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A Criança e Sua Dor
A Criança e Sua Dor
PSICANALISE E HOSPITAL
A criança e sua dor
Organizadora
Marisa Decat de Moura
Psicóloga
Psicanalista
Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG
Coordenadora da Clínica de Psicologia e Psicanálise
do Hospital Mater Dei
Belo Horizonte - MG
T@íbhoteta jf reullíana
REVINTER
Psicanálise e Hospital- A Criança e Sua Dor
ISBN 85-7309-285-8
WANDA AVEUNO
Psicanalista
Membro do Círculo Psicanalítico de Minas Gerais - CPMG
Ao Dr.José Orleans da Costa e equipe da
Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica - UTIP
pelo pioneirismo de suas idéias
que nos convocaram a uma
prática exigente e inovadorfl
I ntrodução
Comissão Editorial
Prefácio
Após leitura atenta dos capítulos que compõem este livro cujo
prefácio escrevo, continuo a pensar na criança, agora já marcada
mente sob o impacto de imagens provenientes dessa leitura. São
psicólogas as autoras, mulheres que escrevem. A escrita das mulhe
res foi um acontecimento notável nos últimos anos. Não que não
as houvesse escritoras, elas sempre existiram e de grande porte.
Mas, agora em nosso tempo, os temas da psicologia, da psica
nálise, para citar as duas disciplinas que nos reúnem na mesma
profissão, conhecem tratamento original, marcado pela presença
atuante de mulheres nos afazeres da profissão. Atendimento em
consultório, trabalho em instituições, no hospital, para citar o caso
presente.
Ao cabo de algum tempo, a experiência acumulada solicita uma
nova tarefa, desta vez a escrita, dada ao público em forma de livro.
Se me fosse permitido, quero reconhecer não só a competência
profissional, mas o trato delicado com a matéria. A maneira de
encarar as mais duras situações da vida e da morte, já que atestadas
no hospital, no Cfl.
Quero também participar do trabalho que é aqui apresentado;
trago alguns parágrafos sobre a matéria.
O corpo
Malgrado a materialidade inevitável, a singularidade do corpo
faz dele algo intocável. O chamado "campo operatório" recupera e
institucionaliza o corpo graças a um certo número de enunciados.
(A cena mostrada na iconografia da época inclui o professor empo
leirado na sua cátedra ao ditar orientação para o cirurgião logo
abaixo debruçado sobre o corpo do paciente). O corpo só é admi
tido explicitamente graças ao que está prescrito pelos enunciados,
pelos livros de medicina (Veja-se "O anatomista", best-seller entre
nós recentemente). Os corpos estão submetidos aos enunciados.
Ele se mostra e é mostrado sob o efeito de um viés proveniente dos
enunciados. Trata-se de um corpo legal, corpo atribuído.
O corpo pode se apresentar explicitamente, como objeto de
conhecimento, inconscientemente assumido ou não, e ser lugar
para a produção de morte, pois que a subjetividade obscura fecha
o espaço, desconhecendo a verdade do acontecimento doença.
Por outro lado, o corpo próprio da subjetividade é animado por
certa mobilidade; o espaço subjetivo é experimentação a partir do
acontecimento (doença, dor, eventual cirurgia, no caso do paciente
hospitalizado). O pós-operatório revela curiosas situações em torno
do desconhecimento do que aconteceu exatamente durante a cirur
gia. O membro fantasma é caso extremo, porém ilustra bem o que
temos em mente. Numerosas cirurgias cujo campo operatório está
situado na região genital são fonte de impotência, nem sempre
justificadas pela medicina. A intervenção explícita da enfermeira
pode ser inadequada. Nem tampouco o corpo pode ser considerado
como fictício como no caso da histérica.
A dor
A dor fisica é u m ponto de interrogação para a medicina e para
a Psicologia. Sua realidade será sempre inseparável dos efeitos
subjetivos que ela produz.
Sinal de alerta quanto a uma possível enfermidade, signo pa
tognomônico quando indica, de forma inequívoca, uma determina
da lesão ou enfermidade, ela nunca se manifesta como um dado
fisico quantificável. Quando não conseguimos objetivá-la como
sinal de uma lesão, ela se converte em sintoma para a medicina.
A principal dificuldade para o médico reside no fato de que a
dor só pode lhe ser transmitida pela palavra do doente. Na ausência
de lesão que a justifique, a dor perde seu estatuto de sinal de alarme
para converter-se em enigma, tanto para o médico quanto para
quem a sofre.
Para a Psicanálise a dor é experimentada no corpo não redutível
ao organismo, já que ela implica na existência de um sujeito. A
redução do corpo ao organismo excluiria a erogeneidade corporal.
O acontecimento doença, dor, passa sempre por um corpo; essa
a marca de nossa leitura materialista. O sujeito virá depois.
Assim, para se falar em subjetivar a dor, ou responsabilidade do
sujeito pelo seu "gozo", temos que distinguir três tipos de subjeti
vidade:
1 . Frente ao acontecimento dor, doença, morte -
Subjetividade produtiva -
História de Vida >>>>>>> (Dor, doença)
Corpo
Neste caso há subjetividade produtiva, o corpo está sob a barra .
O corpo suporta tudo, mas em posição inexplícita. A verdade s e faz
acompanhar de um certo esquecimento do corpo (Platão, Spinoza).
Não há necessidade de que ele seja explicitado para que o presente
(dor, morte) se produza. O corpo pode estar "de lado". Entusiasmo,
Felicidade, Prazer, são do corpo mas ao nível do inexplícito.
2. Subjetividade reativa -
Denegação da Hist. de Vida >>>>> (Dor, doença)
História de Vida/Corpo prescrito
Neste caso, há subjetividade reativa, há reprodução do passado
(queixas repetidas), a única produção neste tipo de subjetividade.
O corpo permanece inexplícito, duplamente inexplícito; o único
lugar onde o corpo é explfdto será encontrado na "subjetividade
obscura", terceiro tipo nessa série.
Antes de falar na "subjetividade obscura", vou dar um exemplo
por o nde tudo vai ficar claro.
Há nudez do corpo subjetivo quando não estando adstrito a se
mostrar sob a lei, ele é, se mostra tal como é. Não um corpo
substancial enfim visível, mas em estado de se mostrar sem estar
sob' a lei. É bem este o caso quando se trata da nudez amorosa, da
desnudação como ocasião do amor sexuado. Enfim, o corpo inex
plícito permanece inexplícito, mas nu de maneira essencial. A nudez
não pode ser obscura, nem o toque ou aproximação do corpo do
paciente; em caso contrário ambos são assimiláveis à pornografia.
3. Subjetividade obscura.
Neste caso, há ocultação, e não produção, nem mesmo reprodu
ção. Há produção de morte.
Corpo >>>> Hist. de Vida >>>> Corpo prescrito pela Lei
(Dor, Doença)
Há um fechamento sobre o corpo, da H istoria de Vida sobre o
corpo; este só é admitido, aceitável como corpo prescrito pela lei,
pela ciência, pela religião, pela neurose (ver casos de anorexia,
bulimia, regime exagerado de emagrecimento).
Aqui, em se tratando dessa subjetividade, temos um caso de
corpo explícito, acima da barra. O corpo deve se mostrar, mas
sempre prescrito pela letra, corpo submetido à letra, constrangido
pela lei. Se ele se mostra, terá que se mostrar sob esse constrangi
mento. O sujeito obscuro não cria tempo, ele não é criação, mas,
sacrificio do presente no presente, criação de morte. Mesmo o
sujeito reativo é criador de tempo, tempo passado no presente.
O corpo sob a lei vem a ser verdadeiro emblema do sujeito
obscuro. Exemplo a ser examinado: a roupa que encobre o que não
deve ser mostrado. Toda roupa supõe um sujeito obscuro.
Produção, Reprodução, Ocultação - são operações do sujeito.
A intervenção da Psicanálise no Hospital (CTI , por exemplo) buscaria
levar o paciente a um nível de subjetividade produtiva, para a qual
o corpo é inexplícito.
A violência
Já não admitimos a violência quando esta vem perturbar nosso
sossego de habitantes da grande cidade; ora, no sistema social
vigente _encontramos situações onde vão se desenvolver gestos de
violência. Eventualmente esses são levados ao hospital. Curiosa
mente, já não temos nenhuma tolerância para com os distúrbios,
para com o aparato do sagrado e o sacrificio cruento, o excesso; o
sistema vigente, garantidor do bem-estar, nos promete o equilíbrio
das contas do governo, o planejamento a médio prazo, o aumento
da esperança de vida.
Sabemos nós que a morte, a doença, estão entre nós, como sinal
talvez invertido do que somos; imagem, retrata ela bem o de que
somos capazes. O doente, para nós, já não pode ser visto, tal como
fi zeram os antigos, como um caso predestinado (os reis taumatur
gos se deixavam tocar e tocavam os doentes, curando assim os seus
súditos), pois somos contemporâneos do discurso da ciência, a mais
eficiente de que se tem notícia nos anais dos séculos.
Ao lidar com alguém inapto à subjetivação, teríamos que sus
tentar até o último instante, em condições marcadas pela doença,
a possibilidade de que algo aconteça; um ínfimo movimento sendo
o bastante, pois ele pode fazer surgir o sujeito, raro, pontual, capaz
de denunciar tentativas de referência única a um grande Outro
tirânico, e unificador, a uma promessa imaginária.
Os capítulos do livro cujo prefácio você está lendo, falam de:
"a criança - do mito à estrutura", "a criança e as estruturas
clínicas", "um amor tecido pela duplicidade", "uma verdade com
estrutura de ficção", "a dor da intancia", "há uma Psicanálise do
corpo?", "o luto na criança", "a criança que se cala", "na identifica
ção com a doença crônica, a i nsistência do sujeito", "da dor de
existir ao prazer de viver", "na corda bamba da morte ... ou da vida?",
"laços: o jogo da ciranda narcísica - pais e filhos", "olhar como
gesto ... ", "o mal-estar da culpa", "a criança e sua dor: do I da cruz
ao v da vida".
Acompanhei alguns desses textos enquanto eles eram escritos;
sei o que eles custaram, o que eles evocam. Senti-me acompanhado
por cada um deles enquanto escrevia a minha parte. Espero que
m i nha contribuição seja reconhecida como a parte que me coube.
Célio Garcia
Sumário
A DOR DA INFÂNCIA
Rosilu de Ferreira Barbosa
O LliTO NA CRIANÇA • • • . • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • • 33
Stela Cardoso de Carvalho
A CRIANÇA- DO MITOÀESTRliTURA • . • • • • • • • • • • • • • • • • • 1 47
Marisa Decat de Moura
A Dor da I nfância
Píndaro
REFERÊNCIAS BIBUOGRÁACAS
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-
Zahar, 1988.
___ . O seminário - livro 3 As psicoses. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1988.
-
"jamais me olhas
1
onde te vejo"
Um olhar...
O olhar...
O olhar presente ... Um último olhar... À espera de um olhar... O
olhar diz mais que mil palavras ... Olhar que não se esquece ...
Um olhar de rabo de olho.. .
Olhar enigma, olhar que fascina, olhar que paralisa.
Como diz Lacan, só podemos ver a partir de um ponto, mas na
nossa existência somos olhados de todos os lados.
Olhar. De todos os objetos é o que está mais próximo da
castração, portanto, também é o que está mais perto do desejo do
sujeito.
O olhar presentifica-se e intensifica-se no hospital. Traços,
cenas, flashes que marcam para sempre não só o paciente, o
familiar, mas também o profissional que lá está.
Chama-nos a atenção quanto esta questão do olhar fica marcada
na experiência de cada um. E a partir da observação desses traços,
desses olhares que perpassam o sujeito é que surgiu o interesse por
tate tema.
Qual a importância do olhar para a psicanálise? E para o trabalho
do psicanalista no hospital?
Percorrendo o estudo sobre o Estádio do Espelho, sobre o
narcisismo, a constituição do Eu, alienação e separação, podemos
15
16 PSICANÁLISE E HOSPITAL -'- A CRIANÇA E SUA DOR
A Função d o Olhar
i
O que especif camente vem do Outro? Lacan vem dizer que é a
própria imagem especular. A criança é suportada pelo olhar de um
Outro dirigido a ela. Busca esse olhar com e como um pedido de
autentificação de sua existência. É o olhar do Outro que determina
e confere existência ou não ao sujeito.
REFERÊNOAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA
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A Criança que se Cala
"
... umreal, sob a forma
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BIBLIOGRAFIA
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SEMINÁRIOS E REUNIÕES DE EQUIPE - Realizados no Hospital Mater Dei-BH.
O Luto na Criança
Stela Cardoso de Carvalho
Michel Tormier
Fernando Pessoa
outro assim nos obriga. Qual é então a noção que o homem tem da
morte?
"A morte, seguramente nela se pensa, no ponto mesmo
que ela pode dar a ilusão do pensamento: é um significan
te que conduza dizer toda uma outra coisa. Se ela conduz
ao dizer ela pode muito bem inibir, ao mesmo tempo,
ação, palavra e pensamento, como Freud demonstra. A
morte, esta não se reúne a nada; não se pode sacá-la como
um objeto. Falar dela ou pensar sobre ela não concerne
o fato de gozá-la verdadeiramente."
N"uma sociedade de felicidade e bem-estar, parece que não há
lugar para o sofrimento, a tristeza e a morte.
Segundo Philippe Aries, autor de Sobre a História da Morte no
Ocidente - desde a Idade Média, o homem durante muito tempo foi
senhor absoluto da sua morte e era natural que ele soubesse que
ia morrer. "Tal como se nascia em público, morria-se em público."
As sociedades criaram rituais, cerimônias, que configuram este
caráter público, oficializando inclusive o tempo dedicado ao luto.
O luto constitui um trabalho psíquico de elaboração. Vejamos então
como se processa esse trabalho, no caso da criança.
Segundo a psicanalista Guite Guérin, são necessárias certas
condições para que o luto de um objeto de amor se realize, tais
como uma relação com o outro sem que a ambivalência que lhe é
própria negativize o amor; sem que haja uma identificação total
com o morto; aceitação da morte do outro bem como da sua
própria; e que esta situação atual não remeta a perdas anteriores
não elaboradas.
O luto é um processo que leva à estruturação do sujeito. O
mecanismo da identificação com o morto, onde a criança assume
alguns traços e hábitos da pessoa morta, mantendo-a viva em si
mesma, permite que, repetidas vezes no jogo ou na brincadeira, a
criança represente a singularidade desse objeto de amor, para
sempre perdido na realidade, como numa peça teatral, onde ela
sobrevive identificada com heróis e com as múltiplas mortes que
pode "viver". Paradoxalmente, para poder separar-se, deve-se estar
muito unido; é esta união que permite a condição da separação.
38 PSICANÁ LISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
J.D.Násio acrescenta:
"Não creio que a origem da dor seja a separação. Não,
eu penso, ao contrário, que a dor surge no momento em
que há um superinvestimento da representação do objeto
amado ejá perdido. O que dói no trabalho de luto não é
a ausência do ser querido, mas o reencontro, o investimen
to, o superinvestimento da representação do ser querido.
Freud fala de ligação e de desligamento dos repre
sentantes do objeto; acredito precisamente que a dor é
produzida no momento em que é preciso localizar, cen
tralizar a representação do objeto perdido, como se dian
te de uma massa enorme de representações você devesse
reparar, cernir, localizar a representação da qual é pre
ciso se separar. É aí que a dor vem, é isso que dói. Antes
de você se separar, é preciso achar o representante do ob
jeto do qual você deve se separar. O que dói é reencontrar
novamente a coisa amada para poder enfim se destacar
definitivamente... O que dói é amar novamente, sim, mas
sem que haja a pessoa imaginária que sustenta este
amor".
(Entrevista norueguesa)
- 0 quê?
- Vai fazer como ele, vai voltar?
- Está com Jesus. Um dia, todos vão ressuscitar, sua mãe, seu
pai, todo mundo.
- Quando vai ser?
- Vai ser quando Deus quiser.
Depois dessa conversa, Ponette passa a esperar a volta da mãe,
agora não só nos sonhos, mas na realidade mesmo. Mesmo quando
o primo argumenta que o pai dele morreu e não voltou (é a única
referência à morte do pai, só aí ficamos sabendo que eles haviam
perdido o pai - pois não se falava disso), ela responde:
- Porque ninguém o esperou!
E se Jesus volt<?U para seus amigos, por que sua mãe não voltaria
para ela?
- Eu sou mais que uma amiga. Ela é minha mãe!
Quando a tia é avisada pelos filhos de que Ponette não quer
brincar e só fica mesmo esperando de "verdade" o retorno da mãe,
ela fica preocupada, porque inclusive a menina pára de se alimentar
e se isola.
- Ponette, eu lamento.
- O que é lamento?
- Quer dizer que ... ela não voltará.
- Vai, sim!
- Não, Jesus voltou mas os outros não podem voltar.
- Eu sei voar... ( ela já não escuta mais)
- Ela pode te ver, ouvir, ela te ama ... mas não há como voltar.
Não sei explicar de outro jeito. Pára, pára com isso! Ela não voltará,
Ponette, vamos entrar. Hoje sou eu quem manda.
- Não quero, quem manda em mim é Jesus.
- É , mas você está comigo e Jesus quer que eu cuide de você.
Leva a menina à força.
Em diferentes famílias, e diferentes ambientes culturais, as
explicações dadas a uma criança sofrem enormes variações e cren
ças. Cada um tem sua maneira de dizer da vida e da morte. Diante
da falta de recursos simbólicos da criança, essas explicações religi
osas, que incluem conceitos tão abstratos sobre a morte e o que
acontece depois desta, dificultam sobremaneira a aceitação pela
42 PSICAN ÁLISE E HOSPITAL - A CRIANÇA E SUA DOR
BIBLIOGRAFIA
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Uma Verdade com Estrutura de
Ficção
Psicanálise e o Fantasma na Prática
H ospitalar com Crianças
Introdução
Parte I
Parte 11
Parte 111
BIBUOGRAFIA
FREUD, Sigmund. Sobre a teoria sexual das crianças ( 1 908). ESB. Rio dejaneiro: lma
go, v.JX.
__ . Romances familiares. ( 1 909). Op.cit., v.IX.
__. Uma criança é espancada: uma criança contribuição ao estudo da origem
das perversões ( 1 9 1 9). Op. cit., v. XXI.
UMA VERDADE COM ESTRUTURA DE FICÇÃO 55
57
58 PSICANÁLISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
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___. O seminário livro 8 A transferência. Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1 992.
- -
Wanda Avelino
Manoel de Barros
67
68 PSICANÁLISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
Aofilho
Não sou eu que te gerei. São os mortos
São meus pais, seu pai e seus
ancestrais...
Sinto sua multidão. Somos nós
E, entre nós, tu e teus descendentes
Filhos que hás de gerar. Os derradeiros
E os do vermelho Adão. Sou estes outros,
também. A eternidade está nas coisas
Do tempo, que são formas pressurosas
BIBUOGRAFIA
AU!AGNIER, Piera. ( 1975). A violência da interpretação: do pictograma ao enunciado.
Rio de janeiro: lmago, 1 979.
BARROS, Manoel de. livro sobre nada. Rio de janeiro: Record, 1 996.
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Rio de janeiro: Jorge Zahar, 1 985.
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"Um Amor Tecido pela Duplicidade"
79
80 PSICANÁLISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
Lacan , para dizer da relação da menina com sua mãe, usou uma
expressão forte, aliás, a mesma, para acentuar a relação da mulher
com o homem: "O homem é uma devastação como a mãe é uma
devastação para a filha". O termo devastação diz certamente do
alheamento do sujeito em relação ao Outro. O sujeito fica sob o
domínio, à mercê da vontade do Outro e o desejo, a demanda e o
gozo deste imperam, ou seja, o sujeito lhes dá a primazia.
Não ser objeto do outro, não ser o sintoma da mãe para poder
ser o sintoma do homem?
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Na Corda Bamba da M o rte . . . Ou da
Vida?
A Criança e a Insuficiência Renal Crônica
Introdução
Corpo e Linguagem
Constituição do Sujeito
Sintoma e Tratamento
O Lugar do Analista
BIBLIOGRAFIA
'
1 05
1 06 PSICANÁLISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
" ... Ter um corpo só pode querer dizer tê-lo pelo Outro no
significante: o corpo é o significado desse significante
naquilo que Lacan definiu como 'ponto de basta'. Neste
sentido, aforclusão do Nome-do-Pai é a separação radical
entre o real do corpo e o significante do Outro. "
Conclusão
Não podemos dizer que João entrou em análise, aliás não foi
esse o objetivo visado pelo analista. Ao nosso paciente foi oferecido
um outro discurso, no qual ele pudesse obter uma outra saída para
seu sofrimento.
O objetivo era oferecer um espaço à subjetividade, através de
uma escuta analítica, na qual fosse possível que o Defeito Físico
fosse assimilado pela economia psíquica através dos arranjos que
o sujeito faz para significá-lo e integrá-lo em sua vida. Em outras
palavras, propiciar um espaço em que fosse possível abordar a
castração, tocar o real daquele sujeito sem, no entanto, utilizar de
artimanhas tamponadoras, pois, só assim, João poderia criar a sua
própria maneira de lidar com essa falta, não só a nível orgânico mas
também a nível estrutural. A aposta consistia em que João pudesse
viver apesar de sua má-formação e não mais por causa dela.
Além disso, a importância de se ter trabalhado visando ao
sujeito do inconsciente, é também de possibilitar a João a constru
ção de uma cadeia de significantes ordenados e estruturados em
um sistema simbólico, que tende à homeostase e oferece resistên
cia às perturbações e modificações da vida cotidiana.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
117
1 18 PSICAN Á LIS E E HOSPITAL - A CRIANÇA E SUA DOR
aquele que tudo tem e tudo pode, sem falhas, aquele que a
psicanálise chama d e "Grande Outro". Mais tarde, a criança desco
brirá que esse Grande Outro "não é todo", mas sim faltoso. O
momento dessa descoberta é essencial para a base do psiquismo
humano, pois o sujeito terá que lidar com essa falta, em si mesmo .
e no Outro. A satisfação plena nunca será atingida, porém sempre
buscada. Freud dizia que para o homem, a forma de encontrar o
objeto é buscando o objeto do primeiro desmame, " o objeto quefoi
inicialmente o ponto de ligação das primeiras satisfações da criança" .2
Sabemos quão i mportantes são os primeiros anos de vida para
o ser humano. As vivências dessa fase irão indicar a estrutura
psíquica do sujeito. Novamente citando Freud, lembremos que ele
dizia ter a criança uma disposição perversa polimorfa podendo, sob
a influência da sedução,
"ser induzida a todas as transgressões possíveis. Isso mos
tra que traz em sua disposição a aptidão para elas; por
isso sua execução encontra pouca resistência, já que, con
forme a idade da criança, os diques anímicos [morais/ con
tra os excessos sexuais - a vergonha, o asco e a moral
- ainda não foram erigidos ou estão em processo de
construção" .3
A criança tem u m funcionamento psíquico extremamente lábil,
propensa a várias modificações e reordenamentos; portanto a in
tancia se caracteriza por ser uma fase de construção, de montagem
de uma estrutura que se cristalizará na fase adulta.
A Psicanálise de orientação lacaniana, surgida nos a nos 50
(pri meiros seminários, a partir de 1 953), foi logo influenciada pelo
contexto científico criado pelo estruturalismo. Surgia, na época, a
idéia de uma investigação científica, uma teoria do conhecimento,
própria às ciências humanas. Lacan preocupou-se em acentuar as
relações do desenvolvimento com a estrutura. Para ele, "a incorpo
ração da estrutura é muito mais precoce, o Outro da linguagem, preexis
tindo ao sujeito, a palavra determinando desde antes de seu nascimento,
não apenas seu estatuto mas também a vinda de seu ser biológico". 4
Joel Dor, citando Piaget, diz que uma estrutura seria um con
junto de elementos que promovem arranjos entre si sem recorrer
ao exterior. Pertencem a um sistema limitado que possui leis
A CRIANÇA E AS ESTRUTURAS CL ÍNICAS 119
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BIBLIOGRAFIA
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1 30 PSICANÁ LISE E HOSPITAl - A CRIANÇA E SUA DOR
"A criança terá mais divertimentos que seus pais; ela não
ficará sujeita às necessidades que eles reconheceram como
supremas na vida. A doença, a morte, a renúncia ao pra
zer, restrições à sua vontade própria não a atingirão... ela
será mais uma vez realmente o centro e o âmago da cri
ação - · Sua Majestade o Bebê', como outrora nós mes
mos nos imaginávamos. A criança concretizará os sonhos
dourados que os paisjamais realizaram - o menino se
tornará um grande homem e um herói em lugar do pai,
e a menina se casará com um príncipe como compensação
para sua mãe". 4
Nas palavras de Lacan: "é pensável que toda a linguagem não seja
feita, senão, para não pensar a morte que, com efeito, é a coisa menos
pensável que seja".9
Realmente não se vive pensando na morte, mas ao se deparar
com essa possibilidade, a realidade aparece, realidade esta enco
berta, muitas vezes, pelo véu da culpa. Culpa que enquanto véu
"operador imaginário", descrito por Mifler, tem a propriedade de
fazer existir o que não existe, porque não se sabe se o véu vela algo
ou nada ...
Enquanto os pais sentem culpa não têm que se haver com a
questão que emerge, o desamparo diante da possibilidade de perda.
Não adianta, portanto, desculpâbilizar, pois esse sentimento
está relacionado à onipotência dos pais, que acreditam imaginaria
mente que algo poderia ter sido feito.
No atendimento psicanalítico a esses pais, qual seria a tática
utilizada?
O analista não pode entrar nesse jogo i maginário nem para
culpar, nem pára desculpabilizar. Uma conhecida citação de Lacan
nos adverte: "desangustie, mas não descu/pabilize".
O psicanalista, com sua presença, vai acolher as múltiplas
formas que os pais têm de lidar com algo que está mais além. Através
do oferecimento de uma escuta, poderá possibilitar ao sujeito o
adentramento no simbólico pela palavra, nomeando este corte e
integrando-o na sua história. O trabalho será o de testemunhar essa
castração, o sem-sentido.
A palavra orientadora será aquela que possibilita ao sujeito a
retificação subjetiva, em que os pais poderão encontrar as suas
respostas para a dor de existir, saindo da i mpotência para a possi
bilidade.
REFERÊNCIAS BIBUOGRÁACAS
BIBLIOGRAFIA
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁACAS
BIBLIOGRAFIA
Ernesto Sábato
Portanto, diferente de "se bem não faz mal também não faz", a
responsabilidade ética da direção do atendimento é do analista.
Não podemos deixar de lembrar que toda a obra de Freud nos
revela a importância das ocorrências subjetivas ligadas à história
vivida na infância. O significativo é que Freud formalizou a relação
entre o infantil e o inconsciente, o que assinala a diferença entre a
psicanálise e os outros saberes sobre a criança, marcando a intancia
enquanto constituinte da subjetividade humana. Além disso, ao
escutar o adulto em análise, pôde descobrir que o infantil que
aparece para o analista é uma construção a posteriori, no tratamento.
À medida que Freud rompeu com o saber sobre a patologia infantil,
foi-se tornando evidente a diferença entre os conceitos de criança
e de infantil.
A criança vive o tempo presente. O adulto reconstrói o infantil
com os fragmentos da infância. E este infantil é atual, reencontro
no adulto com a criança que por um processo de ruptura (recalque)
dela se separou.
Em 1 938 - "Esboço de Psicanálise" - Freud, aos 82 anos,
reúne os princípios da psicanálise para anunciá-los de maneira mais
concisa e nos termos mais unívocos, em suas próprias palavras ...
Ao falar da técnica, no capítulo VIl, retoma a questão do papel
desempenhado pelo período da i nfância na constituição do sujeito,
período relacionado com o desamparo e a prematuridade biológica
do vivente. Fala sobre a criança: "A experiência analítica convenceu-nos
da completa verdade da afirmação ouvida com tanta freqüência que a
criança psicologicamente é o pai do adulto e que os acontecimentos de
seus primeiros anos são de importância suprema em sua vida posterior"
(grifo nosso). E como não podia deixar de ser, fala do complexo de
Édipo e do complexo de Castração.
Lacan dos anos 70, no Seminário XVII - O Avesso da Psicanálise,
no capítulo "Do mito à estrutura", ao falar do pai real como
operador estrutural retoma a afirmação de Freud sobre a criança
articulando-a à instância do mestre e ao significante-mestre:
"Se pudemos perceber que a psicanálise nos demonstra
que a criança é o pai do homem, certamente deve haver,
de algum modo, alguma coisa que fez a mediação, que é
A CRIANÇA - DO MITO À ESTRUTURA 1 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁACAS
BIBLIOGRAFIA
COTTET, Serge. Estudos clínicos de Serge Cottet. Transcrição, n.4. Salvador: Fator,
1 988. Publicação da Clínica Freudiana.
FALO - REVISTA BRASILEIRA DO CAMPO FREUDIANO, N. t ,juiJ87, Salvador: Fator.
1 60 PSICAN Á LISE E HOSPITAL - A CRIANÇA E SUA DOR
I nd ice Remissivo
temporal, 1 1 89- 1 04
da castração, 1 8 introdução, 89
Amor(es) corpo, 90
lacaniano, 7 1 linguagem, 90
Angústia, 9 constituição do sujeito, 95
produção da, 9 dialisar-idealizar-desidealizar, 97
suscitada pela ausência, 36 sintoma, 99
Atendimento psicológico tratamento, 99
pré-cirúrgico, 53 o lugar do analista, I O I
pós-cirúrgico, 53 e as estruturas clínicas, 1 1 7- 1 26
entrada na, 1 1 7
CAPO (Diálise Peritoneal Ambulatorial percurso na, 1 1 7
Contínua), 97 o sintoma da, 1 2 1
e a dor da morte, 1 23
Castração, 44
e sua dor, 1 39- 1 45
simbólica, 1 0
do L. da Cruz ao V. da Vida,
Coagulopatia(s), 58
1 39-1 45
Completude
do mito à estrutura, 1 47- 1 59
sentimento de, 60
Culpa
ilusão de, 1 00
o mal-estar da, 1 29- 1 37
Complexo de Édipo, 5 1
das Ding
Contração
campo de, 6
da fisionomia, 1 2
considerações sobre, 6
Coordenação motora, 22
ex-sistência de, 7
Criança(s)
espaço de, 9
que se cala, 27-3 1
horror de, 1 0, 1 2
o luto na, 33-45
inominável de, 1 2
prática hospitalar com, 47-55
proximidade de, 1 2
psicanálise na, 47-55
i ntrodução, 47 Decalagem
parte I, 48 radical, 52
parte 11, 52 entre corpo e psíquico, 52
parte 111, 53 Desidealização
fantasma na, 47-55 gradual, 77
introdução, 47-55 processo de, 77
parte I, 48 Doença(s)
parte 11, 52 crônica, 57-65
parte 111, 53 identificação com, 57-65
161
1 62 ÍN DICE REMISSIVO
. 'MARQUES SARAIVA
GRÁFICOS E EDITORES S A
Te/.: (02 1)502-9498
Só as crianças têm segredos, dos quais mais tarde já nem lembram! A
dor talvez é um deles.
Ficamos aturdidos diante da criança. Considerada inocente, diz ela a
verdade. A verdade sai pela boca das crianças, diz o adágio.
Uma das perguntas sobre a criança vem a ser a questão do trauma (a
dor de existir?), definido, por vezes, como resultado de sedução ou
violência, por parte do adulto. Já não sabemos mais, nem temos
condições de pesquisar até que ponto a criança consente. Já nem
podemos imaginar que o trauma é a marca do que ela tanto temia, a
revelação de algo já sabido, a saber, a dor de existir. O "segredo" da
criança faz frente ao adulto que indaga.
Ao cabo de algum tempo, a experiência acumulada solicita uma nova
tarefa, desta vez a escrita, dada ao público em forma de livro.
Se me fosse permitido, quero reconhecer não só a competência
profissional, mas o trato delicado com a matéria. A maneira de encarar
as mais duras situações da vida e da morte, já que atestadas no
hospital, no CTI.
Célio Garcia
REVINTER