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Propagação de incertezas

A maioria das grandezas físicas não pode se medida em uma única e


direta medição. Frequentemente é determinada em dois passos distintos.
Primeiro medimos as grandezas que podem ser medidas diretamente e, a
seguir, fazemos um cálculo para determinar a grandeza desejada. Quando
uma medição envolve estes dois passos, a estimação de incertezas também
envolve dois passos. Primeiro estimamos as incertezas nas grandezas
medidas diretamente e, a seguir, determinamos como estas incertezas “se
propagam” através dos cálculos para produzir uma incerteza na resposta
final.
1. Principais fontes de incertezas em medições diretas
(i) A leitura de escalas em instrumentos analógicos e a
necessidade de interpolar entre marcações da escala.
(ii) Problemas de definição. Exemplo: na medição de distância
entre dois o principal problema poderá ser decidir onde estes
dois pontos realmente estão.
(iii) Um dispositivo digital, muito mais do que uma escala analógica,
pode dar uma falsa imprecisão de acurácia. É muito comum na
repetição de uma medição com instrumento digital termos
diferentes valores para a medida realizada nas mesmas
condições. Sempre que possível uma medição deve ser
repetida. A média dos valores medidos é mais confiável do que
qualquer uma das medidas. E a amplitude dos valores medidos
dá uma melhor indicação da incerteza.

2. Regras provisórias de propagação de erros em medidas indiretas.


Para estimar incertezas quando medimos duas grandezas x e y e
queremos determinar uma terceira grandeza z pela combinação das duas
primeiras, obtivemos regras básicas combinando os maiores e menores
valores prováveis de x e y para obter o maior valor provável para z e o
menor valor provável para z, a fim de obter z = zm ± δz. São elas:
(i) Incerteza em soma e em diferença
Se q = x + y ou q = x – y , então δq = δx + δy

(ii) Incerteza em produto ou divisão


Se q = x.y ou q = x/y, então δq = qm [ δx/xm + δy/ym]
Se tivermos várias grandezas x, y, ..., u, w medidas com incertezas δx, δy,
...,δu, δw que serão utilizadas para determinar uma grandeza q, a aplicação
sucessiva de cada uma das regras básicas, conduz a um conjunto de regras
provisórias que podem ser resumidas como:
(i) Incerteza nas somas e diferenças
Se q = x + y +.....- (u + ... + w), então a incerteza no valor calculado de
q é a soma
δq ≈ δx + δy + ....+ δu + δw, de todas as incertezas originais.

(ii) Incertezas em produtos e quocientes


𝑥𝑋𝑦𝑋…𝑋𝑧
Se q = , então a incerteza fracionária no valor calculado de q
𝑢𝑋….𝑋𝑤
𝛿𝑞 𝛿𝑥 𝛿𝑦 𝛿𝑢 𝛿𝑤
é a soma ≈ + +⋯+ + , de todas as incertezas
𝑞 𝑥 𝑦 𝑢 𝑤
fracionárias em x,..., w
(iii) Incerteza em medida da grandeza vezes um número exato
Se q = B x, onde B não tem incerteza, a incerteza em q é δq = B δx
(iv) Incerteza em uma potência
𝛿𝑞 𝛿𝑥
Se q = xn, então a incerteza fracionária de q é =𝑛 .Ou seja, é n
𝑞 𝑥
vezes a incerteza fracionária em x .

A aplicação de tais regras sem uma avaliação crítica do problema,


considerando apenas a precisão das escalas dos instrumentos utilizado e
esquecendo de considerar outras fontes de erro pode resultar em
subestimativa ou superestimativa de incertezas. Cabe então, fazer uma
revisão nos métodos apresentados até aqui.

3. Propagação de erros para incertezas independentes.


Quando utilizamos um mesmo instrumento para fazer medidas
de diferentes grandezas x e y que serão combinadas para
determinação de uma terceira grandeza q, as incertezas de x e y são
ditas dependentes. Se fizermos uma avaliação incorreta na leitura da
escala, a superestimação (ou subestimação) que ocorre numa
também ocorrerá na outra. Se entendemos a incerteza como uma
declaração de que o valor de q está “provavelmente” em algum lugar
entre qm - δq e qm + δq a utilização das regras que foram obtidas
combinando os maiores e menores valores prováveis de x e y nos dão
uma medida correta da incerteza em q.
No entanto, se as medidas das grandezas x e y foram feitas de
maneira aleatória e independente, a probabilidade de termos a
combinação de ambas as grandezas superestimadas (ou
subestimadas) é bem pequena. Por outro lado, uma superestimação
em x pode ser compensado por uma subestimação em y. Portanto, o
intervalo de valores prováveis para q deve ser menor que o
estabelecido pelas regras anteriores. Os modelos estatísticos
mostram que uma avaliação mais adequada para obtenção da
incerteza resultante é a adição de incertezas em quadratura.
Com essas considerações, as versões finais das regras de
propagação de erros são as seguintes:
(i) Incertezas em somas e diferenças
𝛿𝑞 = √𝛿𝑥 2 + 𝛿𝑦 2 + ⋯ + 𝛿𝑤 2
(desde que todos os erros sejam independentes e aleatórios)

𝛿𝑞 ≤ 𝛿𝑥 + 𝛿𝑦 + ⋯ + 𝛿𝑤
(sempre)

(ii) Incertezas nos produtos e quocientes


𝛿𝑥 2 𝛿𝑦 2 𝛿𝑤 2
δq = 𝑞𝑚 √( ) + ( ) + ⋯ + ( )
𝑥𝑚 𝑦𝑚 𝑤𝑚
(desde que todos os erros sejam independentes e aleatórios)

𝛿𝑞 𝛿𝑥 𝛿𝑦 𝛿𝑤
≤ + +⋯+
𝑞𝑚 𝑥𝑚 𝑦𝑚 𝑤𝑚
(sempre)

Em resumo, se você está seguro que as incertezas são independentes, use


as regras de adição de incertezas em quadratura. Caso contrário use as
regras de cálculo de erro máximo, pois elas são sempre validas.
Exemplo 3.1: a tabela abaixo mostra medidas de diâmetro e espessura de
uma moeda de 10 centavos realizadas com o paquímetro e com o
micrômetro.
Grandeza Instrumento Resultado da medida (mm)
Diâmetro Paquímetro 20,00 ± 0,05
Micrômetro 20,045 ± 0,005
Espessura Paquímetro 2,20 ± 0,05
Micrômetro 2,270 ± 0,005

(a) Utilizando as medidas de diâmetro e espessura feitas com o


paquímetro, as incertezas são dependentes. Então, a incerteza no
volume deve ser calculada usando a regra de erro máximo para o
produto:
𝛿𝐷 𝛿𝐸
𝛿𝑉 = 𝑉𝑚 [2 + ]
𝐷𝑚 𝐸𝑚
0,05 0,05
𝛿𝑉 = 𝜋 (20,0/2)2 2,20 [2 + ] = 19
20,00 2,20

V = 691 ± 19 mm3

(b) Utilizando a medida do diâmetro feita com o paquímetro e a medida


da espessura feita com o micrômetro, as incertezas são
independentes. Então, a incerteza no volume deve ser calculada
usando a regra de adição em quadratura para o produto:
𝛿𝐷 2 𝛿𝐸 2
𝛿𝑉 = 𝑉𝑚 √2 ( ) + ( )
𝐷𝑚 𝐸𝑚
0,05 2 0,005 2
𝛿𝑉 = 𝜋 (20,0/2)2 2,270√2 ( ) + (2,270) = 3
20,00

V = 713 ± 3 mm3
(c) Utilizando as medidas de diâmetro e espessura feitas com o
micrômetro, as incertezas são dependentes. Então, a incerteza no
volume deve ser calculada usando a regra de erro máximo para o
produto:
𝛿𝐷 𝛿𝐸
𝛿𝑉 = 𝑉𝑚 [2 + ]
𝐷𝑚 𝐸𝑚
0,005 0,005
𝛿𝑉 = 𝜋 (20,045/2)2 2,270 [2 + ] = 1,9
20,045 2,270

V = 716,0 ± 1,9 mm3

4. Propagação de erros em funções arbitrárias de uma variável

Suponha que uma grandeza x é medida e expressa na forma padrão


𝑥 = 𝑥𝑚 ± 𝛿𝑥. Queremos determinar uma grandeza que é uma
função conhecida de x, ou seja q = f(x) e desejamos escrever o
resultado como 𝑞 = 𝑞𝑚 ± 𝛿𝑞. A melhor estimativa qm é calculada
substituindo xm na função. E, o cálculo da incerteza δq pode ser
pensado a partir de um gráfico de q em função de x.

Por interpolação, associo a melhor estimativa xm à melhor estimativa


qm, o maior e o menor valor prováveis de q aos valores
correspondentes de x dados por 𝑥𝑚 + 𝛿𝑥 e 𝑥𝑚 − 𝛿𝑥,
respectivamente.
Se a incerteza δx for pequena os espaçamentos entre qmax e qm e entre
qmin e qm serão iguais e podem ser identificados como δq. Assim,
temos através do gráfico os valores de qm e δq e podemos escrever
𝑞 = 𝑞𝑚 ± 𝛿𝑞 .

Essa representação gráfica pode ser substituída por um cálculo


analítico
𝛿𝑞 = 𝑞(𝑥𝑚 + 𝛿𝑥) − 𝑞(𝑥𝑚 )

𝛿𝑥 = (𝑥𝑚 + 𝛿𝑥) − (𝑥𝑚 )

Para qualquer função q(x) e um incremento suficientemente pequeno


δx
𝛿𝑞 𝑞(𝑥𝑚 + 𝛿𝑥) − 𝑞(𝑥𝑚 ) 𝑑𝑞
= ≈
𝛿𝑥 (𝑥𝑚 + 𝛿𝑥) − (𝑥𝑚 ) 𝑑𝑥

Ou seja,
𝑑𝑞
𝛿𝑞 = 𝛿𝑥
𝑑𝑥
𝑑𝑞
Onde é a derivada de q com relação a x.
𝑑𝑥

A função q(x) pode se decrescente e, nesse caso, a derivada é


negativa. Logo, a regra geral deve tomar o módulo da derivada de q
com relação a x.
Portanto, se x for medido com incerteza δx e usado para calcular a
função q(x), então a incerteza δq será

𝑑𝑞
𝛿𝑞 = | | 𝛿𝑥
𝑑𝑥

Exemplo 4.1: mediu-se 𝑥 = 100 ± 3 e se deseja calcular 𝑞 = √𝑥

A melhor estimativa de q é √100 = 10

𝑑 1 1 𝛿𝑥
A incerteza de q é 𝛿𝑞 = |
𝑑𝑥
(𝑥 1/2 )| 𝛿𝑥 = 2
𝑥 −1/2 𝛿𝑥 =
2 √𝑥

1 3
𝛿𝑞 = × = 0,15
2 √100

Dessa forma o resultado é q = 10,00 ± 0,15

Exemplo 4.2: Mediu-se o ângulo 𝜃 = 20 ± 3° e se deseja calcular o


sin 𝜃.

a melhor estimativa do sin 𝜃 = sin 20 = 0,342020

𝑑 sin 𝜃
a incerteza do sin 𝜃 = | | 𝛿𝜃 = 𝑐𝑜𝑠𝜃 𝛿𝜃(𝑒𝑚 𝑟𝑎𝑑𝑖𝑎𝑛𝑜𝑠)
𝑑𝜃

𝛿𝜃 = 3° = 0,05 𝑟𝑎𝑑

𝛿 sin 𝜃 = cos 20 × 0,05 𝑟𝑎𝑑 = 0,9396 × 0,05 = 0,05

Dessa forma, o resultado final é sin 𝜃 = 0,34 ± 0,05

5. Fórmula geral para a propagação de erros (função de várias variáveis)

Para uma função de uma variável q(x) podemos escrever os valores


extremos como
𝑑𝑞
𝑞(𝑥𝑚 ± 𝛿𝑥) ≈ 𝑞(𝑥𝑚 ) ± | | 𝛿𝑥
𝑑𝑥

Quando q é uma função de duas variáveis q(x,y), o argumento é


similar. Esperamos que a melhor estimativa para q seja

𝑞𝑚 = 𝑞 (𝑥𝑚 , 𝑦𝑚 )

Para estimar a incerteza neste resultado, podemos fazer a


generalização de que no caso de quaisquer pequenos incrementos u
e v em x e y, respectivamente, o resultado de q é
𝜕𝑞 𝜕𝑞
𝑞(𝑥 + 𝑢, 𝑦 + 𝑣) ≈ 𝑞(𝑥, 𝑦) + 𝑢+ 𝑣
𝜕𝑥 𝜕𝑦

𝜕𝑞 𝜕𝑞
𝑒 são as chamadas derivadas parciais de q com respeito a x e
𝜕𝑥 𝜕𝑦
y. Obtemos, então, para os valores extremos de q

𝜕𝑞 𝜕𝑞
𝑞(𝑥𝑚 , 𝑦𝑚) ± (| | 𝛿𝑥 + | | 𝛿𝑦)
𝜕𝑥 𝜕𝑦

Isso significa que a incerteza em q(x,y) é

𝜕𝑞 𝜕𝑞
𝛿𝑞 ≈ | | 𝛿𝑥 + | | 𝛿𝑦
𝜕𝑥 𝜕𝑦

Se a função q depende de mais de duas variáveis (x, y,...z), então,


simplesmente adicionamos um termo extra para cada variável extra.
Se as incertezas são independentes e aleatórias, a soma deve ser feita
em quadratura. Dessa forma, chega-se à seguinte regra geral

2 2 2
𝜕𝑞 𝜕𝑞 𝜕𝑞
δq = √( 𝛿𝑥) + ( 𝛿𝑦) + ⋯ + ( 𝛿𝑧)
𝜕𝑥 𝜕𝑦 𝜕𝑧
(desde que todos os erros sejam independentes e aleatórios)
∂q ∂q ∂q
δq ≤ | | δx + | | δy + ⋯ + | | δz
∂x ∂y ∂z
(sempre)

Exemplo 5.1: O modelo de pêndulo simples prevê que o período de


oscilação do pêndulo varie em função do comprimento e do valor da
𝐿
gravidade no local segundo a equação 𝑇 = 2𝜋√ . Num experimento
𝑔
foram medidos: o comprimento L = (59,90 ± 0,05) cm e o período
T = (1,555 ± 0,001) s. Qual o resultado encontrado para o valor de g?

𝐿
Isolando g na equação do período obtém-se: 𝑔 = 4𝜋 2
𝑇2

59,90
𝑔𝑚 = 4𝜋 2 = 977,975
1,5552

2 2
𝜕𝑔 𝜕𝑔
𝛿𝑔 = √( 𝛿𝐿) + ( 𝛿𝑇)
𝜕𝐿 𝜕𝑇

2 2
4𝜋 2 4𝜋 2 𝐿 (−2)
𝛿𝑔 = √( 2 𝛿𝐿) + ( 𝛿𝑇)
𝑇 𝑇3

2 2
4𝜋 2 8𝜋 59,90
𝛿𝑔 = √( 0,05) + ( 0,001)
1,5552 1,5553

𝛿𝑔 = 1,3

Portanto, g = 9,780 ± 0,013 m/s2.

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