que
ensino e buscar alternativas eficazes para su- reconhece o princípio da diferença dentro
perá-las, o papel da educação inclusiva deve da igualdade. Assim, uma lei é justa so-
assumir um espaço central nos debates edu- mente se reconhece que todos são con-
cacionais que contribuam para a superação da siderados iguais perante ela, ao mesmo
lógica de exclusão, que ainda assola os espa- tempo em que considera as possíveis di-
ços escolares. ferenças relacionadas a seu cumprimento
ou sua violação (ARAÚJO, 2002, p. 34).
A partir dos referenciais que são utiliza-
dos para a construção de escolas efetivamente O AEE (Atendimento Educacional Es-
inclusivas, a organização escolar deve ser re- pecializado) nas diversas modalidades de
pensada, incluindo mudanças estruturais e cul- ensino deve estar organizado para apoiar o
turais que possam atender as especificidades desenvolvimento dos alunos e ser ofertado de
dos estudantes. maneira gratuita nos sistemas de ensino. Este
atendimento deve ser realizado em contratur-
A educação infantil é a porta de acesso no ao horário da classe comum e ocorre na
para a aprendizagem e para o ensino formal, é própria escola ou em locais especializados.
nesta modalidade que se desenvolvem as ba-
ses para o desenvolvimento das crianças e para Nos anos mais avançados de ensino,
a construção do conhecimento. como a Educação de Jovens e Adultos e o
Ensino Profissional, a educação especial atua
O lúdico, permite o acesso das crian- para ampliar as oportunidades para o ingres-
ças ao conhecimento e constitui a mais rica e so no mundo do trabalho e para promover a
completa forma de aprendizagem na infância, participação efetiva nas práticas sociais.
a brincadeira estimula os mais variados aspec-
tos do desenvolvimento infantil, favorecendo as Na educação do campo, indígena e qui-
relações interpessoais, a troca de experiências lombola, a educação especial deve garantir
e a interação. A interação entre as crianças na os serviços e que o atendimento especiali-
escola regular, independente de suas especifici- zado estejam presentes nos projetos educa-
dades, deve ser promovida e valorizada, incluin- cionais e sejam alicerçados nas diferenças
do desde muito cedo, os conceitos de inclusão e nas especificidades desta clientela. No ní-
e respeito à diversidade: vel superior, a educação especial é efetivada

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 457


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

com ações que promovam a permanência e Educação inclusiva é o modo mais efi-
o acesso dos estudantes. As ações devem caz para construção de solidariedade
ser planejadas para que possam promover entre crianças com necessidades edu-
cacionais especiais e seus colegas. O
a acessibilidade arquitetônica, o acesso aos
encaminhamento de crianças a escolas
materiais pedagógicos e didáticos para que especiais ou a classes especiais ou a
as atividades possam ser desenvolvidas opor- sessões especiais dentro da escola em
tunizando a pesquisa e o ensino: caráter permanente deveriam constituir
Os sistemas de ensino assegurarão aos exceções, a ser recomendado somente
educandos com deficiência, transtornos naqueles casos infrequentes onde fique
globais do desenvolvimento e altas ha- claramente demonstrado que a educação
bilidades ou superdotação: I - currículos, na classe regular seja incapaz de atender
métodos, técnicas, recursos educativos e às necessidades educacionais ou sociais
organização específicos, para atender às da criança ou quando sejam requisitados
suas necessidades; [...] III - professores em nome do bem-estar da criança ou de
com especialização adequada em nível outras crianças (DECLARAÇÃO DE SALA-
médio ou superior, para atendimento es- MANCA, 1994, p.5).
pecializado, bem como professores do O princípio da equidade traz o conceito
ensino regular capacitados para a inte-
de quem possui menos recebe mais, para
gração desses educandos nas classes
comuns (BRASIL, 1996, p. 19).
que o seu desenvolvimento alcance o desen-
volvimento dos demais que já se encontram
Quando pensamos em diversidade na em melhores condições, sejam elas, sociais,
escola, temos a criação de grupos com ca- educacionais ou econômicas.
racterísticas iguais, utilizadas para reunir ou
para separar as pessoas, quando pensamos A equidade no contexto educacional é
em inclusão na escola, essa separação deve uma condição essencial para que outros fins
ser eliminada, nenhum grupo deve ser sepa- sejam atingidos, sejam relacionados a ques-
rado por suas características, neste caso, a tões sociais ou econômicas. Em relação à
deficiência do indivíduo. equidade na educação é possível identificar
três fases nas políticas públicas, a primeira é
Em uma escola inclusiva não se deve a igualdade de acesso (direito de frequentar
valorizar uns em detrimento de outros, ao criar a escola); igualdade de tratamento (prestar
propostas ou programas, estes devem ser di- serviços igualmente a todos) e igualdade de
recionados a inclusão. Com a representação, resultados e competências.
a identidade e a deficiência passam a existir
sendo abordadas nos projetos e nas propos- A educação se constitui como uma
tas curriculares da escola inclusiva. condição fundamental para que a sociedade
se desenvolva nos mais variados aspectos e
É preciso considerar a equidade como todos os sujeitos têm direito ao pleno desen-
uma pauta central nas políticas públicas re- volvimento. A educação deve ser equitativa e
lacionadas à educação, podendo ser consi- a escola deve garantir o acesso aos mais va-
derada como um instrumento de ação nas riados recursos educacionais, independente
práticas. A equidade em educação tem um dos fatores externos que possam dificultar o
fim em si mesmo, em virtude do direito ao acesso à educação e independente de suas
desenvolvimento das capacidades do sujeito condições econômicas e sociais:
e do direito à participação na sociedade:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 458


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O direito de todas as crianças à educação A inclusão não diz respeito a colocar


está proclamado na Declaração Univer- as crianças nas escolas regulares, mas
sal dos Direitos Humanos e foi reafirma- a mudar as escolas para torná-las mais
do com veemência pela Declaração sobre responsivas às necessidades de todas as
Educação para Todos. Pensando desta crianças; diz respeito a ajudar todos os
maneira é que este documento começa professores a aceitarem a responsabilida-
a nortear Todas as pessoas com defici- de quanto à aprendizagem de todas as
ência têm o direito de expressar os seus crianças nas suas escolas e prepará-los
desejos em relação à sua educação. Os para ensinarem aquelas crianças que es-
pais têm o direito inerente de ser consul- tão atual e correntemente excluídas das
tados sobre a forma de educação que escolas por qualquer razão (MITTLER,
melhor se adapte às necessidades, cir- 2003, p.16).
cunstâncias e aspirações dos seus filhos.
(DECLARAÇÃO DE SALAMANCA, p. 5-6). Em um esquema meritocrático as dife-
rentes trajetórias e os diferentes resultados
Não podemos atribuir o mesmo signifi- são tidos como consequências do esforço de
cado para igualdade e equidade, apesar de cada indivíduo, considerando que o sucesso
estarem relacionados, não possuem o mes- de cada um é diretamente vinculado ao seu
mo sentido e nem a mesma definição. Ló- esforço. Bolívar (2005) enfatiza que este prin-
pez (2005) afirma que não há equidade sem cípio se torna insuficiente, o mérito Não pode
igualdade, buscar a igualdade nas palavras estar desvinculado das condições sociais do
do autor, significa reconhecer que os indiví- sujeito. López (2005) afirma que esta pers-
duos são diferentes e precisam de atenção pectiva meritocrática acaba por legitimar o
diferenciada, uns mais que os outros, neces- fracasso dos estudantes que são menos fa-
sitando de ações equitativas. Pensando em vorecidos. “Una escuela meritocrática es una
equidade educacional, o autor enfatiza que escuela que selecciona a los más capaces y
existem quatro princípios básicos que podem a los más productivos, quitando oportunida-
direcionar as ações educacionais e as polí- des al resto” (LÓPEZ, 2005, p. 72).
ticas públicas na área educacional, os prin-
cípios são: igualdade no acesso, nas condi- A igualdade nas condições de aprendi-
ções, os resultados e igualdade na realização zagem ou igualdade de ensino, prevê a oferta
social. de uma educação de qualidade para todos os
indivíduos. Bolívar (2005) enfatiza que este
Para Bolívar (2005) os quatro princípios princípio tem o objetivo de garantir que todos
são igualdade de oportunidades, igualdade os estudantes recebam uma educação de
de ensino, igualdade de conhecimento e êxito qualidade, sem qualquer forma de exclusão
escolar e igualdade de resultados, e tais prin- e esta qualidade seria alcançada com um cur-
cípios são correspondentes ao apresentado rículo comum, com professores competentes
por López (2005) e os autores utilizam os mes- e com instituições adequadas com recursos,
mos princípios com terminologias diversas. O estrutura de ensino e estrutura física também
primeiro critério é relacionado ao acesso à adequadas:
escola, igualdade no acesso ou igualdade de
oportunidades, diz respeito ao acesso ao sis- Estrategias de enseñanza, contenidos del
currículum y el desarrollo de las necesi-
tema educacional em que todas as pessoas dades de aprendizaje de los alumnos; en
possam acessar este sistema, este princípio uno segundo con buenas escuelas con
não considera as diferenças que existem en- un conjunto de procesos y, en último, con
tre os indivíduos o que acarreta em resultados un marco de política educativa que lo po-
e trajetórias diferenciadas: tencie (BOLÍVAR, 2005, p. 47).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 459


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

López (2005) traz uma abordagem so- PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


bre o princípio de equidade em que a diversi-
dade dos estudantes não seriam considera- Esta pesquisa trata de uma revisão bi-
das o que ocasiona a diferença de resultados bliográfica de proposta reflexiva voltada ao
entre elas, tal princípio afirma que as estra- tema Inclusão Escolar, Integração Escolar
tégias pedagógicas direcionam os mesmos e Equidade. A pesquisa bibliográfica busca
recursos educativos para todos os estudan- descobrir aquilo que já foi escrito e produzi-
tes, desconsiderando desta maneira o fato de do de maneira científica por outros autores,
que os indivíduos nem sempre possuem a tornando o aprendizado mais conciso com
mesma oportunidade de acesso à escola e novas descobertas nas mais diversas áreas
consequentemente as mesmas chances de do conhecimento.
aprendizagem. Com o avanço das tecnologias de infor-
Em relação a igualdade de resultados mação, a pesquisa na Internet e em bases de
e êxito escolar, López (2005) afirma que é dados que possuem credibilidade científica,
necessário que o acesso ao conhecimento é muito utilizada como mecanismo de busca
deve ser igual para todos os sujeitos, inde- para localização do material bibliográfico.
pendente das origens culturais ou sociais dos Para atingir os objetivos deste estu-
sujeitos, no final do percurso escolar, devem do utilizamos as contribuições de Mendes
ser capazes de alcançar a mesma formação: (2004), Jannuzzi (2004), Mantoan (2006),
Optar por esta dimensión implica partir del dentre outros. Nesta pesquisa foram analisa-
reconocimiento de las diferencias, tanto al dos alguns artigos e outros trabalhos cientí-
definir criterios de acceso como en la ela- ficos que discutem e apresentam reflexões
boración de las propuestas pedagógicas e sugestões que podem contribuir para uma
e institucionales que definen las prácticas maior compreensão da temática apresentada
educativas (LÓPEZ, 2005, p. 71).
neste artigo e foi possível constatar que a es-
Bolívar (2005) afirma quando a escola cola comum pode ser considerada inclusiva
se mantem indiferente em relação as diferen- quando reconhece as diferenças dos sujeitos
ças que existem entre os indivíduos, acaba diante dos processos educativos e busca a
por reforçar as desigualdades e favorecer a participação e o sucesso de todos, com a
discriminação, para que isto não ocorra se faz adoção de novas práticas pedagógicas que
necessário implementar uma justiça que leve venham colaborar com o processo de inclu-
em consideração o fato de os sujeitos serem são. As mudanças que devem ocorrer para se
diferentes. garantir novas práticas e novas posturas vai
além da escola e do espaço da sala de aula,
A equidade educacional pode ser al- é preciso muito estudo e o desenvolvimento
cançada quando a educação traz um impacto de novos conceitos para que as práticas te-
para os diferentes contextos e cenários so- nham êxito, considerando o processo de in-
ciais em que os indivíduos estão inseridos, o clusão escolar.
que contribui para o desenvolvimento social.
Os estudantes que apresentem resultados es-
colares iguais devem ser oportunizados so-
cialmente de maneira igualitária, as oportuni-
dades de ascensão social e no mercado de
trabalho seriam o resultado destes processos
de escolarização.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 460


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Mesmo com as mudanças consolidadas no Brasil em relação às políticas públicas, as
intervenções e aos tratamentos ainda é possível enxergar muitos desafios a serem transpos-
tos pelos profissionais da educação em relação ao atendimento da criança com deficiência e
da família. A família é um elemento importante na rede de apoio, mas precisa ser qualificada
para apoiar e auxiliar no tratamento, cabe ao profissional estabelecer uma relação harmoniosa
entre família e escola, numa relação de apoio constante diante dos obstáculos que venham
surgir no processo educativo.
É preciso unir esforços na busca para transformar as práticas e articular os diferentes
campos do saber dialogando com as políticas públicas e reorganizando os processos de
trabalho para atender a criança com deficiência de maneira eficiente.
A equidade no contexto educacional é uma condição essencial para que outros fins se-
jam atingidos, sejam relacionados a questões sociais ou econômicas. Em relação à equidade
na educação é possível identificar três fases nas políticas públicas, a primeira é a igualdade de
acesso (direito de frequentar a escola); igualdade de tratamento (prestar serviços igualmente
a todos) e igualdade de resultados e competências.
O que muitas vezes pode tornar mais difícil a implementação de políticas públicas é o
fato de ser possível conjugar todas estas variáveis referente a equidade, que integre o acesso,
aos recursos e os resultados. O sentido de equidade traz uma perspectiva de que aqueles que
menos têm devem receber uma maior quantidade de recursos, desta maneira, a igualdade é
alcançada. Não se trata de as pessoas que estão em melhores condições não devam receber
atenção, e sim devem receber a quantidade suficiente.
Ao pensar no sentido da palavra inclusão, temos em mente a ideia de que todos os
sujeitos tenham as mesmas oportunidades de participar das práticas sociais, de maneira
igualitária e efetiva, em que as relações individuais sejam permeadas por uma igualdade de
valores. Partindo deste princípio é inconcebível que as pessoas devam se adequar ou se
adaptar à sociedade e aos contextos escolares, são estes espaços que devem ser preparados
para receber este sujeito, suprindo as suas necessidades e as reconhecendo como cidadãos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 461


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, U. F. A construção de escolas democráticas: histórias sobre complexidade, mudanças e resistências.
São Paulo: Moderna, 2002.

BOLÍVAR, António. Equidad Educativa y Teorías de la Justicia. Revista Electrónica Iberoamericana sobre Calidad,
Eficacia y Cambio en Educación, Madrid, n. 2, v. 3, p. 42-69, 2005. Disponível em: <http://www.rinace.net/arts/
vol3num2/art4.pdf> Acesso em: 10 jan. 2021.

BRASIL. MEC/SEESP. Política Nacional de Educação Especial. Brasília. 1994.

______. MEC. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica. Secretaria de Educação Espe-
cial. Brasília. MEC/SEESP, 2001.

______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei n. 9394, 20 de dezembro de 1996. Brasília, Ministério
da Educação, 1996.

______. MEC. Secretaria de Educação Especial: Direito à educação: orientações gerais e marcos legais. Brasília:
MEC/SEESP. 1997.

DECLARAÇÃO DE SALAMANCA: Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas
Especiais, 1994, Salamanca-Espanha.

JANUZZI, Gilberta. S de M. A Educação do Deficiente no Brasil: dos primórdios ao início do século XXI. Campinas,
SP. Autores Associados, 2004.

LÓPEZ, Néstor. Desigualdades sociales y educación. In: LÓPEZ, Néstor. Equidad educativa y desigualdad social.
Buenos Aires: IIPE-UNESCO, 2005. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/images/0014/001425/142599s.
pdf> Acesso em 10 jan. 2021.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér; ARANTES, Valéria Amorim (Org.). Inclusão escolar: pontos e contrapontos. 3. Ed.
São Paulo: Summus, 2006.

MENDES, E. G. Construindo um lócus de pesquisas sobre inclusão escolar. In: MENDES, E.G; ALMEIDA, M. A;
WILLIAMS, L. C. de. Temas em educação especial: avanços recentes. São Carlos: EDUFSCAR, 2004.

MITTLER, Peter. Educação Inclusiva. Contextos Sociais. Porto Alegre: Artmed, 2003.

RESOLUÇÃO CNE/CEB Nº 2, de 11 de setembro de 2001. Institui Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica. 2001.

STAINBACK, Susan William. Inclusão, um guia para Educadores. Porto Alegre: Artmed, 1999.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 462


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade UNIFIEO


(2002); Especialista em Arte e Educação pela
Instituição Faculdade Campos Elíseos no ano de
2019; Professora de Educação Infantil e Ensino
Fundamental – na EMEI Profª Wilma Alvarenga
de Oliveira.

MARA REGINA
SIQUEIRA DOS SANTOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 463
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ARTE E EDUCAÇÃO

RESUMO: Este artigo busca gerar reflexões a respeito do uso da Arte na Educação Básica. Ao
praticar qualquer tipo de Arte a criança descobre o mundo e organiza-se nele, lança-se para
frente com a certeza de suas marcas, livre para construir e reconstruir, num diálogo fluido entre
pensamento e sentimento. Tudo está carregado de significado. O espaço da Arte permite o
experimento e o significar, por ela é possível fazer e refazer. O fazer artístico auxilia no equilíbrio
das funções por meio do uso da vontade e o contato com as Artes desperta a consciência para
uma organização interna que torna-se externa, despertando uma aprendizagem significativa. Na
esfera educacional a Arte surge como disciplina que engloba conceitos históricos e significativos,
no entanto sua aplicabilidade apenas neste formato acaba por limitar o educador, outro aspecto
também identificado nesta esfera acerca da arte encontra-se no uso da mesma para contação
de histórias, musicalização, teatro, artesanato, pinturas, dentre outros. Para a elaboração deste
buscou-se analisar bibliografias de autores conceituados, este estudo objetiva apresentar a
importância do uso da arte no processo de ensino aprendizagem no âmbito da Educação Básica.
Compreendeu-se que a arte encontra-se em todos os lugares, ela é a essência que difere o
homem do animal, assim entende-se que a mesma faz parte do cotidiano dos educandos, embora
apareça de formas distintas e muitas vezes não seja reconhecida por seu conceito. Sua amplitude
permite ao educador fazer uso da mesma na qualidade de uma efetiva ferramenta de ensino.

Palavras-chave: Arte; Educação Básica; Equilíbrio.


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 464
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

N
a Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental o uso do ensino de
Arte se faz de maneira imaginativa, envolvente e estimuladora, buscando instigar
a criatividade e a capacidade de criar e inventar das crianças.
Segundo os Parâmetros Curriculares Nacionais, conhecer a arte atribui novos sentidos
ao aluno de maneira que este passa a compreender o mundo sob a ótica de uma dimensão
poética presente, a arte mostra que uma transformação contínua sobre a existência é possível,
ela ensina que a mudança de referências constante e a flexibilidade são saudáveis, logo, a
criação e o conhecimento fazem parte um do outro, caminham concomitantes e a condição
essencial de aprendizagem encontra-se na flexibilidade (BRASIL, 1997).
Fusari e Ferraz (1999), afirmam que a arte é formada por estilos específicos de exterio-
rização da atuação criativa do homem quando este interage com o meio em que vive, conhe-
cendo o espaço que habita e conhecendo-se. Dessa forma, a arte age como formadora de
mentes pensantes, possibilitando que qualquer cidadão que tenha acesso ou pratique algum
meio artístico consiga observar e analisar profundamente os fatos grupais e individuais, mos-
trando a relevância que cada um deve configurar dentro da sociedade.
A arte tem a capacidade de desenvolver nos indivíduos as mais diversas competências,
mesmo que ainda existam vertentes de pensamento que a coloquem em segundo plano. Ao
pensar no ensino de Arte pela Interdisciplinaridade, as possibilidades aumentam considera-
velmente. É possível apontar como um dos objetivos central do ensino de Arte na Educação
Básica a busca pela ampliação do universo cultural do aluno.
Para Guerson (2010), a Arte é singular e também plural, ou seja, possui caráter único
e múltiplo, mas esses aspectos não se diferenciam muito de outras áreas, pois essas, geral-
mente, se constituem nas complexidades dos limites e das generalidades. A autora completa
dizendo que as esferas do conhecimento possuem seus caminhos ligados através de um di-
álogo natural interdisciplinar, seus caminhos encontram-se na justificativa de algo superior às
suas restrições delimitadoras: a existência da humanidade entre sociedade, cultura e natureza.
A arte possui um caráter múltiplo proveniente de suas mais variadas formas de exterio-
rização, como as Artes Visuais, Audiovisuais, Dança, Música, Teatro e Literatura, cada forma
de arte possui conteúdos autênticos e próprios, no entanto estes ainda relacionam-se e com-
pletam-se.
A criatividade precisa de estímulos, embora qualifique-se como uma capacidade humana
natural, e a arte auxilia neste processo de evolução sobre a criatividade. Pode-se afirmar que
a arte impulsiona a criatividade uma vez que a mesma está intensamente ligada à imagina-
ção, independente de sua natureza, as atuações artísticas permitem o pensar “fora da caixa”,
o olhar sob novas perspectivas e o desenvolvimento de alternativas criativas para a solução
dos problemas, assim compreende-se que a arte ajuda no desenvolvimento do indivíduo e
no pensamento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 465


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No contexto escolar cada desenho de uma criança possui um contexto, uma história, um
porquê, a criança reproduz seu contexto desejado através dos materiais disponíveis com base
em sua criatividade, essa ideia torna-se clara quando percebe-se uma criança desenhando
nas paredes, ou fazendo castelos de areia, arte com a comida, dentre outros, ela faz uso dos
recursos que tem à disposição para a elaboração do novo.
As habilidades artísticas de uma criança não devem ser desenvolvidas apenas em am-
biente escolar, mas também em locais que propiciem a manifestação artística da mesma. A
arte no processo escolar auxilia o educando no alcance do conhecimento humano, uma vez
que a mesma faz parte da história do homem e auxilia na compreensão de aspectos históri-
cos também.
Ela fortalece o ensino em outras áreas, pode relacionar-se com ciências, história, ma-
temática, ou qualquer outra matéria, seu uso remete uma importante ferramenta no ensino
básico, por isso é fundamental que os educandos tenham acesso à história da arte bem como
a materiais escolares que a permitam expressar-se.
A arte faz parte do contexto histórico do homem, assim como de sua própria existência.
Sua aplicabilidade na Educação Básica é fundamental para a compreensão e a ressignifica-
ção do educando sobre seu próprio mundo, ela conduz o ser humano por caminhos próprios
guiados pela manifestação do seu eu interior. Nesse sentido, este estudo objetiva apresentar
a importância do uso da arte no processo de ensino aprendizagem no âmbito da Educação
Básica.
Em termos específicos este estudo visa elucidar aspectos referentes à arte, a contribui-
ção que a mesma realiza sobre a coordenação motora do educando, do emprego da musi-
calização dentre outras formas de arte como ferramenta de ensino aprendizagem e dissertar
sobre a importância que a arte representa na Educação Básica. Para a elaboração deste
artigo buscou-se analisar bibliografias de autores conceituados, além de revistas eletrônicas
reconhecidas provenientes de bases relevantes.
A arte transforma e é transformada concomitante ao contexto histórico em que a socie-
dade encontra-se, ela também transforma por ser revolucionária e por propagar manifestações
internas com as quais terceiros venham a se identificar, ela é o elemento que difere o ser hu-
mano do animal, ela atua como válvula de reprodução das pulsões do homem civilizado, que
consegue em grande parte dos casos controlar suas pulsões. Sendo a arte tão fundamental
no contexto humano justifica-se a elaboração deste artigo pela busca por uma compreensão
maior para educadores acerca da empregabilidade da arte no contexto escolar, visando causar
reflexões e expandir a concepção de arte para os mesmos.
Compreende-se que a arte encontra-se em todos os lugares e em todos os tempos histó-
ricos da humanidade, no entanto ainda encontra-se na qualidade de produção cujo acesso não
é total, existem diversas formas de arte que podem ser produzidas, no entanto existem poucas
artes que podem ser apreciadas por todos. Diante disto buscou-se neste estudo responder
às seguintes questões: Por que, embora se saiba que a arte auxilia no desenvolvimento, a
mesma ainda não encontra-se ao alcance de todos? Como a arte pode tornar-se ferramenta
fundamental de ensino aprendizagem no contexto escolar? Como a musicalização, o teatro,
as artes plásticas, dentre outros tipos de arte podem auxiliar no desenvolvimento da criança?
Como a arte pode auxiliar no desenvolvimento da coordenação motora do educando? Estas
e demais perguntas serão respondidas no decorrer deste estudo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 466


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para o aproveitamento do estudo e a condução do raciocínio buscou-se dividir este ar-


tigo em quatro capítulos. Na primeira seção será abordada a sensibilização que a arte causa
e desenvolve sobre a criança. Na segunda, serão apresentadas as diferentes concepções de
artes e suas contribuições para a cognição da criança.
E na terceira seção, este estudo esclarecerá como a coordenação motora pode ser
melhor desenvolvida mediante o uso de ferramentas da arte. Na última seção se dissertará
sobre a importância da arte no contexto escolar com foco na Educação Básica. A seguir, as
considerações finais e as devidas referências bibliográficas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 467


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A ARTE E SUA FORMA DE As diversas linguagens artísticas, como


SENSIBILIZAR A CRIANÇA o teatro, a música e a dança provocam rea-
ções que podem ser individuais ou comuns
Sensações sinestésicas, experiências a um grupo social. Para que estas reações
visuais e auditivas acrescentam uma multipli- possam ser consideradas artísticas é preciso
cidade de estímulos para a expressão. Tudo que atuem sobre o lado emocional do ouvin-
faz parte da experiência criadora: a conscien- te. Nesse caso a música e o teatro estariam
tização das variações nas cores, diferenças cumprindo sua função social que é a de emo-
nas formas, a suavidade e a aspereza dos cionar e comunicar sentimentos. Os sons,
objetivos, as reações aos sons, sensibilida- ao atingirem os centros nervosos, captados
de à luz e à escuridão. Assim aguçando o pela audição, se transformam em percepção
desenvolvimento perceptual. De acordo com e sensação que, relacionadas, produzem a
Lowenfeld e Brittain (1977): emoção. Biologicamente, a emoção provo-
A criança emocionalmente livre, desini- ca uma ação, que pode excitar ou acalmar
bida, na expressão criadora, sente-se a criança física ou mentalmente (FONSECA,
segura e confiante ao abordar qualquer 2016).
problema que derive de suas experiên-
cias. Identifica-se, estritamente, com seus Emoção e sentimento, embora utiliza-
desenhos e tem liberdade para explorar e dos quase como sinônimos, são diferentes. A
experimentar grande variedade de mate- emoção costuma ser mais intensa, mas não
riais. Sua arte encontra-se em constante permanece. O sentimento é menos intenso
mudança, e ela não receia cometer erros que a emoção, porém mais estável. São os
nem se preocupa, a respeito da nota que sentimentos que propiciam a expressão artís-
receberá por esse exercício particular. tica. A organização de atividades de audição
Para ela, a experiência artística é realmen- musical no Pré-Escolar enriquece o desen-
te sua, e a intensidade de sua absorção
volvimento emocional e afetivo da criança,
proporciona-lhe o verdadeiro progresso
emocional (LOWENFELD; BRITTAIN 1977, na medida em que está educando o gosto
p.39-40). musical (CORREIA, 2010).

Ao se ter a liberdade e a desinibição Tanto o executante de uma peça quanto


a criança expressa seus sentimentos e emo- o compositor reagem musicalmente dentro da
ções por meio dos movimentos, desenhos esfera emocional, onde o compositor transfe-
e atividades artísticas que reproduz, ficando re para sua obra seus sentimentos em forma
desta forma evidente que as artes são ex- de ritmos e harmonias e o executante, a partir
tremamente importantes para o desenvolvi- de um estímulo que o emociona, colabora
mento integral e significativo do ser humano. com o autor interpretando a execução:
Segundo Martins (2011): A comunicação entre as pessoas e as lei-
O aluno deve ser preparado para, a partir turas do mundo não se dão apenas por
das manifestações orais, escritas, sono- meio da palavra. Muito do que se sabe
ras e visuais ser capaz de organizar a sobre o pensamento e os sentimentos
sucessão de episódios e amarrá-los de das mais diversas pessoas, povos, paí-
uma forma lógica. O momento em que ses, épocas são conhecimentos que ob-
ele está narrando algo sobre o que vê ele tivemos única e exclusivamente por meio
será capaz de descrever cenários, rein- de suas músicas, teatro, pintura, dança,
ventar histórias, recriar, mas ao mesmo cinema, etc (MARTINS, et al, 1998, p.14).
tempo solucionar problemas, dúvidas,
sentimentos da sua vida cotidiana (MAR-
TINS, 2011, p. 35).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 468


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os adultos e as crianças, ao escutarem A criança interage com as exterioriza-


uma música, reagem por meio de pensamen- ções artísticas, comunicativas e estéticas do
tos e emoções que variam de acordo com local e nessa interação alinha-se com o con-
seu nível de sensibilidade. Esta sensibilidade texto cultural e social em que está inserida
deverá ser muito estimulada na Pré-Escola. (SANTOS; COSTA, 2016).
Atividades que exercitem o “sentir” contribui-
As exteriorizações artísticas podem
rão para que o futuro adulto possa a vir a
ocorrer através de diversos códigos da arte,
ter condições de apreciar, numa realização
como no caso da música. Existem várias de-
musical, a qualidade de sons, a técnica ins-
finições para a música, mas a principal delas
trumental, a execução, etc., usufruindo assim
é a música como ciência da arte, composta
um verdadeiro prazer estético.
por sons, ritmos, vibrações, onde formam-se
Percebe-se que a música contribui para os gêneros musicais.
todos os aspectos do ser humano, preferen-
O ensino de artes e da música apre-
cialmente para as crianças, as quais estão em
senta uma grande influência na formação da
fase de desenvolvimento dos seus aspectos
criança contribuindo para a expressão de
cognitivos (CORREIA, 2010).
suas emoções. A arte e a música desempe-
AS FORMAS DE ARTE COMO nham uma função extremamente importante
CONTRIBUINTES PARA O na vida da criança, revelando por meio do
DESENVOLVIMENTO COGNITIVO DA seu modo de pensar, agir e interagir com os
CRIANÇA outros, a sua capacidade de buscar, de ex-
plorar, de criar e aprender (REIS et al, 2012).
Desde o nascimento, a criança é expos-
ta a um grande repertório de significados e A música é uma das atividades mais
símbolos criados pelas gerações anteriores, complexas do ser humano, contendo uma ri-
mediante a sua participação nas práticas cul- queza sem fim de elementos e significados,
turais do grupo em que encontra-se inserida, que permitem múltiplos caminhos e olhares
ela ressignifica o mundo físico, social, cultural, sobre seu universo e que transcendem ape-
psicológico e estético. nas o aprendizado de sua linguagem especí-
fica, podendo gerar benefícios em várias áre-
O universo simbólico antes desconhe- as do desenvolvimento humano, dentre eles:
cido receberá novos significados na medida cognitivos, emocionais, sociais e culturais. As
em que o convívio gera o acesso aos pen- atividades de exploração sonora devem par-
samentos, às ações e aos códigos, dentre tir do ambiente familiar da criança, passando
estes códigos encontra-se a arte. Organizar depois para ambientes diferentes (BUENO;
os sentidos neste universo simbólico que en- MACEDO, 2004).
contra-se disponível para as crianças é uma
função individual e linearmente coletiva. Antes de oferecer à criança um método
é preciso ouvir, escutar, perceber, descobrir,
Quando reconstroem-se os sentidos pro- imitar, repetir os sons, construindo seu co-
venientes das experiências, a criança os articu- nhecimento sobre música. Quanto mais se
la com as vivências externas, analisando suas ouve ou executa-se diferentes tipos de músi-
possibilidades de concepção e leitura dos sím- ca, mais o cérebro humano tem que criar co-
bolos. Nesse sentido entende-se que a criança nexões e sinapses para decodificar aqueles
não realiza apenas a reprodução da sua percep- sons e atribuir-lhes significado. A música e a
ção, mas também desenvolve outros sentidos, arte podem ajudar na construção de um belo
ela faz uso do imaginativo para o preenchimento “óculos” para a visão de um mundo que faz
de lacunas identificadas em sua leitura e articula mais sentido, repleto de significado e beleza
significados pessoais ao que observa. (REIS et al, 2012).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 469
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Um universo mais significativo para a cando possa expressar-se espontaneamente,


criança remete um mundo sensível, quando ao passo que analisa o contexto da atividade
a criança entra em contato com esse mundo realizada e os benefícios voltados ao desen-
ela age sobre ele com motricidade, afeto e volvimento da criança.
cognição, constrói para ela um repertório de
A arte deve ser compreendida como um
formas, texturas, cores, gestos, sons e sabo-
espaço para experimentação, onde a criança
res, dando desta forma à este mundo organi-
sinta-se segura para a construção de uma
zações e sentidos diferentes.
autoanálise. A realização de atividades artísti-
O educador deve considerar na educa- cas ajuda a criança a desenvolver autoestima,
ção básica que as significações da criança já sentimentos, capacitação para a representa-
encontram-se construídas, cabendo ao profis- ção de símbolos, analisar, avaliar e interpretar,
sional desta forma o desafio de edificar novas além de ter a oportunidade de desenvolver
significações. As expressões infantis consis- habilidades em áreas específicas da arte (PI-
tem na construção de meios de comunicação RES, 2009).
e linguagem pertinentes ao processo de so-
COORDENAÇÃO MOTORA E ARTE
cializar-se, quando age de forma expressiva a
criança aprende maneiras de estar no mundo Uma das características básicas do ser
e ser humano. humano é a capacidade de estabelecer rela-
O desenvolvimento destas expressões ções consigo mesmo, com os outros e com
ocorrem concomitantes com o desenvolvi- o mundo. A partir desta função de relação,
mento intelectual, afetivo e perceptivo, estes pode-se perceber a unidade do ser enquanto
resultam na construção de noções com base inteligência, vontade, afetividade, motricidade
em experiências corporais e/ou sensoriais. e fundamentalmente, a psicomotricidade en-
Conviver neste universo simbólico amplia as quanto função integradora por meio da qual
vivências e a percepção da representação o indivíduo atinge o controle corporal, base
infantil. Desta forma o educador pode, por a integração social. Assim, de acordo com
meio do trabalho sobre o desenvolvimento este princípio, o homem é antes de tudo o
das percepções, aprimorar as experiências seu corpo (GUAPINDAIA, 2019).
dos educandos sobre o conhecimento artísti- A cada fase de uma criança ela apren-
co (SANTOS; COSTA, 2016). de algo e essas aprendizagens estão relacio-
As atividades artísticas contribuem na nadas com a coordenação e com a arte, pois
educação básica com diversas oportunida- as expressões por meio dos movimentos, os
des para o desenvolvimento do educando, desenhos e outras atividades estão relaciona-
tendo em vista que diversos materiais e fer- dos com a linguagem artística. A criança que
ramentas artísticas para manipulação ficam possui as noções de imagem corporal bem
à disposição, além disso, as atividades artís- desenvolvida consegue perceber a posição
ticas também encontram-se na arte espon- que os objetos ocupam, usando seu corpo
tânea que pode surgir por uma brincadeira, como ponto de referência. Para assimilar os
um jogo ou alguma proposta mais elaborada conceitos espaciais a criança necessita ter
pelo educador. uma coordenação definida, na qual as artes
auxiliarão no processo de construção da co-
A música, o lúdico, a dança, o teatro, o ordenação (OSTROWER, 2013).
desenho, a pintura, a criatividade, a contação
de histórias, o conto de fadas, dentre outros Uma forma de expressão que auxilia no
tipos de arte, auxiliam a criança a expressar- desenvolvimento da coordenação motora é
-se, comunicar-se e a transformar. Cabe ao a Arte por meio do teatro e da dança, aos
educador gerar oportunidades onde o edu- quais as crianças desenvolvem amplas habi-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 470
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

lidades. Por meio das linguagens artísticas, Para a vida afetiva, intelectual, corporal,
as crianças, além de se divertirem, criam, in- social e espiritual do aluno, sem as divi-
terpretam e se relacionam com o mundo em sões tão usadas nas escolas. Compreen-
de-se hoje que educar não é apenas estar
que vivem. A criança é um ser ativo, trazendo
preparado para o mercado de trabalho e
consigo a necessidade de se movimentar e acumular informações e conhecimento.
de se comunicar por meio de várias lingua- Pelo contrário, o mundo exige pessoas
gens, nesse sentido cabe ressaltar a dança com uma visão ampla, o que engloba
como tipo de arte que atua fortemente sobre autoconhecimento, desejo de aprender,
a coordenação motora da criança, bem como capacidade de tratar com o imprevisível
o desenvolvimento de suas noções espaciais e a mudança, capacidade de resolver pro-
(MARCELINO, 2006). blemas criativamente, aprender a vencer
na vida sem derrotar os demais, aprender
As Artes colaboram para que a criança a gostar de progredir como pessoa total
se aproprie do mundo adulto, das regras e da e crescer até o limite das possibilidades,
complexidade sócio-cultural da sociedade. A que são infinitas (MARINHO, 2007, p.39).
presença efetiva das Artes nos currículos es- O ensino das Artes consiste em elabo-
colares pode significar uma contribuição para rar operações que conduzem de uma situa-
a compreensão do mundo e do sujeito, é uma ção a outra, seja de uma situação problema
ferramenta para o sucesso do aprendizado. A para solução ou comportamentos que modi-
partir do desenvolvimento da expressividade ficam uma situação percebida para desejada.
gestual e da reflexão crítica sobre as manifes-
tações do homem no mundo, pode ser uma A ARTE COMO FERRAMENTA
linguagem fundamental para reinventar a es- DE ENSINO APRENDIZAGEM NA
cola, tornando a crítica capaz de responder EDUCAÇÃO BÁSICA
ao desafio de contribuir com a construção
de um mundo mais justo para vivermos. Silva O uso da arte na Educação Básica
(1992), afirma que: é fundamental para o processo de ensino
aprendizagem. Antes de ser preparado para
[...] mesmo quando somos rigorosamen- explicar a importância da arte na educação, o
te analíticos, não estamos fazendo teoria educador deve estar preparado para entender
puramente desinteressada. Queremos co-
e explicar a função da arte para o indivíduo
nhecer os mecanismos que movimentam
a dinâmica social para poder, de alguma e a sociedade. No decorrer das práticas edu-
forma, manipular pelo menos alguns des- cativas em artes, utilizam-se muitas técnicas
ses mecanismos. É por isto que não es- relacionadas às cores, muitas destas ligados
tamos interessados apenas naquilo que ao Impressionismo – uma tendência artística
faz com que a estrutura de amanhã seja proveniente da França - devido a presença de
a mesma de hoje, na reprodução, enfim. cores e luz, bem como a fotografia.
Queremos também saber quais proces-
sos e ações podem fazer com que haja As cores são uma ilusão ótica, e a única
rupturas, mudanças e movimento, produ- fonte de cor no universo é a luz. De acordo
zindo assim estruturas novas e situações com Lichtenstein (2006): “A luz é o que tor-
e posições modificadas (SILVA, 1992, na os objetos sensíveis à visão. E o colorido
p.71). é uma das partes essenciais da pintura, por
Portanto, por meio das artes o ser hu- meio da qual o pintor imita a aparência das
mano se movimenta constantemente, poden- cores de todos os objetos naturais e aplica
do modificar o espaço no qual está inserido. aos objetos artificiais a cor mais adequada
De acordo com Marinho (2007): para iludir os olhos” (LICHTENSTEIN, 2006,
p. 48).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 471


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para o autor a pintura abrange o co- As artes visuais, além das formas tradicio-
nhecimento das cores particulares, a simpatia e nais — pintura, escultura, desenho, gravu-
antipatia que existem entre elas, sendo assim a ra, arquitetura, objetos, cerâmica, cesta-
ria, entalhe—, incluem outras modalidades
prática educativa em Artes é fundamental para o
que resultam dos avanços tecnológicos
olhar mais sensível sobre os objetos. As cores, e transformações estéticas do século XX:
na concepção de Johann Wolfgang Von Goethe fotografia, moda, artes gráficas, cinema,
(1749-1832), são estimuladas junto à luz, não televisão, vídeo, computação, performan-
sendo derivadas dela (GOETHE, 1993, p.18). ce, holografia, desenho industrial, arte em
computador. Cada uma dessas modalida-
Elas aparecem junto à luz, e decorrem des artísticas tem a sua particularidade
dos fenômenos de consciência, ou seja, se e é utilizada em várias possibilidades de
formam pela luz, pelas propriedades dos ob- combinações entre elas, por intermédio
jetos, pelo olho e pelo sistema nervoso. Se- das quais os alunos podem expressar-se
gundo Goethe (1993): e comunicar-se entre si e com outras pes-
soas de diferentes maneiras (PCN, 1998,
A cor deve ser analisada de acordo com p. 8-9).
o órgão da visão, e não apenas através de
instrumentos óticos, pois o olho é um órgão Percebe-se que a prática educativa em
vivo. Uma cor que não é vista é uma cor Artes contribui para aspectos emocionais e
que não existe. O universo da cor deve levar cognitivos dos seres humanos, estes aspec-
em conta diversos dados da área cultural,
tos são expressados por meio das cores, luz
estudar as mutações, os desaparecimentos
e as inovações (GOETHE, 1993, p. 24).
e movimentos. O professor de Artes deve es-
tar em constante processo de atualização de
Portanto, a cor é aquela que, em rela- estudo e de pesquisa, pois essa é uma área
ção ao lugar que ela ocupa e com o auxílio da educação muito ampla e cheia de parti-
de alguma outra cor, representa um objeto cularidades. Acerca disso, cito Franz (2003),
singular, como um tom de pele, um tecido, que comenta:
uma peça de roupa ou qualquer outro obje-
Nesta perspectiva, também a educação
to distinto dos demais. O papel da arte na artística para a compreensão exerce um
educação é grandemente afetado pelo modo papel fundamental, uma vez que uma
como o educador e o educando enxergam a obra de arte pode servir de tópico ge-
função da arte fora da escola. rador para realizar estudos que visem a
desenvolver elevados níveis de reflexão e
A arte é uma forma na qual o ser huma- compreensão sobre arte, história, antro-
no expressa suas emoções, sua história e sua pologia e sobre a vida individual e social
cultura por meio de alguns valores estéticos, dos educandos. Partimos da crença de
como beleza, harmonia, equilíbrio e pode ser que o papel da escola, numa perspectiva
representada de várias formas, nas artes vi- de educar para a compreensão, deve ser
suais destacam-se as cores sobre as quais a também o de levar em conta as tensões
luz se faz presente. que cercam o mundo dos estudantes e
que acabam por impregnar também sua
O trabalho com Arte na escola deve-se biografia (FRANZ, 2003, p. 142).
ampliar, envolvendo as crianças e os adul-
A Interdisciplinaridade no campo da
tos que fazem parte do contexto educacional.
educação vem sendo discutida por diversos
Para tanto, o professor deve encontrar condi-
autores, principalmente por aqueles que pes-
ções de aperfeiçoar-se continuamente, tanto
quisam as teorias curriculares e as epistemo-
em saberes artísticos e sua história, quanto
logias pedagógicas, por isso é fundamental
em saberes sobre a organização e o desen-
que a arte seja uma disciplina atrelada às ou-
volvimento do trabalho de educação escolar
tras de forma interdisciplinar.
em arte. Segundo o PCN (1998):
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 472
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O ensino da Arte trata do relacionamento de sentimentos, do trabalho sobre os aspec-
tos psicomotores e cognitivos, o planejamento e a implementação de projetos criativos e o
engajamento emocional deles proporcionando um permanente processo reflexivo.
Talvez mais que em outras disciplinas, no ensino de arte os alunos são obrigados a en-
trar em contato com seu lado interior, quando, por exemplo, criam uma coreografia, realizam
um jogo teatral, interpretam uma música ou apreciam um quadro. Isso não é nada menos do
que formar a sua própria imagem de mundo e compreender a realidade.
Revelar o potencial criativo para o desenvolvimento como ser humano, ampliar a capa-
cidade de julgar e agir, ter responsabilidade, tolerância, consciência dos valores são alguns
dos outros objetivos dessa disciplina. Diante da complexidade presente nas escolas, como
problemas de violência, dificuldades de concentração e interesse dos alunos pelas aulas, as
tarefas dos professores de arte parecem crescer nesse espaço, dando luz à soluções criativas
e escapes para as pulsões de violência nas escolas.
Efetivamente a arte pode ajudar nas diversas formas de trabalhos coletivos por meio
dos quais os alunos, em grupos ou em equipes, podem definir os objetivos e as regras para
posteriormente alcançar resultados que foram trabalhados em conjunto.
As competências de trabalhar em equipe, assumindo partes de tarefas independentes
como a experiência de grupos vocais e instrumentais ou grupos teatrais e de dança, são
competências que estão relacionadas com a metodologia de trabalho na área de Arte. Mas a
arte permite também um trabalho individual que discute a tolerância e o exercício para com
o outro. Nesse sentido conclui-se que a arte é essencial para o desenvolvimento da criança
e pode atuar como ferramenta auxiliadora no processo de ensino aprendizagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 473


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais - Arte. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília, v. 6. 1997, p. 19.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais – Arte. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação
Fundamental. Brasília, 1998, p. 8-9.

BUENO, Viviane Freire; MACEDO, Elizeu Coutinho de. Julgamento de Estados Emocionais em Faces Esquemáticas
por meio da Música para Crianças. Revista Psicologia: Teoria e Prática, vol. 06, edição nº 02, São Paulo, dezembro de
2004. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script= sci_arttext & pid=S1516-36872004000200003
> Acesso em: 17 de abril de 2020.

CORREIA, Marcos Antônio. A Função Didático-Pedagógica da Linguagem Musical: Uma Possibilidade na Educa-
ção. Revista Educar, edição nº 36, Curitiba, 2010, p. 132.

FONSECA, Vitor da. Importância das Emoções na Aprendizagem: Uma Abordagem Neuropsicopedagógica. Revista
Psicopedagogia, vol. nº 33, edição nº 102, São Paulo, 2016. Disponível em: < http://pepsic.bvsalud.org/scielo.
php?script= sci_arttext & pid=S0103-84862016000300014 > Acesso em 09 de abril de 2020.

FRANZ, T. S. Educação para uma compreensão crítica da arte. Editora Letras Contemporâneas Oficina Editorial
Ltda., Florianópolis, 2003, p. 142.

FUSARI, Maria Felisminda de R. FERRAZ, Maria Heloísa C. de T. Metodologia do Ensino da Arte. Ed. 2. São Paulo:
Cortez, 1999, p. 16.

GOETHE, J. W. Doutrina das cores. Editora Nova Alexandria, São Paulo, 1993, p. 18-24.

GUAPINDAIA, Liliane Teles. A Psicomotricidade como Facilitadora no Processo de Ensino e Aprendizagem na


Educação Infantil. Psicologado, 2019. Disponível em: < https://psicologado.com.br/psicologia-geral/desenvolvi-
mento-humano/a-psicomotricidade-como-facilitadora-no-processo-de-ensino > Acesso em 12 de abril de 2020.

GUERSON, Milena. Ana Mae Barbosa e Luigi Pareyson – Um Diálogo em prol de “Re-significações” sobre Ensino/
Aprendizagem de Artes Visuais. Existência e Arte, Revista Eletrônica do Grupo PET – Ciências Humanas, Estética e
Artes da Universidade Federal de São João Del-Rei, ano V, nº V, jan/dez de 2010, p. 11. Disponível em: < https://
ufsj.edu.br/portal2-repositorio/File/existenciaearte/Edicoes/5_Edicao/ana_mae_brasosa_e_luigi_pareyson__mile-
na_guerson_milena_guerson.pdf > Acesso em: 11 de abril de 2020.

LICHTENSTEIN, Jacqueline. A Pintura – Textos Essenciais. Ed. 34, vol. 09, 2006, p. 48.

LOWENFELD, Viktor e BRITTAIN, W.L. Desenvolvimento da capacidade criadora. Editora Mestre Jou, São Paulo,
1977, p. 39-40.

MARCELINO, E. P. A escola vai ao baile? Possíveis relações entre dança e educação física na escola. Disponível
em < http://www3.mackenzie.br/editora/index.php/remef/article/viewFile/1898/1371. > Acesso em 12 de abril
de 2020.

MARINHO, Hermínia Regina Bugeste. Pedagogia do movimento: universo lúdico e psicomotricidade. Editora Ibpex,
Curitiba, 2007, p. 39.

MARTINS, C. A. Práticas Educativas Digitais: Uma História, Uma Perspectiva. Dissertação (Mestrado). Programa
de Pós Graduação Educação Brasileira da Universidade Federal do Ceará. Fortaleza, 2011, p. 35.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 474


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MARTINS, Mirian Celeste Ferreira Dias; PICOSQUE, Gisa; GUERRA, M. Teresinha Telles. Didática do ensino da
arte: A língua do mundo: Poetizar, fruir e conhecer arte. Editora FTD, São Paulo, 1998, p. 14.

OSTROWER, Fayga. Universo da Arte. Editora da Unicamp. Campinas, 2013, p. 123.

PIRES, E. Proposta Curricular da Educação Infantil. Prefeitura Municipal de Campinas, Campinas, 2009, p. 47.

REIS, Andreia Rezende Garcia; REZENDE, Ulisses Belleigoli; RIBEIRO, Marianna Panisset Pedreira Ferreira. A
Música e o Desenvolvimento Infantil: O Papel da Escola e do Educador. Revista Eletrônica da Faculdade Meto-
dista Granbery. Edição nº 12, jan/jun de 2012. Disponível em: < https://s3.amazonaws.com/academia.edu.docu-
ments/44157363/A_IMPORTANCIA_DA_MUSICA_NA_INFANCIA.pdf?response-content-disposition=inline%3B%20
filename%3DA_MUSICA_E_O_DESENVOLVIMENTO_INFANTIL_O.pdf > Acesso em: 16 de abril de 2020.

SANTOS, Maria Alice Amaral dos Costa, Zuleika. A Arte na Educação Infantil: sua Contribuição para o Desenvol-
vimento. XV Seminário Internacional de Educação. Educação e Interdisciplinaridade. Recursos Teóricos e Metodo-
lógicos, Anais XV, 2016. Disponível em: < https://www.feevale.br/hotsites/seminario-internacional-de-educacao/
edicoes-anteriores > Acesso em: 14 de abril de 2020.

SILVA, Tomaz T. O que produz e o que reproduz em educação: ensaios de sociologia da educação. Editora Artes
Médicas, Porto Alegre, 1992, p. 71.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 475


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade Cruzeiro


do Sul (2016); Especialista em Educação Infantil
pela Faculdade Campos Elíseos. Professora de
Educação Infantil – no CEI Samir Rachid Saliba.

MARASILVIA JORGE

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 476
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A APRENDIZAGEM E AS PRÁTICAS ESCOLARES VOLTADAS À


ALFABETIZAÇÃO E AO LETRAMENTO

RESUMO: Este artigo traz uma revisão de bibliografia cujo tema está voltado às práticas escolares
em alfabetização e letramento e a aprendizagem significativa. Podemos elencar como objetivos
para este estudo abordar os principais conceitos sobre os temas alfabetização e letramento,
apresentar possibilidades de práticas escolares significativas neste contexto e elencar os
principais fatores que contribuem para a aprendizagem nos contextos das práticas de letramento.
Este estudo se justifica pela importância do tema nos contextos escolares e na formação docente.
A interação com as outras crianças e com os adultos são fatores que influenciam de maneira
positiva a aprendizagem da escrita. Para alfabetizar a criança é preciso levar em consideração
a sua história de letramento, os aspectos políticos e também proporcionar o vínculo da família
com a escola. Os papéis da escola e da família se distinguem quanto a sua função, a família tem
um lado mais afetivo, sem sistematização, quanto a escola tem métodos sistemáticos, normatiza
a escrita e oferece oportunidades de contextualizar de acordo com usos sociais. A linguagem
possui um papel fundamental no processo de desenvolvimento infantil, a criança nesta fase
precisa se apropriar de formas de comunicação não verbais para se expressar, antes de dominar
os códigos da escrita. Com esta apropriação de significados o sujeito apreende o conhecimento
de sua cultura, o que contribui em seu processo de desenvolvimento.

Palavras-chave: Letramento; Alfabetização; Práticas Escolares; Aprendizagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 477


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
ste artigo traz uma revisão bibliográfica cujo tema está voltado às práticas esco-
lares em alfabetização e letramento e a aprendizagem significativa.
Podemos elencar como objetivos para este estudo abordar os principais
conceitos sobre os temas alfabetização e letramento, apresentar possibilidades de práticas
escolares significativas neste contexto e elencar os principais fatores que contribuem para a
aprendizagem nos contextos das práticas de letramento. Este estudo se justifica pela impor-
tância do tema nos contextos escolares e na formação docente.
Nos novos cenários educacionais o letramento digital, assim como a cultura digital
requerem novas práticas letradas que demandam um trabalho participativo e colaborativo.
As redes sociais são um exemplo claro da potencialidade de interação na tecnologia digital.
Nesses espaços virtuais é possível uma participação efetiva entre as pessoas e o objetivo
destas redes sociais é a troca de informação e a colaboração entre as pessoas, além do
entretenimento que está vinculado a tais redes.
O espaço escolar dedicado ao ensino da leitura contribui de maneira significativa para
a construção do ambiente alfabetizador e para o processo de alfabetização na perspectiva
do letramento. O ambiente deve ser acolhedor para que os estudantes possam usufruir dos
espaços de maneira prazerosa e os materiais devem estar à disposição para que eles possam
realizar as suas escolhas com autonomia.
É importante que os livros escolhidos para compor este local, sejam apropriados para
a faixa etária dos estudantes e atrativos para que a aprendizagem seja significativa.
Atualmente as propostas de ensino propõe atividades sociais de aprendizagem, as
práticas de alfabetização devem partir da realidade da criança até chegar ao conhecimento
formal da linguagem, a criança constrói e aprende a partir do que é ensinado, com atividades
práticas e contextualizadas.
Cabe à escola e ao professor proporcionar tais situações e o ambiente alfabetizador
é um grande facilitador neste processo e pode ser entendido como um espaço no qual as
práticas de leitura e escrita acontecem e que a cultura letrada permeia as ações, com a uti-
lização de diferentes materiais e com a promoção de aprendizagens diferenciadas, sempre
permeadas pelos contextos da cultura letrada.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 478


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONTEXTOS DE APRENDIZAGEM Dissociar alfabetização de letramento é


E AS PRÁTICAS ESCOLARES DE um equívoco porque, no quadro das atu-
ais concepções psicológicas, linguísticas
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO e psicolinguísticas de leitura e escrita, a
Di Nucci (2005, p.62) afirma que a entrada da criança (e também do adulto
analfabeto) no mundo da escrita se dá
maioria dos indivíduos acredita que é em
simultaneamente por esses dois proces-
casa que naturalmente se aprende a língua sos: pela aquisição do sistema conven-
materna. Durante muito tempo compreendi cional de escrita – a alfabetização, e pelo
que a aprendizagem da língua estava ligada desenvolvimento de habilidades de uso
a imitação das crianças ao adulto. desse sistema em atividades de leitura e
escrita, nas práticas sociais que envolvem
Mas recentemente pesquisas sugerem a língua escrita – o letramento. Não são
que as crianças aprendem a partir da inte- processos independentes, mas interde-
ração com a linguagem e as necessidades pendentes, e indissociáveis: a alfabetiza-
sociais. Di Nucci destaca que a descoberta ção se desenvolve no contexto de e por
da escrita, pela criança, ocorre muito antes meio de práticas sociais de leitura e de
do ingresso escolar, ela desenvolve aprendi- escrita, isto é, através de atividades de
zagens significativas conforme interage com letramento, e este, por sua vez, só pode
eventos de letramento de sua cultura, elabora desenvolver-se no contexto da e por meio
da aprendizagem das relações fonema/
hipóteses sobre a função da escrita a partir grafismo, isto é, em dependência da alfa-
do conhecimento que tem da língua oral. betização (SOARES, 2004, p.14).
Silva; Duarte (2013) enfatiza que tais Soares (2004) afirma que o processo
questões nos levam a pensar sobre os es- de alfabetizar e letrar são facilmente confun-
paços disponíveis na escola e como tais es-
didos, porém sua distinção se faz necessá-
paços são utilizados de forma a promover
ria para o campo pedagógico sem deixar de
a aprendizagem. Neste sentido, o professor
deve criar condições e situações de aprendi- compreender que ambas se complementam.
zagem diferenciadas no sentido de contribuir Alfabetização é a aquisição da escrita conven-
neste processo. Pensar sobre os espaços e cional, enquanto letramento é a capacidade
materiais e sobre a forma de trabalho com o de desenvolvimento de habilidades no uso da
ambiente alfabetizador não é tarefa simples e leitura e escrita em práticas sociais. Partindo
é preciso que o professor tenha consciência da necessidade de se nomear essas práticas
do seu papel enquanto facilitador da aprendi- que vão muito além do domínio alfabético e
zagem dos alunos. ortográfico no uso da língua escrita.
Vygotsky (1994) enfatiza que a ativida- A Educação Infantil é definida como
de lúdica reafirma sua importância nos pro- a primeira etapa da Educação Básica e se
cessos de aprendizagem, enquanto brinca a constitui em uma etapa de fundamental im-
criança cria papéis e representa papéis, imi- portância para a construção do conhecimen-
tando os adultos e as funções que desen- to infantil, nesta etapa de escolarização são
volvem no cotidiano, com essas imitações a constituídas experiências significativas e faci-
criança aprende a trocar experiências e am- litadoras da aprendizagem de uma maneira
pliar sua capacidade intelectual, pois o pro- global, contribuindo para o desenvolvimento
cesso de interação permite não apenas o con- integral da criança.
vívio social e a ampliação do universo infantil.
A interação entre os pares proporciona ações
de troca, mediação de diferenças e contato
com a diversidade:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 479


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ambiente alfabetizador pode ser en- Com esta apropriação de significados


tendido como um espaço no qual as práticas o sujeito apreende o conhecimento de sua
de leitura e escrita acontecem e que a cultura cultura, o que contribui em seu processo de
letrada permeia as ações, com a utilização desenvolvimento. Para que as crianças con-
de diferentes materiais e com a promoção de sigam efetivar as práticas de escrita e leitura
aprendizagens diferenciadas, sempre perme- é necessário que algumas habilidades indivi-
adas pelos contextos da cultura letrada. duais estejam presentes e o contexto de uso
das linguagens também deve ser considerado
As garatujas são as formas de expres- neste sentido. Os usos da língua se diferem
são da criança, ela transforma o que observa em contextos e culturas diferentes e mudam
em aprendizado, repetindo as ações que têm de uma sociedade para outra.
contato e as práticas que vivencia observan-
Di Nucci (2005, p. 63) enfatiza que para
do os adultos e as ações que se estabele-
aprender a ler e a escrever é necessário a
cem em ambientes letrados. Vygotsky (1994) observação dos contextos, dos objetos, além
afirma que as manifestações gráficas que a do agir sobre as ações e da organização do
criança cria são os precursores da escrita, pensamento, o conhecimento se inicia com as
os rabiscos, as marcas e os desenhos das ações das próprias crianças nos momentos
crianças, durante as atividades dirigidas ou de aprendizagem e interação.
brincadeiras espontâneas, são expressões
em momentos diferentes do processo de de- O indivíduo precisa ter a capacidade de
senvolvimento da criança em relação à lingua- se expressar de maneira oral e escrita e para
que isso ocorra é preciso o conhecimento dos
gem escrita:
padrões de linguagem presentes em nossa
[...] a atitude do (a) professor (a) diante sociedade e que o sujeito tenha consciência
do conhecimento e das crianças, é uma da importância do domínio da língua para atu-
construção social. Para ela, a brincadei- ar de maneira eficaz na sociedade.
ra é uma qualidade da relação que um
indivíduo estabelece com os objetos do O cotidiano da criança traz conhecimen-
mundo externo, constituindo-se uma in- tos que devem ser considerados na escola
tersecção nascida entre o mundo subje- e utilizados como ponto de partida para a
tivo e a realidade externa ao indivíduo e proposição de atividades considerando as di-
possibilitando-lhe uma experiência criativa
ferentes hipóteses que elas já trazem sobre a
com o conhecimento. Essa síntese nos
leva ao crescimento, sejamos adultos ou linguagem e sobre a escrita.
crianças. Quando nos tornamos capazes As diferenças econômico-culturais in-
de agir reelaborando nossa experiência, fluenciam a história de letramento dos indi-
abrimos um canal de autonomia diante do
universo em que vivemos, junto aos nos-
víduos. Mas independente do contexto que
sos pares e, neste momento, nos torna- a criança está inserida, a criança deve ser
mos sujeitos de nossa história, de nossa ouvida pelos pais e professores, recebendo
vida, de nossos sonhos, de nosso chão informações adequadas que ajude a desen-
(ROSA, 2000, p. 21). volver as suas habilidades linguísticas.
A linguagem possui um papel funda- Os pais devem ouvir e compreender o
mental no processo de desenvolvimento in- que a criança está dizendo e quando hou-
fantil, a criança nesta fase precisa se apropriar ver necessidades orientá-la. Já na escola o
de formas de comunicação não verbais para professor deve orientar e auxiliar o aluno na
se expressar, antes de dominar os códigos construção da escrita, baseado nas informa-
da escrita. ções que tem sobre a estrutura da linguagem
materna. Di Nucci (2005, p.64):

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 480


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No cotidiano escolar cabe ao professor Klein (apud DI NUCCI, 2005, p. 68).


assumir o desafio e favorecer a descober- Essa ideia está relacionada à importância de
ta de muitos e variados eventos de leitura
alfabetizar letrando, ensinar a ler e escrever
e de escrita, transformando a sala de aula
em um ambiente alfabetizador e associar- através das práticas sociais de cada indiví-
-se ao sistema alfabético com a vivência duo. Alfabetizar letrando é o processo de al-
cotidiana de práticas reais de leitura e es- fabetização que está inserido num contexto
crita, criando condições que possibilitem mais amplo do letramento. Di Nucci (2005,
que seus alunos atuem como leitores e p. 68):
escritores desde o início da escolaridade
(SOARES, 2004, p. 22). Em situações cotidianas, particularmente
no ambiente familiar, o indivíduo compre-
Di Nucci (2005, p.65) afirma que com ende a variação da escrita, tornando-se
três anos de idade, a criança já adquiriu a usuário desta: a relação do sujeito com a
regra básica da sua língua, e já pode ser escrita implica o uso funcional que ele faz
considerado um falante competente da sua desse objeto. O letramento ocorre natural-
mente na rotina cotidiana da família, por
comunidade linguística. Ao entrar na esco- meio de diferentes eventos, como o uso
la já consegue entender e falar a língua da de desenhos ou de inscritos para troca de
sociedade em que está inserida, com preci- ideias, fazer listas de compras, localizar
são, mesmo não estando alfabetizado. Pois, endereços, ler revistas ou jornais, etc. (DI
dispõe de um vocabulário e de regras gra- NUCCI, 2005, p. 62).
maticais, que foi adquirida no contato com a Um dos desafios da Educação Infan-
linguagem, o que caracteriza como um falante til é o de democratizar o acesso às práticas
nativo. sociais da leitura e da escrita que estão pre-
Soares (2003) afirma que o processo sentes em nossa sociedade, permitindo que
pedagógico acontece por meio de diversas sejam criados espaços de aprendizagens no
disciplinas curriculares dos anos iniciais, con- qual a criança possa apropriar-se de tais co-
siderando que toda proposta apresentada ao nhecimentos, neste sentido, torna-se de fun-
currículo da criança faz parte do ensino e damental importância a construção de um
aprendizagem conhecido como sistema alfa- ambiente letrado que permita o acesso a to-
bético da escrita. das as crianças a tais aprendizagens.

Para ensinar uma criança a ler e escre- É preciso que a criança seja convidada
ver, o processo consiste mais ou menos no a pensar sobre a leitura e a escrita sem o
mesmo caminho de seu desenvolvimento, é propósito de alfabetização, de maneira lúdica
necessário realizar repetitivas ações para que e ampliando gradativamente a construção de
se assimile o que se quer ensinar, completan- suas hipóteses.
do assim o processo de alfabetização. Di Nucci (2005, p. 65) faz uma crítica
Atualmente as propostas de ensino sobre a escola e a questão da variação lin-
propõe atividades sociais de aprendizagem, guística, para ela a escola não considera a va-
as práticas de alfabetização devem partir da riação linguística e o uso da língua pela comu-
realidade da criança até chegar ao conheci- nidade falante. Para compreender a aquisição
mento formal da linguagem, a criança constrói da escrita é necessário valorizar as variações
e aprende a partir do que é ensinado, com linguísticas, pois o indivíduo transfere para es-
atividades práticas e contextualizadas. Cabe crita marcas da oralidade usada no cotidiano.
à escola e ao professor proporcionar tais si-
tuações.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 481
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Na nossa língua têm diversas lingua- entre linguistas e educadores e o enfoque é


gens, que caracteriza os diferentes dialetos a valorização do uso da escrita através do
regionais (paulista, gaúcho, baiano etc.) e cotidiano.
sociais (caipira, culto, popular, etc.). Asso-
A valorização do indivíduo que está in-
ciam-se às variedades linguísticas não cultas
serido em uma sociedade letrada e busca eli-
os grupos de falantes que não pertencem a
minar a ideia de que a alfabetização possibilita
nenhuma classe dominante.
condições para o desenvolvimento cognitivo,
A alfabetização é pautada na língua ma- social e cultural da criança, a alfabetização é
terna, e apoiado nisso, pensa-se que tem uma a forma de letramento que ocorre na escola.
ligação com a aquisição de linguagem. Po-
O Letramento Escolar está relacionado
rém, ao pensar em linguagem, somos reme-
às práticas do cotidiano da criança, cabe ao
tidos, imediatamente, ao significado dado ao
professor valorizar os conhecimentos dos alu-
termo pelo dicionário. Segundo o dicionário
nos e trabalhar com atividades contextualiza-
Aurélio: “Linguagem é a expressão do pensa-
das que se relacione com a sociedade em
mento pela palavra, pela escrita ou por meio
que as crianças estão inseridas, esta prática
de sinais, é o significado de cada coisa, a voz
facilitará o ensino e aprendizagem dos alunos:
dos animais, estilo, conjugação dos verbos”:
A alfabetização é um processo de repre-
Os teóricos do construtivismo consta-
sentação de fonemas em grafemas, e vice
tam que o aluno é sujeito de sua própria
e versa, mas também é um processo de
aprendizagem, o que equivale a dizer que
compreensão/expressão de significados
ele atua de modo inteligente em busca
por meio do código escrito; pois não pode
da compreensão do mundo que o rodeia,
ser considerada “alfabetizada” uma pes-
automaticamente estão dando uma gran-
soa que somente é capaz de decodificar
de “dica” aos educadores, e lançando
símbolos visuais em símbolos sonoros,
também um grande desafio. É como se
“lendo”, por exemplo, sílabas ou palavras
dissessem: “sejam centro do processo
isoladas, como também não se conside-
de ensino; criem, junto com os alunos,
raria ´´alfabetizada`` uma pessoa inca-
os seus próprios caminhos; descubram
paz de, por exemplo, usar adequadamen-
alternativas pedagógicas em sala de aula”
te o sistema ortográfico de sua língua, ao
(ROSA, 2000, p. 41).
expressar-se por escrito (SOARES, 2004,
Neste sentido é preciso discutir e definir p.16).
os aspectos sobre a alfabetização e o uso da Vygotsky (2009) enfatiza que o apren-
língua, bem como o processo de apropriação der a ler e a escrever enquanto uma habi-
dos sistemas de ensino alfabético e a neces- lidade motora difere-se que ler e escrever
sidade de uma alfabetização que abandone enquanto uma atividade cultural complexa, a
a concepção de simples decodificação de leitura e a escrita precisam tornar-se necessá-
símbolos para uma alfabetização que permita ria à criança para que ela seja capaz de apro-
um aprendizado em que o contexto social é priar-se deste processo, para as crianças pe-
levado em consideração e em que as práticas quenas, num primeiro momento, a oralidade
efetivas na cultura letrada sejam efetivadas de basta para se comunicar e antes de aprender
maneira eficaz. códigos escritos, a criança precisa entender
O sujeito alfabetizado e letrado deve sa- para que estes códigos servem e porque são
ber atuar nas ações cotidianas e fazer uso da necessários.
escrita e da leitura de maneira competente.
Di Nucci (2005, p. 70) afirma que atualmente
o letramento está sendo bastante discutido
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 482
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Di Nucci (2005, p.64) enfatiza que o Os recursos devem ultrapassar a lógica


letramento escolar são eventos de letramento de decoração escolar e se tornar algo vivo,
no contexto escolar, construídos através da que contribua para a interação das crianças
interação entre professor e aluno, para que e para a construção de suas aprendizagens
o aluno consiga relacionar a importância do voltadas às práticas de alfabetização e letra-
letramento em sua alfabetização e as neces- mento.
sidades do uso da escrita no seu cotidiano.
Com as crianças menores, é comum a
Através de atividades contextualizadas proposição de práticas que envolvam o tato,
que se relacione com o seu cotidiano. (exem- a criança aprende com os sentidos e os ma-
plo: brincar de supermercado exige a leitura
teriais devem ser explorados e permitir uma
de produtos e a escrita da lista de compras),
interação e manuseio seguro para as crian-
assim o aluno irá identificar o uso da escrita
ças, com materiais de qualidade e adequados
de acordo com suas necessidades.
à faixa etária.
Os materiais disponibilizados para as
crianças em sala de aula devem estar em Se um material não perde as suas ca-
locais que facilitem o acesso e a exploração racterísticas e não se desgasta com o ma-
dos mesmos, contribuindo para que a criança nuseio das crianças, é sinal de que não está
seja capaz de utilizar tais objetos de maneira sendo explorado e sim está posto como algo
autônoma e a favor de sua aprendizagem. decorativo.
A fixação de cartazes e outros portado- Na rotina escolar pode ser utilizado um
res textuais devem prever os aspectos estéti- quadro com a escrita da rotina diária elen-
cos além da grafia, respeitando a faixa etária cando quais serão as atividades proporcio-
da clientela atendida neste contexto educa- nadas no dia com as crianças. Mesmo para
tivo. Os materiais e objetos de um ambiente a criança que ainda não está alfabetizada é
alfabetizador trarão melhores resultados se fundamental o acesso aos mais variados ma-
forem pensados para a criança, no favoreci- teriais escritos para que possam adquirir as
mento de sua autonomia e na contribuição primeiras informações sobre o funcionamento
para a construção de aprendizagens signifi- do sistema alfabético e compreender a fun-
cativas, além destes aspectos tais materiais ção da escrita.
devem ser atraentes para despertar a curiosi-
dade das crianças: É de fundamental importância na cons-
trução de um ambiente alfabetizador a exposi-
[...] da mesma forma, a criança que ain-
da não se alfabetizou, mas já folheia li- ção de materiais escritos nas paredes, como
vros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve a lista de nomes das crianças que contribui
histórias que lhe são lidas, está rodeada para que elas possam identificar e aprender
de material escrito e percebe seu uso e sobre as palavras e reconhecer o seu nome e
função, essa criança ainda é analfabe- de seus colegas, mesmo não tendo se apro-
ta porque ainda não aprendeu a ler e a
priado das práticas de leitura.
escrever, mas já penetrou no mundo do
letramento, já é, de certa forma, letrada As cantigas e parlendas são exemplos
(SOARES, 2004, p. 24). de atividades que compõem o cenário alfabe-
Todos os recursos que são disponibili- tizador, podem ser afixadas em sala de aula
zados no ambiente educativo, não devem ser para tornar o ambiente rico em palavras e
neutros, devem ter uma finalidade específica contribuir para que a criança possa observar
e deve ser pensado para o contexto de apren- e pensar sobre a escrita e a leitura. As listas
dizagem em que se apresenta. de palavras também são recursos que o am-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 483
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

biente alfabetizador deve abarcar podem ser importante que os livros escolhidos para com-
construídos com a ajuda das crianças e o por este local, sejam apropriados para a faixa
professor atua como escriba, a criança apren- etária dos estudantes e atrativos para que a
de com a observação dos gestos do adulto aprendizagem seja significativa.
e cria as suas hipóteses sobre a linguagem.
Um indivíduo é capaz de fazer uso so-
A leitura e a escrita de textos se cons- cial da escrita, e estar inserido em um contex-
tituem atividades que devem ser exploradas to social, mesmo sem ter tido acesso a uma
nos diferentes contextos de alfabetização, os Instituição formal, para a construção deste
textos devem ser escolhidos considerando o conhecimento. “Com o desenvolvimento das
interesse, a faixa etária e o contexto social e sociedades, o domínio da escrita passou a
familiar dos estudantes, aproximando-os da ser uma necessidade emergente, o que levou
leitura. Com a leitura, a criança passa a cons- a alfabetização a assumir gradualmente um
truir as suas hipóteses e aprende com mais papel social essencial” (DI NUCCI, 2005, p.
significado partindo de temas de interesse e 48).
relacionados ao seu cotidiano:
Analisando as novas concepções sobre
Existem duas maneiras de se ensinar Letramento e Alfabetização, temos que o alu-
a leitura e a escrita. A primeira maneira no deve ser capaz de ler e produzir textos e
chamará de Alfabetização Restringida e
o trabalho docente deve estar pautado em
a segunda de Alfabetização Generaliza-
da. A primeira geralmente vem associa- alcançar tais objetivos em todas as etapas
da à aprendizagem do ensino do código de escolarização, enquanto que no modelo
alfabético e a outra está mais associada tradicional de ensino, essa preocupação res-
ao uso social deste código (TEBEROSKY, tringia-se apenas as primeiras séries.
1985, p. 34).
Com as novas propostas de alfabetiza-
A escrita surgiu a cerca de 5.000 antes ção as instituições foram obrigadas a rever as
da era cristã e durante muitos anos esteve suas práticas e as suas concepções em torno
associada às relações de poder e as práticas de seus projetos e ações que são desenvol-
religiosas, impedindo que todos os cidadãos vidos no ambiente escolar:
tivessem acesso.
Há crianças que chegam à escola saben-
Com as crescentes mudanças que do que a escrita serve para escrever coi-
ocorreram nas sociedades em seus diversos sas inteligentes, divertidas e importantes.
segmentos, o domínio da escrita foi se tornan- Essas são as que terminam de alfabetizar-
-se na escola, mas começaram a alfabeti-
do fundamental e indispensável no cotidiano,
zar muito antes, através da possibilidade
impulsionando as transformações. de entrar em contato, de interagir com a
língua escrita. Há outras crianças que ne-
O espaço dedicado à leitura também
cessitam da escola para apropriar-se da
contribui de maneira significativa para a cons- escrita (FERREIRO, 1999, p.23).
trução do ambiente alfabetizador e para o
processo de alfabetização na perspectiva do Silva (2002) destaca que a união do
letramento. processo de alfabetização e o letramento pos-
suem esta função na vida do educando, pois
O ambiente deve ser acolhedor para ao alfabetizar e letrar o indivíduo, cumpre-se
que os estudantes possam usufruir dos espa- o papel social da alfabetização, que se condi-
ços de maneira prazerosa e os materiais de- ciona ao processo de construção da cidada-
vem estar à disposição para que eles possam nia. Ensinar envolve uma compreensão muito
realizar as suas escolhas com autonomia. É ampla que vai além dos espaços de sala de
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 484
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

aula e das atividades que são desenvolvidas A leitura constitui uma ação necessá-
pelos estudantes. ria para a formação integral do sujeito e visa
atender a diversas finalidades. O conteúdo da
O professor, os estudantes e a esco-
leitura normalmente está ligado à decifração
la se unem em contextos globais e tais con-
da escrita, de sinais gráficos, e ambos são
textos vão interferir diretamente no processo
considerados instrumentos de comunicação
educacional e devem ser considerados tanto
entre as relações humanas. A necessidade
na execução como na elaboração das práti-
das pessoas utilizarem a comunicação escri-
cas de ensino.
ta aumenta logo após a Revolução Industrial
A interação com as outras crianças e Francesa, em razão do desenvolvimento so-
com os adultos são fatores que influenciam cial, econômico e político:
de maneira positiva a aprendizagem da escri- O letramento abrange o processo de de-
ta. Para alfabetizar a criança é preciso levar senvolvimento e o uso dos sistemas da
em consideração a sua história de letramento, escrita nas sociedades, ou seja, o desen-
os aspectos políticos e também proporcionar volvimento histórico da escrita refletindo
o vínculo da família com a escola. outras mudanças sociais e tecnológicas,
como a alfabetização universal, a demo-
Os papéis da escola e da família se dis- cratização do ensino, o acesso a fontes
tinguem quanto a sua função, a família tem aparentemente ilimitadas de papel, o sur-
um lado mais afetivo, sem sistematização, gimento da internet (KLEIMAN, 2005, p.
25).
quanto a escola tem métodos sistemáticos,
normatiza a escrita e oferece oportunidades Segundo Soares (2009) os rabiscos, os
de contextualizar de acordo com usos sociais. jogos, os desenhos e as brincadeiras desen-
volvidas na educação infantil são considera-
O letramento pressupõe e possibilita no-
dos práticas alfabetizadoras e o lúdico deve
vas formas de inserção cultural relacionado
estar presente em todas as ações, utilizado
aos aspectos individuais e sociais, na dimen-
como um instrumento norteador das práticas
são individual, o sujeito é que detém as habi-
no contexto da alfabetização e do letramento.
lidades individuais necessárias para a leitura
e a escrita e na dimensão social, temos o Nas atividades que as falas e questiona-
contexto e as práticas contextualizadas como mentos das crianças são acolhidos, como por
facilitadores da aprendizagem. exemplo quando falam sobre as suas escritas
e rabiscos, passam a assimilar conceitos que
Teberosky (1999) destaca em suas pes-
utilizarão posteriormente na decodificação da
quisas sobre a língua escrita que a aprendiza-
escrita.
gem passa por diversos níveis de estruturação
do pensamento, o estudante cria hipóteses As parlendas, as cantigas de roda, os
que irão auxiliar na aquisição da escrita e da poemas e as diferentes atividades relaciona-
leitura, e estas hipóteses se concretizam de das à leitura podem influenciar positivamente
acordo com o nível de desenvolvimento que a criação de conceitos e a compreensão do
o estudante se encontra. sistema alfabético.
A autora destaca ainda que a criança Soares (2009) afirma em seus estudos,
passa por cinco níveis até ser considerada al- que os jogos relacionados ao desenvolvimen-
fabética e a passagem destes níveis depende to da consciência fonológica são grandes
de incentivos externos, que podem ocorrer na auxiliares para desenvolver as condições ne-
escola e em casa. cessárias para tal apropriação por parte das
crianças, o ensino das letras deve acontecer
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 485
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

gradualmente e garantir a assimilação dos PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS


novos conceitos e conteúdos sobre a escrita,
pela criança: Esta pesquisa trata de uma revisão bi-
bliográfica de proposta reflexiva voltada ao
Cabe aos professores monitorar a apro-
priação do conhecimento e a socialização
tema: práticas escolares em alfabetização e
para preservar a cultura. Cabe a eles tam- letramento e a aprendizagem significativa. A
bém reconhecer o movimento da lingua- pesquisa bibliográfica busca descobrir aquilo
gem que ocorre em diferentes situações que já foi escrito e produzido de maneira cien-
de interação pela palavra escrita conside- tífica por outros autores, tornando o aprendi-
rando as variações linguísticas (DI NUCCI, zado mais maduro com novas descobertas
2005, p. 66).
nas mais diversas áreas do conhecimento.
Di Nucci (2005) ressalta ainda que o ato Com o avanço das tecnologias de informa-
de ler está relacionado a variadas situações, ção, a pesquisa na Internet e em bases de
não apenas aos livros, é possível ler uma ati- dados que possuem credibilidade científica,
tude, um olhar ou gesto, o sentido também é muito utilizada como mecanismo de busca
atua no ato de ler. Para a autora, o ato de ler para localização do material bibliográfico.
e escrever vai além da decodificação e deve
fazer parte do contexto das crianças para que Para atingir os objetivos deste estu-
seja uma prática de aprendizagem efetiva. do utilizamos as contribuições de Di Nucci
(2005), Soares (2009), Ferreiro (1999), den-
O letramento digital nos traz maneiras tre outros. Nesta pesquisa foram analisados
distintas de pensar e agir com os sistemas
alguns artigos e outros trabalhos científicos
de informação e com a interatividade que o
que discutem e apresentam reflexões e su-
ambiente digital proporciona. O leitor deve
gestões que podem contribuir para uma maior
assumir um novo papel pois o amplo acesso
à informação modifica as formas de comuni- compreensão da temática apresentada neste
cação. artigo e foi possível constatar que o letramen-
to pressupõe e possibilita novas formas de
A sociedade que convive mais perto inserção cultural relacionado aos aspectos
dos computadores, adquire novas maneiras individuais e sociais, na dimensão individual,
de agir e o comportamento leitor e escritor o sujeito é que detém as habilidades indivi-
também é modificado. Tais práticas de letra- duais necessárias para a leitura e a escrita e
mento requerem o desenvolvimento de algu- na dimensão social, temos o contexto e as
mas habilidades específicas voltadas ao con-
práticas contextualizadas como facilitadores
texto tecnológico e as modalidades utilizadas
da aprendizagem.
neste tipo de letramento.
O letramento digital, assim como a cul-
tura digital requerem novas práticas letradas
que demandam um trabalho participativo e
colaborativo. As redes sociais são um exem-
plo claro da potencialidade de interação na
tecnologia digital. Nesses espaços virtuais
é possível uma participação efetiva entre as
pessoas e o objetivo destas redes sociais é
a troca de informação e a colaboração entre
as pessoas, além do entretenimento que está
vinculado a tais redes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 486


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para um aprendizado eficaz o estudante precisa ter a capacidade de se expressar de
maneira oral e escrita e para que isso ocorra é preciso o conhecimento dos padrões de lingua-
gem presentes em nossa sociedade e que ele tenha consciência da importância do domínio
da língua para atuar de maneira eficaz na sociedade.
O cotidiano da criança traz conhecimentos que devem ser considerados na escola e
utilizados como ponto de partida para a proposição de atividades considerando as diferentes
hipóteses que elas já trazem sobre a linguagem e sobre a escrita.
Com base nas novas concepções sobre Letramento e Alfabetização podemos enfatizar
que o aluno deve ser capaz de ler e produzir textos e o trabalho docente deve estar pautado
em alcançar tais objetivos em todas as etapas de escolarização, enquanto que no modelo
tradicional de ensino, essa preocupação restringia-se apenas as primeiras séries.
Com as novas propostas de alfabetização as instituições foram obrigadas a rever as
suas práticas e as suas concepções em torno de seus projetos e ações que são desenvolvi-
dos no ambiente escolar.
A partir do exposto fica claro que é preciso discutir e definir os aspectos sobre a alfa-
betização e o uso da língua, bem como o processo de apropriação dos sistemas de ensino
alfabético e a necessidade de uma alfabetização que abandone a concepção de simples
decodificação de símbolos para uma alfabetização que permita um aprendizado em que o
contexto social é levado em consideração e em que as práticas efetivas na cultura letrada se-
jam efetivadas de maneira eficaz. O sujeito alfabetizado e letrado deve saber atuar nas ações
cotidianas e fazer uso da escrita e da leitura de maneira competente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 487


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei 9.394 – 24 de dezembro de 1996. Lei de diretrizes e bases da educação nacional. Brasília: Ministério
da Educação. 1996.

DI NUCCI, Eliane Porto. Alfabetizar Letrando... um desafio para o professor! in LEITE, Sérgio Antônio da Silva (Org.).
Alfabetização e Letramento: contribuições para as práticas pedagógicas. Campinas: Komedi, 2005.

FERREIRO, Emília. Com Todas as Letras. São Paulo: Cortez, 1999.

KLEIMAN, Angela B. Preciso “ensinar” o letramento? Não basta ensinar a ler e escrever? Campinas: Cefiel – Uni-
camp. MEC, 2005.

ROSA, Sanny Silva da. Construtivismo e mudança. 5. ed. São Paulo: Cortez, 2000.

SILVA, Ezequiel T. Elementos de Pedagogia da Leitura. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

SOARES, M. B. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Ceale/ Autêntica, 2004.

______. Letramento e alfabetização: as muitas facetas. In: Reunião Anual da Associação Nacional de Pesquisa e
Pós Graduação em Educação. Caxambu: ANPED, 2009.

TEBEROSKY, Ana. A Psicogênese da língua escrita. 4. ed. São Paulo: Trajetória Cultural. Campinas: Editora da
UNICAMP, 1999.

VYGOTSKY. Lev Seminovich. Imaginação e criação na infância: ensaio sociológico. Tradução de Zoia Prestes. São
Paulo: Ática, 2009.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 488


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia, Pontifícia Universidade


Católica (2002); Graduação em História, Centro
Universitário de Araras (2008). Pós-graduação
Com Ênfase em Educação à Distância (2019).
Professora de Ensino Fundamental e Educação
Infantil trabalha no CEMEI Jardim Iporanga.

MARIA DAS GRAÇAS


REIS BOMFIM

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 489
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ENSINO HÍBRIDO E A EDUCAÇÃO INFANTIL

RESUMO: As escolas de Educação Infantil da cidade de São Paulo retomam as atividades


presenciais disponibilizando datas e orientações para o retorno. Enquanto isso, as instituições
de ensino se dedicam na análise e adoção de medidas para garantir uma retomada segura com
muitos protocolos para Educação Infantil, considerando as diferentes realidades e estruturas de
cada escola. Os professores começam a pensar em estratégias e quais práticas seriam viáveis
para retornar as aprendizagens sem comprometer a segurança das crianças e toda comunidade
escolar. Porém o maior desafio está em conciliar o ensino presencial e o remoto já que a
portaria da Secretaria do Municipal de Educação traz que somente 35% das crianças podem
ficar presenciais na escola.

Palavras-chave: Pandemia; Educação Infantil; Ensino Híbrido.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 490


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

C
om o avanço da pandemia de COVID 19 em 2020 foi implantado o teletrabalho
para os professores e a comunicação passou a ser por plataformas de ensino e
redes sociais. A Educação Infantil então passou por um processo de adaptação.
Os professores primeiramente tiveram que produzir atividades pedagógicas para as crianças
e contar com o auxílio dos pais para realização destas propostas.
Muita aprendizagem ocorreu, mas algumas perdas foram inevitáveis principalmente à
questão que o eixo norteador da Educação Infantil é a interação. As circunstâncias muitas ve-
zes foram desfavoráveis, falta de rede de internet, pais que voltaram trabalhar, falta de material
entre outros. Porém os professores se atentaram que era preciso que a família colaborasse e
o grande foco foi esta interação.
A Educação Infantil necessita garantir uma série de iniciativas em múltiplas dimensões,
assegurando um olhar sensível com relação às especificidades da faixa etária, que necessita
da interação e mediação por parte do professor. Agora em 2021 a rede municipal volta às
aulas com ensino híbrido. Somente 35% das crianças estarão presentes enquanto as outras
continuam com ensino remoto. E sobre esta volta que se pretende refletir. Como é algo nunca
presenciado traz o momento que todos estão compartilhando.
O ensino híbrido tomou proporções grandiosas como a solução para o retorno já nem
todas as crianças poderiam participar presencialmente devido a margem estabelecida no pro-
tocolo de retorno elaborado pela SME (Secretaria Municipal de Educação). Porém, muito mais
do que resolver o problema de unir aulas presenciais, nas instituições de ensino, e aquelas que
vão ocorrer no formato remoto, nas casas das crianças, o ensino híbrido é uma abordagem
que está inserida no rol de metodologias ativas. Isso quer dizer que há uma concepção da
criança protagonista, de aulas que valorizam o aprender a aprender, isto com ajuda da família.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 491


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

RETORNO ÀS AULAS: PROTOCOLOS E Entretanto, não pode-se esquecer de


SEGURANÇA que nossas crianças continuam sendo crian-
ças, e que Educação Infantil é a fase da afe-
Recentemente, ao tratar da reorganiza- tividade e das interações. Dessa forma, sim-
ção do calendário escolar de 2021, o Con- ples gestos, como o levar a mão à boca, usar
selho Nacional de Educação (CNE) fez reco- chupetas, dar abraços e pedir o colo dos pro-
mendações à volta das crianças menores, ou fessores, são comuns a essa faixa etária.
seja, a Educação Infantil.
Sendo assim começa-se um trabalho
A principal delas é que voltassem 35% de conscientização e adaptação a uma nova
das crianças presencialmente e que os edu- forma de interagir. Para isto necessita-se de
cadores estabelecem um canal de comunica- produzir planos e atividades que garantam a
ção com pais ou responsáveis, a quem devem segurança e aprendizagem.
orientar sobre o que fazer no período sem
aulas presenciais aquelas que estivessem em • Construir um plano de readaptação,
casa no ensino remoto como em 2020. O pai compartilhando com as famílias es-
pode optar na cidade de São Paulo a volta tratégias para auxiliarem os alunos
presencial ou não. E a Secretaria Municipal no processo de transição.
de Educação criou um documento protocolar • Estimular conversas com as crianças
para este retorno. para entender como elas estão e o
Para a volta às aulas com as crianças, que estão sentindo.
foi imprescindível a criação de um protocolo • Orientar as professoras como falar
de segurança que tem com foco na higiene e do cenário para que compreendam
distanciamento social. Quando se trata dessa o que está acontecendo, abordando
faixa etária, a atenção deve ser redobrada. temas relacionados aos hábitos de
Nesse sentido, A Secretaria Municipal de Edu- higiene e para que construam uma
cação recomenda-se algumas estratégias: rotina de higienização das mãos re-
• Priorização do uso de espaços ao forçando a sua importância.
ar livre para as atividades pedagó- • Sugerir atividades como a utilização
gicas; de máscaras em casa em um perí-
• Criação de kits individuais contendo odo do dia, assim, as crianças vão
materiais para atividades manuais, se acostumando dia após dia com
brinquedos e produtos de higiene o seu uso.
pessoal podem contribuir para ga-
rantir a segurança das crianças que Outro ponto de destaque é o olhar cui-
estão presenciais; dadoso para a replanejamento pedagógico.
O foco currículo na Educação Infantil são as
• Oferecer uma maior rotina de higie- garantias das aprendizagens essenciais, os
nização das áreas comuns; direitos de aprendizagem,  tendo como orien-
• Realizar a adequação dos espaços tadora a própria BNCC (Base Nacional Co-
físicos de acordo com o número de mum Curricular).
alunos por sala;
• Exigir o uso contínuo de máscaras
faciais em todas as dependências
da unidade de ensino.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 492
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para isso, é muito importante realizar Mesmo em meio a tantas mudanças,


atividades de sondagem para identificar o que entende-se que a escola ainda é um lugar
os alunos aprenderam no período de ativida- de socialização, sendo indissociável o nos-
des não presenciais. Além disso, a criação de so olhar para o cuidar e o educar, no qual
portfólios das atividades realizadas em casa o cuidado com o outro se faz presente no
ajudará os professores no acompanhamento ato de educar. Para conhecer as ferramentas
de cada criança. . e entender como podemos contribuir com a
volta presencial e o ensino remoto ao mes-
No entanto, nas primeiras semanas de
mo tempo é necessário entender como ele
retomada, o olhar dever-se-á voltar para o cur-
funcionará.
rículo humano, focando na ressocialização da
criança e em sua reconexão com o ambiente ENSINO HÍBRIDO NA EDUCAÇÃO
escolar, considerando, inclusive, o aspecto INFANTIL
sócio emocional dos alunos, das famílias, e
Os desafios impostos aos professores
dos professores, que certamente terão uma
durante a pandemia exigiram um profundo
carga emocional envolvida no retorno.
processo de reinvenção da rotina escolar e
O planejamento escolar, podemos in- das práticas pedagógicas. As privações foram
cluir ações que priorizem e intensifiquem o inúmeras: sonhos que foram postergados, ex-
trabalho em torno da adaptabilidade, como: pectativas que foram adiadas e um excesso
de falta presente, o que demanda um traba-
● Convidar as crianças a se expres-
lho psíquico bastante importante, afinal, não
sarem na construção de diários, nos quais
foi fácil lidar com a ausência daquilo que se
sejam registradas e compartilhadas suas ex-
esperava principalmente por causa do isola-
periências e sentimentos nos primeiros dias
mento que a pandemia trouxe.
de aula, valorizando o que cada criança pen-
sa e sente. . Quanto à Educação Infantil, as difi-
culdades se tornaram ainda maiores diante
● Promover momentos de conversa
da necessidade do trabalho remoto com as
para ouvir as famílias em um processo de
crianças que estão ainda em distanciamento
acompanhamento e orientação. É importante
social. Afinal, a Educação Infantil é uma fase
lembrar que, além dos impactos causados
delicada, na qual as emoções das crianças
pelas mudanças exigidas em um momento de
estão muito interligadas ao processo de ensi-
distanciamento social, muitas famílias podem
no e aprendizagem.
ter sofrido com impactos ainda mais profun-
dos, como a perda de entes queridos ou, até Também é nessa fase que os alunos
mesmo, com problemas financeiros. recebem as primeiras noções do que é um
ambiente escolar e começam a construir o
Sabe-se que não será uma retomada
seu próprio processo de aquisição de conhe-
de onde paramos, todos voltam diferentes.
cimento, desenvolvendo memórias e sensa-
Por isso, a principal preocupação deverá ser
ções que vão marcar toda a sua trajetória
com o cuidado na criação de condições que
como estudante.
garantam segurança às famílias no processo
de retorno à escola, atendendo às necessi-
dades de saúde e o acolhimento emocional
dos alunos, assim como de um espaço para
a reconstrução dos vínculos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 493


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Por isso, o planejamento pedagógico Além disso, essa jornada pelos novos
para esta fase precisa levar em considera- caminhos da educação durante a pandemia
ção as necessidades emocionais das crian- também trouxe aprendizados e consolidou o
ças, como o acolhimento, a confiança e o ensino híbrido como uma possibilidade e re-
aconchego. alidade em escolas públicas e particulares de
Talvez seja o momento de arregaçar as todo o país. Os professores devem estar pre-
mangas para uma construção coletiva que parados para realizar o acolhimento de todos
orgulhe e que chegue efetivamente a todas na Educação Infantil em tempos de ensino
as crianças do município. Os ambientes de híbrido.
aprendizagem não serão somente os espa- O QUE APRENDEMOS EM 2020 NA
ços escolares, os objetivos de aprendizagens EDUCAÇÃO INFANTIL?
para cada momento deve ser revisto. As crian-
ças que estão presentes têm a intervenção A pandemia é um cenário inédito na vida
direta do professor como mediador. Agora a da comunidade escolar. Com o isolamento
criança que está em ensino remoto necessita social ao longo de 2020, alunos que ainda
da ajuda de alguém próximo para realizar as estão aprendendo a decodificar o mundo le-
atividades. trado tiveram que se adaptar, rapidamente, a
Esta diferença pode sim ser um ponto um ambiente 100% digital.
a ser planejado. O uso das novas tecnologias
Além disso, alguns professores tiveram
muitas vezes não chega a todas as famílias,
que adquirir equipamentos específicos e mu-
por isso soluções precisam ser apresentadas
dar espaços da sua própria casa, para que os
como por exemplo a impressão das ativida-
des para que os pais possam buscar na es- alunos fossem recebidos no ambiente on-line
cola . O professor nesse momento deve ser com o menor impacto possível. Essas experi-
ouvinte e entender como facilitar a aprendiza- ências mostraram, também, que, apesar das
gem de todas as crianças, o eixo norteador dificuldades, aplicar a tecnologia na Educa-
do seu trabalho deve ser acolhido como foi ção Infantil é possível, desde que se utilize um
dito e assim organizar sua prática pedagógica conjunto de atividades e brincadeiras adequa-
para que as brincadeiras e interações aconte- das a essa etapa de aprendizagem.
çam. Quem são as crianças? Em que espaço
O período também foi marcado pelo in-
estão? Que materiais podem utilizar?
tenso aprimoramento profissional dos profes-
Após saber sobre as crianças, o profes- sores frente às Tecnologias de Comunicação
sor pode então utilizar deste conhecimento e Informação (Tics) e pela constatação de
para planejar suas atividades remotas e pre- que o ensino híbrido está a favor das suas
senciais .Mesmo estando distantes as intera- práticas pedagógicas. O fato é que a pan-
ções podem ocorrer através do brincar . demia apenas consolidou as tendências digi-
No entanto, mesmo com o isolamen- tais que vêm ocorrendo há tempos no campo
to social, dar conta de toda a complexidade da educação. Isto porque a sociedade está,
que envolve o ensino híbrido demanda esfor- cada vez, mais inserida na ideia de um ensi-
ços dos professores para adaptar planos de no híbrido que, além de proporcionar mais
aula, aprender novas tecnologias, e mediar o segurança à comunidade escolar em tempos
diálogo com a escola e famílias. E este esfor- de pandemia, também pode potencializar o
ços vão continuar ainda não se sabe quando aprendizado dos alunos.
poderemos ter novamente todas as crianças
juntas sem colocá-las em risco.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 494


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LACUNAS DE APRENDIZAGEM Por essas razões, alguns professores


tiveram dificuldades com novas tecnologias,
A pandemia trouxe aos docentes o de- porém o momento atual trouxe-lhes a oportu-
safio de lidar com lacunas de aprendizado em nidade de trabalhar intensamente as habilida-
todos os segmentos, incluindo no desempe- des sócio emocionais, como a empatia e a to-
nho das brincadeiras e interações na Educa- lerância, com as crianças e entre os próprios
ção Infantil. educadores. Além disso, o ensino híbrido na
Durante o período remoto, a defasagem Educação Infantil oferece ao docente a pos-
na aprendizagem devido às dificuldades emo- sibilidade de montar estratégias variadas e
cionais das crianças para lidarem com o iso- criativas, que colocam o aluno como protago-
lamento, que, em casos mais graves, pode ter nista do processo de ensino e aprendizagem.
gerado quadros depressivos e sentimentos Essa modalidade permite a personali-
de solidão motivados, principalmente, pelo zação das atividades de diversas maneiras.
afastamento da escola e dos colegas. Garantir o direito de aprendizagens tanto para
Nesse contexto de possíveis perdas, é os alunos que estão presenciais quanto para
papel dos professores e da equipe pedagó- aqueles que estão no ensino remoto.
gica responsável pela participação das crian- Tendo em vista que o brincar é um fa-
ças buscarem alternativas que substituam as cilitador de processos de desenvolvimento e
práticas exclusivamente presenciais. A dinâ- causa impactos na criança, é preciso obser-
mica de participação e discussão devem es- var como isso acontece no contexto familiar.
tar presentes, a família ao participar das brin-
cadeiras podem também trazer seu contexto O ambiente familiar é um dos primeiros
para o planejamento do professor. espaços de socialização da criança e atua
como um mediador de padrões e influências
Diante desse cenário, falar sobre as di- culturais. Nesse ambiente, é por meio do brin-
ficuldades encontradas e a dor vivida neste car que “a criança aprende a administrar e
momento se faz essencial. E é assim que tem- resolver os conflitos, a controlar as emoções,
-se buscado aproximar, de maneira cuidado- a expressar os diferentes sentimentos que
sa e respeitando a singularidade e o desejo constituem as relações interpessoais, a lidar
de cada um das crianças, para ouvi-las, para com as diversidades e adversidades da vida”
acolhê-las, para orientá-las neste período de (WAGNER et al., 1999 apud OLIVEIRA, 2020,
incertezas, medos e frustrações. Para driblar p. 27).
as dificuldades em plataformas tecnológicas
é necessário à união de esforços de famílias As medidas de contenção da pandemia
e professores para manter as crianças conec- da COVID-19 afeta o cotidiano das famílias e,
tadas. tão logo, o brincar. Contudo, mesmo durante
a prática do distanciamento social, com toda
a família em casa, vivenciar momentos de
brincar pode ser uma grande oportunidade
para novos aprendizados – tanto para crian-
ças como para os pais. Isso porque a ocupa-
ção do brincar permite não só a construção
das relações interpessoais e o processo de
autoconhecimento, mas também o contato
com a realidade e a interação com o mundo
(PIERRI; KUDO, 1990 apud OLIVEIRA, 2020).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 495
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nos processos de interações e brinca- Outro aspecto que faz da BNCC um ins-
deiras, o professor também atua como um elo trumento chave para a superação das barrei-
entre a escola e os alunos, devendo observar ras, as crianças podem aprender em todos
quando há desinteresse da criança nas ativi- os espaços e com materiais diversos esse
dades remotas ou, ainda, quando a família processo tornou-se o foco integral dos profes-
está encontrando dificuldades para acompa- sores da Educação Infantil, que aproveitando-
nhar as atividades. Para que esta parceria fun- -se destas experiências podem planejar suas
cione é preciso que os professores: aulas com auxílio dos familiares.
• Incentive as famílias a participarem Como a BNCC ( Base Nacional Comum
ativamente das aulas; Curricular ) pode auxiliar o professor durante
o processo do ensino híbrido na Educação
• Proponha que a criança tenha um
Infantil?
cantinho de leitura
Uma das principais características tra-
• Invista na contação de histórias;
zidas pela BNCC é a inovação das aprendi-
• invista em materiais tecnológicos, zagens através dos processos de interações
como os livros digitais; nos seus Campos de Experiências.
• monte atividades que resultem no A Base Nacional Comum Curricular es-
compromisso de devolvê-los nos tabelece cinco Campos de Experiência para
momentos presenciais, como, por a Educação Infantil, que indicam quais são as
exemplo: materiais que foram pro- experiências fundamentais para que a criança
duzidos em casa, desenhos e exer- aprenda e se desenvolva.
cícios.
Essa orientação, além de facilitar o
A BNCC NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM aprendizado traz a interdisciplinaridade, pos-
TEMPO DE PANDEMIA sibilita que o professor planeje situações que
envolvam todos os campos que enfatizam no-
A partir da implantação da Base Nacio- ções, habilidades, atitudes, valores e afetos
nal Comum Curricular (BNCC), ficou definido que as crianças devem desenvolver de 0 a 5
que na Educação Infantil seriam trabalhados anos e buscam garantir os direitos de apren-
os campos de experiências. Dessa forma, o dizagem das crianças, ou seja, o conhecimen-
documento trouxe o entendimento de que o to vem com a experiência que cada criança
aprendizado deveria ser através das experiên- vai vivenciar.
cias vivenciadas pelas crianças.
Todo eixo norteador dos Campos de
Assim, devem ocorrer com as brincadei- Experiências está ligado ao brincar.O profes-
ras e interações, com o intuito de fazer a pon- sor então deve buscar práticas que tragam
te das experiências de todas as linguagens estas brincadeiras para o ensino presencial e
das crianças e o brincar ocorre de maneira para aquelas crianças que estão em ensino
progressiva no caminhar da primeira infância remoto. O brincar é uma atividade essencial
e, neles, são priorizados materiais não es- e imprescindível na vida da criança, está inti-
truturados, que não tenham um viés de brin- mamente ligada à sua natureza, promovendo
quedo comercial preestabelecido. Assim, as o desenvolvimento integral, é indispensável
crianças ganham uma enorme gama de pos- para que possa ter uma vida saudável.
sibilidades de experimentação com materiais
de longo alcance.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 496


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As brincadeiras proporcionam às crian- O Currículo Integrador da Infância Pau-


ças as oportunidades de aprender regras, li- listana (SÃO PAULO, 2015) apresenta a possi-
mites, rotinas; facilita a socialização, interação bilidade de comunicar as vivências e aprendi-
e as trocas; favorece a memória, criatividade, zagens dos bebês e das crianças, valorizando
compreensão, imaginação e a cooperação; seu protagonismo, sua autoria e, também, o
identifica interesses, promove inúmeras habi- protagonismo docente. E é por meio da qua-
lidades importantes para o desenvolvimento lificação dos registros já realizados, de novas
infantil, além de favorecer a autoestima. Quan- proposições acerca desses e da reflexão so-
do a família brinca junto com a criança desen- bre as práticas, que almejamos o uso efetivo
volve também memórias afetivas. do conceito de aprendizagem. Então vê- se
a necessidade de mostrar a importância da
Assim ao planejar brincadeiras nas
participação da criança mesmo em tempo de
quais as famílias das crianças que estão em
distanciamento social.
ensino remoto o professor possibilitará o
aprendizado, a prática de novas competên- Outro aspecto importante como já ex-
cias, o desempenho dos mais variados pa- plicitado é manter o diálogo com as famílias
péis, estratégias cada vez mais sofisticadas e a sinergia entre todos os responsáveis pela
e elaboradas, trabalha a cooperação com os educação da criança. A Educação Infantil na
outros, formula e executa planos, e ao longo versão remota exigiu o acompanhamento das
do desenvolvimento proporciona ferramentas famílias e demandou de toda a comunidade
para que o futuro se tornando criativo além escolar muita empatia para se comunicar com
de conseguir resolver problemas que possam as crianças.
surgir no seu cotidiano, prepara para futuras
atividades mais complexas auxilia no desen-
volvimento de relação de confiança com ou-
tras pessoas e, favorece a concentração e a
atenção.
Para enfrentar as dificuldades existentes
no ensino híbrido na Educação Infantil no atu-
al momento da sociedade, é necessário que
as escolas estejam atentas à necessidade de
se prepararem cada vez mais para as ativi-
dades remotas baseadas nos campos de ex-
periência facilitando assim as aprendizagens.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 497


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O espaço presencial pode facilitar a interação entre as crianças, isto é sabido e entendi-
do por todos, porém o retorno mesmo considerando todos os cuidados sanitários decorrentes
desse momento, traz angústia aos pais e professores. Por isso foi feito levantamento e a Se-
cretaria de Educação deixou que os pais optarem pelo retorno ou não. Porém os professores
voltaram e estão reinventando o ensinar.
Os professores estão com crianças presenciais e crianças no ambiente familiar, e sabem
a importância da família neste momento para garantir a aprendizagem destas crianças.
Mesmo com o distanciamento necessário no presencial, há experiências que podem
ser organizadas para que o que foi produzido no momento remoto, por meio das tecnologias
digitais, atinja um novo patamar de reflexão sobre as experiências que as crianças possam
vivenciar.
Qual seria o motivo de retorno às aulas se não para aproveitar a oportunidade de inte-
ragir com outras crianças? Assim, repensar o papel do educador, das crianças, dos espaços
e da materialidade é fundamental para que este retorno seja viável e produtivo.
O professor deve se reinventar e se ressignificar. Aprender a lidar com o novo, com o
diferente, entender sobre as ações que envolvem o ensino híbrido, buscar a motivação para
engajar as crianças nas propostas de atividades remotas ou presenciais.
Enfim, que possa enxergar, esperança mas cuidar, que enquanto segue sem solução
para a derrubada do vírus, cada um tem um papel fundamental na rede de convivência nas
Unidades de educação Infantil . Ter responsabilidade e o compromisso de cuidado consigo
e com o outro segue sendo de cada um que ficar presencialmente.
Precisa encontrar qualidades, coragem, criatividade, perspectiva, trabalho em equipe,
pois construir juntos um “novo normal” que, após a pandemia, abre grandes possibilidades
para uma história a caminho do ensino híbrido atendendo a todos as crianças com respeito.
Além disso, enquanto mantêm-se à espera do olho no olho e das tantas brincadeiras e
interações - e que isso possa se dar de maneira segura e confortável – seguir planejando e
buscando auxílio da família nesta nova maneira de conviver.
Para que isto ocorra tanto à família quanto à escolar deve estar atenta que as brinca-
deiras facilitam este processo. Poder brincar e expressar de forma espontânea a imaginação
é fundamental para um saudável desenvolvimento físico, emocional e social das crianças,
contribuindo para o aumento da sua autoestima e bem-estar. Para os pais é fundamental,
agora talvez mais do que nunca, relembrar que brincar é uma importante ferramenta contra
preocupações e ansiedades.
Será um aprendizado e um imenso desafio para todos pois relacionar-se sem o tocar e
com as bocas cobertas por esse essencial objeto que tem permitido circular evitando o risco,
seguir com os olhos abertos e despertos à espera do abraço e do encontro
sem amarras pois a Educação Infantil se faz através da afetividade .

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 498


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BOMTEMPO, E.; ANTUNHA, E. G. OLIVEIRA, V. B. Brincando na escola, no hospital, na rua. Rio de Janeiro: Wak,
2006.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. Ministério da Educação e do Desporto (MEC).
Brasília. 1988.

CAMPOS DE CARVALHO, M. I, e Rubiano, M. R. B. Organização do espaço em instituições pré-escolares. In Z. M.


R. de Oliveira (Org.). Educação infantil: Muitos olhares. 3. ed. p. 111. São Paulo. 2001. Cortez.

CRAIDY, C. M.; KAERCHER, G. E. P. Educação Infantil: pra que te quero? Porto Alegre: Artmed, 2001.

EDWARDS, Carolyn; GANDINI, Lella; FORMAN, George. As cem linguagens da criança: a abordagem de Reggio
Emilia na educação da primeira infância. Porto Alegre: Penso, 2016.

FERLAND, F. O modelo lúdico: o brincar, a criança com deficiência física e a terapia ocupacional. 3 ed. São Paulo:
Roca, 2006.

L B.Lilian , Neto A. T. Trevisani. F. M. Ensino Híbrido: Personalização e Tecnologia na Educação. 2015.

LILIANBACICH.com/2020/06/06/ensino-hibrido-muito-mais-do-que-unir-aulas-presenciais-e-remotas/. Acesso 10
de fev.2021.

SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Educação Tempos e espaços para a infância e suas linguagens nos CEIs,
Creches e EMEIS da cidade de São Paulo. São Paulo: SME/DOT – Educação Infantil, 2006.

______. Secretaria Municipal de Educação. Portaria 4507/07: institui o programa Orientações curriculares: ex-
pectativas de aprendizagens e orientações didáticas para a educação infantil e ensino fundamental e dá outras
providências. São Paulo: SME, 2007.

______. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Orientação Normativa nº 01: avaliação
na educação infantil: aprimorando os olhares. São Paulo: SME/DOT, 2014.

______. Secretaria Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo Integrador da Infância Pau-
listana. São Paulo: SME/DOT, 2015.

______. Secretaria Municipal de Educação. Indicadores de Qualidade da Educação Infantil Paulistana. São Paulo:
SME/DOT, 2015b.

______. Secretaria Municipal de Educação. Coordenadoria Pedagógica. Currículo da Cidade: Educação Infantil.
São Paulo: SME/COPED, 2019.

RIZZO, G. Creche: organização, currículo, montagem e funcionamento. 3 ed. Rio de janeiro: Bertrand Brasil, 2003.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 499


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade Unar


Centro Universitário de Araras, Dr. Edmundo Ulson
(2009); Especialista em Educação Especial e
atendimento de pessoas com deficiência intelectual
pela Faculdade UNIFAC (2012), Alfabetização
e Letramento pela Faculdade São Luís (2019),
Autismo pela Faculdade Dom Alberto (2020) e
Psicopedagogia com ênfase em Educação Especial
pela Faculdade São Luís (2020); Professora de
Educação Básica I na EMEI Professora Lídia Maria
Buzon Curtulo.

MARIANA
COSIMO SOUZA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 500
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

COMO TRANSFORMAR OS CONTOS PARA INCENTIVO DA


CRIANÇA COM AUTISMO

RESUMO: Antigamente os contos de fadas eram narrados como forma de entreter as pessoas. As
histórias eram contadas em ambientes como: reuniões, campos ou em outros locais. Atualmente
os contos fazem parte, sobretudo, do mundo infantil. As crianças projetam-se através dos
personagens existentes nos contos, os quais são vivenciados e fazem parte de sua imaginação
e crescimento, participando também da formação de sua personalidade. O presente trabalho
analisa os contos de fadas e por meio do estudo desses contos será analisado como transformar
os contos para incentivo das crianças com autismo.

Palavras-chave: Contos; Influência; Autismo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 501


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

C
ontos de fadas são uma realidade imaginária que fazem parte do universo infantil.
Eles são formados por textos ilustrados que envolvem magia e encantamento
pela trama entre o bem e o mal. Favorecem à criança entender os conceitos de
valores através de uma linguagem simbólica.
Os contos de fadas além de desenvolver na criança sua criatividade e personalidade,
passam mensagens sobre as dificuldades da vida. Na presente pesquisa contos de fadas
serão analisados, enfocando-se as características dos mesmos para incentivar o imaginário
infantil e com o objetivo de refletir sobre a importância das diversas versões dos contos para
o imaginário da criança autista, além de possibilitar o desenvolvimento de habilidades sociais
e pessoais.
Os contos de fadas transmitem através das emoções e fantasias que a história tem, a
criança começa a ter agilidade, não consciente, auxiliando a resolver os problemas dentro de
cada uma. É exatamente nesse sentido que os contos de fadas podem ser muito importantes
para incentivar o imaginário e a formação da personalidade da criança autista.
A crença da incapacidade das crianças com autismo ainda é muito evidenciada em tra-
balhos na própria área da Educação Especial. O autismo se conceitua em um transtorno do
desenvolvimento neurológico que atinge em específico habilidades sociais e a comunicação.
Os sintomas não são iguais, variam de um para o outro. Existem crianças que são
afetadas mais severas e outras mais leves. Porém, possibilitando a essa criança falar de si,
expressar suas necessidades, sentimentos e opiniões, ela transformará a realidade à sua volta.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 502


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

TRAJETÓRIA DOS CONTOS DE FADAS Jacob Grimm nasceu em 1785 e fale-


ceu em 1863 e Wilhelm Grimm nasceu em
Os contos de fadas são a arte de contar 1786 e faleceu em 1859, ambos foram de
histórias. É o momento que favorece a criança origem Alemã (PAVONI, 1989). Perrault e os
a despertar sua imaginação, quando rainhas, Irmãos Grimm apresentaram semelhanças
fadas, animais e princesas encantam suas em suas escritas.
mentes.
Atualmente, Bettelheim (2004), come-
Segundo Coelho (1987), os contos de çou a desvendar os mistérios dos contos de
fadas fizeram parte do folclore europeu sendo fadas. Em seu livro “Psicanálise dos contos
contado por diversos povos. É difícil saber a de fadas”, diz que os contos de fadas são
origem certa desses contos, pois antes mes- obras para a compreensão das crianças, po-
mo da escrita já existiam. dendo levá-las além do encantamento.
Ainda de acordo com Coelho (1987), De acordo com Piaget (1967, p.13), as
há 4000 a.c. ocorreu o primeiro registro sobre crianças encontram-se no estágio da inteli-
contos de fadas, feito pelos egípcios. Alguns gência intuitiva, dos sentimentos interindivi-
escritores recolheram esses contos e coloca- duais espontâneos e das relações sociais de
ram em obras. Dentre eles estão: Charles Per- submissão ao adulto e esse encantamento
rault e os Irmãos Grimm, conhecidos como que o mundo infantil tem pelos contos de fa-
criadores de histórias encantadas, mas, na das se dá através de eles serem “irreais” “um
verdade, apenas colocaram em papel o que substituto da vida real”.
já existia na oralidade.
UTILIZAÇÃO DOS CONTOS DE FADAS
Quando iniciou os contos de fadas, eles COMO INCENTIVO PARA O AUTISMO
não eram apropriados para crianças. Perrault
foi quem transformou essa concepção com o Os contos de fadas possuem algumas
surgimento do seu primeiro livro de contos de características: “[...] situações simplificadas
fadas, na França, em 1697 (COELHO, 1987). cujos personagens são estereotipados [...]”
(POSTIC, 1992, p.23). Mesmo assim, não
Charles Perrault nasceu na França em se perde a magia que o conto transmite ao
1628, faleceu em 1703 e seus principais con- imaginário infantil. Além disso, há o bem e o
tos foram: A Bela Adormecida no Bosque, O mal, que são vistos de maneira objetiva nas
Barba Azul, As fadas, O Gato de Botas, A ações dos personagens, conforme a história
Gata Borralheira, O Pequeno Polegar, Hen- vai ocorrendo.
rique de Topete e Chapeuzinho Vermelho
(COSTA, BAGANHA, 1989). A história do conto de Chapeuzinho Ver-
melho possibilita à criança aproximar-se do
Os Irmãos Grimm buscaram seus con- bem, isto pode ser visto no momento em que
tos em 1806 com os camponeses alemães. a mãe aconselha a menina a ir pelo caminho
Em seguida, esses contos foram reunidos em certo, assim, a criança imagina que existem
coletâneas, sendo a primeira publicada em forças que podem ajudá-la nas diversas situ-
1812. Juntos, os Irmãos Grimm chegaram a ações que se encontra.
editar 210 histórias, entre elas estão: Pele de
Urso, A Gata Borralheira, João e Maria e A
Bela e a Fera.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 503


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo Nelly Novaes Coelho: Os contos estão envolvidos no maravilho-


so, um universo que detona a fantasia,
Dentro desse processo renovador, a crian- partindo sempre de uma situação concre-
ça é descoberta como um ser que precisa ta, lidando com emoções que qualquer
de cuidados específicos para a sua forma- criança já viveu. [...] porque se passa num
ção humanística, cívica, espiritual, ética e lugar que é apenas esboçado, fora dos
intelectual. E os novos conceitos de vida, limites do tempo e do espaço. As per-
Educação e Cultura abrem caminhos para sonagens são simples e colocadas em
os novos e ainda tateantes procedimentos inúmeras situações diferentes onde têm
na área pedagógica e na literária. Pode-se que buscar e encontrar uma resposta de
dizer que é nesse momento que a criança importância fundamental chamando a
entra como um valor a ser levado em con- criança a percorrer e a achar junto uma
sideração no processo social e no contex- resposta para o conflito. [...] porque todo
to humano (COELHO, 1991, p.108). esse processo é vivido através da fanta-
sia, do imaginário (ABRAMOVICH, 2005,
É de suma importância que as crianças
p.120).
sejam incentivadas a ler contos pelas pes-
soas que as cercam, pelos pais e na escola A estrutura do conto no imaginário in-
pelos educadores, de forma que a criança fantil possibilita um maior incentivo e a busca
seja envolvida, deixando sua imaginação ir de soluções a partir de elementos mágicos.
além do real, ou seja, tendo prazer ao ouvir Os três Porquinhos, na obra de Joseph Ja-
ou ler, deixando fluir a fantasia, podendo, as- cobs, possuem um final trágico que para a
sim, formar suas próprias conclusões sem a criança pode ser assustador no momento em
imposição do adulto. que o lobo cai no caldeirão de água. Segundo
Bettelheim (2004, p.18), “a fantasia ajuda a
Segundo Nunes; Ferreira e Mendes
formar personalidades”.
(2003), referente às produções em educação
especial, na forma de teses e dissertações, As crianças com autismo têm a possibi-
mostrou que são difíceis as pesquisas que lidade de brincar, aprender, sentir e serem feli-
se preocupam em ouvir o deficiente e não zes de forma diferente. E essa forma diferente
apenas profissionais e familiares. as tornam únicas. De acordo com Bettelheim:
A utilização dos contos de fadas é de Que os contos tradicionais são importan-
muita importância para qualquer criança, uma tes para a construção da subjetividade.
Ele explica: Para que uma estória real-
vez que “os mesmos exploram os conflitos mente prenda a atenção da criança, deve
internos da criança, que fará a interpretação entretê-la e despertar sua curiosidade.
conforme suas necessidades emocionais” Mas para enriquecer sua vida, deve esti-
(CALDIN,2002). mular-lhe a imaginação, ajudá-la a desen-
volver seu intelecto e a tornar claras suas
O conto Patinho Feio possui situações emoções; estar harmonizada com suas
reais que envolvem emoções, que fazem par- ansiedades e, ao mesmo tempo, sugerir
te do dia-a-dia das crianças, principalmente, soluções para os problemas que a pertur-
para uma educação dos autistas, pois, os bam (BETTELHEIM, 2004, p.13).
mesmos ainda sofrem algumas discrimina-
ções. Esta narrativa não possui limites, atra-
vessa gerações:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 504


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Ao ler e ouvir a história, a criança des- Nas versões anteriores de Chapeuzinho


perta curiosidade e imaginação, é capaz de Vermelho, a menina era inocente e não co-
contemplar e reagir, diluir e refletir. Assim, to- nhecia a maldade do lobo. Já no conto Cha-
dos os contos de fadas, servem como um peuzinho Amarelo, a menina conhece o lobo
instrumento pedagógico, pois trabalham com e sabe de suas intenções.
valores na construção do imaginário infantil. É
Ao ler este conto, a criança vai assimilar
capaz de incentivar vários sentimentos como
e comparar com seu cotidiano. “O destino da
o amor, a bondade, amizade e confiança.
narração de contos é o de ensinar a criança a
Outro elemento importante nesse conto escutar, a pensar e a ver com olhos da imagi-
é a questão familiar. Bela Adormecida, deso- nação” (ABRAMOVICH, 2005, p. 23).
bedeceu a seus pais e subiu em uma torre
Ainda no contexto contemporâneo, sur-
proibida. Isso nota-se a desobediência. Um
ge Fita Verde no Cabelo, do autor Guimarães
dos motivos do sucesso deste conto não é
Rosa (1985). Nesta versão, que demonstra
a história em si, mas sim o valor que ela traz
semelhanças com a obra Chapeuzinho Ama-
para o incentivo, de forma lúdica.
relo, relata-se a história de uma menina não
A leitura, de forma ampla, traz inúmeros tão inocente como vista em Chapeuzinho Ver-
benefícios à formação das crianças: melho.
Ah, como é importante para a formação O conto de fadas Chapeuzinho Verme-
de qualquer criança ouvir muitas, muitas lho em todas as suas versões é capaz de
histórias... escutá-las é o início da apren-
transmitir e incentivar emoções no imaginário
dizagem para ser um leitor e ser leitor é
ter um caminho absolutamente infinito de infantil: “[...] imaginar não é só pensar, não
descoberta e de compreensão do mundo significa apenas relacionar fatos, e analisar
(ABRAMOVICH, 2005, p.17). situações, tirando-lhe significado. Imaginar
é penetrar, explorar fatos dos quais se retira
Chapeuzinho Vermelho teve várias ver-
uma visão” (POSTIC, 1992, p.19).
sões no decorrer dos anos, sempre dentro
do contexto social da época e, até hoje, essa Dentro dessas versões, qualquer crian-
história continua no imaginário infantil. ça, em seu imaginário, pode descobrir valores
como amor, solidariedade e esperança, po-
Nos tempos atuais, surge Chapeuzinho
dendo, ainda, promover maior aproximação
Amarelo, do autor Chico Buarque (2003). É
entre pais e filhos, alunos e professores.
uma história nova, sendo uma intertextualida-
de do conto original de Chapeuzinho Verme- Ao entrar no mundo da fantasia e da
lho. imaginação de um conto de fadas, qualquer
criança busca soluções para resolver seus
O autor adaptou essa história para
problemas e vai além da sua experiência do
crianças, diferentemente das versões citadas
dia-a-dia, compreendendo resoluções para
anteriormente de Perrault (2007) e Irmãos
transformar a realidade.
Grimm (2004). Chapeuzinho Amarelo possui
vários medos, e por causa deles não sai de
casa. Trazendo isso para o imaginário infantil,
a criança já sabe dos perigos que vai enfren-
tar ao sair de casa.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 505


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em todos os contos citados, o faz-de- Muitos trabalhos que deram oportunida-


-conta pode ser realizado quantas vezes a des às crianças especiais, permitiram provar
criança desejar, recriando algumas situações uma capacidade de reflexão, sensibilidade,
da sua imaginação para satisfazer o seu in- criatividade, autonomia e percepção de sua
terior. vida (CARDIA,1992, KOHATSU,1999).
Vygotsky (1998), em seus estudos, afir- Vânia Dohme (2000), em seu guia para
ma que qualquer criança aprende a elaborar desenvolver habilidades e obter sucesso na
e resolver seus problemas vivenciados no dia- apresentação de uma história declara que:
-a-dia. Com isso, a criança irá usar algumas As histórias podem ir além do encanta-
capacidades como a observação, imitação e mento, quando escolhidas, estudadas e
imaginação. preparadas adequadamente, podem ter
a função de educar. Elas encerram lições
Neste contexto, a leitura dos contos de de vida, dando contexto a situações, sen-
fadas precisa ser uma prática real e difundi- timentos e valores que, quando isolados,
da para nutrir o imaginário infantil, iniciando são difíceis de serem compreendidas
na família, mas, sobretudo no ambiente esco- pelas crianças. Estas narrações, tão sa-
lar. Foi destacado os contos de fadas, o qual borosamente recebidas, desencadeiam
processos mentais que levaram à forma-
possui histórias diferentes, que podem fazer
ção de conceitos capazes de nortear o
a criança refletir, comparar e reelaborar suas desenvolvimento em valores éticos e vol-
conclusões. tados para a formação da autoestima e a
cooperação social (DOHME, 2000, p. 5).
Qualquer criança, independentemente
de qualquer deficiência e condições físicas, Enfim, se a escola despertar a emoção
sensoriais, emocionais ou cognitivas, são humana, a fantasia e a imaginação através
crianças que têm possibilidade e necessida- da prática da leitura dos contos, certamente
de de sentir, brincar e conviver como qual- contribuirá para o incentivo na formação de
quer outra pessoa. seres mais conscientes e reflexivos.
Segundo Vygotsky (1998), diz que o Como premissa para essa práxis pe-
aprendizado de um aluno especial, seja qual dagógica torna-se essencial que o educador
for o diagnóstico, como qualquer outra apren- estude os contos e suas versões, conheça
dizagem, temos que respeitar suas peculiari- o que cada um traz como temática e saiba
dades em seu progresso intelectual e assim como os contos se relacionam ao imaginá-
o desenvolvimento de sua aprendizagem. rio infantil e à formação da personalidade de
qualquer criança.
Além disso, os contos despertam no
mundo infantil a imaginação e a fantasia no Espera-se, por fim, diante do que foi
momento em que as histórias são contadas. dito, que o presente trabalho contribua como
Enquanto diverte a criança, o conto de
um possível caminho para a efetivação desta
fadas esclarece sobre si mesma e favo- prática nas escolas, como proposta de incen-
rece o desenvolvimento de sua perso- tivo, pois nos dá condições para desenvolver
nalidade. Oferece significado em tantos não somente no atendimento especializado e
níveis diferentes, e enriquece a existência sim nas vivências do dia-a-dia dos alunos e
da criança de tantos modos que nenhum que saiam da unidade escolar, contagiando
livro pode fazer justiça à multidão e diver-
sidade de contribuições que esses con-
as famílias e os amigos que cercam o cotidia-
tos dão a vida da criança (BETTELHEIM, no dos mesmos.
2004, p.20).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 506


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
A presente pesquisa teve embasamento bibliográfico de abordagem descritiva com
aportes teóricos metodológicos dos trabalhos de Vygotsky (1998), Bettelheim (2004) e Nelly
Novaes Coelho (2010) que enfocam sobre princípios metodologias e estratégias que podem
auxiliam as crianças autistas através da leitura e contação de contos de fadas, pois, a literatura
auxilia os alunos autistas a desenvolverem suas potencialidades.
Quanto a este aspecto Nelly Novaes Coelho em sua obra, Literatura Infantil: teoria,
análise e didática (2000 p.10), diz que: “Literatura é arte e, como tal, as relações de apren-
dizagem e vivência, que se estabelecem entre ela e o indivíduo, são fundamentais para que
este alcance sua formação integral de conscientização do eu com o outro e com o mundo”.
Imaginações e ideias são essenciais em todas as histórias e o desenvolvimento do
imaginário infantil está relacionado à leitura. Lembrando também que o meio onde este aluno
está inserido pode facilitar ou dificultar o seu desenvolvimento. Vygotsky (1998), defende que
o meio onde este aluno está inserido pode facilitar ou dificultar o seu desenvolvimento.
A partir disso, a leitura pode ser o ponto principal de uma educação inclusiva, a partir de
histórias, como as utilizadas, pela fantasia, linguagem, imaginação e símbolos que permitem
formas que auxiliam qualquer criança a compreender os problemas e valorizar as diferenças
e particularidades.
De acordo com Bettelheim (2004 p.16): a identificação das crianças com os contos se
dá pela linguagem, esses contos possuem uma linguagem simbólica.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 507


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Não se sabe ao certo a origem dos contos de fadas, pois já existiam antes da escrita.
O primeiro registro sobre contos de fadas ocorreu 400 a. C, feito pelos egípcios. Eles não
eram apropriados para criança, foi Charles Perrault quem transformou essa concepção em
sua obra, na França, em 1697.
Já os Irmãos Grimm buscaram seus contos em 1806 com os camponeses Alemães,
sendo o primeiro publicado em 1812. Nos contos de fadas existem personagens que pos-
suem personalidade e características diferentes, alguns representando o bem e outros o mal.
Os contos possuem muitas imagens e símbolos e isso é muito importante para o incen-
tivo, pois esses símbolos ajudam qualquer criança a encontrar soluções para os problemas
do seu dia-a-dia, atuando, assim, no emocional.
As crianças se sentem atraídas ao ouvirem os contos de fadas, elas se identificam com
os personagens, comparando a história com a sua própria vida.
Além de ajudar na imaginação e no vocabulário, os contos oferecem a qualquer criança
muita criatividade, ensinam a controlar a agressividade, o egoísmo e a ganância, enfim, são
fundamentais para seu desenvolvimento. Além disso, incentiva a criança autista na construção
de sua identidade.
O conto de fadas, objeto de nossa discussão, é muito conhecido, narra histórias que
contém elementos naturais. A história de Chapeuzinho Vermelho traz no início da narração
uma história aparentemente tranquila, ou seja, a neta vai ver a avó a pedido da mãe e leva
algumas coisas em sua cesta.
Logo após, a história apresenta um personagem estranho que é representado por um
lobo. Esse personagem torna a história uma forma de aprendizado e reflexão, pois, através
de seus atos, atitudes e da conversa com a menina modifica o rumo da história.
A narrativa dos três porquinhos contém personagens bons, como os porquinhos e um
mal, o Lobo. Essas são histórias que encantam qualquer criança, pelos acontecimentos, elas
se identificam com os personagens e tentam buscar soluções para os momentos passados
pelos personagens e tem um em comum, o lobo.
O conto o patinho feio fornece para qualquer criança independente de qualquer defici-
ência, fantasia e imaginação como um ponto de partida que valorize as diferenças e auxilie
a inclusão.
Existem diversos contos, todos fazem com que a criança desperte e seja capaz de
vivenciar e incentivar a imaginação. A criança percebe a linguagem de cada narrativa e a
aproxima para o seu mundo.
No imaginário infantil a história passa a ter a função de estimular o raciocínio de qualquer
criança, sua fantasia e acaba, de certo modo, formando sua personalidade.
Por essa razão, a leitura dos contos deve ser uma prática constante, na família e na es-
cola, sendo incentivada a todo momento, já que favorece o crescimento e o amadurecimento
de qualquer criança, fazendo com que elas possam construir suas próprias conclusões, com
a orientação do adulto.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 508


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O conto Bela adormecida permite à criança refletir sobre o mundo, conscientizando-a


dos perigos que ocorrem no decorrer da vida, discutindo as intenções das pessoas que cru-
zarão seu caminho.
Os contos nos mostram também sua importância na formação da personalidade, pois
as crianças aprendem que é possível vencer obstáculos e que, por outro lado, as ações feitas
possuem consequências.
É muito contrário do que se possa imaginar, qualquer criança, com qualquer deficiência,
muitas vezes têm capacidade de respostas maiores que o esperado.
Verifica-se que os contos para alunos com autismo, auxilia e incentiva um maior desen-
volvimento intelecto e crítico, bem como estimula o seu imaginário, permitindo que conceitos
e barreiras sobre essas crianças com deficiência sejam quebrados.
Por fim, podemos afirmar que os contos servem como alimentos para o incentivo e ima-
ginação da infância, além de tornar-se um instrumento eficaz para o desenvolvimento pessoal,
gerando adultos bem sucedidos, criativos e reflexivos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 509


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
AAMR – American Association on Mental Retardation. Retardo Mental: definição, classificação e sistemas de
apoio. Porto Alegre: Artmed, 2006.

ABRAMOVICH, Fanny. A Literatura Infantil: Gostosuras e bobices. 5. ed. São Paulo: Scipione, 2005.

AMARAL, Maria Lúcia. Criança é Criança (Literatura Infantil e seus Problemas). Petrópolis: Vozes Ltda, 1977.

ARANHA, M.S.F. Educação Inclusiva: transformação social ou retórica. In OMOTE S. (Org.). Inclusão: intenção e
realidade. Marília: Fundepe,2004, p. 37-60.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2004.

BRASIL, Ministério da Justiça. Declaração de Salamanca e linhas de ação sobre necessidades educativas espe-
ciais. Brasília: Corde, 1994.

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: José Olympio, 2003.

CALDIN, Clarice Fortkamp. Palavras que curam. Florianópolis,2002. Transparências do Curso de Biblioterapia.

CARDIA, M.H.C. O deficiente mental na entrevista sobre o processo de profissionalização. 1992. Dissertação
(Mestrado) – Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 1992.

CHEVALIER, Jean e GHEERBRANT, Alain. Dicionário de Símbolos: (mitos, sonhos, costumes, gestos, formas,
figuras, cores, números). Trad: Vera da Costa e Silva. 15 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 2000.

COELHO, Nelly Novaes. O conto de Fadas. São Paulo: Ática, 1987.

______. Literatura Infantil. São Paulo: Ática, 1991.

______. Literatura Infantil: teoria, análise, e didática. São Paulo: Moderna, 2000.

______. O Conto de Fadas; símbolos, mitos e arquétipos. São Paulo: DCL, 2003.

CORREIA, L. de M. Alunos com necessidades educativas especiais nas classes regulares. Porto, Portugal: Porto,
1999.

CORSO, D. L. & CORSO. A psicanálise nas histórias infantis. Porto Alegre. Artmed: 2006.

CHILAND, Colette. L'enfant de six ans et son avenir. Paris: PUF, 1971.

CORSO, Diana; CORSO, Mario. Fadas no Divã: psicanálise nos contos infantis. Porto Alegre: Artmed, 2006.

COSTA, Isabel Alves. BAGANHA, Filipa. Lutar Para Dar Um Sentido à Vida: Os contos de fadas na educação de
infância. Portugal, Edições Asa, 1989.

DISCINI, Norma. Intertextualidade e Conto Maravilhoso. São Paulo: Humanitas/ FFLCH/ USP, 2001.

DOHME, Vânia. Técnicas de Contar Histórias: um guia para desenvolver suas habilidades e obter sucesso na
apresentação de uma história. São Paulo: Informal, 2000.

FERREIRA, J.R. A construção escolar da deficiência mental. Tese de Doutorado. Universidade Estadual de Cam-
pinas. Campinas,1989.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 510


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

FONTES, R.J.; PLETSCH, M.D.; BRAUN, P.; GLAT, R. Estratégias pedagógicas para a inclusão de alunos com de-
ficiência mental no ensino regular. GLAT, R. (org.) Educação Inclusiva: cultura e cotidiano escolar. Rio de Janeiro:
sete letras, 2007, p.79-96.

GLAT, R. Somos iguais a vocês: depoimentos de mulheres com deficiência mental. Rio de Janeiro: Agir, 1989.

GRIMM, Jacob e Wilhelm. “Chapeuzinho Vermelho”. IN TATAR, Maria (edição, introdução e notas). Contos de fadas:
edição comentada e ilustrada. Trad. Maria Luiza X. de À. Borges. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004.

KOHATSU, L.N. Estudo sobre a expressão de alunos e ex-alunos de uma escola especial através da fotografia.
1999.Dissertação (Mestrado) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1999.

MANTOAN, Maria Teresa Eglér. A Integração de pessoas com deficiência: contribuições para uma reflexão sobre
o tema. São Paulo: Memnon, 1997.

MENDES, Mariza B.T. Em Busca dos Contos Perdidos: o significado das funções femininas nos contos de Perrault.
São Paulo: UNESP/Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2000.

NUNES, L.R.O.P.; FERREIRA, J.R.; MENDES, E.G. Teses e dissertações sobre Educação Especial: os temas mais
investigados. In: MARQUEZINE, M.C.; OMOTE, S. (Orgs). Colóquios de pesquisa em Educação Especial. Londrina:
UEL, 2003.

OLIVEIRA, A.A.S. e LEITE, L. P. Escola Inclusiva e as necessidades educativas especiais. In: MANZINI, J.E. (Org.)
Educação Especial: temas atuais. Marília: Fundepe, 2000, p.11-20.

PAVONI, Amarílis. Os Contos e os Mitos no Ensino: uma abordagem junguiana. São Paulo: EPU, 1989.

PERRAULT, Charles. “Chapeuzinho Vermelho”. Ilustração de Georg Hallensleben; tradução Rosa Freire d’ Aguiar.
São Paulo: companhia das letrinhas, 2007.

PIAGET, Jean. Seis Estudos de Psicologia – Rio de Janeiro: Forense, 1967.

POSTIC, Marcel. O Imaginário na Relação Pedagógica. Tradução Mário José Ferreira Pinto. Rio Tinto: Asa, 1992.

ROSA, Guimarães. Ave, Palavra. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.

SARAIVA, A.M. A pessoa portadora de deficiência mental e as representações de si mesmo: um estudo de caso.
1993. Dissertação (Mestrado) – Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro.1993.

SAVIANI, Dermeval. A nova lei da educação. São Paulo: Cortez, 2001.

TATAR, Maria, Contos de Fadas: edição comentada e ilustrada. Trad. Maria Luiza X. de À. Borges. Rio de Janeiro:
Zahar, 2004.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A Formação Social da Mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 511


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Educação Física pela Universidade


Ibirapuera (2008). Professora de Ensino Fundamental
II – Educação Física - na EMEF. Céu Hermes
Ferreira de Souza.

MARIANA
FONSECA MARTINS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 512
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O FINANCIAMENTO DA EDUCAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL, NA


ESFERA DA EDUCAÇÃO BÁSICA, DA QUALIDADE AO IMPACTO
SOCIOECONÔMICO NO FUTURO DO PAÍS
RESUMO: O objeto do estudo consiste em evidenciar a relevância da pesquisa que teve como
objetivo investigar o financiamento da educação pública no Brasil, na esfera da educação
básica,analisar a eficácia, eficiência, efetividade, seu impacto e relevância no desenvolvimento
socioeconômico futuro do país. A pesquisa se concretizou na análise de dados fornecidos por
entidades de referências como o PISA (Programa internacional de avaliação de alunos), IDEB,
FUNDEB, CAQ entre outros como a legislação vigente, CF 88 e a LDB, e autores que estudam a
temática. Como resultado fica evidenciado que os recursos que financiam a educação pública no
Brasil na esfera da educação básica são insuficientes comparado a outros países, dentro do critério
adotado investimento e qualidade, os recursos orçamentários destinados às políticas educacionais
precisam ser amplamente discutidos e ampliados, de forma efetiva, de comprometimento político,
que resulte na melhoria da qualidade da educação básica gratuita, garantida na letra da lei, a
CF/88, a educação deve ser blindada das mudanças de governos para assim realmente ser um
projeto de nação que impacte os avanços socioeconômicos.

Palavras-chave: Financiamento; Educação Pública; Qualidade; Desenvolvimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 513


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
ste artigo abordará a temática sobre a Educação no Brasil Colônia e no Brasil
Império, em que o país surge na esfera educacional pautado nos seus coloniza-
dores com influência europeia. Sendo assim, os jesuítas, os primeiros a implantar
em sistema educacional no território da colônia portuguesa na América.
Eles foram estruturando as suas ideias educacionais tanto em torno dos ensinos religio-
sos quanto de princípios atrelados aos interesses econômicos portugueses, cabe ressaltar
que o interesse europeu que se desenvolve a educação brasileira é pautado pelos interesses
dos portugueses nas terras recém descobertas e não era muito de ordem educacional e sim
estritamente econômica.
Tanto que não era a grande preocupação por parte dos portugueses a implantação de
um regime educacional que desse conta dos nativos aqui encontrados.
Educação jesuítica, a prioridade lusitana era explorar economicamente o território e
salvar as almas dos nativos educando-os na cristandade. Com tudo a empreitada jesuíta foi
financiada inicialmente pela coroa portuguesa, em um segundo momento passaria a contar
com recursos advindos de rendimentos extraídos da produção gerada sobre sua administra-
ção. “O sistema de autofinanciamento” inaugurado com a Companhia de Jesus (MONLEVADE,
1997, p. 52).
Previa duas fontes de recursos. Para a instalação do Colégio, o Rei dava à Companhia
um dote inicial suficiente para sua construção e equipamento e, como reforço de custeio e pos-
sibilidade de expansão, lhe doava terras e a faculdade de nelas investir e delas tirar proveito.
A gestão desses recursos foi tão eficiente que logo tornou-se protagonista estratégico
da economia colonial. O empreendedorismo foi interessante no primeiro momento, pois livrou
a coroa do ônus do financiamento da educação, mas com o tempo passou a incomodar os
interesses de Portugal. O poder econômico conquistado pelos jesuítas estaria na origem da
sua defesa (MONLEVADE, 1997).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 514


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A EDUCAÇÃO LAICA E AS REFORMAS EDUCAÇÃO NO IMPÉRIO


POMBALINAS
A vinda da família real para o Brasil se-
Os alinhamentos de Portugal com o ria responsável por transformar as relações
liberalismo os fazem buscar serem mais li- de sociabilidade e cultura principalmente no
berais, mais laicizados, por isso os jesuítas território brasileiro, isso faria também a educa-
seriam expulsos de suas colônias. ção ganhar novos ares, o recém-independen-
te império do Brasil priorizou outras questões,
O século XVIII foi marcado por inúme- falhando em consolidar um projeto educacio-
ras transformações de ordem ideológica em nal efetivo para o país. Favoreceu-se, neste
Portugal, o ministro de D. José I, conhecido período, o método Lancaster, que buscava
como Marquês de Pombal, conduziu uma sé- ensinar o maior número possível de jovens
rie de reformas ilustradas, muitas das quais com o mínimo investimento em professores
buscavam suprir o poder dos jesuítas (MON- (MONLEVADE, 1997).
LEVADE, 1997).
A primeira constituição 1824, sendo
Os colégios jesuíticos foram substituí- omissa em relação ao financiamento da edu-
dos pelas aulas régias. O pensamento ilustra- cação, A reforma Januário da Cunha Barbo-
do defendia o ensino laico e público respon- sa 1827 inexistem dispositivos sobre finan-
sabilidade do reino, e não da igreja. Esta é a ciamento da educação que é mantida nos
primeira aparição de um ensino laico, ensino demais documentos, as leis são omissas so-
de responsabilidade estatal, esse estado ain- bre a matéria financeira do período, adven-
da era monarquia, mas tarde o império. Um to da república em 1889 nova constituição
concebidas inúmeras medidas visando ao
ensino mais alinhado ao capitalismo emer-
aprimoramento do aparato educacional. Re-
gente, aos interesses econômicos de Portu-
forma Benjamin Constant 1890-1891 a maté-
gal, se dá essa reestruturação educacional no ria financeira é tema marginal ou inexistente
espaço das colônias (MONLEVADE, 1997). (MONLEVADE, 1997).
Com a finalidade de obter impostos es- O período representa “um divisor de
pecíficos para o financiamento das aulas ré- águas para a constituição do campo edu-
gias cria se um imposto, o subsídio literário, cacional”, importante contribuição para as
foi instituído para suprir o reino com materiais mudanças na terceira década do século 20
e professores, as aulas régias não foram im- (VIEIRA,2008, p. 360).
plementadas na escala desejada a princípio
Configurando-se como momento “fér-
(MONLEVADE, 1997).
til em matéria de reflexão e ação” (VIEIRA,
As dificuldades seriam sanadas com a 2012, p. 286). O Manifesto dos Pioneiros da
vinda da família real, onde muitas transfor- Educação Nova (1932), elaborado por educa-
mações e reformas promovidas pelo impé- dores vinculados à defesa da escola pública,
rio. Ainda assim, o império tinha outras prio- registra preocupação com o financiamento da
ridades e a educação não estava entre elas educação, sugerindo a criação de um fun-
(MONLEVADE, 1997). do especial ou escolar, que constituído de
patrimônios, impostos e rendas próprias seja
administrado e aplicado exclusivamente no
desenvolvimento da obra educacional, pelos
próprios órgãos do ensino, incumbidos da
sua direção (MANIFESTO, 1984, p. 415).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 515


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No seio do confronto entre defensores Ainda em matéria financeira, define-se a


do ensino público e do ensino privado são colaboração da União com o desenvolvimen-
forjadas algumas ideias e princípios afirma- to dos sistemas de ensino, prestando “auxílio
dos na Constituição de 1934, a primeira Carta pecuniário”, que no caso do ensino primário
Magna a estabelecer orientações para o finan- “provirá do respectivo Fundo Nacional” (art.
ciamento da educação (MANIFESTO, 1984, 171, parágrafo único). Os dispositivos sobre
p. 415). recursos para a educação seriam detalhados
pela Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de
Nela são definidas vinculações de recei-
1961, a Lei de Diretrizes e Bases da Educa-
tas para a educação, cabendo à União e aos
ção Nacional (LDB).
Municípios aplicar “nunca menos de dez por
cento, e os Estados e o Distrito Federal nunca Seus 120 artigos apresentam dispositi-
menos de vinte por cento, da renda resultante vos sobre assuntos diversos, cinco dos quais
dos impostos na manutenção e no desenvol- focalizam o financiamento da educação (art.
vimento do sistema educativo” (Art. 156). 92 a 96). A vinculação de recursos prevista
pelas constituições de 1934 e de 1946 é de-
Nos mesmos termos, é estabelecida a
talhada nos seguintes termos: Art. 92.
reserva de parte dos patrimônios da União,
Estados e Distrito Federal para a formação A União aplicará anualmente, na ma-
de fundos de educação (art. 157). São ainda nutenção e desenvolvimento do ensino, 12%
atribuídas responsabilidades relativas às em- (doze por cento), no mínimo, de sua receita
presas [...]. de impostos e os Estados, o Distrito Federal
e os Municípios, 20% (vinte por cento), no
A ideia de um fundo de financiamen-
mínimo. § 1º Com nove décimos dos recur-
to aparecida no Manifesto é aqui reiterada,
sos federais destinados à educação, serão
evidenciando que o Fundef viria materializar
constituídos, em parcelas iguais, o Fundo
algo cogitado pelos pioneiros. O principal de-
Nacional do Ensino Primário, o Fundo Nacio-
fensor dessa medida, em verdade, foi Anísio
nal do Ensino Médio e o Fundo Nacional do
Teixeira, cujo artigo “Sobre o problema de
Ensino Superior. § 2º O Conselho Federal de
como financiar a educação do povo brasileiro:
Educação elaborará, para execução em prazo
bases para discussão do financiamento dos
determinado, o Plano de Educação referente
sistemas públicos de educação” é pleno de
a cada Fundo. § 3º Os Estados, o Distrito Fe-
atualidade e, tendo sido publicado original-
deral e os municípios, se deixarem de aplicar
mente na Revista Brasileira de Estudos Peda-
a percentagem prevista na Constituição Fede-
gógicos, em 1953.
ral para a manutenção e desenvolvimento do
A redemocratização iniciada com o fim ensino, não poderão solicitar auxílio da União
do Estado Novo se traduz, entre outras iniciati- para esse fim (BRASIL, Lei nº 4.024, 1961).
vas, na elaboração de uma nova Constituição Em Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17 - 43,
em 1946. Dentre as orientações a destacar jan./jun. 2015.
no seu texto, cabe lembrar a retomada da
Conforme já referido, tais recursos de-
ideia de vinculação de recursos para a edu-
veriam ser “aplicados preferencialmente na
cação, estabelecendo a aplicação de nunca
manutenção e desenvolvimento do sistema
menos de 10% por parte da União e nunca
público de ensino de acordo com os planos
menos de 20% das receitas resultantes de
estabelecidos pelo Conselho Federal e pelos
impostos dos estados, municípios e Distrito
conselhos estaduais de educação”, de modo
Federal na “manutenção e desenvolvimento
a assegurar “o acesso à escola do maior nú-
do ensino” (Art. 169).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 516
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

mero possível de educandos; a melhoria pro- É flagrante o apoio ao setor privado, como
gressiva do ensino e o aperfeiçoamento dos se pode verificar na orientação de que, “res-
serviços de educação; o desenvolvimento do peitadas as disposições legais, o ensino é
ensino técnico-científico; o desenvolvimento livre à iniciativa particular, a qual merecerá o
das ciências, letras e artes” (BRASIL, Lei nº amparo técnico e financeiro dos Poderes Pú-
4.024, 1961, art. 93, incisos 1- 4). blicos, inclusive bolsas de estudo” (BRASIL,
Constituição, 1967, art. 168, § 2º), ou seja,
É importante notar que nesse mesmo mantém-se o espírito da LDB de 1961).
artigo é definido pela primeira vez o conceito
associado às despesas com manutenção e Por outro lado, em lugar da vinculação
de recursos para as diferentes esferas do po-
desenvolvimento do ensino (MDE), referidas,
der público, o que se vê é uma passagem que
então, como “manutenção e expansão do en-
retrata o descompromisso destas para com
sino”.
a educação pública. Veja-se, a propósito, o
Essas poderiam ser as mudanças políti- artigo que define a organização dos sistemas
cas inauguradas com o regime militar iniciado de ensino:
em 31 de março de 1964 que trariam novos Art. 169 – Os Estados e o Distrito Fede-
dispositivos legais, mais especificamente: a ral organizarão os seus sistemas de ensino,
Constituição de 1967 e as leis de reforma uni- e, a União, os dos Territórios, assim como o
versitária e do ensino primário e secundário sistema federal, o qual terá caráter supletivo e
(BRASIL. Lei nº 5.540, 1968; BRASIL. Lei nº se estenderá a todo o País, nos estritos limites
5.692, 1971). das deficiências locais.
Importante registro referente ao finan- § 1º – A União prestará assistência téc-
ciamento da educação no período, É a insti- nica e financeira para o desenvolvimento dos
tuição do salário-educação, criado por lei em sistemas estaduais e do Distrito Federal.
1964, inicialmente destinado a “suplementar § 2º – Cada sistema de ensino terá,
as despesas públicas com a educação ele- obrigatoriamente, serviços de assistência
mentar” mediante contribuição de empresas educacional que assegurem aos alunos ne-
vinculadas à Previdência Social e “correspon- cessitados condições de eficiência escolar
dente ao custo do ensino primário dos filhos (BRASIL, Constituição, 1967).
dos seus empregados em idade de escola-
rização obrigatória” (BRASIL, Lei nº 4.440, Criado como contribuição social das
1964, art.1º). empresas para custeio do ensino fundamen-
tal de seus funcionários ou dos filhos destes,
Ao longo do tempo, o salário-educação o salário-educação foi gradativamente incor-
foi conquistando maior relevância, passan- porado como fonte adicional de receitas da
do a se configurar como importante fonte de educação básica administrada pelo governo
receita adicional para a educação, como se federal.
verá adiante, na análise da terceira geração Assim, o portal do Ministério da Edu-
de políticas, sob a vigência das políticas de cação (MEC) o define como: “contribuição
fundos. social destinada ao financiamento de pro-
No que se refere à concepção e ao gramas, projetos e ações voltados para o fi-
financiamento da educação, a Constituição nanciamento da educação básica pública e
que também pode ser aplicada na educação
de 1967 guarda fortes semelhanças com o
especial, desde que vinculada à educação
texto de 1937, afastando-se do teor democrá-
básica”.
tico das constituições de 1934 e de 1946.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 517
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Além de estar previsto na Constituição O mesmo artigo assegura como prio-


Federal, o salário-educação foi regulamenta- ritário na distribuição de recursos públicos o
do pela Lei n° 9.424/96, Lei n° 9.766/98, “atendimento das necessidades do ensino
Decreto nº 6.003/2006 e Lei nº 11.457/2007. obrigatório, nos termos do plano nacional de
A contribuição é calculada. Os anos 1980 se educação” (art. 212, § 3º). Mantém-se como
apresentam como palco de mudanças políti- fonte adicional de financiamento desse nível
cas significativas para o Brasil. de ensino público “a contribuição social do
salário-educação, recolhida, na forma da lei,
Na esteira dos movimentos de retoma-
pelas empresas, que dela poderão deduzir a
da da democracia, amplia-se a expectativa
aplicação realizada no ensino fundamental de
de maiores compromissos do poder público
seus empregados e dependentes” (Art. 212,
para com a educação. Assim, a vinculação de
§ 5º).
recursos para a educação, inscrita nas cons-
tituições democráticas de 1934 e de 1946, Ainda sobre a matéria, cabe assinalar
é reeditada por força da chamada Emenda que o financiamento dos “programas suple-
Calmon – Emenda Constitucional nº 24, de mentares de alimentação e assistência à saú-
1º de dezembro de 1983. de” seria advindo de “recursos provenientes
de contribuições sociais e outros recursos
A partir de então, a União passaria a ser
orçamentários” (Art. 212, § 4º) Seria de se
responsável pela aplicação de “nunca menos
esperar que uma nova lei de diretrizes e ba-
de treze por cento, e os Estados, o Distrito Fe-
ses da educação nacional daria sequência
deral e os municípios, vinte e cinco por cento,
imediata à Constituição de 1988, o que, con-
no mínimo, da receita resultante de impostos
tudo, ocorreu. Inúmeros percalços marcaram
na manutenção e desenvolvimento do ensino”
a trajetória da legislação educacional.
(BRASIL, EC nº 24, art. único).
Depois de muitas contramarchas, em
Tal situação somente seria revista na
1996, o Congresso aprovou a primeira lei ge-
Constituição de 1988, a mais extensa em
ral da educação promulgada desde 1961 – a
toda matéria de educação, que foi detalhada
Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
em dez artigos específicos (art. 205 a 214) e
que estabelece as diretrizes e bases da edu-
figurou em quatro outros dispositivos (art. 22,
cação nacional. Consequência da Consti-
inc. XXIV; art. 23, inc. V; art. 30, inc. VI e art.
tuição de 1988, essa lei demorou oito anos
60 e 61 do Ato das Disposições Constitucio-
para chegar ao formato final, que foi aprovado
nais Transitórias – ADCT).
pelo Congresso Nacional em um período de
A Carta trata da educação em seus di- grandes embates entre os diversos setores
ferentes níveis e modalidades, abordando os sociais.
mais diversos conteúdos, inclusive a maté-
À luz de ideologias e concepções edu-
ria financeira. A vinculação de recursos para
cacionais diferentes, a LDB defendia a in-
a educação recebeu tratamento prioritário,
clusão de interesses contraditórios. Ao final,
sendo estabelecido que a União aplicará,
consolidou-se num texto de 92 artigos, que
“anualmente, nunca menos de dezoito, e os
apresenta princípios, fins, direitos e deveres
Estados, o Distrito Federal e os municípios
(Art. 1º ao 7º); dispositivos sobre a organiza-
vinte e cinco por cento, no mínimo, da recei-
ção da educação nacional, incluindo as in-
ta resultante de impostos, mínimo, da receita
cumbências das diferentes esferas do poder
resultante de impostos, compreendida a pro-
público (Art. 8º ao 20); níveis e modalidades
veniente de transferências, na manutenção e
de ensino – educação básica (educação in-
desenvolvimento do ensino” (art. 212).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 518
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

fantil, ensino fundamental e ensino médio) e ados da década de 90 do século 20 quan-


educação superior, educação especial, edu- do se cria o primeiro fundo específico para
cação de jovens e adultos e educação profis- o financiamento do ensino fundamental – o
sional (Art. 21 a 60); profissionais da educa- Fundef – e tem continuidade nos anos 2000
ção (Art. 61 a 67); recursos financeiros (Art. com a proposição de um segundo instrumen-
68 a 77); disposições gerais (Art. 78 a 86); e to de natureza similar, que amplia a esfera
disposições transitórias (Art. 87 a 92). de abrangência dos recursos vinculados – o
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da
Repetindo e detalhando inúmeros arti-
Educação Básica e de Valorização dos Pro-
gos do capítulo da educação na Constitui-
fissionais da Educação (FUNDEB).
ção de 1988, a segunda LDB mantém mui-
tas orientações advindas de leis anteriores Característica marcante dessa nova
e traz algumas novidades. Dando sequência realidade é o mecanismo da subvinculação
aos dispositivos da Emenda Constitucional n° de recursos, que vai dar destaque especial à
14/96, a LDB define o regime de colaboração remuneração dos profissionais de educação.
(Art. 8) e explicita as incumbências relativas Outro mecanismo legal que atinge a política
à oferta da educação escolar (Art. 9 a 11). de fundos é a denominada.
Enquanto aos municípios cabe oferecer Desvinculação de Recursos da União
a educação infantil em creches e pré-escolas, (DRU), artifício criado pelo governo federal
e, com prioridade, o ensino fundamental” (Art. em 1994 para dar mais liberdade à distribui-
11, inc. V), aos Estados compete assegurar o ção do dinheiro arrecadado com impostos.
ensino fundamental e oferecer, com priorida-
Em 1° de março de 1994, foi aprovada
de, o ensino médio” (Art. 10, inc. VI).
a Emenda Constitucional de Revisão n° 1 que
A União tem a incumbência de organi- autoriza a desvinculação de 20% de todos os
zar, manter e desenvolver os órgãos e insti- impostos e contribuições federais para formar
tuições oficiais do sistema federal de ensino uma fonte de recursos livre de carimbos.
e o dos Territórios” (Art. 9º, inc. II), isto é, as
Denominado inicialmente de Fundo So-
escolas técnicas e as universidades federais.
cial de Emergência, passou a se chamar Fun-
Também é responsável pela assistência téc-
do de Estabilização Fiscal, nome que vigorou
nica e financeira e exerce função supletiva e
até 31 de dezembro de 1999. A partir do ano
redistributiva perante as demais esferas go-
2000, foi reformulado e passou a se chamar
vernamentais (Art. 9º, inc. III).
DRU, tendo sua prorrogação aprovada pelo
Uma novidade do texto é a definição Congresso Nacional até 2007 e, depois, até
das responsabilidades da escola (Art. 12) e 2015.
dos docentes (Art. 13). Para fazer jus às suas
A DRU dava maior flexibilidade à alo-
responsabilidades, a União deve aplicar no
cação dos recursos públicos – sem que sig-
mínimo 18% e os Estados e municípios 25%
nificasse elevação das receitas disponíveis
da “receita resultante de impostos” na manu-
para o governo federal –, não afetando as
tenção e desenvolvimento do ensino público
transferências constitucionais para Estados
(Art. 69). A legislação de reforma do período
e municípios, cuja principal fonte de receita
militar, como já se viu, havia suprimido a vin-
é o Imposto sobre Produtos Industrializados
culação orçamentária para a educação.
(IPI) e o Imposto de Renda, uma vez que a
Da política de fundos A terceira geração desvinculação é feita após os cálculos das
de políticas de financiamento inicia-se em me- transferências.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 519
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

No caso da política educacional, como Trata-se de um fundo de natureza con-


a LDB estabelece que o Estado deve destinar, tábil com vigência de dez anos, instituído a
no mínimo, 18% do orçamento anual para a partir de 1998 em cada unidade da Federa-
área, a DRU criava uma brecha legal, permi- ção. Sua criação teve por objetivo assegurar
tindo a retirada de até 20% desse valor, para a vinculação de 60% dos recursos de despe-
que o governo gastasse com outras despe- sas com manutenção e desenvolvimento do
sas, como o pagamento de dívidas. ensino (MDE) exclusivamente para o ensino
fundamental e o pagamento de seus profes-
O período de vigência do Fundef se
sores.
deu sob os auspícios da DRU, que foi ampla-
mente utilizada pelo governo federal, fato que Congrega 15% de quatro impostos: o
provocou grande insatisfação nos governos Imposto sobre Operações Relativas à Circu-
estaduais e municipais, como também nos lação de Mercadorias e sobre Prestação de
educadores. Serviços de Transporte Interestadual, Intermu-
nicipal e de Comunicação (ICMS), Fundo de
A Emenda Constitucional nº 68/2011
Participação dos Estados (FPE), Fundo de
prorrogou a vigência da DRU até o exercício
Participação dos Municípios (FPM) e Imposto
de 2015, no entanto, a Emenda Constitucional
sobre Produtos Industrializados – Exportação
nº 59/2009 acrescentou o fato que provocava
(IPI exp.) do Estado e de seus municípios (art.
grande insatisfação nos governos estaduais e
1°).
municipais, como também nos educadores.
Com a implantação do Fundef, esses
Ou seja, só a partir de 2011, a política
recursos exclusivos do ensino fundamental
de fundos deixa de conviver com as limita-
e seu magistério passaram a ser aplicados
ções impostas pela DRU e passa a ter direito
mediante “a proporção do número de alunos
aos percentuais estabelecidos constitucional-
matriculados anualmente nas escolas cadas-
mente, o que representa grande vitória para
tradas das respectivas redes de ensino” (art.
a política educacional, significativo aporte de
2°, § 1º), a partir de dados obtidos pelo Cen-
recursos financeiros, antes apropriados pelo
so Escolar, aplicado pelo Instituto Nacional
governo federal para outras finalidades. Este
de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
tópico apresenta considerações sobre esses
Teixeira (INEP). Os recursos arrecadados e
dois fundos que assinalam a configuração de
recolhidos à conta do Banco do Brasil au-
um novo momento da política de financiamen-
tomaticamente passaram a ser depositados
to brasileira.
nas contas das respectivas unidades da Fe-
O Fundef foi instituído pela Lei n° 9.424, deração responsáveis pela oferta do ensino
de 24 de dezembro de 1996, e, diferentemen- escolar desse nível. Como afirmamos noutra
te do que ocorreu com a LDB (tema de lon- oportunidade, “a legislação de 1996 tem am-
gos debates e calorosos embates políticos), pla repercussão sobre o sistema escolar”.
foi pouco discutido e aprovado sem grande
A ideia da criação de um novo fundo
alarde.
visando ao financiamento de toda a educação
Seus efeitos, porém, tiveram impacto básica, defendida por educadores desde o
decisivo sobre a configuração do sistema es- debate sobre o Plano Nacional de Educação
colar na segunda metade da década de 90. sancionado em 2001, passou a ser persegui-
A Lei n° 9.424/96, um texto de apenas 17 da de forma mais intensa, sobretudo por diri-
artigos, detalha tecnicamente os objetivos e gentes educacionais responsáveis pela oferta
a composição do Fundef. da educação escolar.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 520
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Depois de considerável tempo de matu- dá nova redação ao § 4º do art. 211 e ao §


ração, finalmente, já no governo de Luiz Inácio 3º do art. 212 e ao caput do art. 214, com a
Lula da Silva, o Fundeb foi aprovado. Instituído inserção neste dispositivo de inciso VI.
pela Emenda Constitucional nº 53, de 19 de
A Emenda Constitucional nº 53/2006,
dezembro de 2006, que dá nova redação aos
artigo 60, inciso VII, prevê que no primeiro
artigos 7, 23, 30, 206, 208, 211 e 212 da
ano de vigência do Fundeb a União a portaria
Constituição Federal e ao artigo 60 do ADCT,
R$ 2 bilhões de reais; no segundo ano, R$ 3
o Fundeb foi regulamentado pela Medida Pro-
bilhões de reais; no terceiro ano, R$ 4,5 bi-
visória nº 339, de 28 de dezembro do mesmo
lhões de reais; e, a partir de 2010, caberia à
ano, implementado a partir de 1º de janeiro
União complementar o fundo com, no mínimo,
de 2007 e convertido na Lei nº 11.494, de 20
10% do total de recursos a que se refere o
de junho de 2007.
inciso II do caput do mesmo artigo.
Com o Fundeb, a subvinculação das
Importante destacar que a complemen-
receitas dos impostos e transferências dos
tação da União se dá para aqueles estados
estados, Distrito Federal e municípios passa-
que não conseguem, com seu próprio fundo,
ram gradativamente para 20%, sendo amplia-
chegar ao custo-aluno médio estabelecido
da para toda a educação básica. Tal como
para o ano, divulgado por meio de portaria in-
o Fundef, é orientado pelo princípio da dis-
terministerial, publicada até o dia 31 de julho
tribuição de recursos com base no número
de cada exercício, para vigência no exercício
de alunos, considerando a educação pública
seguinte (Art. 12, § 2º).
em suas diferentes etapas e modalidades:
educação infantil, ensino fundamental, ensi- Essa medida é de grande importância
no médio, educação especial e educação de para os estados das regiões Nordeste e Nor-
jovens e adultos. te, que apresentam menos arrecadação de
impostos e, na época do Fundef, tinham um
O procedimento adotado tem por base
valor aluno/ano muito inferior ao desejado.
de cálculo dados do Censo Escolar do ano
anterior, sendo computados os alunos matri- A criação do Fundeb ampliou, de fato,
culados nos respectivos âmbitos de atuação a participação da União no financiamento da
prioritária (BRASIL, Constituição, 1988, Art. educação, embora a continuidade da existên-
211). cia de 27 fundos continue criando e man-
tendo situações de desigualdades no valor
Isso quer dizer que, da mesma forma
aluno/ano bastante significativas. No período
que no Fundef, os recursos do Fundeb são
2007-2013, observa-se um crescimento de
distribuídos aos municípios e estados com
134,8% no valor mínimo de referência.
base na quantidade de matrículas nas res-
pectivas redes. Este fundo, com 14 anos de Se, por um lado, tal crescimento pode
vigência (até dezembro de 2020), foi de im- ser visto como alvissareiro para a melhoria
plantação gradual e em 2009 passou a bene- da educação, por outro, traz em si a marca
ficiar todos os estudantes da educação bási- das desigualdades regionais, uma vez que,
ca pública presencial, representando um novo enquanto os estados que precisam de com-
e significativo momento de seu financiamento. plementação da União têm no valor mínimo
seu parâmetro, os mais ricos e com mais ar-
Em 2009, a Emenda Constitucional nº
recadação de impostos apresentam um valor
59: dá nova redação aos incisos I e VII do art.
aluno/ano muito superior ao estipulado pelo
208, de forma a prever a obrigatoriedade do
governo federal.
ensino de quatro a dezessete anos e ampliar
a abrangência dos programas suplementares
para todas as etapas da educação básica, e
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 521
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Tal desigualdade vem se efetivando no A fim de oferecer uma contribuição ao


tempo, como mostram dados de 2013, em conhecimento da relação entre presente e fu-
que Roraima e Espírito Santo apresentam, turo, investimento e qualidade que influenciam
respectivamente, valores superiores em 64% diretamente no desenvolvimento socioeconô-
e 44% aos de estados que necessitam de mico de um país.
complementação. Analisando um breve histórico da edu-
Tudo isso depende, por certo, de fatores cação no Brasil antes da CF/88, no século
diversos, muitos dos quais extrapolam o âm- XIX e XX, trata-se de um período de intensa
bito educacional e dizem respeito ao impacto experimentação científica, o conhecimento se
torna progressivamente acessível a grupos
de variáveis econômicas sobre as políticas
antes vetados. O desejo de construir nações
sociais, em particular, a educação. O panora-
fortes, economicamente desenvolvidas e mo-
ma econômico recente do Brasil não autoriza
dernas move essa conjuntura, desse modo a
prognósticos excessivamente otimistas. educação é vista como instrumento relevante
O acompanhamento do uso dos recur- de agregação como fatores de transformação,
sos públicos nesse contexto e a ampliação tudo isso constrói a base para a instituciona-
dos mecanismos de controle social sobre lização da educação.
eles são, portanto, uma exigência que se im- O caráter assumido pela educação no
põe (BRASÍLIA, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./ período é ressaltado por (CAMBI 1999, p.
jun. 2015. 398, grifos do original): A escola tornou-se
A EDUCAÇÃO NO BRASIL NUNCA FOI obrigatória ( pelo menos em certas ordens
PRIORIDADE e graus), gratuita ou quase , estatal ( com
algumas exceções, mas que não chegaram
Tema recorrente em discursos de cam- a anular o papel de controle por parte do
panhas políticas, a educação como priorida- Estado sobre todos os tipos de escolas): são
de, no entanto as verbas para ela são real- três aspectos que colocam na sociedade atri-
mente uma problemática com as quais os buindo-lhe um papel essencial. Existe ainda
profissionais da educação se deparam todos o outro aspecto da diferenciação interna, dos
os dias, na tentativa de garantir a qualidade muitos tipos de escola, que vem cobrir outra
contida na letra da lei vigente. exigência de reprodução da divisão de traba-
lho e de reconstrução de classes e grupos
Usando como referência o pisa (PRO- sociais.
GRAMA INTERNACIONAL DE AVALIAÇÃO DE
ESTUDANTES) O Estudo irá se debruçar sobre
o orçamento destinados a educação pública
brasileira, na esfera da educação básica, que
ocupa o 65º lugar em ciências, 74º em ma-
temática, 60° em leitura, na edição de 2018,
resultado isolado das escolas públicas, entre
os 79 países avaliados, buscando entender
as diferenças existentes entre o Brasil e os
países que ocupam as primeiras colocações,
apontando os indicadores de qualidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 522


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O estado cada vez mais se responsabili- A qualidade aqui mencionada são ques-
za pela função educacional de sua sociedade tionáveis e mesmo garantidas na letra da lei,
lembrando que inicialmente a educação era ainda está bem longe do ideal explorando a
de responsabilidade das autoridades eclesi- documentação dos relatórios do PISA 2018
ásticas. Ela passou aos poucos a ser cada vez que comparou o total acumulado de investi-
mais laicizada, cada vez mais uma atribuição mentos por aluno dos 6 aos 15.
estatal, a medida que o estado tomou as ré-
deas do processo educacional, fazendo com
que a escola fosse vista como instrumento da
reprodução da organização social, reprodu-
ção de critérios de disciplinas especialmente
aos trabalhadores, “educação como recur-
so valioso para fomentar o desenvolvimento
econômico” (REVOLUÇÃO INDUSTRIAL). A
CF/1988 Art. 208. O dever do Estado com a
educação será efetivado mediante a garantia
de:
I - ensino fundamental obrigatório e gra-
tuito, assegurada, inclusive, sua oferta gratuita
para todos os que a ele não tiverem acesso
na idade própria;
LDB 9394/96 Art. 4º O dever do Estado
com educação escolar pública será efetivado
mediante a garantia de:
IX - padrões mínimos de qualidade de
ensino, definidos como a variedade e quan- No relatório do PISA 2018 que compa-
tidade mínimas, por aluno, de insumos indis- rou o total acumulado de investimentos por
pensáveis ao desenvolvimento do processo aluno, o Brasil está bem abaixo dos países
de ensino-aprendizagem. que ocupam o topo das edições da prova, a
É a CF/1988 que busca essa transfor- começar pelo valor investido por aluno, en-
mação, alinhada a outros dois documentos: quanto os gastos desses países giram em
a LDB e o ECA, a educação pública, gratuita torno de 64,315 a 149,234 o Brasil destina
para todos os indivíduos em idade escolar 37,954, mas o que isso significa?
dos 4 aos 17 anos. Enquanto os líderes de melhores resul-
No artigo 206, da CF/1988 determina tados investem pesado na educação do seu
como princípio do ensino a igualdade de con- país, o Brasil não consegue destinar mensal-
dições para acesso e permanência na escola; mente, o valor das mensalidades das piores
a garantia de padrão de qualidade; a gratui- escolas privadas do País.
dade no ensino público em estabelecimento
oficiais e a valorização dos profissionais da
educação escolar por meio do estabeleci-
mento do piso salarial profissional nacional,
planos de carreiras e ingresso na profissão
via concurso público.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 523
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Outra problemática é a desigualdade “Nossos professores estão doentes”. Essa


na variação das notas dos alunos, onde os é a realidade de quem leciona na rede estadual
grupos mais pobres têm desempenhos mais de Educação, na opinião da coordenadora regio-
nal da Apeoesp, na subsede da Baixada Santista,
baixos em relação aos alunos mais ricos, por
Célia Amado. Para ela, os números apresentados
exemplo: nesta terça-feira pela entidade corroboram sua
A OCDE afirma que apenas 10% dos afirmação.
estudantes de baixo nível socioeconômico fo- De acordo com o estudo "A Saúde do Pro-
ram capazes de tirar notas equivalentes aos fessor da Rede Estadual de Ensino", do total de
25% melhores desempenhos em leitura. entrevistados, 27% afirmaram que tiveram de se
afastar das salas de aula. O principal motivo, re-
latado por 57%, foi a depressão.
Ainda segundo a APEOESP, que ouviu 936
professores de todo o Estado, em 2010, transtor-
nos de ansiedade são a segunda maior causa
de afastamentos, apontada por 49%. Outros 41%
citaram a rouquidão e 37%, a hipertensão.
“Tudo isso acontece por esgotamento físi-
co e mental”, define Célia. Classes lotadas e a
violência dentro da escola são fatores que, se-
gundo ela, derrubam a autoestima e a motivação
do educador. “E o resultado são esses números”,
diz.
Segundo ela, os casos são muitos. Vários
que tiveram de se afastar. Alguns se recuperam,
mas vão para serviços burocráticos, ficam fora
Outra variável gritante são os salários das salas de aula. E isso representa uma perda
dos professores, embora garantida em lei, no muito grande porque são bons profissionais”. Um
Brasil é sempre pautadas greve do magisté- ponto em comum entre os países com melhor
rio, segundo o sindicato categoria da dentre desempenho no PISA além da equidade entre
os motivos pela greve estão reposição sala- alunos socioeconomicamente diferentes a valo-
rização da carreira docente também é levada a
rial, cumprimento da Lei do Piso e melhores sério (MORAES, OCDE, s/d).
condições de trabalho.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 524
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Que o Brasil ostenta inúmeros problemas em seu sistema educacional público fica evi-
dente. Sabemos que a educação é órfã em todas as esferas do poder, quando pensamos na
situação contemporânea da educação pública no Brasil.
E, com certeza nos preocupamos, por mais que o acesso esteja garantido por meio
da CF/88 nos questionamos sobre a infraestrutura que ainda deixa a desejar,com condições
precárias de existência, os constantes cortes afetam diretamente na qualidade do serviço
prestado, não existe educação barata e de qualidade, é preciso compromisso dos líderes.
As notas do Brasil estão entre as mais baixas, do mundo, esses resultados são extre-
mamente preocupantes a qualidade do ensino público depende de investimento e pessoas
comprometidas, e preciso garantir a proteção da escola pública, sua eficácia para um desen-
volvimento socioeconômico do país.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 525


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988) Constituição da República Federativa do Brasil promulgada em 05 de Outubro de
1988.

______. Lei nº 9.394, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, de 20 de dezembro de 1996. Brasília/DF:
MEC,1996.

______. Lei nº 9.424,de 24 de Dezembro de 1996. Dispõe sobre o Fundo de Manutenção e de valorização do
Magistério.

______. Lei nº 11.494,de 20 Junho de 2007. Regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Edu-
cação Básica e Valorização dos Profissionais da Educação. FUNDEB.

______. Constituição (1824). Constituição Política do Império do Brasil de 25 de março de 1824. Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituição/constituicao24.htm>.

______. Constituição (1891).Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 24 de fevereiro de 1891.
Diário do Congresso Nacional, Rio de Janeiro, 1891, p. 523.

______. Constituição (1934). Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 16 de julho de 1934.
Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 16 jul. 1934. Seção 1, p. 1. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/
ccivil_03/ constituição/constituicao34.htm>.

_______. Decreto nº 19.850, de 11 de abril de 1931. Crêa o Conselho Nacional de Educação. Diário Oficial, Rio
de Janeiro, 15 abr. 1931/ 2014.

______. Constituição (1967). Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Diário Oficial da União,
Brasília, DF, 24 jan. 1967. Disponível em: < http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao67.htm>.

______. Aprova o Regulamento da Instrução Primária e Secundária do Distrito Federal. Disponível em: Acesso
em: 2 dez. 2014. BRASIL. Decreto nº 982, de 8 de novembro de 1890. Altera o regulamento da Escola Normal
da Capital Federal. 2014. BRASIL. Decreto nº 1.075, de 22 de novembro de 1890.

_______. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Fe-
deral, 1988. 292 p. Disponível em: < http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. 34 Em
Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./jun. 2015.

______. Decreto nº 16.782 de 13 de janeiro de 1925. Estabelece o concurso da União para a difusão do ensino
primário, organiza o Departamento Nacional do Ensino, reforma o ensino secundário e superior e dá outras pro-
vidências. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 7 abr. 1925. Seção 1, p. 8541.

______. Decreto nº 19.890, de 18 de abril de 1931. Dispõe sobre a organização do ensino secundário. Diário
Oficial, Rio de Janeiro, 1 maio 1931/ 2014.

______. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 18 de setembro de 1946. Diário Oficial da União, Rio de
Janeiro, 19 set.1946. Seção 1, p. 13059. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/
constituicao46.htm>.

______. Decreto nº 20.158, de 30 de junho de 1931. Organiza o ensino comercial, regulamenta a profissão de
contador e dá outras providências. Diário Oficial, 36 Em Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./jun. Rio de
Janeiro, 9 jun. 1931/ 2015.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 526


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

______. Decreto nº 21.241, de 4 de abril de 1932. Consolida as disposições sobre a organização do ensino se-
cundário e dá outras providências. Diário Oficial, Rio de Janeiro, 9 abr. 1932. Disponível em: http://www2.camara.
gov.br/ legin/fed/decret/1930-1939/decreto-21241-4-abril-1932-503517-norma-pe.html. 2014.

______. Decreto nº 11.530, de 18 de março de 1915. Reorganiza o ensino secundário e o superior na República.
Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 19 mar. 1915. Seção 1, p. 2977.

______. Decreto nº 6.003, de 28 de dezembro de 2006. Regulamenta a arrecadação, a fiscalização e a cobrança


da contribuição social do salário- educação, a que se referem o art. 212, § 5o , da Constituição, e as Leis nos
9.424, de 24 de dezembro de 1996, e 9.766, de 18 de dezembro de 1998.

______. Decreto-lei nº 4.244, de 9 de abril de 1942. Lei orgânica do ensino secundário. Diário Oficial da União, Rio
de Janeiro, 10 abr. 1942. Seção 1, p. 5798. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/legin/fed/declei/1940-1949.

______. Decreto-lei nº 4.245, de 9 de abril de 1942. Disposições transitórias para execução da lei orgânica do
ensino secundário. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 10 abr. 1942. Seção 1, p. 5803. Disponível em: http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4245-9-abril-1942-414157-publicacaooriginal-1-pe.
html>.

______. Decreto-lei nº 4.245, de 9 de abril de 1942. Disposições transitórias para execução da lei orgânica do
ensino secundário. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 10 abr. 1942. Seção 1, p. 5803. Disponível em: http://
www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-4245-9-abril-1942-414157-publicacaooriginal-1-pe.
html>.

______. Decreto-lei nº 6.142, de 28 de dezembro de 1943. Disposições transitórias para execução da Lei Orgâni-
ca do ensino comercial. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1943. Seção 1, p. 19221. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/ 37 Em Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./jun.
2015 decreto-lei-6142-28-dezembro-1943-416186-publicação original-1-pe.html>.

______. Decreto-lei nº 6.142, de 28 de dezembro de 1943. Disposições transitórias para execução da Lei Orgâni-
ca do ensino comercial. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1943. Seção 1, p. 19221. Disponível em:
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/ 37 Em Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./jun.
2015 decreto-lei-6142-28-dezembro-1943-416186-publicação original-1-pe.html>.

______. Emenda Constitucional n° 24, de 1º de dezembro de 1983. Estabelece a obrigatoriedade de aplicação


anual, pela União, de nunca menos de treze por cento, e pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, de, no
mínimo, vinte e cinco por cento da renda resultante dos impostos, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
Diário Oficial da União, Brasília, DF, 5 dez. 1983. Seção 1, p. 20465.

______. Emenda Constitucional nº 53, de 19 de dezembro de 2006. Dá nova redação aos arts. 7º, 23, 30, 206,
208, 211 e 212 da Constituição Federal e ao art. 60 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 20 dez. 2006.

_____. Emenda Constitucional nº 68, de 21 de dezembro de 2011. Altera o art. 76 do Ato das Disposições Cons-
titucionais Transitórias. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 22 dez. 2011.

_______. Lei de 15 de outubro de 1827. Mandou criar escolas de primeiras letras em todas as cidades, vilas e
lugares mais populosos do Império. 2014.

______. Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961. Fixa as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Diário Oficial
da União, Brasília, DF, 27 dez. 1961.

______. Lei nº 5.692, de 11 de agosto de 1971. Fixa Diretrizes e Bases para o ensino de 1° e 2º graus, e dá outras
providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 ago. 1971.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 527


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

_______. Lei nº 7.348, de 24 de julho de 985. Dispõe sobre a execução do § 4º do art. 176 da Constituição Fe-
deral, e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 jul. 1985.

______. Plano Nacional de Educação ver BRASIL. Lei nº 10.172, de 9 de janeiro de 2001. RUA, Maria das Graças.
Políticas públicas. Florianópolis: UFSC; Brasília, DF: Capes, UAB, 2009.

BRAUDEL, Fernand. A longa duração. In: BRAUDEL, F. Escritos sobre a história. Lisboa: Perspectiva, 1992. CURY,
Carlos Roberto Jamil. Ideologia e educação brasileira: católicos e liberais. São Paulo, Cortez & Moraes, 1978.

CARREIRA, Denise; PINTO, José Marcelino Rezende. Custo Aluno – Qualidade Inicial: rumo à educação pública
de qualidade no Brasil. São Paulo: Global.Campanha Nacional pelo Direito à Educação, 2007, p. 127.

CURY, Carlos Roberto Jamil. LDB: Lei de Diretrizes e Bases da Educação: lei nº 9394/95. Rio de Janeiro: DP &
A, 1997. CURY, Carlos Roberto Jamil. Lei de Diretrizes e Bases e perspectivas da educação nacional. Revista
Brasileira de Educação, Rio de Janeiro, n. 8, p. 72-85, maio/ago. 1998. FRANCO, Augusto de. Três gerações de
políticas sociais. 2003.

GOMES, Cândido Alberto. A nova LDB: uma lei de esperança. Brasília, DF: Ed. Universa, 1998. LUZURIAGA, Lo-
renzo. História de la educación pública. Buenos Aires: Editorial Losada, 1950.

MANIFESTO dos Pioneiros da Educação Nova. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos. Brasília, DF, v. 65, n.
159, p. 407-425, maio/ago. 1984.

MARTINS, Paulo de Senna. Financiamento da educação no município. In: BRASIL. Ministério da Educação (MEC).
Programa de Apoio aos Secretários Municipais de Educação: Prasem. Brasília, DF: MEC, 1999.

MONLEVADE, João. Educação pública no Brasil: contos e descontos. [Brasília, DF]: Idéia, 1997. MONLEVADE,
João; FERREIRA, Eduardo Beurmann. O Fundef e seus pecados capitais: análise do fundo, suas implicações
positivas e negativas e estratégias de superação de seus limites. Brasília, DF: Idéia, 1997.

SAVIANI, Dermeval. A nova Lei da Educação (LDB): trajetória, limites e perspectivas. 12. ed. Campinas: Autores As-
sociados, 2011. SCHWARTZMAN, Simon. As causas da pobreza. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2004.

TEIXEIRA, Anísio. Sobre o problema de como financiar a educação do povo brasileiro: bases para discussão do
financiamento dos sistemas públicos de educação. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, Rio de Janeiro, v.
20, n. 52, p. 27-42, out./dez. 1953. VIEIRA, Sofia Lerche.

VIEIRA, Sofia Lerche. Pós-graduação e formação de professores em educação básica: políticas em construção.
In: CUNHA, Célio da; SOUSA, José Vieira; SILVA, Maria Abádia (Org.). Universidade e educação básica: políticas
e articulações possíveis. Brasília, DF: Liber Livro, 2012. p. 283-297.

______; FARIAS, Isabel Maria Sabino de. Política educacional no Brasil: introdução histórica. 3. ed. Brasília, DF:
Liber Livro, 2011. 42 Em Aberto, Brasília, v. 28, n. 93, p. 17-42, jan./jun. 2015 UNESCO. Educação para Todos:
relatório de monitoramento global. Paris, França: Unesco, 2014. Disponível em: Sofia Lerche Vieira.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 528


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade UNG,


(2004), Especialista em Educação Infantil pela
Faculdade (2015); Especialista em Práticas em
Alfabetização e Letramento pela Faculdade Campos
Elíseos (2019). Professora de Educação Infantil no
CEI Parque Edu Chaves.

MARILEIDE NOBRE
DOS SANTOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 529
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS CONTOS DE FADAS EM SALA DE AULA

RESUMO: O presente artigo pretende elucidar as principais características contribuições da Literatura


infantil para o desenvolvimento da leitura e escrita infantil. Evidencia-se as funções da literatura,
traçando um paralelo entre a literatura e o leitor. Esclarece os objetivos da formação de leitores
e o prazer da leitura sem compromissos. Propiciar o pensar sobre os objetivos da literatura na
Educação Infantil e nas Séries Iniciais do Ensino Fundamental. Questiona-se sobre a leitura oral
ou silenciosa na sala de aula, evidenciando o ambiente alfabetizador. Propor a percepção do
ensino da literatura em todos os níveis de escolarização bem como a avaliação do progresso
deste ensino.

Palavras-chave: Alfabetização; Leitura; Literatura.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 530


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
presente estudo evidencia a importância da Literatura Infantil. Sabemos que o
termo literatura aplicado para distinguir e classificar textos de escrita imaginativa
foi empregado a partir do final do século XVIII, com sentido semelhante ao que
hoje atribuímos a essa palavra. Foi nas instituições sociais que Madame de Stael (1766-1817),
defendeu a ideia da especificidade do texto literário em relação às demais produções escritas.
Nesse livro, ela procurou distinguir os textos escritos em língua francesa por seu modo
de tratar a realidade. Mostrou como os textos científicos, ocupados em descrever a realidade
e apoiados no raciocínio lógico, diferem dos literários, dedicados a construir uma realidade
paralela e apoiados na imaginação. Essa distinção entre pensamento lógico e imaginação
será retomada continuadamente ao longo dos séculos que se seguiram.
Converteu-se numa espécie de verdade: o literário traz a marca da invenção e da quebra
de padrões de escrita e de representação do mundo e do homem. Já a ciência procura na
precisão, na comprovação, nas relações necessárias entre causas e efeitos explicar o modo
como a noção de realidade se constrói nos seres humanos. É a partir dessa diferença inicial
— que foi se tornando cada vez mais elaborada e com novos ingredientes — que atualmente
chegamos ao uso corrente do termo.
As pessoas geralmente entendem literatura como aquilo que está em livro e que tem
caráter de história inventada ou de texto para ser declamado, com sons parecidos ao final
das linhas (as rimas). Em alguns ambientes profissionais, o termo literatura pode se referir
aos livros que trazem textos que tratam de áreas profissionais específicas. Assim, por exem-
plo, fala-se em literatura médica ou jurídica em referência aos textos escritos sobre esses
assuntos.Aqui neste estudo, a literatura será entendida como aquela que se relaciona direta
e exclusivamente com a arte da palavra, com a estética e com o imaginário.
Segundo Kupstas em seu livro Sete Faces do Conto de Fadas ela nos relata que há
muitos anos a contação de história já ocorria no mundo escolar e como educadoras podemos
identificar que muitos professores não usam essa estratégia, pois acham que é apenas distra-
ção ou até mesmo o seu segundo plano para passar o tempo, e não descobriram o quando
uma história pode ajudá-los em sua missão como educadores. Sendo assim, o objetivo geral
deste trabalho é conhecer a origem da Literatura Infantil, suas contribuições para o desenvol-
vimento do aprendizado das crianças com relação à leitura e também procura compreender a
metodologia do professor em relação à contação de história em sua sala de aula, contribuindo
satisfatoriamente para o desenvolvimento das crianças.
Busca-se a definição de literatura e as características que ela assume ao se direcionar
para a leitura trabalhada na escola. Cabe procurar, num primeiro momento, delimitar o sentido
de literatura e, por extensão, de literatura infantil para que seja possível, a partir das caracte-
rísticas específicas do objeto, programar um trabalho consistente e eficaz com esse gênero
textual diferenciado.
Dentro desse universo amplo é que deve ser incluída a literatura infantil, com um con-
ceito como o expresso pelas autoras de Era uma vez [...] na escola: formando educadores
para formar leitores: "O que é a literatura infantil? Objeto cultural. São histórias ou poemas,
que ao longo dos séculos cativam e seduzem as crianças. Alguns livros nem foram escritos
para elas, mas passaram a ser considerados literatura infantil.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 531
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OS CONTOS E AS FÁBULAS Aqui neste estudo, a literatura será entendida


como aquela que se relaciona direta e ex-
O presente estudo evidencia a impor- clusivamente com a arte da palavra, com a
tância da Literatura Infantil. Sabemos que o estética e com o imaginário.
termo literatura aplicado para distinguir e clas-
sificar textos de escrita imaginativa foi em- Segundo Kupstas em seu livro Sete Fa-
pregado a partir do final do século XVIII, com ces do Conto de Fadas ela nos relata que há
sentido semelhante ao que hoje atribuímos a muitos anos a contação de história já ocorria
essa palavra. no mundo escolar e como educadoras pode-
mos identificar que muitos professores não
Foi nas instituições sociais que Mada- usam essa estratégia, pois acham que é ape-
me de Stael defendeu a ideia da especifici- nas distração ou até mesmo o seu segundo
dade do texto literário em relação às demais plano para passar o tempo, e não descobri-
produções escritas. Nesse livro, ela procurou ram o quando uma história pode ajudá-los em
distinguir os textos escritos em língua france- sua missão como educadores. Sendo assim,
sa por seu modo de tratar a realidade. Mos- o objetivo geral deste trabalho é conhecer a
trou como os textos científicos, ocupados em origem da Literatura Infantil, suas contribui-
descrever a realidade e apoiados no raciocí- ções para o desenvolvimento do aprendizado
nio lógico, diferem dos literários, dedicados a das crianças com relação à leitura e também
construir uma realidade paralela e apoiados procurar compreender a metodologia do pro-
na imaginação. fessor em relação à contação de história em
Essa distinção entre pensamento lógico sua sala de aula, contribuindo satisfatoria-
e imaginação será retomada continuadamen- mente para o desenvolvimento das crianças.
te ao longo dos séculos que se seguiram. Busca-se a definição de literatura e as
Converteu-se numa espécie de verdade: o li- características que ela assume ao se direcio-
terário traz a marca da invenção e da quebra nar para a leitura trabalhada na escola. Cabe
de padrões de escrita e de representação do procurar, num primeiro momento, delimitar o
mundo e do homem. Já a ciência procura sentido de literatura e, por extensão, de lite-
na precisão, na comprovação, nas relações ratura infantil para que seja possível, a partir
necessárias entre causas e efeitos explicar o das características específicas do objeto, pro-
modo como a noção de realidade se constrói gramar um trabalho consistente e eficaz com
nos seres humanos. esse gênero textual diferenciado.
É a partir dessa diferença inicial — que Dentro desse universo amplo é que
foi se tornando cada vez mais elaborada e deve ser incluída a literatura infantil, com um
com novos ingredientes — que atualmente conceito como o expresso pelas autoras de
chegamos ao uso corrente do termo. As pes- Era uma vez. . . na escola: formando educa-
soas geralmente entendem literatura como dores para formar leitores: "O que é a litera-
aquilo que está em livro e que tem caráter de tura infantil? Objeto cultural. São histórias ou
história inventada ou de texto para ser decla- poemas, que ao longo dos séculos cativam
mado, com sons parecidos ao final das linhas e seduzem as crianças. Alguns livros nem fo-
(as rimas). ram escritos para elas, mas passaram a ser
Em alguns ambientes profissionais, o considerados literatura infantil.
termo literatura pode se referir aos livros que Ao chegar mata a avó, e coloca seu
trazem textos que tratam de áreas profissio- sangue em uma garrafa e corta sua carne em
nais específicas. Assim, por exemplo, fala-se fatias e coloca em um caldeirão para cozinhar
em literatura médica ou jurídica em referên- quando chega Chapeuzinho ele a oferece a
cia aos textos escritos sobre esses assuntos. carne e o vinho que na verdade e o sangue
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 532
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

de sua avó. Ao terminar de comer o lobo pe- E a história da Bela Adormecida que
diu que ela tirasse as roupas e que jogasse fala de uma linda moça que foi vítima de uma
ao fogo e ao se deitar ele a devora sem dó profecia, e com quinze anos isso concretizou.
nem piedade: Aurora prende um espinho venenoso em seu
Chapeuzinho Vermelho vive num lar de
dedo e adormece, com o passar do tempo
fartura que, como já ultrapassou a ansie- aparece um rei e resolve abusar de Aurora
dade oral, compartilha com a avó alegre- onde ela engravida e dá à luz a um casal de
mente, levando-lhe comida. Para Chapeu- gêmeos.
zinho o mundo fora do lar paterno não é
uma selva ameaçadora onde a criança
Com muita fome um dos bebês chupa
não consegue encontrar o caminho. Exis- o dedo dela e o espinho sai, e ela acorda, o
te uma estrada bem conhecida, da qual a rei manda a buscar e esquece de avisar que
mãe aconselha-a a não se desviar (BET- é casado e sua esposa tenta matar Aurora e
TELHEIM, 2008 p. 207). seus filhos, mas o próprio rei manda matar
sua esposa:
Já na primeira versão de Branca de
Neve, com apenas sete anos de idade é in- A história de Bela Adormecida imprime
vejada pela sua madrasta, a madrasta pede na criança a ideia de que uma ocorrên-
que o caçador a leve para a floresta e a mate cia traumática – como o sangramento da
moça no início da puberdade e depois
e que arranque seus rins, coração e fígado
na primeira cópula – tem conseqüências
para ela o comer o caçador com dó o caça- felizes. [...] A maldição é uma benção dis-
dor deixa Branca de Neve escapar. farçada (BETTELHEIM, 2008 p. 275).
Ao morar com os anões por um bom Quem é que não conhece a história de
tempo é descoberta e ao ser enganada pela João e Maria, mas na versão original contada
madrasta ela come a maça, e fica desfaleci- por camponeses, fala que eram dois irmãos
da, o príncipe ao ver aquela linda moça mor- filhos de camponeses que moravam perto da
ta, ele a coloca em seu cavalo e quer a levá-la floresta, por acabar a comida seus pais os
para o palácio seu servo cansado de levar o coloca na floresta, o abandono já é visto e
corpo de um lado para o outro, resolve bater as duas crianças sai a procura de alimentos
em branca de neve no estômago e com isso ao encontrar uma casa feita de doces e gulo-
ela vomita o pedaço de maça envenenado, e seimas. Na história original em vez de bruxa
o mais interessante é que como castigo sua são um casal de demônios em vez de mãe
madrasta e submetida a usar e dançar com é uma madrasta, o casal de demônios não
sapatos de ferro com brasa até a morte: quer cozinhar João, mas sim extirpá-lo em um
Os contos de fadas não dizem a razão cavalete de madeira.
de um pai ser incapaz de apreciar que o
filho cresça e o supere, e fique também
O demônio macho sai para uma cami-
com ciúmes da criança. Não sabemos nhada enquanto a demônio fêmea pede para
porque a Rainha em “Branca de Neve” Maria a ajudar a colocar João no cavalete
não consegue envelhecer com graça e pois quando seu marido chegar tudo já estará
se satisfazer de modo substitutivo com a pronto. Maria acaba fingindo que não sabe
transformação e florescimento da menina colocar João e pede para a Demônio fêmea
uma moça adorável, mas algo deve ter simular como é quando ela se deita João e
acontecido no passado dela que a torna Maria a amarra e a cortar a garganta, pega
vulnerável e faz com que odeie uma crian-
todo o dinheiro deles e foge e Bruno Bette-
ça que ela deveria amar. [...] a sequência
de gerações pode contribuir para o temor
lheim nos fala sobre o abandono, em seu livro
que os pais sentem dos filhos ( BETTE- a Psicanálise dos contos de fadas em que
LHEIM, 2008 p. 234). diz que:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 533


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

João e Maria lida com dificuldades e outras: “O primeiro fabulista era escravo na
ansiedades da criança que é forçada a cidade de Samos seu nome era Esopo, por
abandonar sua ligação dependente com a volta do século VI aC. Ele foi atribuído a fábu-
mãe e a libertar-se da fixação ora Chapeu-
las imortais, onde foi recontada e apreciada
zinho Vermelho aborda alguns problemas
cruciais que a menina em idade escolar
por diversos escritores em diferentes épocas”
tem de solucionar quando as ligações edí- (KUPSTAS,200 p.9-10).
picas persistem no inconsciente, o que Coelho (2003) afirma que é impossível
pode levá-la a expor-se perigosamente a
saber onde as fadas teriam nascido, porém o
possíveis seduções (BETTELHEIM, 2008
p. 206).
mais provável é que tenham surgido entre o
real e o imaginário. A autora afirma que tem
De acordo com Coelho (1987) os pri- sido grande a tentativa de descobrir o local
meiros registros foram em 4.000 A.C produzi- de nascimento das fadas. As pesquisas fo-
do por egípcios um livro mágico, em seguida ram feitas por Filósofos, Historiadores, entre
na Índia, na Palestina com o velho testamento outros.
depois na Grécia antiga.
Nessa primeira coletânea havia o famo-
Coelho (1998) afirma que os contos de so conto da “Mãe Gansa” presente no livro de
fada são narrativas curtas com algum suspen- Charles Perrault (1967), onde ele reuniu oitos
se em que os heróis enfrentam obstáculos, história muito conhecidas, mas contadas de
com a finalidade de causar, sentimentos, seja forma diferente: A bela Adormecida, Chapeu-
de comoção, ódio, alegria ou de superação. zinho vermelho, O Barba Azul, O gato de Bo-
Animais falantes, fadas, príncipes, princesas, tas, As fadas, Cinderela, A Gata borralheira, e
reis e rainhas fazem parte dos personagens o Pequeno Polegar e um não tão conhecido
do fantástico mundo dos contos de fadas. nessa época Henrique do Topete.
Para Cezaretti (1989, p.26) “Os contos de
fadas revelam conflitos e possíveis soluções Mas só depois de cem anos, já na Ale-
que trabalham com os sentimentos incons- manha Perrault, realizou inúmeras pesquisas
cientes, em busca da real personalidade”. com os irmãos Jacob e os Grimm, onde hou-
ve uma grande expansão na Europa e nas
Segundo Cascudo 2003, ele afirma que Américas com adaptação de contos contadas
os contos na sua antiguidade atentam deta- por camponesas: “Segundo Coelho (2009)
lhes de ambientes, armas, frases, e hábitos Contos de fadas fazem parte desses livros
desaparecidos, por ser muito antigo o conto, eternos que os séculos não conseguem des-
é raro que menciona armas de fogo, falam truir e que, a cada geração, são redescoberto
sempre de carruagem, espadas, transportes e voltam a encantar leitores ou ouvintes de to-
a cavalos, reclusão feminina, autoridade pa- das as idades” (COELHO, 2009, p.27): “Sem
terna. Além disso, ele fala também que só as nos esquecermos dos irmãos Grimm com
donzelas usavam os cabelos soltos as mu- grandes descobertas, os Grimm acabaram
lheres casadas não podiam, onde os cabelos formando essas histórias que hoje conhece-
soltos simbolizavam a liberdade. mos: “O príncipe sapo”, “Chapeuzinho Ver-
melho”, “A Bela Adormecida”, “João e Maria
Já as fábulas segundo KUPSTAS, é
entre outros”.
uma narrativa que surgiu no Oriente, mas foi
desenvolvida por um escravo, no século VI De acordo com Coelho (2000), foi com o
a.C. na antiga Grécia onde ele inventava que passar dos anos, que o adulto passou a perce-
os animais eram os personagens principais. ber que a criança necessitava de experiências
Há muitas histórias incluídas nas fábulas de próprias ao seu desenvolvimento. Essa necessi-
Esopo, tais como a raposa e as uvas, a tar- dade de um texto adequado para um desenvol-
taruga e a lebre, O lobo e o Cordeiro entre vimento intelectual, emocional e cognitivo.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 534
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Como descreve Gregório (1995, p.02) Na versão dos Irmãos Grimm, A bela
“antes do século XIV e que surge, na Europa Adormecida, fala sobre o nascimento de uma
o registro dos Contos de fadas. [...] Começou linda princesa onde todo o reino foi convidado
no século VII, segundo Coelho (1987) com para comemorar a chegada da linda princesi-
o poema épico anglo-saxão Beowulf”. Nesse nha chamada de Flor Graciosa, mas por um
contexto dá para compreender que fantasia descuido uma das fadas não é convidada e
faz bem principalmente pelo final feliz segun- joga uma maldição na princesa, de quando
do Franz que respalda em Bruno Bettelheim ela completar quinze anos espetará o dedo
e diz: em uma roca e morrerá.
A fantasia além de denunciar simboli- Mas faltava uma das fadas para dar o
camente questões sociais e existenciais presente e o presente dado foi, que quando
através do universo deformado do sonho ela furar o dedo não morrerá, mas dormirá
possui ainda funções terapêuticas, segun-
durante cem anos, e o reino todo e só acor-
do atesta o psicanalista Bebitus leitor, ao
identificar-se com os problemas do herói,
dará com um beijo de um lindo príncipe. Seu
tende a emancipar-se de seus próprios pai muito preocupado pede que destrua todas
conflitos interiores, principalmente quan- as rocas do reino e a princesa cresce e com-
do é encorajado pelo final feliz (FRANZ, pleta a idade de quinze anos, a fada disfarce
1990, p. 99). de criada espera a linda moça e pede que
ela tente o serviço, e ela muito que curiosa
Segundo o livro “Ler e Escrever” (2008),
vai tentar o trabalho e se fere e dorme e leva
as histórias foram sendo transmitidas oral-
com ela todo o reino. Por muito tempo muitos
mente ao longo das gerações, sem que se
príncipes tentam salvar, mas logo apareceu
saiba ao certo quem as criou. Muitos autores
um lindo príncipe, corajoso e liberta a linda
ficaram conhecidos no mundo como os ir-
princesa e todo o reino.
mãos Grimm, Hans Christian Andersen, Char-
les Perrault. A HISTÓRIA DA BRANCA DE NEVE
Segundo Cascudo (2003) o conto revela Segundo Bettelheim (2010), ele afirma
informação histórica, etnográfica, sociológica, que Branca de Neve é um dos contos mais
jurídica, social é um documento vivo e como antigos e mais conhecidos. Há séculos foi
se fosse o primeiro leite intelectual, assim ele narrado de várias formas e linguagem.
nos afirma que os contos têm que está velho Em uma versão Italiana é chamado de “A
na nossa memória. Cascudo (2003, p.22) diz Moça de Leite e Sangue”, pois as três gotas
que “os contos variam infinitamente, mas os de Sangue não caem sobre a neve mas sobre
fios são os mesmos”. o leite .
Coelho (2003), em seu livro “Os Contos Em outra versão mais antiga Branca de
de Fadas” mostra alguns autores que contri- Neve é chamada de “A Jovem Escrava” onde
buíram bastante para a recriação da literatura a madrasta não tem só inveja de sua beleza,
infantil. Bruno Bettelheim em seu livro a Psi- mas também ciúmes do amor real de seu pai.
canálise dos Contos de Fadas nos relata que Seu nome é Lisa e morre por um pente preso
os contos. Uns desses maravilhosos autores em seus cabelos, mas como Branca de Neve
foram os irmãos Grimm com vários clássicos ela é enterrada em um caixão de vidro e vai
como: A Bela Adormecida: Bettelheim (2010) crescendo e junto com ela o caixão também
afirma que o conto de A Bela Adormecida ela desperta aos sete anos pois o pente cai
surgiu por volta de XIV ao XVI, em versões dos seus cabelos e sua madrasta a faz de
francês e Catalão que serviu de modelos para escrava.
Basile, onde vez por título “Sol, Lua e Tália”.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 535


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Na versão dos Irmãos Grimm Branca pe indo a caça viu a princesa e se apaixonou,
de Neve, fala sobre uma linda moça, branca pediu para os anões para levar consigo o cai-
como a neve, com lábios vermelhos como xão pois estava muito apaixonado, os anões
sangue e com os cabelos negros como o o ajudaram.
ébano. Com a morte de sua mãe, o rei se
Enquanto desciam trupicou um deles e
casou novamente, sua esposa era lindíssima,
o abalo do caixão saiu o pedaço de maçã da
muito vaidosa e invejosa e cruel.
boca da princesa e foi pedida em casamento
Perguntava por vaidade ao espelho má- pelo príncipe, mandou convite a rainha e ela
gico dado por um feiticeiro se era a mais lin- toda cheia de joias perguntou ao espelho, e o
da, e todos os dias o espelho lhe respondia espelho respondeu que no reino dela ela era
que ela era a mais bela. Mas o tempo passou a mais linda, mas a noiva Branca de Neve era
e Branca de Neve cresceu e o espelho res- a mais bela do mundo louca de raiva partiu
pondeu que a mais bela era branca de neve e a cerimônia e lá viu Branca de Neve e sofreu
a rainha com sua inveja chamou uns de seus um ataque e o coração explodiu e o corpo
guardas para a levar a mata e que a matasse estourou. Mas a festa não terminou e durou
e que trouxesse seu coração, como prova de por três dias.
que a missão fora comprida.
O CONTAR HISTÓRIAS
Mas ele não teve coragem e a deixou
fugir. Para enganar a rainha arrancou o cora- O Professor tem o papel desafiante de
ção de um veadinho e a entregou, e Branca não só contar histórias, mas envolver a crian-
de Neve corria em direção a mata, os animais ça no momento da leitura, para que isso acon-
chegavam bem perto sem atacar e os galhos teça é necessário que o profissional tenha
se abriam para ela passar. Branca de Neve conhecimentos da história .O professor deve
encontrou uma linda casinha e ao anoitecer utilizar linguagens simples, entonação ,para
os anões voltaram para casa e encontram-na que todos possam escutar.
última cama, ao acordar se viu rodeada de As propostas curriculares têm respaldo
anões barbudinhos, mas eles logo lhe dis- teórico-metodológico em uma nova concep-
seram que era bem-vinda mas que ela não ção de linguagem, tendo como objetivo prin-
abrisse a porta para ninguém pois logo sua cipal que todos os alunos tornem-se, ao final
madrasta descobrir que ela estaria viva. do ensino fundamental, competentes leitores
Mas um dia sua madrasta perguntou ao e produtores de textos e não meros conhece-
espelho se era mais linda e descobriu que dores de uma nomenclatura gramatical espe-
Branca de Neve estava viva, resolveu se pin- cífica, com suas regras e exceções.
tar e colocou um lenço em sua cabeça, e Antes mesmo de frequentarem a esco-
achando a casinha ofereceu a ela suas mer- la, as crianças já têm contato direto com a
cadorias e ela gostou muito de um cinto, onde Linguagem oral e escrita, porém, é na insti-
a velhinha apertou muito e ela desmaiou, mas tuição escolar que elas encontrarão um am-
ao voltar em casa os anões viram-na e retiram biente propício para a construção científica
o cinto, e sua madrasta descobriu que ela não dos conceitos relacionados a essas áreas
havia morrido e foi de novo, mas com outro curriculares.
disfarce.
A escola é o lugar ideal para oferecer a
Foi de camponesa de deixou em sua todos a oportunidade de contato direto com
janela uma linda moça, ela muito ingênua e diversos gêneros literários, tipos de histórias
gulosa comeu a maçã e morreu foi colocada e livros de literatura infantil. Pode e deve fun-
em caixão de vidro, os anões a guardava de cionar como um espaço de acesso e con-
dia e noite e os animaizinhos, um lindo prínci- traponto inteligente ao mundo dinâmico que
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 536
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

se caracteriza cada vez mais pela rapidez de Na literatura não há uma preocupação
informações. Criar condições para ter a calma primeira com o que é dito, mas como a ma-
necessária para aprender em uma sociedade neira como algo é dito. Nota-se, portanto, que
acelerada é uma contribuição relevante. o escritor tem uma consciência técnica quan-
do escreve a obra. Com isso, toda linguagem
A literatura infantil e as histórias clássi-
familiar, comum e corriqueira pode transfor-
cas permitem a construção de um repertório
mar-se em algo não familiar, artificial. EAGLE-
literário compartilhado, que ao longo da vida
TON [1997] explica esse processo como sen-
funciona como referência cultural. Oferecem
do uma desnaturalização da linguagem que
vantagens interessantes, em que há organi-
evidencia sua “não transparência”. Ele ainda
zação temporal e hierárquica entre os acon-
exemplifica:
tecimentos. Essas histórias tradicionais explo-
ram conteúdos de extremo interesse para as O discurso literário torna estranha, aliena
crianças, como medos, anseios, abandono, a fala comum; ao fazê-lo, porém, parado-
crescimento, engano, o bem e o mal etc. xalmente nos leva a vivenciar a experiên-
cia de maneira mais íntima, mais intensa.
Em geral, a literatura infantil já faz parte Estamos quase sempre respirando sem
do repertório da leitura para as crianças pe- ter consciência disso; como a linguagem,
quenas. Muito provavelmente elas até já co- o ar é, por excelência, o ambiente em que
nhecem algumas histórias mais tradicionais. vivemos. Mas se de súbito ele se tornar
mais denso, ou poluído, somos forçados
A partir do que já sabem, torna-se possível
a renovar o cuidado com que respiramos,
promover atividades que permitam abordar e o resultado disso pode ser a intensifica-
diferentes aspectos presentes no texto, que ção da experiência de nossa vida material
ficam invisíveis para as crianças, se não são [EAGLETON, 1997, p.5].
abordadas intencionalmente.
Mesmo antes da leitura da palavra po-
Acreditamos que através da literatura in- demos nos considerar leitores porque lemos
fantil pode ser realizado um trabalho pedagó- as coisas que acontecem à nossa volta, le-
gico significativo, constituindo um modo pra- mos a nós mesmos e aos outros, lemos a
zeroso, desafiante e lúdico para as crianças expressão de alegria, de raiva, de emoção,
pensarem algumas noções linguísticas, além lemos as paisagens, as vozes das pessoas,
de cultivar o gosto pela leitura dos pequenos as cores, etc.
leitores.
Lemos também quando nos esforçamos
A noção de literariedade caracteriza a para entender um determinado momento que
literatura como sendo portadora de proprieda- está acontecendo conosco, enfim, lembrando
des organizacionais da linguagem. De acordo o educador Paulo Freire [1983], lemos o mun-
com esse pensamento, a literatura caracteri- do antes mesmo de compreender a escrita
za-se pelo fato de utilizar as palavras de forma das palavras. Pode-se estimular a curiosidade
diferente daquela utilizada na fala corrente. das crianças para descobrir ou refletir como
É como se houvesse um trabalho com a o autor e o ilustrador compuseram seu livro.
palavra, uma forma de literatura colocar a lin- Levar os alunos a descobrir os "paratextos" e
guagem em primeiro plano, criando certo es- aprofundar os seus instrumentos de leitura.
tranhamento. Assim, na literatura a linguagem Os elementos textuais e iconográficos
estaria organizada para atrair a atenção para que não participam diretamente da história
suas próprias estruturas linguísticas, como no são: as capas e contracapas, a página de
uso do ritmo, da estrutura sonora, na invenção rosto, dedicatória, prefácio, epígrafe, notas,
de novas palavras a partir de outras, etc. apresentação do autor, do livro, bibliografia,
ficha bibliográfica, entre outros.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 537
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Caberá pois à escola ampliar essas De acordo com Góes [1991, p.20] a
competências que a criança possui antes da primeira função da literatura infantil é a esté-
alfabetização, introduzindo-a no domínio de tico-formativa, isto é, a educação da sensibi-
alguns aspectos literários que já estão presen- lidade da criança, que aprende a apreciar a
tes em narrativas de livros infantis e dos quais beleza das palavras de das imagens criadas
o mais "natural" é a vivência de uma história. por elas. O professor deve usar a literatura
para esse fim e tratá-la de forma que sua prin-
Sabemos que o texto literário narrativo
cipal qualidade seja a de despertar a emoção
oferece ao leitor a possibilidade de "experi-
e sua ligação verdadeira com a criança.
mentar uma vivência simbólica" por meio da
imaginação suscitada pelo texto escrito e/ou A literatura deve provocar o deleite e o
pelas imagens. "A literatura (portanto a litera- prazer, pois se o momento da leitura não for
tura para a juventude) é portadora de um sis- prazeroso, a obra literária não será literária,
tema de referências que permite a cada leitor mas sim didática, pedagógica, em que se lê
organizar sua função psíquica com o vivido e para uma outra finalidade, como responder
a sensibilidade que lhe é própria". um questionário, localizar os substantivos no
texto, circular as palavras que começam com
Tornar-se leitor de literatura é um "vai-
“f”, etc.
-vem constante entre realidade e ficção que
permite avaliar o mundo, se situar nele". O Devemos formar leitores que apreciem
importante é partir dessas vivências da nar- a leitura em seu momento de lazer e não ape-
rativa para organizar esses saberes em sis- nas os que lêem para fins de tarefa ou traba-
tema coerente e ampliá-los, respeitando-se lho. Com a literatura, a criança pode desen-
as competências já trazidas pelas crianças volver fluência, rapidez, autonomia na leitura
antes da alfabetização e as que adquirem na e compreensão do texto; adquire vocabulário
escolarização. e se familiariza com a estrutura da escrita,
diferenciando-a da oralidade; desenvolve pre-
Daí a grande importância de o professor
ferências por certos autores e tipos de histó-
ter uma formação literária básica para saber
rias, ampliando seu imaginário, repertório e
analisar os livros infantis, selecionar o que
conhecimento de mundo.
pode interessar às crianças num momento
dado e decidir sobre os elementos literários Por essas razões, é preciso priorizar a
que sejam úteis para ampliar o conhecimento leitura reflexiva e não a leitura moralizante,
espontâneo que a criança já traz de sua pe- didática ou pedagógica. GÓES [1991] apon-
quena experiência de vida. ta essas últimas como grandes defeitos de
certos livros infantis. Segundo a autora: “o
No que concerne às crianças que se
que se deve evitar nos livros infantis é o tom
alfabetizam, há entretanto um passo funda-
moralizador com que se pretende caracterizar
mental para os primeiros contatos regulares
uma obra, aquelas em que sempre a virtude
do aluno com o texto escrito. Esse passo está
é recompensada e o vício castigado” [1991,
ligado ao processo de alfabetização. Como
p.21]. Os outros defeitos são a puerilidade e
é enfatizado por especialistas, "as crianças
o didatismo, em que determinados autores
devem automatizar o ato de decodificação de
forçam na linguagem, carregando-a de dimi-
modo que seu espírito esteja disponível para
nutivos e tons adocicados, e mesmo com o
outras coisas (encontrar sentido, conotar, se
objetivo de recriar, procuram passar lições e
projetar, se identificar, analisar, estabelecer
ensinamentos.
relações etc.)".

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 538


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Diante dessas questões, o professor pensamentos e das preocupações do poeta


tem papel fundamental na escolha de livros é com ele mesmo e com sua arte.
para a leitura de seus alunos. É preciso co-
Uma das primeiras distinções que se
nhecer, ler com antecedência, ter um reper-
pode fazer ao tratar da poesia infantil diz res-
tório próprio amplo para poder formar o de
peito aos termos poema e poesia. Poema é
suas crianças. Em outras palavras, é preciso
termo que designa o texto em sua concretude
desenvolver critérios e propor leituras varia-
formal, ou seja, a disposição das linhas, o
das, de diferentes autores, países, épocas,
agrupamento em estrofes e/ou blocos, a vi-
linguagens e gêneros, a fim de que os alunos
sualidade de seu desenho na página. Por sua
possam se identificar com a literatura e não
vez, todo texto que tenha uma articulação das
rotulá-la como uma tarefa escolar entediante.
várias funções da linguagem (a referência, a
A literatura é formada por textos que — expressiva, a fática, e conativa e a metalin-
por sua estrutura, sua concepção alegórica e guística), com finalidade artístico estética, de-
figurada da realidade — tornam-se de leitura nominamos poesia. Dessa maneira, podemos
complexa para as crianças. Dos gêneros tex- ter textos que são visualmente poemas, mas
tuais literários, a poesia é aquele que mais que não são poéticos, isto é, não têm poe-
desafia a compreensão dos pequenos leitores sia; bem como podemos encontrar textos que
e, principalmente, o trabalho docente. Alguns não têm formato de poema e são poéticos,
professores afirmam, com frequência, que a como a prosa poética de Bartolomeu Campos
poesia é “difícil”. Queirós.
Também confessam suas incertezas Em razão dessa diferença, as crianças
quanto às atividades que podem ser desen- não declamam “poesia”, declamam poemas;
volvidas a partir da leitura de poemas ou como o professor trabalha na maioria das vezes
motivação para a sua leitura. Para completar com poemas não poéticos, como quando usa
esse quadro, há, da parte dos escritores e textos em versos que tratam de questões de
poetas, a tendência em usar a poesia para aprendizagem, como as letras do alfabeto.
passar lições comportamentais ou para ensi-
Uma das mais importantes discussões
nar como brincar com as palavras, num uso
sobre o gênero poético trata da questão do
até cartilhasco do poema.
adjetivo infantil. O adulto tem como objetivo,
Os editores, por sua vez, pouco publi- muitas vezes, usar a literatura para lições de
cam poesia, seja para crianças, seja para moral, tratar de conteúdos escolares, hábi-
adultos. Está montado um cenário de dificul- tos de higiene, informações etc. Dessa ma-
dades para o trabalho com a leitura de poe- neira, sua preocupação está localizada mais
mas na escola. Tentaremos argumentar em no conteúdo do que nos aspectos formais, o
favor da presença da poesia em ambiente que desqualifica a poesia. Vemos, com maior
escolar, auxiliar também os professores a de- abundância, poemas, e não poesia, voltados
sempenharem bem sua tarefa de motivar as para a criança. Desse modo, há uma infantili-
crianças para a leitura contínua desse gênero zação do texto poético, que é profundamente
textual literário. prejudicial ao conhecimento literário e à ex-
periência com a literatura.
Na poesia lírica predomina o sujeito
individual, com suas alegrias e tristezas, as
dores, a reflexão diante do mundo, suas sen-
sações e julgamentos particulares. Diferen-
temente das narrativas e do teatro, o texto
lírico não se preocupa com a ação ou com a
descrição do mundo exterior. A direção dos
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 539
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em volume que trata de análise de po- a proliferação de poemas que tratam de ani-
emas e a posição da poesia na instituição mais, sentimentos de alegria, brincadeiras e
escolar, Ana Elvira Gebara (2002, p. 35) ad- outros mais. Além disso, os ritmos são bem
verte: simples (marcados, sobretudo, por versos
[...]o texto poético não é espaço para
curtos, de redondilha maior ou menor), as
posturas moralizantes ou didatismos, nem rimas são acessíveis, dado que se apoiam
veículo dos valores a serem preservados em fonemas/sons bastante frequentes na fala
pela sociedade, ou grupo social a que (-ao, -ente, -ar). É frequente que, na busca
pertencem o autor e o leitor. Metas como do lúdico de palavras e imagens, ou em sua
essa se materializam, geralmente, em tex- sonoridade, o poema infantil apresente o não-
tos superficiais, com os quais não é pos- -sentido (nonsense).
sível a identificação. Eles parecem muitas
vezes ingênuos ou entediantes por não Espera-se que o professor não queira
promoverem a interação, mas imporem traduzir o texto numa explicação racional.
uma forma de ver o mundo (GEBARA, Nem sempre há necessidade que a compre-
2002, p. 35). ensão passe pelo cognitivo e pela explicação
A advertência faz sentido quando anali- concatenada. Há constantemente a brincadei-
samos os livros didáticos e verificamos que a ra com palavras e imagens (ludismo), como
escolha dos poemas foi ditada pela adequa- já vimos. Infelizmente, na ânsia de trabalhar
ção com os exercícios propostos, com ativi- com poemas, sem conhecer sua natureza
dades que partem dessa literatura, mas visam mais característica, os professores promovem
muito mais a um processo educativo do que uma lamentável aproximação com conteúdos
o de formação do leitor para a compreensão escolares.
de textos diversificados. A poesia é um texto sintético, porque
Num outro aspecto da questão, Maria procura traduzir um estado de alma, a apreen-
da Glória Bordini (1986, p. 13) afirma: “Apa- são momentânea da realidade ou um momen-
rentada ao ludismo, embora este não seja pri- to de consciência sobre o mundo. É um texto
vativo da criança, a poesia infantil genuína é que se presta mais a ler e ouvir sem comen-
indistinguível da poesia não-adjetivada, salvo, tários, deixando que sua musicalidade e seu
talvez, em termos temáticos”. Observe que a sentido penetrem no cérebro infantil, ativando
autora aproxima, em termos formais, a poesia nele o imaginário. Por sua característica mu-
para adultos da poesia infantil: elas usam o sical (manifesta no ritmo, na sonoridade das
mesmo procedimento lúdico e provavelmente rimas), precisa, por vezes, ser oralizado, para
a mesma temática. que essas características aflorem com maior
clareza.
Isso significa que um poema para crian-
ças não precisa tratar exclusivamente de te- Na comparação com a prosa, a poe-
mas de interesse momentâneo, como são os sia apresenta precedência, isto é, nasceu an-
hábitos, as informações, as aprendizagens, tes na história da humanidade. Octavio Paz
tudo o que está ligado à escola ou às brinca- (1976, p. 12) afirma que "a poesia pertence
deiras. O bom poema infantil pode tratar de a todas as épocas: é forma natural de expres-
temas complexos como a vida e a morte, o são dos homens." Ao distinguir o que seria o
amor, a saudade, e muitos outros. traço permanente desse tipo de texto literário,
o escritor destaca o ritmo:
Poderíamos sintetizar, ainda, como ca-
racterísticas dessa poesia o fato de ela se
constituir de imagens poéticas (metáforas,
analogias) próximas ao universo infantil, daí

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 540


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O ritmo não é só o elemento mais antigo Tratam-se, portanto, de ações pedagó-


e permanente da linguagem como ainda gicas que, embora distintas, processam-se de
não é difícil que seja anterior à própria forma complementar e simultânea, de modo
fala. Em certo sentido pode-se dizer que a
que possam ensinar a ler e a escrever no
linguagem nasce do ritmo ou, pelo menos,
que todo ritmo implica ou prefigura uma
contexto das práticas sociais da leitura e es-
linguagem. Assim, todas as expressões crita, tornando-se o aluno ao mesmo tempo
verbais são ritmo, sem exclusão das for- alfabetizado e letrado.
mas mais abstratas ou didáticas da prosa.
Uma dificuldade que essa concepção
Como distinguir, então, prosa e poema?
Desse modo: o ritmo se dá espontanea-
de letramento apresenta é de como diferen-
mente em toda forma verbal, mas só no ciar um alfabetizado de um letrado. Faz-se
poema se manifesta plenamente. Sem rit- necessário retomar o pressuposto já explicita-
mo não há poema; só com o mesmo, não do de que o letramento comporta a dimensão
há prosa. O ritmo é a condição do poema, individual do domínio técnico de ler e escrever
enquanto é essencial para a prosa (PAZ, – desenvolvido no âmbito da alfabetização
1976, p. 11). –, e a dimensão cultural, com um conjunto
Essa distinção estabelecida nesta cita- de atividades sociais que envolvem a língua
ção vem mostrar o quanto é importante para escrita e seu uso segundo o padrão das exi-
o professor conhecer e levar seus alunos a gências de determinado contexto social.
compreenderem a importância do ritmo no Pautando-se nessa concepção, pode-
poema, deixando para segundo plano uma -se distinguir o âmbito da aprendizagem da
prática usual nas escolas: a de privilegiar o leitura e da escrita, que se refere à aquisição
significado das palavras, descuidando de sua das habilidades de ler e escrever, e o âmbito
organização formal, que sempre tem qualida- que inclui a prática dessas habilidades em
des expressivas que potencializam os senti- atividades significativas para a formação cul-
dos do texto. tural, científica e ideológica do aprendiz.
Versos mais longos ou mais breves,
estrofes curtas, palavras monossilábicas e
dissilábicas passam a ser indicativos desse
ritmo mais apressado, mais pesado, mais len-
to, mais alegre de um determinado poema.
Compreender esse aspecto é estar fazendo
a leitura apropriada daquilo que é essencial
nessa forma literária. A linguagem poética
também é denominada lírica porque acentua
esse caráter musical. Lírica provém de lira, o
instrumento musical que acompanhava os po-
etas quando declamavam suas composições.
Segundo Soares (2003), enquanto a
alfabetização dedica-se ao ensinar/aprender
a ler e a escrever, o letramento consiste não
apenas em saber ler e escrever, mas no cul-
tivo das atividades de leitura e escrita que
respondem às demandas sociais de exercício
dessas práticas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 541


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluímos o presente estudo, verificando que a literatura se constitui num gênero textual
específico, marcado pela beleza da linguagem. Conhecê-la e entendê-la significa participar
da cultura de um povo. Também pudemos explicar que a leitura da literatura pode exercer
diferentes funções na escola, como informar, educar, entreter, persuadir ou expressar uma
opinião ou ideia.
Pode-se averiguar os objetivos do ensino e tratar de requisitos básicos para que o tra-
balho docente seja eficaz, no sentido de promover a prontidão de leitura dos alunos, o ensino
simultaneamente individualizado e cooperativo, a adaptação das habilidades de leitura aos
materiais de que a escola dispõe e aos objetivos propostos pelo planejamento pedagógico,
além de discutir questões relativas à avaliação em processo da formação do leitor e critérios
para a seleção de textos literários.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 542


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
AGUIAR. V.T. Era uma vez. . .na escola: formando educadores para formar leitores. Belo Horizonte: Formato Edi-
torial, 2001.

ANDRADE, M. d. Poesias Completas. São Paulo: Itatiaia, 1987.

BAMBERGER. R. Como incentivar o hábito da leitura. São Paulo: Ática, 2000.

BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise dos Contos de Fadas. São Paulo: Paz e terra, 2008.

BORDINI, Maria da Glória. Poesia Infantil. São Paulo: Ática, 1986.

CEZARETTI, Maria Elisa.Nem só de fantasias vivem os contos de fadas. in. Família Cristã. São Paulo, 1989.

COELHO, N. N. Literatura: conhecimento da vida. São Paulo: Peirópolis, 2000.

______. A literatura infantil. 4 ed. São Paulo: Edições Quíron, 1987.

______. Literatura Infantil: Teoria, análise, didática. São Paulo. Moderna, 2000.

COSTA, M. Literatura: a arte de ler. Porto Alegre; L & PM, 1997.

CULLER, J. Teoria literária: uma introdução. São Paulo: Veca produções Culturais, 1999.

FERREIRO, Emilia. Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1989.

FRANZ, Marie-Louise Von. A Interpretação dos Contos de Fadas. São Paulo: Edições Paulinas, 1990.

GIASSON, Jocelyne. A Compreensão na Leitura. Lisboa: Edições Asa, 1993.

GOULART, C.; KRAMER S. Alfabetização, leitura, escrita: 25 anos da Anped e 100 anos de Drummond. Revista
brasileira de Educação, 2002.

MACHADO, A.M. Procura-se lobo. São Paulo: Ática, 2006

MARTINS, Maria Helena. O que é leitura? 19. ed. São Paulo: Brasiliense, 2007.

MEIRELES, Cecília. Problemas da Literatura Infantil. 3. ed. Rio de janeiro: Nova Fronteira, 1984.

PALO, Maria José; OLIVEIRA, Maria Rosa D. Literatura Infantil: voz de criança. São Paulo: Ática, 1986

RIBEIRO, Marcos. Menino brinca de Boneca: conversando sobre o que é ser menino e menina. Rio de Janeiro-RJ:
Salamandra Consultoria, 2003.

SANDRONI, Laura C. MACHADO, Luiz Raul. (Org.) A criança e o livro: guia prático de estímulo à leitura. 2. ed.
São Paulo: Ática, 1987.

TEBEROSKY, A; TOLCHINSKY, L. Além da Alfabetização. São Paulo: Ática, 1995.

ZILBERMAN, R. A literatura infantil na escola. São Paulo: Global, 2003.

WEIZ, T. Apresentação. In: FERREIRO, Emilia. Psicogênese da língua escrita. Porto Alegre: Artes Médicas, 1999.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 543


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia com curso de


Especialização em Educação Especial - Pós
Graduação pela Faculdade Campos Elíseos - FCE.
Professora da Educação Infantil na Rede Municipal.

MILENA CRISTINA
GONÇALVES LACERDA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 544
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A FUNÇÃO DA ESCOLA PERANTE O ALUNO AUTISTA

RESUMO: Esta pesquisa discutiu o tema do autismo e a aprendizagem no ensino fundamental


inserido no contexto da escolarização do indivíduo com autismo, a inclusão de alunos com
transtorno do espectro autista no ensino fundamental e os fatores que facilitam e dificultam a
inclusão escolar de autistas. Alguns profissionais se sentem totalmente receosos ao trabalharem no
ensino regular com crianças autistas, muitas dúvidas são levantadas em relação ao procedimento
que deverá ser seguido. Todas estas concepções têm grande influência nas práticas pedagógicas
que são formuladas e muitas vezes reformuladas pelo corpo docente escolar. Utilizou-se para
tanto da pesquisa bibliográfica e releitura bibliográfica de Teses de Doutorado e Mestrado, Teses
de conclusão de curso, Artigos Científicos como principal fonte para a construção deste Artigo.
O Ensino Fundamental é desafiador não só para os professores, mas para as crianças que têm
necessidades especiais que além de precisarem de alguns cuidados, convivem de forma direta
com crianças que não possuem algum tipo de transtorno.

Palavras-chave: Autismo; Educação Especial; Escolarização; Ensino Fundamental.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 545


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
autismo é um tema que se cerca de muitas indagações, apesar dos estudos
que constatam novas possibilidades para estas pessoas, o preconceito e a
discriminação ainda imperam no âmbito educacional. Quebrar preconceitos e
paradigmas é complexo em qualquer situação, o autismo é para ser abordado com delicadeza,
carinho, amor e respeito.
As instituições escolares, enquanto responsáveis pelo processo educacional devem
estar preparadas para incluir estes indivíduos, ampliando desta forma seus horizontes. Reco-
nhecendo as peculiaridades de cada autista, é respeitar as suas diferenças, necessidades e li-
mitações, é trazer qualidade de vida para eles, na busca pela contínua melhoria em atendê-los.
Os educadores devem encontrar subsídios que possam direcionar o seu trabalho com
crianças autistas, neste aperfeiçoamento terão a oportunidade de desenvolver habilidades e
capacidades inerentes de cada indivíduo.
Este artigo mencionou algumas dicas que são formidáveis para trabalhar no Ensino
Fundamental com este Público-alvo. Além da pesquisa bibliográfica e da revisão literária utili-
zou-se para embasar esta pesquisa um levantamento realizado em uma escola pública, onde
analisou-se as reações de alguns profissionais ao manterem contato em sala de aula regular
com crianças autistas.
Sabemos que o atual cenário da educação inclusiva resplandece seu contexto histórico,
a cada passo que é dado, é deixado para trás o processo de segregação absoluta, nos re-
metendo a uma fase mais humana, onde o foco é o crescimento das relações interpessoais,
do respeito mútuo.
No âmbito legislativo grandes melhorias decorreram das lutas dos pais e das associa-
ções que apoiam a comunidade autista, ainda que recente, leis como a Berenice Piana e a
instituição do Atendimento Educacional Especializado – AEE, pelo Decreto nº 7.611, de 2011,
ajudou, entre outras coisas, a prover condições de acesso e participação e aprendizagem no
ensino regular aos alunos com autismo.
A educação é direito de todos e dever do Poder Público, conceder esta garantia com
dignidade de uma maneira que atenda a todos os públicos não é somente respeitar os ditames
de uma sociedade arquitetada sobre a democracia, mas respeitar os Princípios que regem a
educação como o convívio escolar, fortalecendo ainda mais este vínculo, entre escola, aluno
e inclusão.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 546


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

AUTISMO: ASPECTOS GERAIS Ainda sobre o conceito da expressão


“Mãe na Geladeira”, tais ideais eram ligados
Muitas são as doenças que circundam com a “mística feminina” apresentada por
o ser humano, o homem de um modo geral Betty Friedan no ano de 1971. O propósito
buscou em toda a sua vida, desde os primór- desta “mística” iniciou a partir do momento
dios, estudar e buscar diversas curas e trata- pós Segunda Guerra Mundial em que as mu-
mentos que trouxessem uma melhor qualida-
lheres tiveram dois elementos reconhecidos
de de vida para aqueles indivíduos que eram
para a formação do sujeito, ou seja, sua in-
atingidos por alguma enfermidade.
dividualidade (seu papel exercido além da
Dentre os transtornos que acometem a maternidade ou como dona de casa) e plena
humanidade, encontra-se o Transtorno do Es- capacidade de construir o seu futuro por meio
pectro Autista (TEA) presente em uma a cada de planejamento e metas.
cem (100) crianças, uma de suas característi-
cas é a que está ligado ao desenvolvimento, Friedan (1971, p. 33) descreve da se-
sendo entendido como um Transtorno Inva- guinte forma o ideal feminino no decorrer das
sivo do Desenvolvimento reconhecido pela décadas de 1940 e 1950: “[...] A orgulhosa
sigla TIDs. imagem pública da jovem ginasiana namoran-
do firme, da universitária apaixonada, da dona
Especificamente, o Transtorno do Es-
de casa com um marido de futuro e um carro
pectro Autista ou ainda Transtorno do Espec-
cheio de crianças”.
tro do Autismo está incluído em uma família
de distúrbios da socialização com início pre- Um dos grandes pioneiros que mais se
coce e curso crônico que impactam em áre- destacaram na pesquisa sobre o autismo, ou
as múltiplas e nucleares do desenvolvimento ainda psicopatia autística, foi Hans Asperger
(FERREIRA; VORCARO, 2017). (Áustria - 1944). Conforme justifica Assump-
Entender o Autismo ainda causa mui- ção (2011): “Ela foi descrita por Hans As-
tas expectativas nos médicos e estudiosos perger em 1944, constou do tratado de Ajuri
da área, configurando que qualquer tentativa guerra com o nome de psicopatia autística e
de compreensão incide em uma análise em reconhecida pelo DSM – IV- TR em sua quarta
níveis distintos, como estudos levados à área edição” (ASSUMPÇÃO; KUCZYNSKI,2011).
da cognição, da genética, entre outros.
O Autismo foi incluído nas classes dos
As etiologias não comprovadas que transtornos e reconhecido como tal no ano
causam o autismo são motivos de inúmeras de 1980, sob a influência de Michael Rutter,
discussões e pesquisas por parte dos espe- Psiquiatra britânico, que criou um marco di-
cialistas que estudam o tema, suas origens visor na compreensão deste transtorno. Sua
demonstram vários graus de severidade. A definição foi constituída em quatro critérios:
primeira descrição sobre o Autismo ocorreu I – Atraso e desvios sociais não só como
no ano de 1943 por meio dos estudos do função de retardo mental; II- problemas de co-
Médico austríaco radicado nos Estados Uni- municação, novamente, não só em função de
dos Leo Kanner, que publicou um trabalho
retardo mental associado; III – Comportamen-
cujo tema era “Distúrbios Autísticos do Con-
tos Incomuns, tais como movimentos estereo-
tato Afetivo”. Uma das expressões utilizadas
tipados e maneirismos; e IV – início antes dos
para descrever a relação de distância e frieza
materna enquadrado no modelo Psicodinâ- 30 meses de idade (RUTTER, 1978).
mico era “Mãe na Geladeira” (CRAVEIRO DE
SÁ,2003, p. 95).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 547


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

É importante compreender que a crian- No ano de 2012, a França fez com que
ça que possui o Autismo tem percepções sen- o Autismo se tornasse uma “grande causa
soriais desorganizadas, a falta de comunica- nacional”. Nesta ocasião houve por parte
ção e interação social podem ser uma grande das vias midiáticas uma campanha de “For-
dificuldade na aprendizagem. O profissional tes enfrentamentos na esfera pública” e que
deve amá-lo incondicionalmente, ter amor à segundo Èric Laurent (2014) reduziu o au-
sua profissão, entender as crises também aju- tismo no contexto dos “transtornos invasivos
dam no tratamento e na aproximação com do desenvolvimento”, como figura no DSM e
estes indivíduos. na abordagem contemporânea eu “não quer
considerar [...] outras causas senão as bio-
No que se refere ao diagnóstico, quanto
lógicas, genéticas e ambientais (LAURENT,
mais cedo for realizado é melhor, pois facilita
2014, p.14).
a pesquisa de intervenções metodológicas a
serem realizadas, é feito de forma clínica (por Alguns fatores são descartados quanto
médicos Psiquiátricos, Neuropediatras e neu- às causas do autismo e a sua manifestação.
rologistas). Sua incidência prevalece entre os Por causa das pesquisas realizadas, alguns
humanos do sexo masculino, o que é quatro paradigmas foram quebrados, por exemplo,
(04) vezes mais comum do que em pessoas ao falarmos que este seria hereditário é con-
do sexo feminino. O tratamento, além das in- tagioso, bem como hipótese de que a falta de
tervenções metodológicas variam também na amor por parte da mãe durante a gravidez e
área da farmacologia (remédios) e antidepres- nos primeiros meses de vida do bebê influen-
sivos (psicoterapia) e a multidisciplinaridade cia para a obtenção da doença.
de profissionais médicos e da educação.
ESCOLARIZAÇÃO DO INDIVÍDUO COM
O Autismo tem suas classificações AUTISMO
(clássico, síndrome de Asperger, Síndrome
As instituições escolares concebem um
de Ret., Síndrome de Heller e TID – SOE). O
papel fundamental como espaço formal da
Clássico e o de Asperger e Ret. são os mais
educação, por meio delas é que as pessoas
recorrentes; já a Síndrome de Heller são rarís-
adquirem e se apropriam do conhecimento.
simos os casos e o TID – SOE não pode ser
Os indivíduos têm como base alcançar um
caracterizado em nenhuma outra categoria, já
objetivo comum, qual seja, a aprendizagem
que apresenta critérios não satisfatórios para
dos alunos.
o Transtorno Autista.
Porém, no transcorrer da história da
As crianças autistas que interagem em
educação, os indivíduos com deficiência fo-
sala de aula conforme as estratégias usadas
ram rotulados como “doentes” e incapazes.
pelos profissionais têm uma apresentável me-
Sempre estiveram em situação de maior des-
lhora dos sintomas, um modelo a ser mencio-
vantagem, tomando lugar nas atividades de
nado é o TEACCH que facilita a educação já
caridade ou filantropia e não de sujeitos de
que tem como característica a adaptação.
direitos sociais, dentre os quais se incluem o
É possível ainda estruturar uma sala direito à educação (MAZZOTTA, 1996).
para com o método e desta maneira trazer a
A Educação especial tem como princi-
realidade destas crianças informações sobre
pal papel incluir os alunos que possuem al-
a rotina, estímulos sensoriais e a promoção
guma deficiência, e nestes meios, se incluem
da autonomia. O ABA também trabalha com
as crianças autistas, principalmente dentro do
habilidades, e tem o destaque do envolvimen-
Ensino Regular. Para Leontiev (1978, p. 272),
to da família.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 548
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

a educação é o artifício que permite a forma- Os espaços inclusivos também são


ção do indivíduo através de sua apropriação mencionados em Leis de caráter internacio-
dos resultados da história social e sua conse- nal, como a Declaração Mundial de Educação
quente objetificação nessa história. para Todos, de 1990, a Declaração de Sala-
manca, de 1994, que destaca a necessidade
Nesta visão, tem-se que é por meio da
de instituições de políticas públicas educacio-
educação que o ser humano se apropria das
nais voltadas para que a diferença humana
características do gênero humano. Caracte-
fosse assumida na educação:
rísticas que, para Duarte (1993, p. 40), foram
criadas e desenvolvidas ao longo do proces- Toda criança tem direito fundamental à
so de objetivação, gerado, a partir da apro- educação, e deve ser dada a oportunida-
de de atingir e manter o nível adequado
priação da natureza pelo homem:
de aprendizagem, toda criança possui
Todo Ser Humano tem direito à Instrução. características, interesses, habilidades
A Instrução será gratuita, pelo menos nos e necessidades de aprendizagem que
graus elementares e fundamentais. A ins- são únicas, sistemas educacionais deve-
trução elementar será obrigatória. A ins- riam ser designados e programas edu-
trução técnica profissional será acessível cacionais deveriam ser implementados
a todos, bem como a instrução superior, no sentido de se levar em conta a vasta
está baseada no mérito (ONU,1948). diversidade de tais características e ne-
cessidades, aqueles com necessidades
A matrícula de pessoas compreendidas educacionais especiais devem ter acesso
pela Educação Especial em escolas comuns à escola regular, que deveria acomodá-
recebem proteção na Constituição Federal de -los dentro de uma Pedagogia centrada
1988, que instrui, no seu artigo 205, a edu- na criança, capaz de satisfazer a tais ne-
cessidades, escolas regulares que possu-
cação como “[...] direito de todos e dever do am tal orientação inclusiva constituem os
Estado e da família, será promovida e incen- meios mais eficazes de combater atitudes
tivada com a colaboração da sociedade, vi- discriminatórias criando-se comunidades
sando ao pleno desenvolvimento da pessoa, acolhedoras, construindo uma sociedade
seu preparo para o exercício da cidadania e inclusiva e alcançando educação para
sua qualificação para o trabalho”, garantin- todos; além disso, tais escolas proveem
uma educação efetiva à maioria das crian-
do, no art. 208, o direito ao “[...] atendimento ças e aprimoram a eficiência e, em última
educacional especializado aos portadores de instância, o custo da eficácia de todo o
deficiência” (BRASIL, 2012a, p. 121- 122): sistema educacional (BRASIL, 1994, p.1).
[...] deficiências na formação dos profis- É sabido que durante muitos anos, o
sionais que atuam com esses estudan-
direito da criança com autismo ao acesso
tes; escassez de orientações mais siste-
matizadas e recursos pedagógicos para na educação foi observado como sendo um
os professores regentes e de Educação grande desafio tanto para as escolas quanto
Especial; além de condições inapropria- para as famílias.
das de trabalho para o atendimento às
necessidades educativas destes alunos Ainda que a Lei trouxesse grandes opor-
na classe comum – o que tem acarretado tunidades, o preconceito enfrentado fez com
práticas pedagógicas com pouco efeito que muitas famílias fizessem com que seus
na aprendizagem desses estudantes (OLI- filhos autistas permanecessem em suas ca-
VEIRA; VICTOR, 2016, p. 71). sas ou frequentam apenas escolas especiais,
por não apresentarem as mínimas condições
esperadas para se inteirar com outros alu-
nos(BRASIL, 1994):
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 549
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O autista, sendo um indivíduo único, é ex- Autismo ou Transtorno Autista é uma


clusivo enquanto pessoa. Embora tenha desordem que afeta a capacidade de a
características peculiares no que se refere pessoa comunicar-se, de estabelecer re-
à síndrome, suas manifestações compor- lacionamentos e de responder apropria-
tamentais diferenciam-se segundo seu damente ao ambiente que a rodeia. O
nível linguístico e simbólico, quociente autismo, por ser uma perturbação global
intelectual, temperamento, acentuação do desenvolvimento, evolui com a idade e
sintomática histórico de vida, ambiente, se prolonga por toda vida (SANTOS,2011,
condições clínicas, assim como todos p.10).
nós. Portanto, nem tudo que venha dar
resultado para uma pessoa com autis- Por meio do diagnóstico do Autismo é
mo serve de referência positiva à outra possível ter uma definição prévia sobre o tra-
pessoa com a mesma síndrome (ORRÚ, tamento que será realizado e os seus alcan-
2009, p.111). ces, é o que nos afirma Figueiredo e Tenório
As características decorrentes do Au- (2002): “Assim como um diagnóstico decorre
tismo podem favorecer ao isolamento das de uma definição prévia (implícita ou explícita)
crianças, dificultando, ainda mais, suas ha- sobre a função terapêutica, também influen-
bilidades comunicativas. Ao observar esta cia, ele mesmo, os alcances de um tratamen-
informação, a escola se constitui como um to” (FIGUEIREDO e TENÓRIO, 2002, p. 42).
recurso fundamental para enriquecer as vivên- A INCLUSÃO DE ALUNOS COM
cias sociais destas crianças, possibilitando a TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA
interação entre pares e contribuindo para o NO ENSINO FUNDAMENTAL
desenvolvimento de novas aprendizagens e
de novos comportamentos: É possível realizar algumas adaptações
curriculares nas atividades apresentadas no
É necessário construir uma utopia crítica
Ensino Fundamental para os alunos autistas.
que nos possibilite pensar em uma so-
ciedade na qual a diferença humana não Mantoan (2006) traz importantes observa-
se transforme em desigualdade e que a ções acerca das situações que envolvem in-
exclusão seja substituída por processos tegração escolar:
de participação, pois temos o direito a
Nas situações de integração escolar, nem
sermos iguais sempre que a diferença
todos os alunos com deficiência cabem
nos inferioriza; temos o direito de sermos
nas turmas de ensino regular, pois há
diferentes sempre que a igualdade nos
uma seleção prévia dos que estão aptos
descaracteriza (SANTOS, 2006).
à inserção. Para esses casos, são indi-
Boaventura de Souza Santos (2006), cados a individualização dos programas
interpreta os pressupostos que são a base escolares, os currículos adaptados, as
avaliações especiais e a redução dos ob-
da escolarização de pessoas com deficiência, jetivos educacionais para compensar as
transtorno globais do desenvolvimento e al- dificuldades de aprendizagem. Em suma:
tas habilidades ou superdotação nas escolas a escola não muda como um todo, mas
comuns. os alunos têm de mudar para se adaptar
às suas exigências (MANTOAN, 2006, p.
Nas palavras de Tuchman & Rapin 18).
(2009), “O Autismo é uma síndrome, não
uma doença [...], pois apesar de seu notável É importante, ter um ambiente acolhe-
fenótipo comportamental, falta-lhe uma etio- dor no espaço educativo, onde o aluno possa
logia singular ou uma patologia específica” ter mobilidade, e a escola um prévio conheci-
(TUCHMAN e RAPIN, 2009, p. 23). Na visão mento das especificidades da criança autista:
de Santos (2011):
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 550
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

a – o ambiente deve dar informações so- § 1º O acesso ao ensino obrigatório e


bre o que é solicitado ou esperado naque- gratuito é direito público subjetivo.
le espaço, de uma forma clara com aces-
so fácil da criança ao objeto de que fará § 2º O não oferecimento do ensino obri-
uso ou o trajeto que deverá realizar; pode- gatório pelo poder público ou sua oferta
-se utilizar divisórias que ajudem a criança irregular importa responsabilidade da au-
a entender onde cada área de trabalho toridade competente.
começa e termina, bem como colaborar § 3º Compete ao poder público recensear
para estabelecer o contexto integrado das os educandos no ensino fundamental, fa-
atividades; b – minimizar distrações visu- zer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais
ais e auditivas a fim de possibilitar que ou responsável, pela frequência à escola
o estudante preste atenção no conceito (ECA,1990).
e não nos detalhes (SCHWARTZMAN,
1995, p. 240). Fonseca (2002) ensina que o vínculo
afetivo e a motivação são essenciais para
O Artigo 54 do Estatuto da Criança e
uma inclusão com qualidade. O educador
do Adolescente (ECA) – Lei nº 8069/1990,
deve sempre manter o contato visual com o
mostra que é dever do Estado oferecer aten-
aluno, estimular a comunicação, sugerir ativi-
dimento educacional especializado aos por-
dades inclusivas com toda a turma, propiciar
tadores de deficiência preferencialmente na
e mediar as brincadeiras entre o grupo, usar
rede regular de ensino (ECA,1990):
sempre uma linguagem simples, clara e firme:
Artigo 54 - É dever do Estado assegurar
Ampliar a possibilidade de acesso do
à criança e ao adolescente:
aluno à linguagem receptiva e expressiva,
I - Ensino fundamental, obrigatório e gra- ampliando assim, o repertório comunica-
tuito, inclusive para os que a ele não tive- tivo do aluno por meio das atividades de
ram acesso na idade própria; vida diária e da comunicação alternativa,
visando à autonomia, partindo de seus
II - Progressiva extensão da obrigatorieda- interesses, respeitando suas possibilida-
de e gratuidade ao ensino médio; des motoras, cognitivas e afetivas, para
III - atendimento educacional especializa- promover o avanço conceitual (SILVA; AL-
do aos portadores de deficiência, prefe- MEIDA,2012, p. 72).
rencialmente na rede regular de ensino;
Conforme explicado por Romero (1997)
IV - Atendimento em creche e pré-escola é fundamental para o professor prover meios
às crianças de zero a seis anos de idade; para auxiliar o autista a transpor suas barrei-
IV – Atendimento em creche e pré-escola ras em sala de aula. Quando se mantêm um
às crianças de zero a cinco anos de ida- vínculo, e os autistas criam uma confiança
de; (Redação dada pela Lei nº 13.306, maior no seu professor, as aulas fluem me-
de 2016) lhor. Um exemplo a ser ilustrado, é a utilização
V - Acesso aos níveis mais elevados do de “material concreto”, conforme o autor nos
ensino, da pesquisa e da criação artística, escreve:
segundo a capacidade de cada um;
Em Matemática, material dourado para
VI - Oferta de ensino noturno regular, ade- fazer as contas. Outra opção é usar gra-
quado às condições do adolescente tra- vuras para passar a informação textual,
balhador; pois, pelas imagens, é possível alcançá-
-los. Vale a pena também acompanhar o
VII - atendimento no ensino fundamental,
olhar do estudante, abaixar para ficar na
através de programas suplementares de
mesma altura dele, entre outras práticas
material didático-escolar, transporte, ali-
(ROMERO,1997, p. 4).
mentação e assistência à saúde.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 551


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em uma Instituição escolar que propor- I - Prover condições de acesso e partici-


ciona uma maior riqueza de materiais pedagó- pação e aprendizagem no ensino regular
aos alunos referidos no art. 1º;
gicos, o professor tem mais facilidades para
alcançar os alunos autistas, tornando o seu II – Garantir a transversalidade das ações
trabalho mais prazeroso. As práticas peda- da educação especial no ensino regular;
gógicas inseridas na perspectiva dos alunos III – fomentar o desenvolvimento de recur-
autistas, exigem estratégias e organização em sos didáticos e pedagógicos que elimi-
seu trabalho. As propostas inclusivas devem nem as barreiras no processo de ensino
ser conscientes conforme a realidade de cada e aprendizagem; e
criança: IV – Assegurar condições para a conti-
[...] é importante, na tentativa de acolhi- nuidade de estudo nos demais níveis de
mento àquela criança, não proporcionar ensino (BRASIL, 2011, Art. 2).
a ela vivências que não farão parte da O atendimento educacional especiali-
sua rotina no futuro. A inflexibilidade e o
zado foi criado para dar um suporte para os
apego a rotinas poderão levar a criança a
estabelecer rotinas inadequadas no inte- alunos deficientes para facilitar o acesso ao
rior da escola, que causarão dificuldades currículo. De acordo com o Decreto nº 6571,
posteriores para os profissionais e para a de 17 de setembro de 2008:
própria criança quando forem reformula-
das. Exemplos disso são o acolhimento Artigo 1º - A União prestará apoio técni-
individual com acesso a brinquedos que co e financeiro aos sistemas públicos de
não é dado às demais crianças, horários ensino dos Estados, do Distrito Federal e
reduzidos para adaptação progressiva, dos Municípios, na forma deste Decreto,
permanência separada da turma em es- com a finalidade de ampliar a oferta do
paços como sala da coordenação ou di- atendimento educacional especializado
reção da escola, alimentação em horário aos alunos com deficiência, transtornos
diferente do restante da turma, etc. (BELI- globais do desenvolvimento e altas habi-
ZÁRIO FILHO,2010, p.23). lidades ou superdotação, matriculados na
rede pública de ensino regular.
Uma forma de auxílio neste período de § 1º - Considera-se atendimento educa-
inclusão é o Atendimento Educacional Espe- cional especializado o conjunto de ati-
cializado – AEE, conforme o Decreto nº 6571, vidades, recursos de acessibilidade e
de 2008 revogado pelo Decreto nº7.611, de pedagógicos organizados institucional-
2011, é considerado como “conjunto de ati- mente, prestado de forma complementar
vidades, recursos de acessibilidade e peda- ou suplementar à formação dos alunos no
ensino regular.
gógicos organizados institucionalmente, pres-
tado de forma complementar ou suplementar § 2º - O atendimento educacional espe-
à formação dos alunos no ensino regular” cializado deve integrar a proposta peda-
gógica da escola, envolver a participação
(BRASIL, 2011, Art. 1, Parágrafo 1) e seus
da família e ser realizado em articulação
principais objetivos são: com as demais políticas públicas (BRA-
SIL,2011, Art. 1º).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 552


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Entre as atividades possíveis para se- Nessa atividade, como o aluno tem fa-
rem realizadas em um plano de atendimento cilidade em memorizar e adora música, será
educacional especializado, podemos desta- trabalhada a letra da música, a melodia da
car, por exemplo: A utilização de fotos, gra- música utilizando a cada momento instrumen-
vuras para associação de pessoas, objetos e tos da bandinha rítmica, podendo também
relação com o momento; relacionar o uso de trabalhar a expressão corporal; Fichas com
objetos de higiene pessoal e a sua utilização imagem (fotos ou figuras) utilizando frases,
diária; relacionar o conteúdo de filme a aspec- palavras, letras, números, com velcro ou iman-
tos da autonomia e independência; (SILVA; tado e Confecções de jogos pedagógicos
ALMEIDA, 2012, p.77). com materiais alternativos (SILVA; ALMEIDA,
2012, p.77).
Utilização de brinquedos de montar e
desmontar simples e complexos que exigem Alguns objetivos podem ser almejados
abstrações, como: Carro com pinos; Blocos ao trabalhar com os autistas, com todas es-
de construção; Monte fácil; Caixa encaixa; tas especificações mencionadas acima com
Construir uma rotina juntamente com o aluno; os materiais e atividades selecionadas, são
Proporcionar brincadeiras através da música estes: Desenvolver sua autonomia, socializa-
introduzindo novos elementos para estimular ção e sua comunicação; Estabelecer vínculos
a linguagem oral e expressão corporal e Reali- afetivos; Exerça sua autonomia, amplie suas
zar atividades para desenvolver os processos relações sociais e consiga realizar atividades
mentais: atenção, percepção, memória, ima- do cotidiano escolar; Desenvolva competên-
ginação, criatividade, raciocínio e linguagem cias sócio cognitivas a serem utilizadas no
através de software no computador, desen- decorrer de toda a sua vida; Generalize o que
volvendo assim os pré-requisitos para a alfa- aprende na escola e reproduzir o que realizou
betização e comunicação (SILVA; ALMEIDA, anteriormente, fazendo associações (SILVA;
2012, p.77). ALMEIDA, 2012, p.79).
Os materiais selecionados a serem pro- Em uma investigação realizada para a
duzidos para os alunos nesta mesma pers- construção de uma Dissertação de Mestrado
pectiva são: Painel de rotina: confeccionado pela Universidade Católica de Brasília impul-
com fichas ilustradas ou fotos de cada ativi- sionou a pesquisa por um melhor entendi-
dade a ser realizada, ocorrendo assim anteci- mento sobre a inclusão nas escolas públicas
pação para facilitar a compreensão do aluno do Distrito Federal (MARTINS, 2007).
(SILVA; ALMEIDA, 2012, p.77).
Um dos temas mais comentados entre
Esse painel poderá ser trabalhado tam- os profissionais observados, ao realizarem
bém no ensino comum, cabe à professora uma entrevista com dez professores, dentre
do AEE orientar a professora regente a forma os vinte e três entrevistados, é que estes se
de elaborar e trabalhar junto aos demais alu- sentem despreparados para atender as crian-
nos em sala; Símbolos: produzir fichas com ças autistas em suas salas de aulas regula-
símbolos para trabalhar a temporalidade que res. Autores como Beraldo (1999), Camelo
é base para a organização das atividades; (1999), Tesini (1999), Lima (2001), Rodrigues
Pasta de transferência variada: letras, núme- (2001), Machado (2003), Sant’Ana (2003) e
ros, palavras, letras de músicas e ilustração. Tessaro (2005) tem seus estudos acadêmi-
cos confirmados a partir desta afirmação, a
respeito do despreparo do professor (MAR-
TINS, 2007, p. 116 e 117).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 553
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Segundo o Ministério da Educação Bra- Os sentimentos expressados pelos edu-


sileiro (BRASIL,2005): “O despreparo dos cadores devem ser respeitados, porém as di-
professores figura entre os obstáculos mais ficuldades devem ser superadas, incluir uma
citados para a educação inclusiva, o qual tem criança autistas nas etapas do ensino regular
como efeito o estranhamento do educador é um trabalho que requer paciência, empatia,
com aquele sujeito que não está de acordo amor pelo trabalho e principalmente compre-
com ‘Os padrões de ensino e Aprendizagem’, ensão. Os cursos de aperfeiçoamento profis-
da escola” (BRASIL,2005, p. 28). sional são essenciais para poder estudar as
melhores intervenções a serem realizadas.
Alguns sentimentos dos professores po-
dem ser elencados, face à inclusão escolar O medo, a incerteza, e as frustrações
de autistas, no qual é possível perceber o sempre farão parte deste processo inclusivo,
medo, por exemplo com falas do tipo “Não mas a certeza de vislumbrar o aperfeiçoamen-
me sinto pronto [...]. Preciso estudar mais so- to e a evolução de uma criança autista no
bre o assunto”; “Somos despreparados [...]. ensino regular é uma satisfação sem prece-
dentes para o professor, e até mesmo para a
Simplesmente jogam essas crianças em
instituição escolar que realiza este trabalho.
nossas salas.”; “Tenho medo de um menino
desses ter uma crise”. Como pontos positivos
que englobam sentimentos como a aceitação
e confiança, podemos observar o que esses
profissionais expressaram nas frases: “Me
sinto tão bem, afinal temos que aprender a
conviver com as diferenças” ou ainda “Acho
que posso melhorar a cada dia”. É possível
concluir que a maioria dos entrevistados se
sentem despreparados, desamparados, com
medo e inseguros diante da inclusão de au-
tistas (MARTINS, 2007, p.118).
Não se sentir capacitado para auxiliar
um aluno com deficiência ou acreditar des-
conhecer as técnicas específicas imprescindí-
veis aos alunos que participam da Educação
Especial, também fazem parte do resultado
de pesquisas feitas pelo autor supracitado
(TESSARO, 2005, p.54).
O educador perante estes conflitos
deve ter consciência de que os mistérios que
envolvem o aluno autista muitas vezes não
são alcançados nos cursos e decifrar esses
enigmas, muitas das vezes não seguem um
roteiro ou uma receita própria.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 554


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos espaços formais das instituições escolares a educação é que atua como principal
geradora de conhecimento e aprendizado. Todos têm direito à educação sem distinção, é
dever do Poder Público manter as crianças em ambiente escolar até que alcancem o nível
estabelecido pelas diretrizes.
Quando se trata de crianças autistas, o procedimento de inclusão é mais delicado, in-
cluindo profissionais capacitados. Antigamente, as pessoas autistas eram consideradas em
situação de desvantagem, não eram vistos como sujeitos de direito sociais, mas atualmente
graças às lutas travadas pelas comunidades autistas o Ordenamento Jurídico brasileiro trouxe
grandes melhorias, principalmente na educação.
A Educação especial tem como objetivo incluir os alunos que possuem alguma defici-
ência no ensino regular, isto é, possibilitar a convivência com outras pessoas que não têm
deficiência ou algum transtorno, dessa maneira a formação de indivíduos deixa de ser um
desafio e é amenizada pela satisfação de ver o crescimento no aprendizado e individual de
cada pessoa envolvida neste processo.
Sabendo que o isolamento, a falta de comunicação, entre outros sintomas são verifica-
dos dentro do autismo, existem metodologias e técnicas pedagógicas que podem ser aplica-
das pelos educadores para lidar com as crianças autistas em sala de aula.
Estas adaptações curriculares podem ser incluídas em programas escolares, em ava-
liações específicas e na redução dos objetivos educacionais que equilibram a dificuldade no
aprendizado. Considerar a melhoria no ambiente escolar permitindo por exemplo, o acesso
facilitado da criança, redução das distrações visuais e auditivas também ajudam o educando
na sua concentração.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 555


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ASSUMPÇÃO. F.: KUCZYNSKI. E. Diagnóstico diferencial psiquiátrico no Autismo Infantil. In: SCHWARTZMAN, J.S.;
ARAÚJO, C.A. (Ed.). Transtorno do espectro do Autismo (TEA). São Paulo: Memnon, 2011.

BELIZÁRIO FILHO, JOSÉ F. MEC- Coleção: A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: transtornos
globais do desenvolvimento. Volume 9. Fortaleza: UFC, 2010.

BRASIL. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa
com Transtorno do Espectro Autista. Brasília: Câmara dos Deputados, 2012. Disponível:www.planalto.gov.br/ccivil_

03/_ato2011-2014/2012/lei/l12764.htm. Acesso em: 26/02/2021.

______. Decreto Lei nº 7.611, de 17 de novembro de 2011. Dispõem sobre a Educação especial, o atendimento
educacional especializado e dá outras providências.Disponível:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-
201/2011/Decreto/D7611.htm#Art 11.Acesso em:21/02/2021.

______. Declaração de Salamanca e linha de ação sobre necessidades educativas especiais. Brasília: UNESCO,
1994. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf> Acesso em: 26/02/2021.

CRAVEIRO DE SÁ, LEOMARA. A teia do tempo e o autista: Música e musicoterapia. Goiânia: UFG. 2003.

DUARTE, N.A individualidade para - si. Contribuição a uma teoria histórico-social da formação do indivíduo. Cam-
pinas: Autores Associados, 1993.

ECA. Estatuto da Criança e do Adolescente.Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da
Criança e do Adolescente e dá outras providências. Disponível: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.
html. Acesso:26/02/2021.

FERREIRA, TÂNIA; VORCARO, ANGELA. O tratamento psicanalítico de crianças autistas: Diálogo com múltiplas
experiências. Autêntica, 2017.Disponível: https://www.scielo.br/pdf/rbp/v28s1/a01v28s1.pdf.Acesso:

11/02/2021.

FIGUEIREDO, ANA C. TENÓRIO, FERNANDO. O diagnóstico em psiquiatria e psicanálise. Revista Latino-americana


de Psicopatologia Fundamental, São Paulo, v. 3, n. 1, p. 29-43, mar.-jun. 2002.

FRIEDEN, B. Roy. VIII Evolution, design and extrapolation methods for optical signals, based on use of the prolate
functions. In: Progress in optics. Elsevier, 1971.

FONSECA, VITOR da. Educação especial: Programa de estimulação precoce – uma introdução às ideias de
Feuerstein. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas Sul, 2002.

LAURENT, ÉRIC. A batalha do autismo: da clínica à política. Editora Schwarcz-Companhia das Letras, 2014.

LEONTIEV, A.N. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Livros Horizonte, 1978.

MANTOAN, Maria T. E. Inclusão escolar: O que é? Por quê? Como fazer? São Paulo: Moderna, 2006.

MARTINS, MARA R. R. Inclusão de alunos Autistas no Ensino Regular: Concepções e práticas pedagógicas de
professores regentes. Dissertação de Mestrado (Pós-Graduação). Universidade Católica de Brasília – UCB,2007.
Disponível: https://bdtd.ucb.br:8443/jspui/handle/123456789/1887. Acesso em:21/02/2021.

MAZZOTA, M. J. S. Educação especial no Brasil: História e políticas públicas. São Paulo: Cortez, 1996.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 556


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

OLIVEIRA, I. M. VICTOR, S. L. Práticas de inclusão escolar de crianças e jovens com autismo: contribuições de
pesquisas portuguesas. Educação Especial em Debate. Universidade Federal do Espírito Santo, Núcleo de Ensino
Pesquisa e Extensão (Neesp): Centro de Educação, ano 1, v.1, n1, jan./jul., 2016.

ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em 10 de
dezembro de 1948.

ORRÚ, S. ESTER. Autismo, Linguagem e Educação: interação social no cotidiano escolar. Rio de Janeiro: Wak,
2009.

RUTTER M. Diagnoses and Definitions of Childhood Autism. J Autism Dev. Disord, 1978.

SANTOS, BOAVENTURA de S. A gramática do tempo: Para uma nova cultura política. São Paulo: Editora Cortez,
2006.

SANTOS, J. I. F. dos. Educação Especial: Inclusão escolar da criança autista. São Paulo, All Print, 2011.

SCHWARTZMAN, ROY. Are students customers? The metaphoric mismatch between management and education.
Education, v. 116, n. 2, p. 215-223, 1995.

SILVA, FRANCISCA S. ALMEIDA, AMÉLIA L. de. Atendimento educacional especializado para aluno com autismo:
Desafios e possibilidades. Intl. J. of Knowl. Eng. Florianópolis, v. 1, n. 1, 2012, p. 62-88.

ROMERO, PRISCILA. Os desafios da educação para estudantes autistas. Disponível em: http://educacao.atarde.
uol.com.br/1997. Acesso em: 26/02/2021.

TUCHMAN, ROBERTO, RAPIN, ISABELLE. Autismo abordagem neurobiológica. Porto Alegre: Artmed, 2009.

TESSARO, N. S. Inclusão Escolar: Concepções de professores e Alunos da educação Regular e especial. São
Paulo: Casa do psicólogo. 2005.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 557


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pelas Faculdades


Integradas Campos Salles - FICS (2005); Professora
de Educação Infantil na Rede Municipal de Ensino
do Município de São Paulo, CEU CEI Pera Marmelo.

NADIA JUNG PASSOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 558
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A BNCC NA SALA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

RESUMO: O presente Artigo tem por objetivo analisar a Base Nacional Comum Curricular – BNCC
e compreender a importância dos seus desdobramentos na Sala de Aula na Educação Infantil.
A Metodologia utilizada para a concretização da presente pesquisa foi de base bibliográfica
de cunho qualitativa por meio de informações, impressões, opiniões, pontos de vista de forma
a aprofundar e detalhar a temática proposta. O referencial teórico se baseou na análise de
artigos, documentários, produções científicas que discutem, refletem por meio do pensamento de
Dallabona e Mendes (2004), Kishimoto (2001, 2002), Brasil (1988, 1996, 1998, 2001, 2010, 2017),
Vygotsky (1984, 1994, 2001) dentre outros que pesquisam sobre essa temática que apresenta a
criança como cidadã de direitos e entre os direitos está o brincar que se constitui a base para o
aprendizado na creche e na pré-escola e no anos iniciais do Ensino Fundamental. Por intermédio
das atividades lúdicas na Creche e na Pré-Escola a criança se comunica consigo mesma e com o
mundo, aceita sua existência e da dos outros, estabelece relações sociais, constrói conhecimento
e se desenvolve de forma plena.

Palavras-chave: BNCC; Criança; Aprendizagem; Educação Infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 559


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

É
necessário desmistificar os marcos legais que norteiam a vivência em sala de
aula com as crianças na Educação Infantil para utilizar todo o conhecimento que
a Base Nacional Comum Curricular – BNCC propõe para a prática pedagógica
no segmento da Educação Infantil.
Atualmente tínhamos na Educação Infantil os três pilares que giravam em torno do cuidar,
educar e brincar. Esses pilares não foram substituídos, muito pelo contrário, foram ampliados
para o que a Base Nacional Comum Curricular – BNCC trata como direitos de aprendizagem
que devem ser garantidos a todas as crianças no segmento da Educação Infantil.
A criança tem o direito de brincar cotidianamente e essa atividade se constitui de forma
essencial para o desenvolvimento da criança na Educação Infantil para que seja assegurado
seu pleno desenvolvimento que já era garantido pelas legislações anteriores, permanece com
a promulgação da Base Nacional Comum Curricular – BNCC.
Uma das grandes novidades da Base Nacional Comum Curricular – BNCC na Educação
Infantil se dá na concretização da criança participar ativamente das brincadeiras e na escolha
dos materiais para o seu próprio desenvolvimento, logo a criança passa a ser um sujeito ativo
no seu aprendizado.
Portanto, enquanto brinca a criança aprende que a vida tem momentos felizes, de dor,
derrotas, de vitórias. Sozinha ou em grupo toda a criança ganha exercendo o direito de brincar,
direito previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA.
Brincar pode ser considerado um dom que nasce com a criança, uma vez que a criança
nasce com a pulsão do prazer segundo Freud, ou seja, a criança já nasce dotada com essa
curiosidade natural podendo afirmar que o brincar é o pleno exercício do cientista em ação.
O brincar é um direito fundamental, é um direito vital, inclusive garantido por muitos
marcos legais se constituindo em atividade necessária, primária e primordial para a criança
que tem essa necessidade desde o nascimento.
Portanto o brincar é uma ação que nos faz humanos, é brincando que se explora, des-
cobre, conhece, se relaciona com possibilidades de aprimorar o estar no mundo, ou seja, a
brincadeira é um termômetro de vida para a criança e para as famílias.
A Base Nacional Comum Curricular – BNCC contempla a brincadeira como um direito
da criança que precisa ser assegurado e garantido nos espaços em que temos a presença a
criança que alegra, preenche, enaltece e exalta o próprio existir humano.
Somos desafiados não só a lutar pela garantia desse direito como a manutenção e as
condições em que esse brincar se dá na prática e na vida de nossas crianças que estão
em casa, nas creches e nas Escolas de Educação Infantil, não basta ter o acesso ao brincar
é preciso dar as condições para que o brincar que tem seus fundamentos na ciência e na
Neurociência, da Psicologia, da Educação fruto das lutas que se iniciaram no século XX e
que colhemos hoje.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 560


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO rada a Constituição Cidadã que coloca como


INFANTIL dever do Estado a Educação será efetivada
mediante garantia de atendimento em creche
Existem muitas tendências históricas e pré-escola às crianças de 0 a 6 anos de
que marcaram o desenvolvimento de crianças idade. Isso está registrado no Artigo 208 da
de 0 a 6 anos no Brasil. Apresentamos duas Constituição Federal.
tendências principais: tradição assistencialista
e a tradição de escolarização. Temos com isso pela primeira vez a
preocupação de maneira oficial que o Esta-
No início do século XX o Brasil estava do deveria garantir a educação das crianças
passando pelo processo de industrialização de 0 a 6 anos em Creches e Pré-Escolas. O
que necessitava de mão de obra. As mulheres Brasil inicia os estudos sobre a Psicologia
que até então eram culturalmente eram do “do do Desenvolvimento, Sociologia da Infância,
lar”, ou seja, ficavam em casa administrando Antropologia e até a própria Pedagogia ganha
a casa, cuidando das crianças deixam essa mais espaço e avança com suas pesquisas
vida e se inserem no Mercado de Trabalho. voltadas para a sua divulgação no mundo
Com a inserção das mulheres no mun- acadêmico e na sociedade civil.
do do trabalho começam a surgir as primeiras Portanto, a:
creches nas vilas operárias por conta dessa
[...] brincadeira basicamente se refere à
demanda do Capitalismo que forçou a saída
ação de brincar, ao comportamento es-
das mães de suas casas e por conta des- pontâneo que resulta de uma atividade
se fenômeno não tinha onde ficar e as suas não-estruturada; jogo é compreendido
mães precisavam trabalhar para ajudar no como uma brincadeira que envolve re-
sustento da casa. gras; brinquedo é utilizado para designar
o sentido de objeto de brincar; já a ativida-
O atendimento nas Creches era total- de lúdica abrange, de forma mais ampla,
mente assistencialista, voltado para a assis- os conceitos anteriores (DALLABONA e
tência social que visavam os cuidados bási- MENDES, 2004, p. 108).
cos como troca, higiene e alimentação, ou É importante ressaltar que toda lei tem
seja, via a criança como um ser puramente um trajeto, um percurso para ser efetivada,
biológico, não havia nenhuma intencionalida- por exemplo, o Artigo 208 da Constituição
de pedagógica por trás dessa prática. Federal se efetiva com direito em 1996 com a
Nessa tradição foi importado o modelo promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da
de Escola Fundamental que tornava a Creche Educação Nacional, conhecida como LDB Nº
em uma Mini Escola de Ensino Fundamental 9.394/96 que reconhece a Educação como a
marcada por horários fixos, conteúdos disci- primeira Etapa da Educação Básica.
plinares e muitas atividades que não levavam A partir da LDB Nº 9.394/96 se inicia
em conta as especificidades da criança pe- um Projeto de Educação Infantil que visasse
quena. Nessa tendência não havia a tradição a unidade desde a Educação Infantil até o
da brincadeira, a criança simplesmente não Ensino Médio cada segmento da Educação
era criança e era considerada como um mini Básica com suas especificidades que vislum-
estudante da Educação Básica. bra se a vida escolar como uma jornada que
Nos anos 80 houve um marco de ex- precisasse ter pontos de conexão entre os
trema importância em 1988 que foi a pro- segmentos de ensino.
mulgação da Constituição Federal, conside-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 561


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MARCOS LEGAIS DA EDUCAÇÃO Este artigo revela que o Brasil está se


servindo de muitas fontes de pesquisa com
Os marcos legais são de extrema re- a Psicologia do Desenvolvimento, Sociologia
levância no avanço da Educação Infantil e da Infância, Antropologia e a própria Pedago-
que de alguma forma se tornam divisores de gia que estava em ascensão nas discussões
águas para as estratégias no atendimento acadêmicas:
deste segmento da educação.
• 1998 – Referencial Curricular Nacio-
A promulgação das leis vai compondo nal para a Educação Infantil – RC-
uma linha no tempo em que vários aconteci- NEI – Esse marco legal se propõe
mentos foram se constituindo nos principais a seguir as tendências dos debates
marcos legais da Educação Infantil que são: em nível nacional e internacional que
• 1988 – Constituição Federal – CF – apontam para as necessidades que
A preocupação central gira em torno as instituições de Educação Infantil
do Estado que deve garantir o aten- atuassem de forma integrada as fun-
dimento de crianças em Creches e ções de educar e cuidar, consideran-
Pré-Escolas às crianças de 0 a 6 do que para o Referencial Curricular
anos de idade (BRASIL, 1988). Nacional para a Educação Infantil
– RCNEI educar significa propiciar
• 1990 – Estatuto da Criança e do Ado- situações de cuidado, brincadeiras e
lescente – ECA – Lei Nº 8.089/90, aprendizagens orientadas de forma
1990, criou-se o Estatuto da Criança integrada e que possam contribuir
e do Adolescente – ECA, que ga- para o desenvolvimento das capa-
rante o desenvolvimento integral de cidades infantis de relação interpes-
meninas e meninos ao longo da in- soal.
fância. O ECA atende a exigência da
Constituição Federal de 1988 que O cuidar para o RCNEI (1998) gira em
no seu Artigo 227, afirma o “dever torno de:
de assegurar direitos da criança, do O cuidar na esfera da Educação Infantil
adolescente e do jovem” (BRASIL, significa compreendê-lo como parte inte-
1988). grante da Educação, embora possa exigir
conhecimentos, habilidades e instrumen-
• 1996 – Lei das Diretrizes e Bases tos que extrapolam a dimensão pedagógi-
da Educação Nacional – LDBEN – ca, ou seja, cuidar de uma criança em um
Promulgação da Lei Nº 9.9394/96 contexto educativo demanda a integração
de vários campos dos conhecimentos e a
endossa a responsabilização do Es- cooperação de profissionais de diferentes
tado em garantir o atendimento em áreas. A base do cuidado humano é com-
Creches e Pré-Escolas a sua culmi- preender como ajudar o outro a se desen-
nância está no Art. 29 que afirma: volver como ser humano disso depende a
construção de um vínculo de quem cuida
A Educação Infantil, primeira etapa da e quem é cuidado (BRASIL, 1998).
Educação Básica tem como finalidade o
desenvolvimento integral da criança de O Referencial Curricular Nacional para a
até 5 anos em seus aspectos físico, psi- Educação Infantil – RCNEI marca a dimensão
cológico, intelectual e social complemen-
afetiva e relacional do cuidado dando luz de
tando a ação da família e da Comunidade
(BRASIL, 1996). olhar à criança como uma pessoa que está
em contínuo crescimento e desenvolvimento
considerando a sua singularidade.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 562
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• 2001 – Plano Nacional de Educa- • Currículo – Conjunto de práticas que


ção – PNE – Passado o medo de o buscam articular as experiências e
mundo acabar em 2000 e de todos os saberes das crianças com os co-
computadores bugam surge a Pla- nhecimentos que fazem parte do pa-
no Nacional de Educação – PNE de trimônio cultural, artístico, ambiental,
conseguir elaborar um texto oficial científico e tecnológico de modo a
acerca da Educação Infantil se esta- promover o desenvolvimento integral
belece metas concretas de traçar o de crianças de 0 a 5 anos de idade.
objetivo de universalização da Edu-
• Proposta Pedagógica – O Projeto
cação Infantil na Pré-Escola de 4 a
Político Pedagógico – PPP que é o
5 anos e ampliar a oferta de Educa-
Plano orientador das ações da Ins-
ção Infantil em Creches de forma a
tituição que definem as metas da
atender no mínimo 50% de crianças
aprendizagem e o desenvolvimento
de até 3 anos até o final da vigência
das crianças que nela são educados
deste Plano Nacional de Educação
e cuidados.
– PNE.
• 2017 – Base Nacional Comum
• 2010 – Diretrizes Curriculares Nacio-
Curricular – BNCC – Resultado do
nais para a Educação Infantil – DC-
desdobramento e aprofundamento
NEI – As Diretrizes dão sentido ao
de todos esses marcos em que per-
Currículo detalha a concepção e a
cebemos e que compõem a Base
regulamentação de quatro aspectos
Nacional Comum Curricular – BNCC
importantes que são: educação in-
com uma visão integrada de currí-
fantil, criança, currículo e proposta
culo da Educação Infantil, retoma
pedagógica.
os eixos estruturantes das práticas
• Educação Infantil – Consagrada pedagógicas dessa etapa equivalem
como a primeira etapa da Educação as já anunciadas nas Diretrizes Cur-
Básica, oferecida em espaços insti- riculares Nacionais para a Educação
tucionais não domésticos, públicos Infantil – DCNEI (BRASIL, 2009) que
ou privados que educam e cuidam são as interações e as brincadeiras.
de crianças de 0 a 5 anos de idade.
A partir desses eixos estruturantes das
• Criança – Sujeito histórico e de di- práticas pedagógicas a Base Nacional Co-
reitos que nas interações, relações mum Curricular – BNCC apresenta seis direi-
e prática cotidiana que vivencia tos de aprendizagem e desenvolvimento na
constrói sua identidade pessoal e Educação Infantil que são: conviver, brincar,
coletiva, brinca, imagina, fantasia, participar, explorar, expressar e conhecer-se.
deseja, aprende, observa, expe-
Para a organização desses eixos a Base
rimenta, narra, questiona e cons-
Nacional Comum Curricular – BNCC propõe
trói sentidos sobre a natureza e
cinco campos de experiência que são: 1. O
a sociedade produzindo cultura.
Eu, o Outro e o Nós; 2. Corpo, Gestos e Mo-
vimentos; 3. Traços, Sons, Cores e Formas;
4. Fala, Escuta, Pensamento e Imaginação; 5.
Espaços, Tempos, Quantidades, Relações e
Transformações.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 563


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

DOCUMENTOS DA EDUCAÇÃO e escrita, natureza e sociedade e matemá-


INFANTIL tica. Apresenta dicas para organização dos
conteúdos por meio de atividades permanen-
Esses Documentos se constituem nos tes, sequências didáticas e projetos (BRASIL,
principais marcos que marcaram o processo 2010).
de construção da Educação Infantil como um
segmento que atualmente compõe a primeira A evolução e o amadurecimento dos
etapa da Educação Básica a partir dos 4 anos Documentos vão apresentando elementos
de idade e quando se começou a pensar em mais concretos para que o corpo docente
Currículo para a Educação Infantil. possa guiar, nortear, orientar suas práticas
pedagógicas é imprescindível analisar estes
A partir da Lei de Diretrizes e Bases da desdobramentos para conhecer as etapas da
Educação Nacional – LDBEN Nº 9.394/96 se construção do que observamos no presente
inicia uma sistematização da Educação Infan- passa a ter mais sentido.
til e foi graças a ela que outros documentos
puderam ser construídos, foi uma demanda Em 2010 se promulgou um Documento
do nosso próprio tempo pensar em propostas que ganha força de lei que compõem as Dire-
pedagógicas mais estruturadas pras essas trizes Curriculares Nacionais para a Educação
crianças pequenas de 0 a 6 anos de idade. Infantil – DCNEI voltadas para a Educação In-
fantil proporcionando novas experimentações
Quando a Educação Infantil sai da área na Escola que poderiam envolver todas as
da assistência social e passa a fazer parte da crianças que frequentam esse espaço edu-
educação o próximo passo seria a elabora- cacional. A ideia central das Diretrizes Cur-
ção de documentos que oficializaram o orien- riculares Nacionais para a Educação Infantil
tassem as práticas para essa consolidação. – DCNEI é que as crianças têm direito de
Outro marco legal da Lei de Diretrizes vivenciar determinadas experiências que são
e Bases da Educação Nacional – LDBEN Nº fundamentais para o desenvolvimento e para
9.394/96 foi a exigência de formação docen- a aprendizagem na Educação Infantil.
te para atuação na área, ou seja, para ser As Diretrizes Curriculares Nacionais
professor ou professora da Educação Infantil para a Educação Infantil – DCNEI trazem
precisaria ter a Licenciatura em Pedagogia uma perspectiva que coloca a criança com
se constituindo em responsável pela consoli- um sujeito histórico e de direitos, algo muito
dação desse segmento na Educação Básica. importante para ser considerado nas práticas
Em 1998 temos a promulgação do Re- pedagógicas.
ferencial Curricular Nacional para a Educação Em 2017 temos a Base Nacional Co-
Infantil – RCNEI e esse Documento não tem mum Curricular – BNCC retoma a ideia central
força de lei, se constitui em Referencial, mas das Diretrizes Curriculares Nacionais para a
de extrema importância para o processo de Educação Infantil – DCNEI e sistematiza isso
ensino e aprendizagem das crianças e é o pri- em termos de organização curricular.
meiro Documento que irá falar da articulação
do binômio cuidar e educar. É comum pensar que a Base Nacional
Comum Curricular – BNCC é um Currículo.
O Referencial Curricular Nacional para É uma Base Curricular que aponta caminhos
a Educação Infantil – RCNEI está organizado na elaboração de currículos específicos de
em áreas do conhecimento que são: movi- cada região do país e de cada Comunidade
mento, música, artes visuais, linguagem oral Escolar. Ela é o resultado de uma construção
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 564
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

que vem caminhando desde a Constituição eixos de trabalho orientados para a constru-
Federal de 1988 que tinha como objetivo in- ção das diferentes linguagens pelas crianças
cluir a Educação Infantil na Educação Básica e para as relações que estabelecem com os
pensando em uma Base Nacional Curricular objetos de conhecimento. São eles: movimen-
para todos. to, música, artes visuais, linguagem oral e es-
crita, natureza e sociedade e matemática.
Temos um longo Projeto de Educação
Infantil com uma trajetória de mais de trinta O primeiro documento com força de Lei
anos, ou seja, começa a ganhar maturidade, para a Educação Infantil foi promulgado em
profundidade e concretude, pelo menos é o 2010 que compõem as Diretrizes Curriculares
Nacionais para a Educação Infantil – DCNEI
que se espera depois de 30 anos de cami-
que se articula com as Diretrizes Curricula-
nhada.
res Nacionais da Educação Básica e reúnem
DIFERENÇAS ENTRE RCNEI, DCNEI E princípios, fundamentos e procedimentos
BNCC definidos pela Câmara de Educação Básica
do Conselho Nacional de Educação que nor-
O Referencial Curricular Nacional para tearão as políticas públicas e a elaboração,
a Educação Infantil – RCNEI foi promulgado planejamento, execução e avaliação de pro-
em 1998 e veio com a missão de estabelecer postas pedagógicas de Educação. Infantil.
um referencial para a construção do Currícu-
lo para a Educação Infantil e, apesar de não As Diretrizes Curriculares Nacionais
ter força de lei deu continuidade à discussão para a Educação Infantil – DCNEI apresenta
iniciada com a LDBEN Nº 9.394/96 trazendo definições da Educação Infantil, criança, currí-
como princípio auxiliar o professor no traba- culo e proposta pedagógica que trazem uma
lho pedagógico e no dia-a-dia com as crian- objetividade que apontam ações concretas
ças pequenas. para colocar todos esses anos de discussão
em prática.
O Referencial Curricular Nacional para
a Educação Infantil – RCNEI apresenta uma A Educação Infantil é oficializada como
discussão inicial no seu volume de Introdu- segmento da primeira etapa da Educação Bá-
ção abordando pontos históricos sobre as sica, faz referência das regulamentações das
Creches e Pré-Escolas também pontua con- instituições educacionais públicas e privadas
cepções de crianças, educação, instituição e que educam e cuidam de crianças de 0 a 5
profissionais. anos de idade que estão submetidas a su-
pervisão por órgão competente do sistema
No segundo volume do Referencial Cur- de ensino, além de endossar o que já vinha
ricular Nacional para a Educação Infantil – sendo escrito desde a Constituição Federal
RCNEI o tema é formação pessoal e social de 1988 que é o dever do Estado garantir a
que é muito significativo em que apresenta o oferta de Educação Infantil Pública comple-
eixo de trabalho e favorece prioritariamente os mentando que deverá ser gratuita e de quali-
processos de construção da Identidade e au- dade sem requisito de seleção.
tonomia das crianças. Será que hoje depois
de mais de dez anos depois conseguimos Como criança o Documento a reconhe-
assimilar esses princípios das nossas práti- ce como sujeito histórico e de direitos que
cas pedagógicas com as crianças pequenas? nas interações, relações e práticas cotidianas
que vivencia constrói sua identidade pessoal
No terceiro volume do Referencial Curri- e coletiva, brinca, imagina, fantasia, deseja,
cular Nacional para a Educação Infantil – RC- aprende, observa, experimenta, narra, ques-
NEI que se chama conhecimento do mundo tiona e constrói sentidos sobre a natureza e
que contém seis documentos referentes aos a sociedade produzindo cultura.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 565
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Sobre o currículo, o documento define Para a organização desses eixos a Base


como um conjunto de práticas que buscam Nacional Comum Curricular – BNCC propõe
articular as experiências e os saberes das cinco campos de experiência que são: 1. O
crianças com os conhecimentos que fazem Eu, o Outro e o Nós; 2. Corpo, Gestos e Mo-
parte do patrimônio cultural, artístico, ambien- vimentos; 3. Traços, Sons, Cores e Formas;
tal, científico e tecnológico de modo a promo- 4. Fala, Escuta, Pensamento e Imaginação; 5.
ver o desenvolvimento integral de crianças de Espaços, Tempos, Quantidades, Relações e
0 a 5 anos de idade. Transformações.
Por fim, a Proposta Pedagógica o do- Existe profundidade e consistência dos
cumento ressalta o PPP (Projeto Político Documentos da Educação Infantil e o desafio
Pedagógico) que é o Plano orientador das está no fato de extrair do papel e transpor
ações da Instituição que definem as metas para a prática pedagógica o que preconizam
da aprendizagem e o desenvolvimento das os diversos documentos sobre a Educação
crianças que nela são educados e cuidados, Infantil que atendam todas as crianças de
elaborado num processo coletivo com a par- nosso país.
ticipação da direção, dos professores e da
A BNCC NA SALA DE AULA NA
Comunidade Escolar. EDUCAÇÃO INFANTIL
As Diretrizes Curriculares Nacionais
A Base Nacional Comum Curricular –
para a Educação Infantil – DCNEI levando em
BNCC sistematiza o que já estava nas Diretri-
consideração a diversidade cultural do nosso
zes Curriculares Nacionais para a Educação
país com uma extensão geográfica continen-
Infantil – DCNEI como a concepção de crian-
tal, por isso, ressalta que os Projetos Políticos
ça como um sujeito de direitos e uma lista dos
Pedagógicos – PPPs devem ter como objeti-
direitos de aprendizagem e desenvolvimento.
vo garantir à criança até o seu processo de
Esses direitos falam sobre os modos como as
apropriação, renovação e articulação de co-
crianças se relacionam com o mundo, com a
nhecimentos de aprendizagens de diferentes
cultura, com os pares e consequentemente
linguagens, assim como direito à proteção, à
como elas aprendem por meio dessas rela-
saúde, à liberdade, à confiança, ao respeito,
ções.
à dignidade, à brincadeira, à convivência e à
interação com outras crianças reconhecendo A Base Nacional Comum Curricular
as especificidades das culturas não só urba- – BNCC permite reconhecer os marcos his-
nas mas também das culturas indígenas e do tóricos legais da Educação Infantil por uma
campo. trajetória de mais de 30 anos e luta por uma
educação de qualidade para todas as crian-
A Base Nacional Comum Curricular –
ças. Esse longo percurso organiza a estrutura
BNCC promulgada em 2017 são as intera-
escolar e o brincar é garantido como direito
ções e as brincadeiras. A partir desses ei-
da criança no seu processo de aprendizagem
xos estruturantes das práticas pedagógicas
(BRASIL, 2017).
a Base Nacional Comum Curricular – BNCC
apresenta seis direitos de aprendizagem e de- Na Base Nacional Comum Curricular –
senvolvimento na Educação Infantil que são: BNCC, a Constituição Federal de 1988 tem
conviver, brincar, participar, explorar, expres- o seu Artigo 208 resgatado em que preconi-
sar e conhecer-se. za que a educação é um direito fundamental
compartilhado entre o Estado, Família e So-
ciedade e que ao determinar que a Educa-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 566
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ção é um direito e um dever do Estado e da A relação entre o que é básico, comum


família será promovida e incentivada com a e o que é diverso é retomado no Art. 26 da
colaboração da sociedade visando o pleno LDBEN Nº 9.394/96 que os Currículos da
desenvolvimento da pessoa e o preparo para Educação Infantil, do Ensino Fundamental e
o exercício da cidadania e a sua qualificação do Ensino Médio devem ter base nacional co-
para o mundo do trabalho. mum a ser contemplado em cada sistema de
ensino e em cada estabelecimento escolar
Para a Kishimoto (2001, 2002) a brinca-
por uma parte diversificada encontrada nas
deira faz parte do direito que a criança tem e
características regionais e locais da socieda-
que lhe garante o direito de ser cidadã e ne-
de, da cultura, da economia e da Comunida-
cessita ter esse direito assegurado pela Lei e
de Escolar (BRASIL, 1996).
que muitas vezes não são garantidos mesmo
que seja promulgado em Documentos Legais A Base Nacional Comum Curricular –
da Educação Brasileira. BNCC separa o que é básico comum do que
é diverso se reconhece que apesar de trazer
A LDBEN Nº 9.394/96 no seu inciso
uma proposta de base nacional comum ela
4 do Art. 9º afirma que cabe à União esta-
não ignora a diversidade brasileira que é tão
belecer em colaboração com os Estados, o
plural. Os jogos e brincadeiras não se limi-
Distrito Federal e os Municípios competências
tam a sensações e sentimentos vivenciados
e diretrizes para a Educação Infantil, o Ensino
pela criança, mas são de extrema importância
Fundamental e o Ensino Médio que darão um
para que a criança estruture seus vínculos
norte aos Currículos e seus conteúdos míni-
sociais, oportunizando a habilidade de sen-
mos de modo a assegurar a formação básica
tir-se cidadão, que ultrapassa a experiência
comum (BRASIL, 1996)
individualizada (VYGOTSKY, 2001):
A LDBEN Nº 9.394/96 deixa claro dois Esse tipo de brincadeira é uma experi-
conceitos decisivos para o desenvolvimento ência coletiva viva da criança e, neste
da questão curricular no Brasil, pois as duas sentido, é um instrumento absolutamente
noções são fundamentais quando se pensa insubstituível de educação de hábitos e
na Base Nacional Comum Curricular – BNCC. habilidades sociais. Ao lançar a criança
em novas situações, ao subordiná-la a
O primeiro a Constituição já antecipou esta-
novas condições, a brincadeira a leva a
belece a relação entre o que é básico comum diversificar infinitamente a coordenação
e o que é diverso em matéria curricular – as social dos movimentos e lhe ensina flexi-
competências e as diretrizes são comuns, os bilidade, elasticidade e habilidade criado-
currículos são diversos. ra como nenhum outro campo da educa-
ção (VYGOTSKY, 2001, p. 122).
O segundo se refere ao foco do cur-
rículo ao dizer que os conteúdos curricula- O Plano Nacional da Educação – PNE
res estão a serviço do desenvolvimento de de 2001, reconhece a necessidade de es-
competências, algo bem importante que a tabelecer e implantar diretrizes pedagógicas
LDBEN Nº 9.394/96 orienta que é definição para a Educação Básica e a base nacional
das aprendizagens essenciais e não apenas comum dos currículos por meio de um pacto
os conteúdos mínimos a serem ensinados. interfederativo, isso quer dizer, envolver nessa
missão a União, Estados, Distrito Federal e
Municípios.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 567


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nesse sentido, consoante aos marcos A Base Nacional Comum Curricular –


legais anteriores, o Plano Nacional de Educa- BNCC irá nortear as aprendizagens em cada
ção – PNE reforça a importância de uma Base etapa da Educação Básica. Na sala de aula
Nacional Comum Curricular – BNCC como na Educação Infantil, a Base Nacional Comum
foco na aprendizagem como estratégia para Curricular – BNCC assegurando os direitos
fomentar a qualidade da Educação Básica em de aprendizagem que todo aluno deve ter em
todas as etapas e modalidades, aprendizado cada etapa com suas habilidades específicas
adequado na idade certa. a serem desenvolvidas visando uma forma-
Por fim, ela reconhece o papel das ção integral como ser humano participante da
instituições de Educação Infantil, resgata os sociedade em que vive e na qual irá desen-
eixos curriculares interações e brincadeiras volver sua profissão no mundo do trabalho.
e coloca a criança como protagonista dos
A Etapa da Educação Infantil se divide
processos de aprendizagens. O tempo da
infância é garantido por lei e neste momen- em três partes: Os bebês (De 0 até 1 ano e
to privilegiado temos o dever de cuidar de seis meses); Crianças Muito Pequenas (De
nossas crianças de forma mais apropriada e 1 ano e sete meses até 3 anos e 11 meses)
que se constitui em um desafio para o nosso e a última etapa está relacionada a Crianças
tempo e para as nossas Escolas, assim como Pequenas de (4 anos até 5 anos e 11 meses).
para a nossa prática docente de garantir e A essas crianças é dado o direito de ter
dar as condições de possibilidades para que experiências. Em 1996, com a promulgação
o aprendizado contemple o brincar nas inte-
da Lei de Diretrizes e Bases da Educação
rações estabelecidas.
Nacional – LDBEN Nº 9.394/96, a Educação
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS Infantil passa a fazer parte da Educação Bási-
ca se constituindo como a primeira etapa, ou
A presente pesquisa é de cunho biblio- seja, o segmento da Educação Infantil.
gráfico em que que apresentaremos como
aporte teórico o pensamento e os resultados A percepção do presente trabalho é
de pesquisas de autores consagrados que re- ressaltar a importância da Base Nacional
fletem sobre a temática, tendo presente que a Comum Curricular – BNCC na Sala de Aula
contação de histórias é de extrema importân- na Educação Infantil por meio da Emenda Nº
cia para o desenvolvimento das crianças uma 59/2009 com a obrigatoriedade deste seg-
vez que contribui para os aspectos social, mento na Educação Infantil como parte da
cognitivo, emocional proporcionando uma Educação Básica.
aprendizagem saudável e prazerosa para a Toda criança deve estar matriculada
criança. desde os 4 anos até os 17 anos de idade
O referencial teórico se baseou na aná- na Educação Básica. A Educação Infantil é
lise de artigos, documentários, produções a primeira etapa da Educação Básica sem
científicas que discutem, refletem por meio dissociar o cuidar e o educar, assim como
do pensamento de Amarilha (1997), Abramo- o brincar e o aprender que vão nortear as
vich (1997), Cavalcanti (2002), Sisto (2001), ações da criança nesse segmento da Educa-
Jolibert (1994), Vieira (2005), Faria (2010), ção Básica.
Bettelheim (2002, 2009), Nóbrega (2009),
Brasil (1998), Coelho (1999, 2009), Rodri-
gues (2005), dentre outros que pesquisam
sobre essa temática que apresenta a arte de
contar histórias para as crianças.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 568
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A criança que brinca é estimulada a ter saúde física, a ter saúde emocional e a brinca-
deira é uma ferramenta de incentivo e de estímulo para o desenvolvimento cognitivo. Na me-
dida em que a criança vai crescendo a brincadeira vai sendo deixada de lado e se a criança
não vivencia esse processo no seu desenvolvimento infantil ela se tornará um adulto que terá
falta desse elemento.
Portanto, a brincadeira forma a criança para a vida adulta. O professor deve buscar a
formação integral do ser humano com saúde mental, saúde física, saúde emocional e para
isso, o ser humano precisa ser cuidado para que possa se tornar pleno em todas as etapas
do seu desenvolvimento que se inicia na infância e perdura enquanto existir.
Ensinar é iluminar caminhos, portanto, o profissional da Educação Infantil precisa ter o
perfil necessário e deve ter o prazer de ensinar e aprender com as crianças no seu processo
cognitivo em que as descobertas são experienciadas a partir da prática em que o lúdico deve
ser uma constante no aprendizado.
Coragem e teimosia fazem parte da aventura de ensinar. Hoje existem diversas formas
de fazer os alunos aprenderem e estamos imersos em uma onda tecnológica que prioriza
o individual em detrimento de um trabalho em grupo. No entanto, ousar é possível e só se
chega quem se arrisca a percorrer um caminho que vai determinante e determinado onde
pode se chegar.
O brinquedo e a brincadeira são direitos da criança que precisam ser diversificados com
os materiais adequados, às estruturas, o processo e a mediação para que a criança possa
interagir e brincar de forma partilhada por vários personagens. A qualidade do brincar é que
vai dimensionar a orientação e o diálogo, ou seja, é preciso estar junto com a criança, estar
próximo das crianças orientando, mediando, fazendo com que compreenda as interações
necessárias para o seu próprio aprendizado de forma prazerosa, descontraída e brincante.
O ser humano é um ser social, portanto, precisa estar em constante interação com o
outro e cabe ao professor fazer essa mediação de forma compartilhada com a criança fazendo
a interlocução entre o que se está fazendo e a brincadeira que está sendo executada. É pre-
ciso escutar a criança, prestar atenção na criança, as crianças tem muitos dizer e elas dizem
o tempo todo, muitas vezes na ansiedade pedagógica há muito discurso e pouca prática, ou
seja, não se ouve as crianças, muitas vezes os professores não se permitem ouvi-las o que
é um erro.
O desafio está dado e está posto, a Educação Infantil é resultado de muitas lutas que
aconteceram no século XX e enfatizamos que foram mais de 30 anos de luta para que chegás-
semos ao estágio que estamos. Temos um longo caminho a percorrer, mas temos a certeza
que quando se trata do tecido humano que compõe as nossas relações em nossas práticas
educativas não há receita, só há que se ter o cuidado de ter a consciência que o material que
temos é altamente complexo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 569


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal: Centro
Gráfico, 1988.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA – Lei Nº 8.069/90. Publicada no Diário Oficial da União, de
16 de julho de 1990. Brasília: Senado Federal, 1990.

______. Ministério de Educação e Cultura. LDBEN - Lei Nº 9394/96, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC, 1996.

______. Estatuto da Criança e do Adolescente. Organização dos Textos, Notas Remissivas e Índices por Juarez
de Oliveira. 6. Ed. Atual. & Ampl. São Paulo: Saraiva, 1996.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Na-
cional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, 1998. v. 2.

______. Lei Nº 10.172, 9 de janeiro de 2001. Aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras providências.
Diário Oficial da União. Brasília, 10 jan. 2001.

______. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE∕CEB Nº 5/2009. Diretrizes Curriculares Nacionais para
a Educação Infantil. Brasília: Diário Oficial da União, 18 dez de 2009.

______. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CEB Nº 4/2010. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais
para a Educação Básica. Brasília: Diário Oficial da União, 14 jul. 2010.

______. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Brasília: MEC, 2017.

DALLABONA, Sandra Regina Sueli. & MENDES, Maria Schmitt. O Lúdico na Educação Infantil: Jogar, Brincar,
Uma Forma de Educar. Curso de Especialização em Psicopedagogia. Revista de Divulgação Técnico-Científica
do ICPG, Vol. 1, Nº 4, jan.-mar.,2004.

KISHIMOTO, T. M. Brinquedos e Materiais Pedagógicos nas Escolas Infantis. Educação e Pesquisa. V. 27, Nº 2,
2001.

______. O Jogo e a Educação Infantil. In: KISHIMOTO, T.M. (Org.). Jogo, Brinquedo, Brincadeira e a Educação.
6. Ed. São Paulo: Cortez, 2002.

VYGOTSKY, L. S. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

______. A Formação Social da Mente. 5. Ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

______. Psicologia Pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2001.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 570


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduado em Educação Física pela Universidade


Paulista (2009); Graduação em Pedagogia
Faculdade Campos Elíseos (2020); Especialista
em Supervisão Escolar pela Faculdade Campos
Elíseos (2019); Professor de Ensino Fundamental
I –Educação Física- na Prefeitura Municipal de
Indaiatuba.

ODAIR JOSÉ
DOS SANTOS

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 571
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDUCAÇÃO ESPECIAL: LEGISLAÇÃO E SUA EVOLUÇÃO A


PARTIR DESSA PERSPECTIVA

RESUMO: O objetivo deste artigo é mostrar um panorama da Educação Especial no Brasil a partir
da Constituição Federal de 1988, mostrando a evolução da inclusão no país com a mudança de
paradigma onde a tal valor passa a ser um valor difundido em toda a sociedade, fazendo uma
revisão da legislação implantada nas últimas décadas traçando um paralelo entre o aumento
do atendimento na Educação Especial e uma maior garantia legal da Educação como dever do
Estado e direito de todos usando como base a legislação vigente e números do Ministério da
Educação e de ONGs como o Todos pela Educação.

Palavras-chave: Educação Especial; Inclusão; Legislação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 572


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
objetivo deste artigo é fazer uma análise do crescimento da demanda da Edu-
cação Especial no Brasil a partir da Constituição Federal de 1988 que tornou o
acesso à educação pública de qualidade se torna um direito de todos e dever do
Estado. A partir do momento que se aprova uma legislação que garanta o direito de acesso
e permanência de todos na escola faz com que surja a demanda por um grande número de
profissionais para dar suporte ao aprendizado de alunos com necessidades especiais, fazendo
da inclusão um caminho sem volta e obrigatório para educação nacional.
A legislação que foi sendo implementada nas últimas três décadas visando garantir o
acesso, permanência e término de todos ao sistema de educação brasileiro, fez a Educação
Especial ter um grande crescimento, fenômeno esse que é um resultado de mudança de
paradigmas onde a sociedade começa a considerar a pessoas com necessidade especial
não como um incapaz, mas como membro da comunidade que deve ter chances iguais aos
demais dentro da estrutura social vigente.
Vamos fazer uma apresentação das principais leis que norteiam a Educação Especial de
forma cronológica, usar essa legislação para definir e conceituar os principais termos ligados
a inclusão, os alunos que são atendidos pela Educação Especial, os profissionais que com-
põem essa modalidade, usando dados do Ministério da Educação para em números retratar
a Educação Especial no Brasil em 2020.
Na última parte este artigo com dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica de
2018 será traçado um perfil regional do atendimento educacional para alunos de necessidades
especiais em na rede regular e salas especiais e escola especializadas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 573


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDUCAÇÃO ESPECIAL E AS Em 1990 a Lei nº. 8.069/90 conhecido


PRINCIPAIS LEIS QUE NORTEIAM como Estatuto da Criança e do Adolescente
ESSA MODALIDADE EDUCACIONAL EM ou simplesmente ECA, que reforça os dispo-
ORDEM CRONOLÓGICA sitivos legais e a importância na formação da
criança e adolescente ao determinar que “os
Esta pesquisa de base bibliográfica de pais ou responsáveis têm a obrigação de ma-
abordagem documental, pretende usar a le- tricular seus filhos ou pupilos na rede regular
gislação sobre inclusão para traçar um retrato de ensino”.
da educação especial no Brasil. Para tanto,
será usada a Constituição Federal de 1988, Aprovada pela Conferência Mundial so-
a Leis de Diretrizes e Bases da Educação de bre Educação para Todos, em Jomtien, Tailân-
1996 e o Anuário da Brasileiro da Educação dia, em 1990, as nações do mundo afirmaram
Básica de 2019 da organização da socieda- na Declaração Universal dos Direitos Huma-
de civil Todos Pela Educação e o Panorama nos que "toda pessoa tem direito à educa-
Nacional da Educação Inclusiva no Brasil de ção" e Documentos internacionais passam a
Rosana Glat e Júlio Ferreira como principais influenciar a formulação das políticas públicas
aportes teóricos metodológicos do trabalho da educação inclusiva na jovem democracia
aqui desenvolvido. brasileira.

Abaixo em ordem cronológica vamos A Declaração de Salamanca em 1994


falar de forma resumida das principais leis, foi um documento elaborado na Conferência
resoluções e portarias que normatizam a Edu- Mundial sobre Educação Especial, com a fina-
cação Especial no Brasil. lidade de subsidiar diretrizes básicas para a
formulação e reforma de políticas e sistemas
Com o final da ditadura e promulgação educacionais tendo como ponto de partida o
da nova constituição em 1988 a educação movimento de inclusão social.
passou a ser vista com olhos diferentes pela
sociedade, definindo no artigo 205, a educa- Em 1996 surge a mais importante lei
ção como um direito de todos, garantindo o da educação nacional a Lei de Diretrizes e
pleno desenvolvimento da pessoa, o exercício Bases da Educação Nacional foi aprovada em
da cidadania e a qualificação para o trabalho. dezembro de 1996 com o número 9394/96,
Mas são os artigos 206, inciso I, traz a “igual- entre seus principais objetivos ela reforça o
dade de condições de acesso e permanência que diz a CF 88 quanto ao o direito a toda
na escola” e o artigo 208 que garante, como população de ter acesso à educação gratui-
dever do Estado, a oferta do atendimento edu- ta e de qualidade, organizando a educação
cacional especializado, preferencialmente na nacional ,disciplinado sobre o dever de cada
rede regular de ensino, que dão educação ente federativo sobre suas responsabilidades
especial a um novo significado. dentro do sistema educacional brasileiro ,ga-
rante também a valorização dos profissionais
Um ano após a promulgação da CF 88 da educação.
é aprovada a lei Lei nº 7.853/89 que torna
crime recusar, suspender, adiar, cancelar ou Esta lei foi aprovada em dezembro de
extinguir a matrícula de um estudante por cau- 1996 com o número 9394/96, foi criada para
sa de sua deficiência, em qualquer curso ou garantir, para, estabelecer o dever da União,
nível de ensino, seja ele público ou privado. do Estado e dos Municípios com a educação
pública.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 574


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Com relação a educação especial se- currículo nos cursos de formação de profes-
gundo o artigo 59 os sistemas de ensino de- sores e de fonoaudiologia.
vem assegurar aos alunos currículo, métodos,
Nas últimas duas décadas desde a CF
recursos e organização específicos para aten-
88, muitas leis trouxeram muitos avanços,
der às suas necessidades; assegura a termi-
mas até o Plano de Desenvolvimento da Edu-
nalidade específica àqueles que não atingiram
cação o PDE em 2007, todas as normativas
o nível exigido para a conclusão do ensino
se tratavam apenas em retirar as crianças de
fundamental em virtude de suas deficiências
escolas especializadas ou mesmo de suas
e; a aceleração de estudos aos superdotados
casas e as matricular em unidades escolares
para conclusão do programa escolar.
sem a mínima condição de a receber tanto no
Em 1999 o Decreto nº 3.298 que regu- ponto de vista de recursos humanos quanto
lamenta a Lei nº 7.853/89 torna a educação no arquitetônico.
especial uma modalidade transversal a todos
O PDE de 2007 traz como eixos a
os níveis e modalidades de ensino, com a
acessibilidade arquitetônica dos prédios es-
atuação complementar da educação especial
colares, a implantação de salas de recursos
ao ensino regular como uma regra a ser im-
multifuncionais e a formação docente para o
plementada na educação nacional, acabando
atendimento educacional especializado.
com as classes especiais dentro das escolas
de todo país. Assegurar a inclusão escolar de alu-
nos com deficiência, transtornos globais do
Ao estabelecer que os sistemas de
desenvolvimento e altas habilidades/super-
ensino devem matricular todos os alunos,
dotação, orientando os sistemas de ensino
cabendo às escolas organizarem-se para o
para garantir: acesso ao ensino regular, com
atendimento aos educandos com necessida-
participação, aprendizagem e continuidade
des educacionais especiais, em 20º1 as Di-
nos níveis mais elevados do ensino, esses
retrizes Nacionais para a Educação Especial
são os principais objetivos da Política Nacio-
na Educação Básica (Resolução CNE/CEB
nal de Educação Especial na Perspectiva da
nº 2/2001) deu um passo importante para
Educação Inclusiva de 2008, que ainda traz
inclusão, tornando claro a importância da con-
questões como a transversalidade da educa-
vivência das pessoas com deficiência tanto
ção especial, formação dos profissionais e
para ela como para a sociedade.
questões como acessibilidade arquitetônica
Em 1999 ocorreu a Convenção de Gua- e articulação entre vários setores para imple-
temala, onde os Estados Partes reafirmam mentar as políticas públicas relacionadas à
que as pessoas portadoras de deficiência inclusão.
têm os mesmos direitos humanos e liberda-
As pessoas com deficiência têm o direi-
des fundamentais que outras pessoas e que
to de serem reconhecidas em qualquer parte
esses direitos, a Convenção da Guatemala foi
como pessoas perante a lei essa uma das
promulgada no Brasil em 2001 pelo Decreto
premissas da Convenção sobre os Direitos
nº 3.956/2001.
das Pessoas com Deficiência que ocorreu
Em 2002 a Língua Brasileira de Sinais é em 2009 e que estabelece também que os
reconhecida como meio legal de comunicação Estados Parte devem assegurar um sistema
e expressão, através da Lei nº 10.436/02, ga- de educação inclusiva em todos os níveis de
rantindo formas institucionalizadas de apoiar ensino.
seu uso e difusão, bem como a inclusão da
disciplina de Libras como parte integrante do
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 575
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Podemos após esse breve sobrevoo so- QUEM SÃO OS ALUNOS ATENDIDOS
bre as principais leis que foram implantadas a PELA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO
partir da CF 88 como nas últimas décadas a BRASIL?
sociedade colocou a inclusão principalmente
no sistema educacional como um paradigma Segundo a Lei de Diretrizes e Bases da
fundamental para nosso país. Educação Nacional (Lei 9.394/96), em seu
inciso III Artigo 4º, os alunos com necessida-
EDUCAÇÃO ESPECIAL INCLUSIVA, des educacionais especiais devem receber
EDUCAÇÃO ESPECIAL E EDUCAÇÃO atendimento educacional especializado pre-
INCLUSIVA ferencialmente na rede regular de ensino e
A educação como um direito como um segundo as Diretrizes Operacionais da Edu-
direito público subjetivo como obriga a Cons- cação Especial para o Atendimento Educa-
tituição Federal de 1988 trouxe para a comu- cional Especializado a educação especial
nidade escolar o desafio de oferecer para um é uma modalidade de ensino que perpassa
público que era muitas vezes marginalizado todos os níveis, etapas e modalidades, reali-
ou até mesmo segregado dentro do sistema za o atendimento educacional especializado,
público de educação. disponibiliza os recursos e serviços e orienta
quanto a sua utilização no processo de ensi-
Com uma cobrança cada vez maior da no e aprendizagem nas turmas comuns do
sociedade, a inclusão dentro das escolas dei- ensino regular.
xa a legislação e passa cada vez mais fazer
parte do dia a dia da vida escolar no país. ESTA MESMA LEI DEFINE TAMBÉM
O PÚBLICO ALVO DA EDUCAÇÃO
Com a demanda crescente ouvimos ESPECIAL
muitos termos, mas será que tem o mesmo
a. Alunos com deficiência: aqueles que
significado? Mas afinal Educação Especial
têm impedimentos de longo prazo de na-
Inclusiva, Educação Especial e Educação tureza física, intelectual, mental ou senso-
Inclusiva são a mesma modalidade ou tem rial, os quais, em interação com diversas
definições diferentes? barreiras, podem obstruir sua participação
plena e efetiva na sociedade em igualda-
Segundo o Portal Educa + Brasil a Edu- de de condições com as demais pessoas.
cação Especial Inclusiva é uma metodologia
b. Alunos com transtornos globais do de-
pedagógica que combina noções da educa-
senvolvimento: aqueles que apresentam
ção regular com a educação especial, já a um quadro de alterações no desenvolvi-
Educação Especial é a modalidade de educa- mento neuropsicomotor, comprometimen-
ção definida pelo o art. 58 da Lei de Diretrizes to nas relações sociais, na comunicação
e Bases da Educação Nacional voltada aos ou estereotipias motoras. Incluem-se nes-
"educandos com deficiência, transtornos glo- sa definição alunos com autismo clássico,
síndrome de Asperger, síndrome de Rett,
bais do desenvolvimento e altas habilidades
transtorno desintegrativo da infância (psi-
ou superlotação” e por define Educação Inclu- coses) e transtornos invasivos sem outra
siva como a maior integração entre as crian- especificação. Alunos com altas habilida-
ças a partir da difusão do ensino coletivo. des/superdotação: aqueles que apresen-
tam um potencial elevado e grande envol-
Dessa forma, o ambiente escolar pro- vimento com as áreas do conhecimento
move o convívio entre os alunos com necessi- humano, isoladas ou combinadas: intelec-
dades especiais ou não, favorecendo a apro- tual, acadêmica, liderança, psicomotora,
ximação entre as crianças. artes e criatividade (BRASIL, 2008).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 576


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A mera categorização e enumeração aproximadamente 40% dos municípios brasi-


de características atribuída a um quadro de leiros não contava com qualquer serviço de
deficiência transtornos, distúrbios e aptidões Educação Especial.
não são o bastante, a definição do que seja o Apesar dos números no final dos anos
público alvo deve ser contextualizada, já que 90 e na primeira década dos anos 2000 se-
consideramos que as pessoas se modificam rem extremamente baixos se comparados aos
de forma contínua modificando o ambiente e países desenvolvidos, o Censo Educacional
se modificando a partir do mesmo, é nesse no ano de 2002 contabilizou um total de
cenário que se faz importante da atuação pe- 448.601 alunos com necessidades especiais
dagógica com a necessidade de criação de na Educação Básica brasileira, esse montante
ambientes heterogêneos onde o aprendizado equivalia a 0,8% de um total de mais de 50
acontece para todos (BRASIL, 2008). milhões de alunos matriculados na educação
básica no país naquele ano.
EVOLUÇÃO DO ATENDIMENTO
EDUCACIONAL NA EDUCAÇÃO SOBRE A COBERTURA DA EDUCAÇÃO
ESPECIAL ESPECIAL NO BRASIL NO ANO DE 2002
Vamos fazer uma análise sobre os nú- Para o Ministério da Educação, no Relató-
meros de alunos matriculados na Educação rio da Gestão Financeira da Secretaria de
Especial nas classes comuns, classes espe- Educação Especial de 2001, a 404.747
matrícula de alunos com necessidades
ciais ou escolas exclusivas, serão usados nú-
especiais em março de 2001 representa-
meros do início da década de 2000, início e va a cobertura de 6,3% da demanda de
final da década de 2010, com o intuito de 6.500.000 alunos potenciais (valor esti-
quantificar esse aumento da oferta dessa mo- mado a partir do Censo Populacional de
dalidade no sistema educacional brasileiro. 1991, referente a 10% da população, se-
gundo esclarecimento da SEESP), (GLAT
Nas últimas décadas o país está uni- E FERREIRA, 2002, p.8).
versalizando o acesso à educação básica,
aumentando os investimentos nessa área tão Após uma década onde a sistema edu-
importante para o crescimento sustentável do cacional nacional conseguiu aumentar signi-
Brasil a longo prazo. ficativamente o acesso à educação básica,
com o crescimento econômico, implemen-
Um desafio do tamanho da desigual-
dade nacional. Se o desafio em relação à tação de políticas públicas e de programas
educação é grande, quando olhamos para sociais como Bolsa Família fez também as
os alunos com necessidades especiais po- matrículas na Educação Especial dar um sal-
demos dizer que temos um longo caminho to, segundo o Anuário da Educação em 2018
para garantir o mínimo em relação à inclusão, estavam matriculados 1.181.276 alunos, com
mas não podemos deixar de ressaltar a gran- 85.9 % destes alunos estudando em classes
de evolução que atingimos nas duas últimas comuns.
décadas.
Vale ressaltar que em 2007 esse per-
Segundo o Artigo Panorama Nacional centual era de 46.9 segundo dados do censo
da Educação Inclusiva no Brasil de Rosana escolar, um grande avanço nesse caminho
Glat e Júlio Ferreira em 2002 apenas 65% longo rumo a inclusão dos alunos com defici-
dos municípios brasileiros registraram ma- ência, transtornos globais do desenvolvimen-
trículas de alunos com necessidades espe- to e altas habilidades ou superdotação no sis-
ciais e esses números eram piores no final tema educacional nacional dando prioridade
da década de 90, já que de acordo com o a frequência em classes comuns.
Plano Nacional de Educação de 2001, onde
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 577
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PERFIL REGIONAL DO ATENDIMENTO e 85.1% e os estados com maior atendimen-


EM CLASSES COMUNS DA EDUCAÇÃO to Espirito Santo com 110 %, Santa Catarina
INCLUSIVA NO BRASIL com 97.7% e Goiás com 94.4 % e o destaque
negativo fica por conta do estado mais rico
As dimensões continentais do Brasil da federação com 81% e Paraná com apenas
tornam o desafio de incluir todos os alunos 59% dos alunos com necessidades especiais
em um sistema educacional com mais de 50 em classes comuns.
milhões de clientes igualmente gigantes, as
diferenças regionais se fazem presente tam- É muito importante quando analisamos
bém nos percentuais de atendimentos de alu- os dados percentuais sobre o atendimento
nos especiais nas redes pública e em classes em classes comuns de crianças com ne-
comuns. cessidades especiais salientar que a região
Sudeste tem a maior população do Brasil e
Ao analisarmos os números do censo mesmo com números percentuais menores
da educação nacional de 2007 a 2018 po- aos do Norte e Nordeste atendem um número
demos chegar a algumas conclusões surpre- absoluto maior de alunos com necessidades
endentes, onde as regiões mais pobres eco- especiais, apenas o estado de São Paulo tem
nomicamente o Norte e Nordeste apresentam 156.518contra 311.957 da região Nordeste
um atendimento percentual superior ao Sul e toda e 101.135 da região norte.
Sudeste quando o assunto inclusão de alu-
nos com deficiência, transtornos globais do BRASIL: MATRÍCULAS EM CLASSES
desenvolvimento e altas habilidades ou su- ESPECIAIS OU ESCOLAS ESPECIALIZADAS
perdotação matriculados em classes comuns. EM 2018

Em 2007 as regiões Norte e Nordeste A desigualdade social é uma das gran-


atendiam respectivamente 47,7 % e 53% dos des características do nosso país que é pro-
seus alunos especiais em classes comuns es- duzida e transportada em todos seus nuances
ses percentuais, já em 2018 esses números para o sistema educacional brasileiro, a legis-
saltaram para 92.8% e 96%, com destaque lação que disciplina o acesso e permanência
para o Acre, Roraima com 100% e Pará com de educandos com necessidades especiais
99.2% de atendimento no Norte, no Nordeste tem em sua redação a possibilidade da ma-
temos Rio Grande do Norte com 100%, Ala- trícula em classes especiais ou escolas es-
goas com 99.3%. pecializadas em casos de deficiência mais
severa onde as escolas da rede regular não
E Piauí com 98.8 % de seus alunos conseguem atender tal clientela (BRASIL,
especiais em classes comuns, o estado do 2019).
Amazonas que enfrenta particularidades por
conta de seu extenso território tem o pior ín- Segundo o Anuário Brasileiro da Educa-
dice do Norte e Nordeste com 83% de aten- ção de 2019 dos 1.181.276 de alunos ma-
dimento e mesmo assim uma porcentagem triculados no sistema nacional de educação
alta principalmente se comparamos com os 166.615 estavam em salas especiais ou es-
números de 2007 quando o estado contava colas especializadas, com pouco mais de 7%
com apenas 29.2% de atendimento. de alunos com algum tipo de deficiência fora
de classes comum a educação pública tem
Quando olhamos para os números do como desafio se adequar de forma arquite-
Sul, Sudeste e Centro – Oeste em 2007 aten- tônica e recursos humanos para absorver a
diam 38,2%,48.5% e 45.4% e após 11 anos cada dia um número maior de alunos espe-
esses percentuais saltaram para 74.9%,82.3% ciais (BRASIL, 2019).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 578
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Um desafio que pode à primeira vista Segundo dados do Anuário Brasileiro


parecer simples, mas quando olhamos com da Educação Básica de 2019, havia matricu-
atenção os números notamos que estamos lados no ensino infantil 91.394 alunos com
diante de um trabalho que está apenas no necessidades especiais, desse total 88,9 %
começo, com relação aos recursos humanos em salas comuns e 11,1% em salas especiais
em 2018 apenas 31,5% das escolas da rede ou escolas especializadas.
pública contavam com sala de recursos mul-
Assim, quando o assunto é ensino fun-
tifuncionais para Atendimento Educacional
damental esse número em 2018 era 837.993
Especializado (AEE), quando analisamos a
alunos com deficiência, transtornos globais
questão arquitetônica 58,4% das escolas tem
do desenvolvimento e altas habilidades ou
banheiro adequado ao uso dos alunos com
superdotação matriculados sendo 8.6% em
deficiência ou mobilidade reduzida e 44,2%
salas ou escolas especializadas e por fim no
das escolas da nossa rede pública nacional
ensino médio esse número de matrículas di-
tem suas dependências e vias adequados a
minuiu drasticamente com 116.287 alunos
alunos com deficiência ou mobilidade redu-
matriculados sendo que 98.9% em salas co-
zida e quando olhamos os números a partir
muns e apenas 1,1% em salas especiais ou
da perspectiva de divisão as escolas entre
escolas especializadas.
urbana e rural os números são ainda mais
discrepantes com 16,1% com salas de recur- Os números das matrículas da educa-
sos,25,9 % com banheiros adaptados e 17,9% ção especial em 2018 analisando a partir de
das escolas adaptadas para os estudantes cada etapa da educação básica nos mostra
com mobilidade reduzida ou deficiência ,dife- a falha em manter o aluno na escola, visto a
rença que reforça as desigualdades nacionais queda que há entre o ensino fundamental e
já mencionada anteriormente e que é o de- médio, onde segundo a Lei de Base e Diretri-
safio maior na raiz da maioria dos problemas zes de Educação Nacional de 1996 que elen-
do nosso país (BRASIL, 2019). ca entre seus princípios básicos o acesso e
permanência no sistema educacional ,temos
EDUCAÇÃO ESPECIAL: UM PERFIL
DAS MATRÍCULAS DE ALUNOS COM uma inclusão pela metade.
DEFICIÊNCIA, TRANSTORNOS GLOBAIS
DO DESENVOLVIMENTO E ALTAS
HABILIDADES OU SUPERDOTAÇÃO EM
CADA ETAPA DA EDUCAÇÃO BÁSICA
A educação básica no sistema edu-
cacional brasileiro é composta pelo ensino
infantil, ensino fundamental e ensino médio,
usando dados de 2018 vamos analisar se
há um equilíbrio percentual das matrículas
de alunos com necessidades especiais por
etapa e se será mantida uma proporção de
educandos em salas comuns e especiais ou
escolas especializadas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 579


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O Brasil tem como um dos seus maiores desafios o oferecimento de educação de qua-
lidade para sua população e inclui-se nesse desafio a inclusão dos alunos com necessidades
especiais em classes comuns, no decorrer deste artigo mostramos a evolução nas últimas
décadas da legislação em todas as esferas que buscam garantir o direito das pessoas com
deficiência, tal evolução se refletiu diretamente no aumento de matrículas em todos os Estados
da Federação.
O sistema educacional brasileiro evoluiu nas últimas décadas quando o assunto é in-
clusão das pessoas com necessidades especiais e algum tipo deficiência, mas precisamos
ressaltar que tal melhora é resultado de um movimento natural de nossa sociedade, onde
essas pessoas passam a ter voz e buscam e lutam pelo direito de pertencer a sociedade e
não apenas fazer partes de programas assistencialistas, visto como um peso para o Estado,
incapazes de serem produtivos.
Ao analisarmos os dados do Anuário Brasileiro da Educação Básica de 2019, consta-
tamos um crescimento significativo no atendimento em classes comuns de alunos com de-
ficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação com
relação aos números de 2007, resultado garantido com adoção de políticas públicas através
do aumento dos valores investidos em educação em relação ao PIB.
O aumento no percentual do PIB que o Estado gasta com educação explica em parte a
melhoria dos índices de matrículas em salas comuns de alunos com necessidades especiais,
mas as diferenças regionais que observamos nos mostram que o caminho da inclusão é muito
complexo não se limitando ao financiamento.
A inclusão para ser efetiva deve surgir como uma demanda social, onde a comunidade
cultiva esse valor como algo essencial, já que todos somos iguais nas nossas diferenças e
uma nação que não é capaz de garantir que todos seus membros tenham condições iguais
de acesso e permanência em seu sistema público de educação não será capaz de alcançar
o desenvolvimento pleno social e econômico e estará fadado ao fracasso como sociedade.
No Brasil outro ponto que dificulta o avanço da inclusão nas escolas públicas em salas
comuns é a formação dos professores que ainda segue um modelo tradicional, já superado
incapaz de suprir as demandas de uma educação inclusiva, além disso as escolas de modo
geral não estão arquitetonicamente preparadas para receber o aluno com deficiência.
Isto é, deixando claro que o Brasil como sociedade e que valoriza todos os brasileiros
tem como premissa inclusão de crianças e adolescentes com algum tipo de deficiência na
escola, prioritariamente em classes comuns, é um desafio global, definido em tratados inter-
nacionais dos quais o Brasil é signatário, que está no caminho certo com, mas que tem um
longo percurso a percorrer para garantir o que a legislação contempla como o ideal de nação.
A educação no país reproduz nossas desigualdades sociais, ao evidenciá-las podemos imple-
mentar políticas públicas de maior qualidade e de forma direcionada aos que mais precisam.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 580


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 .Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/constituicao/constituicao.htmAcesso em fevereiro de 2021.

______. Lei nº. 8.069/90. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em fevereiro


de 2021.

______. MEC. Declaração de Salamanca. Disponível em:http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.


pdf .Acesso em fevereiro de 2021.

______. Lei nº 9.394/96. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm. Acesso em fevereiro


de 2021.

______. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica (Resolução CNE/CEB nº 2/2001).
Disponível em:http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/res2_b.pdf . Acesso em fevereiro de 2021.]

______. Estatísticas da Educação Básica no Brasil. Disponível em:http://portal.inep.gov.br/docu-


ments/186968/484154/Estat%C3%ADsticas+da+educa%C3%A7%C3%A3o+b%C3%A1sica+no+Brasil/e2826e0e-
-9884-423c-a2e4-658640ddff90?versão=1.1. Acesso em fevereiro de 2021.

______. Educa Mais .Disponível em https://www.educamaisbrasil.com.br/educacao/escolas/o-que-e-educacao-


-especial-inclusiva. Acesso em fevereiro de 2021.

______. Plano de Desenvolvimento da Educação. Disponível em:http://portal.inep.gov.br/documents/186968/485287/


O+Plano+de+Desenvolvimento+da+Educa%C3%A7%C3%A3o+raz%C3%B5es%2C+princ%C3%ADpios+e+progra-
mas/3c6adb19-4c2e-4c60-9ccb-3b476bed9358?versão=1.6. Acesso em fevereiro de 2021.

______. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva.http://portal.mec.gov.br/


index.php?option=com_docman & view=downloadalias=16690-política-nacional-de-educação-especial-na-perspec-
tiva-da-educação-inclusiva-05122014 & itemid=30192. Acesso em fevereiro de 2021.

______. Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-


2010/2009/decreto/d6949.htm. Acesso em fevereiro de 2021. Anuário Brasileiro da Educação Básica 2020.
Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/securepdfs/2020/10/Anuario-
-Brasileiro-Educacao-Basica-2020-web-outubro.pdf.

______. Lei nº 10.436/02. Disponível em:http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm. Acesso em


fevereiro de 2021.

______. Decreto nº 3.298 que regulamenta a Lei nº 7.853/89. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/decreto/d3298.htm#:~:text= D3298 &.M Text=DECRETO%20N%C2%BA%203.298%2C%20DE%2020,pro-
te%C3%A7%C3%A3o%2C%20e%20d%C3%A1%20 outras%20 provid%C3%AAncias. Acesso em fevereiro de 2021.

DECLARAÇÃO MUNDIAL DE EDUCAÇÃO PARA TODOS. Disponível em:

https://abres.org.br/wp-content/uploads/2019/11/declaracao_mundial_sobre_educacao_para_todos_de_mar-
co_de_1990.pdf.

______. Convenção da Guatemala (1999), promulgada no Brasil pelo Decreto nº 3.956/2001. Disponível em:http://
www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/2001/d3956.htm. Acesso em fevereiro de 2021.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 581


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade UNICID –


Universidade Cidade de S. Paulo (2014); Especialista
em Ludopedagogia pela Faculdade Campos Elíseos
(2019); Professor Educação Infantil.

PAMELA NASCIMENTO
GONÇALVES FERNANDES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 582
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MUSICALIDADE INFANTIL: MELODIAS, LETRAS E RÍTMICA

RESUMO: É proposto o desenvolvimento da capacidade de ouvir, perceber e discriminar diferentes


gêneros, estilos e ritmos musicais, cuidando para que as músicas não se limitem ao repertório
infantil. A criança brinca, percebe e expressa sensações, sentimentos e pensamentos em relação
ao que a música comunica. Nesse contexto, a multiplicidade do repertório musical, a sonoridade
vocal e elementos sonoros, favorece as aprendizagens no ambiente educacional individualmente
e coletivamente. Os bebês e crianças incentivados a perceber os sons do ambiente e a reagir a
sons e músicas, podem explorar outras linguagens, como por exemplo os movimentos corporais,
aprender as possibilidades expressivas da voz, culturais (canções, instrumentos musicais etc.),
cantar e participar de cantigas de roda e jogos musicais. São numerosos e expansivos os
benefícios de incluir a musicalidade, como processo criativo na educação infantil, variam do físico
ao emocional e ao mental. Possibilitar este conhecimento desenvolve a oralidade, a concentração,
a imaginação, a socialização etc.

Palavras-chave: Música; Sonoridade; Cantigas de Roda; Aprendizagem; Educação Infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 583


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
educação é uma forma de comunicação e expressão, a música uma das lingua-
gens da sensibilidade, um dos modos de expressão artística, porque ela lida
com a estética e a criatividade. A música tem a capacidade de integrar emoção
e razão, vivemos numa sociedade que enfatiza a um tipo de pensamento, que é o raciona-
lista e dualista, que separa as coisas, emoção de um lado, razão de outro; existe o pensar
ou o sentir, o corpo ou a mente, ou você faz ou você pensa, a música é um jogo entre sons
e silêncio, e é importante poder perceber, escutar, analisar e criar. “Ouvir, cantar e dançar, é
atividade presente na vida de quase todos os seres humanos, ainda que seja de diferentes
maneiras” (BRITO, 2003).
As contribuições da música na infância são: Reconhecer progressivamente os seg-
mentos e elementos do próprio corpo por meio da exploração, das brincadeiras e interação
com os outros, expressar as sensações e ritmos corporais por meio de gestos e posturas;
percepção de estruturas rítmicas para expressar-se corporalmente por meio de movimentos;
respeitar as regras dos jogos e brincadeiras; trabalho em grupo; músicas diversas, exploração
de cantigas e brincadeiras de roda.
Podemos observar que com o decorrer dos anos as brincadeiras chamadas “tradicio-
nais” vêm perdendo, dando lugar a tecnologia e aos brinquedos industrializados, por isso o
resgate de danças e costumes repassados nas cantigas de roda se fazem importantes na
busca do reconhecimento histórico, cultural, dos valores e atitudes como respeito às regras,
amor, solidariedade entre outros a partir da música.
Os vários elementos sonoros também contribuem para o desenvolvimento de bebês e
crianças, garantindo um ensino de qualidade e que abrange os Campos de Experiências da
Educação Infantil. Elas continuam suas pesquisas sobre os sons e sobre a maneira de produ-
zi-los, por meio das diferentes vivências sonoras possibilitadas pelo educador, que disponibi-
liza, vários objetos e instrumentos, promove a audição de músicas e canções, quer cantadas
pelos adultos e por outras crianças, quer produzidas por aparelhos de som.
As cantigas de roda por sua vez ajudam a socializar e desinibir as crianças, uma vez
que exige o olhar frente a frente, o toque corporal, a exposição, pois em muitas delas cada
um deve se apresentar no centro da roda, auxiliando no desenvolvimento da expressão cor-
poral, senso rítmico e organização coletiva. Sendo assim um dos elementos importantes para
a integração, socialização e o lazer infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 584


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DA MÚSICA NA No contexto do grupo, ela pode ainda


INFÂNCIA auxiliar as crianças a estudarem diferentes
sons baixos e calmos, baseando-se na ex-
Para Jeandot (1997) a música é uma periência do som que elas já possuem por
linguagem rica e universal, com diversos dia- intermédio do brincar heurístico e com alguns
letos em diferentes culturas e envolve uma itens do Cesto de Tesouros. Se o educador-re-
organização no tocar, cantar e organizar os ferência puder tocar violão ou flauta, as crian-
sons. ças irão divertir-se com pequenas canções e,
O autor Seashore, explica que: “As im- sob supervisão cuidadosa, puxam as cordas
pressões de ritmos musicais despertam sem- ou assopram o flautim elas mesmas, para ver
pre, e em certa medida, imagens motoras na como o som é produzido.
mente do ouvinte, e em seu corpo, reações Algumas crianças que estão em seu se-
musculares intuitivas. As sensações muscu- gundo ano de vida sentar-se-ão e escutarão
lares acabam por associar-se às sensações atentamente a música por um tempo bem lon-
auditivas que, assim reforçadas, se impõem go, e muitas vezes irão querer ouvi-las repeti-
mais ao espírito, para apreciação e análise” das vezes. Outras mantêm sua atenção ape-
(SEASHORE, 1919, p.170). nas por alguns segundos, mas podem gostar
De acordo com as autoras Elinor Golds- de se mexer e “dançar” ao som da música,
chmied e Sonia Jackson no livro, Educação embora geralmente não sigam muito o ritmo:
de 0 a 3 anos: o atendimento em creche, [...] Há uma enorme variedade de mú-
no capítulo 7. Subtítulo Música e rima “Os sicas gravadas para escolher, incluindo
bebês em seu primeiro ano de vida respon- toda gama de música não ocidental,
dem à música por meio de risos e gritos, e bem como a música europeia medieval,
renascentista, clássica e contemporânea.
balbuciando musicalmente – o que é bastante É importante ressaltar que a música está
diferente do balbucio com fala. Moog (1976), presente nas diversas culturas e pode ser
ao pesquisar as preferências musicais das utilizada na escola para desenvolver a
crianças, relatou que, quando elas são muito criança de forma global (MARTINS, 2004,
pequenas, gostam mais de músicas instru- p.137).
mentais simples, ao passo que, quando es- Completando esta linha de pensamen-
tão em seu segundo ano de vida, a maioria to, Brito (2003) afirma que “[...] o processo de
prefere canções com palavras (MOOG, 1976, musicalização dos bebês e crianças começa
p. 136). espontaneamente, de forma intuitiva, por meio
Ainda de acordo com a pesquisa biblio- do contato com toda a variedade de sons do
gráfica do livro: “Realmente, é muito melhor cotidiano, incluindo aí a presença da música.”
mostrar às crianças que a atividade de cantar Segundo Lydia Hortélio educadora
pode ser espontânea e informal. As crianças e musicóloga brasileira, no texto Criança /
adoram canções inventadas na hora sobre Natureza / Cultura Infantil, diz: “As crianças,
elas e as coisas que elas fazem no cotidiano. tão próximas da vida como são, existem em
Isso é algo que o educador-referência pode inteireza: sentimento/pensamento/ação são,
fazer regularmente em seu grupo pequeno, com elas, uma única e só coisa, e acontece
ou ao dar cuidado corporal a uma criança, instantaneamente. A economia destas três di-
utilizando uma fórmula (David tá com uma mensões da vida humana é perfeita quando
camiseta azul; “Lavamos as mãos – dessa se é criança. É preciso não perdê-la. Aqui se
maneira”) ou de maneira completamente livre. fazem oportunas as palavras de Schiller, o
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 585
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

filósofo alemão, quando disse: “O Homem só repetitivos e ritmados. Assim, elas acabam
é inteiro quando brinca, e é somente quando colaborando com a aprendizagem por meio
brinca que ele existe na completa acepção da da fixação. Essas canções infantis populares
palavra Homem.” não possuem um autor, ou seja, as letras con-
sistem em textos anônimos que se redefinem
Para Scagnolato, 2006:
ao longo do tempo” (FOLCLORE, Cantigas
A música não substitui o restante da edu- de Roda).
cação, ela tem como função atingir o ser
humano em sua totalidade. A educação PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
tem como meta desenvolver em cada in-
divíduo toda a perfeição de que é capaz. Para realizar as atividades envolvendo a
Porém, sem a utilização da música não música podemos utilizar muitos recursos e di-
é possível atingir a esta meta, pois ne- ferentes estratégias de aprendizagens como:
nhuma outra atividade consegue levar o
indivíduo a agir. A música atinge a motrici- • Roda de conversa
dade e a sensorialidade por meio do ritmo
e do som, e por meio da melodia, atinge a • Roda de Histórias (cantadas e lidas)
afetividade (SCAGNOLATO, 2006). Exemplo: A linda rosa juvenil
A música é uma linguagem essencial na A linda rosa juvenil, juvenil, juvenil,
comunicação e expressão humana. As crian- A linda rosa juvenil, juvenil
ças desde cedo reconhecem suas músicas
Vivia alegre em seu lar, em seu lar, em
preferidas pelo movimento corporal que pro- seu lar
movem, essa progressiva atividade de escuta
Vivia alegre em seu lar, em seu lar
musical as sensibiliza, estimulando e promo-
vendo o desejo de produção sonora e musi- E um dia veio uma bruxa má, muito má,
muito má
calidade.
Um dia veio uma bruxa má, muito má
MÚSICAS DE RODAS NAS Que adormeceu a rosa assim, bem assim,
BRINCADEIRAS INFANTIS bem assim
De acordo com o Referencial Curricular Que adormeceu a rosa assim, bem assim
Nacional para a Educação infantil (1998), “A E o tempo passou a correr, a correr, a
linguagem musical é um excelente meio para correr
o desenvolvimento da expressão do equilíbrio, E o tempo passou a correr, a correr
da autoestima e do autoconhecimento, além E o mato cresceu ao redor, ao redor, ao
de poderoso meio de integração social”. “[...] redor
pelas relações de sociabilidade que a vida da E o mato cresceu ao redor, ao redor
criança necessariamente principia” (WALLON, E um dia veio um belo rei, belo rei, belo rei
1986).
E um dia veio um belo rei, belo rei
Segundo Daniela Diana, professora li- Que despertou a rosa assim, bem assim,
cenciada em Letras: “As cantigas de roda bem assim
são músicas folclóricas cantadas em roda. Que despertou a rosa assim, bem assim
Também conhecidas como cirandas, elas re- Batemos palmas para o rei, para o rei,
presentam aspectos lúdicos das manifesta- para o rei
ções socioculturais populares. Pelo fato de Batemos palmas para o rei, para o rei
serem cantadas e dançadas, nas brincadeiras
infantis, são constituídas de textos simples,

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 586


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Brincadeiras Cantadas de mão • Noção de espaço para organização


das rodas;
Exemplo:
Escravos de Jó jogavam caxangá. 2x
• Cantigas de roda populares.

Tira, põe, deixa ficar. . . Guerreiros com Exemplo:


guerreiros fazem zigue-zigue-zá. 2x Quem me Ensinou a Nadar
Exemplos: Quem me ensinou a nadar
• O gato, o pato / Galinha e jacaré Quem me ensinou a nadar

• A pulga, o rato / Minhoca não tem Foi, foi, marinheiro,


pé (CANTEIRO – MARGARETH DA- Foi os peixinhos do mar
REZZO)
Foi, foi, marinheiro,
“Um, dois, feijão com arroz. . . Três, qua-
tro, feijão no prato...Cinco, seis, falar em Foi os peixinhos do mar
inglês . . . Sete, oito, comer biscoito . . . Abóbora faz melão
Nove, dez, comer pastéis”
De abóbora faz melão
Olha o sapo
Dentro do saco. De melão faz melancia
O saco com o sapo dentro, Faz doce, Sinhá, faz doce, Sinhá
O sapo batendo o papo,
Faz doce, Sinhá Maria
E o papo do sapo soltando o vento.
Quem quiser aprender a dançar
• Atividades rítmicas utilizando o cor-
po (palmas e pés, e ainda por meio Vai na casa do Juquinha
de sons e gestos que chegam à Ele dança, ele pula
criança);
Ele dá uma requebradinha.
• Coreografia (movimentos corporais,
gestos espontâneos). • Acalantos;

Exemplo: Lavadeira • Escuta de CD e Vídeos musicais in-


fantis
O sol vem nascendo ali (aponta de onde
vem o sol) • Confecção de instrumentos musicais
Eu vi uma velhinha assim (imitar uma ve- com materiais recicláveis
lhinha com bengala)
Com uma trouxa deste tamanho (mostra • Instrumentos musicais de diferentes
o tamanho da trouxa com roupas) culturas e/ou regionais
E um pedacinho de sabão assim (mostre • Classificação das vozes:
o tamanho do sabão)
Lava, lava, lavadeira (cante, dance e faça Timbre = tom da voz, identidade sonora
o movimento sugerido na cantiga)
Quanto mais lavar mais cheira. 2x Intensidade = fraco, forte
Esfrega... Duração = longo, curto
Torce...
Estende... Altura = grave, médio, (agudo)
Recolhe...
Guarda...

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 587


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

• Sons da Natureza (canto de pássa- “A realização bem-sucedida do segun-


ros, “vozes” dos animais, barulho do do papel, o de facilitadora, depende dessa
vento, da chuva, da água, das folhas organização planejada de tempo, espaço
secas etc.); e materiais. Por meio de provisão e arranjo
imaginativos dos materiais para o brincar, o
• Exploração da Audição (campai-
adulto possibilita às crianças que escolham
nhas, coisas sendo amassadas, ba-
e desenvolvam o seu brincar, por si mesmas
tidas, tilintar, objetos e outras fontes
ou com outras” (GOLDSCHMIED; JACKSON,
sonoras etc.;
2006, p.39).
• Instrumentos Musicais (de corda, so-
Como afirma o Currículo Integrador
pro e percussão);
da Infância Paulistana (SÃO PAULO, 2015),
• Cartaz com a letra das Cantigas de “[...] brincar é uma linguagem de expressão
roda; por meio da qual as crianças aprendem e
expressam o que aprendem sobre o mundo
• Leitura de Imagens e Dobraduras;
das coisas e das relações humanas, constro-
• Recortes, Colagens; em e transformam sua personalidade e sua
inteligência” (SÃO PAULO, 2015, p. 60).
• DESENHO LIVRE E PINTURAS
MÚSICAS INFANTIS QUE ESTIMULAM A
O autor (1988, p. 15) assegura que o APRENDIZAGEM
trabalho com a música pode proporcionar
essa integração social, já que as atividades Este artigo tem como metodologia a
geralmente são coletivas e o trabalho em gru- pesquisa bibliográfica, de autores que traba-
po produz compreensão, cooperação e parti- lham com a temática musical, de documentos
cipação (WEIGEL, 1988, p. 15). curriculares da educação infantil e de peque-
nos exemplos do acervo de músicas popula-
Nesse sentido, as autoras Elinor Golds-
res brasileiras.
chmied e Sonia Jackson no livro, Educação
de 0 a 3 anos: o atendimento em creche, no Utilizar as diferentes linguagens (corpo-
capítulo 2. Organizando o espaço para viver, ral, musical, plástica, oral e escrita) ajusta-
aprender e brincar, “O ambiente físico exerce das às diferentes intenções e situações de
uma grande influência sobre a maneira como comunicação, de forma a compreender e ser
as pessoas que trabalham em creche perce- compreendido, expressar ideias, sentimen-
bem seu trabalho, e também sobre a quali- tos, necessidades e desejos, avançar no seu
dade das experiências que elas são capazes processo de construção de significados, en-
de oferecer às crianças” (GOLDSCHMIED; riquecendo cada vez mais sua capacidade
JACKSON, p. 33). expressiva. Segundo Martins (1985, p. 47)
educar musicalmente é propiciar à criança
O primeiro papel do educador e da edu-
uma compreensão progressiva da linguagem
cadora é a organização do espaço do qual
musical, através de experimentos e convivên-
pretende aplicar sua intencionalidade pedagó-
cias orientadas. O conhecimento é construído
gica, a realização dessa preparação contribui
a partir da interação da criança com o meio
de forma satisfatória para as aprendizagens
ambiente, e o ritmo é parte primordial do mun-
dos bebês e crianças.
do que o cerca.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 588


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As expectativas da musicalidade na 2. CORPO, GESTOS E MOVIMENTOS


Educação Infantil são muitas, como: Explorar
as possibilidades de gestos e ritmos corpo- Coloca ênfase nas experiências das
rais para expressar-se nas brincadeiras e nas crianças em situações de brincadeiras, nas
demais solicitações de interação, apropriar-se quais exploram o espaço com o e as dife-
do mundo por meio das representações sim- rentes formas de movimentos. A partir daí,
bólicas; interagir com uma ou mais crianças; elas constroem referenciais que as orientam
brincar com ações simples, aceitando regras em relação a aproximar-se ou distanciar-se de
inerentes ao papel que desempenham; esti- determinados pontos, por exemplo. O Campo
mular a criatividade por meio da música; pro- também valoriza as brincadeiras de faz de
porcionar o prazer de cantar em movimentos conta, nas quais as crianças podem represen-
e ritmos; envolver todos os bebês e crianças tar o cotidiano ou o mundo da fantasia, intera-
em atividades voltadas às cantigas de roda; gindo com as narrativas literárias ou teatrais.
proporcionar um desenvolvimento das apren- Traz, ainda, a importância de que as crianças
dizagens por meio de canções, tornando o vivam experiências com as diferentes lingua-
ambiente escolar mais divertido, desenvol- gens, como dança e a música, ressaltando
vendo a integração do grupo, aprimorando a seu valor nas diferentes culturas, ampliando
expressão facial e corporal, percepção visual as possibilidades expressivas do corpo e va-
e auditiva, além de trabalhar ritmos e movi- lorizando os enredos e movimentos criados
mentos. na oportunidade de encenar situações fan-
tasiosas ou narrativas e rituais conhecidos
Durante as aprendizagens que envolve (NOVA ESCOLA).
a musicalidade contemplamos os Campos
de Experiência da Educação Infantil, pesqui- 3. TRAÇOS, SONS, CORES E FORMAS
sa encontrada na revista Nova Escola, pela
Ressalta as experiências das crianças
autora Rita Trevisan:
com as diferentes manifestações artísticas,
1. O EU, O OUTRO E O NÓS culturais e científicas, incluindo o contato com
a linguagem musical e as linguagens visuais,
Destaca a experiência relacionadas à com foco estético e crítico. Enfatiza as ex-
construção da identidade e da subjetividade, periências de escuta ativa, mas também de
as aprendizagens e conquistas de desenvol- criação musical, com destaque nas experiên-
vimento relacionados à ampliação das expe- cias corporais provocadas pela intensidade
riências de conhecimento de si mesmo e à dos sons e pelo ritmo das melodias. Valoriza
construção de relações, que devem ser, na a ampliação do repertório musical, o desen-
medida do possível, permeadas por intera- volvimento de preferências, a exploração de
ções positivas, apoiadas em vínculos pro- diferentes objetos sonoros ou instrumentos
fundos e estáveis com os professores e os musicais, a identificação da qualidade do
colegas. O Campo também ressalta o desen- som, bem como as apresentações e / ou im-
volvimento do sentimento de pertencimento a provisações musicais e festas populares [...]
determinado grupo, o respeito e o valor atri- (NOVA ESCOLA).
buído às diferentes tradições culturais (NOVA
ESCOLA).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 589


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

4. ESCUTA, FALA, PENSAMENTO E desenvolvida nos centros de primeira infância,


IMAGINAÇÃO e a parte do que é escrito sobre o assunto
tem como foco grupos etários mais velhos. No
Realça as experiências com a lingua- entanto, a música é um veículo para a expres-
gem oral que ampliam as diversas formas são e a comunicação, da mesma forma que a
sociais de comunicação presentes na cultura linguagem, de modo que nenhuma criança é
humana, como as conversas, cantigas, brin- nova demais para se beneficiar de experiên-
cadeiras de roda, jogos cantados etc. [...], cias musicais. No mesmo capítulo [...] é muito
(NOVA ESCOLA). mais importante para as crianças pequenas
5. ESPAÇO, TEMPO, QUANTIDADES, verem adultos que lhes são familiares crian-
RELAÇÕES E TRANSFORMAÇÕES do música, [...]e também terem oportunidade
amplas de brincar e explorar individualmente
[...] Envolve experiências em relação a música, [...].” (p. 170).
à medida, favorecendo a ideia de que, por
meio de situações-problemas em contextos Existe a inclusão na interação das famí-
lúdicos, as crianças possam ampliar, aprofun- lias de bebês e crianças em propostas de ati-
dar e construir novos conhecimentos sobre vidades musicais, onde a criação de objetos
medida de objeto, de pessoas e de espaços, sonoros, as danças circulares folclóricas, a
[...]. O Campo ressalta, ainda, as experiências percepção rítmica em brincadeiras cantadas
de relações e transformações favorecendo a ou o conhecimentos de novos instrumentos,
construção de conhecimentos e valores das possam fazer parte das aprendizagens no
crianças sobre os diferentes modos de viver ambiente educacional.
de pessoas em tempos passados ou em ou- Como afirmam as autoras Goldschmied
tras culturas. Da mesma forma, é importante e Jackson no subtítulo Música do Capítulo
favorecer a construção de noções relaciona- 9, “As possibilidades musicais para as crian-
das à transformação de materiais, objetos, e ças pequenas foram ampliadas enormemente
situações que aproximem as crianças da ideia pela disponibilidade de instrumentos oriundos
de causalidade (NOVA ESCOLA). de outras culturas.” (p. 170); “[...] um peque-
De acordo com SILVA (2010) É preci- no grupo de crianças, com quase 3 anos,
so preocupar-nos em relação à formação das pode aprender a tocar ritmos diferentes, es-
crianças, não apenas com o ensino dos conhe- colher os instrumentos, ter cada uma sua vez
cimentos sistematizados, mas também com o de tocar e, com a ajuda do adulto, criar um
ensino de expressões, movimentos corporais efeito musical satisfatório. Elas podem ainda
e percepção. A partir desta concepção: “A aprender a escutar umas às outras, e a es-
música, devido a suas características intrínse- cutar tipos diferentes de pequenas músicas,
cas, pode colaborar no desenvolvimento das além de falar sobre o que ouviram. No entan-
estruturas cognitivas, bem como favorecer o to, como em todos os outros tipos de brincar,
desenvolvimento de outras habilidades, como o que importa é a experiência da criança, e
as emocionais, as sociais e as musicais, pro- não qualquer tipo de produto final ou perfor-
priamente ditas” (MARTINS, 2004). mance. A música, nessa idade, deve ser uma
extensão natural do brincar com sons, [...]”.
A musicalidade contextualizada no livro (p. 171).
Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em
creche, Capítulo 9, das autoras Elionor Golds-
chmied e Sonia Jackson aponta que: “A músi-
ca é uma área que tende a ser bastante sub-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 590
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As atividades desenvolvidas em aulas O lúdico se baseia na atualidade, ocu-


de musicalização, em geral podem auxiliar pa-se do aqui e do agora, não prepara
para o futuro inexistente. Sendo o hoje
no desenvolvimento do cérebro, cabendo ao
a semente de qual germina o amanhã,
educador pesquisar, planejar, diagnosticar e podemos dizer que o lúdico favorece a
ajudar o aluno a desenvolver a inteligência utopia, a construção do futuro a partir do
musical e construir seu conhecimento viven- presente (ALVES, 1987, p. 22).
ciando as diversas formas de “fazer música”
Na intenção de aprofundar os estudos
(MARTINS, 2004).
sobre a temática, solicitamos que assista ao
Para, Lima (2010): “É uma linguagem vídeo “Os Borbulhadores /Instalação sonora”,
cujo conhecimento se constrói e não um pro- descrição no canal do Youtube - é uma ins-
duto pronto e acabado. Então a musicaliza- talação sonora educativa composta por três
ção na escola é essencial. Traz alegria, des- torres de PVC que, através dos furos feitos ao
contração, entusiasmo, tudo o que se precisa longo dos tubos, (pontos de escuta), atiçam
para o trabalho escolar” (LIMA, 2010). e estimulam a curiosidade de ouvir, resgatam
o uso da audição. A água no fundo e cada
Para avançar com essas questões, uti-
ponto de audição produz sons peculiares.
lizamo-nos da entrevista, no site Folha.com
- Mapa do Brincar - Mestres - Lydia Hortélio:
Qual é a importância dos brinquedos
musicais na infância?
Acho que a música tradicional da infân-
cia é a melhor forma de educação da sensi-
bilidade. E ela deveria se iniciar nos braços
da mãe, com uma canção de ninar. É neste
momento que a criança ouve as primeiras pa-
lavras da língua e se inicia na língua mãe e
na língua mãe musical, através da cantiga.
Assim é em todas as culturas do mundo. É
inestimável o valor do exercício espontâneo
da música na infância, uma música onde a
palavra, a cantiga, o movimento e o outro se
interligam na alegria do brincar.
Outra vertente da musicalidade são os
projetos do Parque Sonoro, nos ambientes
externos da creche, ou seja, utilizar diferentes
formas de apreciação dos sons, “O potencial
do jardim para criação de música não deve
ser desprezado. Pound e Harrison (2003) in-
dicam que a área externa da creche pode
ser usada para explorar e discutir os efeitos
sonoros de fenômenos naturais como o vento,
a chuva e as árvores, ou para utilizar equi-
pamentos maiores e mais potentes [...] ” (p.
171):
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 591
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para concluir este artigo é de suma importância mencionar Hans-Joachim Koellreutter
(1915-2005), compositor e educador musical alemão, que traz contribuições sobre o pensa-
mento pedagógico-musical, descritos pela autora e estudiosa sobre o tema Teca Alencar de
Brito,
A estética e a teoria da música do nosso tempo partem do conceito de um universo sonoro que é
considerado como um todo dinâmico e indivisível, que sempre inclui o homem num sentido essen-
cial. Estética e teoria partem do conceito de um mundo que deixou de ser ou subjetivo ou objetivo
para tornar-se objetivo, ou seja, tanto subjetivo quanto objetivo (KOELLREUTTER, 1997, p. 49).

O fazer musical da criança está conectado com seu todo, corpo, imaginação e inte-
lecto, é como ela percebe o mundo, se relaciona com o tempo. A primeira coisa que temos
que entender é que a construção musical, não só para a criança, mas para todos nós, se
dá principalmente pela escuta, é a escuta que faz com que determinado conjunto de sons e
silêncio se torne música.
A autora Teca Brito (2003, p. 53) aponta que: “Aceitando a proposição de que a música
deve promover o ser humano acima de tudo, devemos ter claro que o trabalho nessa área deve
incluir todos os alunos. Longe da concepção europeia do século passado, que selecionava
os “talentos naturais”, é preciso lembrar que a música é uma linguagem cujo conhecimento
se constrói com base em vivências e reflexões orientadas.
Desse modo, todos devem ter direito de cantar, ainda que desafinado! Todos devem
poder tocar um instrumento, ainda que não tenham, naturalmente, um senso rítmico fluente e
equilibrado, pois as competências musicais desenvolvem-se com a prática regular e orientada,
em contextos de respeito, valorização e estímulo a cada aluno, por meio de propostas que
consideram todo o processo de trabalho, e não apenas o produto final. Para Martins (1985)
“a música deve ser um material para o processo educativo e formativo mais amplo, dirigido
para o pleno desenvolvimento do sujeito social”.
É importante que o repertório de músicas apresentado às crianças seja amplo e diversi-
ficado, composto de obras clássicas, populares, étnicas, cantadas ou instrumentais, explorar o
uso do próprio corpo e a voz, aprender identificar paisagens sonoras, perceber e reconhecer
diferentes qualidades de sons, aprender a identificar o silêncio, apreciar canções, acalantos,
cantigas de roda, jogos musicais, parlendas, trava-línguas etc.
Um repertório diversificado qualificará a escuta de bebês e crianças que podem apren-
der que há muitos tipos de músicas e quanto mais variedades, as crianças terão condições
de identificar, reconhecer elementos e desenvolver preferências musicais. Favorecer um es-
paço de pesquisa, de experimentação, onde podem mexer, ver na prática e entender como
os sons são produzidos.
Construir instrumentos, investigar os parâmetros do som (altura, duração, intensidade e
timbre), ao lidar com o mecanismo e funcionamento dos instrumentos a criança pode pensar
sobre a questão acústica, saber por que, por exemplo, um elástico esticado sobre uma caixa
produz um som mais agudo do que quando está frouxo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 592


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A confecção de um simples chocalho permite conscientizar a questão do timbre, que


dependerá do material utilizado, ao construir um instrumento de sucata a criança refaz de certa
forma, o percurso do ser humano na construção de seus meios para a expressão musical. As
crianças têm soluções muito interessantes, às vezes até parecidas com as encontradas por
outras culturas em outros tempos. Em outras culturas, em todos os tempos, existem instru-
mentos musicais de corda, sopro e percussão, e esses três grupos comportam uma grande
variedade e abrem um importante espaço de pesquisa e criação. Nesse sentido, "A música
está presente em todas as culturas e pode ser utilizada como fator determinante nos desen-
volvimentos motor, linguístico e afetivo de todos os indivíduos” (MARTINS, 2004).
Trabalhar a diferença entre ouvir e escutar, ouvir é um processo fisiológico, caracterís-
tico do sentido da audição, escutar implica em colocar atenção, em estabelecer relações,
em discriminar. A música se realiza pela escuta, ou seja, no plano interno, a mão e o corpo
trabalham muito para produzir sons, mas se não escutamos, não fazemos música, estamos
apenas produzindo sons, a integração de prática e reflexão se inicia nesse contexto.
A exploração inicial vai se transformando qualitativamente, transformando também seu
próprio gesto, controlando a força e a velocidade e então aproveita a oportunidade para cons-
cientizar as crianças das possibilidades de produção de sons com mais qualidade.
Um trabalho que abra espaço para as coisas simples que são compartilhadas, as ex-
periência de fazer e pensar junto, saber o porquê está fazendo, porque chama assim, o que
é isso; um trabalho que permita que as crianças cheguem às suas conclusões, que tenham
experiências, deem opiniões, que escutem, avaliem.
A experiência de vivenciar sons e silêncio ajuda as crianças a perceber os sons do am-
biente e a reagir a sons e músicas por meio do olhar, movimentos e expressões vocais. Eles
logo passam a compartilhar com adultos e outras crianças os estados emocionais e afetivos
provocados pelos sons e pela música. Nas palavras de Teca Brito (2003, p.17):
A música é uma linguagem universal. Tudo o que o ouvido percebe sob a forma de movimentos
vibratórios. Os sons que nos cercam são expressões da vida, da energia, do universo em movimen-
to e indicam situações, ambientes, paisagens sonoras: a natureza, os animais, os seres humanos
traduzem sua presença, integrando-se ao todo orgânico e vivo deste planeta (BRITO (2003, p.17).

A música está presente na vida como uma linguagem simbólica, é uma das formas de
representação utilizadas pelo homem, existe desde tempos remotos e são muitas as pesqui-
sas e teorias que tentam explicar sua presença na cultura. É preciso que bebês e crianças
possam ouvir música, sentir a música, tocar, cantar, vivenciar estes momentos no processo
de educação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 593


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALVES, Rubem. A gestação do futuro. Campinas: Papirus, 1987.

BRITO, Teca Alencar de. Música na educação infantil: propostas para a formação integral da criança. 3. Ed. São Paulo;
Peirópolis, 2003.

BRITO, Teca Alencar de. Koellreutter educador: o humano como objetivo da educação musical. São Paulo: Editora
Fundação Peirópolis, 2001.

FOLCLORE, Cantigas de Roda. Disponível em: https://www.todamateria.com.br/cantigas-de-roda/. Acesso em: 24 de


março de 2021.

GOLDSCHMIED, Elinor. Educação de 0 a 3 anos: o atendimento em creche / Elinor Goldschmied, Sonia Jackson;
tradução: Marlon Xavier. – 2. Ed. – Porto Alegre: Grupo A, 2006.

JEANDOT, N. Explorando o universo da música. São Paulo: Scipione, 1997 LIMA, S. V. de. A Importância da Música
no Desenvolvimento Infantil. Artigo: Diretório de Artigos Gratuitos. 2010.

HORTÉLIO, Lydia. Entrevista: Mapa do brincar. Disponível em: https://mapadobrincar.folha.com.br/mestres/lydiahortelio/.


Acesso em: 18 de março de 2021.

______. Texto: Criança Natureza Cultura Infantil. Disponível em: https://conversaevivencias.wordpress.com/2020/10/16/


crianca-natureza-cultura-infantil-lydia-hortelio. Acesso em 18 de março de 2021.

LIMA, S. V. de. A Importância da Música no Desenvolvimento Infantil. Artigo – Diretório de Artigos Gratuitos. 2010.

MARTINS, R. Educação musical: conceitos e preconceitos. Rio de Janeiro: FUNARTE – Instituto Nacional de Música,
1985.

______. Contribuição da música no desenvolvimento das habilidades motoras e da linguagem de um bebê: um estudo
de caso. 2004. Monografia do Curso de Pós-graduação da Escola de Música e Belas Artes do Paraná. Londrina - PR,
2004.

OS BORBULHADORES / Instalação Sonora. Disponível em: https://youtu.be/9ZLglEc9ccA. Acesso em: 23 de março


de 2021.

SÃO PAULO (Município). Secretária Municipal de Educação. Diretoria de Orientação Técnica. Currículo Integrador da
Infância Paulistana. São Paulo: SME/DOT, 2015.

SCAGNOLATO, L. A. de S. A Importância da Música no Desenvolvimento Infantil. Webartigos, 2009.

SEASHORE, C. E. The Psychology of Musical Talent. Boston: Silver Burdett Company, 1919.

SILVA, D. G. da. A importância da música no processo de aprendizagem da criança na educação infantil: uma análise
da literatura. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Pedagogia) - Universidade Estadual de Londrina,
Londrina, 2010.

TREVISAN. Rita. Matéria: O que são os Campos de Experiência da Educação Infantil. Disponível em: https://novaescola.
org.br/bncc/conteudo/58/o-que-são-os-campos-de-experiencia-da-educacao-infantil. Acesso em: 23 de março de 2021.

WALLON. H. A atividade proprioplástica. In: WEREBE, M.J.G.; NADEL, J. (Orgs.) Henri Wallon. São Paulo: Ática, 1986a.

______. O papel do outro na consciência do eu. In: WEREBE, M.J.G.; NADEL, J. (Orgs.) Henri Wallon. São Paulo: Ática,
1986b.

WEIGEL, Anna Maria Gonçalves, Brincando de música. Porto Alegre RS, Kuarup, 1988.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 594


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Letras pela Faculdade UNIABC


(2004); Especialista em Coordenação Pedagógica
pela Faculdade FCE (2020); Professora de Educação
Infantil na EMEI Padre Anchieta.

PRISCILA
GONÇALVES CARDOSO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 595
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LUDICIDADE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM ESTUDO SOBRE


AS CONCEPÇÕES E CONTRIBUIÇÕES DO LÚDICO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL
RESUMO: A atividade lúdica, representada por jogos e brincadeiras, desenvolve o aprendizado da
criança dentro da sala de aula e se apresenta como ferramenta de ensino para o desempenho
e desenvolvimento integral dos alunos, proporcionando momentos únicos de alegria, diversão,
comprometimento com o aprender e responsabilidade. A ludicidade é uma necessidade na
vida do ser humano em todas as idades; e não deve ser apropriada apenas como diversão ou
momentos de prazer, mas como ferramenta de desenvolvimento. Através dos jogos e brincadeiras,
os professores podem unir a prática com a teoria, desenvolvendo a participação efetiva dos alunos
no processo pedagógico. As contribuições das brincadeiras no processo de ensino-aprendizado
são aqui defendidas por teóricos, entre eles Piaget e Vygotsky que através de seus estudos e
pesquisas auxiliaram a mudar a concepção de infância. O resgate das brincadeiras tradicionais em
meio às inovações tecnológicas presentes nos atuais brinquedos, tem mudado o jeito de brincar
das crianças. A pesquisa também analisa as propostas construtivistas presentes nos Referenciais
Curriculares para a educação
Infantil, ampliando pressupostos teóricos e metodológicos na busca de uma prática com maior
compromisso com a aprendizagem. Considerar o importante papel docente enquanto mediador
durante o processo de ensino aprendizagem, pontuando também aspectos como a observação,
o registro e a avaliação refletidos e analisados na pesquisa sobre as práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Ludicidade; Ensino; Aprendizagem; Educação Infantil.


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 596
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

O
brincar é um ato social que permite uma comunicação através de gestos, mesmo
que não haja comunicação verbal. É no brincar que a criança tem a oportunidade
de expressar o que está sentindo ou necessitando; é através das brincadeiras, do
faz de conta, que a criança constrói o seu mundo imaginário situado em experiências vividas. A
criança utiliza-se do brincar para construir sua aprendizagem, porque é na brincadeira que ela
explora situações usando a imaginação e libera seu eu criativo, realizando seus desejos mais
íntimos. (Goretti, p. s/d)
Ao observarmos este conceito, notamos que o brincar entrelaça o prazer com o aprender
e, que ao interagir com o outro se cria motivações e experiências que se tornaram formas de
entendimento do circulo social, ao visar possíveis regras e determinações do espaço.
É brincando que a criança aprende a trabalhar suas frustrações na medida em que perde
ou ganha. Esse fator torna-se inerente ao crescimento e fortalece emocionalmente o indivíduo e
as relações com o outro. Neste caso, ganham importância vital, pois a criança necessita com-
partilhar momentos coletivos para satisfazer a vontade de jogar e aprender a conviver no grupo
(KISHIMOTO, 1996 apud Goretti, p. s/d).
Ainda no trato deste conceito, observamos que o brincar envolve diferentes linguagens
corporais das crianças, favorecendo também para o desenvolvimento destas linguagens, que
podem ser representativas, simbólicas. Pode-se notar este contexto na fala sobre o brincar, onde
o autor diz que: Por fim podemos ver que:
O brincar promove a comunicação, a verbalização, a criação e o desenvolvimento da
função simbólica: a capacidade de representar formas conscientes (casa, objetos e situações)
e a capacidade de expressão da fantasia. A representação simbólica é vivenciada de forma
verbal e não verbal, através de associações com as experiências vividas. Ex: Um menino e uma
almofada. A almofada representa o carro e ele o motorista e a ação total a
identificação do pai dirigindo o automóvel. Com a boca ele produz o barulho do motor e
o seu corpo se ativa psicomotoramente (AUCOUTURIER, 2005).
A criança adquire, constrói sua relação com o lúdico, brincando, desde bebê, através de
interações sociais. Essa experiência é adquirida na participação nas atividades lúdicas, pela
observação de outras crianças e pela manipulação de objetos. As brincadeiras são sempre um
meio conducente à transformação do desenvolvimento da aprendizagem da criança, cria-se um
futuro construtivo, vivência ecológica e percepção do equilíbrio do mundo que as rodeiam. O
jogar é uma excelente maneira de perceber a relação entre ordem e desordem, entre a organi-
zação e o caos, entre o equilíbrio e o desequilíbrio dos sistemas biológicos e sociais.
A criança que não encontra oportunidade de brincar e relacionar-se criativamente com o
ambiente através de desafios, apresenta dificuldades no seu desenvolvimento. Por isso é impor-
tante que todos os profissionais que trabalham na área da psicomotricidade criam e desenvolvam
o máximo de atividades lúdicas, desafiadoras, com abordagem e solução de problema, para
facilitar o desenvolvimento psicomotor da criança (BERTOLDI, 2004).

Ao brincar, a criança desenvolve seu processo de adaptação à realidade aprendendo a


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 597
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

lidar de forma cada vez mais intencional com o seu corpo, situando-o em um contexto que é
reconhecível. Assim quanto mais amplia a realidade externa da criança, sua imaginação, sonho,
fantasia em forma de desafios ou problemas a serem resolvidos nas brincadeiras, mas elas terão
necessidades internas a fim de utilizarem experiências em função das demandas ambientais
(OLIVEIRA, 1994).
Por fim analisamos o ato de brincar como importante componente do desenvolvimento
social e afetivo e podemos também observar sua relevância no desenvolvimento motor, já que
dentro da psicomotricidade o movimento faz parte de todo o agir dos sujeitos, e o comporta-
mento motor é expressamente relevante para o desenvolvimento destes.
Os jogos e brincadeiras estão presentes em todas as fases da vida dos seres humanos,
tornando especial a sua existência, o lúdico apresenta um ingrediente indispensável no relacio-
namento entre as pessoas, possibilitando que a criatividade aflore.
A infância é um período marcado por singularidades e desafios, a educação infantil é o
momento do ingresso da criança na escola, portanto um momento único cheio de expectativa
por parte de pais, responsáveis, educadores e, principalmente das crianças.
Durante o século XX houve um crescimento no esforço de se conhecer a criança em vários
campos do conhecimento. O surgimento da noção de infância possibilitou a visão de que esse
período é construído dependendo da sociedade e da cultura. A diferenciação desse período da
fase adulta depende de como cada sociedade se organiza e qual papel a criança deve exercer.
Numa sociedade marcada por desigualdades e diversos contextos as crianças desempenham
o papel que lhes é atribuído pelo adulto e em nosso país existem “infâncias”, portanto a questão
que se coloca é como a escola, as políticas públicas e a sociedade concebem a importância
do lúdico no desenvolvimento integral da criança.
Esta pesquisa foi desenvolvida para analisar como a ludicidade pode intervir no aprendiza-
do da criança, desenvolvendo seus saberes com criatividade e desempenho. Com a ludicidade
na escola, é possível perceber a criança e estimulá-la no que ela precisa aprender.
Nos dias de hoje é consenso entre educadores, psicólogos, pedagogos e todos os pro-
fissionais que atuam na educação de que a infância é um período com características próprias,
Vygotsky (1987) defende que a brincadeira é um importante processo psicológico, uma ativida-
de humana criadora, cheias de novas possibilidades e importante na construção de relações
sociais com os outros.
A partir das reflexões sobre a ludicidade e o processo de desenvolvimento e da aprendiza-
gem envolvidos no ato de brincar podem se constituir num importante processo de aquisição de
conhecimentos, portanto tem papel fundamental na educação infantil, contudo após a pesquisa
houve a indagação sobre como docentes trabalham a brincadeira nos primeiros anos da criança
e se o lúdico é entendido como importante ferramenta na apropriação de conhecimentos na
esfera motora, cognitiva, linguagem e construção de valores e área afetiva e social. Após essas
observações as dúvidas se ampliam: quanto, como e do que as crianças jogam e brincam?
Quais brinquedos são utilizados pela infância contemporânea? Há espaços apropriados para a
realização das brincadeiras? Brincadeiras são planejadas e inseridas nos currículos da
educação infantil? Como são planejadas? As indagações iniciais serão acrescidas de
outras conforme a pesquisa bibliográfica se desenvolver.
O objetivo do presente trabalho é estabelecer contato com autores que abordam o tema,
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 598
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

como Vygotsky e Piaget, entre outros, para ampliar a reflexão sobre a escola, a vida e a infân-
cia e o papel que o trabalho com as brincadeiras e jogos desempenha nos primeiros anos da
criança e na sua construção de conhecimento social, cultural, motor, afetivo, cognitivo.
Este estudo visa discutir a importância do brincar na educação infantil, enfatizando os jo-
gos e brincadeiras como atividades que ajudam n a construção do conhecimento, elas tendem
melhorar a socialização entre as pessoas, fazendo com que vivenciem situações de colaboração,
trabalho em equipe e respeito. Além de proporcionarem momentos lúdicos e prazerosos, fazendo
com que a criança classifique, ordene, estruture e resolva pequenos problemas e sinta-se mo-
tivada a ultrapassar seus próprios limites. Enquanto brinca, a criança pensa, cria e desenvolve,
dentre outros fatores, o pensamento crítico.
De acordo com o RCNEI (1998) p. 27, “no ato de brincar, os sinais, os gestos, os objetos
e os espaços valem e significam outra coisa daquilo que aparenta ser. Ao brincar, as crianças
recriam e repensam os acontecimentos que lhe deram origem, sabendo que estão brincando”;
em outras palavras, através do brincar, tem em suas mãos, a possibilidade de lidar e estabelecer
relações com os outros e com ela mesma.
Através do ato de brincar, a criança aprende a agir. Os jogos e brinquedos estimulam a
curiosidade e a confiança, proporcionando o desenvolvimento da linguagem, do pensamento,
da concentração e atenção.
Com a criação de novas leis e com a evolução de pensamento por parte da família, da
sociedade e governo, ao longo dos anos adquiriu-se uma preocupação em priorizar as necessi-
dades das crianças, surgindo assim, a preocupação com o lúdico, e como afirma Piaget (1977),
“a atividade lúdica é o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo por isso,
indispensável à prática educativa”. Os estudos da psicologia contribuíram para apontar que os
jogos e brincadeiras são importantes processos, fonte de aprendizagem e desenvolvimento nas
crianças.
O presente estudo tem como referenciais metodológicos, a pesquisa bibliográfica.
A primeira seção reflete sobre a infância, sua complexidade, singularidade e características
próprias dentro do contexto da educação infantil.
Nesta seção será abordado o lúdico na aprendizagem, em diferentes épocas e com di-
ferentes concepções de infância. Destacamos as importantes contribuições dos estudiosos:
Piaget, Vygotsky e de teóricos e historiadores que defendem a noção de infância, estudam a
construção de conhecimentos e apropriação do mundo pelos pequenos.
Na segunda seção será abordado o conceito de ludicidade e sua importância na vida
das pessoas, principalmente das crianças. Na terceira seção desta pesquisa serão elencadas
as práticas pedagógicas e o brincar na educação infantil enquanto contribuições significativas
para o aprendizado.
A possibilidade de aprender brincando oferece aos docentes uma ampla e diversa baga-
gem social, cultural e lúdica na elaboração de currículos e no planejamento de aulas significativas
e prazerosas com as crianças. Desse modo, o tempo de ser criança, o direito de viver a infância
em toda a sua plenitude, com todo sabor e gosto é contemplado no espaço da instituição de
educação infantil, construindo assim, sujeitos felizes e brincantes. O estudo será finalizado com
a apresentação das considerações finais nos contextos apresentados nos capítulos anteriores.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 599


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A CRIANÇA E O LÚDICO EM São várias as dificuldades que existem com


DIFERENTES ÉPOCAS relação à definição e caracterização da
brincadeira, entretanto, é certo que a brin-
Ao observar a infância contemporânea, cadeira assume um papel fundamental na
infância; numa concepção sócio cultural, a
marcada pela falta de espaço, pela pressa, brincadeira mostra como a criança interpre-
influenciada pela mídia, o consumismo e a ta e assimila o mundo, os objetos, a cultura,
violência, a questão que surge é: será que as relações e os afetos das pessoas, sendo
crianças de hoje conhecem as brincadeiras um espaço característico da infância (WA-
como bolinha de gude, pipa, amarelinha, pi- JSKOP, 1995 apud ROBLES, 2009, p. 1).
que bandeira, elástico, passa-anel, esconde- A concepção de criança vem se trans-
-esconde, princesas, super-heróis, entre tan- formando ao longo dos tempos, mesmo por-
tas outras, que muitas vezes nos remetem a que é uma noção historicamente construída e
outra época de brincadeiras. se apresenta de forma heterogênea, mesmo
dentro da mesma sociedade. Atualmente, sa-
Atualmente são inúmeros os autores bemos que as crianças são seres singulares,
que caracterizam as brincadeiras como ativi- sentem e pensam de um jeito único e próprio
dades próprias das crianças, segundo Robles (RCNEIs, 1998). Mas, nem sempre foi assim,
(2009) alguns exemplos: Bomtempo, (1987); houve um tempo em que parecia não existir
Brougère, (1997); De Rose e Gil, (1998); Kishi- crianças no mundo, elas não eram percebidas
moto, (1997); Piaget, (1978); Santos, (1998); em seu modo de pensar, ver e sentir carac-
Wajskop, (1995), mas nem sempre foi assim, terísticos.
e apesar de ser consenso entre esses auto-
Na Idade Média, a sociedade não per-
res que a criança é um ser brincante e que a
cebeu a infância, as crianças eram vistas
brincadeira é parte indissociável da infância,
como adultos em miniatura e deviam obede-
a concepção de infância e dabrincadeira per-
cer aos pais, elas estudavam e jogavam como
correu caminhos distintos até chegar à forma os adultos, somente se diferiam em força e
que hoje, nós educadores a concebemos. tamanho, na maioria das vezes auxiliavam os
A definição e a caracterização de brin- pais no trabalho. Segundo Ariès (1978) a in-
cadeira cruzam diferentes tempos e lugares, fância era considerada curta e apenas um
passados, presentes e futuros, sendo marca- período de transição.
da pela continuidade, mas também pela mu- No século XVII a infância começa a ser
dança, já que a criança está inserida dentro notada e diferenciada da idade adulta. Nesse
de um contexto histórico e social, faz parte período as crianças passam a ser considera-
de uma organização familiar e está vivendo das o centro das atenções e são notadas por
dentro uma sociedade, que tem determina- sua ingenuidade, gentileza e graça, transfor-
da cultura. Portanto, a concepção de criança mando- se assim em fonte de distrações para
modificou-se e estudando seus processos de os adultos. Os europeus, principalmente, os
aquisição de conhecimento e sua fase como franceses discutiam as fases da vida da crian-
período de grande construção de saberes ça. E com a descoberta da infância nasceu
será observado como o brincar e a infância a preocupação com a Educação Infantil, mas
foi-se modificando através da história: a criação de escolas para esse nível de en-
sino somente se iniciou no século XVIII, com
a Revolução Industrial. A Igreja considerava
as crianças criaturas de Deus que deviam ser
ensinadas e disciplinadas, portanto eram en-
viadas às instituições para receber instruções,
cuidados e disciplina, Ariès (1978).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 600
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As famílias também começaram a tratar O maior avanço para a Educação Infan-


suas crianças com mais zelo e a se organizar til ocorre com a Lei de Diretrizes e Bases da
em torno delas, no século XVIII, a preocupa- Educação Nacional, Lei nº 9.394, promulgada
ção com o cuidar e a diminuição da mortali- em dezembro 1996, onde o Brasil estabele-
dade foram questões que produziram debates ce um compromisso com a educação infantil
entre toda a sociedade. e a sociedade começa a tomar consciência
Somente no século XX que os esforços da importância das experiências na primeira
para conhecer e consolidar a “concepção de infância e assim toda a comunidade escolar
infância” como fase diferente do adulto se inicia reflexões sobre a necessidade de se
consolidou. O papel da escola, de pedago- trabalhar o sentido da infância em toda a sua
gos e psicólogos foi importante nesse novo dimensão. Os Referenciais para Educação In-
contexto educacional e social de mudanças, fantil também vão ao encontro à concepção
e vários autores apresentaram suas ideias a de criança como ser histórico e social:
respeito das fases das crianças e a importân-
A criança como todo ser humano é um su-
cia do brincar e do brinquedo para o apren- jeito social e histórico e faz parte de uma
dizado. organização familiar que está inserida
No Brasil, a ideia de infância moderna em uma sociedade, com uma determina-
da cultura, em um determinado momento
foi universalizada com base no padrão de
histórico. É profundamente marcada pelo
crianças das classes médias. No entanto, meio social em que se desenvolve, mas
é necessário considerar a desigualdade e também a marca (RCNEIs. Conhecimento
a diversidade de aspectos sociais, culturais de Mundo, 1998, p.21).
e políticos presentes na realidade de nosso
país. Importante destacar também que, no Com a criação de novas leis e a evo-
Brasil, ainda é muito recente a busca pela lução de pensamento por parte da família,
democratização da escolarização obrigatória da sociedade e governo, ao longo dos anos
e presenciamos agora a sua ampliação, por- adquiriu-se uma preocupação em priorizar as
tanto, ainda temos um longo caminho a ser necessidades das crianças, surgindo assim
percorridas, em direção a uma escolaridade a preocupação com o lúdico, e como afirma
que seja considerada prioridade na vida das Piaget (1977) a atividade lúdica é o berço obri-
crianças, e estas, por sua vez, seja vista com gatório das atividades intelectuais da criança,
suas especificidades. sendo indispensável à prática educativa.
Em 1988 é promulgada a Constituição Pode-se afirmar que o ser humano tem
e estabelece o direito à vida, à saúde, à ali- infância, que é uma fase distinta da adulta
mentação, à educação, ao lazer, à profissio- e que isso é histórico, em cada época as
nalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, crianças inventam e reinventam formas de
à liberdade, à convivência familiar e comunitá- brincar. As crianças brincam e isso é o que
ria. Estabeleceu também a parceria entre Es-
as caracteriza, nas brincadeiras estabelecem
tado, família e sociedade na responsabilidade
relações e combinações, viram e reviram e
de educar as crianças.
assim, revelam a possibilidade de novas cria-
Em 1990, surge o ECA (Estatuto da ções. Em todos os tempos, para todos os
Criança e do Adolescente), um importante povos, os brinquedos evocam as mais subli-
documento regido pela Lei 8.069, que regula- mes lembranças, são objetos mágicos, que
menta o artigo 227 da Constituição Brasileira passam de geração em geração, e mantêm
e cria Conselhos tutelares responsáveis pela uma incrível capacidade de encantar crianças
observância dos direitos dos menores. e adultos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 601


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os estudos da psicologia contribuíram Só falando se aprende a falar, só andando


para apontar que a brincadeira é um impor- se aprende a andar e só o desejo superior
que o indivíduo sente de subir e de se re-
tante processo, fonte de aprendizagem e de-
alizar, para satisfazer as exigências vitais
senvolvimento nas crianças. Vygotsky defende o leva a transpor obstáculos e procurar
que a brincadeira: é uma atividade humana incessantemente o máximo de perfeição
criadora, na qual a fantasia, a imaginação e (FREINET, 1977, p. 48 apud CARVALHO,
a realidade interagem na produção de novas 2010, p.6).
interpretações e possibilidades de expressão
Kramer (1995) é outra autora que con-
e de ação pelas crianças, assim como novas
corda que a educação infantil está atrelada
formas de construção entre sujeitos, crianças
ao contexto social que a criança está inserida
e adultos (BRASIL, 2007).
e para atender às necessidades e particulari-
Piaget (1977) concorda com a impor- dades do universo infantil é necessário criar
tância de atividades lúdicas e brincadeiras no condições adequadas para que os pequenos
desenvolvimento infantil, pois para ele é ao se desenvolvam de forma global e harmonio-
brincar que a criança percebe o mundo, de- sa, visando seu pleno desenvolvimento nas
sempenha papéis, transforma em significados dimensões: física, sócio- emocional e intelec-
distintos e cria novas funções para objetos tual (1995 apud CARVALHO, 2010).
que lhe despertam interesse. Piaget afirmava
Não é possível deixar de citar neste ca-
que a criança é entendida como um ser cons-
pítulo outros nomes que auxiliaram a funda-
trutor e tem potencialidade de desenvolver-se
mentar a Educação Infantil como: João Amós
de acordo com a interação que vivencia no
Comênio, Jean Jacques Rousseau, João Hen-
meio em que está inserida, e a aprendiza-
rique Pestalozzi, Maria Montessori, Ovide De-
gem se constrói na medida em que conhece
croly e Celestin Freinet.
e reinventa.
Após o conhecimento do caminho per-
Carvalho (2010) ressalta que é neces-
corrido historicamente é necessário uma aná-
sária uma concepção educacional que tenha
lise das questões do passado para compre-
uma visão de crescimento e desenvolvimen-
ender os caminhos que a educação infantil
to superior à integração social, atribuindo à
percorreu para chegar até os dias de hoje,
educação o papel de favorecer esse desen-
portanto muitos homens e mulheres com
volvimento tornando a criança consciente de
suas pesquisas, seu trabalho e pensamento
si mesma para que cresça através do que
são importantes na construção das ideias e
absorva.
propostas que usamos atualmente, portanto
Freinet (1977) vê a criança como a é necessário que deixem de serem ilustres
esperança de transformação da sociedade desconhecidos para muito dos profissionais
pela busca do direito de todos. Para o autor que atuam na área, pois os profissionais que
a curiosidade propicia à criança a busca pelo atuam na educação infantil precisam conhe-
autoconhecimento, o que as levam e orientam cer para transformar:
na direção de descobertas, portanto a escola
Portanto, conhecer os teóricos e suas
deve vincular seu currículo à vida concreta
importantes contribuições na formação das
dos alunos e o respeito às condições sociais
concepções, metodologias e currículo é rele-
e diferenças, além de valorizar as atividades
vante para um trabalho pedagógico atento às
lúdicas e a vivência:
necessidades e especificidades dessa fase
da educação.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 602


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LUDICIDADE E EDUCAÇÃO afirma que a capacidade lúdica está direta-


INFANTIL:CONCEITOS DE LUDICIDADE mente relacionada à sua pré-história de vida.
Acredita ser, antes de mais nada, em estado
A palavra ludicidade tem origem na de espírito e um saber que progressivamente
palavra latina “ludus” que quer dizer “jogo”. vai se instalando na conduta do ser devido ao
Se achasse confinada a sua origem, o termo seu modo de vida.
lúdico estaria se referindo apenas ao jogo,
ao brincar, ao movimento espontâneo, mas O lúdico refere-se a uma diversão hu-
passou a ser reconhecido como traço essen- mana que evoca os sentimentos de liberdade
cialmente psicofisiológico, ou seja, uma ne- e espontaneidade de ação. Abrange ativida-
cessidade básica de personalidade do corpo des despretensiosas, descontraídas e deso-
e da mente no comportamento humano, as brigadas de toda e qualquer espécie de in-
implicações das necessidades lúdicas extra- tencionalidade ou vontade alheia. É livre de
polaram as demarcações do brincar espon- pressões e avaliações. Caillois (1986) apud
tâneo de modo que a definição deixou de SÁ confirma esta ideia explicitando seu enten-
ser o simples sinônimo de jogo. O lúdico faz dimento sobre o jogo na perspectiva lúdica.
parte das atividades essenciais da dinâmica Caillois (1986) afirma que o caráter gra-
humana, trabalhando com a cultura corporal, tuito presente na atividade lúdica é a carac-
movimento e expressão (ALMEIDA, 2006). terística que mais deixa desacreditada diante
Uma definição de lúdico refere-se à ca- da sociedade moderna. Entretanto, enfatiza
pacidade de, durante as brincadeiras, alimen- que permite que o sujeito se entregue à ativi-
tar o espírito imaginativo, exploratório e inven- dade despreocupadamente.
tivo do faz de conta, mas que isso brincar tem Assim, o jogo, a brincadeira, o lazer
o sabor de conhecer o que se desconhece ou enquanto atividades livres, gratuitas são pro-
vice versa, cada brincadeira é um universo a tótipos daquilo que representa a atividade lú-
ser explorado, reinventado e aprendido. dica e longe estão de se reduzirem apenas
De acordo com Huizinga (1980) apud as atividades infantis. Na atividade lúdica, o
WAJSKOPF, desde que mundo é mundo, o que importa não é apenas produto da ativi-
homem sempre manifestou uma tendência dade que dela resulta, mas a própria ação,
lúdica - uma competência inata para brincar momentos de fantasia que são transformados
e jogar- sendo por isso denominado, além do em realidade, momentos de percepção, de
homo sapiens, homo ludens. Para este histo- conhecimentos, momentos de vida. Este jogo
riador, o jogo é um fenômeno presente em permite também o surgimento de afetividade
todas as sociedades, sendo inegável a sua cujo território é o dos sentimentos, das pai-
existência como elemento da cultura. Nesse xões, das emoções, por onde transitam me-
sentido, reconhecer e dar lugar a lúdico na dos, sofrimentos, interesses e alegrias.
sociedade e na educação significa buscar sa- Uma relação educativa que pressupõe
tisfazer a um impulso natural do ser humano. o conhecimento de sentimentos próprios e
O lúdico e como ele é trabalhado nos alheios que requerem do educador uma aten-
jogos, brincadeiras e brinquedos constituem- ção mais profunda e um interesse em querer
-se em importantes ferramentas para o apren- conhecer mais e conviver com o aluno; o en-
dizado das crianças, não sendo apenas mero volvimento afetivo, como também o cognitivo
passatempo, mas sim objeto de grande valia de todo o processo de criatividade que envol-
na aprendizagem. Negrine (2000) apud SÁ ve o sujeito –ser- criança (ALMEIDA, 2006).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 603


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

É por todos estes motivos que a ludici- ças serem crianças e experimentarem diferen-
dade é uma necessidade do ser humano em tes e diversos modos de brincar e viverem de
qualquer idade e não pode ser vista apenas forma lúdica sua infância.
como diversão, mas com um aprendizado. Os
Atualmente a escola é construída como
desenvolvimentos pessoais que a ludicidade
espaço de aprendizagem onde as crianças
proporciona, associados aos fatores sociais
são reconhecidas e vistas em suas especifici-
e culturais, colaboram para uma boa saúde
dades e é importante ressaltar que o brincar é
física e mental, facilitando o processo de so-
um espaço de apropriação de conhecimentos
cialização, comunicação, construção de co-
cognitivos, físicos, sociais e afetivos e cons-
nhecimento, além de desenvolvimento pleno
tituem-se como base para muitas aprendiza-
e integral dos indivíduos envolvidos no pro-
gens e possibilidades.
cesso de ensino-aprendizagem. O lúdico se
apresenta como ferramenta de ensino para o As contribuições das brincadeiras são
desempenho e desenvolvimento integral dos diversas e oferecem à criança uma estrutura
alunos. ampla para mudanças, para sanar necessi-
dades, para tomada de decisões, para intera-
CONTRIBUIÇÕES DO LÚDICO NA
EDUCAÇÃO INFANTIL ções sociais, culturais e também para o de-
senvolvimento de habilidades e aptidões, é
Conhecer os brinquedos tradicionais um instrumento transdisciplinar que atravessa
como pipa, pião, vaivém, cabra- cega, bilbo- a prática educativa com crianças e conduz
quê, carrinho de rolimã, bolinha de gude per- para o desenvolvimento da linguagem, por-
mite trazer elementos culturais e possibilita tanto um importante instrumento a ser utiliza-
um trabalho lúdico e amplo na aquisição de do na educação infantil, pois a brincadeira é
vocabulário verbal e corporal, na medida em a atividade dominante da infância tendo em
que o contato com estes brinquedos e brin- vista as condições concretas da vida da crian-
cadeiras, a compreensão de suas característi- ça e o lugar que ocupa na sociedade, sendo,
cas, a aquisição das regras e a habilidade de primordialmente, esta a forma pela qual ela
ensinar seu uso permitem às crianças inúme- começa a aprender.
ras oportunidades de se expressarem.
Através da brincadeira, a criança se en-
Portanto, o envolvimento das crianças volve no jogo/atividade e sente a necessida-
na pesquisa de brinquedos, seja através da de de partilhar com o outro, de dividir com
observação dos brinquedos que têm em casa, amigo. Esta relação expõe as potencialidades
durante as conversas com os pais sobre os dos participantes, afeta as emoções e põe à
brinquedos de que gostavam em sua infância prova as aptidões, testando limites e propon-
ou como brincavam, ou ainda visitas a espa- do desafios.
ços como brinquedotecas, é muito produtivo,
Brincando e jogando, a criança terá
considerando que este é um tema altamente
oportunidade de desenvolver capacidades in-
significativo e mobilizador para as crianças,
dispensáveis a sua futura atuação profissional
pois não apenas fazem parte de sua realida-
e social, tais afetividades, o hábito de perma-
de como são os meios mais adequados para
necer concentrada e outras habilidades per-
aprender prazerosamente.
ceptuais e/ou psicomotoras, pois brincando,
Diante dessas afirmações mostra se re- a criança torna-se operativa (AGUIAR, 1998).
levante um trabalho sobre a importância da
valorização das brincadeiras e jogos tradicio-
nais, dando espaço e oportunidade das crian-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 604
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A atividade lúdica é reconhecida como Com a afirmação de vários especialistas


meio de fornecer à criança um ambiente agra- no assunto é possível afirmar que é por meio
dável, motivador, planejado e enriquecido, que do entretenimento que se inicia a descoberta
possibilita a aprendizagem de várias habilida- do mundo pela criança e esse divertimento
des na criança, ajudará no desenvolvimento libera criatividade, contudo com as inovações
da criatividade, na inteligência verbal-linguísti- tecnológicas tão presentes no cotidiano das
ca, coordenação motora, dentre outras. crianças as experiências lúdicas são menores
e têm cada vez mais pouco tempo e espa-
O BRINCAR NA EDUCAÇÃO INFANTIL E
A PRÁTICA PEDAGÓGICA ço para brincar. As brincadeiras tradicionais
como pião, amarelinha, chicotinho queimado,
Nesta seção, as práticas pedagógicas cabra cega, pipa, entre outras, muitas vezes
e o brincar na educação infantil serão abor- são esquecidas ou não é dado a elas devido
dados enquanto contribuições significativas valor como contribuição lúdica que proporcio-
para o aprendizado. O conceito de lúdico e na às crianças, principalmente na educação
sua importância no desenvolvimento infantil e infantil. Nossa época presencia um mundo
na educação são vistos na presente pesquisa cada vez mais urbanizado, industrializado e
como importante metodologia que possibilita informatizado e a tendência é que muitas das
mais vida e prazer no processo de ensino e brincadeiras tradicionais percam espaço na
aprendizagem, pois atividades lúdicas repre- preferência infantil, mas essas brincadeiras
sentam poderosos recursos para estimular a têm valor cultural inestimável.
vida social e o desenvolvimento construtivo
A educação Infantil é o momento que a
da criança.
criança chega à escola e traz consigo toda
Autores como Piaget (1977), Vygotsky uma pré-história, construída a partir das suas
(1987), Huizinga (1990), entre outros apon- vivências, grande parte delas por meio de ati-
tam a importância do lúdico na educação, vidades lúdicas, sendo assim mostra-se rele-
principalmente na educação infantil, pois per- vante um trabalho com jogos e brincadeiras
mite um desenvolvimento global e uma visão que valorizem o que a criança já sabe e por
de mundo mais real, possibilita à criança vi- meio do lúdico aprimore e acrescente novos
venciar, descobrir, criar, transformar a realida- saberes.
de e brincar.
Matushita e Mendes (2011) citam os jo-
Atualmente, os jogos e brincadeiras gos que frequentemente aparecem no contex-
estão presentes nas propostas de educação to da educação infantil: tradicionais infantis,
infantil e muitos pesquisadores, teóricos e jogos de regras, jogo de construção e os jo-
pensadores debatem sobre as relações entre gos de faz de conta. A autora cita que apesar
jogo, brincadeira e educação infantil. Para Pia- das diferentes teorias sobre jogos e brinca-
get (1977), jogos, brinquedos e brincadeiras deiras, professores e pesquisadores devem
são formados ao longo de nossa vivência, é a trabalhar juntos, com um referencial comum,
forma que cada um de nós nomeia o brincar. percebendo as brincadeiras dentro de seu
O número de autores que sugerem a adoção contexto social e cultural, bem como estão
do jogo na escola, incorporando a função lú- mencionadas dentro do currículo da educa-
dica e a educativa é crescente. ção infantil. Para as autoras há uma tendência
nas pré- escolas brasileiras em trabalhar com
crianças através da utilização de materiais di-
dáticos, brinquedos pedagógicos e métodos
lúdicos de ensino e alfabetização, como fins
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 605
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

em si mesmos, descontextualizando seu uso De acordo com as autoras alguns crité-


dos processos cognitivos e históricos vividos rios podem contribuir para uma escolha ade-
pelas crianças. Com isso, a maioria das es- quada de brinquedos, de uso escolar para a
colas tem transformado didaticamente a ativi- garantia da essência do jogo. São eles:
dade lúdica das crianças:
1º - o valor experimental – permitir a
Restringindo-a a exercícios repetitivos exploração e a manipulação;
de descriminação viso-motora e auditiva,
através do uso de brinquedos, desenhos 2º - o valor da estruturação – dar supor-
coloridos e mimeografados e músicas rit- te à construção da personalidade
madas, bloqueando a organização e inde-
pendente das crianças para a brincadei- infantil;
ra, infantilizando os alunos(MATUSHITA e
MENDES, 2011, p. 49) 3º - o valor da relação – colocar a crian-
ça em contato com seus pares e adultos, com
Esses exemplos de atividades impos- objetos e com o ambiente em geral para pro-
sibilitam a criança de ter iniciativa quanto ao piciar o estabelecimento de relações sociais;
tema, aos papéis, aos conteúdos e desenvol-
vimento da brincadeira. Para garantir que o 4º- o valor lúdico –avaliar se os obje-
conteúdo seja transmitido, muitos educadores tos possuem as qualidades que estimulem o
não consideram o mundo social e cultural das aparecimento da ação lúdica. (MATUSHITA-
crianças. As autoras afirmam que o brincar é MENDES, 2011).
um processo pedagógico e proporciona uma Hoje em dia muitos estudiosos e pes-
ética da aprendizagem em que as necessida- quisadores defendem a importância das brin-
des básicas de aprendizagem das crianças cadeiras para o desenvolvimento infantil, de
são satisfeitas e oportunizam: acordo com ROBLES (2009) mostram preocu-
- Praticar, escolher, perseverar, imitar, pação em compreender este fenômeno bus-
imaginar, dominar, adquirir competência cando, principalmente, responder questões
e confiança; como: a função que estas atividades exer-
- Adquirir novos conhecimentos, habi- cem sobre o desenvolvimento infantil; motivos
lidades, pensamentos e entendimentos pelos quais a criança deve brincar; o que a
coerentes e lógicos; brincadeira proporciona à criança no que diz
- Criar, observar, experimentar, movi- respeito à aprendizagem etc. Estas e outras
mentar-se, cooperar, sentir, pensar, me- questões relacionadas ao tema “brincadeira”
morizar e lembrar; são importantes e relevantes para educado-
res e profissionais que atuam com crianças
- Comunicar, questionar, interagir com
os outros e ser parte de uma experiência pequenas, pois ao perceber as contribuições
social mais ampla em que a flexibilidade, que o brinquedo, os jogos e as brincadei-
a tolerância e a autodisciplina são vitais; ras podem proporcionar ao desenvolvimento
- Conhecer e valorizar a si mesmo e as
infantil, é possível valorizar a brincadeira no
próprias forças, e entender as limitações contexto educacional e garantir às crianças o
pessoais; direito de brincar e se desenvolver plenamen-
te e prazerosamente.
- Ser ativo dentro de um ambiente se-
guro que encoraje e consolide o desen-
volvimento de normas e valores sociais.
(MATUSHITA e MENDES, 2011, p. 49).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 606


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

As diferentes abordagens e estudos O ponto de partida para conhecer a


da psicologia infantil destinados ao lúdico criança é valorizar suas experiências anterio-
permitiram perceber a criança como um ser res, sua linguagem, a bagagem cultural que
brincante, portanto as brincadeiras deveriam possui e escutar o que ela tem a dizer e va-
ser utilizadas como atividade essencial e sig- lorizar o que ela tem de conhecimento, pois
nificativa para a educação infantil e hoje é é por meio das brincadeiras que a criança
possível perceber essa preocupação dos edu- expressa o que pensa e o que vê sobre o
cadores. mundo que a cerca, criando assim quando
brinca um mundo imaginário com base em
Os Referenciais Curriculares para Edu-
suas vivências e experiências e é essa troca
cação Infantil (1998), conjunto de documentos
vivida nesse contexto de faz de conta que
disponibilizados pelo Ministério da Educação,
as crianças lidam com suas dúvidas, suas
apresentam em suas orientações a importân-
preocupações e angústias. O estreito contato
cia do brincar para a educação infantil:
que a brincadeira tem com os sentimentos
A brincadeira favorece a autoestima das dos pequenos e defende que ao brincar é
crianças, auxiliando-as a superar progressi- oportunizado às crianças trabalhar suas com-
vamente suas aquisições de forma criativa. plexas dificuldades psicológicas como medo,
Brincar contribui, assim, para a interiorização perda, etc. E, é por isso que geralmente as
de determinados modelos de adulto, no âm- crianças escolhem as brincadeiras que, de
bito de grupos sociais diversos. Essas signifi- alguma forma, representam o que vivem em
cações atribuídas ao brincar transformam-se seu cotidiano.
em um espaço singular de constituição infantil
Robles (2009) questiona como criar
(1998).
oportunidades lúdicas para a criança ampliar
Os Referenciais também se preocupam seu repertório social e desenvolver relações
com o fato de ser a figura do adulto, no caso interpessoais e também está de acordo que
da escola o professor, que ajuda as crianças brincar de faz de conta é um importante re-
a organizar e estruturar o campo das brin- curso para regular o comportamento pessoal
cadeiras, portanto adverte que o papel dos de acordo com regras sociais e culturais, e
professores é o de organizador e mediador defender que quando brinca de faz de conta,
dessas intervenções e oportunidades de brin- a criança, cria uma situação imaginária po-
car e vivenciar aprendizagens lúdicas. dendo assumir diferentes papéis, pai, mãe,
adulto, etc., ela se comporta como realmente
Brincar é uma parte fundamental da
mais velha, seguindo as regras que esta si-
criança em seus primeiros anos de vida, elas
tuação propõe. Nesse sentido, a brincadeira
brincam instintivamente e os educadores de-
pode ser considerada um recurso utilizado
vem usar essa aptidão para desenvolver um
pela criança, podendo favorecer tanto os pro-
currículo com base em atividades lúdicas
cessos que estão em formação ou que serão
como princípio central da aprendizagem na
completados (ROBLES, 2009).
educação infantil.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 607


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Além do aspecto social a brincadeira Na escola tradicional, centrada na trans-


exige certo raciocínio para levantar hipóteses, missão de conhecimentos, muitas vezes,
solucionar problemas e construir conhecimen- não comporta o lúdico, onde os educadores
tos que enriquecem seu desenvolvimento inte- enaltecem e defendem o lúdico, contudo não
lectual (PIAGET, 1978 apud ROBLES, 2009), vivenciam atividades lúdicas, muito se fala,
portanto deveria ser privilegiada não somente mas pouco se faz para mudar, reforçando a
na educação infantil, mas estender-se para necessidade de romper com o tradicional e
o ensino fundamental. A autora cita algumas reconhecer que nossos educandos necessi-
brincadeiras como esconde- esconde, pe- tam ter uma postura ativa nas situações de
ga-pega, passa-anel, bingo, boliche, morto ensino, sendo sujeito de sua aprendizagem.
- vivo; queimada, pular corda, corre - cutia
Com a afirmação de vários especialistas
que favorecem habilidades e conhecimentos
no assunto é possível afirmar que é por meio
como cooperação, estabelecimento e cumpri-
do entretenimento que se inicia a descoberta
mento de regras, aprendizagem de se colocar
do mundo pela criança e esse divertimento
no lugar do outro etc.
libera criatividade, contudo com as inovações
É possível perceber que as brincadei- tecnológicas tão presentes no cotidiano das
ras são recursos que se utilizados de forma crianças as experiências lúdicas são menores
adequada e atenta para as especificidades de e têm cada vez mais pouco tempo e espa-
cada fase da criança se transformam em re- ço para brincar. As brincadeiras tradicionais
cursos valiosos na criação de atividades ade- como pião, amarelinha, chicotinho queimado,
quadas e potencializadoras de aprendizagens. cabra cega, pipa, entre outras, muitas vezes
O brincar proporciona à criança distanciar- se são esquecidas ou não é dado a elas seu
do objeto real, modificando e reinterpretando, devido valor como contribuição lúdica que
e dando novos significados, transformando, proporciona às crianças, principalmente na
inovando e reafirma que a capacidade de ima- educação infantil.
ginação da criança se constrói na brincadeira
Pensar numa ação educativa que con-
e envolve uma mistura de realidade e fanta-
sidere as relações entre a escola, o lazer e
sia onde o cotidiano toma outra aparência e
o processo educativo é pensar numa escola
adquire novos significados, portanto as con-
diferenciada onde os adultos intervêm, contu-
tribuições positivas das brincadeiras são inú-
do respeitam os direitos das crianças, é trilhar
meras e seu papel na educação de crianças
um caminho diferente onde o jogo, as brinca-
pequenas mostra se fundamental.
deiras e as atividades lúdicas são encaradas
O que traz ludicidade para a sala de como atividades educativas e propiciam uma
aula é a atitude do docente e dos discen- construção social por meio desses recursos
tes, pois assumir uma postura lúdica implica lúdicos
envolver-se, sensibilizar- se, não é somente
uma mudança cognitiva, mas principalmente,
afetiva.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 608


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nos últimos anos, a docência na edu- Os conhecimentos técnicos são impor-


cação infantil tem sido estudada tanto nos tantes, contudo ter um compromisso com a
momentos de formação dentro das escolas causa da infância também é requisito neces-
quanto na produção acadêmica. Muitos traba- sário para o profissional que almeja atuar nes-
lhos enfatizam a necessidade de delimitação sa área, pois a causa da infância deve ser en-
dos temas e pressupostos de educação infan- carada como um período peculiar na vida do
til a partir das necessidades dos educandos, ser humano, que vive num determinado con-
que possuem características e especificida- texto sócio-histórico complexo e contraditório,
des próprias nessa primeira etapa da infância. que vivencia mudanças em ritmo acelerado.
Assim, o primeiro ponto a ser defendi- A prática pedagógica deve incentivar
do é o significado da relação ensino-apren- o aprendizado do brincar desde muito cedo,
dizagem com bebês e crianças pequenas, pois para o autor os jogos e brincadeiras são
principalmente ao considerar o significado construções sociais que devem ser estrutura-
da função docente e como preparar profis- das pelos professores, que podem enriquecer
sionais qualificados que respondam mais essa experiência. Pois, os pequenos baseiam
adequadamente à diversidade de situações suas brincadeiras nos contextos sociais em
presentes. Segundo a LDB os docentes de- que vivem e interagem para criar seu próprio
vem incumbir-se de: “I- participar da elabora- universo alternativo, recheado de fantasias e
ção da proposta pedagógica do estabeleci- faz de conta, mas sabem que tudo o que está
mento de ensino; II- elaborar e cumprir plano acontecendo é brincadeira. Do ponto de vista
de trabalho, segundo a proposta pedagógica da educação formal, a brincadeira ainda en-
do estabelecimento de ensino; III- Zelar pela contra resistência para ser aceita como im-
aprendizagem dos alunos.” (Art. 13). portante recurso pedagógico e muitas vezes
são concebidas como o oposto do trabalho,
As tarefas citadas em nossa LDB tam-
tanto na escola como na família.
bém são aplicadas aos docentes que atuam
na educação infantil, atualmente novas pers- Durante a observação dos momentos
pectivas relacionadas ao ensinar/aprender de jogos e brincadeiras entre as crianças é
leva em consideração que há uma construção possível conhecê-los, partilhar de suas dificul-
de significados, afetos e conhecimentos pela dades e de seus avanços e perceber como
criança desde o seu nascimento e é mediada constroem e adquirem conhecimento, sendo
pelos adultos que a acompanham. Portanto, o um importante recurso na educação infantil.
profissional que atua nessa modalidade deve
Enfim, é fundamental que os professo-
ser um especialista no acompanhamento de
res possibilitem o brincar às crianças, res-
processos que envolvem crianças pequenas
peitem os direitos da infância e contemplem
em um espaço coletivo e diferente do ambien-
em suas práticas educativas o espaço para
te familiar.
a brincadeira. Desse modo, o tempo de ser
criança, o direito de viver a infância em toda a
sua plenitude, com todo sabor e gosto é con-
templado no espaço da instituição de educa-
ção infantil, construindo assim, sujeitos felizes
e brincantes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 609


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa foi possível refletir sobre as possibilidades de brincadeiras e jogos
no contexto educacional da educação infantil, perceber as distintas concepções de infância
através do tempo, a importante contribuição de teóricos e pesquisadores nas mudanças edu-
cacionais ocorridas no âmbito escolar.
Foi possível também analisar o importante papel dos professores junto aos alunos,
perceber as intervenções positivas que profissionais pesquisadores podem realizar com um
trabalho voltado à ludicidade e às brincadeiras. Contudo, ainda mostram-se necessários
profissionais comprometidos com a formação contínua, que conheçam as características e
peculiaridades da criança na fase de educação infantil para possibilitar aprendizagens que
tenham significado.
Não se podem negar as contribuições das brincadeiras no desenvolvimento motor,
cognitivo, social, afetivo e cultural das crianças, além
disso, favorece as interações e o conviver com o outro, consigo e com o mundo, e são
nessas vivências que se percebe no mundo e inserido em um grupo social, portanto essa
interação proporcionada pelas brincadeiras contribui para que o foco da educação seja cen-
trado no ser humano.
A responsabilidade do educador ao assumir um compromisso com as especificidades
do universo infantil possibilita aprendizagens e é um compromisso profissional que contribui
para a formação de um ser humano capaz de expressar desejos, pensamentos e opiniões e
participar ativamente de sua construção histórica e cultural.
Durante as pesquisas e ao estabelecer contato com os teóricos foi possível ampliar a
visão de educação infantil, brincadeiras, conhecimento produzido pela humanidade, enfim
pode-se dizer que a pesquisa contribuiu de forma significativa para entender e buscar apri-
moramento profissional, acadêmico e, principalmente, pessoal, já que causou uma mudança
de paradigmas e concepções pré-estabelecidas características do senso comum.
A concepção do brincar é inerente ao universo infantil, portanto as atividades lúdicas,
assim como o valor pedagógico dos jogos e brincadeiras são indispensáveis para desenvol-
vimento pleno da criança, que quanto mais brinca, mais exercita seu corpo e sua mente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 610


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, A. Ludicidade como instrumento pedagógico. Disponível em: http://www.cdof.com.br.

AGUIAR, J.S. Jogos para o ensino de conceitos. Campinas: Papirus, 1998, p.33-40.

ARIÉS, Philippe. História social da criança e da família. 2.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1978.

BRASIL, Ministério da Educação. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil/volumes 1, 2, 3. Brasília:
MEC/SEF, 1998.

______.Lei nº 9394/96. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília: MEC., 1996.

______. Ensino Fundamental de Nove anos: Orientações para a inclusão da criança de seis anos de idade. Bra-
sília, 2007.

______. Ministério da Educação. Conselho Nacional de Educação. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial
na Educação Básica. Parecer CNE/CEB nº. 017/2001.

PIAGET, Jean. O julgamento moral na criança. São Paulo, Mestre Jou, 1977.

______. A psicologia da criança. Ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998.

VYGOTSKY. Lev. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1987.

WAJSKOP, Gisela. Brincar na pré-escola. 7. ed. São Paulo: Cortez, 2007.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 611


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Licenciada em Pedagogia pelas Faculdades


Campos Salles (2018), Licenciada em Ciências
pela Universidade de São Paulo (2015), Bacharel
em Direito pelo Centro Universitário FIEO (1999);
Professora de Educação Infantil e Fundamental,
no CEU EMEF Vila Atlântica.

RENATA
ARANTES DUARTE

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 612
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO


INFANTIL

RESUMO: A Educação Infantil compreende a primeira etapa da Educação Básica, tendo a


responsabilidade de iniciar as discussões e encontrar subsídios que promovam mudanças de
comportamento em relação ao meio ambiente, desde sua forma mais simples, evitando desperdício,
como as mais complexas, reconhecendo os efeitos causados pela poluição, desmatamento,
acúmulo de lixo e outras formas de degradação. Nesse sentido, o objetivo deste trabalho consiste
em analisar qual a contribuição da Educação Ambiental no ensino da Educação Infantil, tendo em
vista a necessidade de iniciar nos primeiros anos de escolaridade hábitos que possam diminuir
os impactos ambientais ocorridos pelo uso inadequado dos recursos naturais. A metodologia
empregada foi a Revisão Bibliográfica, buscando levantar material já publicado referente ao
assunto. Os resultados mostram que as mudanças e os efeitos que se almejam para a sociedade
precisam, primeiramente, acontecer na formação da criança, a fim de educá-la para a vida
coletiva e para o bem comum. As práticas educativas precisam ser aprimoradas a fim de que
mudanças de comportamento no relacionamento entre homem e meio possam ser efetivadas.
Para isso, é preciso que a escola desenvolva práticas que levem à formação de um espírito crítico,
reflexivo e participativo com relação ao seu meio. Contudo, é fundamental que os professores
tenham competências e habilidades para trabalhar as complexas relações do ambiente. É preciso
acreditar que o investimento na formação de indivíduos mais conscientes e críticos em relação à
degradação ambiental é que poderá assegurar a sobrevivência do Planeta.

Palavras-chave: Educação Infantil; Sustentabilidade; Educação Ambiental.


31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 613
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

N
a atualidade, o que se percebe é a ocorrência de uma mudança no modelo de
vida do ser humano no decorrer da história e, consequentemente, de sua ação
no meio natural. Hoje, por meio dos veículos de comunicação, ouve-se falar sobre
vários fatores como o desmatamento, a perda da biodiversidade, a redução da camada de
ozônio, o efeito estufa, o aquecimento global, a crise da água potável, a produção de grande
quantidade de lixo, todos causados pela influência do homem na natureza.
Conforme Gonçalves (2008), antigamente, as relações do homem com a natureza eram
intervêm de mitos, rituais e magia, pois tratava-se de relações divinas. Para cada fenômeno
natural havia um deus, algo responsável e organizador da vida no planeta: o deus do sol,
do mar, da terra, dos ventos, das chuvas, dos rios, das pedras, das plantações, dos trovões,
dentre outros.
O medo de ser castigado pelos deuses era o que controlava a atitude dessas pessoas,
garantindo, assim, que ninguém cometesse alguma ação desastrosa, ou, sem uma explica-
ção plausível ante a destruição natural. Por exemplo, até mesmo para se cortar uma árvore
havia a necessidade de uma justificativa que garantisse no mínimo a sobrevivência – como
a construção de uma casa ou de um barco. Ainda assim, eram utilizados rituais para “pedir
desculpa” pela crueldade que estavam cometendo contra a natureza.
Entretanto, com a evolução, o homem cheio de absolutismo começou a destruir a na-
tureza, que perdeu seu lugar pelo desejo desenfreado por dinheiro e poder. De acordo com
Gonçalves (2008), o nível de intervenção do homem na natureza é tão grande que se torna
quase impossível encontrar natureza ou ecossistemas puros. “[...] Existem vestígios da ação
humana por toda parte, muitas vezes criando belas paisagens que parecem naturais; e tam-
bém locais feios, desarmônicos, como as imensas monoculturas” (GONÇALVES, 2008, p. 39).
O desmatamento descontrolado, a enorme produção de lixo (grande parte não reci-
clável), as mudanças climáticas, dentre outros fatores, têm sido causa de preocupação para
muitos países. A gravidade da crise ambiental, que ameaça a vida humana em razão dos
problemas ambientais em escala planetária (efeito estufa, destruição da camada de ozônio,
etc.), resultou em mobilizações internacionais para buscar soluções (GUIMARÃES, 2007).
Nesse contexto, vê-se a necessidade de se implantar no ensino escolar a Educação
Ambiental (EA), que tem seu conceito com base segundo o artigo 1º da lei 9795 da Política
Nacional de Educação Ambiental (BRASIL, 1999).
A Educação Ambiental veio para promover meios para reforçar os valores sociais, as
competências e habilidades que permitam ao homem manter uma vida satisfatória e ao mesmo
tempo conservar o meio ambiente. A EA tem fundamental importância na conscientização e
não deve ser vista somente em alguns, mas em todos os níveis da educação, contemplando,
dessa forma, o progresso contínuo do bem estar da humanidade (CANDIANI et al, 2019).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 614


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Sendo assim, o objeto de discussão aqui é a importância da EA no ensino das crianças,


salientando suas contribuições na formação infantil. Dessa forma, sendo a Educação Infantil
a primeira etapa da Educação Básica, possui a responsabilidade de iniciar com as crianças
em fase de alfabetização as discussões e encontrar subsídios que promovam mudanças
de comportamento em relação ao meio ambiente, desde sua forma mais simples, evitando
desperdício, como as mais complexas, reconhecimento dos efeitos causados pela poluição,
desmatamento, acúmulo de lixo e outras formas de degradação (ANDRADE, 2008).
Embora se reconheça que a educação se inicia no “berço”, equivocadamente a Educa-
ção Ambiental continua sendo trabalhada com pouca ênfase no Ensino Infantil, haja vista que
o ser humano, desde seu nascimento e, sobretudo, nos primeiros anos de vida, já degrada
o meio ambiente, com o uso de material descartável (fraldas, cotonetes, mamadeiras, lenços
umedecidos, etc.), dessa forma, nada mais natural que também aprenda a evitar desperdícios
e tenha atitudes ecologicamente corretas (não jogar lixo no chão, por exemplo).
Sabe-se, no entanto, que a educação envolve aspectos culturais, sociais, econômicos,
políticos e históricos, por isso muitas vezes não basta mudanças de atitudes individuais, elas
precisam ser coletivas e por essa razão a responsabilidade da Educação Infantil se torna
fundamental, pois, dentre seus objetivos básicos estão o desenvolvimento de valores que
certamente influirão no ser humano de amanhã.
A Educação Escolar, segundo Scardua (2010), seja em que modalidade se apresenta,
precisa trabalhar em consonância com as expectativas sociais, não podendo por essa razão
delegar responsabilidades a outras etapas de desenvolvimento que certamente a criança
passará, no entanto, é comum entre os educadores, ao planejar suas atividades pedagógicas,
evitar abordar determinados temas sob a alegação de que a criança terá oportunidade de
“aprender” quando estiver nesse ou naquele grau de sua vida escolar.
A Educação Infantil constitui um momento único da vida da criança, não podendo, por
essa razão, deixar de aproveitar essa fase de “descobertas”, “curiosidades”, “motivação” e
“disposição” para aprender, que a maioria delas manifesta ao ingressar no sistema educativo,
sendo esse também o momento de despertar seu interesse pelas questões ambientais, já que
consiste em uma curiosidade nata no ser humano o entendimento da realidade que o cerca,
dos fenômenos naturais, possuindo de certa forma, “medo do desconhecido”, existindo ainda
entre a maioria das crianças crenças sobrenaturais sobre esses fenômenos.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 615


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PENSAMENTO SUSTENTÁVEL A competição e a predação na espécie


humana acontece por meio da exploração de-
O ser humano faz parte do ambiente, sordenada dos recursos naturais, em benefí-
do planeta Terra, por isso precisa divulgar e cio do desenvolvimento tecnológico e social.
informar que o destino da natureza está dire- Segundo Begon et al (2007), o uso excessivo
tamente ligado ao seu destino, e vice versa. dos recursos naturais amplia as consequên-
É a partir daí que nasce uma consciên- cias nocivas para a humanidade, que desde
cia de responsabilidade, uma ética do cuida- sempre conferiu às demais espécies do pla-
do para que todos os elementos que estão neta o valor que lhe era mais conveniente:
“doentes”, em perigo de extinção e a degra- É comum encontrar na História da hu-
dação do homem perante a esse consumis- manidade casos de ambições, satisfações e
mo desenfreado, tenham a possibilidade de frustrações humanas:
se revitalizar e o que ainda está sadio possa
Como pode haver um relato da ‘história’
evoluir em conjunto com os indivíduos, pro- de outras espécies quando devemos su-
porcionando um caminho para o desenvolvi- por que suas ações careciam de qualquer
mento sustentável. outra intenção além de procriar e sobrevi-
ver? Seria mais cômodo afirmar que ou-
Para Bacha et al (2010), o sucesso no tras espécies neste planeta sombrio não
Planejamento e Desenvolvimento Sustentável podem exercer qualquer função no teatro
deve ser apoiado aos conceitos da moral e da história da humanidade além de ce-
dos bons costumes, aquilo que é necessário. nário, mesmo quando a peça é sobre a
Saber que o produto final de um trabalho deve extinção do cenário (DEAN, 1996, p. 21).
ser inferior à matéria prima disponível. Na opinião de Albuquerque (2007), o
Lembrar que crescimento econômico é elo predatório entre ser humano e ambien-
oposto ao conceito de desenvolvimento eco- te natural cresceu com a revolução industrial
nômico sustentável, já que não pode haver gerando efeitos colaterais como o aumento
desenvolvimento sem sustentabilidade. Pode de desastres ambientais. Com a ameaça da
haver sim crescimento, como é visto na atua- escassez de recursos naturais fundamentais
lidade: um crescimento desordenado e desi- à sobrevivência, na década de 1920, o ser
gual. Por isso, é preciso priorizar a educação humano desenvolveu alternativas, como a
e criar perspectivas para abranger o maior instituição de áreas intocáveis chamadas de
número de pessoas possíveis. áreas de preservação.

A educação possibilita o esclarecimen- Anos mais tarde foi proposta uma refor-
to e a transformação de um indivíduo e isso mulação na Lei que regulamenta essas áreas,
pode garantir a sustentabilidade. Conforme com o intuito de que pudessem ser condu-
Miller Jr. e Spoolman (2012, p. 34) "O ambien- zidas de modo sustentável – agora denomi-
te natural consiste no conjunto de organismos nadas áreas de conservação – para garantir
bióticos e abióticos que interagem entre si em a sobrevivência das futuras gerações. Nesse
uma enorme teia alimentar, em busca de es- sentido, segundo Miller Jr. e Spoolman (2012,
tabilidade e garantia reprodutiva das espécies p. 25):
existentes”.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 616


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Sustentabilidade é a capacidade dos sis- que obrigue o professor de educação infantil


temas naturais da Terra e dos sistemas a trabalhar o tema ambiental. A ausência des-
culturais humanos de sobreviver, prospe-
sa diretriz num momento tão crítico entre o ser
rar e se adaptar às mudanças nas condi-
ções ambientais no longo prazo, conceito humano e a natureza abre precedentes para
que também se refere a indivíduos preo- não se mencionar esse tema na educação
cupados em transmitir um mundo melhor básica (ALBUQUERQUE, 2007).
para as gerações futuras (MILLER; SPO-
OLMAN, 2012, p. 25). Conforme Shünemann e Rosa (2010, p.
123), ao considerar a escola como um “[...]
A noção de sustentabilidade como um espaço onde a criança inicia o seu processo
modo de exploração do ambiente natural deu de interação com a sociedade”, a exclusão
margem a um debate acerca da metodologia dos temas ambientais na educação infantil
apropriada para efetivar essa relação, chama- torna-se um problema para a formação de um
da de Educação Ambiental. Essa metodologia indivíduo ambientalmente crítico, em virtude
tem como propósito unir fatores sociais, po- de esta etapa escolar ser o momento em que
líticos, culturais, ecológicos, educacionais e a criança “[...] aprende conceitos e valores
éticos, de modo a garantir um ambiente justo que se leva para toda a vida”.
a todos os indivíduos. No entanto, uma forma
de ampliar a cobrança ao governo, em prol Os princípios que regem as práticas da
do ambiente, foram criadas as ONGS (Orga- educação ambiental são apresentados por di-
nizações Não Governamentais) (BACHA et al, versos autores, porém a variação de suas sig-
2010). nificações é mínima já que todos contemplam
o mesmo objetivo, o de incutir nos educandos
Conforme Layrargues (2004), uma pro- as ideias pertinentes ao desenvolvimento ob-
posta para viabilizar a conscientização a res- jetivando a sustentabilidade.
peito da sustentabilidade foi a inserção de
temas ambientais na educação formal pos- Candiani et al (2019), por sua vez, afir-
sibilitando, sobretudo, às classes economi- mam que a educação ambiental objetiva pro-
camente menos favorecidas, condições reais porcionar aos indivíduos a compreensão da
para a melhoria da qualidade de vida. Assim natureza complexa do meio ambiente, ou seja,
sendo, a educação ambiental nas escolas foi levá-los à percepção das interações entre os
apresentada como um processo contínuo de aspectos físicos, socioculturais e político-eco-
conscientização social, que precisa começar nômicos que compõem a relação homem e
já na educação infantil, “[...] a fim de garantir meio ambiente. Para os autores, a educação
um meio ambiente sadio para todos os seres ambiental busca ainda fornecer maneiras de
humanos” (LAYRARGUES, 2004, p. 37). Des- interpretar a interdependência desses diver-
sa forma, o diálogo entre a escola e a socie- sos elementos no espaço, levando a uma uti-
dade na educação infantil é primordial para lização mais prudente dos recursos naturais.
a introdução de valores éticos e ambientais à Pela prática da educação ambiental,
criança (SCHÜNEMANN; ROSA, 2019). pretende-se transformar a concepção da na-
Porém, na prática, embora o Referencial tureza como elemento exterior ao homem fa-
Curricular Nacional de Educação Infantil (RC- zendo que o mesmo se torne responsável,
NEI) (BRASIL, 1998) proponha que os edu- comprometido com valores éticos e de soli-
cadores conheçam as questões socioambien- dariedade entre os seres vivos e exercite ple-
tais que orientam a região em que trabalham, namente a cidadania.
não há no documento uma diretriz curricular

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 617


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O processo de sensibilização na comu- fatores resultantes da integração dos acima


nidade escolar pode promover iniciativas que citados e ainda outros, podem servir como
ultrapassem o ambiente escolar, atingindo obstáculos à implementação da Educação
não só o bairro no qual a escola está inserida, Ambiental. Dado que a Educação Ambiental
como também comunidades mais distantes, não se dá por atividades pontuais, mas por
nas quais residem alunos, professores e fun- toda uma mudança de paradigmas que exi-
cionários. Portanto, estes podem ser conside- ge uma contínua reflexão e apropriação dos
rados potenciais disseminadores e difusores valores que remetem a ela, as dificuldades
dos conhecimentos ambientais adquiridos no enfrentadas assumem características ainda
espaço escolar. Dias (2004), considera que o mais contundentes (ANDRADE, 2008).
estreitamento das relações intra e extraesco-
Assim, se faz importante que os alu-
lar é bastante útil na conservação do ambien-
nos tenham contato com diferentes elemen-
te, sobretudo, o ambiente da escola:
tos, fenômenos e acontecimentos do mundo,
Os trabalhos relacionados à Educação sejam instigados por questões significativas
Ambiental na escola devem ter, como ob- para poder observá-los e tenham acesso a
jetivos, a sensibilização e a conscientiza-
modos variados de compreendê-los e repre-
ção; buscar uma mudança comportamen-
tal; formar um cidadão mais atuante; [...] sentá-los. Quanto menores forem as crianças,
sensibilizar o professor, principal agente mais suas representações e noções sobre o
promotor da Educação Ambiental ; [...] mundo estão associadas diretamente aos ob-
criar condições para que, no ensino for- jetos concretos da realidade conhecida, sen-
mal, a Educação Ambiental seja um pro- tida, observada e vivenciada.
cesso contínuo e permanente, através de
ações interdisciplinares globalizantes e da Segundo Scardua (2010), o crescente
instrumentação dos professores; procurar domínio e uso da linguagem, assim como a
a integração entre escola e comunidade,
capacidade de interação, possibilitam, toda-
objetivando a proteção ambiental em har-
monia com o desenvolvimento sustentável via que seu contato com o mundo se amplie,
[...], (DIAS, 2004, p. 48). sendo cada vez mais mediado por represen-
tações e por significados construídos cultu-
Implementar processos de Educação ralmente.
Ambiental nas escolas tem sido considerado
uma tarefa exaustiva, uma vez que existem EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA EDUCAÇÃO
grandes dificuldades nas atividades de sen- INFANTIL
sibilização e formação, na implantação das O homem, por meio de suas ações so-
atividades e projetos. Como forma de pro- bre a natureza, ocasiona inúmeras consequ-
curar atender a essas reais necessidades, a ências para toda a humanidade e isso faz
constituição brasileira de 1988 traz no capí- com que os seres humanos pensem numa
tulo referente ao meio ambiente a inclusão maneira correta de enfrentar esses proble-
da educação ambiental em todos os níveis mas. Com isso, faz-se necessário o desenvol-
de ensino. vimento de uma sociedade mais consciente,
Fatores como o tamanho da escola, nú- em que por meio de discussões sobre ques-
mero de alunos e de professores, predisposi- tões ambientais, busque soluções para a cri-
ção dos professores em passar por um pro- se sócio-ambiental, decorrente do modelo de
cesso de treinamento, vontade da diretoria de desenvolvimento econômico consumista, que
realmente implementar um projeto ambiental se caracteriza por ser um forte agressor à
que vá alterar a rotina na escola, etc., além de natureza.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 618


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Portanto, para o desenvolvimento des- Olhar a criança como ser que já nasce
sa sociedade mais consciente em relação ao pronto, ou que nasce vazio e carente dos
elementos entendidos como necessários
meio ambiente é necessária a preparação dos
à vida adulta ou, ainda, a criança como
indivíduos desde seus primeiros anos de vida, sujeito conhecedor, cujo desenvolvimen-
pois, sabe-se que o conhecimento educativo to se dá por sua própria iniciativa e ca-
contribui para a construção da sociedade e pacidade de ação, foram, durante muito
de um trabalho realizado desde a Educação tempo, concepções amplamente aceitas
Infantil, auxiliando na preservação do meio na Educação Infantil até o surgimento das
bases epistemológicas que fundamen-
ambiente.
tam, atualmente, uma pedagogia para a
“A criança é um sujeito social e histórico infância. Os novos paradigmas engloba
que está inserido em uma sociedade na qual e transcende a história, a antropologia,
a sociologia e a própria psicologia resul-
partilha de uma determinada cultura. É profun- tando em uma perspectiva que define a
damente marcada pelo meio social em que se criança como ser competente para intera-
desenvolve, mas também contribui com ele” gir e produzir cultura no meio em que se
(BRASIL, 2008, p. 12). encontra (BRASIL, 1998, p. 13).

A educação é de fundamental impor- A escola é um dos locais mais privile-


tância para a sociedade, uma vez que pos- giados para a realização de um trabalho cons-
sibilita a construção da organização social, cientizador em relação ao meio ambiente.
dando aos educandos o acesso a saberes Para tanto, a Educação Ambiental surge para
sistematizados, levando-os a construírem no- orientar a comunidade e incentivar o indivíduo
vos caminhos para uma sociedade mais justa, a participar ativamente da resolução dos pro-
reconhecendo e propiciando possibilidades blemas, tornando-os cidadãos conscientes de
aos bens culturais. seus direitos e deveres.
A Educação Infantil tem um papel funda- Enfim, pode-se dizer que os valores e
mental na formação do indivíduo, desenvolve princípios da Educação Ambiental na forma-
os aspectos físico, cognitivo, afetivo e social ção da criança são de suma importância para
dos seres humanos, refletindo uma melhora a implementação de uma nova mentalidade e
significativa no aprendizado da criança: de um novo paradigma de desenvolvimento
A Educação Infantil, primeira etapa da
social, político e econômico, baseada na pre-
Educação Básica, tem como finalidade o servação do meio ambiente e na promoção
desenvolvimento integral da criança até de uma vida sadia para todos os seres.
seis anos de idade, em seus aspectos
físico, psicológico, intelectual e social,
complementando a ação da família e
da comunidade (BRASIL, 1996 – LDB
9394/96).

Sabe-se que é de fundamental impor-


tância a formação do indivíduo desde a in-
fância, visto que reflete numa melhora signifi-
cativa no aprendizado da criança e por isso,
deve-se iniciar o trabalho de conscientização
sobre a importância do meio ambiente desde
a primeira etapa da vida escolar:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 619


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PRINCIPAIS ASPECTOS DA FORMAÇÃO Sendo assim, a EA tornou-se parte in-


INFANTIL tegrante no ensino, ganhando dessa forma,
espaço fundamental nos PCNs de Temas
Os fortes impactos causados ao meio Transversais. Carvalho (2008) comenta que
ambiente, como o desmatamento demasia- a preocupação ambiental e, especialmente,
do, no qual muitos produtores destroem áreas as práticas de EA vêm se desenvolvendo
tendo no mínimo o tamanho de um campo como um bem na atualidade. Um sentido va-
de futebol em busca de recursos naturais, ou lorizado pela sociedade, que se oferece como
até mesmo para a criação de pastos, geram ideal para processos de formação identitária,
perdas absurdas no meio ambiente. As con- ao qual crenças, valores, atitudes e práticas
sequências na natureza são descomunais, ecologicamente orientadas se convertem num
sobretudo, nos grandes centros urbanos são valor ao mesmo tempo social e pessoal.
visíveis os danos causados pela poluição,
pela grande produção de lixos inorgânicos e Assim como o ensino básico, a EA
também esgotos domésticos. também deve começar a ser ministrada des-
de cedo à criança, pois, nessa fase da vida,
Machado (2002) explica que a educa- elas aprendem e colocam em prática o que
ção tende a se transformar, mais do que nun- lhes forem ensinadas com maior facilidade.
ca, no elemento vital da dinâmica social, tanto O processo de formação intelectual da crian-
em consequência dos tecidos que compõem ça acontece muito antes do seu ingresso em
e integram a complexa teia de inter-relações uma instituição de ensino. Em seus diversos
indivíduos/sociedades, quanto como fonte de contextos (família, igreja, comunidade), ela
energias necessárias para as transformações obtém alguma noção sobre a língua falada
a serem implementadas. e escrita, ou qualquer outro conceito que a
Portanto, tendo em vista a necessidade rodeia. Entretanto, um dos principais lugares
da probidade humanística, os países coloca- para começar a conscientizar a criança é a
ram suas divergências de lado sendo obriga- escola.
dos a se posicionarem em relação à questão EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA
ambiental colocando seus interesses à parte, CRIANÇAS: METODOLOGIAS
em defesa de um bem maior para humanida-
de, impondo regras ao crescimento e explo- Segundo Martins (2009), o educador
ração dos recursos naturais. Surge, então, a infantil deve se preocupar não apenas com o
Educação Ambiental como meio de conscien- aspecto físico da criança, mas também com
tizar as pessoas a conservarem o ambiente seus interesses relacionados ao mundo social
e também como forma de reeducar antigos e cultural, objetivando sempre compreender
hábitos da sociedade. os sentimentos do educando. Para que o alu-
no aprenda é necessário que o professor uti-
Guimarães (2007) afirma que foi a crise lize de metodologias que contribuam na sua
na relação entre sociedade e natureza que absorção do conteúdo de forma satisfatória.
potencializou a emergência da educação am- Ele também deve ter extrema preocupação
biental, e que, a estrutura e o funcionamento em relação à organização dos espaços e re-
tanto da natureza como da sociedade - em cursos utilizados visando sempre a interação
interação mútua – são objetos por excelência das crianças, por meio do brincar, levando-a
da educação ambiental. a se sentir parte do ambiente escolar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 620


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A criança precisa ter contato com diver- O professor pode levar seus alunos ao
sas partes em seu processo de ensino-apren- zoológico, por exemplo, e mostrá-los o am-
dizagem. Quanto mais materiais como livros biente, os animais selvagens e domésticos
ilustrados, revistas, TV e DVD que podem ser que estão naquele lugar e explanar o porquê
utilizados para facilitar a assimilação sobre deles estarem lá. Pode-se explicar aos alunos
conceitos relacionados à EA, quanto maior o que o zoológico é um lugar que tem licença
contato com objetos e ambientes diversifica- do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos
dos, maior será a contribuição no processo Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), que
de aprendizagem da criança, levando-a a criar é o órgão responsável pelo meio ambiente
um vínculo positivo com o meio ambiente e, no Brasil, para criarem esses animais em ca-
se torne um adulto responsável. Além disso, tiveiro. Deve-se também salientar que os zo-
os Parâmetros Curriculares ressaltam que: ológicos têm como objetivos não somente a
É possível promover o desenvolvimento da
exposição pública dos animais, ou a diversão,
sensibilidade, chamando a atenção para pois, esses são os de menor relevância, mas
as inúmeras soluções simples e engenho- primordialmente a pesquisa, a preservação e
sas que as formas de vida encontram para a educação voltadas à proteção dos animais
sobreviver, inclusive para seus aspectos (SCARDUA, 2010).
estéticos, provocando um pouco o lado
da curiosidade que todos têm; observan- Explicar a importância do habitat de
do e valorizando as iniciativas dos alunos cada espécie, as adaptações que devem ser
de interagir de modo criativo e construtivo feitas para que o ambiente do Zoológico seja
com os elementos do meio ambiente. Isso
o mais parecido possível com esse habitat,
acontece quando, por exemplo, os alunos
descobrem sons nos objetos do ambien- os profissionais responsáveis pelo cuidado e
te, expressam sua emoção por meio da bem estar dos animais dentre outros fatores,
pintura, poesia, ou fabricam brinquedos são questões de suma relevância a serem
com sucata, observam e interferem no ressaltadas pelo professor:
caminho das formigas, descobrem mar-
cos de paisagem entre a casa e a escola, Para que os alunos possam compreender
ou ainda utilizam/inventam receitas para a complexidade e a amplitude das ques-
aproveitamento de sobras de alimentos tões ambientais, é essencial oferecer-lhes
(BRASIL, 1997, p. 190). a maior diversidade possível de experiên-
cias, e contato com diferentes realidades.
Com relação ao ensino da EA, poucas Assim, é relevante os educadores consi-
coisas são tão válidas na questão de meto- derarem a importância tanto de trabalhar
dologias quanto à importância de levar as com a realidade imediata dos educandos
como de valorizar e incentivar o interesse
crianças a executarem aquilo que elas apren-
pelo que a transcende, amplia e até mes-
dem na sala de aula. Associada aos materiais mo pode explicá-la, num contexto mais
didáticos deve sempre estar a prática, pois, amplo, como o mercado mundial (BRA-
as crianças nessa fase costumam absorver SIL, 1997, p. 190).
conceitos e aprender por intermédio do que
O educador deve incentivar o desenvol-
elas veem ou convivem.
vimento de hábitos saudáveis, éticos e res-
ponsáveis nas crianças quanto à preserva-
ção e a sustentabilidade do planeta. Ele pode
mostrar aos alunos o que eles podem fazer
com o lixo produzido em suas casas, como
podem reutilizar e reciclar esse lixo e contri-
buir na gestão ambiental.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 621
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Conforme Naime (2012), pode-se en- Algumas vezes, pode ser difícil para o
tender como gestão ambiental o conjunto de professor trabalhar a EA assim como qualquer
medidas que objetiva reduzir e controlar os outro tema transversal, pois, é necessário um
impactos causados por atividades humanas planejamento e o professor precisa relacioná-
sobre o meio ambiente, mediante medidas -los aos conteúdos do currículo oficial:
e procedimentos definidos e aplicados de
forma adequada, fazendo assim com que o Trabalhar os diversos assuntos definidos
como temas transversais requer planeja-
gerenciamento ambiental seja eficiente e o mento e contextualização das temáticas,
processo de administração ambiental possa ligando-as com os conteúdos oficiais do
assegurar melhoria de qualidade de vida das currículo, e propondo atividades práticas
populações. para que o educando possa estabelecer o
elo de ligação entre teoria e a prática. Mas,
Uma visita ao lixão e a companhia de para que esta metodologia de trabalho al-
água e esgoto da cidade é uma forma de cance êxito, é necessário investimentos
conscientizar as crianças acerca dos proble- do Estado, que visem a garantir os recur-
mas ambientais. O professor pode ensinar a sos didático pedagógicos essenciais para
importância da separação do lixo orgânico colocar em prática estas atividades, além
(lixo mais úmido como os restos de alimen- de garantir o investimento necessário para
tos) do lixo reciclável (como papel, plástico, a formação continuada dos educadores
vidro e alumínio), criar com os alunos em sala (FONSECA, 2009, p. 160).
de aula lixeiras seletivas na qual o lixo é se- Todavia, há diversas metodologias que
parado de acordo com sua natureza. Pode podem ser trabalhadas e utilizadas no proces-
também enfatizar a importância da coleta se- so de ensino, pois, diante da realidade dos
letiva que facilita na separação do lixo e no alunos, do conhecimento prévio dos mesmos
processo de reciclagem do mesmo, causan-
e de um bom planejamento, o educador po-
do sua redução no volume final.
derá trabalhar a EA de forma satisfatória.
Dias (2004) relata que a cada tonelada
EDUCAÇÃO AMBIENTAL PARA
de papel reciclado, 17 árvores são preserva-
CRIANÇAS: CONTRIBUIÇÕES PARA
das; 26 mil litros de água são economizados;
FORMAÇÃO CIDADÃ
27 kg de poluição do ar não são produzidos,
há redução do lixo. “[...] A reciclagem de uma O papel fundamental da educação no
garrafa de vidro economiza energia elétrica desenvolvimento das pessoas e das socie-
suficiente para manter acesa uma lâmpada dades se amplia ainda mais no despertar do
de 100 watts por quatro horas; uma lata de novo milênio e aponta para a necessidade de
alumínio, 60 watts por três horas” (p. 27).
se construir uma escola voltada para a forma-
As gorduras como óleo, banha e azeite ção de cidadãos. (BRASIL, 1998).
também são tipos de lixo produzidos pelos
homens que trazem enormes consequências Conforme Martins (2009), o objetivo
na poluição da natureza. O educador pode principal da EA no ensino infantil é formar
procurar empresas responsáveis em sua ci- cidadãos conscientes, que se preocupem
dade e levar os alunos para aprenderem que, em cuidar e preservar o meio ambiente. É
por meio da separação adequada e da reci- conduzir as crianças a entenderem que uma
clagem, o óleo de cozinha pode ser utilizado simples embalagem plástica de saquinho de
em diversas finalidades, dentre elas, na pro- pipoca pode demorar cerca de 100 anos ou
dução de produtos de limpeza como sabão e mais para se decompor e que toda a sua
detergente, glicerina e até mesmo biodiesel. vida passará e esse material ainda estará no
planeta, ou que ela nem sequer possa estar

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 622


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

aqui a cem anos, mas sua geração estará e Para Schünemann e Rosa (2019), o edu-
sofrerá as consequências. cador deve ajudar a criança a entender que o
desperdício de papel custa à vida de árvores,
É preciso levar a criança a entender que
que o gasto demasiado de água pode cus-
o conceito de sustentabilidade não é somente
tar caro ao planeta além de prejudicar outras
usufruir o que se tem de forma consciente
pessoas, que o consumo excessivo e o ato
sem prejudicar as futuras gerações, mas tam-
de jogar lixo nas ruas podem aumentar a po-
bém refrear o consumismo exagerado, usar
luição e diminuir a vida no planeta e é nessa
somente o necessário, pensar no melhor para
perspectiva de mudança do comportamento,
as pessoas e para o meio ambiente. É tirar
de conscientização e responsabilidade que
a sustentabilidade da teoria e levá-la para a
se fixa o objetivo principal da Educação Am-
prática (MARTINS, 2009).
biental, a mudança do interno para o externo.
Para Dias (2004), o desenvolvimento
E como resultado, na opinião de Micha-
econômico e o bem-estar do ser humano de-
el (2006), observa-se crianças que sabem
pendem dos recursos da terra. No desenvolvi-
que a água não vem simplesmente da tor-
mento sustentável é simplesmente impossível
neira, que sabem os nomes das plantas e
a continuação da degradação ambiental. Os
dos animais à sua volta, que entendem os
recursos naturais são suficientes para atender
desafios da vida sustentável na terra e con-
às necessidades de todos os seres vivos do
seguem instrumentos e usam a imaginação
planeta se forem utilizados de forma eficiente
para responder a esses desafios. E passa-se
e equilibrada: “[...] O desenvolvimento econô-
a ter esperança.
mico e o cuidado com o meio ambiente são
compatíveis, interdependentes e necessários.
A alta produtividade, a tecnologia moderna e
o desenvolvimento econômico podem e de-
vem coexistir com um meio ambiente saudá-
vel” (p. 41).
Quando a criança entende que não
pode manter animais silvestres presos, que
esses animais são retirados à força de seus
habitats e que alguns deles sequer resistem
às péssimas condições de transporte e mor-
rem no caminho, ela aprende que isso é um
crime, que traz gravíssimas consequências ao
meio ambiente e até mesmo recrimina quem
ela vê cometendo algo errado. Afirma Jacobi
(2003, p. 41) que “a relação entre meio am-
biente e educação para a cidadania assume
um papel cada vez mais desafiador, deman-
dando a emergência de novos saberes para
apreender processos sociais que se comple-
xificam e riscos ambientais que se intensifi-
cam”.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 623


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os primeiros anos de vida são de vital importância ao desenvolvimento físico, cognitivo,
afetivo e social dos seres humanos, sendo por isso a Educação infantil, uma etapa da esco-
larização que merece atenção por parte dos profissionais da educação.
Hoje, reconhece-se que é na creche ou pré-escola que os pequenos começarão a se
conhecer e a conhecer o outro, a se respeitar e a respeitar o outro, e a desenvolver suas
habilidades e construir conhecimento.
Em relação aos temas envolvendo a Educação Ambiental, durante um longo período, a
Educação Infantil se omitiu, acreditando os educadores que esses temas seriam aprendidos
nos últimos anos de escolarização, em disciplinas específicas: Geografia, Ciências e Biologia.
Assim como a própria sociedade, o tema não alcançará a conotação que se tem atualmente.
Contudo, pouco se fala sobre EA em salas de aula, mesmo este sendo o assunto do mo-
mento. A dificuldade para abordagem do tema tange desde a falta completa de conhecimento
do professor até ao desestímulo da escola para ações ambientais. Quando trabalhadas dentro
das escolas, na educação infantil, a educação ambiental se limita a eventos comemorativos
(dia da árvore; dia do meio ambiente).
Isso reduz a compreensão dos alunos sobre os conceitos e importância de comporta-
mento para uma vida com mais qualidade. Portanto, sugere-se interdisciplinarmente de manei-
ra contínua do tema, sendo o professor, em sala de aula, o principal exemplo a ser seguido
pelos alunos – ou seja, o educador precisa ter atitudes ecologicamente corretas para que as
crianças percebam a importância das mesmas.
Não se trata apenas de “mais um conteúdo” que se aprende na Escola, mas está pre-
sente no cotidiano, nos meios de comunicação de massa, nas instituições religiosas e, particu-
larmente, no meio político, em que as Conferências e Reuniões envolvendo os representantes
de todos os países se tornam mais frequentes em busca de soluções para os problemas
ambientais que a humanidade enfrenta desde o final do século XX.
O atual cenário de desrespeito ao ambiente natural acendeu o alerta das populações
humanas acerca dos efeitos nocivos da exploração desregulada à natureza. O desenvolvimen-
to de atividades predatórias do homem foi comum e indiscutível por muitos anos, por meio
do seu uso desordenado. Com o aumento das atividades exploratórias, sobretudo depois da
revolução industrial, e consequente escassez de alguns recursos naturais, o homem percebeu
que sua espécie prejudicava a si próprio com tais atitudes.
Em busca, então, da melhoria da qualidade de vida humana, deu início no século XIX
a uma série de conferências que têm por objetivo compreender o cenário ambiental e suas
consequentes necessidades para a espécie humana. A essa união de um pensamento eco-
nômico, social e ambiental, dá-se o nome de sustentabilidade.
A cada conferência foram propostas mudanças que os Estados deveriam realizar para
que os respectivos governos pudessem monitorar e controlar os recursos naturais. Dessas
conferências, destaca-se a de Estocolmo que propôs a educação ambiental como a melhor
metodologia para a obtenção da sustentabilidade.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 624


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A partir daí, diversos países passaram a discutir conceitos e aplicações de educação


ambiental que, por sua vez, permanecem sem uma definição clara e única até hoje. Dessa
maneira, cada lugar deve adaptar a EA às ações necessárias ao seu crescimento social e
econômico. Dentro do âmbito das conferências, o Brasil se destacou por discutir problemas
como desarmamento, discriminação racial e genocídio. A partir desse momento, a educação
ambiental foi reconhecida pelo governo brasileiro como uma necessidade para uma boa qua-
lidade de vida.
É preciso acreditar que o investimento na formação de indivíduos mais conscientes e
críticos em relação à degradação ambiental é que poderá assegurar a sobrevivência do Pla-
neta. As Leis ambientais são importantes, como também a sua fiscalização, mas como em
qualquer outro tipo de aprendizagem, a prevenção ainda é o melhor caminho e a Educação
ainda constitui uma das opções que pode oferecer resultados a curto, médio e longo prazo a
uma postura diferenciada em relação às questões que envolvem o Meio Ambiente, a qualidade
de vida e a garantia de sobrevivência das espécies.
As práticas educativas precisam ser aprimoradas a fim de que mudanças de compor-
tamento no relacionamento entre homem e meio possam ser efetivadas. Para isso, é preciso
que a escola desenvolva práticas educativas que levem à formação de um espírito crítico,
reflexivo e participativo com relação ao seu meio. Contudo, é fundamental que os professores
tenham competências e habilidades didáticas e pedagógicas para trabalhar as complexas
relações do ambiente. Ou seja, é fundamental que haja investimentos na formação contínua
dos professores, na perspectiva que os mesmos criem uma cultura de pesquisa e melhoria
de sua prática docente.
Conhecer tanto o desenvolvimento físico, como o cognitivo e o social da criança auxi-
lia o educador na compreensão dos aspectos da formação humana. Dessa forma, caberá
ao professor como trabalhar em relação a cada aspecto. As metodologias que podem ser
utilizadas no ensino da EA são basicamente simples de serem realizadas, uma vez que, o
docente deverá se preocupar não somente com a teoria, mas também com a prática, ao qual
se concentra o momento maior de assimilação e aprendizagem do aluno.
É, sobretudo, por meio da prática que as crianças assimilam os conceitos relacionados
à EA de maneira ampla, cabendo ao professor elaborar meios que facilitem essa assimilação.
Por meio de metodologias adequadas, o educador poderá obter excelentes resultados, visto
que, na amplitude da EA há diversas possibilidades e estimulando os alunos a repensarem
suas atitudes, de modo social, eles terão uma base de compreensão adequada sobre o meio
ambiente de forma global e também local.
Diante disso, considera-se que esta pesquisa obteve bons resultados, pois, todos os
objetivos, hipóteses e questionamentos abordados foram respondidos de maneira aceitável.
Sendo concluído que, a educação ambiental traz enormes contribuições na formação infantil
especialmente na preocupação e conscientização das crianças em relação
ao meio ambiente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 625


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALBUQUERQUE, B. P. As relações entre o homem e a natureza e a crise socioambiental. Monografia de conclusão
de curso. Fundação Oswaldo Cruz (FIOCRUZ). Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2007.

ANDRADE, A. C. de. Educação ambiental no ensino superior: disciplinaridade em discussão. Monografia de pós-
-graduação lato sensu. Universidade Estácio de Sá. Rio de Janeiro: UES, 2008.

BACHA, M. L. et al. Considerações teóricas sobre o conceito de sustentabilidade. In: VII SIMPÓSIO DE EXCELÊN-
CIA EM GESTÃO E TECNOLOGIA, Resende. Anais de Simpósio. Resende: AEDB, 2010.

BEGON, M. et al. Ecologia: de indivíduos a ecossistemas. 4ª ed. Porto Alegre: Artmed, 2007.

BRASIL. Ministério da Educação. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394/96. Brasília: MEC, 1996.

______. Lei nº 9795, de 27 de Abril de 1999. Dispõe sobre a Educação Ambiental, institui a Política Nacional de
Educação Ambiental e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, 1999.

______. Parâmetros Curriculares Nacionais. Meio ambiente/saúde. Vol. 9. Secretaria de Educação Fundamental.
Brasília: MEC, 1997.

______. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil. v. 3. Brasília: Ministério da Educação e do Des-
porto, 1998.

CANDIANI, G. et al. Educação ambiental: Percepção e práticas sobre meio ambiente de estudantes do ensino
fundamental e médio. Revista Eletrônica do Mestrado de Educação Ambiental. Rio Grande do Sul, v. 12, p. 75-88,
jan./jun. 2004. Disponível em: <http://www.remea.furg.br/>.

CARVALHO, I. C. M. A educação ambiental no Brasil. In: BRASIL (Org.). Educação ambiental no Brasil. Brasília:
Ministério da Educação, 2008.

DEAN, W. A ferro e fogo: a história e a devastação da mata atlântica brasileira. São Paulo: Cia das letras, 1996.

DIAS, G. F. Educação Ambiental: princípios e práticas. 9ª ed. São Paulo: Gaia, 2004.

FONSECA, V. M. A Educação Ambiental na escola pública: entrelaçando saberes, unificando conteúdos. São
Paulo: Biblioteca 24 horas, 2009.

GONÇALVES, J. C. Homem-Natureza: uma relação conflitante ao longo da história. Saber Acadêmico, nº 06, p.
171-177, dez/2008.

GUIMARÃES, M. Educação Ambiental: No consenso um embate? 5.ed. Campinas-SP: Papirus, 2007.

JACOBI, P. Educação Ambiental, cidadania e sustentabilidade. Cadernos de pesquisa, nº 118, p. 189-205, mar-
ço/2003.

LAYRARGUES, FP. P. (Re)Conhecendo a educação ambiental brasileira. In: LAYRARGUES (Coord.). Identidades
da educação ambiental brasileira. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2004.

MACHADO, N. J. Cidadania e Educação. 4ª ed. São Paulo: Escrituras, 2002.

MARTINS, N. A educação ambiental na educação infantil. Monografia de Graduação. Universidade Federal de São
Carlos. São Carlos, SP: UFSCar, 2009.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 626


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

MILLER JR, G. T. & SPOOLMAN, S. E. Ecologia e sustentabilidade. São Paulo: Cengage Learning, 2012.

MICHAEL, P. Ajudando as crianças a se apaixonarem pelo planeta terra: Educação Ambiental e artística. In: STO-
NE, M. K.; BARLOW, Z. Alfabetização ecológica: a educação das crianças para um mundo sustentável. São Paulo:
Cultrix, 2006.

NAIME, R. H.; ROSADO, F. Preservação ambiental e o caso especial do manejo de resíduos de laboratório: con-
ceitos gerais e aplicados. Novo Hamburgo: Universidade Feevale, 2012.

SCARDUA, V. M. Educação infantil, educação ambiental e educação em valores: uma proposta de desenvolvimento
moral da criança em relação às questões ambientais. Revista FACEVV, Vila Velha, n. 4, p. 136-148, 2010.

SCHÜNEMANN, D. R.; ROSA, M. B. Conscientização ambiental na educação infantil. Revista monografias ambien-
tais, Santa Maria, v. 1, 2010. Disponível em: <http://cascavel.ufsm.br/revistas/ojs-2.2.2/index.php/remoa/article/
view/2295>.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 627


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Faculdade Pontifícia


Universidade Católica, (PUC) 28/07/2008,
Especialista em Educação Infantil, pela Faculdade
(PUC, 2008); Professor de Educação Básica - CEI
Jardim Souza.

SILVANA TEREZINHA
FERREIRA AMADOR

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 628
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PAPEL DO PROFESSOR NAS RELAÇÕES ÉTNICO RACIAIS


NA ESCOLA

RESUMO: Este trabalho busca discutir as relações étnico-raciais nos primeiros anos do Ensino
Fundamental I. Ressalta a necessidade de reformulação de subsídios teóricos e metodológicos
que auxilie uma prática pedagógica crítica e que contemple as diversas culturas, atendendo os
pressupostos da lei 10.639/03 relativas a este tema. Evidencia a importância da vivência escolar na
construção da identidade da criança negra e na busca da superação de situações de preconceitos,
discriminações e intolerâncias. A escola precisa ter um projeto de intervenção pedagógica que
vise promover os valores, mudar atitudes e transmitir os conhecimentos necessários para que
o docente interfira e modifique este ambiente ensinando a tolerância, respeito e valorização das
diferentes culturas. Neste contexto, a prática docente deve incluir atividades com os mitos afro-
brasileiros com a finalidade de contribuir para a construção da identidade cultural preservando
a diversidade étnica. Concluiu-se a viabilidade e a importância de trabalhar estes temas desde
o Ensino Fundamental I, utilizando como base de princípios, valores da cultura afro-brasileira,
estabelecendo assim, um processo de aprendizagem que possibilite a todas as crianças desta
faixa etária reconhecerem-se integradas à sociedade.

Palavras-chave: Preconceito; Identidade; Cultura Africana.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 629


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
ste artigo tem como objetivo geral analisar as relações étnicas raciais nos primeiros
anos do ensino fundamental I refletindo sobre o papel do professor e da escola,
na construção da identidade da criança negra.
Como objetivos específicos enfatizar a responsabilidade do professor na construção dos
conhecimentos necessários para interferência no ambiente escolar, ensinando a tolerância,
respeito, valorização e aceitação das diferentes culturas; desconstruir a discriminação e o
preconceito que permeiam as práticas escolares, cooperando com a formação da autoestima
e na construção da identidade da criança negra em seu convívio social e escolar.
A escolha da temática desta pesquisa surgiu após a constatação que frequentemente
ocorrem episódios relacionados a preconceitos, tanto dentro da sala de aula quanto nos cor-
redores e é no espaço escolar que a criança busca suas primeiras referências.
Assim o artigo propõe atividades escolares que buscam trabalhar o preconceito étnico/
social através do conhecimento das diversas etnias, da cultura dos negros e afrodescendentes,
através de várias atividades como contos africanos, confecção de tererês, etc.
Analisa como o professor pode interferir para melhorar o convívio e administrar os
conflitos, o respeito à diversidade, utilizando dos mitos afro-brasileiros presentes na literatura
como ferramenta de construção da identidade da criança negra do Ensino Fundamental I, e
no conhecimento de suas origens.
Pergunta-se como trabalhar na perspectiva da diversidade cultural em uma classe de
diferentes realidades socioeconômicas, culturais e linguísticas, diversas etnias, gêneros, con-
vicções religiosas e ritmos de aprendizagem?
Isso significa promover uma ação pedagógica que valorize as diferenças nas práticas
cotidianas. Justifica-se esse estudo porque não é raro ocorrer na escola, situações de pre-
conceitos, discriminações e intolerâncias, necessitando-se, desta forma, um projeto de inter-
venção pedagógica que vise promover os valores, as atitudes e transmitir os conhecimentos
necessários para que o docente interfira e modifique este ambiente.
A sociedade brasileira possui uma imensa diversidade étnica e cultural, no entanto o
trabalho pedagógico e os livros didáticos desconsideram as identidades diferenciadas e as
práticas sociais dos diferentes grupos e assim acabam promovendo a exclusão de alguns
deles. A discussão sobre o preconceito e a inserção da criança negra, começa a acontecer
de forma mais sistemática através das políticas de leis aprovadas nos últimos anos, como a
lei 10.639/03.
Um dos motivos de se estudar também foi questionar e refletir como o professor pode
desenvolver competências e metodologias para trabalhar os conceitos de etnia na sala de
aula, com o propósito de valorizar as múltiplas identidades constituintes no ambiente escolar.
Uma das formas de trabalhar o preconceito é não silenciar diante de atitudes discriminatórias
eventualmente observadas.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 630


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O PAPEL DA ESCOLA NA CONSTRUÇÃO Houve um tempo em que um contador tra-


DA IDENTIDADE DO ALUNO DO ENSINO dicional, um griô, só podia nascer numa
família de griôs, ou seja, formavam uma
FUNDAMENTAL I espécie de sociedade de castas. E apren-
dem, desde muito cedo, as histórias do
A escola ao incluir no seu currículo a
seu povo, as lendas, os mitos, as histórias
construção de identidade da cultura africa- genealógicas; aprendem ainda a tocar o
na deve prever que o tema poderá produzir kora e os tambores e as danças rituais.
reações diversas na comunidade escolar, so- Hoje o uso do termo generalizou-se, e
bretudo no que diz respeito à religiosidade. considera-se griô todo contador de his-
Por essa razão, o professor ao apresentar a tórias africano que faz da narração oral
uma atividade profissional (SISTO, 2013).
cultura africana, deve lidar com a resistên-
cia de indivíduos de outras religiões que não De acordo com Kabengele e Gomes,
aceitam e nem querem esse assunto discuti- (2006), até hoje, nas imagens que são veicu-
do na escola. ladas sobre a África, raramente mostra os ves-
A implantação da lei 10.639/03 incenti- tígios de um palácio real, de um império, as
va o ensino da história da África, não do pon- imagens dos reis e muito menos as de uma
to de vista do sofrimento da escravidão, mas cidade moderna africana construída pelo pró-
os aspectos culturais da identidade negra: prio ex-colonizador. Geralmente revelam uma
África dividida e reduzida, enfocando sempre
As culturas nacionais, ao produzir sen- os aspectos negativos, como atraso, guerras
tidos sobre ‘a nação’, sentidos com os
‘tribais’, selva, fome, calamidades naturais,
quais podemos nos identificar, constro-
em identidades. Esses sentidos estão doenças endêmicas, AIDS etc.:
contidos nas histórias que são contadas As culturas nacionais, ao produzir sen-
sobre a nação, memórias que conectam tidos sobre ‘a nação’, sentidos com os
seu presente com seu passado e imagens quais podemos nos identificar, constro-
que dela são construídas (HALL, 2011. em identidades. Esses sentidos estão
p. 51). contidos nas histórias que são contadas
sobre a nação, memórias que conectam
A literatura para o público infanto-juvenil seu presente com seu passado e imagens
constitui um prazeroso caminho lúdico para a que dela são construídas (HALL, 2011,
compreensão da história africana. Apresenta p.51).
uma linguagem cuidadosamente trabalhada,
sugestiva e conotativa que enriquece a apren- A intervenção docente é necessária
dizagem, e torna o tema significativo para a para que a criança possa desconstruir o es-
criança e adolescente. tereótipo da imagem do negro como um ser
sem cultura, sem valores e costumes. A es-
A oralidade na cultura africana é ainda cola deve ensinar o respeito às diferenças
hoje muito valorizada como forma de preser- para que se formem cidadãos conscientes,
vação de sua memória histórica. A narrativa críticos, que saibam conviver entre si, com
oral é uma atividade assumida pelos griôs harmonia, solidariedade. A sala de aula é
(contadores de histórias, que vivem hoje em uma pequena amostra de nossa sociedade
muitos lugares da África ocidental) as histó- e pode modificá-la através do conhecimento:
rias aprendidas como herança ancestral, man-
tém viva a tradição:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 631


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Dentre as diversas nações africanas que tornarem-se parte da identidade nacional. O


constituíram a cultura brasileira estão as aspecto religioso e artístico deve ser aborda-
de tradições iorubás, vindas, principal-
do nos projetos trabalhados na escola contri-
mente, nas fases finais da Diáspora e
responsáveis pela elaboração do can- buindo assim na construção da identidade e
domblé, nome atribuído à religião dos da valorização da diversidade cultural”:
orixás formada primeiramente na Bahia e Cabe à escola também contribuir com
em seguida difundida por todo o território uma cultura de respeito recíproco e de
nacional. São os povos que construíram o convivência harmoniosa entre todos os
candomblé nagô. A maioria dos sudane- grupos étnicos, culturais e religiosos e so-
ses foi trazida à Bahia desde a metade ciais. É no cotidiano da Educação Infantil
do século XVII, mas a maior parte veio que se observa a influência dos meios
no século XVIII e XIX. Os sudaneses vie- social e familiar, e demonstram que a
ram principalmente da Nigéria, do Benin questão étnica precisa ser abordada e
(ex-Daomé) e do Togo (KABENGELE e desmistificada. Isto porque, as crianças
GOMES, 2006). começam a se constituírem como sujei-
A partir da abolição da escravatura, a tos a partir da assimilação dos valores
da família e da sociedade (SILVA, 2005).
grande maioria dos escravos livres saiu do
campo, porque foram substituídos pela mão Diante disso, os professores não devem
de obra dos imigrantes europeus, principal- seguir um padrão único de criança, de currí-
mente italianos e foram para a cidade em culo e de estratégias pedagógicas, mas sim
busca de melhores condições de vida, mas em teorias e práticas inclusivas, para oferecer
essa migração trouxe graves consequências oportunidades de aprendizagem para todos,
como a marginalização e a pobreza. No en- aceitando as diferenças para melhorar o pro-
tanto, apesar de sua “liberdade”, os negros cesso educativo. Assim se assegura o ingres-
se encontravam em situações tão difíceis ou so, à permanência e o sucesso da criança na
piores do que quando eram escravos: escola, evitando a exclusão e permitindo a
Convivendo com uma grande pobreza e apropriação e a produção de conhecimentos
marginalidade, eles encontraram um es- significativos.
paço de identificação nos cultos que rea-
lizavam e em que se reuniam. Tais formas
Como diz Cavalleiro, (2003), é impor-
de culto se espalharam por todo o Brasil tante que o educador esteja atento a qualquer
e foram construídas subdivisões: candom- forma de tratamento discriminatório, como
blé, tambor de mina, batuque, xangô e gestos, tom de voz e outras atitudes que pos-
umbanda, dentre outras (SILVA, 2005). sam degradar a pessoa do educando.
Ainda segundo o autor acima citado O BULLYING
“através da religião eles reconstruíram a fra-
ternidade e a parentalidade perdidas, permi- Existem muitas diferenças no Brasil, que
tindo que suportassem a miséria herdada da é formado por diversas etnias. Todavia, ape-
escravatura, a perseguição policial e a discri- sar de tantas diferenças, predominam certos
minação social, para poderem viver uma vida padrões e estereótipos cultural e socialmen-
de música, alegria e força. te valorizados. Esses estereótipos na maioria
das vezes estão longe da realidade da maior
Com a influência de pesquisadores re- parte da população.
nomados e a produção de obras de arte e
músicas com conteúdos afros por artistas bra- É possível ter algumas das característi-
sileiros, os elementos da cultura dos orixás cas mais valorizadas como pele branca, ca-
ultrapassaram os ambientes religiosos para belos lisos e loiros, corpo magro, comporta-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 632


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

mento como ser comunicativo e popular no vítimas geralmente nada fizeram ao agressor
meio escolar. Decorre disso que as crianças que justificasse a prática e ainda esclarece
absorvem as imagens negativas que se refe- que o agredido tende a ser escolhido pela
rem a sua identidade e buscam valores e ca- característica de inferioridade em relação ao
racterísticas brancas. Isso vale também como agressor. A autora ainda esclarece que as ma-
a valorização de ser homem em detrimento nifestações do fenômeno nem sempre são
de ser mulher. Há necessidade de pensar nas percebidas pelos professores, pais e comu-
diferenças, pois a prática do bullying está re- nidade que, de forma equivocada, associam
lacionada aos que diferem dos padrões so- esse fenômeno a brincadeiras infantis:
cialmente valorizados. bullying: palavra de origem inglesa, ado-
No meio cultural brasileiro existem músi- tada em muitos países para definir o de-
sejo consciente e deliberado de maltratar
cas, frases e ditados populares que reafirmam
outra pessoa e colocá-la sob tensão. por
preconceitos. Segundo Itani (1998), a lingua- definição universal, bullying é um conjun-
gem pode expressar preconceito, por meio de to de atitudes agressivas, intencionais e
frases como: “pessoa de cor” e “a coisa está repetitivas que ocorrem sem motivação
preta”. O “preconceito no futebol” pode ser evidente, adotado por um ou mais alunos
um tema a ser proposto pelo professor para contra outro(s), causando dor, angústia
e sofrimento. insultos, intimidações, ape-
discutir o assunto. Após assistirem a um vídeo
lidos cruéis, gozações que magoam pro-
em que jogadores de futebol são aviltados fundamente, acusações injustas, atuação
pela torcida ou por outros jogadores, no Brasil de grupos que hostilizam, ridicularizam e
e no exterior, o professor pode debater com infernizam a vida de outros alunos levan-
os alunos sobre as condutas dos que falaram do-os à exclusão, além de danos físicos,
mal e das reações dos jogadores. É impor- morais e materiais, são algumas das ma-
nifestações do comportamento bullying
tante que o professor ofereça espaços para
(fante, 2005, p. 27 -29).
as crianças poderem expressar suas opiniões
sobre as situações dos vídeos apresentados. Charlot (2002) classifica violência como
o uso da força, do poder e da dominação. A
Candau (2002), afirma que no Brasil e
violência é a “vontade de destruir, de aviltar,
na América latina o debate sobre o multicultu-
de atormentar”. Porém, o autor aponta para
ralismo possui uma configuração própria, pois
a necessidade de diferenciar a questão da
os sujeitos historicamente massacrados estão
violência, da agressão e da agressividade.
presentes e continuam resistindo, marcando
suas identidades, porém em uma situação de A violência segundo Velho, (1996), não
poderes assimétricas, de forte exclusão e su- se limita ao uso da força física, mas a pos-
bordinação. O racismo, a exclusão e a xenofo- sibilidade ou ameaça de usá-la constitui di-
bia durante muito tempo foram ignorados em mensão fundamental de sua natureza. Velho
nosso país por acreditar-se na existência de relaciona a violência com poder, quando en-
uma democracia étnica. Mas essa democra- fatiza a possibilidade de imposição de uma
cia étnica é ilusória, e vários dados indicam vontade, de um desejo ou projeto de uma
como os negros ocupam posições inferiores pessoa sobre outra.
em nosso país.
A escola necessita ser um ambiente se-
Fante (2005) nos esclarece que o guro, e acolhedor o que permitirá à criança
Bullying apresenta como uma de suas carac- socializar-se e desenvolver responsabilida-
terísticas, ser uma prática constante e repetiti- des, defender ideias e, acima de tudo, assu-
va, que ocorre sem um motivo aparente. Suas mir uma autonomia própria, sem ter medo de

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 633


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ninguém. Vítima da violência ou preconceito e nas falas dos professores, ainda há uma
a criança, além de reproduzi-la, pode reagir invisibilidade ou a visibilidade subalterna de
através de uma mudança brusca de compor- diversos grupos sociais, como os negros, os
tamento. Falta de atenção, baixa autoestima, indígenas e as mulheres.
variação de humor e agressividade são al-
O preconceito instituído e manifestado
guns sinais aos quais pais e educadores de-
na prática pedagógica pode levar tais gru-
vem estar sempre atentos.
pos a uma baixa autoestima e rejeição ao seu
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS grupo social, comprometendo os processos
constitutivos de sua identidade (s):
Este trabalho trata-se de uma pesquisa
bibliográfica de autores especialistas em re- Reconhecer a diferença é questionar os
conceitos homogêneos, estáveis e per-
lações étnico-raciais na Escola. Após a leitura
manentes que excluem o ou a diferente.
de diversos materiais publicados em livros, As certezas que foram socialmente cons-
revistas, dissertações e teses, foi realizado truídas devem se fragilizar e desvanecer.
levantamento, seleção e fichamento de infor- Para tanto, é preciso desconstruir, plurali-
mações relacionadas à pesquisa. zar, ressignificar, reinventar identidades e
subjetividades, saberes, valores, convic-
Os autores especialistas foram: Abra- ções, horizonte de sentidos. Somos obri-
mowicz (2006), que trata da questão da diver- gados a assumir o múltiplo, o plural, o
sidade cultural, e a exclusão; Costa (2008), diferente, o híbrido, na sociedade como
que aborda a prática pedagógica; Silva, um todo (CANDAU, 2005, p. 19).
(2005), que fala sobre a formação de profes- Uma ação pedagógica realmente pau-
sores para a docência, e a gestão da Escola tada na diversidade cultural deve ter como
Pública; Freire, (1997), especialista no tema princípio uma política curricular da identidade
formação de professores e na construção e da diferença. Tem obrigação de questioná-
da autonomia, saberes necessários à práti- -la, a fim de perceber como está constituída.
ca educativa; Arroyo, (1996), especialista em
Pedagogia da Inclusão, e trata de como tornar Segundo Costa (2008), identidade e di-
a escola mais humanizada; Sisto (2013), arte ferença são inseparáveis, dependendo uma
educador, e outros. da outra. Elas são produzidas na trama da
linguagem, a identidade e a diferença são
COMO TRABALHAR OS CONCEITOS construídas dentro de um discurso, por isso
“ETNIA” NOS PRIMEIROS ANOS DO precisamos compreendê-las como são produ-
ENSINO FUNDAMENTAL zidas em locais históricos e institucionais por
A sociedade contemporânea se encon- meio do discurso.
tra cada vez mais marcada pela pluralidade, Atualmente, o conceito de etnia quando
fazendo-se necessário refletir sobre quais são aplicado à humanidade causa inúmeras po-
os valores, atitudes e conhecimentos que lêmicas, porque a área biológica comprovou
queremos construir e ensinar para garantir a que as diferenças genéticas entre os seres
própria pluralidade que nos constitui enquan- humanos são mínimas, por isso não se ad-
to humanos e, portanto, seres sociais. mite mais que a humanidade seja constituída
O que significa diversidade cultural em por raças:
um país onde os diversos grupos sociais são
marginalizados em suas representações?
Silva (2005) afirma nos currículos escolares

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 634


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os professores que percebem em sua A FORMAÇÃO E AÇÕES DOS


ação pedagógica como os conceitos PROFESSORES FRENTE À
etnia são socialmente construídos e dis-
cursivamente usados para marginalizar o
DIVERSIDADE CULTURAL
“outro” estarão, de fato, contribuindo para Os professores devem ter uma respon-
a construção de uma diversidade cultural
sabilidade ética pelo que ensinam, pois têm
que não seja apenas tolerante, mas que
perceba que “eu” e o “outro” possuem os papel relevante, pois suas atitudes e valores
mesmos direitos e a mesma representa- poderão ser utilizados como modelos para
tividade, tanto nos conteúdos escolares seus alunos.
quanto nas instituições sociais (NOGUEI-
RA, TERUYA, 2008).
É necessário que os professores tenham
uma especialização contínua, uma boa forma-
O termo etnia usado nesse contexto, ção e ser ético, para que possam transmitir
segundo Petronilha Beatriz Silva (2004) tem valores, levar conhecimento, participação, co-
uma conotação política e é utilizado com fre- operação para o bem comum da sociedade.
quência nas relações sociais brasileiras, para Devido à diversidade nas escolas há neces-
informar como determinadas características fí- sidade de construir e desenvolver um projeto
sicas, como cor da pele, tipo de cabelo, entre político-pedagógico para direcionar, orientar e
outras, influenciam, interferem e até mesmo organizar as atividades das escolas.
determinam o destino e o lugar social dos Deve ser assumido por todos os fun-
sujeitos no interior da sociedade brasileira. cionários que atuam na escola em conjunto
com a comunidade. Para tanto, é necessário
O conceito de etnia ao ser usado com
que os objetivos, as metas e estratégias se-
conotação política permite, por exemplo, aos
jam planejadas, pois só assim será possível a
negros valorizar a característica que difere das
melhoria efetiva do ensino, da aprendizagem
outras populações e romper com as teorias e o combate ao preconceito:
raciais que foram formuladas no século XIX
e até hoje permeia o imaginário popular. Os A escola, como instituição educadora,
vem sentindo os reflexos de uma geração
professores que se posicionam criticamen-
que está crescendo influenciada por ima-
te em relação ao conceito de etnia podem gens de comportamento violento, agressi-
constituir discursivamente uma “vontade de vo, criminoso e instável do mundo atual. O
verdade” de um grupo social, para utilizar a fazer docente na contemporaneidade exi-
expressão de Foucault (2002). ge olhar atento para as necessidades da
sociedade. Nesse sentido, é importante a
Mobilizar uma ação contra os padrões efetivação de atividades alicerçadas em
e os processos de exclusões instituídos é vivências cidadãs, de respeito às regras
um grande passo para implantação de uma de convivência e à resolução pacífica dos
diversidade cultural, pois as diferenças são conflitos (MACHADO, 2013).
socialmente construídas e estão envolvidas Conforme Delors (2003, p. 89), “à edu-
com as relações de poder. cação cabe fornecer, de algum modo, os ma-
pas de um mundo complexo e constantemen-
te agitado e, ao mesmo tempo, a bússola que
permite navegar através dele”. Em relação a
isso, os professores precisam organizar seu
planejamento cotidiano embasado nos pilares
da educação, caracterizados no aprender a
ser, aprender a conhecer, aprender a conviver
e aprender a fazer.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 635
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nesse sentido, Barbosa (2002, p. 30) três atribuições: a docência, a atuação na or-
acrescenta que “ensinar e aprender precisam ganização e na gestão da escola e a produ-
estar encharcados de conhecimento, de hu- ção de conhecimentos pedagógicos. Diante
manização, de ação e de interação diferente disso, entende-se que o papel do professor
daqueles exigidos em outros momentos his- não é restrito à sala de aula. Sua participação
tóricos”. junto à equipe escolar para discutir, apontar
sugestões e expor dúvidas é imprescindível.
O aprender a conhecer deverá partir
do sentido crítico e do discernimento diante Esse processo dinâmico e flexível de-
das cenas de violência e de conflitos identi- pende da organização curricular da escola
ficados; o aprender afazer promoverá o es- que tem a finalidade realizar as ideias, ou
tabelecimento de relações no processo de seja, transformar os princípios educacionais
saber gerir e propor a resolução de conflitos; em atividades. Por isso, o currículo não pode
o aprender a ser consistir-se-á no desenvol- ser visto apenas como uma relação de con-
vimento de atividades que proporcionem a teúdos previamente estabelecidos, pois ele é
construção de comportamentos atentos para antes de qualquer coisa, toda e qualquer ati-
a espiritualidade, para a sensibilidade e o dis- vidade ou experiência trabalhada e integrada
cernimento diante de situações cotidianas; o ao processo de ensino e aprendizagem:
aprender a viver juntos deverá despertar no No processo de ensino-aprendizagem a
educando a reflexão sobre a existência de vida, tanto na escola como na comunida-
semelhanças e de diferenças entre os seres de, necessita de colaboração, coopera-
humanos, bem como o entendimento do outro ção e normas para que as necessidades
e o respeito às suas individualidades. humanas básicas sejam atendidas, bem
como os conflitos que se produzem se-
Dentro dessa perspectiva, é urgente jam resolvidos (TUVILLA RAYO 2004, p.
uma escola que contemple ações educativas 108-109).
promotoras de aprendizagens contínuas e sig- Para isso, faz-se necessário que os pro-
nificativas, em que os alunos realmente pos- fessores trabalhem na perspectiva da cultura
sam trabalhar em grupos, inserir-se no meio do respeito à diversidade e a não violência
em que vivem e socializarem os conhecimen- e façam uma reflexão sobre o modo como o
tos construídos coletivamente. currículo da escola está organizado.
É nesse contexto que Nóvoa (2001) O autor Tuvilla Rayo, (2004) chama a
chama a atenção do professor. Em seu enten- atenção, ainda, para os conteúdos básicos
dimento, o docente é chamado a rever o seu que derivam dos Direitos Humanos: o direito
papel, atualizar-se permanentemente a fim de ao desenvolvimento, o direito à paz, o direito
desenvolver práticas pedagógicas efetivas e à diferença, o direito ao patrimônio comum da
promotoras de uma educação que promova humanidade e o direito a um ambiente saudá-
a vida, procurando desenvolver no educando vel e ecologicamente equilibrado.
o pensar e o agir diante das diferentes situ-
ações que se apresentam em seu cotidiano. Pensar o multiculturalismo é um dos
caminhos para combater os preconceitos e
Para Masetto (1997, p. 46), o professor discriminações ligados à raça, ao gênero, às
deve compreender que: no processo ensino deficiências, à idade e à cultura, constituindo
aprendizagem, o aluno é o sujeito e constru- assim uma nova ideologia para uma socieda-
tor do processo. Libâneo, Oliveira e Toschi de como a nossa que é composta por diver-
(2003, p. 310) enfatizam que hoje o exercício sas etnias, nas quais as marcas identitárias,
profissional docente compreende ao menos
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 636
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

como cor da pele, modos de falar, diversida- Ao tratar das interfaces entre culturas di-
de religiosa, fazem a diferença em nossa so- versas, Canclini (2003) alerta sobre dois con-
ciedade. E essas marcas são definidoras de ceitos que costumam se confundir: diferença
mobilidade e posição social em seu interior. e desigualdade. Apesar de estar, na maioria
das vezes, intrinsecamente relacionados, a
É possível ter um currículo escolar que
desigualdade se manifesta como desigual-
abranja essas diferenças de uma maneira que
dade socioeconômica enquanto a diferença
se respeite o ser humano em si, com base
transparece nas práticas culturais.
na nova Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (1996). No exercício de sua Deve-se esclarecer o conceito de cultu-
profissão, amparado pela lei, o educador tem ra e citar os principais elementos que confi-
subsídios suficientes para fazer de sua aula guram a de um determinado local. Questionar
um espaço para diferentes descobertas, de as crianças sobre os aspectos culturais do
muitos questionamentos em relação ao pas- Brasil e os principais povos responsáveis pela
sado, ao presente, à História de cada um, e disseminação cultural.
ao mesmo tempo, oportunizar a criança o co-
Ainda que possamos compreender que
nhecimento através de um conteúdo, de uma
as influências culturais são fatores que inde-
nova e diferente realidade, fazendo com que
pendem da abordagem formal na escola e
essa criança se identifique, compare e parti-
que está implícita ou explícita no ambiente
cipe de forma interativa, buscando soluções
social, pois o homem é um ser predominante-
ou mais indagações para certos problemas
mente cultural. (LARAIA, 2001, p. 38), sendo
diários, vividos por todos.
tratada de forma sistemática e coerente, pode
E como o educador deve agir no espaço significar um estímulo a ações transformado-
educativo? De acordo com Fonseca, (2003), ras.
ele deve trabalhar a discriminação de maneira
As iniciativas de tornar a diversidade
geral; como são originadas as diferenças é
cultural em tema de reflexão e trabalho são
necessário mostrar que diferenças são nor-
importantes na medida em que contribui para
mais nos indivíduos da nossa sociedade:
o aperfeiçoamento dos professores e faz da
No espaço da sala de aula, é possível o escola um espaço de convivências e respeito
professor de história fazer emergir o plural, às diferentes culturas.
a memória daqueles que tradicionalmente
não têm direito à história, unindo os fios Segundo Gomes (2012), quanto mais
do presente e do passado, num proces- se amplia o direito à educação, quanto mais
so ativo de desalienação. Mas também
se universaliza a educação básica e se de-
pode, inconsciente ou deliberadamente,
operar o contrário, apenas perpetuando mocratiza o acesso ao ensino superior, mais
mitos e estereótipos da memória domi- entram para o espaço escolar sujeitos antes
nante (FONSECA, 2003, p.35). invisibilizados ou desconsiderados como su-
jeitos de conhecimento. Eles chegam com
Ao abordar as diferenças culturais do
os seus conhecimentos, demandas políticas,
Brasil, o professor deve promover na crian-
valores, corporeidade, condições de vida, so-
ça o sentimento de valorização cultural do
frimentos e vitórias.
país, além do reconhecimento e respeito das
diferentes culturas, mostrando que não exis- O desenvolvimento e a contextualização
te uma melhor ou mais desenvolvida que a histórica dos componentes culturais através
outra. da arte podem ajudar a compreender as in-
quietações humanas, contribuindo para o for-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 637
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

talecimento do sentimento de pertencimento gras tratam do assunto racial. Entre as famí-


ao grupo e do potencial criativo. Trabalhar lias entrevistadas, podemos perceber que, ao
com a diversidade cultural nas escolas pode educar seus filhos, não há preocupação em
possibilitar a reflexão crítica e criativa, e um prepará-los para viver e se desempenhar na
combate à massificação que tem prejudicado sociedade ampla. No processo de socializa-
a educação em todos os níveis. ção, não há menção a questões relacionadas
ao pertencimento racial. É como se a cor da
Segundo Gomes (2012) a introdução
pele, diferente entre eles, não existissem.
obrigatória do ensino de História da África e
das culturas afro-brasileiras nos currículos das Assim como as famílias negras, as fa-
escolas públicas e particulares do ensino fun- mílias inter-raciais vivem a ausência de ela-
damental e médio possibilita uma mudança boração de estratégias que possam auxiliar
epistemológica e política no que se refere ao os filhos a enfrentar o problema do racismo
trato da questão étnico-racial na escola e na e da discriminação racial. Elas apresentam
teoria educacional. dificuldades em abordar e discutir assuntos
referentes ao pertencimento racial, o que as
Para fazer esta mudança o professor
leva a praticarem uma socialização que não
deverá fazer uma desconstrução dos estere-
ajudará seus filhos a enfrentar as situações
ótipos estabelecidos e buscar em sua prática
de discriminação e racismo das quais farão
trabalhar com os mitos, com valores e conhe-
parte. Além disso, não terão eles instrumentos
cimentos da cultura africana para trazer a ima-
para discernir atitudes racistas, o que prova-
gem do negro a partir de sua ancestralidade,
velmente os conduzirá a tomá-las como na-
práticas culturais, religiosidade, sua culinária,
turais.
e para isso poderá usar de vários recursos,
como filmes, músicas, teatro, aulas práticas Pergunta-se então, baseando-se nestes
de culinárias e o mais importante buscar na trabalhos, se a criança negra não discute es-
comunidade escolar memórias, fotos familia- sas questões de preconceito que sofre na es-
res para compor um mural construindo uma cola com os pais, como pode elaborar estas
identidade da comunidade. questões, entender porque sofrem estas dis-
criminações se não encontra respostas nem
Conforme Gomes (2012) trabalhar es-
no seu ambiente familiar?
ses temas significa dialogar sobre tensões e
de relações de poder que provocam o ques- Nesta pesquisa também são citadas di-
tionamento sobre as concepções, represen- ferenças de tratamentos de crianças brancas
tações e estereótipos sobre a África, os afri- e negras relatadas nas falas dos alunos que
canos, os negros brasileiros e sua cultura, percebem estas diferenças. Os professores
construídos histórica e socialmente nos pro- devem então fazer uma reflexão, é possível
cessos de dominação, colonização e escravi- que sem perceber ele faça uma diferença en-
dão, e as formas como esses são reeditados tre os alunos? Para que o professor tenha
ao longo do acirramento do capitalismo e, mais segurança nas suas falas, e que apren-
atualmente, no contexto da globalização ca- da a lidar com as situações de preconceito
pitalista. que presencia é necessário uma formação
contínua, de cursos, palestras que abordem
Em um estudo sobre identidade negra
o tema de maneira mais prática.
Pesquisas Sobre o Negro e a Educação no
Brasília ANPED com a participação Petroni-
lha Beatriz Gonçalves e Silva se verifica um
dado interessante sobre como as famílias ne-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 638
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa demonstrou a importância da reflexão da temática étnica e de práticas
nos primeiros anos do Ensino Fundamental I que enfatizem a valorização das diversidades
culturais e formação da identidade da criança negra na escola.
Apontou elementos fundamentais para uma prática pedagógica mais igualitária, bus-
cando o respeito e reconhecimento do negro como sujeito histórico desde as primeiras séries
de ensino.
Acredita-se que seja possível a construção de uma escola que reconheça que os alu-
nos são diferentes, que possuem uma cultura diversa e que repense o currículo, a partir da
realidade existente e dentro de uma lógica de igualdade e direitos sociais.
Constatou-se que o trabalho sistemático e contextualizado com a literatura africana e
afro-brasileira permite a algumas crianças negras, enxergar beleza nas suas características
pessoais, pele e nos seus cabelos, contribuindo assim com a formação afirmativa da iden-
tidade das mesmas. Neste sentido os contos Africanos contribuem mostrando a história da
África e de sua cultura com referenciais positivos em seus diversos aspectos.
A escola enquanto espaço de formação de identidade e responsável por suscitar o
respeito à diversidade e repensar suas práticas educativas, pois quando a questão racial
é tratada como folclore ou somente em datas comemorativas, o espaço escolar continuará
contribuindo para uma imagem estereotipada do negro.
Essa diversidade e da pluralidade de alunos, é palco constante de conflitos interpesso-
ais e de preconceito. Por isso, deve a escola aprender a lidar com eles diretamente, de forma
pedagógica. Nessa nova postura, a escola assume um importante protagonismo na solução
pacífica de conflitos, resolvendo-os de forma rápida e conciliadora.
Como já relatado nesta pesquisa, a preocupação com o preconceito deve constar nos
temas abordados, pois são cotidianamente vivenciadas na escola. A escola pode influenciar
a sociedade através do conhecimento. Por essa razão, é necessário desenvolver estratégias
para erradicar o preconceito gerado pela falta de conhecimento e desenvolver a autoestima
da criança.
Pensar numa escola de qualidade é pensar na perspectiva de uma educação inclusiva.
É questionar o cotidiano escolar, compreender e respeitar e estudar a história do negro, cons-
truir um currículo multicultural e respeitar as diferenças, culturais, étnicas, de gêneros e outros.
A diversidade cultural é um desafio e um fator de enriquecimento no desenvolvimento
global da criança, isto, pelo conhecimento que se pode proporcionar, pela riqueza cultural
partilhada, pela diversidade de cada ser humano, desde que exista sempre um respeito mútuo
entre as pessoas.
Uma escola que pretenda ser de todos e para todos deve ensinar os seus alunos a
viverem em conjunto, num mesmo universo, onde coexistem diferentes valores. Conceber,
enfim, o multiculturalismo numa perspectiva crítica e de resistência pode contribuir
para desencadear e fortalecer ações articuladas a uma prática social cotidiana em
defesa da diversidade cultural, da vida humana, acima de qualquer forma discrimi-
natória, preconceituosa e excludente.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 639


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ABRAMOWICZ. A. Trabalhando a diferença na educação infantil. São Paulo: Moderna, 2006.

ARROYO, Leonardo, (1990). Literatura Infantil Brasileira. São Paulo: Melhoramentos.

BARBOSA. E M. Desigualdade nas escolas é uma questão para a educação intercultural. 2002 Edvania Barbosa
Monteiro. http://www.webartigos.com/artigos/diferencas-e-desigualdades-nasescolas/9489/#ixzz4CJDr4vxM.

BRASIL. Educação como exercício de diversidade. Brasília: UNESCO, MEC, SEED, 2005, p. 76 (Coleção educação
para todos; 6).

______. Lei n. 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Dis-
ponível em: . Acesso em: 10 mar. 2020.

CANCLINI, N. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: USP, 2003.

CANDAU, Vera Maria (org). Sociedade, educação e cultura(s): questões e propostas. Petrópolis, RJ: Vozes, 2002.

CAVALLEIRO, E. S. Do silêncio do lar ao silêncio escolar: racismo, preconceito e discriminação na educação in-
fantil. Humanitas/Contexto: São Paulo. 2000.

COSTA, M V. Currículo e pedagogia em tempo de proliferação da diferença: In Trajetórias e processos de ensinar


e aprender sujeitos, currículos e culturas XIV ENDIPE; Porto Alegre Edipucrs.

CHARLOT, B. A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, ano 4,
nº 8, julho . Porto Alegre/RS, 2002, p. 432-443.

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 8. ed. São Paulo: Cortez; Brasília, DF: MEC: UNESCO, 2003.

DUK, C. (org). Educar na diversidade: material de formação docente.Brasília: MEC, Secretaria de Educação Es-
pecial, 2005, p. 266.

FANTE, C., O Fenômeno Bullying e as suas Consequências Psicológicas. 2005. Disponível em: www.psicologia.
org.br /internacional/pscl84.htm. Acesso em: 18 de junho de 2020.

FAUSTINO, R. C.(Orgs). Política educacional nos anos de 1990: o multiculturalismo e a interculturalidade na edu-
cação escolar indígena. Tese (Doutorado) Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal
de Santa Catarina. 2006.

FONSECA, S. G.. A construção de saberes pedagógicos na formação inicial do professor para o ensino de his-
tória na educação; In: Ensino de história: sujeitos e práticas. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2007. (Trabalhos
apresentados no V Encontro Nacional Perspectiva de Ensino de História, Ensino de História: sujeitos, saberes e
práticas, realizado no Rio de Janeiro, de 26 a 29 de julho de 2004. p. 149-156.

FOUCAULT M. Microfísica do poder Trad. Roberto Machado Rio de Janeiro: Graal 2002.

FREIRE, P. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. 14. ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2001.

LIBÂNEO, José Carlos; OLIVEIRA, João F; TOSCHI, Mirza S. Educação Escolar: políticas, estrutura e organização.
São Paulo: Cortez, 2003.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 640


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Nogueira K. J. Teruya T. kasuko, Delton A. F. reflexões sobre a diversidade na educação escolar, Florianópolis, 2008.

GOMES, L; HOLANDA A; GOMES C; Nina África: contos de uma África menina para ninar gente de todas as ida-
des. Ilustrações Maurício Veneza. 1. Ed. São Paulo: Elementar, 2012.

HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução Tomaz Tadeu da Silva, Guaracira Lopes Louro
– 11. ed. Rio de Janeiro: DP & A, 2011.

ITANI, A. (1998). Vivendo o preconceito em sala de aula. Em J. G. Aquino (Coord.), Diferenças e preconceito na
escola: alternativas teóricas e práticas (pp. 119-134). São Paulo: Summus.

MUNANGA, Kabengele & GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de hoje. Coleção para entender, São Paulo:
Global, 2006.

MACHADO Bezerra L; Carvalho F. D. violência escolar: concepções e ações do coordenador pedagógico Revista
Reflexão e Ação, Santa Cruz do Sul, v.21, n.1, p.05-24, jan./jun.2013 http://online.unisc.br/seer/index.php/reflex/
index.

MASETTO, Marcos. Didática: a aula como centro. 4. ed. São Paulo: FTD, 1997. (Coleção Aprender e Ensinar).

MARTINS D.F A lei 10.639, o cotidiano escolar e as relações étnico-raciais; um estudo de caso, dissertação apre-
sentada Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” Instituto de Biociências, Rio Claro, novembro de
2010.

MUNANGA, K., Superando o racismo na Escola, 2ª edição revisada. Brasília, MEC, secretaria de Educação Con-
tinuada, alfabetização e Diversidade, 2005.

MUNANGA K, GOMES, N. L..O negro no Brasil de hoje. São Paulo: Global, 2006.

NÓVOA, A. Professor se forma na escola. Revista Nova Escola, São Paulo, n.142, maio de 2001. Entrevista con-
cedida a Paola Gentile.

SILVA, M. da. O habitus professoral: o objeto dos estudos sobre o ato de ensinar na sala de aula. Revista Brasileira
de Educação. Rio de Janeiro, n.29, 2005. p.152-163, maio/ago.

TUVILLA R, J Educação em direitos humanos: rumo a uma perspectiva global. Porto Alegre: Artmed, 2004.

UNESCO. Declaração Universal Sobre a Diversidade Cultural. 2002. Disponível em: <http://unesdoc.unesco.org/
images/002/0027/2760por.pdf>.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 641


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Pedagogia pela Universidade do


Grande ABC (2006); Especialização em Educação
Infantil pela Universidade do Grande ABC (2007);
Professora de Educação Infantil na EMEI José
Mauro Vasconcelos (desde 2019); Professora de
Ensino Fundamental I na Escola Estadual Jorn
Professor Emir Macedo Nogueira (desde 2006).

SILVANEI MARIA
SILVA VASCO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 642
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PSICOMOTRICIDADE: O LÚDICO E A EDUCAÇÃO INFANTIL

RESUMO: Este trabalho apresenta uma prática pedagógica que valoriza as contribuições da
psicomotricidade na educação, envolvendo as expressões e o movimento corporal como
facilitadores no processo de ensino-aprendizagem, mostrando como o desenvolver das
capacidades psicomotoras podem ajudar no combate às dificuldades de aprendizagem. Com esse
estudo foi possível observar que as brincadeiras corporais contribuem de maneira significativa
para o processo de ensino-aprendizagem dos educandos, porque os alunos além de se divertirem
aprendendo, sentem que a escola não é algo chato, mecânico, e sim, um local prazeroso, divertido.
Dessa forma, há uma satisfação em ir para a escola, porque querem sempre saber o que vai
acontecer no próximo dia. Essa expectativa é positiva na vida da criança e torna a aprendizagem
mais fácil. Este artigo teve como embasamento teórico autores como: Gardner (1994), Brikman
(1989), Guiraud (2001), Vygotsky (1994), entre outros.

Palavras-chave: Ludicidade; Psicomotricidade; Educação infantil; Movimento.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 643


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
ludicidade e a expressão corporal devem fazer parte da rotina permanente da
educação das crianças, visando contribuir de maneira integral para o desenvol-
vimento das mesmas, nos aspectos mentais, psicológicos, sociais, culturais e
físicos. Assim, a psicomotricidade sendo trabalhada no contexto escolar auxilia as crianças
na construção de novos conhecimentos e na melhoria de suas aprendizagens.
Este artigo tenta mostrar as relações da ludicidade e a expressão corporal, como ferra-
mentas para o processo de desenvolvimento biopsicossocial dos educandos, porque a difi-
culdade de aprendizagem existente nas instituições de ensino tem chamado muito a atenção
nas últimas décadas.
Os profissionais da educação como professores e pedagogos tentam conseguir identi-
ficar o problema para direcionar a forma mais adequada de solucioná-lo.
Para ter uma boa estrutura da educação psicomotora é preciso ter uma base fundamen-
tal para o processo de aprendizagem da criança, assim para Rochael (2009), o desenvolvi-
mento evolui quando uma criança apresenta dificuldades na aprendizagem.
O objetivo deste trabalho foi realizar um levantamento bibliográfico para demonstrar
conceitos relacionados ao movimento de psicomotricidade e como eles podem auxiliar para
a resolução de problemas ligados à aprendizagem nas instituições de ensino. Para Ferraz:
Todas as crianças, independente de sexo, raça, potencial físico ou mental têm direito a oportuni-
dades que maximizem seu desenvolvimento, uma vez que o movimento tem um papel importante
nesse processo, o currículo de educação física na educação infantil implica na estruturação de
um ambiente de aprendizagem que auxilie as crianças a incorporar a dinâmica da solução de
problemas, bem como a motivação para a descoberta das manifestações da cultura de movimento
(FERRAZ, 2007, p. 48).

Sendo assim, sabemos que através do seu corpo a criança percebe o mundo a sua volta
e entende que seu desenvolvimento é estabelecido por meio de trocas que realiza no dia a
dia, quando a criança aprende lateralidade, equilíbrio, atenção, concentração, noção espaço-
-temporal, entre outros percebe como é importante o aprendizado e melhora como um todo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 644


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

PSICOMOTRICIDADE: BREVE O psiquiatra Julian de Ajuriaguerra


HISTÓRICO (1947), redefine o conceito de debilidade mo-
tora, considerando-a uma síndrome com suas
Segundo Levin (1995), o termo “psico- peculiaridades, delimitando os transtornos
motricidade” surge no início do século XIX, psicomotores que oscilam entre o neurológico
no campo médico da neurologia, a partir da e o psiquiátrico, o autor diferencia a psicomo-
necessidade de nomear as zonas do córtex tricidade de outras disciplinas, atribuindo-lhe
cerebral situadas mais além das regiões mo- especificidade e autonomia próprias.
toras. O autor afirma ainda que:
Diversos autores, na década de 70, de-
[...]com o desenvolvimento e as desco-
finem a psicomotricidade como uma motrici-
bertas da neurofisiologia, começa a cons-
tatar-se que há diferentes disfunções gra- dade de relação, e a partir deste momento,
ves sem que o cérebro esteja lesionado começa a existir diferença entre uma postura
ou sem que a lesão esteja localizada. São reeducativa e uma postura terapêutica que,
descobertos ‘distúrbios da atividade ges- ao se desvincular da técnica instrumentalista,
tual’, ‘da atividade prática', sem que ana- ocupa-se do "corpo de um sujeito".
tomicamente estejam circunscritos a uma
área ou parte do sistema nervoso. Portan- Enxergar o sujeito permite admitir suas
to, o ‘esquema estático anátomo-clínico’ particularidades que também exercem influ-
que determinava para cada sintoma sua ência no desenvolvimento humano, além de
correspondente lesão focal já não podia
explicar alguns fenômenos patológicos
conferir maior importância às relações, à afe-
(LEVIN, 1995, p. 23). tividade e ao espaço emocional. A criança
constitui sua unidade a partir das interações
Em 1909, o neurologista francês Er- com o mundo externo e com o outro – inicial-
nest Dupré afirma, em seus estudos clínicos, mente, a mãe.
a independência da debilidade motora – an-
tecedente do sintoma psicomotor – de um Em suma, a especificidade da psico-
correspondente neurológico. Rompendo-se motricidade está apoiada na compreensão
com a correlação entre localização neuroló- da origem do psiquismo e dos elementos
gica e perturbações motoras na infância, a fundadores da construção da imagem e da
psicomotricidade separa-se aos poucos da representação de si mesmo mediante a ope-
neuropsicopatologia do movimento. racionalização dos movimentos. Ou seja, na
abertura do sujeito às especificidades que
Henri Wallon (1998), médico e psicó- seu corpo permite na apropriação da corpo-
logo francês, realiza estudos sobre a relação reidade.
entre motricidade e caráter. Atribui ao mo-
vimento humano a categoria de importante CONCEITOS E DESENVOLVIMENTO DA
instrumento na construção do psiquismo, re- PSICOMOTRICIDADE
lacionando o movimento ao afeto, à emoção, A motricidade do ser humano e a ca-
ao meio ambiente e aos hábitos da criança. pacidade de pensar e agir de acordo com
“Para este autor, a cognição, a consciência seus desejos desenvolvidos no intelecto é o
e o desenvolvimento geral da personalidade que nos diferencia dos outros animais. Assim,
não podem ser isolados das emoções” (LE- desse modo os outros animais possuem ape-
VIN, 1995, p.25). nas a motricidade. Fonseca diz que é:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 645


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

[...] do ato ao pensamento e do gesto a corpo e sua memória. Para a criança desen-
palavra, o ser humano dotado de novos volver seu pensamento, seu equilíbrio emocio-
processos psíquicos de informação entre
nal, sua linguagem e suas funções motoras, é
o corpo e o cérebro adquiriu a postura
bípede, libertou as mãos para fabricar necessário que haja uma série de influências,
ferramentas, emancipou a boca e a face tanto internas como externas, que vão ser fun-
para comunicar sentimentos e pensamen- damentais para a constituição do equilíbrio
tos com os seus semelhantes e finalmen- motor e psíquico do indivíduo.
te, inventou o símbolo para fazer história,
transmitir cultura e produzir arte e ciência Essas influências ocorrem em todo o
(FONSECA, 2010, p. 8). período de formação biopsicossocial do sujei-
to que começa a partir dos primeiros meses
Para Fonseca (2010), é por meio da
de gravidez, no período intra-uterino. Na fase
motricidade que podemos entrar em contato
intra-uterina a criança movimenta-se de forma
com os objetos e a partir desse contato, po-
natural e através desses movimentos ela pode
demos confeccionar ferramentas para nosso
experimentar sensações agradáveis ou modi-
uso, e também por meio dessa motricidade
ficar sensações que não lhe agradam, imersa
podemos expressar nossas emoções e esta-
no caloroso líquido amniótico.
dos de espírito, porque nela se fundamenta
as comunicações verbais e não verbais, com Segundo Coll e Marchesi (2004),
nossos semelhantes. Fonseca descreveu a Wallon definiu o psiquismo humano como
psicomotricidade como: uma consequência do cruzamento entre o in-
O campo transdisciplinar que estuda e in- consciente biológico e o inconsciente social.
vestiga as relações e as influências recí- Baseado nesse pressuposto, Palácios e Mora
procas e sistêmicas entre o psiquismo e a (2004) citam o desenvolvimento psicomotor,
motricidade. O psiquismo nessa perspec- como exemplo do cruzamento desses dois
tiva é entendido como sendo constituído inconscientes. Porque esse desenvolvimento
pelo conjunto do funcionamento mental,
depende de uma série de fenômenos biológi-
ou seja, integra as emoções, os afetos, os
fantasmas, os medos, as projeções, as as- cos para sua estruturação, mas também de-
pirações, as representações, as simboliza- pende das interações para sua estimulação:
ções, as conceitualizações, as idéias, as A psicomotricidade está ligada às impli-
construções mentais, 46 etc, assim como cações psicológicas do movimento e da
a antecede as aquisições evolutivas ulte- atividade corporal na relação entre o orga-
riores (FONSECA, 2008, p. 9). nismo e o meio em que ele se desenvolve.
E Almeida define a psicomotricidade O mundo da psicomotricidade é, então, o
das relações psiquismo – movimento e
como: movimento – psiquismo (COLL; MARCHE-
A ciência que tem como objeto de estudo SI, 2004, p. 67).
o homem por meio do seu corpo em mo-
vimento e em relação seu mundo interno Para Coll e Marchesi (2004), o recém
e externo, bem como suas possibilidades nascido já mostra uma grande variedade de
de perceber, atuar, agir com o outro, com reflexos e movimentos que podem ser avalia-
os objetos e consigo mesmo. Está relacio- dos no teste de Apgar (escala de avaliação
nada ao processo de maturação onde o neonatal que avalia o estado do bebê recém
corpo é a origem das aquisições cogniti-
– nascido), inclusive alguns reflexos que são
vas, afetivas e orgânicas (ALMEIDA, 2008,
p. 17). considerados vitais para sobrevivência do
bebê, como o reflexo de sucção, que permite
De acordo com Hermant (1988) autor a alimentação do recém – nascido através do
do livro Atualização em Psicomotricidade: O leite materno, e outros que não têm função
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 646
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

vital, mas é muito importante para o desen- tos da criança. Nas primeiras semanas de
volvimento do indivíduo. vida os movimentos do bebê não são con-
trolados, eles se desenvolvem quase que de
Com o passar do tempo alguns reflexos
forma involuntária e só no final da primeira
vão desaparecendo e outros vão se aprimo-
infância, por volta dos dois anos de idade,
rando e se transformando em ações volun-
que a criança passa a apresentar significativo
tárias, fundamentais para o desenvolvimento
controle de seus movimentos. Nesse momen-
psicomotor, por exemplo, segurar alguma coi-
to ela já se mantém de pé, podendo fazer
sa; e outras continuarão como simples refle-
movimentos complexos de equilíbrio como o
xos, por exemplo, o ato de fechar os olhos
ato de correr:
diante de um estímulo visual:
Durante a primeira infância, motricidade
A presença desses reflexos no neonato é e psiquismo estão entrelaçados, confun-
um sinal de normalidade; o progressivo didos: são dois aspectos indissolúveis
desaparecimento posterior, até os quatro do funcionamento de uma mesma orga-
meses, daqueles que não serão manti- nização. [...] Na segunda infância (3-4 a
dos também é um sinal de normalidade 7-8), as aquisições motoras, neuromoto-
evolutiva, que simplesmente indica que ras e perceptivo-motoras efetuam-se num
o córtex cerebral está tomando para si ritmo rápido: tomada de consciência do
o controle voluntário de ações e movi- próprio corpo, afirmação da dominância
mentos que antes eram controlados por lateral, orientação com relação a si mes-
partes inferiores do cérebro relacionados mo, adaptação ao mundo exterior [...],
com os automatismos (COLL; MARCHESI, (STOKOE E HARF, 1987, p.126).
2004, p. 67).
Stokoe e Harf (1987) destacaram alguns
A psicomotricidade relaciona as matu-
aspectos da psicomotricidade infantil: Tônus
rações cerebrais com alguns componentes
(muscular), esquema corporal (conhecimento
relacionais que ratificam a ideia de que as
do corpo), espaço (orientação, organização e
crianças se relacionam com objetos e outras
adaptação), ritmo (adaptação do corpo aos
pessoas de forma construtiva. Coll e Marche-
ritmos), Modalidade de inteligência (relação
si (2004, p.68) definem a psicomotricidade
entre a capacidade intelectual e atividades
como “um nó que prende psiquismo e movi-
sensório-motoras), que vão se aprimorando
mento até confundi-los entre si em uma rela-
ao longo do desenvolvimento da criança.
ção de implicação e de expressões mútuas”.
Para Coll e Marchesi (2004), o processo
O cerne da teoria do desenvolvimento
de desenvolvimento da psicomotricidade da
psicomotor tem a finalidade de controlar o
criança, fica claro na observação da diferen-
próprio corpo e a partir disso, possibilitar que
ciação entre a psicomotricidade fina, peque-
se tire dele todas as possibilidades de ações
nos músculos da mão e a psicomotricidade
e expressões possíveis. Para Coll e Marchesi
grossa, grandes músculos do corpo, proces-
(2004) esse movimento engloba dois compo-
sos que relacionam a coordenação de grupos
nentes: externo e simbólico. O componente
musculares que envolvem o mecanismo de
externo compreende a ação desse sujeito no
locomoção, equilíbrio, controle postural e de
ambiente e o componente simbólico compre-
pequenos músculos.
ende as representações do corpo e suas pos-
sibilidades de ação de maneira expressiva. Como foi visto, entre os dois e os seis
anos de idade a criança alcança significati-
Nos dois primeiros anos de vida do su-
vas conquistas na sua capacidade motora no
jeito, o desenvolvimento psicomotor pode ser
que se refere a realização de ações que até
observado nos pequenos gestos e movimen-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 647
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

então parecem muito complexas para serem • Saltar entre 60 e 80 cm de distância;


realizadas. Esses avanços podem ocorrer na
• Maior controle para começar a cor-
motricidade grossa e na motricidade fina, que
rer, parar e girar;
podemos observar no quadro que Coll e Mar-
chesi (2004, p. 13), apresentaram no livro • Cortar uma linha com tesouras;
“Desenvolvimento psicológico e educação:
• Dobrar papel, usar punção para fu-
Psicologia Evolutiva”.
rar, colorir formas simples;
AQUISIÇÃO DE DESTREZAS MOTORAS
NO PERÍODO DE DOIS A SEIS ANOS 2-3 • Utilizar o garfo para comer;
ANOS: • Vestir-se sem ajuda, e copiar um
quadrado.
• Correr, em contraposição ao andar
rápido do segundo ano; • 5-6 ANOS:
• Manter-se durante alguns segundos • Andar sobre uma barra de equilíbrio;
sobre um pé só;
• Bom controle da corrida: arrancar,
• Jogar uma bola com a mão sem mo- parar e girar;
ver os pés do lugar
• Saltar uns 30 cm em altura e cerca
• utilizar a colher para comer e fazer de 1 m de distância;
garatujas
• Lançar e pegar bolas como crianças
• 3-4 ANOS: mais velhas;
• Subir escadas sem apoio, colocan- • Aprender a andar de bicicleta e a
do um só pé em cada degrau; patinar;
• Andar alguns passos mancando; • Marchar ao ritmo de sons;
• Pular entre 40 e 50 cm de distância; • Usar faca, martelo, chave de fenda;
• Andar de triciclo; • Escrever alguns números e letras, e
copiar um triângulo e,posteriormen-
• Usar tesouras para recortar papel;
te, um losango.
• Escovar os dentes;
PSICOMOTRICIDADE E O AMBIENTE
• Vestir uma camisa; ESCOLAR
• Abotoar e desabotoar botões; Para Almeida (2008), muitas escolas
deixam a educação psicomotora em segundo
• Desenhar linhas e fazer desenhos
plano, e por esse motivo deixam de estimular
com contornos e copiar um círculo.
as características psicomotoras das crianças
• 4-5 ANOS: no tempo certo, como a coordenação mo-
tora, as percepções temporais e espaciais,
• Descer escadas com desenvoltura
a lateralidade etc. Desse modo, o professor
e sem apoio, colocando um pé em
poda seus alunos para o aprimoramento das
cada degrau;
relações deles com eles mesmos e com os
• Correr mancando (cinco pulos, apro- outros.
ximadamente).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 648


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Para Lapierre e Aucouturier (1988) o Por isso o docente que visa desenvolver
movimento é a expressão verdadeira da crian- um trabalho com psicomotricidade deve ter
ça: objetivos claros, e muito bem definidos. Esse
É através do jogo com os objetos e numa
professor tem que assumir uma postura de
dialética permanente entre o eu e o mun- observador/mediador, porque são as ativida-
do que a criança descobre seu corpo que des do cotidiano que serão adaptadas para
é meio de ação, intermediário e obrigató- a aplicação de atividades psicomotoras, uma
rio entre ela e o mundo (LAPIERRE; AU- vez que “O observador chama a atenção pro-
COUTURIER, 1988, p. 39). voca a intervenção e continua a observação”
A educação psicomotora é fundamental, (ALMEIDA, 2008, p. 21):
sobretudo na compreensão de que a educa- A observação psicomotora, em certa
ção não deve ocorrer de forma fragmentada, medida, quebra regras das observações
mas sim de forma que valorize o ser humano neurológicas e psicológicas clássicas,
completo formado de corpo e mente: uma vez que se centra numa interação
intencional e recíproca entre o observa-
A educação psicomotora trata de obter a dor (mediador) e o observado (criança),
consciência do próprio corpo, o domínio aqui entendido como um ser humano úni-
do equilíbrio, o controle e mais tarde, a co, holístico, sistêmico e evolutivo, capaz
eficácia das diversas coordenações glo- de modificabilidade e de adaptabilidade
bais e segmentares, o controle da inibição (FONSECA, 1995, p. 4).
voluntária e da respiração, a organização
do esquema corporal e a orientação no Para Fonseca (1995), a observação
espaço; uma correta estruturação espaço- psicomotora visa detectar, a partir do corpo
-temporal e as melhores possibilidades de e dos seus movimentos, significações psico-
adaptação ao mundo exterior (STOKOE E neurológicas que constituem a materialização
HARF, 1987, p.129).
do intelecto, que é muito importante para o
O trabalho com psicomotricidade e a desenvolvimento da inteligência é indissociá-
ludicidade dentro das escolas pode contribuir vel de uma motricidade cada vez mais orga-
para o desenvolvimento global da criança. nizada:
Portanto é importante que os professores es- Na observação psicomotora, o observador
tejam cientes do seu papel nesse processo envolve-se numa mediação intensa, criativa
de desenvolvimento, e que estejam prepara- e mesmo lúdica, encorajando e reforçan-
dos para executar um trabalho que valorize a do a criança a evidenciar o seu potencial
educação psicomotora. Para Almeida (2008, como processo e não como produto de
comportamento(FONSECA, 1995, p. 4).
p. 19), “Um bom trabalho de psicomotricida-
de na escola básica precisa de uma junção O professor também precisa ter um
de fatores: concepção, comportamento, com- compromisso com o trabalho que está execu-
promisso, materiais e espaço”. tando, buscando sempre apresentar materiais
que irão facilitar as relações das crianças com
Esses fatores se referem a uma estrutu-
o ambiente externo, e também possibilitando
ração sistemática do trabalho docente, com
às crianças a descoberta de novos espaços
foco nos resultados significativos na edu-
de aprendizagem fora da sala de aula e do
cação psicomotora dos discentes. Trabalho
ambiente escolar, o educador pode permitir
esse que valoriza o planejamento, uma vez
que a criatividade da criança avance realizan-
que sem planejamento o trabalho acaba en-
do novas descobertas, enquanto as observa
frentando uma série de contratempos, que o
e orienta na direção de novas tomadas de
direcionam para outros caminhos e conse-
consciência.
quentemente a perda do foco inicial.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 649
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Não se trata de ensinar uma quantida- mental, apresentam um maior controle psico-
de de conhecimentos julgados indispensáveis motor. Porque nessa fase as crianças apren-
por nós, mas de desenvolver potencialidades dem a adaptar seu tônus muscular de acordo
que a criança utilizará pela continuidade em com as exigências dos objetos que elas se
múltiplas áreas e pela sua utilidade. Para que relacionam.
o processo educativo seja mais próximo da
Ao longo do crescimento da criança,
realidade e das necessidades dos discentes,
ocorrem significativas mudanças no seu cére-
e os estímulos mais notáveis e a educação
bro, essas mudanças vão ser fundamentais no
psicomotora possam ocorrer de forma mais
desenvolvimento da psicomotricidade. Nesse
concreta:
período, nota-se uma mudança no desenvol-
Para Almeida: vimento psicomotor que é muito importante,
Os ambientes psicomotores educativos
essa mudança é o progresso da independên-
são aqueles em que se busca explorar cia e da coordenação motora.
cada ação acontecida ali. Toda e qualquer
De acordo com Coll e Marchesi (2004),
relação humana tem de ser considerada
porque a criança está em pleno momento essas atividades motoras são muito importan-
de construção de referências para ela e tes para a criança, sobretudo no seu desem-
para o mundo (ALMEIDA, 2008, p. 24) penho escolar, uma vez que o controle da
independência possibilita que ela tenha maior
Nos anos iniciais do ensino fundamental
controle no ato de segurar o lápis e apoiar a
a criança encontra-se preparada para partici-
mão no papel; e a coordenação motora que
par dessas atividades, uma vez que nesse pe-
possibilita a criança uma maior concentração
ríodo do desenvolvimento humano a criança
no ato de escrever, uma vez que ela passa a
executa atividades motoras que possibilitem
se concentrar mais no que se escreve e não
uma maior integração com os objetos e com
em como se escreve, fazendo com que ela te-
os espaços apresentados pelos docentes. De
nha domínio satisfatório da linguagem escrita.
acordo com Le Boulch, apud Fonseca:
Afirma que a educação psicomotora con-
Portanto, a educação psicomotora cor-
cede uma formação de base indispen- responde não apenas ao controle de funções
sável a toda a criança que seja normal e desenvolvimentos corporais, mas sim, em
ou com problemas. Ela ainda responde, uma possibilidade de favorecer o desenvolvi-
segundo ele, por uma dupla finalidade: mento global da criança em fase escolar.
assegurar o desenvolvimento funcional
tendo em conta possibilidades da criança
e ajuda sua afetividade a expandir-se e a
equilibrar-se por meio do intercâmbio com
o ambiente humano (LE BOULCH, 1982
apud FONSECA, 2008, p. 26).

Na faixa etária em que as crianças ge-


ralmente estão no ensino fundamental a psi-
comotricidade se desenvolve, nos aspectos
relacionados à extensão, controle, refinamen-
to do seu corpo e movimentos. É nesse pe-
ríodo que ocorrem transformações psicomo-
toras muito importantes e significativas nos
aspectos simbólicos e externos. As crianças
que estão nos anos iniciais do ensino funda-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 650
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo desse trabalho, descobriu-se que a expressão corporal é utilizada pelo in-
divíduo desde quando não se dominava a fala, utilizando-a para se comunicar e expressar
desejos. Essas brincadeiras que envolvem a expressão corporal mostram a importância no
desenvolvimento psicomotor das crianças. E a partir dessas brincadeiras, a criança conhece
as particularidades e ritmos do seu próprio corpo.
As brincadeiras em grupo favorecem o aprimoramento das relações sociais, e o reco-
nhecimento das possibilidades e limites do outro. Faz-se necessário que os educadores re-
pensem sobre a sua prática pedagógica, considerando que a psicomotricidade é de grande
relevância na formação de um indivíduo consciente de sua própria possibilidade e do outro.
Portanto, o trabalho com a psicomotricidade é o ponto de partida de uma prática peda-
gógica que vise o respeito pelo ser humano, conhecedor de si e dos outros, e que valorize o
ser humano por inteiro, em todas as suas formas e especificidades.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 651


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, Geraldo Peçanha. Teoria e Prática em Psicomotricidade: Jogos,

Atividades Lúdicas, Expressão Corporal e Brincadeiras Infantis. 4. ed. Rio de

Janeiro: Wak, 2008, p. 17, 19, 21, 24 e 26.

BRIKMAN, Lola. A Linguagem do Movimento Corporal. São Paulo: Summus

Editorial, 1989.

COLL, César e MARCHESI, Álvaro. Desenvolvimento Psicológico e Educação:Psicologia Evolutiva. Volume 1. Porto
Alegre: Artmed, 2004, p. 13, 67 e 68.

FERRAZ, O.L. FLORES, K.Z. Educação Física na Educação Infantil: influência de um programa na aprendizagem
e desenvolvimento de conteúdos conceituais e procedimentais. Revista Brasil. Educação Física, Esp., São Paulo,
v. 21, n. 3, 2007, p. 48.

FONSECA, Vitor. Desenvolvimento Psicomotor e Aprendizagem. Porto Alegre: Artmed, 2008, p. 9.

______. Psicomotricidade e Neuropsicologia: Uma Abordagem Evolucionista. Rio de Janeiro: Wak, 2010, p. 8.

______. Manual de observação psicomotora: Significação Psiconeurológica dos Fatores Psicomotores. Porto
Alegre: Artmed, 1995, p. 4.

GARDNER, Howard. Estruturas da Mente: A Teoria das Inteligências Múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.

GUIRAUD, Pierre. A linguagem do corpo. São Paulo: Ática, 2001.

HERMANT, G. Atualização em Psicomotricidade: O corpo e sua Memória. São Paulo: Manole, 1988.

LAPIERRE, André; AUCOUTURIER, Bernard. Psicomotricidade e Educação. 2. ed. Porto Alegre: Artes Médicas,
1988, p. 39.

LEVIN, Esteban. A clínica psicomotora: o corpo na linguagem. Tradução de Julieta Jerusalinsky. Petrópolis, RJ:
Vozes, 1995. Capítulo 1, p. 23 e 25.

ROCHAEL, L. A importância da Psicomotricidade no Processo de Aprendizagem. Maio, São Paulo: Phorte, 2009.

STOKOE, Patrícia; HARF, Ruth. Expressão Corporal na Pré- escola. 3. ed. São Paulo: Summus Editorial, 1987, p.
126 e 129.

VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da mente: O desenvolvimento dos processos psicológicos supe-
riores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994, p. 58.

WALLON, Henri. A Evolução Psicológica da Criança. Rio de Janeiro: Editorial Andes, 1998.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 652


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Licenciatura em Pedagogia pela


Faculdade UNI FAAT (2005); Especialista em
Metodologia do Ensino nos Anos Iniciais do
Ensino Fundamental pela Faculdade UNI FAAT
(2012); );Especialista em Neuropsicopedagogia
pela Faculdade Centro Universitário Leonardo da
Vinci (2015); Especialista em Gestão Escolar pela
Faculdade Campos Elíseos (2016); Especialista
em Docência no Ensino Superior pela Faculdade
Campos Elíseos (2016); Especialista em Educação
Inclusiva pela Faculdade Campos Elíseos
(2017); Especialista em Transtorno do
Espectro Autista pela Faculdade INESP
(2019); Professora de Ensino Fundamental
I – Polivalente - na E.M. “PROFESSOR
WALDEMAR BASTOS BUHLER”.

SIMONE CESAR
DUARTE MORITA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 653
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL: A IMPORTÂNCIA DO


PSICOPEDAGOGO NA APRENDIZAGEM

RESUMO: O emprego da intervenção psicopedagógica é uma eficácia na educação nos dias


atuais, pois são inúmeros os benefícios dos métodos no desenvolvimento humano no ambiente
escolar. Neste trabalho busca-se por meio de uma análise bibliográfica compreender de que
forma a psicopedagogia no Brasil é desenvolvida e como tem motivado o processo de ensino-
aprendizagem e consequentemente o desenvolvimento dos educandos, tendo como problemática
saber por que os professores utilizam constantemente práticas lúdicas da psicopedagogia no
ambiente educativo no cotidiano nacional brasileiro.

Palavras-chave: Psicopedagogia; Ensino; Aprendizagem.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 654


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
través do tempo, o desenvolvimento educacional ficou bastante complexo e para
se produzir bons resultados é preciso buscar formas diferenciadas para estimular
e colaborar com o desenvolvimento das crianças desde da idade mais tenra,
sendo assim, com o seu trabalho pedagógico, a psicopedagogia ajudará o processo educa-
cional e deverá ser utilizada no âmbito escolar.
Na escola, os psicopedagogos desenvolvem atividades fundamentadas em música,
jogos, entre outras atividades, almejando formas de intervenção que auxiliem na metodologia
de ensino e aprendizagem.
Pois é permitido expandir diversas habilidades com base nas parlendas, cantigas de
roda, brincadeiras, canções e outras atividades lúdicas que torne prazeroso e estimulante o
processo de ensino-aprendizagem.
As crianças estão em constante mutação de conhecimento, o qual o mesmo é apropria-
do e orientado pelas atitudes das pessoas que estão no seu convívio onde os relacionamentos
com indivíduos nos mais diversos níveis de relacionamento contribuem para desenvolvimento
delas.
Na prática do processo de ensino-aprendizagem verifica-se que as crianças são estimu-
ladas a se apropriarem do conhecimento e se desenvolverem.
Porém, esse processo é bastante complexo e diversificado, pois as crianças apresen-
tam diferentes níveis de aprendizagem. Umas demoram mais a aprender e outras têm maior
facilidade.
No decorrer deste trabalho busca-se por meio de uma análise bibliográfica compreender
de que forma a psicopedagogia no Brasil é desenvolvida e como tem influenciado no processo
de ensino-aprendizagem e desenvolvimento das crianças.
E, questionando os problemas pelos quais os professores utilizam frequentemente as
práticas lúdicas da psicopedagogia no ambiente educativo no cotidiano nacional brasileiro.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 655


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A MISSÃO DA PSICOPEDAGOGIA NA Ela tem o seu olhar voltado sobre o


APRENDIZAGEM ser humano em processo de construção de
conhecimento, considerando as dimensões
Segundo Moura (2020, p. 19), a psico- subjetivas e objetivas, auxiliando na busca da
pedagogia é uma ciência composta por dois minimização dos problemas de aprendizagem
pilares, a Psicologia focando o emocional e a e potencialização do aprender:
Pedagogia o educacional, ambos atuando na
Ela contempla uma abordagem ampla e
aprendizagem da correção ou prevenção dos
integrada do sujeito a fim de compreen-
diversos problemas dos educandos, sejam der o seu aprender em todos os senti-
afetivos, cognitivos ou sociais, que influen- dos, a saber, em relação ao significado de
ciam diretamente na construção do conheci- aprender, à construção da estruturação
mento do indivíduo. lógica, a um aprisionamento do corpo,
a uma ressignificação de um organismo
De acordo com o artigo do portal edu- com problemas e outros (WOLFFENBUT-
cação (2013), esta ciência surgiu na Europa TEL, 2005, p.18).
nos meados do século XIX na tentativa de
Conforme explica a psicopedagoga,
readaptar aqueles que possuíam algum com-
Marisa Gimenes de Andrade (2012, Revista
portamento inadequado no lar ou na escola,
da Associação Brasileira de Psicopedagogia)
além de atender às dificuldades de aprendi-
os centros criados foram muito importantes.
zagem.
Pois, envolvia as três ciências relatadas acima,
Portanto, tornou-se um objeto de estudo ajudaram inúmeras crianças com dificuldades
complexo que envolvia a Psicologia, a Peda- escolares e de comportamento em casa e na
gogia e a Psicanálise, criando assim os cen- escola, além de doenças crônicas e motoras.
tros Psicopedagógicos.
Assim, a Psicopedagogia, além de estu-
O Portal Educação (2013) mostrou que dar o aprendizado com as suas dificuldades,
a Psicopedagogia Clínica surgiu em 1930 incluiu outros campos de conhecimento que
na França formando os primeiros centros de afetam as deficiências sensoriais, debilidades
orientação educacional com educadores, psi- mentais, entre outros.
cólogos e assistentes sociais.
Dessa forma, os educadores consegui-
Janie Mery, através de suas pesquisas ram integrar todos os campos afim de siste-
e estudos, uniu as duas ciências, introduzin- matizar a ciência, tornando-a coerente com
do o termo psicopedagogia para tratamentos o propósito da integração do processo de
relacionados às dificuldades de aprendizado aprendizagem.
dos educandos. Seguindo seus passos vie-
Para poder auxiliar melhor as crianças
ram outros estudiosos como George Mauco,
no processo de aprendizagem, a Psicopeda-
Pestalozzi, Pereire, Itard e Seguin.
gogia focou na abordagem da interdisciplina-
De acordo com Wolffenbuttel (2005), ridade, que tem como propósito auxiliar na
a psicopedagogia oferece melhor reflexão solução dos problemas de cada criança, visto
sobre a aprendizagem de todos os sujeitos que cada uma possui uma individualidade e
envolvidos. O objeto de estudo dela é com- característica própria. (minhas palavras).
preender o aprender e o não-aprender. Onde
É preciso salientar que o estudo psi-
existirem situações de aprendizagem, há es-
copedagógico está associado a todos os in-
paço de reflexão psicopedagógica.
divíduos, sejam eles crianças, adolescentes
ou adultos, com a integração da saúde e da
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 656
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

educação com resultados de prevenção e gem também podem estar relacionadas indi-
terapêutica. Então, pode-se afirmar que ela retamente com as práticas de ensino-aprendi-
atua tanto na área Institucional quanto na área zagem nas instituições, ou seja, nas escolas,
clínica: hospitais e empresas.
Entendendo o sujeito como ser social, o Portanto, ela atua nas relações entre
resgate das fraturas e do prazer de apren- educador-educando, observando, identifican-
der, na perspectiva da Psicopedagogia
do e corrigindo os elementos que possam
Clínica, objetiva não só contribuir para a
solução dos problemas de aprendizagem, interferir no desenvolvimento dos educandos.
mas colaborar para a construção de um
É importante a orientação Psicopeda-
sujeito pleno, crítico e mais feliz (ESCOTT,
2004, p. 27). gógica aos educadores na construção do
conhecimento no desenvolvimento de ações
Segundo Escott (2004), no diagnóstico que favoreçam tanto o processo de ensinar
psicopedagógico é necessário identificar, no como de aprender: como a forma de planejar
desenvolvimento do sujeito e na relação com as aulas, a relação que se constroem com
sua família e grupos sociais em que vive, o alunos, a intervenção diante das dificuldades,
significado da não-aprendizagem. a maneira de agir, entre outras coisas. Isso se
Assim, a Psicopedagogia Clínica par- dá a uma atuação conjunta, que ultrapassa a
te da história pessoal do sujeito, procurando mera correção de atuação e prevenção.
identificar sua modalidade de aprendizagem e Segundo o artigo (A Intervenção do Psi-
compreender a mensagem de outros sujeitos copedagogo do Ambiente Escolar, Secreta-
envolvidos nesse processo, seja a família ou ria do Estado do Mato Grosso), o estudo da
a escola, buscando, implicitamente ou não, intervenção psicopedagógica já está sendo
as causas do não-aprender. estudado há muito tempo, e, tem o foco de
De acordo com a (2012, Revista da adaptar e organizar alguns programas espe-
Associação Brasileira de psicopedagogia) A cíficos.
área clínica é caracterizada pela investigação Podemos citar: aos alunos, avaliação no
das causas que provocam as dificuldades de tocante ao desenvolvimento e aprendizagem;
aprendizagem onde o indivíduo é visto como aos professores, visando suas habilidades e
paciente, onde são analisados e aplicadas estratégias; a família, como educar, supervi-
estratégicas e técnicas nos processos cog- sionar, estimular e conduzir a educação e o
nitivos, emocionais, psicomotores e pedagó- processo escolar.
gicos que possam garantir as mudanças na
situação inicial. De acordo com Portal MEC (2013), é
necessário fazer flexibilizações que precisar,
O trabalho é realizado integrado ou mul- revendo metas individualmente, estratégias
tidisciplinar com profissional de outras áre- próprias, testes diferenciados, planos de
as, como por exemplo, um fonoaudiólogo. A ações que permitam onde predomine o alcan-
realização desse trabalho pode ser em con- ce das habilidades que não foram atingidas
sultórios ou hospitais, e, o profissional busca pela unidade escolar.
entender o porquê das dificuldades e como
aprender a vencer as barreiras do paciente. Segundo o Portal da Educação, obser-
va-se, que tanto a Psicopedagogia Clínica
Já a Psicopedagogia Institucional foi e a Psicopedagogia Institucional promovem
incorporada à ciência mais tarde, diante da uma reflexão-ação direcionada ao desenvolvi-
descoberta que as dificuldades de aprendiza- mento de apropriação do conhecimento, para
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 657
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

entender não somente o porquê o aluno/pa- culdades de aprendizado.


ciente, mas também, a forma que pode acon-
Segundo a Revista de Psicopedagogia
tecer, identificando os fatores influenciadores (2025, PEPSIC) A objetividade e a subjetivi-
neste processo, além de entender as inter- dade no processo de ensino-aprendizagem
venções necessárias que tratem, previnam e começam na idade mais tenra e é de modo
direcionam a mediação do educador; e, con- simultâneo e independente, mas, sem se mis-
sequentemente a superação das dificuldades turarem e focalizando a análise do indivíduo
do educando. na superação de suas dificuldades e na apro-
A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL priação de práticas e hábitos saudáveis.
A Revista de Psicopedagogia (2017,
Segundo a Revista da Associação Bra-
PEPSIC) definiu a aprendizagem como
sileira de Psicopedagogia (2004, Rumos da
aprender e receber conhecimento do outro
psicopedagogia brasileira.), durante a déca-
a partir do conhecimento pessoal. Algumas
da de 70, foi introduzida a Psicopedagogia e
divergências em nível individual ou social na
teve uma influência com as ideias argentinas
aprendizagem estão relacionadas diretamente
devido a fácil literatura.
a desarticulação entre o saber pessoal e o
Existiam muitas discussões sobre o conhecimento.
fracasso escolar no país, acreditava-se que
O aprendizado nesse processo educa-
a dificuldade de aprendizagem estava unica-
cional nos permite compreender que o indi-
mente relacionada ao indivíduo, sendo consi-
víduo e o conhecimento passaram por uma
derado como fatores orgânicos.
integração, porém o indivíduo fará autorrefle-
A partir desse momento, através de xão para assim conseguir desenvolver-se nos
estudos foi explanado que os problemas conflitos internos e externos. Cabe ao psico-
poderiam não ser orgânicos e sim de uma pedagogo analisar, investigar e desenvolver
disfunção neurológica a qual não é possível um plano de ação e validá-lo através de refle-
descobrir com exames clínicos. xões que ocorrerão durante todo o processo.
Segundo meu artigo (Brasil Escola), De acordo com meu artigo ( Brasil Es-
quais os motivos que levaram a reflexão so- cola, a importância da psicopedagogia insti-
bre as práticas docentes e questões relacio- tucional), No Brasil, os psicopedagogos são
nadas ao desenvolvimento cognitivo, afetivo e profissionais especializados na prevenção
psicomotor como formas de ajudar o desen- de problemas referentes à aprendizagem. É
volvimento do conhecimento de cada indiví- preciso analisar, avaliar, estudar e pesquisar
duo e das ações baseadas em pesquisas e os conteúdos de diferentes áreas do conhe-
reflexões desenvolvidas para e pelos alunos. cimento e depois intervir adequadamente nas
atividades.
De acordo com a secretaria de Estado
do Mato Grosso, (A Intervenção do Psicope- O Psicopedagogo através do seu tra-
dagogo do Ambiente Escolar), a intervenção balho possibilita o desenvolvimento das refle-
psicopedagógica deveria ocorrer na educa- xões do indivíduo e muitas vezes ao intervir
ção infantil, pois assim é possível identificar e numa determinada dificuldade, pode-se des-
prevenir muitos problemas de aprendizagem. cobrir outras que podiam nem ter sido detec-
tadas. Na Revista Associação Brasileira de
Como já foi mencionado, a Psicopeda- Psicopedagogia (2004, p. 246) descreve:
gogia tem profissionais em diversas áreas
como a Pedagogia, Psicologia, Fonoaudiolo-
gia, Terapeutas, entre outros para detectar,
auxiliar e estimular o educando em suas difi-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 658
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Aquelas dificuldades experimentadas por Segundo Libâneo (1994), o professor


todos os indivíduos em alguma área de tem o dever de planejar, dirigir e controlar
conhecimento e/ou algum momento de
esse processo de ensino, bem como estimu-
sua vida escolar, já as de problemas se-
cundários são consequência de outras lar as atividades e competências próprias do
dificuldades que podem ser bem detec- aluno para a sua aprendizagem.
tadas e que atuam primeiramente, sobre
o desenvolvimento humano normal e, se-
De acordo com Pasqualini (2016, p.
cundariamente sobre as aprendizagens 66) aponta que: “A escola de Vygotsky tem
específicas (ABP, 2004, p. 246). como um dos seus primeiros fundamentos da
análise da periodização do desenvolvimento a
De acordo com esta associação (2004), negação de fases naturais universais válidas
o processo de superação parte do indivíduo para todos os seres humanos em qualquer
que traz consigo todos os seus desafios rela- contexto e a qualquer tempo.
cionados à aprendizagem, mas é preciso que
o indivíduo receba subsídios no processo de No âmbito escolar devemos possibili-
desenvolvimento integral. tar a aprendizagem por vários caminhos e
funções perceptivas para que se torne impor-
A investigação é a maneira de traçar tante e interessante para o aluno. Cabe ao
um diagnóstico psicopedagógico, através de psicopedagogo promover condições e diver-
uma pesquisa dos processos de aprendiza- sificar suas práticas de modo lúcido, criando
gem que apresentam falhas ao serem compa- ambientes para que o aluno se torne o sujeito
rados aos que são esperados pelo indivíduo: do seu próprio conhecimento com o auxílio
Cabe ao Psicopedagogo estar atento e de atividades e espaços, facilitando assim o
ouvir diversas pessoas que fazem parte seu caminho para o aprendizado (Portal da
da rotina diária da criança para ter uma Educação, A atuação do psicopedagogo na
visão ampla do contexto. Ao observar e in-
aprendizagem de alunos com insucesso es-
vestigar o cotidiano, poderá dar subsídios
para o aprendizado do educando com colar). “No diagnóstico psicopedagógico é re-
uma formação moral, educacional, ética, alizada uma investigação na qual se procura
cultural e social (ASSOCIAÇÃO BRASILEI- compreender a forma que o paciente aprende
RA, 2004, p. 246). e os desvios que ocorrem nesse processo”-
A PSICOPEDAGOGIA NO PROCESSO DE Segundo Weiss (2004, p. 27).
APRENDIZAGEM Todo diagnóstico é, em si, uma investi-
gação, é uma pesquisa do que não vai bem
De acordo com Oliveira (2002), o pro-
com o sujeito em relação a uma conduta es-
cesso de aprendizagem precisa ter uma com-
perada. Será, portanto, o esclarecimento de
preensão de uma forma global para que haja
uma queixa, do próprio sujeito, da família e
um sucesso no desenvolvimento da criança.
na maioria das vezes, da escola.
Esse processo ocorre de modo indivi-
No caso, trata-se do não-aprender, do
dual, e, é importante o despertar do aluno
aprender com dificuldade ou lentamente, do
em descobrir e avaliar o porquê das suas di-
não revelar o que aprendeu, do fugir de si-
ficuldades. A partir do conhecimento prévio
tuações de possível aprendizagem: “Outro
do educando, estimulando sua curiosidade
momento importante do diagnóstico são as
favorece seu interesse pela descoberta e o
provas projetivas, que têm como objetivo
conhecimento será uma consequência deste
conseguir identificar fatores emocionais que
processo.
influenciam no desenvolvimento da aprendiza-
gem do paciente” (PAÍN, 1985, p. 61).
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 659
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O exame das provas projetivas permitirá posturas com a intenção de alcançar objeti-
em geral avaliar a capacidade do pensamen- vos específicos”.
to para construir, no relato ou no desenho,
O mais importante para a aprendizagem
uma organização suficientemente coerente e
é a motivação que o educando precisa ter,
harmoniosa como para veicular e elaborar a
pois, sem ela o educando fica desmotivado,
emoção; também permitirá avaliar a deterio-
e, com a desmotivação aparecem os vários
ração que se produz no próprio pensamento,
tipos de problemas. O educador precisa acei-
quando o quantum emotivo resulta excessivo.
tar, entender que o conhecimento se dá na
O pensamento incoerente não é a ne- relação sujeito-objeto-realidade e o educador
gação do pensado, ele fala ali mesmo onde torna-se um mediador e não um simples trans-
se diz mal ou não se diz nada e isto oferece missor. Wolffenbuttel (2005, p.17) afirma que:
a oportunidade de determinar a norma no in- O desejo está situado no nível simbólico,
congruente e saber como o sujeito ignora. numa dimensão inconsciente. É o simbóli-
co, através do não-dito, da atitude, que ex-
No processo de ensino aprendizagem
pressamos nossos sonhos, nossos erros,
se torna relevante detectar, analisar e refle- nossas falhas, nossos mitos. Esta dimen-
xionar os conhecimentos do educando para são responde também pelas significações
depois estabelecer um plano de ação que es- de nosso aprender. Assim, nos faz únicos,
timule o desenvolvimento do educando, toda- cada um com sua história, seu imaginá-
via, se faz necessário levar em consideração rio, sua fantasia, seu medo, seu segredo,
seu desejo de ser um aprendente ou não
o seu contexto familiar e ambiente escolar.
(WOLFFENBUTTEL, 2005, p. 17).
Por diferentes motivos, infelizmente,
Considerando o problema de aprendi-
neste contexto educacional, observamos que
zagem na interseção desses níveis, as teorias
vários professores não conseguem contribuir
que se ocupam da inteligência, do desejo,
para o aprendizado de seus alunos, causan-
do organismo e do corpo, se separadas não
do-lhes traumas e criando cicatrizes as quais
conseguem resolver.
acompanharão o indivíduo por toda a sua
existência (BRASIL ESCOLA) A importância PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
da interação da família e escola).
Este trabalho tem como base a pesqui-
A função do profissional de Psicopeda- sa bibliográfica, onde foram utilizados alguns
gogia que atua em diversos lugares, sendo estudos de autores como: Oliveira (2013);
nas escolas, consultórios, entre outros, é mui- Mota (2011); Vasconcelos (1999); Pasqualini
to mais do que um mero aprendizado. Deve (2016), entre outros artigos em revistas.
orientar profissionais e familiares para que
Este estudo bibliográfico foi utilizado
respeitem e desenvolvam a criança de modo
como comprovação de como a psicopeda-
integral onde seja possível, observar no futuro
gogia é importante, porque visa a prevenção
cidadãos com criticidade que exercerão sua
e o tratamento tanto nas áreas institucional
cidadania e atuarão nos mais variados cam-
como na clínica.
pos do conhecimento.
Segundo Vasconcellos (1999, p.22):
“Na busca para que o conhecimento aconteça
de forma permanente, é visto a necessidade
do professor, em conjunto com o profissional
e a família, procurarem alternativas, adotando
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 660
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Para que suceda um aprendizado relevante, deve-se levar em conta o cenário em que
a criança está inclusa, os incentivos que adquire e a lógica presente entre o que aprende e
seus conhecimentos pré-existentes. É importante considerar suas vivências, experiências. Sua
condição global.
Para aprender é necessário que se respeite o tempo de cada uma. Se for possível a
utilização de experiências para que o conhecimento aconteça através da prática, ele será
mais favorável. Brincar, dançar, cantar, manipular objetos beneficiarão a construção de muitos
conceitos.
Após entendê-los profundamente a aprendizagem verdadeira ocorrerá e novas questões
poderão ser levantadas e investigadas. O conhecimento é baseado conforme a realidade e
para cada criança deve ser oferecida estratégias e ferramentas que permitam a elaboração
do conhecimento sobre a esfera que a cerca e sobre ela.
Diante de todas estas questões é fundamental a presença do psicopedagogo para que
exerça um papel ativo no progresso e desenvolvimento dos indivíduos e contribuindo para
correta inclusão social e melhoria de suas condições de vida.
Conclui-se com essa atividade de análise de obras consultadas, entende-se que a psi-
copedagogia no Brasil é desenvolvida com atividade que estimulem a aprendizagem e tem
influenciado bastante o processo de ensino-aprendizagem e desenvolvimento das crianças,
pois os professores utilizam constantemente práticas lúdicas da psicopedagogia no cotidiano
nacional brasileiro.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 661


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ARAÚJO, P. F. C. de. A PSICOPEDAGOGIA SERIA UMA PASQUALINI, J. C. (2016). A teoria histórico-cultural da pe-
POSSIBILIDADE PARA O ENFRENTAMENTO DAS DIFICUL- riodização do desenvolvimento psíquico como expressão
DADES DE APRENDIZAGEM? São Paulo Programa de Pós- do método materialista dialético. In Martins, L. M. Abrantes,
-Graduação em Educação Universidade Metodista de São A. A., Facci, M. G (Org.), Periodização histórico-cultural do
Paulo, Dissertação. 2014. desenvolvimento psíquico: do nascimento à velhice (pp.63-
90). Campinas, SP: Autores Associados.
BOSSA, N. A. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL. Porto Ale-
gre, Rio Grande do Sul: Artes Médicas Sul, 2000. SCALZER, O.; SILVA, F. R. da. SOBRE O OLHAR DO PSICO-
PEDAGOGO: A IMPORTÂNCIA DESSE PROFISSIONAL NO
_______. A PSICOPEDAGOGIA NO BRASIL: contribuições
ÂMBITO ESCOLAR. Disponível em: < https://facsaopaulo.
a partir da prática. Rio de Janeiro, Wak Editora, 4ª edição,
edu.br/wp-content/uploads/sites/16/2018/05/ed2/12.pdf
2011.
> Acesso em 25 de janeiro de 2020.
_______. DIFICULDADES DE APRENDIZAGEM: o que são
REVISTA DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE PSICOPEDA-
e como tratá-las. Porto Alegre: ARTMED, 2000.
GOGIA, v. 21, n. 66, p.246, 2004.
CRUVINEL, A. C. R. A NECESSIDADE DE UM PSICOPEDA-
ROMCY, A. C. F. M. Dislexia: proposta de intervenção. Forta-
GOGO NA ESCOLA. 2014. Disponível em: < http://www.
leza, CE, HBM Shopping das Cópias, 2014, p.51-56.
fucamp.edu.br/editora/index.php/cadernos/article/viewFi-
le/393/332 > Acesso em 25 de janeiro de 2020. SCOZ, B. PSICOPEDAGOGIA E REALIDADE ESCOLAR, O
PROBLEMA ESCOLAR E DE APRENDIZAGEM. Petrópolis:
FAGALI, E. Q. PSICOPEDAGOGIA INSTITUCIONAL APLICA-
Vozes, 1994.
DA: aprendizagem escolar dinâmica e construção na sala de
aula. 5ª edição. Petrópolis RJ: Editora. Vozes, 1999. SERAFINI, A. Z.; PORTILHO, E. M. L. PAROLIN, I.C.H. BAR-
BOSA, L. M. S.; CARLBERG, S. A APRENDIZAGEM: VÁRIAS
GROSSI. E. Avaliação, terrível prática escolar- abolimos ou
PERSPECTIVAS E UM CONCEITO. In: PORTILHO, E.M.L.
recriamos? In.: Revista do GEEMPA. n.1. Porto Alegre: Vozes,
Alfabetização, aprendizagem e conhecimento na formação
1993.
docente. Curitiba- PR. Champagnat, 2011, p. 43-69.
LEITE, E. B.; TIMBÓ, R.C. A APRENDIZAGEM DA CRIAN-
SOARES, M. SENA, C. C. B. A CONTRIBUIÇÃO DO PSI-
ÇA NA EDUCAÇÃO INFANTIL E AS CONTRIBUIÇÕES DA
COPEDAGOGO NO CONTEXTO ESCOLAR. Disponível
PSICOPEDAGOGIA. Revista PLUS UFRJ: Revista Multidis-
em: < http://maratavarespsictics.pbworks.com/w/file/fet-
ciplinar em Educação e Saúde, ISSN - 2525-4014. Dispo-
ch/74460590/126-130624014932-phpapp01.pdf > Aces-
nível em: <https://www.faculdadeplus.edu.br/wp-content/
so em 25 de janeiro de 2020.
uploads/2018/09/02-Artigo-A-
VASCONCELLOS, C. dos S. Construção do Conhecimento
APRENDIZAGEM-DA-CRIAN%C3%87A-NA-EDUCA%-
em sala de aula. São Paulo: Libertad, 1999 (Cadernos Pe-
C3%87%C3%83O-EVA-BATISTA-LEITE.pdf> Acesso em 25
dagógicos do Libertad-2).
de janeiro de 2020.

MALUF, A. C. M. Alternativas pedagógicas: propostas para


ensinar e intervir em espaços de aprendizagem. Rio de Ja-
neiro, Wak Editora, 2016, p. 27-37.

NASCIMENTO, K. de O. O TRABALHO DO PSICOPEDA-


GOGO INSTITUCIONAL: experiência em uma escola de
Teresina PI Kely-Anee de Oliveira Nascimento Faculdade
Piauiense FAP. Disponível em:

<http://www.editorarealize.com.br/revistas/fiped/trabalhos/
Comunicacao_1674.pdf. > Acesso em 25 de fevereiro de
2020.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 662


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Filosofia pela Universidade Estadual


do Oeste do Paraná – UNIOESTE (2006) e Arte
Educação pelo Centro Universitário Claretiano
(2011); Especialista em A Moderna Educação:
Metodologias, Tendências e Foco no Aluno
pela PUC - Pontifícia Universidade Católica - RS
(2020); Professora da Educação Básica Ensino
Fundamental II e Ensino Médio - Arte e Filosofia
Língua Portuguesa na Secretaria Estadual de
Educação do Paraná – SEED.

SIMONE
CESARIO SOARES

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 663
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS E AS ESCOLAS RURAIS


BRASILEIRAS

RESUMO: Este trabalho discute a importância da tecnologia para a Educação das Escolas Rurais,
onde se considera que a educação um direito constitucional deve ocorrer de forma igualitária. O
acesso à tecnologia pode beneficiar o processo de ensino e aprendizagem dos escolares rurais,
na medida em que possibilita o desenvolvimento da aprendizagem bem como a valorização
da comunidade onde se vive e trabalha. Assim este trabalha tem por objetivo refletir acerca da
realidade das escolas rurais que, na qual seus escolares, nem sempre têm acesso aos mesmos
serviços públicos que alunos das áreas urbanas, através de conhecimentos adquiridos por meios
tecnológicos que possam agregar novos valores culturais, de identidade, na valorização como
indivíduo da sociedade do campo, não sendo “inferiorizado” em relação ao urbano. Para sua
realização foram utilizados artigos científicos publicados, livros, e discussões acerca da temática
educação rural, e tecnologias educacionais.

Palavras-chave: Tecnologias Sociais; Tecnologias Educacionais; Assistivas; Tecnologia da


Informação.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 664
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

E
ntre as questões educacionais da América Latina estão o uso das tecnologias. Na
busca pela criação de bases desenvolvimentistas nos países da América Latina, a
fim de oportunizar o acesso aos cidadãos na chamada sociedade do conhecimen-
to, para que estes possam contribuir com o desenvolvimento econômico e social de seu país.
E neste contexto de globalização as competências digitais, constituem uma nova forma
de capital dos indivíduos e dos países. Neste contexto devem atuar as políticas públicas para
a educação. Universalizando o acesso às novas tecnologias como ferramenta educacional e
emancipadora dos cidadãos.
A educação do campo é uma modalidade de ensino que tem como objetivo a educação
de crianças, jovens e adultos que vivem no campo. Neste contexto, a educação do campo
deve ser vista não apenas como modalidade de ensino, mas também como política pública
que tenha por finalidade garantir à população camponesa os mesmos direitos educacionais
garantidos à população urbana.
É perceptível que no decorrer da história essa modalidade educacional sempre foi dei-
xada em segundo plano, não houve um investimento significativo pelos representantes gover-
namentais para que tivesse uma educação do campo condizente com a cultura e identidade
do povo camponês.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 665


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

UM HISTÓRICO DAS TECNOLOGIAS rio Nacional de Informática na Educação na


EDUCACIONAIS NAS ESCOLAS Universidade de Brasília (UNB), dentre seus
BRASILEIRAS objetivos discutir a relação ao uso do com-
putador como ferramenta educativa, após o
Muitas escolas rurais ainda não con- evento foi criado um grupo Intersetorial, com
tam com a disponibilização de internet. Isso representantes da SEI, MEC, CNPq e FINEP
compromete a comunicação entre os órgãos para elaboração de um documento para um
competentes da educação, seus atores e a futuro Programa de Informática na Educação
sociedade. Introduzir a informática na edu- para discutir ações de implementação.
cação como recurso pedagógico se deve à
necessidade de mudança no processo edu- Em 1989, o Ministério da Educação
cacional, adequando o ensino às novas de- (MEC) cria o Programa Nacional de Informá-
mandas sociais. tica Educativa (PRONINFE), em meados de
1989, que estabelece:
Segundo Nascimento (2007), no Brasil
[...] a necessidade de um forte programa
os primeiros passos da informática educativa
de formação de professores e técnicos
no Brasil se deram em meados de 1971, por na área de informática educativa, acredi-
meio de discussões acerca do ensino de físi- tando que nenhuma mudança tecnológica
ca na USP de São Carlos, conjuntamente com ocorreria se não estivesse profundamente
a Universidade de Dartmouth/EUA. amparada por um intensivo programa de
capacitação de recursos humanos (NAS-
No ano de 1975 foi elaborado o do- CIMENTO, 2007, p. 32).
cumento intitulado: “Introdução de computa-
dores nas escolas de 2º Grau”, coordenado Já o Programa Nacional de Tecnologia
pelo Professor da Universidade de Campinas Educacional (PROINFO), que por meio da
- UNICAMP, Ubiratan d’Ambrósio em parceria Rede Nacional de Formação Continuada de
com o Ministério da Educação (MEC). Professores passou a ofertar cursos a distân-
cia e semipresenciais, a partir de demandas
Ainda neste ano 1975, Seymour Papert do ensino, com o intuito de partir da prática e
e Marvin Minsky, os cientistas atuam na área do conhecimento teórico do professor (BRA-
de inteligência artificial, visitaram a UNICAMP SIL, 2005). Em meados de 2011, o (PROIN-
e firmaram parcerias técnicas criando o grupo FO) passou, inclusive, a investir na aquisição
de estudos nas áreas de linguística, psicolo- e na introdução de tecnologias nas salas de
gia educacional e computação dedicando-se aula.
a estudar a utilização de computadores na
educação. Na Lei de Diretrizes e Bases da Edu-
cação Nacional (LDB) (BRASIL, 1996) trata
Em 1983 foi criado o Núcleo Interdis- que o objetivo da educação básica é o de
ciplinar de Informática Aplicada à Educação compreender as tecnologias com base no
(NIED) da Unicamp, e com o apoio do MEC meio social e que poderão ser oferecidas for-
(MANSKE, 2012; NASCIMENTO, 2007). mações iniciais e continuadas a professores
A informática voltada para a educação utilizando-se das tecnologias. Segundo Vieira
teve suas primeiras ações nas áreas entre (2003), as políticas públicas são pensadas
a Secretaria Especial de Informática (SEI) de modo a contemplar as diferenças regio-
em parceria com o Ministério da Educação nais e as especificidades locais.
(MEC), o Conselho Nacional de Desenvolvi-
mento Científico e Tecnológico (CNPq) e a
Financiadora de Estudos e Projetos (FINEP).
No ano de 1981, foi realizado o I Seminá-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 666


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Desse modo, cabendo à escola a toma- Na busca pela articulação entre as TIC
da de decisões, proporcionando-lhes maior e a base nacional comum da educação bási-
autonomia. Ao mesmo tempo, as políticas pú- ca seria o caminho para a reforma proposta
blicas não dão condições necessárias para para os cursos de licenciatura, citado no PNE:
a autossuficiência, o que acaba responsabili- [...] promover e estimular a formação ini-
zando a escola pelo fracasso ou sucesso dos cial e continuada de professores (as) para
resultados obtidos. a alfabetização de crianças, com o conhe-
cimento de novas tecnologias educacio-
ESCOLAS RURAIS E A INCLUSÃO DAS
nais e práticas pedagógicas inovadoras,
TECNOLOGIAS EDUCACIONAIS estimulando a articulação entre progra-
mas de pós-graduação stricto sensu e
Nas escolas, a construção do currículo
ações de formação continuada de profes-
pode assumir um papel de conflitos e lutas sores (as) para a alfabetização (BRASIL,
entre diferentes tradições e diferentes concep- 2014, p.4).
ções sociais (GOODSON, 2001), mas tam-
bém pode ser dialógica, participativa e englo- As TICS são compreendidas como tec-
bar o processo de ação-reflexão-ação, como nologias educacionais, ou seja, como meto-
sugere Paulo Freire. dologias ou técnicas, ou ainda materiais de
ensino diferenciado. No decorrer da história
Integrar as TIC ao currículo pode re- do Brasil as desigualdades educacionais de
presentar a inclusão, o direito dos alunos à acesso à escola, à permanência dos estudan-
cultura digital, valorizando e atribuindo signi- tes e ao seu aprendizado foram naturalizadas,
ficado pedagógico a todas as possibilidades principalmente ao se tratar dos grupos defi-
de conhecer. nidos por raça/etnia, sexo e condição socio-
Entende-se que o direito a uma educação econômica.
de qualidade seja assegurado por direito aos Destaca-se ainda, a existência e con-
alunos do campo segundo a sua realidade, e dições desiguais de oferta da educação aos
o conhecimento a partir das tecnologias, e de estudantes, que se configuram em violações
tecnologias disponíveis na sociedade façam de direitos constitucionais, reforçando as de-
parte da educação para facilitar sua realidade. sigualdades socioeconômicas, étnico-raciais
Socializar esses conhecimentos é necessário e regionais (PARANÁ, 2019).
para a vida dos alunos do campo, no aspecto
político, social, econômico e intelectual. Apesar de compreendida a importância
do acesso à informação, alguns dados reve-
No Plano Nacional de Educação (2014- lam que o Brasil ainda encontra problemas
2024) (PNE), tem-se a busca pela garantia para garantir esse acesso nas escolas públi-
do o direito à educação a todos os seus ci- cas da área rural.
dadãos, com o objetivo de articular o Sistema
Nacional de Educação, está descrito no art. Segundo pesquisa da TIC de 2018, no
214 da Constituição Federal de 1988 (BRA- Brasil 43% das escolas rurais não têm internet
SIL, 1988), que aponta os princípios funda- por falta de estrutura na região. E 62% delas
mentais para o seu desenvolvimento. não tem computador para uso dos alunos.
Enquanto 98% das escolas urbanas têm pelo
Nesse contexto o PNE define objetivos, menos um computador tem acesso à internet
metas e estratégias para os diversos níveis, conforme demonstrado no gráfico abaixo Fig.
etapas e modalidades de ensino em prol da 01.
garantia do direito à educação de qualida-
de para todos, como por exemplo: formação
docente, infraestrutura, tecnologias educacio-
nais, gestão.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 667
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

dezembro de 1996 (BRASIL, 1996), que abre


espaço para o reconhecimento dos sujeitos,
homens e mulheres, crianças e jovens e adul-
tos, quilombolas, indígenas e outros, histori-
camente invisibilizados ao longo de séculos
da nossa história.
A constituição brasileira garante a edu-
cação como um direito, instrumento impres-
cindível para reconhecer a si próprio como
sujeito ativo na transformação de seu grupo
e do seu meio social, o acesso à educação
como o Direito Humano universal, social ina-
Fonte: UNESCO/TIC- 2018 - FIGURA 01
lienável, que possui relação com outros direi-
Há um cenário de subordinação do tos, especialmente os direitos civis e políticos
campo à cidade e da agricultura à indústria é e de caráter subjetivo, sobre os quais a edu-
uma tendência do desenvolvimento histórico cação é decisiva.
que se expressa na crescente urbanização do Os Direitos Humanos, também, estão
campo e industrialização da agricultura. Tal assegurados nas Diretrizes Curriculares Na-
tendência se traduz num avanço, como cons- cionais da Educação Básica (DCNGEB),
tataram Marx e Engels no Manifesto do Parti- apontando que os mesmos são resultados
do Comunista: a burguesia desempenhou na da busca pelo reconhecimento, realização e
História um papel eminentemente revolucioná- universalização da dignidade humana. Histó-
rio, rompendo‚ as relações feudais, patriarcais rica e socialmente construídos, dizem respei-
e idílicas (MARX; ENGELS, 1968). to a um processo em constante elaboração,
Entre os vários aspectos que expressam ampliando o reconhecimento de direitos face
o caráter revolucionário da burguesia elenca- às transformações ocorridas nos diferentes
dos no Manifesto destaca-se aquele referente contextos sociais, históricos e políticos” (BRA-
à relação cidade-campo: SIL, 2013, p. 517).
A burguesia submeteu o campo à cida- Considerando a diversidade humana,
de. Criou grandes centros urbanos; au- característica da formação da sociedade bra-
mentou prodigiosamente a população sileira, cuja finalidade é o desenvolvimento
das cidades em relação à dos campos dos sujeitos em suas dimensões individual,
e, com isso, arrancou uma grande parte social, política, econômica e cultural, objeti-
da população do embrutecimento da vida
vando que a pessoa e/ou grupo social se
rural. Do mesmo modo que subordinou
o campo à cidade, os países bárbaros e reconheça como sujeito de direitos (BRASIL,
semibárbaros aos países civilizados, su- 2013).
bordinou os povos camponeses aos po-
No início do século XX, no Brasil era
vos burgueses, do Oriente ao Ocidente
(MARX, 1968, p. 27).
muito comum no meio rural, as “escolinhas”,
geralmente multisseriadas e isoladas, eram
A concepção da Educação do Cam- pouco questionadas pelas forças hegemôni-
po, enquanto garantia de direitos dos povos cas da sociedade quanto a sua eficácia no
campesinos, é relativamente recente no Bra- ensino. Com o processo de urbanização cres-
sil, vem se consolidando a partir da consti- cente e o movimento de correntes migrató-
tuição de 1988, e fundamentalmente com a rias, a educação rural começa a ser objeto
implementação da Lei de Diretrizes e Bases de algumas preocupações de alguns setores
da Educação Nacional (LDB), Lei 9394 de ligados à educação.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 668
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Leite (1999) aponta o forte movimen- Isso aponta para um papel ativo a ser
to migratório ocorrido no país no período cumprido pelos agricultores e por suas orga-
1910/1920 como desencadeador de um nizações, o fato de que é necessário visar o
olhar mais atento para a educação rural, con- desenvolvimento rural e repensar o papel a
texto em que surge o “ruralismo pedagógico”, ser cumprido pelo Estado, nas suas diferentes
que pretendia uma escola integrada às condi- esferas, desde a regulamentação e execução
ções locais, objetivando assim fixar o homem dessas políticas.
no campo.
De acordo com Daniel (2013), muitos
A ideia de fixação do homem ao campo membros da comunidade de educação vêm
exaltava de forma romantizada uma educação trabalhando para assegurar que as mudan-
voltada à vocação do país, entendida como ças tecnológicas impulsionam a pedagogia e,
agrária. Assim entendia-se que era da terra vice-versa, que a pedagogia influencie a tec-
que o homem deveria retirar a sua felicidade nologia. E colocando essa tecnologia a servi-
e somente nela conquistaria o enriquecimento ço dos sujeitos e de sua atuação no mundo,
próprio e do grupo social do qual fazia parte promover a inclusão das pessoas das áreas
(CALAZANS, 1993). rurais.
Mesmo que a Constituição Federal de Segundo Daniel (2003), são muitas as
1988, não estabeleça explicitamente a educa- reflexões sobre a educação no novo mundo
ção do campo, pois não há um artigo espe- pós-moderno, a riqueza tecnológica da atua-
cífico para tanto, conclui-se, no entanto, que lidade, sem esquecer a questão da barreira
com a determinação constitucional de que a digital, conceito que se refere ao abismo que
educação é um direito de todos. E a educa- separa os que têm dos que não têm, dos in-
ção do campo deve ser fornecida e garantida cluídos dos excluídos digitalmente (DANIEL,
no mesmo patamar que a educação urbana. 2003, p. 10).
A educação desta modalidade possui tal A tecnologia é importante para a Edu-
denominação não só apenas por sua localiza- cação das Escolas do Campo onde o ensino
ção espacial e geográfica, mas também pela aprendizado beneficia a comunidade que vive
cultura que a população camponesa possui e trabalha no Campo, possibilitando desen-
que a diferencia da cultura das pessoas que volver o aprendizado a partir das tecnologias
vivem no meio urbano. Assim, como estabele- educacionais, fazendo com que se sintam
ce as Diretrizes Curriculares da Educação do mais valorizados e preparados para socieda-
Campo, a educação do campo configura-se de.
“um conceito político ao considerar as parti-
Diante desta realidade torna-se impor-
cularidades dos sujeitos e não apenas sua
tante a implantação de tecnologias nas esco-
localização espacial e geográfica” (BRASIL,
las do campo, possibilitando suprir necessi-
2006, p. 24).
dades de conhecimentos tecnológicos e para
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EDUCAÇÃO aperfeiçoamento profissional na resolução de
RURAL atividades na vida do campo.
As políticas públicas para o meio rural, E assim os conhecimentos adquiridos
entre elas a da educação, devem contribuir através dos meios tecnológicos possam agre-
para ampliar o capital social das comunida- gar novos valores culturais, de identidade, na
des locais a partir da criação e do fortaleci- valorização como indivíduos da sociedade do
mento das instituições, da participação dos campo, não sendo “inferiorizado” em relação
agricultores na definição e na execução das ao urbano.
políticas públicas.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 669
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Os recursos tecnológicos atuais são apreensão da realidade, e o desenvolvimento


considerados imprescindíveis para agregar de todas as potencialidades do educando:
conhecimento e valor cultural ao homem do Haverá uma integração maior das tecno-
campo. logias e das metodologias de trabalhar
Assim a escola poderia ser responsável com o oral, a escrita e o audiovisual. Não
precisaremos abandonar as formas já co-
na ampliação do acesso às tecnologias de
nhecidas pelas tecnologias telemáticas,
informação no território camponês e tendo só porque estão na moda. Integrar as tec-
em vista que a educação não existe fora do nologias novas e as já conhecidas. As uti-
território, assim como a cultura, a economia lizaremos como mediação facilitadora do
e todas as outras dimensões. processo de ensinar e aprender participa-
tivamente (MORAN, 2000, p. 137-144).
O acesso à tecnologia na área rural, não
deve ter por intuito apenas o acesso à cultu- Para Bonilla (2004), a tecnologia traz
ra da cidade. Ela deve ser vista e recebida aos sujeitos do campo informações que au-
para que essas pessoas também possam se xiliam na melhoria da produção agrícola fa-
colocar como produtores culturais, em suas miliar. Por isso, é necessário pensarmos em
próprias percepções. Isso fortalece e valoriza estratégias que promovam este desenvolvi-
a cultura do campo. mento rural sem que estes sujeitos tenham
que abandonar seu modo de viver.
Acessar a internet, e por consequência
o conhecimento disponível pode abrir por- O acesso às informações pela Internet,
tas para essas comunidades a possibilidade especialmente para o jovem rural, pode me-
de criação de uma identidade própria nesse lhorar a vida no campo, seu modo de traba-
mundo virtual. Além de consumir conteúdos, lho, técnicas de plantio e cultivo, estratégias
os moradores de zonas rurais passam a ter a de transformação e comercialização da pro-
possibilidade de produzir conteúdo sobre sua dução.
realidade e cultura.
As tecnologias de informação podem
A tecnologia não é apenas para ter ampliar as redes territoriais dos estudantes
acesso a cultura da cidade. Ela tem que ser na integração entre o rural e o urbano. Na
vista e recebida para que essas pessoas tam- sociedade da tecnologia torna-se um direito
bém possam se colocar como produtores o acesso à informatização, a inclusão digital
culturais, em suas próprias percepções. Isso e as inúmeras possibilidades que se abrem
fortalece e valoriza a cultura do campo. com o acesso à rede mundial de computa-
dores.
A Internet como ator envolvido na com-
preensão dos fluxos de informação, de co- Neste sentido, as escolas rurais volta-
nhecimento e de poder que percorrem os das para a educação do campo ganham mui-
territórios camponeses, pode vir a expandir a ta relevância, por serem as que possuem a
consciência dos direitos de elaboração de po- maior capacidade de credibilizar essa amplia-
líticas públicas de inclusão e geração de bem ção da territorialidade da agricultura familiar.
estar, que vão do acesso a serviços públicos
Ao mesmo tempo percebe-se que nesta
de saúde e educação à organização para o
perspectiva as crianças e jovens rurais, tem
desenvolvimento no contexto local e regional.
sofrido restrição de acesso de serviços e
Moran (2007) considera que as tecno- bens públicos, num contexto de desigualda-
logias poderiam ser pontes que abrem sala des sociais, evidenciadas pela falta de políti-
de aula para o mundo, que representam, me- cas públicas voltadas para a juventude rural e,
deiam o nosso conhecimento do mundo, re- mais especificamente rural tende a promover
presentando diferentes formas na busca pela o êxodo rural, migrando inicialmente para a
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 670
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

cidade em busca de oportunidades de estudo rentes metodologias, atendendo a diversas


ou formação profissional e, consequentemen- necessidades e ritmos de aprendizagem, é
te, esvaindo-se da produção agrícola baseada a entrada da escola na cultura digital. En-
no agronegócio (BARCELLOS, 2017), onde tende-se por cultura digital os processos de
na maioria das cidades de porte pequeno a transformação socioculturais que ocorreram a
médio são é altamente dependente da produ- partir do advento das tecnologias digitais de
ção agrícola (GUILHOTO et al., 2007). comunicação e informação (TDIC).
Segundo Freire (2002), todas as ações O trabalho escolar nessa perspectiva da
advindas das realidades concretas de edu- Educação na Cultura Digital possibilita aliar
candos e educadores, buscam fortalecer a aos processos e às práticas educacionais
integração de mídias novas e “antigas” como novas formas de aprender e ensinar. Assim,
suporte à prática docente, se fazendo impor- esse contexto apresenta à escola desafios ao
tante a apropriação dos recursos tecnológi- cumprimento do seu papel em relação à for-
cos no lócus escolar, estabelecendo relações mação dos estudantes.
dialógicas necessárias à realidade concreta
Diante desse contexto, as Diretrizes Cur-
dos sujeitos. Conteúdos e necessidades que
riculares Nacionais da Educação Básica (DC-
contemplam articuladamente o instrumental,
NGEB), indicam que as instituições escolares,
pedagógico e sociocultural no uso de tecno-
ao desenvolverem práticas pedagógicas que
logias na educação (PARANÁ, 2008).
visem à promoção da equidade, reconheçam
A educação como política pública é fun- que as necessidades dos estudantes são dife-
damental para o campesinato, desde a forma- rentes, empreendendo esforços para cumprir
ção técnica e tecnológica para os processos o compromisso de reverter à situação de ex-
produtivos, até a formação nos diversos níveis clusão histórica que marginaliza grupos.
educacionais, do fundamental ao superior
Como os povos indígenas originários e
para a prática da cidadania, e promovendo
as populações das comunidades remanes-
justiça social (FERNANDES, 2006).
centes de quilombos e demais afrodescen-
Nesse sentido, busca-se a qualidade da dentes, e as pessoas que não puderam estu-
educação visando uma aprendizagem efetiva, dar ou completar sua escolaridade na idade
ou seja, que trate de forma diferenciada o que própria. Igualmente, requer o compromisso
se apresenta como desigual no ponto de par- com os alunos com deficiência, reconhecen-
tida, com objetivo de equiparar o desenvolvi- do a necessidade de práticas pedagógicas
mento, assegurando a igualdade de direito à inclusivas e de diferenciação curricular (BRA-
educação. Neste sentido a escola tem função SIL, 2013. p. 15).
essencial de possibilitar autonomia:
PROCEDIMENTO METODOLÓGICOS
A terra, seu celeiro primitivo, é também
seu arsenal primitivo de meios de traba- O trabalho discute e analisa as condi-
lho. Fornece-lhe, por exemplo, a pedra ções de acesso às redes de informação das
que lança e lhe serve para moer, pren- escolas rurais, bem como as proposições das
sar, cortar etc. A própria terra é um meio políticas públicas para esta finalidade. Assim
de trabalho, mas, para servir como tal na este trabalho de cunho teórico, foi desenvolvi-
agricultura, pressupõe toda uma série de
do, a partir de revisões bibliográficas, artigos
outros meios de trabalho e um desenvol-
vimento relativamente elevado da força de
científicos publicados, pesquisas de órgãos
trabalho (MARX, 1968, p. 203-204). internacionais, como a UNESCO, bem como
da literatura existente e discussões recentes
Uma estratégia didático-pedagógica acerca da temática.
que possibilita o desenvolvimento de dife-

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 671


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste contexto a exclusão digital ainda está muito presente na sociedade brasileira, e
que acentua aspectos de exclusão social, onde se faz cada vez mais necessário ao acesso,
conhecimento este que se faz também por meios digitais, tanto no acesso a serviços públicos,
bem como a produtos sejam eles intelectuais ou físicos.
Ao mesmo tempo em que o acesso às redes de comunicação se faz essencial para
a formação para o trabalho. E a universalização de conhecimentos básicos de informática e
da internet é fundamental para limitar o impacto negativo que pode ter sobre os setores mais
carentes, e as várias limitações das políticas para democratizar a informação.
No entanto, as novas tecnologias da informação podem aumentar as desigualdades
sociais existentes e as políticas para inclusão digital nada mais são que uma luta para buscar
as condições e possibilidades de acesso ao mercado de trabalho e as condições de vida.
Assim são necessárias políticas públicas efetivas junto ao processo de formação edu-
cacional para a fluência tecnológica em TIC, laboratórios de informática, e que os mesmos
não fiquem sucateados com o passar dos anos, que sejam bem planejados para que tanto a
velocidade da internet, computador e instalações elétricas permitam seus usos por um longo
período de tempo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 672


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BARCELLOS, S. B. Políticas Públicas para a juventude rural: o PRONAF Jovem em debate. p. 149-173. Planeja-
mento e Políticas Públicas | ppp | n. 48 | jan./jun. 2017.

BRASIL. Constituição Federal do Brasil de 1988.

______. Lei nº. 9.394, de 20 de dezembro de 1996, Estabelece a Lei de Diretrizes e bases da educação nacional.
Disponível em: portal.mec.gov.br/ seed/ arquivos/ pdf/ tv escola/leis/lei n 9394.pdf.

______. Lei 12.960/2014. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2014/Lei/L12960.

______. Plano Nacional de Educação 2014-2024 [recurso eletrônico] : Lei nº 13.005, de 25 de junho de 2014.
Brasília: Câmara dos Deputados, Edições Câmara, 2014.

______. Ministério da Educação e Cultura. Rede Nacional de Formação Continuada de Professores de Educação
Básica: Orientações Gerais. Brasília, 2005.

______. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: Educação Física. Brasília: MEC/
SEF, 1996.

_____. Ministério da Educação e Cultura. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: acesso em:
2 out. 2020.

______. Diretrizes Curriculares da Educação do Campo. Secretaria da Educação do Estado do Paraná. Disponível
em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/diretrizes/diretriz_edcampo.pdf.

______. Diretrizes Operacionais para a Educação Básica nas escolas do campo. Resolução 01 de abril de 2002.
Disponível em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman view=download alias=1380 0-rceb 001-
02-pdf & Itemid=30192.

______. MEC/CNE. Diretrizes operacionais para educação básica nas escolas do campo. Parecer CNE/CEB n.
36/2001, aprovado em 4 de out. de 2020.

BONILLA, M. H. Inclusão digital e formação de professores. Revista de Educação, Lisboa, v. XI, n. 1, 2004, p. 43-50.

BOSI, Alfredo. Dialética da colonização. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.

CALAZANS, M.J.C. Para compreender a educação do Estado no meio rural: traços de uma trajetória. In: THERRIEN,
J.; DAMASCENO, M.N. (Org.). Educação e escola no campo. Campinas: Papirus, 1993.

DANIEL, J. Educação e Tecnologia: num mundo globalizado. Brasília: UNESCO, 2003. 216 p.

FERNANDES, B. M. Os campos da pesquisa em educação do campo: espaço e território como categorias essen-
ciais. In: MOLINA, M. A pesquisa em Educação do Campo. Brasília: Programa Nacional de Educação na Reforma
Agrária, 2006.

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 2002.

GUILHOTO, J. J. M., AZZONI, C. R., SILVEIRA, F. G., ICHIHARA, S. M., DINIZ, B. P. C. e MOREIRA, G. R. C. PIB da
Agricultura Familiar: Brasil – Estados. NEAD Estudos. Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA). Brasília, 2007.

GOODSON, I. F. Currículo: teoria e história. 4. ed. São Paulo: Vozes, 2001.

LEITE, S.C. Escola rural: urbanização e políticas educacionais. São Paulo: Cortez, 1999.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 673


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LEMOS, A. Cibercultura como território recombinante. In: MARTINS, C. D.; CASTRO e SILVA, D.; MOTTA, R.(Orgs.).
Territórios recombinantes: arte e tecnologia – debates e laboratórios. São Paulo: Instituto Sérgio Motta, 2007.

LÉVY, P. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

MANSKE, A. S. N. Tecnologias Assistivas: Inclusão Digital nos Laboratórios de Informática no Município de Esteio.
2012. 49f. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Mídias na Educação) - Universidade Federal do
Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012.

MARX, Karl. O Capital. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1968.

______; ENGELS, F. Manifesto do Partido Comunista. São Paulo: Escriba, 1968.

MORAN, Informática na Educação: Teoria & Prática. Porto Alegre, vol. 3, n.1 (set. 2000) UFRGS. Programa de
Pós-Graduação em Informática na Educação, pág. 137-144.

______l. A educação que desejamos novos desafios e como chegar lá. Campinas: Papirus, 2007.

NASCIMENTO, J. K. F. do. Informática aplicada à educação. 2007.

PARANÁ. Secretaria Estadual de Educação do Paraná. TV Multimídia. Disponível em: http://www.diaadia.pr.gov.


br/tvpendrive.

______. Princípios do Referencial Curricular do Paraná, 2019.

SANCHES, A. N. R. Cartas sobre a educação da mocidade. Coimbra: Imprensa da Universidade, 1922.

UNESCO. Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura. TIC EDUCAÇÃO 2018. São Paulo,
SP | 16 de julho de 2019. Disponível em: https://cetic.br/media/analises/tic_educacao_2018_coletiva_de_im-
prensa.pdf.

VIEIRA, A. T.; ALMEIDA, M. E. B.; ALONSO, M. (Org.). Formação de Educadores: Gestão Educacional e Tecnologia.
São Paulo: Avercamp, 2003.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 674


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Graduada em Serviço Social pela Universidade


Anhanguera (2015); Professora de Educação Infantil
no município de São Paulo.

TATIANA FELIPE
DE LIMA DO NASCIMENTO

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 675
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A ESCOLA COMO LUGAR DE DEFESA DA IGUALDADE RACIAL

RESUMO: Para compreender a problemática da intolerância racial no âmbito escolar, precisamos


primeiro, entender os motivos que levaram a etnia negra a ser alvo de discriminação dentro
do processo histórico brasileiro e o legado deixado por essa história, relacionando-os com
as estruturas de discriminação atuais, principalmente, no ambiente escolar. Desenvolvendo
ferramentas de conhecimento cultural que trabalhem a compreensão dos alunos, desde a infância,
com relação à diversidade cultural e a importância de todos na construção da nação, podemos
despertar neles a importância de uma consciência coletiva e solidária.

Palavras-chave: Racismo; Escola; Formação; Docentes.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 676


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Embora sejamos um país perceptivel- Por essa herança histórica, a sociedade


mente miscigenado, podemos averiguar em ainda assimila a cor da pele com a escravi-
nosso cotidiano, nas várias esferas sociais, dão, serviços mais humildes, pouca escolari-
a presença da intolerância racial. Este tema dade e cultura, à violência e pobreza.
tem sido muito discutido no Brasil, por conta
A escola, como instituição social e es-
das conquistas de direitos e de representação
paço de aprendizagem, ainda não está fora
que as camadas discriminadas do país vem
desse quadro lastimável, porém deve estar
ganhando em suas lutas, ao longo da história
preparada e capacitada para trabalhar com
e principalmente pelos casos cada vez mais
seus alunos o tema da diversidade e respei-
graves de racismo disfarçado e preconceitos
to a todo e qualquer indivíduo , não apenas
escancarados,ou vice versa, que permeiam
enquanto aluno, mas também como cidadão.
as interações sociais.
Este tema deve permear toda a esfera
Há indivíduos que não se assumem
escolar, nas disciplinas, nas dependências da
como racistas ou tão pouco admitem que no
escola, nas situações de interação e discur-
país haja diferenciação de pessoas pela sua
sos em que mais se propaga situações de
característica física, talvez pelo fato deste país
preconceitos. Pois como um local privilegiado
ter se constituído pelas mais variadas etnias.
de socialização e construção de conhecimen-
Apesar dessa miscigenação tão enalte- to, a escola é o lugar onde se formam as
cida e levada às poesias, nas artes, na músi- identidades e opiniões dos cidadãos.
ca e nas mídias sociais, ainda temos um triste
Com frequência a mídia notifica casos
quadro de violência e preconceito disfarçado
de intolerância racial, quando não, nós mes-
em piadas, dizeres populares, nos discursos
mos presenciamos esses tristes episódios no
cotidianos afora. Sempre existe aquela frase
dia a dia. O que revela ser espantoso pois em
solta que, sem perceber, fere consideravel-
nosso país há uma população predominante-
mente um indivíduo. Este, por muitas vezes,
mente negra ou afrodescendente e no entan-
se vê obrigado a entrar na “brincadeira”.
to, os negros vindos do continente africano,
De fato, muito se fala em dar voz aos nos dias de hoje, ainda sofrem preconceitos
discriminados, mas ainda não se preocupam por parte dos brasileiros. Isto mostra que mui-
em ouvir, em se colocar no lugar do outro, em to ainda temos que fazer para combater o pre-
perceber que a dinâmica da vida em socie- conceito étnico racial, que está incorporado
dade é a diversidade, é o compartilhamento há séculos em nossa sociedade.
de múltiplas visões de mundo, em que se
Estes fatos nos propõem uma reflexão
aprende com o diferente. Esse preconceito
sobre as relações entre professor e aluno,
advém do nosso passado.
aluno e aluno, entre escola e família, princi-
Por muitos anos, o Brasil viveu o regime palmente acerca da intolerância às diferen-
escravocrata, tendo a economia movimentada ças étnicas dentro das escolas e como ele
às custas do trabalho escravo. Desse modo, influencia na formação do aluno, na vivência
o racismo tornou-se algo enraizado, trazendo docente e na vida da comunidade.
frutos até hoje de discriminação e intolerân-
cia, através de ideologias e comportamentos
que excluem ou minimizam os negros.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 677


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Pretendemos, por meio deste artigo, o indivíduo como o cidadão que a constitui.
apontar que o combate a intolerância racial Conforme aponta (GOMES, 2005).
deve ser trabalhado na escola e propagado
Para que a escola consiga avançar na
na comunidade, sugerindo maneiras de lidar
relação entre saberes escolares/ realidade so-
com tal problemática nas relações dentro da
cial/diversidade étnico-cultural é preciso que
escola, que é a instituição onde existem as
os(as) educadores(as) compreendam que o
mais diferentes culturas e características indi-
processo educacional também é formado por
viduais históricas advindas da própria comuni-
dimensões como a ética, as diferentes identi-
dade que a circunda, mostrando que a escola
dades, a diversidade, a sexualidade, a cultura,
precisa ser um espaço de mais aprendizagem
as relações raciais, entre outras.
humana, respeito e igualdade de direitos, de
construção da cidadania e da autonomia, E trabalhar com essas dimensões não
tema tão teorizado nas esferas acadêmicas. significa transformá-las em conteúdos escola-
res ou temas transversais, mas ter a sensibi-
Estes casos em que a aparência das
lidade para perceber como esses processos
pessoas interferem em suas vidas, principal-
constituintes da nossa formação humana se
mente a dos afrodescendentes no caso do
manifestam na nossa vida e no próprio coti-
Brasil, se torna cada vez mais recorrente em
diano escolar (GOMES, 2005, p.147).
um paradoxo quase que universal.
Como vimos, a questão da diversidade
Quanto mais se fala em respeito às di-
deve ser trabalhada no cotidiano escolar, não
versidades, mais aparecem casos de intole-
apenas em datas comemorativas, como o Dia
rância. Talvez pela rapidez das informações,
da Consciência Negra, ou em festividades cul-
com o avanço tecnológico, hoje muitas práti-
turais em que se despende tempo, material e
cas de intolerância não caem na dissimulação
toda uma movimentação da escola em torno
como em outros tempos.
de alguns dias, como se a consciência de
Com a conscientização cada vez mais direitos cidadãos e enaltecimento das cultu-
abrangente, pessoas que antes não se mani- ras que constituem nossa diversidade fossem
festavam contra estas práticas, hoje sabem apenas lembradas em datas.
que, além de contar com o apoio de grande
O ensino não explora a questão da
parte da população, também tem o apoio da
diversidade étnica em sua função social e
lei para tratar dos casos em seja necessário
cidadã. Nos livros didáticos, alunos negros
ser assistido por ela , para fazer valer tais
encontram uma visão muitas vezes negativas
direitos.
da história, das lutas e da cultura de seus an-
No caso do ambiente escolar, em que cestrais, tanto nas imagens, como nos textos,
a conduta do educador como um mediador os conteúdos inferiorizam os povos escravi-
da construção do conhecimento e das bases zados.
para uma formação do educando como ser
Este fato, já infere na construção de
social, cabe a ele, saber lidar com a diversida-
significados dos educandos. Seja qual for a
de em sala de aula e tratá-la de maneira justa.
descendência do aluno, fato é que , seja na
À gestão escolar, como mantenedora autoestima de uns, como no conceito de ou-
de um lócus de apropriação dos saberes tros, todos os alunos são afetados por tais
construídos social, histórica e culturalmente métodos de mediação nas aulas.
pela humanidade, cabe administrar as práti-
cas docentes em uma educação voltada para
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 678
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em 2003, a Lei 10.639/2003, estabele- de todos os envolvidos nas dependências da


ce a obrigatoriedade do ensino de História e escola e comunidade, esperando trazer de
Cultura Afro-Brasileira e Africana na Educação fato uma conscientização do respeito à diver-
Básica e a partir daí abre-se um espaço no sidade.
currículo escolar em que as disciplinas con-
Para isso, é necessário identificar os
templarão os valores culturais afro-brasileiros
problemas enfrentados pelos frequentadores
como contribuição para a história nacional
do ambiente escolar (professores, alunos, fun-
Conforme o relatório Diretrizes Curriculares
cionários, pais, etc.) com relação ao racismo,
Nacionais para a Educação das Relações
verificar as alternativas criadas pelas escolas
Étnico-Raciais e para o Ensino de História e
para tentar solucionar o problema e analisar
Cultura Afro-Brasileira e Africana:
a efetividade das alternativas criadas.
Reconhecer exige a valorização e respeito
às pessoas negras, à sua descendência A reflexão sobre este tema se faz ne-
africana, sua cultura e história. Significa cessária porque, apesar de existir uma forte
buscar, compreender seus valores e lu- mistura de raças no Brasil, o racismo ocorre
tas, ser sensível ao sofrimento causado diariamente, mesmo que de forma sutil, atra-
por tantas formas de desqualificação:
vés de piadas, apelidos ou pelo simples evitar
apelidos depreciativos, brincadeiras, pia-
das de mau gosto sugerindo incapacida- de um contato físico.
de, ridicularizando seus traços físicos, a Por isso, é importante identificar se a
textura de seus cabelos, fazendo pouco
escola está criando condições para não só
das religiões de raiz africana. Implica criar
condições para que os estudantes negros contemplar as atividades presentes nas leis
não sejam rejeitados em virtude da cor da de diretrizes referente à pluralidade étnico-ra-
sua pele, menosprezados em virtude de cial, mas também cidadãos orgulhosos de
seus antepassados terem sido explorados seu pertencimento étnico-racial, sejam des-
como escravos, não sejam desencoraja- cendentes de africanos, indígenas, europeus
dos de prosseguir estudos, de estudar
ou asiáticos. Só assim, poderemos construir
questões que dizem respeito à comuni-
dade negra (SILVA , et e tal, 2004, p.11) uma nação democrática onde todos tenham
os direitos garantidos e as identidades valo-
O objetivo deste trabalho é trazer uma rizadas.
reflexão sobre o papel da escola na cons-
trução de uma sociedade mais humana em Muitas gerações já passaram desde
que a multiplicidade cultural seja vista como que a escravidão foi abolida, a população
riqueza de saberes compartilhados, em que cresceu e se miscigenou ainda mais, a família
cada cidadão constrói sua história individual brasileira é uma mistura de raças. Os avanços
e social. científicos e tecnológicos trouxeram novas for-
mas de produzir, pensar e agir em sociedade.
Em específico pretende-se identificar Com tanta evolução material, ainda se vê que
iniciativas no ambiente escolar que estejam preconceitos da antiguidade ainda se prolife-
de acordo com as Diretrizes Curriculares Na- ram nas mais variadas camadas sociais.
cionais para a Educação das Relações Ét-
nico-Raciais e para o Ensino de História e Uma criança tem as bases de formação
Cultura Afro-Brasileira e Africana, que este- da sua personalidade na família . Em idade
jam presentes nas práticas de ensino e no específica, a escola é a porta de entrada da
cotidiano escolar de forma que a intolerância criança na sociedade propriamente dita. É
racial possa ser discutida e transformada em neste espaço que haverá o confronto de sua
relações de respeito, de direitos e deveres cultura histórica obtida pela família e adultos
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 679
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

mais próximos, com as diversas culturas his- Favorecendo assim o senso crítico e
tóricas dos outros alunos, cada um com a sua despertando um novo olhar sobre a temática.
forma de enxergar o mundo. Também será colocado em pauta as relações
escola e comunidade, que deverá proporcio-
A partir deste ponto, acontecem as tro-
nar a aproximação destes dois elementos
cas de significados e conceitos que passam
que são os mais importantes na formação
por vários estágios até o ponto em que a per-
da criança e do adolescente.
sonalidade da criança passa a ser uma visão
interiorizada e ressignificada sob a influência Trazendo como tema também a respon-
das várias situações de interação e mediação sabilidade de toda a esfera social pelos direi-
que a mesma enfrentou ao longo de sua con- tos dos jovens em todos os segmentos, para
vivência principalmente na escola e na família. que se garanta os direitos sociais emergentes
e os que estão previstos em leis.
A família e a escola devem tomar provi-
dências para que se configure uma educação As ações a serem desenvolvidas na es-
para a liberdade de expressão e respeito aos cola seriam a inclusão dos temas na grade e
outros. Ensejando a construção de uma so- no calendário escolar, onde seria proporcio-
ciedade que tolhe as raízes do pensamento nado aos alunos debates, informações sobre
colonialista europeu que insiste em perma- o tema. Temos por exemplo o Dia da Consci-
necer em todas as atividades sociais atuais. ência Negra onde algo poderia ser trabalha-
do, não esquecendo também que temos a
Para que tantas lutas e conquistas não
população indígena em nosso país.
se restrinjam manifestações em redes sociais,
a casos de discriminação dissimulada, a da- Também é necessário que tais ações fi-
tas meramente comemorativas e ao cumpri- xadas, além das datas comemorativas e de
mento de atividades curriculares - que nada períodos de seminários. Deve-se manter uma
mudam o real cenário da intolerância e do vigilância por parte de toda a equipe escolar,
preconceito - cabe à instituição escolar cum- incluindo todos os que nela atuam - como pro-
prir de fato o seu papel social. fissionais da cozinha, limpeza e manutenção
- e não apenas os professores e a gestão. In-
Uma educação mais próxima das de-
cluindo os alunos e os pais em uma conscien-
mandas atuais, se faz para a sociedade e
tização do respeito a todo tipo de diversidade.
suas necessidades. Esta por sua vez dá os
pressupostos para que a educação se resta- Esta vigilância deve ser tanto no cam-
beleça na sua reconfiguração, agora evoluída, po das relações interpessoais com todos os
humana e cientificamente. atores da escola, promovendo a reflexão con-
tínua de expressões e situações em que co-
Portanto, não cabe mais em uma insti-
loque um indivíduo em constrangimento, evi-
tuição conquistada pelo povo e para o povo
tando o bullying nas dependências da escola
em suas mais variadas formas e cores, a ex-
e também fora dela:
clusão de qualquer elemento que a construiu.
Trata-se de oferecer a toda equipe técnica da [...] silenciamento e subordinação dos es-
escola mais aprofundamento nos estudos que tudantes negros nas relações interpesso-
ais no cotidiano escolar, e deste por sua
abordem o tema da intolerância racial e suas
vida afora: sofrer direta e cotidianamente
implicações pela e na escola. agressões e injustiças, e ainda ser leva-
do a entendê-las como “naturais”, afeta
e compromete seu desenvolvimento (CA-
VALLEIRO, 2004).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 680


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

A escola tem o poder de transformar sa- Algumas leis foram criadas, aqui no Bra-
beres, cabe à ela se colocar como defensora sil, para tentar diminuir este problema. A Lei
dos direitos dos cidadãos. Assim, a diversi- 1390/51, conhecida como Lei Afonso Arinos,
dade deve ultrapassar todas as disciplinas, proposta por político de mesmo nome, proi-
todos os setores, para que, em uma visão bia a discriminação racial no país. Porém, se
esperançosa, tenhamos menos discriminação mostrou ineficiente por faltar rigorosidade em
e mais inclusão. suas punições.
Esta inclusão não apenas no sentido de Em 1989, o político Carlos Alberto Oli-
ter um aluno x ou y matriculado e frequentan- veira dos Santos, mais conhecido como Caó,
do a escola, mas que o mesmo se sinta parte como a lei ficou também ficou conhecida,
dela e nela faça sua história. criou a Lei 7716/89 que determinava a igual-
dade racial e os crimes de preconceito racial
Quando ouvimos a palavra racismo,
e intolerância religiosa.
logo pensamos no preconceito contra os ne-
gros, mas racismo é qualquer pensamento Esta lei estipula a pena de reclusão a
ou atitude baseado nas raças das pessoas, quem comete atos de discriminação ou pre-
que inferiorize determinada raça por consi- conceito de raça, cor, etnia, religião ou proce-
derar uma raça superior a outras. Por isso, o dência nacional e pune também as pessoas
racismo pode ocorrer contra negros, índios, que incitarem a discriminação e o preconcei-
asiáticos e até com brancos. to. Tornou também o racismo crime inafian-
çável e imprescritível, mas com diferenciação
Para compreendermos melhor o pro-
entre atitudes que podem ser consideradas
blema, vamos começar diferenciando as
como racismo.
palavras raça e etnia, que muitas vezes são
usadas como sinônimos, mas apresentam Algumas atitudes que podem acontecer
significados distintos. na escola e são consideradas racistas são:
impedir acesso ou matrícula em escola públi-
Podemos identificar a raça através das
ca ou privada, emitir comentários ou ofensas
características visíveis de uma pessoa, como
que tenham conteúdo discriminatório, falta de
tom de pele, formação do crânio, rosto e tipo
atenção ou preferência em alunos baseados
de cabelo. A etnia engloba a raça, mas vai
na tonalidade da pele e qualquer atitude que
além. Considera também a cultura, naciona-
fere, denigre ou rebaixe a pessoa, baseada
lidade, afiliação tribal, religião, língua e tradi-
somente na raça.
ções.
Diante dessa realidade, o Governo bra-
Dentre as várias raças humanas, te-
sileiro passou a criar políticas públicas que
mos quatro como principais: caucasianos,
interferissem nessa situação. Uma delas foi a
mongolóides, australóides e negros. No Bra-
Lei 10.639/2003, que alterou a Lei 9.394/96,
sil, há uma mistura de raças muito forte e
conhecida como “Lei de Diretrizes e Bases
algumas se tornaram características: mulato
da Educação Nacional”, incluindo no currículo
(descendente de branco com negro), caboclo
oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
(descendente de branco com índio), cafuzo
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”
(descendente de negro com índio) e mestiço
para os estabelecimentos de ensino funda-
(mistura de duas ou mais raças).
mental e médio, oficiais e particulares.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 681


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Sendo que estes conteúdos deverão ser Art. 2º. § 1º A Educação das Relações
ministrados em todo o currículo escolar, espe- Étnico-Raciais tem por objetivo a divulga-
ção e produção de conhecimentos, bem
cialmente nas áreas de Educação Artística e
como de atitudes, posturas e valores que
Literatura e História Brasileiras. Além de incluir eduquem cidadãos quanto à pluralidade
no calendário escolar o dia 20 de novembro étnico-racial, tornando-os capazes de in-
como “Dia Nacional da Consciência Negra”. teragir e de negociar objetivos comuns
que garantam, a todos, respeito aos di-
Com a alteração da Lei de Diretrizes e reitos legais e valorização de identidade,
Bases da Educação Nacional, o Conselho na busca da consolidação da democracia
Nacional de Educação publicou um parecer brasileira (BRASIL, 2004).
visando regulamentar as alterações. Nele, o
O documento também deixa claro que o
Conselho salienta que estas políticas visam o
objetivo do Ensino de História e Cultura Afro-
direito dos negros se reconhecerem na cultu-
-Brasileira e Africana é não só o reconheci-
ra nacional e manifestarem seus pensamen-
mento e valorização das raízes africanas da
tos com autonomia.
nação brasileira, mas a garantia da igualdade
Para isso, o Conselho deixa bem cla- entre a cultura africana, indígena, europeia e
ro a necessidade de orientação por parte de asiática.
“professores qualificados com formação para
E que os casos que caracterizem racis-
lidar com as tensas relações produzidas pelo
mo serão tratados como crime, conforme Art.
racismo e discriminações, sensíveis e capa-
5º, XLII da Constituição Federal de 1988, pois
zes de conduzir a reeducação das relações
a lei se aplica a todos os cidadãos e institui-
entre diferentes grupos étnico-raciais”, consi-
ções, inclusive, à escola.
derando não só descendentes de africanos e
europeus, mas também de asiáticos e povos De certo que uma pessoa não nasce
indígenas. preconceituosa, ela elabora conceitos sobre
diversos assuntos por meio da socialização,
Tudo isso, “a fim de superar a desigual-
esta pessoa pode aprender conteúdos que
dade étnico-racial presente na educação esco-
possam tanto respeitar as diferenças, sejam
lar brasileira, nos diferentes níveis de ensino”.
elas raciais, religiosas ou de outro gênero,
E, a partir deste parecer, o próprio Conselho
como podem absorver conteúdos que des-
Nacional de Educação publicou a Resolução
qualificam ou inferiorizar o outro por ser di-
Nº 1, de 17 de junho de 2004, que instituiu as
ferente.
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação das Relações Étnico-Raciais e para o É importante salientarmos que esses
Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e ensinamentos transmitidos por meio da so-
Africana e tem como meta “promover a edu- cialização, não são aprendidos somente na
cação de cidadãos atuantes e conscientes no família do indivíduo, e sim em todos os es-
seio da sociedade multicultural e pluriétnica paços que favorecem essa interação social,
do Brasil, buscando relações étnico-sociais como por exemplo, na escola.
positivas, rumo à construção de nação demo-
Dessa maneira, quando um aluno negro
crática”. Segundo o documento:
se sente constrangido no meio escolar, pela
cor que possui, podemos então afirmar que
aquela identidade está sendo violada desde
já pelo racismo, que muitas vezes o leva a
evitar assumir sua própria raça, exatamente
pelo fato do grupo social, neste caso a esco-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 682
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

la, apresentar intolerância ou, então, praticar o Aqui não nos cabe um papel de rígido
silêncio diante desta. O que na prática conduz juiz, que condena docentes e demais funcio-
ao mesmo fim.Assim, podemos afirmar que: nários de uma escola por seu preconceito,
e sim o reconhecimento de que todos nós
Para o aluno, importa ter segurança
também não discutimos o tema da diferença
da aceitação de suas características, ter dis-
e nem tão pouco fomos enquanto sociedade
ponível a abertura para que possa dar-se a
brasileira a valorizar a raça negra, com sua
conhecer naquelas que sejam experiências
cultura, suas características e suas belezas.
particulares suas ou do grupo humano a que
Como afirma Munanga (2005):
se vincule e receber incentivo para partilhar
com seus colegas a vivência que tenha fora Alguns dentre nós não receberam na sua
do mundo da escola, mas que possa ali ser educação e formação de cidadãos, de
professores e educadores o necessário
referida, como contribuição sua ao processo
preparo para lidar com o desafio que a
de aprendizagem. problemática da convivência com a diver-
sidade e as manifestações de discrimina-
Resumindo, trata-se de oferecer à crian-
ção dela resultadas colocam quotidiana-
ça, e construir junto com ela, um ambiente de mente na nossa vida profissional. Essa
respeito, pela aceitação; de interesse, pelo falta de preparo, que devemos considerar
apoio à sua expressão; de valorização, pela como reflexo do nosso mito de democra-
incorporação das contribuições que venha a cia racial, compromete, sem dúvida, o
trazer. (BRASIL, 2000, p. 54). Ou seja, o cami- objetivo fundamental da nossa missão
no processo de formação dos futuros ci-
nho tem que ser o inverso do que de fato tem
dadãos responsáveis de amanhã. Com
sido até o momento. Deve a escola construir efeito, sem assumir nenhum complexo de
desde o ensino da primeira infância, a valo- culpa, não podemos esquecer que somos
rização e o respeito pelo outro, para que o produtos de uma educação eurocêntrica
aluno negro tenha sua identidade reconheci- e que podemos, em função desta, repro-
da e suas habilidades potencializadas, como duzir consciente ou inconscientemente os
preconceitos que permeiam nossa socie-
para o aluno branco que passa a respeitar e
dade (MUNANGA, 2005, p. 15).
compreender que o diferente não quer dizer
ser inferior. Ao assumirmos que também que como
educadores não fomos preparados para lidar
Não podemos de modo algum evitar re-
com a diversidade, podemos então com fir-
conhecer que enquanto instituição a escola
meza nos propor a capacitação profissional,
também pode ser portadora dessa intolerân-
para que dentro do ambiente escolar, a igual-
cia, e que desta maneira, professores e todo
dade e o respeito às diferenças, não somente
o quadro de funcionários de uma unidade
racial, possam ser vivenciadas no cotidiano
escolar, devem receber a devida orientação
de uma forma concreta e eficaz.
e capacitação para que não propaguem o
preconceito num local que deveria, como já O primeiro passo nessa formação seria
mencionamos, ser um ambiente de aprendi- conduzir todo docente a observar o racismo
zagem e de respeito pelo outro. presente na nossa rotina dentro ou fora da
escola. Assumir que a discriminação racial
A escola não pode ser omissa diante
existe é o ponto de largada rumo à uma visão
dos episódios de racismo que ocorrem em
apurada da realidade que nos cerca.
seu espaço, nem tão pouco, ser ela mesma
portadora do preconceito que aflige e estig-
matiza alunos negros.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 683


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Em segundo lugar, assumir que a luta Os alunos são a futura sociedade, eles
contra o preconceito racial é de cada cida- podem implodir as estruturas da vida racismo
dão, inclusive se este é um educador. É in- aprendendo com os docentes e assimilando
coerente ser professor e não atuar de algum os conceitos de inclusão social, solidariedade
modo para a contribuição da igualdade racial, e Estado democrático de direito. Eles rece-
ser professor é também possuir uma respon- bendo esta cultura em sua formação social
sabilidade no quadro social do país. na escola podem desenvolver a autonomia e
refleti-la em sua prática cotidiana e para isso
Para isso se faz necessária uma forma-
precisamos trabalhar motivados pela vocação
ção continuada para os professores a fim de
docente movidos por uma sociedade mais
que estes possam identificar as situações de
justa e inclusiva.
preconceito racial que possa ocorrer e mais
que isso, realizar um trabalho pedagógico co- Obtendo uma formação de conteúdo
tidiano para que tais ocorrèncias nunca sur- adequado nas escolas para que os profissio-
jam no ambiente escolar, evitando que crian- nais da educação se qualifiquem profissional-
ças e adolescentes sejam discriminados pela mente, podemos concluir que melhora sem
cor de sua pele. dúvida a relação de professor e aluno e de
aluno com aluno, pautados no respeito ao
A escola deve ser esse espaço onde a
outro com sua cor, por meio da informação e
diversidade possui seu lugar e onde sempre
da sensibilização sobre a temática em pauta.
é citado o respeito ao outro e suas especifici-
Dessa forma poderá ser possível uma trans-
dades. O racismo estabelece uma estrutura
formação a partir da própria escola como mu-
cultural (uma das causadoras da desigualda-
dança de mentalidade e ponto de vista.
de social) que de forma discreta é propagada
por sustentáculos dos meios de comunicação Ponto fundamental nessa formação do-
e instituições que formam as leis normativas cente parte da equipe gestora de cada unida-
que regem a sociedade, que repete estas es- de escolar ao se empenhar em elaborar por
truturas como sendo natural mantendo estas meio do projeto político pedagógico novas
relações de poder pouco visíveis a sociedade maneiras de incluir as relações étnico raciais
que as mantém. no percurso de aprendizagem, criando assim
espaços de reflexão dentro da escola.
Os docentes devem se preparar, bus-
cando sempre enriquecer seu repertório teó- Esse espaço de reflexão promove o
rico, pois na atual conjuntura de nosso país olhar ao outro, percebendo o quanto mui-
é a ferramenta mais indicada para o desafio tas vezes a dinâmica social é excludente e
proposto. preconceituosa, favorecendo assim a refle-
xão dos alunos para uma cidadania rica em
Seu discurso deve ser polido de modo
respeito às diferenças. Os benefícios de se
que sua metodologia esteja embasada em es-
abordar a diversidade implica em tornar visí-
tratégias pedagógicas criativas que possam
veis as particularidades de cada aluno como,
ajudar no desenvolvimento cultural desses
por exemplo, a inclusão de alunos com defi-
alunos. Criar projetos de inclusão, trabalhos
ciência e que estão dentro da escola, muitas
em parceria com o corpo docente da esco-
vezes enfrentando desafios até então desco-
la e a comunidade local em uma relação de
nhecidos pelos demais alunos.
dialética.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 684


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Respeitar a diversidade é também co- Segundo os Parâmetros Curriculares


nhecer um pouco das riquezas e possíveis Nacionais, para que o tema Pluralidade Cultu-
dificuldades enfrentadas pelo outro e mais ral possa ser desenvolvido, é necessário que
do que nunca essa prática deve ser iniciada a escola crie um ambiente de diálogo cultural,
desde o início na sala de aula pelo ensino fun- baseado no respeito mútuo.
damental. Como cita os Referenciais Curricu-
No primeiro ciclo, que abrange primei-
lares Nacionais para a Educação Infantil “para
ros e segundos anos do ensino fundamen-
que seja incorporada pelas crianças, a atitude
tal, a criança aprenderá mais pelo convívio.
de aceitação do outro em suas diferenças e
Situações em que se manifestem preconcei-
particularidades precisa estar presente nos
tos, seja por gestos ou expressões, incluindo
atos e atitudes dos adultos com quem con-
verbalização, devem ser tratadas, porém, de
vivem na instituição” (BRASIL, 1998, p.41).
forma indireta. Através de uma situação vivida
Desse modo, esse assunto pode ser por um personagem fictício, podemos enca-
abordado no ambiente escolar de uma manei- minhar discussões e orientações, sem expor
ra que seja atrativa e moderna para os alunos. as crianças envolvidas no caso.
A convivência democrática numa sociedade
Pensando no ensino fundamental, de
plural passa pelo respeito aos diferentes gru-
modo geral, que lida com crianças, pré-ado-
pos e culturas que a constituem, como bem
lescentes e adolescentes, é preciso dar aten-
explana os Parâmetros Curriculares Nacio-
ção especial para trabalhos voltados para a
nais:
questão dos Direitos Universais da Pessoa
[...]conhecer a diversidade do patrimônio Humana, da valorização de todos os povos
etnocultural brasileiro, tendo atitude de e grupos humanos que formam a população
respeito para com pessoas e grupos que
brasileira e do pleno respeito a todo cidadão.
a compõem, reconhecendo a diversidade
cultural como um direito dos povos e dos
indivíduos e elementos de fortalecimento
da democracia; valorizar as diversas cul-
turas presentes na constituição do Brasil
como nação, reconhecendo sua contri-
buição no processo de constituição da
identidade brasileira; [...] desenvolver uma
atitude de empatia e solidariedade para
com aqueles que sofrem discriminação;
repudiar toda discriminação baseada em
diferenças de raça/etnia, classe social,
crença religiosa, sexo e outras caracterís-
ticas individuais ou sociais; exigir respeito
para si, denunciando qualquer atitude de
discriminação que sofra, ou qualquer vio-
lação dos direitos de criança e cidadão;
valorizar o convívio pacífico e criativo dos
diferentes componentes da diversidade
cultural; (BRASIL, 1997, p. 143).

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 685


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho do tema Igualdade Racial deve voltar-se para a eliminação de causas de
sofrimento, constrangimento e exclusão da criança e do adolescente. Além disso, o tema
oportuniza aos alunos conhecer suas origens como brasileiro e como participante de deter-
minado grupo etnico racial. Pedagogicamente, o tema permite entrelaçar escola, comunidade
local e sociedade, ampliando as questões do cotidiano para o âmbito nacional ou mundial e
vice-versa.
Quando a criança aprende a valorizar as diversas raças e culturas, passa a compreender
seu próprio valor, desenvolvendo sua autoestima e autodefesa. Também consegue apurar sua
percepção para identificar injustiças e manifestações de preconceito e discriminação, tanto
contra si mesmo como em situações que venha a testemunhar. Embora não caiba à educação,
isoladamente, resolver o problema da discriminação, cabe-lhe promover processos, conheci-
mentos e atitudes que cooperem na transformação da situação atual.
Reconhecer e valorizar a diversidade e falar da superação das discriminações é atuar
sobre os mecanismos de exclusão. Através do desenvolvimento de atitudes e valores, a escola
poderá contribuir com a formação de novos comportamentos e novos vínculos com relação
àqueles que foram alvos de injustiças, que se manifestam no cotidiano, contribuindo com o
processo de superação da discriminação.
Através da educação, consegue-se combater a discriminação. Porém, não podemos
esquecer que este problema não é comportamental individual, mas das relações sociais.
Portanto, o desafio da escola é criar outras formas de relação social e interpessoal.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 686


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Disponível em:<http://www.planalto.gov.br/cci-
vil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 30 nov. 2020.

_____. Lei nº 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da Rede de Ensino a obrigatoriedade
da temática “História e Cultura Afro-Brasileira”, e dá outras providências. Disponível em: < http://www.planalto.gov.
br/ccivil_03/leis/2003/L10.639.htm >. Acesso em: 30 nov. 2020.

______. Ministério da Educação. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais
e para o Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana. MEC, 2004. Disponível em <http://www.uel.br/
projetos/leafro/pages/arquivos/DCN-s%20-%20Educacao%20das% 20Relacoes%20Etnico-Raciais.pdf>. Acesso
em: 27 nov. 2020.

______. Secretaria da Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: pluralidade cultural e orientação
sexual. Rio de Janeiro: DP & A, 2000.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Secretaria de Educação Fundamental. Referencial Curricular Na-
cional para a Educação Infantil. Brasília: MEC/SEF, v. 2, 1998.

CAVALLEIRO, E. Identificando o Racismo, o Preconceito e a Discriminação Racial na Escola. In: SILVEIRA, M.L;
GODINHO, T. Educar para a igualdade: gênero e educação escolar. São Paulo: Coordenadoria Especial da Mulher.
Secretaria Municipal da Educação, 2004.

MUNANGA, K. (Org.) Superando o racismo na escola. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria da Educação
Continuada, Alfabetização e Diversidade, 2005.

RACISMO NO BRASIL. Disponível em: < http://racismo-no-brasil.info/>. Acesso em: 20 nov. 2020.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 687


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Professora de Educação Infantil e Ensino


Fundamental I, na Rede da Prefeitura de SP.
Artigo apresentado como requisito parcial para
aprovação do Trabalho de Conclusão do Curso
de Especialização em Ludopedagogia.

VERA LUCIA
PINHEIRO OLIVEIRA

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri- SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 688
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

LUDICIDADE E A INCLUSÃO

RESUMO: O papel do orientador vem crescendo e se aprimorando a cada dia, de acordo com as
necessidades dos dias atuais. O mercado de trabalho exige cada vez mais e a educação como
fim transformador para acompanhar as tecnologias, necessita acompanhar essas mudanças
de forma permanente, ou seja, se aperfeiçoar estando em formação contínua. Sendo assim, se
faz necessário uma formação continuada, que se atualize constantemente. Para que o trabalho
do Orientador Educacional seja válido é de suma importância que faça estudos constantes,
principalmente no âmbito social-político no qual a escola está situada. Uma grande aliada nos
dias atuais é a internet, que com suas diversas ferramentas pode contribuir de forma positiva se
utilizada corretamente como forma alternativa de educação e pesquisa, sendo assim, o mediador
usa também a ferramenta da ludicidade como forma de ensino e para lidar com crianças e suas
necessidades especiais.

Palavras-chave: Inclusão escolar; Adaptação curricular; Aprendizagem; Crianças.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 689


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

INTRODUÇÃO

A
pertinência da educação alude a necessidade de que esta seja significativa para
todos, de forma que possam apropriar-se e construir-se como sujeito, desenvol-
vendo sua autonomia e sua identidade.
Para que haja pertinência a educação deve ser flexível e adaptar-se às necessidades e
características dos estudantes em seu contexto. É necessário abordar de forma integral um
conjunto de fatores que são fundamentais para o crescimento e desenvolvimento do educando.
Entender que a Inclusão Escolar significa oferecer oportunidade de estudo para todas as
pessoas, sem distinção de cor, raça, classe social, ou ainda, condições físicas e psicológicas.
O objetivo da pesquisa é compreender a totalidade da importância da inclusão de alunos
de qualquer cultura ou raça no ensino regular como uma das maneiras de oferecer educação
qualificada, igualdade, evidenciando a relevância do papel da escola e do professor no mé-
todo de composição da inclusão, destacando ainda a conjuntura histórica do surgimento da
educação para o aluno especial, além de evidenciar dificuldades encontradas por pessoas
com necessidades especiais, relacionando teoria e prática.
Especificar o que deve ser feito para permitir que crianças e jovens tenham acesso ao
convívio dentro das escolas, juntamente com outras crianças, sendo portadoras de necessi-
dades especiais ou não.
Interpretar o contexto histórico do processo de inclusão; conhecer as políticas públicas
da Educação Especial; Apontar a importância da formação de profissionais da educação e
qualificação da escola para trabalhar com as pessoas especiais; analisar a forma real de
inclusão nas escolas. Entrevistar pais que vivenciam a inclusão.
A inclusão e a deficiência são os temas mais frequentes no debate sobre educação, pois
vêm da gestão as orientações de como os educadores devem agir e guiar seus educandos,
em razão disso, a educação especial tem buscado cada vez mais a “Educação Inclusiva”. E
as escolas públicas ou privadas estão preparadas para incluir a todos, independente de sua
cultura ou jeito de ser ou agir?

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 690


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDUCAÇÃO INCLUSIVA conhecimentos que futuramente lhe ajudará


a desenvolver de maneira mais eficiente um
A pesquisa trata sobre a importância aprendizado formal.
da inclusão na educação e na sociedade em
Por meio das brincadeiras a criança
geral. Então para descrever o contexto histó- acaba explorando o mundo a sua volta livre-
rico da inclusão na rede pública de ensino mente, pois é a partir daí que ela constrói seu
é um processo de inclusão dos portadores aprendizado, e é nesse espaço que a criança
de necessidades especiais ou de distúrbios acaba criando um mundo de fantasias e ma-
de aprendizagem na rede regular estadual ou nifesta seus sentimentos, se sentindo cada
municipal. Em se tratando da busca de uma vez mais segura para interagir. Toda teoria
sociedade inclusiva, faz-se necessário pensar necessita, primeiro, de uma conceituação.
em atividades de inclusão para além do am-
Segundo Silva (2005, p. 02) a exclusão
biente escolar.
escolar pode ser visibilizada pela incapacida-
Segundo Almeida (2001), é o conceito de de o aluno realizar atividades tipicamente
homogeneizador da escola tradicional que escolares no espaço de sala de aula, bem
deve ser mudado, define o conceito de edu- como pela inadaptação dos mesmos para
cação inclusiva como “o desenvolvimento de agir com sucesso nas ações sociais envol-
uma educação apropriada e de alta qualidade vendo o uso da língua escrita e falada.
para alunos com necessidades especiais na A primeira limitação é percebida fa-
escola regular”. A questão coloca-se na for- cilmente pelos educadores em contexto de
ma como a escola interage com a diferença. ensino, pois, devido a resquícios de práticas
Tentativas anteriores, não necessariamente da tradição pedagógica, as habilidades ne-
em ordem de tempo dão à dimensão dessa cessárias para um bom desempenho escolar
afirmação: continuam sendo supervalorizadas.
Na escola tradicional, a diferença é pros- A Problemática da pesquisa contribui
crita para a escola especial. A escola inte- para construir o conhecimento, pois este tema
grativa procura responder à diferença des- foi escolhido por que há muito tempo discute-
de que ela seja legitimada por um parecer -se a questão do Autismo e a Inclusão no seu
médico-psicológico, ou seja, desde que processo de desenvolvimento na Educação
seja uma deficiência no sentido tradicio- Infantil, e sua finalidade no universo lúdico,
nal. A escola inclusiva procura responder, até na qual esse contexto influencia o desen-
de forma apropriada e com alta qualida- volvimento psicomotor da criança.
de, à diferença em todas as formas que
ela possa assumir (ALMEIDA, 2001). A questão da exclusão escolar está em
constante discussão, entretanto Freitas (2007)
O Decreto Federal n° 5.62 de 22 de afirma que estão surgindo novas formas de
dezembro de 2005, estabelece que os alunos exclusão e estas estão sendo implementadas
com deficiência auditiva tenham direito a edu- nos sistemas escolares e sobre elas não se
cação da Língua Brasileira de Sinais (Libras) tem muito controle e conhecimento.
e a língua portuguesa como sua segunda lín-
gua; logo as crianças devem ter acesso a Além disso, o autor afirma que a repro-
língua especial o mais cedo possível, o que vação é uma antiga forma de exclusão e que
em geral acontece nas escolas. agora ela se mostra unida a outras formas de
exclusão mais recentes desenvolvidas pelo
O referencial teórico fortalece a pro- sistema. “As novas formas de exclusão atu-
posta ao defender a importância da inclusão am agora por dentro da escola fundamental.
na Educação Infantil. Para explicar o autismo Adiam a eliminação do aluno e internalizam
dentro do processo de inclusão na escola re- o processo de exclusão” (FREITAS, 2007).
gular deve-se dizer que a criança necessita
experimentar, vivenciar e brincar para adquirir
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 691
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

EDUCAÇÃO INCLUSIVA: PROCESSO desse direito: Fica assegurado à pessoa por-


HISTÓRICO E ATENÇÃO À PESSOA tadora de deficiência o direito de se inscre-
COM DEFICIÊNCIA NAS POLÍTICAS ver em concurso público, em igualdade de
PÚBLICAS NO BRASIL condições com os demais candidatos, para
provimento de cargos cujas atribuições se-
Antecedente aos eventos internacionais jam compatíveis com a deficiência de que é
supramencionados, a Constituição Federal de portador. Citaremos abaixo as denominações
1988, introduziu no País, a era dos direitos, das deficiências para melhor entendimento de
em detrimento dos sentimentos da benesse, suas necessidades.
caridade e favor, que impregnava projetos so-
ciais, mantendo, sobretudo, a hegemonia das A inclusão está ligada a todas as pes-
instituições e a fragilidade dos cidadãos. soas que não têm as mesmas oportunidades
dentro da sociedade. Mas os excluídos so-
Com isso, defendendo a cidadania ple- cialmente são também os que não possuem
na e, ao mesmo tempo envolvendo o Estado, condições financeiras dentro dos padrões
a sociedade e as famílias, direcionando-os a impostos pela sociedade, além dos idosos,
assegurar o acesso aos bens sociais, sem os negros e os portadores de deficiências fí-
discriminação de qualquer natureza. sicas, como cadeirantes, deficientes visuais,
A Constituição federal de 1998 incorpo- auditivos e mentais.
rou vários dispositivos referentes aos direitos Existem as leis específicas para cada
da pessoa com deficiência, nos âmbitos da área, como a das cotas de vagas nas univer-
saúde, educação, trabalho e assistência. sidades, em relação aos negros, e as que tra-
Especificamente no campo educacio- tam da inclusão de pessoas com deficiência
nal, registrou-se o direito público subjetivo à no mercado de trabalho.
educação de todos os brasileiros; entre eles, FORMAÇÃO DOS PROFESSORES PARA
os indicados como portadores de deficiên- LIDAR COM NECESSIDADES ESPECIAIS
cia, preferencialmente junto à rede regular de
ensino. Essas determinações estenderam-se Há um dilema do trabalho educativo,
para outros textos legais da União e para as que se equilibra entre a humanização e a
legislações estaduais e municipais. alienação que explica no tocante à formação
docente isso é letal, pois o produto do traba-
Outras questões foram especificadas lho educativo deve ser a humanização dos
em Lei, inclusive de se ter assegurado a con- indivíduos, que, por sua vez, para se efetivar,
dição de incapacidade da pessoa, tanto no demanda a mediação da própria humanidade
que diz respeito a sua independência como dos professores.
para o trabalho, e, caso isso ocorra, essa pes-
soa perderá o benefício, o qual ficou mais A autora afirma que o objetivo central da
conhecido como (BPC). educação escolar, é a transformação humana
em novas forças criadoras. Extrair do aluno a
Sua regulamentação deu-se pelo Decre- sua capacidade máxima para que ele possa
to no. 1.744, de 8/12/1995. Outra conquista, transformar sua vida social e estender essa
refere-se à proibição de qualquer discrimina- transformação ao longo de sua vida social.
ção referente a salário e critérios de admis-
são (art. 7°, inciso XXXI); acesso ao serviço Ao longo do século XX, houve sucessi-
público por meio de reservas de percentual vas reformas econômicas que foram nortean-
dos cargos e empregos públicos (art. 37, § do e estruturando os ideais pedagógicos, se
7°), e quanto a isso, o Decreto 3298/99, as- arrastando ao longo do tempo e influenciando
sim procedeu para efetivar a regulamentação a prática docente e a formação dos profes-
sores.
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 692
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Entre os anos de 1960 e 1970, há um cia didática adaptada às reais necessidades


predomínio do modelo de Taylor e Ford, cujo dos seus alunos e na consolidação da apren-
objetivo era a produção em massa e adequa- dizagem.
ção desses novos trabalhadores passa pela
Há a necessidade de reconsiderar nos-
educação, com as “teorias do capital huma-
sas crenças e valores. Os professores continu-
no”. Esse novo modelo de educação prioriza-
am querendo controlar as situações em sala
va a formação técnica adequando o cidadão
de aula, não dando a liberdade para o aluno e
ao novo modelo de produção.
exercendo forte autoridade no sentido de que
Já no final do século XX, houve o cres- o aluno precisa sempre olhar para ela, sentar
cimento da concepção da pedagogia produti- em fileiras e com seus materiais pedagógicos
vista, que entra em choque com as ideias da sob sua supervisão.
pedagogia tecnicista surgindo desse embate
Nesse aspecto o espaço é o ponto pri-
a “visão crítico reprodutivista”.
mordial enfatizado pela autora, pois deve se
As ideias contra hegemônicas surgem pensar em espaços preparados para todos
baseadas na concepção de uma “educação os níveis de desenvolvimento e idades apro-
popular”, bem como a pedagogia crítico so- priadas, que sejam organizados e ativos, que
cial e a pedagogia histórico-crítica. Todas documentem e ensinem.
elas contribuíram para importantes debates
Não se pode exigir que todos os profes-
no âmbito da educação e deram importante
sores ajam da mesma forma, pois cada um
colaboração para os avanços na educação
terá uma visão própria das práticas pedagó-
inseridos na Constituição de 1986.
gicas na inclusão. Portanto, os autores con-
Outras vertentes pedagógicas foram cluem que não se pode esperar na formação
surgindo segundo o autor, porém sempre dos professores o desenvolvimento de ritmos
com um olhar mercantilista sobre a educação, e competências similares e que sua prática
frisando sempre máxima racionalização e oti- pedagógica só será efetivamente inclusiva se
mização dos recursos. Entre elas podemos o espaço possibilitar sua atuação inclusiva e a
destacar os mais conhecidos como: Neoes- reflexão do seu próprio trabalho pedagógico.
colanovismo – “aprender a aprender”, Neo-
Seguindo na mesma linha de raciocínio
construtivismo – “pedagogia das competên-
Santos (2013), ressalta que para que a escola
cias” aprendizagem individual, Neotecnicismo
e as práticas docentes sejam condizentes com
- “qualidade total” escola como empresa.
a inclusão devem proporcionar o fortalecimen-
A formação inicial e continuada de pro- to dos projetos políticos pedagógicos, sala de
fessores visando a inclusão deve ser pensada aula com eixo de aprendizagem para todos,
primeiramente na sua organização e instru- articulação da teoria e prática, trabalho inter-
mentalização de ensino, bem como a gestão disciplinar, reorganização dos tempos e espa-
da classe e seus princípios éticos, filosóficos e ços e investimentos na infraestrutura material
políticos, que permitiram a esses professores e pessoal, bem como a revisão do processo
a reflexão e compreensão de seu verdadeiro de avaliação.
papel e da escola na formação dessa nova
A formação continuada do professor
geração que deverá responder às demandas
deve ser em serviço, pois, a aprendizagem é
profissionais.
permanente e o desafio da educação é con-
A autora explica sobre a importância da tínuo. Segundo a autora, são realidades que
organização dos tempos e espaços de apren- podem ou não acontecer nas escolas e de-
dizagem no agrupamento de alunos e no pla- pendem do nível de comprometimento com a
nejamento das atividades. Pensar na sequên- inclusão escolar.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 693


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

O professor, dentro da perspectiva in- Percebe-se ainda para a autora, a pro-


clusiva e com uma escola de qualidade, não posição que o professor atualmente continua
deve duvidar da capacidade e das possibili- ligado com o modelo da educação tradicional
dades de aprendizagem dos alunos e muito que, continua se organizando com base no
menos prever quando esses alunos não irão modelo médico-pedagógico, que acaba se
aprender. Ter um aluno deficiente em sala de confundindo com o conhecimento da educa-
aula, não deve ser um empecilho, para que, ção especial.
suas práticas pedagógicas, com relação ao
Estudos mostram que a grande dificul-
deficiente seja de menor qualidade ou em me-
dade do professor é aceitar a crítica a esse
nor tempo.
modelo, que está vinculado ao pensamento
Dentro desse contexto, a autora explica dominante, não somente na educação espe-
que ainda, não justifica um ensino à parte, cial, mas na educação de modo geral, cau-
individualizado, com atividades que discrimi- sando por muitas vezes o resultado do fra-
nam e que se dizem “adaptadas” às possibi- casso escolar.
lidades de entendimento de alguns.
Ainda segundo a autora, na atualidade,
A aprendizagem é sempre imprevisível, a proposta dos professores, têm como máxi-
portanto, o professor deve considerar a ca- ma a inclusão. Porém sua manutenção tem
pacidade de todos os alunos, deixando de sido o modelo médico-pedagógico que nos
rotulá-los e de categorizar seus alunos, en- faz pensar se este caminho está levando a
tendendo que todos são capazes de assimilar qual caminho? Sucesso ou fracasso?
conhecimento e de produzi-los, embora sai-
Se é verdade que para a democratiza-
bamos que na educação especial há casos
ção da escolarização os alunos com deficiên-
degenerativos muito severos, ainda assim,
cia por meio de inclusão do ensino regular,
essas pessoas, mesmo que impossibilitadas
terão que ser superadas as barreiras impos-
no espaço pedagógico e afetivo, por meio de
tas pelos educadores não especializados e
atuação de profissionais interessados e dedi-
modificados as práticas escolares na pers-
cados, podem receber um acompanhamento
pectiva da absorção com qualidade, das mais
educacional reabilitativo em seu próprio lar.
diversas diferenças culturais, linguísticas, étni-
São ações inclusivas além dos muros da es-
cas, sociais e físicas.
cola.
É também verdadeiro que a contribui-
Continuando na sua linha de pensa-
ção da área da educação especial não se fará
mento, o autor, explica que quando o educa-
presente enquanto permanecer hegemônico
dor trabalha com a informação da educação
o modelo médico-pedagógico.
inclusiva, sua prática conclui todos os níveis
e modalidades de ensino: da educação es- Quanto à formação de professores de
pecial, passando pela educação básica e hoje, há constantes mudanças tanto do ponto
atingindo a educação de jovens e adultos, de vista de conceitos e valores como de prá-
alcançando assim a diversidade discente nas ticas. As competências que se esperam que
diferentes etnias, culturas e classes sociais. o professor domine se revelam cada vez mais
complexas e diversificadas.
Aos professores capacitados cabe a
tarefa de identificar quais são os possíveis Espera-se que o professor seja com-
discentes com necessidades especiais e de- petente dominando, desde o conhecimento
senvolver com eles atividades e ações peda- científico do que ensina à sua aplicação psi-
gógicas. copedagógica, bem como em metodologias
de ensino, de animação de grupos, atenção à
diversidade etc. Isto sem considerar as gran-
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 694
Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

des expectativas que existem sobre o que o O LÚDICO CONTRIBUI PARA A


professor deve promover no âmbito educa- INTERAÇÃO SOCIAL SEGUNDO
cional. Alguns autores têm, por isso, denomi- VYGOTSKY
nado a missão do professor na escola con-
temporânea como uma “missão impossível”. Vygotsky (2008), é um sociointeracio-
nista e parte do princípio que a interação do
Poderia pensar que este problema se homem com o meio em que vive traz mudan-
resolverá com mais conteúdo na formação
ças significativas ao seu pensar.
e assim com a extensão dos currículos de
formação. Mas não parece ser esta a solução. Essas mudanças partem das modifica-
Não é a simples aquisição de mais co- ções que o homem faz no ambiente em que
nhecimentos de teoria que fará o professor vive e acaba levando influências a atitudes
mais capaz de responder aos numerosos de- futuras. Segundo a teoria de Vygotsky (2008),
safios que enfrenta. Pode-se, assim, promover nenhum conhecimento é construído pela pes-
ao professor um conjunto de experiências que soa sozinha, mas sim é uma parceria entre
lhe permitam aplicar estes conhecimentos outras que acabam sendo mediadores desta
num contexto real. construção.
A profissão de professor envolve um A intervenção do educador, vem com
grande número de decisões que tradicional- o papel de mediação e o que se observou
mente são da sua responsabilidade e que lhe na escola pesquisada é que esta mediação
contribuem para um elevado grau de autono- provocou avanços que não ocorreriam espon-
mia no quotidiano da sua profissão. taneamente.
Por isso, é tão complexa a profissão e Seguindo as teorias de Vygotsky (2008),
a sua devida formação e se torna claro o mo-
pode observar-se que por meio das brincadei-
tivo pelo qual resulta insuficiente um simples
aumento de formação teórica. Conceder in- ras as crianças reproduzem o discurso exter-
formação era, tradicionalmente, um dos itens no e internalizam construindo seus próprios
principais do processo educativo. pensamentos.

Mas, a profissão docente deixou de es- Em suas escritas sobre o processo de


tar tão intimamente comprometida com um desenvolvimento da criança, nosso teórico
ensino baseado na informação. O papel do também fala da importância da linguagem
professor mudou: de um transmissor de in- no desenvolvimento cognitivo da criança pois
formação, ele passou a ser um facilitador do quanto mais contato com outras pessoas por
processo de aquisição de conhecimento. meio da fala, de conversas, melhor fica a sis-
Este procedimento implica que para que tematização de suas experiências frente aos
a informação se transforme em conhecimento processos de desenvolvimento.
precisa ser discutido, refletido e completado. Este contato cria uma zona de “desen-
Esta é uma nova competência do professor volvimento proximal”, que se trata da distân-
e da escola. cia entre o nível atual de desenvolvimento in-
Tomando como exemplo uma dilatada dependente que determina a capacidade de
experiência na formação de professores na resolver um problema sozinho e o nível atual
área das NEE (NECESSIDADES EDUCATIVAS de desenvolvimento potencial que determina
ESPECIAIS) tanto no campo graduado como a resolução de um problema com ajuda de
pós-graduado, vamos discutir os modelos e um adulto.
estratégias que nos parecem mais adequa-
dos para preparar os professores para os de-
safios da Educação Inclusiva.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 695


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Seguindo as zonas de desenvolvimen- No brinquedo, a criança se comporta


to podemos observar que em certas ativida- além do comportamento habitual da sua
des as crianças necessitam de ajuda de um idade, além de seu comportamento diário,
no brinquedo é como se ela fosse maior
adulto, como por exemplo a construção de
do que na realidade. Como no foco de
brinquedos de sucata realizados na escola uma lente de aumento, o brinquedo con-
pesquisada. tém todas as tendências do desenvolvi-
Porém há certas situações em que não mento sob forma condensada, sendo ele
mesmo, uma grande fonte de desenvolvi-
há necessidade de ajuda do adulto ou outro
mento (VYGOTSKY, 2008, p. 134-135).
mais capacitado, pois somente a sucata na
mão das crianças podem virar brinquedos Vygotsky em seus trabalhos atribui o
imaginários. ato de brincar como fator principal da cons-
tituição do pensamento infantil. Brincando
A criança em si necessita de incenti-
a criança revela seu estado cognitivo, visu-
vos, motivações, mas também são capazes
al, auditivo, tátil, motor. Enfim, seu modo de
de criar situações imaginárias. Nas escolas
aprender e entrar em uma relação cognitiva
de educação infantil, foram criados diversos
com o mundo de eventos, pessoas coisas e
brinquedos, mas também foram deixados al-
símbolos.
guns materiais como caixas e garrafas em
seu estado natural para que as crianças brin- ENTREVISTA
cassem.
Fonte de investigação
Professores relataram que muitos brin-
caram só com estes objetos de forma agradá- Questionário realizado com uma profes-
vel e imaginária. Garrafas amassadas viraram sora da Educação Infantil, com crianças de 7
skates, caixas de papelão se transformaram a 10 anos da escola pública de São Paulo:
em casinhas e muitos outros brinquedos 1. Qual a maior dificuldade de
construídos somente pelo faz de conta. aprendizagem enfrentada hoje em sala de
Ao brincar com uma caixa de papelão aula?
e imaginar um carro, por exemplo, a criança Em meio a tantos problemas enfrenta-
relaciona-se com o significado e não com o dos em sala de aula, a falta de atenção é o
concreto da caixa de papelão. A criança age mais comum e encontrado ,pois muitas crian-
num mundo imaginário, onde o significado ças não conseguem aderir, ou entender tudo
é estabelecido pela brincadeira e não pelo que lhe é ensinado .
objeto real presente.
2. Quais recursos são utilizados
A brincadeira traz uma grande influên- para resolver estes problemas?
cia para o desenvolvimento infantil, pois ela
colabora com a interação social onde a crian- Brincadeiras em grupo tentando socia-
ça age e satisfaz os desejos e imaginação da lizá-la.
criança no ato de brincar.
Na brincadeira a criança em simbologia,
mas também tem regras de comportamentos
condizentes com aquilo que está sendo repre-
sentado e que fará que a criança internalize
regras de conduta, valores, modo de agir e
de pensar do seu grupo social que orientará
e desenvolverá seu comportamento cognitivo:

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 696


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

ENTREVISTA 7- Qual suporte o governo oferece?

Fonte de investigação Infelizmente o professor trabalha com


meios que ele mesmo proporciona, o governo
Questionário realizado com uma profes- cria programas que nunca estão disponíveis.
sora da Educação Infantil, com crianças de 7
a 10 anos da escola pública de São Paulo: 8- Qual sua expectativa para a edu-
cação?
1- Qual a maior dificuldade de
aprendizagem enfrentada hoje em sala de Se cada um fizer sua parte teremos um
aula? ensino melhor, pois nossa sociedade depen-
de disso. São crianças crescendo e cheias
Em meio a tantos problemas enfrenta- de esperança, que precisam de suporte para
dos em sala de aula, a falta de atenção é o serem direcionados.
mais comum e encontrado ,pois muitas crian-
ças não conseguem aderir, ou entender tudo 9- Qual suporte a escola, como cor-
que lhe é ensinado . po docente oferece?

2- Quais recursos são utilizados Oferecem projetos voltados para a di-


para resolver estes problemas? ficuldade de aprendizado, tentando inseri o
educando em reforço escolar e até mesmo
Brincadeiras em grupo tentando socia- encaminhando para um psicólogo.
lizá-la.
10- Qual suporte o governo oferece?
3- O que os professores oferecem
para que isso seja solucionado? Infelizmente o professor trabalha com
meios que ele mesmo proporciona, o governo
Uma conversa aberta com os pais ,sem- cria programas que nunca estão disponíveis.
pre buscando ajuda da família .
11- Qual sua expectativa para a edu-
4- Como os alunos agem com cação?
aqueles que indicam dificuldades de apren-
dizagem? Se cada um fizer sua parte teremos um
ensino melhor, pois nossa sociedade depen-
Infelizmente ainda há muita exclusão, de disso. São crianças crescendo e cheias
com aqueles que parecem ou apresentam de esperança que precisam de suporte para
algo diferente. serem direcionadas.
5- Como os pais destes alunos re-
cebem estas informações ?
Não aceitam, 80% não conseguem
aceitar que os filhos precisam de ajuda ,di-
zem que é fase.
6- Qual suporte a escola, como cor-
po docente oferece?
Oferecem projetos voltados para a di-
ficuldade de aprendizado, tentando inserir o
educando em reforço escolar e até mesmo
encaminhando para um psicólogo.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 697


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O mundo sempre esteve fechado para mudanças, em relação a essas pessoas, porém,
a partir de 1981, a ONU (Organização das Nações Unidas) criou um decreto tornando tal
ano como o Ano Internacional das Pessoas Portadoras de Deficiências (AIPPD), época em
que se passou a perceber que as pessoas portadoras de alguma necessidade especial eram
também merecedoras dos mesmos direitos que os outros cidadãos.
A princípio, eles ganharam alguma liberdade por meio das rampas, que permitiram
maior acesso às escolas, igrejas, bares e restaurantes, teatros, cinemas, meios de transporte,
etc. Aos poucos, o mundo foi se remodelando para dar-lhes maiores oportunidades. Hoje é
comum vermos anúncios em jornais, de empresas contratando essas pessoas, sendo que
de acordo com o número de funcionários da empresa, existe uma cota, uma quantidade de
contratação exigida por lei.
Uma empresa com até 200 funcionários deve ter em seu quadro 2% de portadores de
deficiência (ou reabilitados pela Previdência Social); as empresas de 201 a 500 empregados,
3%; as empresas com 501 a 1.000 empregados, 4%; e mais de 1.000 empregados, 5%. Nossa
cultura tem uma experiência ainda pequena em relação à inclusão social, com pessoas que
ainda criticam a igualdade de direitos e não querem cooperar com aqueles que fogem dos
padrões de normalidade estabelecidos por um grupo que é maioria. E diante dos olhos deles,
também somos diferentes.
E é bom lembrar que as diferenças se fazem iguais quando essas pessoas são colo-
cadas em um grupo que as aceite, pois nos acrescentam valores morais e de respeito ao
próximo, com todos tendo os mesmos direitos e recebendo as mesmas oportunidades diante
da vida.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 698


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

REFERÊNCIAS
ALMEIDA, S.F.C. O lugar da afetividade e do desejo na relação ensinar-aprender, in: Temas em Psicologia, Desen-
volvimento cognitivo: linguagem e aprendizagem. UNB: Sociedade Brasileira de Psicologia, 1993.

BRASIL, Ministério da Educação e Cultura. Declaração de Salamanca e Linha de Ação sobre necessidades edu-
cativas especiais. Brasília: Corde, 1990.

______. Ministério da Educação e do Desporto. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, nº 9394 de 20
de dezembro de 1996.

______. Conselho Nacional de Educação Básica. Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação
Básica, Resolução CNE/CEB nº 2 de 11 de setembro de 2001.

______. Referencial Curricular Nacional para educação, disponível em http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pd.

FREITAS, L. C. Eliminação adiada: o caso das classes populares no interior da escola e a ocultação da (má)
qualidade do ensino.

KANNER, L. Autistic disturbances of affective contact. Nervous Child, n.2, p.217-250, 1943. KLIN, A. Autismo e
síndrome de Asperger: uma visão geral. Revista Brasileira de Psiquiatria.

OLIVEIRA, Glória Aparecida Pereira. A concepção de egressos de um curso de Pedagogia acerca da contribui-
ção do trabalho de conclusão de curso. 2003. Dissertação (Mestrado) Faculdade de Educação – Universidade
Estadual de Campinas. São Paulo, 2003.

ROUSSEAU, Jean Jacques, Discurso sobre educação – Ridendo Castigat Mores. 1712.

SILVA, W. R. Subvertendo a exclusão escolar: A mediação didática dos gêneros discursivos no ensino da escuta.

VYGOTSKY, L.S. A formação social da mente. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2008.

31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 699


Revista Educar FCE - 40 ª Edição - 31- Março/2021

Avenida Copacabana, 325


22º andar - Alphaville - Barueri - SP
11 4200-7070 | www.fce.edu.br
31 - MARÇo/2021 - Educar FCE 700

Você também pode gostar