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HIST A Livro Preparac Ao Exame 2021
HIST A Livro Preparac Ao Exame 2021
12
HISTÓRIA A
António Ribeiro
Lia Ribeiro
REVISÃO CIENTÍFICA
Manuel Loff
Ilídio Silva
ATUAL E COMPLETO
Explicação de todos os conteúdos
Teste diagnóstico
com feedback online imediato
REVISÃO CIENTÍFICA
Manuel Loff
Ilídio Silva
NOTA INTRODUTÓRIA
Não obstante estes apoios, importa ter em conta que o objetivo da excelên-
cia exige um grande investimento pessoal no trabalho e capacidade de orga-
nizar os saberes, com autonomia e alguma originalidade, em contextos inter-
pretativos coerentes, críticos e reflexivos.
A História é uma ciência fascinante. Sem ela vaguearíamos num mundo sem
referências, perderíamos o norte, a identidade. Mas também é verdade que,
se o seu estudo não requer capacidades específicas de ordem anormalmente
elevada, exige muito de cada um.
Bom trabalho!
O Autor
Índice 3
ÍNDICE
10.° Ano
Módulo 1 | Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania
e império na antiguidade clássica
Unidade 1 – O modelo ateniense......................................................................................... 10
11.° Ano
Módulo 4 | A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas
coloniais
Unidade 1 – A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento ....... 71
Unidade 3 – Triunfo dos estados e dinâmicas económicas nos séculos XVII e XVIII ....... 80
ÍNDICE
12.° Ano
Módulo 7 | Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira
metade do século XX
Unidade 1 – As transformações das primeiras décadas do século XX .............................. 139
1.1. Um novo equilíbrio global ............................................................................................ 139
1.2. A implantação do marxismo-leninismo na Rússia: construção do modelo soviético .. 144
1.3. A regressão do demoliberalismo.................................................................................. 147
1.4. Mutações nos comportamentos e na cultura............................................................... 149
1.5. Portugal no primeiro pós-guerra .................................................................................. 160
Unidade 2 – O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 1930 ............. 165
2.1. A Grande Depressão e o seu impacto social............................................................... 165
2.2. As opções totalitárias................................................................................................... 168
2.3. A resistência das democracias liberais......................................................................... 171
2.4. A dimensão social e política da cultura ...................................................................... 173
2.5. Portugal e o Estado Novo ............................................................................................ 181
1. Tenho tanto para Primeira decisão: elabore um plano de estudo A planificação do trabalho é tanto
estudar... com alguma antecedência. mais importante quanto maior for
Por onde devo No plano devem constar: a dimensão e complexidade da
começar? tarefa a realizar.
– a calendarização dos dias e das horas que vai
dedicar à preparação do teste ou exame;
- o registo das restantes tarefas que tem de
realizar na escola e fora dela.
2. Tenho tanto para Nas aulas: Não deixe ficar para trás nenhuma
estudar... – sinalize no manual os conteúdos mais matéria por não gostar ou por não
Como poderei saber importantes que, no caso da História, são os a compreender! Os amigos (e o
tudo? conteúdos designados por “estruturantes” no professor é um deles) são para as
Programa da disciplina; ocasiões!
– preste muita atenção às indicações do
professor sobre a avaliação formativa e à Procure sempre entender o que
estrutura e conteúdos dos testes e exames; está a estudar. Optar por decorar
– anote as matérias em que tem dúvidas e que os conteúdos não contribui para a
precisam de um estudo mais atento. compreensão dos mesmos.
No trabalho de casa:
– comece por reler, com atenção, os seus Só interiorizamos os
apontamentos e notas que registou nas conhecimentos que, de algum
aulas; modo, compreendemos e fazem
– interrogue-se regularmente sobre o que é sentido para nós.
mais importante saber sobre as matérias
que está a estudar; Estudar é, essencialmente,
– à medida que vai lendo sublinhe as palavras organizar e integrar as novas
e/ou expressões e afirmações mais informações nos conhecimentos
significativas para as matérias em estudo e que já possuímos.
tome notas;
– à medida que vai estudando procure Procure conhecer-se cada vez
estabelecer mentalmente relações com os melhor - descobrir as suas
conhecimentos de que já dispõe; deste modo, qualidades e dificuldades.
ser-lhe-á mais fácil reter ou memorizar os A motivação, o empenho e a
novos conhecimentos adquiridos; se estudar persistência permitem superar
em grupo, discuta com os(as) colegas os todas (ou quase todas) as
pontos que considera mais importantes e dificuldades.
sobre os que tem dúvidas;
– para facilitar a memorização e a
O trabalho intelectual é física e,
compreensão, recorra a algumas técnicas:
sobretudo, mentalmente
• elaboração de esquemas e/ou de pequenas esgotante. Por isso, deve evitar
sínteses; horários prolongados de estudo,
• anotação de palavras e/ou expressões fazendo regularmente pequenos
significantes; intervalos (Note Bem: nunca faça
• organização de um glossário; “diretas”).
• debate das matérias com um(a) colega;
• estudo intervalado.
Como abordar um teste escrito ou exame 7
a) Comece por ler todo o teste ou exame antes de começar a responder; Escrever é um ato de
desta forma, ficará desde logo com uma ideia geral sobre as matérias comunicação e, quanto melhor
e as questões que irá abordar, o seu grau de dificuldade e a questão o fizermos, melhor será a
do tempo. nossa capacidade de sermos
compreendidos da forma que o
b) Nesta primeira leitura assinale, sublinhando ou anotando, os elementos pretendemos ser.
fundamentais dos documentos – palavras e/ou expressões, dados
quantitativos, pormenores das figuras...
Podemos aprender a escrever
c) Antes de iniciar cada resposta, anote e ordene os tópicos de conteúdo bem se criarmos um hábito de
que considera adequados à questão e depois siga-os na elaboração da ler e escrever regularmente.
sua resposta.
d) Na redação das respostas tenha presente que irá ser avaliado, tendo em Escrever bem requer esforço,
consideração os seguintes aspetos: dedicação e concentração.
Também ajuda (e muito) ter
sempre um dicionário e uma
– formulação da questão, em particular do verbo que a introduz, pois gramática por perto.
este define o alcance da mesma. (Consulte o significado dos
verbos mais utilizados nos testes/exames na pág. 9); Não tenha receio da escrita,
– relevância da informação na resposta à questão formulada; dos testes. Aproveite-os para
avaliar e melhorar o seu
– mobilização de informação circunscrita ao assunto em análise;
desempenho.
– articulação (obrigatória) com as fontes;
– forma como a fonte é explorada, sendo valorizada a interpretação Não tenha medo de errar; o erro
e não a mera transcrição; deve ser encarado como um
instrumento para a melhoria.
– correção na transcrição de excertos das fontes e pertinência
desses excertos como suporte de afirmações ou argumentos;
Confie em si próprio, nas suas
– utilização adequada da terminologia específica da disciplina.
capacidades.
NOTA:
O domínio da comunicação escrita em língua portuguesa representa cerca de 10%
da cotação em todos os itens da Prova de Exame Nacional da disciplina de
História A, contribuindo, desta forma, para valorizar a classificação atribuída ao
desempenho de competências específicas da disciplina.
8 Prova de Exame Nacional de 12.o Ano – História A
OBJETO DE AVALIAÇÃO
• Competências
A Prova de Exame Nacional de História A tem como objeto de avaliação os saberes e competências defi-
nidos nos programas e que foram sendo desenvolvidos ao longo do ciclo de estudos do Ensino Secundá-
rio, concretamente:
– analisar fontes de natureza diversa, distinguindo informação explícita e implícita, assim como os res-
petivos limites para o conhecimento do passado;
– analisar textos historiográficos, identificando a opinião do autor e tomando-a como uma interpretação
suscetível de revisão, em função dos avanços historiográficos;
– relacionar a História de Portugal com a História europeia e mundial, distinguindo articulações dinâmicas
e analogias/especificidades, quer de natureza temática quer de âmbito cronológico, regional ou local;
– mobilizar conhecimentos de realidades históricas estudadas para fundamentar opiniões, relativas a pro-
blemas nacionais e do mundo contemporâneo;
• Conteúdos
Os conteúdos a avaliar no Exame Nacional da disciplina de História A no ano letivo de 2013-2014 repor-
tam-se às matérias estudadas nos 11.o e 12.o anos, a partir de 2014-2015, nos 3 anos do ciclo de estudos
do Ensino Secundário (10.°/11.°/12.°).
De entre os conteúdos a avaliar, assumem particular importância as matérias consideradas pelos pro-
gramas da disciplina como aprendizagens estruturantes que devem merecer especial atenção.
Assim, na prova de exame nacional as questões incidem sobre os conteúdos de aprofundamento, as apren-
dizagens e os conceitos estruturantes assinalados na abertura de cada unidade com um (*) e dois (**)
astericos, respetivamente.
Prova de Exame Nacional de 12.o Ano – História A 9
A correta interpretação das perguntas ou questões dos testes e do exame nacional de História A é funda-
mental para compreender o seu alcance e adequar os conteúdos das respostas ao solicitado.
Importa, pois, compreender corretamente os significados dos verbos que introduzem as questões.
Contextualização
As civilizações antigas grega e romana e o Mediterrâneo – espaço de encontro e de sínteses
de povos e culturas –, que lhes serviu de berço, constituem a matriz civilizacional de uma
Cronologia Europa que acolheu e difundiu, à escala do globo, a herança político-cultural clássica que
tem na democracia e no humanismo dos Gregos, e no universalismo e no pragmatismo dos
As grandes etapas da Romanos, os seus pilares cruciais.
evolução política em Atenas
683 a. C.
A oligarquia substitui Unidade 1 O modelo ateniense
a monarquia. Crise política:
legislação de Drácon
SUMÁRIO
(624 a. C.) e Sólon
(594 a. C.). 1.1 A democracia antiga: os direitos dos cidadãos e o exercício dos poderes
560 a. C. 1.2 Uma cultura aberta à cidade
Tirania: Pisístrato
(560-527 a. C.); Hípias APRENDIZAGENS RELEVANTES
e Hiparco (527-514 a. C.).
510 a. C. - Identificar os elementos definidores da polis grega.
Democracia: reformas de - Caracterizar o modelo democrático ateniense: as suas limitações, os fundamentos e os
Clístenes (510-507 a. C.); mecanismos de funcionamento. Analisar o funcionamento da democracia ateniense, real-
Péricles e Efialtes (462 a. C.).
çando as suas qualidades e limitações.
443-429 a. C.
O “Século de Péricles”. CONCEITOS/NOÇÕES
Polis; Ágora; Democracia antiga; Cidadão**; Meteco; Escravo; Ordem arquitetónica
(2)
Democracias antigas: em Atenas, o poder soberano estava na Assembleia Popular ou Eclésia, constituída por todos
os cidadãos, que tomava decisões por maioria. O conceito moderno de democracia representativa ou parlamentar foi
desenvolvido no século XVIII por pensadores como Montesquieu (divisão de poderes), Rousseau (soberania popular) ou
Voltaire (igualdade de direitos entre todos os homens).
(3)
Estrategos: em Atenas, a partir de 501 a. C., os dez magistrados que se encarregavam do comando dos corpos de
hoplitas (soldados de infantaria). Eram eleitos pela Eclésia.
(4)
Mistoforia: subsídio de participação nas assembleias concedido pelo Estado aos cidadãos mais pobres; o objetivo
era combater o absentismo, estimulando a participação dos cidadãos na vida política.
12 Módulo 1 - Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na antiguidade clássica
– dos prováveis 400 000 habitantes da Ática no século V a. C., apenas uma minoria
de cerca de 40 000 indivíduos seriam cidadãos de pleno direito – os escravos(5)
(c. 200 000) e os metecos ou estrangeiros residentes em Atenas (c. 70 000) não per-
tenciam ao restrito número dos cidadãos com direitos de participação política, tal
como as mulheres, que estavam também excluídas da vida pública;
– a ameaça de uma acusação de ilegalidade (graphê paranomon)(6) limitava iniciati-
vas suscetíveis de serem consideradas inconvenientes ou perigosas pela Eclésia,
Documento 1 apesar da liberdade de tomar a palavra reconhecida a qualquer cidadão;
– ostracismo(7), mecanismo penal instituído para impedir abusos de poder e defender
Principais jogos (festivais
religiosos e atléticos): a democracia, não raras vezes foi utilizado para silenciar ou afastar cidadãos críti-
– Jogos Olímpicos em cos ou indesejáveis;
honra de Zeus, em Olímpia;
– as desigualdades sociais, a escravatura e a política externa imperialista.
– Jogos Píticos, em honra
de Apolo, em Delfos,
de 4 em 4 anos;
– Jogos Ístmicos, em honra
1.2. Uma cultura aberta à cidade
de Poseidon, no Istmo de
Corinto; – As grandes manifestações cívico-religiosas
– Jogos Nemeus, em honra Como em muitas outras cidades gregas, as festas dos atenienses correspondiam não
de Zeus, em Némea,
de 2 em 2 anos. apenas a uma necessidade de lazer e diversão, mas contribuíam sobretudo para um
reforço da coesão da comunidade à volta de uma divindade protetora.
O sistema de educação procurava conciliar num só programa duas tendências: uma, O teatro: autores e obras
mais antiga, visando a formação de homens vigorosos, guerreiros e atletas com uma mais importantes
sólida preparação moral; a outra, virada para a formação intelectual. A formação para o Ésquilo (525-456 a. C.):
Os Persas (472 a. C.),
exercício da cidadania é essencial para o funcionamento do regime democrático. Os Sete contra Tebas
(467 a. C.), Oréstia
Os rapazes iniciavam os seus estudos por volta dos 7 anos de idade, quando saíam da
(458 a. C.)
companhia das mulheres (do gineceu, espaço feminino) e iniciavam a sua aprendizagem
Sófocles (497-406 a. C.):
em escolas privadas. Os mais ricos eram acompanhados no seu percurso escolar por um Antígona (442 a. C.),
pedagogo, um escravo culto. Na escola, a aprendizagem ficava a cargo de três mestres – Rei Édipo (427 a. C.),
Electra (420-410 a. C.)
o paidotribes, professor de ginástica, o kitharistês, que ensinava música, e o gramático,
Eurípedes (480-406 a. C.):
responsável pelo ensino da leitura, escrita, aritmética e literatura. Esta aprendizagem Medeia (431 a. C.),
prolongava-se até aos 13 ou 14 anos. Hipólito (428 a. C.),
As Troianas (415 a. C.)
A partir dos 15 anos, a educação prosseguia no ginásio (aprendizagem de Matemá-
Aristófanes (445-385 a. C.):
tica e Filosofia) e na palestra(11). Os mais abastados que pretendessem prosseguir os estu- A Assembleia das
dos faziam-no junto de um mestre disponível para os orientar. Mulheres (392 a. C.), As
Rãs (405 a. C.), As Aves
A partir do século V a. C., em Atenas, este modelo de educação orientado para a for- (414 a. C.), As Vespas
(422 a. C.), As Nuvens
mação integral do jovem, futuro cidadão, sofreu a concorrência dos sofistas, professores (423 a. C.)
itinerantes que privilegiavam a retórica(12) (a arte da persuasão) e a dialética (a arte do
debate), habilidades importantes para o cidadão interessado em fazer valer as suas ideias
e levar os restantes a segui-las, ou seja, fazer demagogia e alcançar o sucesso político.
A B
– A arquitetura como expressão do culto público e da procura da harmonia
O objetivo primordial dos Gregos era criar edifícios simultaneamente funcionais e
belos. Na Grécia encontramos edifícios públicos destinados a fins religiosos, como os
templos e os teatros, e construções civis, normalmente situados na ágora*, como giná-
sios, palestras, estádios e pórticos. Fig. 3. Esquema simplificado
da ordem dórica (A) e da
De todos estes edifícios, o templo foi o que mereceu uma maior atenção dos Gregos. ordem jónica (B).
A planta do templo era constituída por uma sala única, a naos ou cella, onde se encon-
trava a estátua da divindade, o pronaos ou pórtico que dava acesso ao seu interior, um
* Ágora: praça pública
opistódomos, fachada posterior do templo, e o peristilo formado por colunas (colunata) e local de convívio
envolvendo o conjunto. localizada na parte baixa
de Atenas; era aí que se
O esquema de construção do templo assentava numa relação racional e coerente de realizava o mercado e que
se situavam construções
elementos horizontais e verticais que transmitiam a ideia de ordem e proporção. As relacionadas com a vida
ordens arquitetónicas* gregas mais antigas são a dórica e a jónica, contemporâneas mas política.
A ordem jónica distingue-se da dórica pela coluna ter base, pelo seu fuste ser mais
alto e elegante, com caneluras de aresta chata, e por ter um capitel mais elaborado, com
volutas. A arquitrave é tripartida, dividida por três filas horizontais, o friso é liso e fre-
quentemente decorado com pinturas ou esculturas. Por vezes, as colunas são substituí-
das por figuras femininas (Cariátides) ou masculinas (Atlantes).
Nos finais do século V a. C., surge uma nova ordem arquitetónica, a ordem coríntia,
estruturalmente idêntica à ordem jónica mas diferenciando-se desta por uma maior abun-
dância decorativa e monumentalidade. A diferença mais significativa reside no capitel
(Fig. 5), muito elaborado, decorado com folhas de acanto e folhas de água.
cornija
Capitel dórico.
métopa
friso
tríglifo
arquitrave entablamento
Capitel jónico.
ábaco
capitel
équino
Fig. 4. Pormenor do
caneluras de
Pártenon, templo
aresta viva fuste consagrado à deusa
Atena construído no
Capitel coríntio. séc. V a. C. na acrópole
de Atenas.
Fig. 5. Capitéis das ordens
arquitetónicas gregas.
– A escultura como expressão do culto público e da procura da harmonia
Na Grécia Antiga, a escultura toma como tema principal o homem; o antropomorfismo
é a expressão dominante deste género artístico. Deuses, heróis e atletas, os temas pri-
vilegiados da escultura, estão intimamente ligados à religião e partilham entre si a forma
? Questão
humana (como escreveu Protágoras, c. 492-422 a. C., “o homem é a medida de todas as
1. Que características coisas”). Os deuses gregos são concebidos à imagem e semelhança do homem, mas do
distinguem as ordens
arquitetónicas dórica, homem ideal, anatomicamente perfeito. Tanto na vida como na arte, o grego busca a
jónica e coríntia? harmonia e a perfeição.
Unidade 2 - O modelo romano 15
* Império: na Roma antiga, É assim que se impõe Júlio César, o conquistador da Gália, que governa sozinho
imperium era o poder
supremo militar e civil do durante alguns meses, nos anos 45 e 44 a. C., após uma sangrenta guerra civil, inves-
rei, e posteriormente dos tido de amplos poderes ditatoriais. Esta experiência política termina abruptamente no
altos magistrados da
República. Com Augusto, ano de 44 a. C. com o seu assassinato às mãos dos seus adversários republicanos. No
o imperium passou entanto, a conservação do Império reclamava cada vez mais o estabelecimento de um
a constituir a base de
legitimação ou regime monárquico.
fundamentação do seu
poder e autoridade e do Caberá a Augusto (63 a. C.–14 d. C.), sobrinho-neto e herdeiro do ditador assassinado,
domínio Romano sobre os após derrotar Marco António, iniciar o regime de Principado(1).
povos submetidos a Roma
(Império Romano). Convictos de que essa era a melhor forma de garantir a coesão do Estado e do Impé-
rio, as autoridades romanas empenharam-se em promover a disseminação dos valores
da romanidade. O culto ao Imperador e o modo de vida romano foram difundidos de um
extremo ao outro do Império (Fig. 2), nas cidades fundadas à imagem de Roma, com
forum, templos e banhos públicos, que as elites
cultas adotaram e tinham orgulho em ostentar.
(1)
Principado (princeps, primus inter pares = príncipe, o primeiro entre iguais): regime que se baseia no princípio da
aceitação ou consenso geral e que representa um compromisso entre república e monarquia. O príncipe recebe for-
malmente o poder do povo e do Senado. As suas principais características são: reforço do poder executivo (auctoritas)
e respeito pelas formas tradicionais (mores maiorum).
(2)
Direito público e direito privado: o primeiro regula as relações entre os cidadãos e o Estado; o segundo as relações
entre os cidadãos. Havia ainda o jus gentium (à letra, direito das gentes) que regulava as relações de Roma com os
povos do Império. A influência do direito romano sobre os direitos nacionais europeus perdura até à atualidade.
(3)
Éditos: ordens/leis escritas e comunicadas através de anúncios públicos.
Unidade 2 - O modelo romano 17
conheceu um desenvolvimento gradual até à sua generalização nos primeiros anos do Documento 1
século III, pelo Édito de Caracala de 212 d. C. A cidadania romana foi concedida a todos
A generalização da cidadania
os homens livres do Império integrando a pluralidade dos povos no Estado imperial. romana: Édito de Caracala
(212)
Contrariamente ao conceito grego, para os Romanos a cidadania é uma noção aberta.
Todos os que habitam
O critério determinante para um novo cidadão é a adesão aos valores da cidade. Esta o mundo romano são
considerados cidadãos
liberalidade de Roma na atribuição da cidadania constituiu o melhor fator de coesão do
romanos por determinação
Império. do imperador.
Digesto, V, 17
2.2. A afirmação imperial de uma cultura urbana pragmática
- A padronização do urbanismo* * Urbanismo: ordenamento
das construções e do
Urbs Orbi(4), Roma é o centro do Mundo, a cidade por excelência à volta da qual tudo espaço citadino.
gravita e à imagem da qual se erguem novas cidades, segundo o seu modelo político,
cultural e urbanístico. Pode assim falar-se de um tipo de “cidade romana” com um pla-
neamento urbanístico de caráter utilitário, edificada a partir do traçado das vias e tendo
como centro o forum* com os templos, a basílica e a cúria. * Forum: nome dado pelos
romanos à praça principal
Outras construções com fins práticos, como aquedutos, fontes, termas(5) e esgotos, ou da cidade. O seu centro
político, religioso,
recreativos, como ginásios, teatros e anfiteatros, ou ainda obras de caráter comemora- económico e social.
tivo, como arcos de triunfo e colunas monumentais, completavam um conjunto arquite- O mesmo que ágora para
os Gregos.
tónico imponente, sólido e funcional, características próprias de um povo positivo e com
grande sentido de pragmatismo*. * Pragmatismo:
pensamento/atitude que
A admiração por Roma, pelos seus modelos urbanísticos e artísticos e pelo modo de condiciona a validade de
uma ideia ou conhecimento
vida dos Romanos levou os povos do Império, em particular as suas elites, a aceitarem à sua utilidade ou
a supremacia romana, colaborando deste modo na pacificação e na unidade imperial, ou aproveitamento. Por outras
palavras, dá prioridade ao
seja, na pax romana(6), um instrumento fundamental para a segurança e prosperidade do
efeito útil. O pragmatismo
Império. dos Romanos revela-se em
áreas muito diversas: na
religião, na arte, na
– A fixação dos modelos arquitetónicos literatura, no direito,
na política interna e externa.
Os Romanos não criaram um estilo arquitetónico próprio. Expressão do seu espírito
pragmático, a arquitetura romana é essencialmente uma síntese de influências etruscas
e gregas. O plano do templo é herdado dos Etruscos, tal como o arco de volta perfeita
(ou arco romano), um dos elementos fundamentais da sua arquitetura aplicado às pon-
tes, aquedutos e edifícios públicos e privados. A decoração é grega, sendo a ordem corín-
tia a preferida pela sua exuberância e dimensões mais conformes à escala de grandeza
do Império. Não obstante, também inovaram. São criação romana as ordens toscana e
compósita, esta integrando elementos das ordens jónica e coríntia e dois novos materiais
de construção: o cimento (opus caementicium), extremamente resistente, e o ladrilho
(opus latericium) (Fig. 3). Combinados, possibilitaram a construção de abóbadas de gran-
des dimensões e, não obstante, leves. ? Questões
1. Que instrumentos
(4) utilizou Roma no processo
Urbs Orbi: cidade do Mundo.
(5)
de unificação do seu
Termas: edifícios públicos ou privados destinados a banhos, cujo esquema básico é constituído por um vestiário e
Império?
três salas de banhos com piscinas de água fria, tépida e quente, e a sala da caldeira.
(6)
Pax romana: a Paz (Pax) era, para os Romanos, o principal objetivo do que consideravam ser a missão sagrada de 2. Qual o papel do Direito
Roma: formar um vasto império de abundância e bem-estar, sob o governo romano. nesse processo?
18 Módulo 1 - Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na antiguidade clássica
O segundo grau de ensino (“secundário”) começava por volta 12 anos e ia até aos 15
anos e estava a cargo do grammaticus. Estudava-se o latim e o grego, poesia e noções de
história, geografia, astronomia e física. No terceiro grau de ensino (“superior”) os alunos
possuíam mais de 16 anos. A prioridade era o estudo dos prosadores e da retórica. Tal
como entre os gregos, a educação romana fundamentava-se largamente no ensino das
Humanidades(8), tendo em vista a formação de oradores eloquentes e moralmente bem
formados.
(7)
Ab Urbe Condita: desde a fundação da Cidade.
(8)
Humanidades (da palavra latina humanitas): está associada à reflexão filosófica e às atividades culturais, em espe-
cial literárias. Daí que a palavra significasse também “instrução”, “educação”, “cultura”, “letras” e “artes liberais”.
Unidade 2 - O modelo romano 19
(9)
Aculturação: processo pelo qual um grupo entra em contacto com uma cultura diferente da sua e a assimila total
ou parcialmente.
20 Módulo 1 - Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na antiguidade clássica
Mas o papel dos Padres não se limitou ao plano doutrinal. Alguns deles revelam uma
grande simpatia pelas línguas e filosofia da Época Clássica* que pensavam poder servir * Época Clássica:
o objetivo da propagação do Cristianismo. Neste particular, sobressaíram Lactâncio, período áureo
das civilizações grega
Santo Ambrósio, S. Jerónimo e Santo Agostinho (Fig. 2), estudiosos dos filósofos heléni- (sécs. V-IV a. C.) e romana
cos e das leis romanas. (sécs. I a. C.–II d. C.).
? Questão
(5)
Mercenários: aquele que serve ou trabalha por um preço ou salário ajustado. Aqui, soldados que combatem por
dinheiro, muitos dos quais recrutados entre os povos Bárbaros.
(6)
Federados: povos inteiros que se encontravam ligados a Roma por meio de um tratado (foedus). Estes povos con-
servavam os seus costumes, a sua organização social e política; ocupam as terras romanas e em compensação for-
necem ao governo imperial um certo número de soldados.
22 Módulo 1 - Raízes mediterrânicas da civilização europeia – cidade, cidadania e império na antiguidade clássica
Não é a habitação que constitui o cidadão: os estrangeiros [metecos] e os escravos não são “cidadãos”,
mas “habitantes”. (...) Não participam, portanto, senão duma maneira imperfeita nos direitos de cidada-
nia. Quase a mesma coisa acontece com as crianças, que não têm ainda idade para estarem inscritos no
recenseamento dos cidadãos (…). Com maioria de razão se devem deliberadamente riscar desta lista os
infames e os proscritos. O que constitui propriamente o cidadão, a sua qualidade verdadeiramente carac-
terística, é o direito de sufrágio nas Assembleias e de participação no exercício do poder público na sua
pátria.
Aristóteles, Tratado da Política, II, Cap. IV.
Direi em primeiro lugar que é justo que, em Atenas, os pobres e a multidão gozem de mais benefícios
do que os ricos e os bem-nascidos, porque é o povo que embarca nos navios e que faz o poder da cidade.
(...) Também é justo que todos igualmente participem nas magistraturas, sorteadas ou eletivas, e que todo
o cidadão que o peça possa tomar a palavra.
Pseudo-Xenofonte, República Ateniense, 1, 2.
Fig. 1. Uma eleição sob a proteção divina de Atenas, os cidadãos depositavam o voto numa urna
(pintura sobre cerâmica, século V a. C.).
Questões para Exame 23
Fig. 2. Fachada principal do Pártenon (448-436 a. C.) na Acrópole Fig. 3. Estátua do deus Hermes com o
ateniense. pequeno Dioniso, de Praxíteles (350-330
a. C.).
1.1. Caracterize o regime democrático ateniense nos séculos V e IV a. C. tendo em conta os tópicos a seguir
enunciados:
– os fundamentos da democracia;
– os limites da participação democrática.
Para além dos seus conhecimentos, deve integrar na sua resposta os dados dos documentos 1 a 3.
Aos aldeamentos do Centro e Norte da Península e às “cidades” (oppida) indígenas do sul, os Roma-
nos vão contrapor as suas cidades (urbes), com os seus sistemas próprios de governo e os seus monu-
mentos.
A habitação privada vai sofrer também alterações, embora o novo modelo de casa tenha sido mais
característico do colono romano ou do indígena romanizado de médio ou alto poder económico. Os aldea-
mentos (vici) continuaram a ter a sua tradicional habitação indígena, com algumas modificações, sobre-
tudo a nível de materiais (cobertura de telhado em telhas planas – tegullae (...) – de cerâmica, substituindo
a tradicional cobertura de fibras vegetais, e a utilização de cimentos e argamassa), captação e abasteci-
mento de águas, vias de acesso e um ou outro eventual monumento de tipo religioso ou dedicatório. (...).
Conímbriga é um dos poucos locais onde podemos estudar a casa (domus) romana com alguma segurança.
Aqui as casas ricas desenvolvem-se em torno de um peristilo com um tanque central e zonas ajardinadas.
(...). Os únicos exemplares de “ilhas” (insulae) que conhecemos são os escavados em Conímbriga. (...).
O templo mais conhecido é o impropriamente chamado templo “de Diana”, na cidade de Évora. Seria dedi-
cado, mais provavelmente, ao culto do imperador e de Roma (...). Uma das zonas importantes das cida-
des romanas era o fórum, grande praça retangular ou subquadrangular à volta da qual, ou perto da qual,
se concentravam alguns edifícios públicos: templo, basílica, cúria, mercado. (…) A estes (...) deveremos jun-
tar vários balneários, públicos ou privados (...).
SARAIVA, J. H.(dir.), História de Portugal, vol. 1, Lisboa, Publ. Alfa, pp. 374-376.
2.1. A partir dos dados dos documentos 5 e 6, explicite o sentido pragmático dos Romanos.
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
A sua resposta deve integrar, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis nos documentos
5 e 6.
Unidade 1 - A identidade civilizacional da Europa Ocidental 25
Contextualização
Unida no e pelo Cristianismo e o sistema feudal, a Europa Ocidental nos séculos XIII e XIV
apresenta contudo uma grande diversidade política - impérios, reinos, senhorios e comunas.
É o tempo da conflituosa ordenação das relações entre os poderes espiritual e temporal, do
renascimento das cidades e das novas formas de sociabilidade, cultura e mentalidade que
tiveram a sua origem nesta fase mais dinâmica e criativa da história medieval da Europa
Ocidental. É ainda o tempo da afirmação de Portugal como entidade política autónoma.
medievais nas suas lutas contra o Sacro Império Romano-Germânico(1) que, desgastado
* Papado: instituição pelas suas lutas contra o Papado*, começa no século XII a dar sinais de fragilidade, per-
pontifícia. Considerados
como representantes de mitindo deste modo a formação de reinos* e ducados fortes. Noutras regiões do Ocidente
Deus, na Idade Média os europeu, em França, na Inglaterra e na Península Ibérica – nos reinos de Castela, de Ara-
Papas juntavam ao seu
enorme prestígio e gão e de Portugal –, verificou-se um processo de afirmação das monarquias hereditárias
autoridades espirituais um assentes numa administração central cada vez mais complexa e controladora.
imenso poder temporal.
* Reino: estado governado Diferentemente, no norte da Península Itálica e no Mar Báltico, áreas comerciais muito
por um regime monárquico ativas, fortalece-se a autonomia política das cidades-estados onde a aristocracia mercan-
ou realeza.
til controla o governo. Veneza e Génova sustentam o seu poder numa hegemonia comer-
* Comuna: cidade
emancipada da tutela cial e militar que vão construindo no Mediterrâneo. Lubeck, sede da Liga Hanseática
senhorial; situação (1241) – uma poderosa associação comercial e militar das cidades alemãs –, impõe o seu
alcançada através de um
processo de luta ou domínio no Mar do Norte. Na Flandres e no Norte de França, o movimento comunal, expri-
simplesmente através da mindo as aspirações de liberdade dos burgueses das cidades, libertou diversas cidades
compra de uma carta de
franquia, a carta comunal. da dependência dos senhores feudais e transferiu para as elites mercantis o governo des-
* Senhorio banal: designa tas cidades emancipadas, as comunas*.
um conjunto de poderes de
origem e natureza pública Na Europa Central e Oriental e em muitos pontos do Ocidente europeu, encontramos,
exercidos pelo senhor num no século XIII e durante bastante tempo mais, os senhorios banais*, ou seja, vastas áreas
território. O titular
acumulava no senhorio onde os senhores exerciam o direito de bannum(2), um direito que no passado pertencia
esse poder jurisdicional ou exclusivamente ao monarca.
político, rendas e, muitas
vezes, património.
– Imprecisão de fronteiras internas e externas
Na Idade Média, as fronteiras dos estados europeus estavam longe de estar estabili-
zadas. O mesmo se verificava relativamente ao exterior. Além disso, o seu traçado não
era rígido nem definitivo. Nos finais do século XIII, Portugal era uma notável exceção,
pois o seu território ficou praticamente definido. O mesmo não se passava no resto da
Península Ibérica onde a presença muçulmana irá prolongar-se até ao século XV.
(1)
Sacro Império Romano-Germânico: império fundado por Otão I, coroado como imperador pelo papa, em 962, nascido
da união dos territórios orientais do fragmentado Império Carolíngio dividido após a morte do seu fundador Carlos
Magno; subsistiu até 1806, quando foi abolido por Napoleão Bonaparte.
(2)
Direito de bannum: poder de comandar, obrigar e castigar homens livres; ou seja, poderes de caráter militar e judi-
cial e a imposição de serviços e tributos.
(3)
O papa Inocêncio III (1198-1216) pretendeu impor no Ocidente uma espécie de teocracia, procurando submeter todos
os príncipes à sua autoridade, ou seja, à autoridade do representante de Deus na Terra. Estas pretensões provoca-
ram um grave conflito com Frederico II, imperador do Sacro-Império.
Unidade 1 - A identidade civilizacional da Europa Ocidental 27
monarcas feudais recorrem à guerra para unificar o território sob a sua autoridade pro-
curando retirar aos ingleses os domínios que possuem no continente, nomeadamente na
Normandia e na Aquitânia.
O avanço turco a Oriente nos finais do século XIII, a paragem dos arroteamentos e o
regresso da “trilogia sinistra” (fome, peste e guerra) no século XIV iriam interromper de
forma dramática o surto expansionista dos séculos anteriores.
As lutas dos papas Gregório VII (Fig. 1), no século XI, e de Inocêncio III, no século XIII,
com os imperadores do Sacro-Império marcaram decisivamente essas relações: a ideia
imperial não desapareceria, mas o projeto universalista que a Igreja tentara encarnar
estava, definitivamente, comprometido.
atrair as gentes mais variadas, até mesmo servos em fuga dos seus senhores com pro-
messas de terras e a garantia da sua liberdade pessoal.
Ao mesmo tempo, ocorre uma “revolução” das técnicas agrícolas (Fig. 3):
– a substituição do arado pela charrua, cuja grelha assimétrica permitia não só abrir ? Questões
o solo mas também revirá-lo, arejando-o e facilitando uma melhor distribuição dos
1. Que condições
nutrientes; favoreceram a expansão
agrária na Europa Ocidental
– a introdução da rotação trienal (seguindo a sequência: trigos de inverno, trigos de nos séculos XI-XIII?
primavera, repouso) favoreceu o aumento da produção e da produtividade; 2. Qual a relação entre
– o uso preferencial do cavalo em vez do boi; embora mais caro e mais difícil de man- o aumento da produção
agrícola e o crescimento
ter, o cavalo permite ganhos de tempo no trabalho. demográfico então
verificado?
Apesar de a produtividade da terra continuar reduzida, do século XI ao XIV, a Europa
conseguiu ultrapassar a ameaça das fomes cíclicas, facto que esteve na origem do cres-
cimento demográfico, até então contido, devido à insuficiência da produção agrícola. No
entanto, o equilíbrio demográfico continuava a ser frágil. As sociedades europeias ainda
não estavam suficientemente protegidas das crises de subsistências e da penúria de
homens.
1200
O comércio mediterrânico Instituição da feira de
Bruges.
O longo período de expansão económica que caracterizou o Ocidente cristão nos sécu-
1260-1266
los XI-XIII e o movimento das Cruzadas, conjugado com o enfraquecimento do domínio Primeira viagem dos
muçulmano e a melhoria dos meios de transporte marítimos (desenvolvimento da constru- venezianos Niccolo e Mateo
Polo à Ásia.
ção naval, adoção de novos instrumentos e técnicas de orientação e navegação como a
1284
Os Genoveses derrotam
a frota de Pisa e afastam
esta cidade da disputa do
(6)
Arroteamento: desbravamento; transformação de áreas incultas, bravias, em terras cultivadas, produtivas. comércio no Mediterrâneo
(7)
Cluny, Cister e as Ordens Militares promovem ativamente o arroteamento de novas terras.
Oriental.
30 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
O Mediterrâneo Oriental era de importância vital para as cidades italianas mas tinha
igualmente um grande interesse comercial para a Europa. Com efeito, era a partir do
comércio nesta área que, através dos “italianos”, os Europeus tinham acesso aos produ-
tos de luxo asiáticos (especiarias, tecidos e fazendas de algodão e de seda, pérolas e
pedras preciosas...), às matérias-primas da Ásia Menor (alúmen e metais), aos couros,
peles e cereais da Rússia e da Roménia, aos escravos da Rússia, ao peixe salgado, vinhos
e sal do Mar Negro. Por outro lado, estes mercados absorviam artigos industriais, sobre-
tudo panos e tecidos, objetos de metal, bronze, estanho ou ferro produzidos nas cida-
des da Flandres, da Inglaterra e do sul da Alemanha. Do norte de África, provinha o ouro
tão necessário à cunhagem de moedas.
1. Quais as grandes rotas No Mar do Norte e no Mar Báltico as cidades alemãs adquirem autonomia política e
do comércio mediterrânico tornam-se polos comerciais muito dinâmicos, estendendo a sua influência para além dos
no século XIII?
limites da sua jurisdição e estabelecendo acordos comerciais com outras cidades. Foi
2. Qual a importância do
comércio do Mediterrâneo
neste contexto que se constituiu, em 1241, a poderosa Liga Hanseática, com sede em
Oriental para a Europa? Lubeque, que passou a organizar a proteção militar dos seus pesados navios de carga,
as kogge(9), carregados sobretudo com produtos em quantidade e relativamente baratos
(cereais, madeira, sal). De simples associação criada para a defesa da navegação no Mar
Báltico, a Hansa transformou-se numa importante confederação política e comercial de
cidades mercantis, monopolizando o comércio nesta área e estendendo a sua influência
a todo o norte europeu.
(8)
Portulano: tipo de carta náutica retangular onde se encontravam registadas as linhas de rumo e a localização dos
principais portos da costa Ocidental da Europa, Mar do Norte e Mediterrâneo.
(9)
Kogge: navio de carga com um único mastro e vela quadrangular. Os latinos chamavam-lhe carraca.
Unidade 1 - A identidade civilizacional da Europa Ocidental 31
dade elevam-se e a mão de obra torna-se escassa. Menos braços, menos produção. Ao
flagelo da fome junta-se o das epidemias (os corpos mal alimentados estão mais expos-
tos à doença), o das pilhagens e o das guerras. Fecha-se o círculo sinistro. A crise está ? Questão
instalada.
1. Que fatores explicam
a fragilidade do equilíbrio
demográfico na Europa dos
séculos XIII-XV?
32 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
Foi ainda o sucesso militar que lhe permitiu obter um território suficientemente amplo
para viabilizar a existência de Portugal como reino independente, alargando a sua fron-
teira sul até à linha do Tejo-Sado, com a conquista de Santarém (1147) e cuja posse abriu
o caminho à tomada de Lisboa (1147) e feito alcançado com a ajuda dos Cruzados. Segui-
ram-se-lhes as conquistas de Sintra, Almada e Palmela, fortalezas importantes para a de-
fesa de Lisboa e de Alcácer do Sal.
A definição do espaço territorial português ficou concluída com a celebração do Tra- 1137-1179
D. Afonso Henriques
tado de Alcanises (Fig. 1) (1297) entre D. Dinis de Portugal (Fig. 2) e D. Fernando IV de
concede forais a Penela
Castela que fixou de forma praticamente definitiva a fronteira leste de Portugal. (1137), Leiria (1142),
Germanelo (1142-1144),
Deste modo, ainda no século XIII, Portugal estabelecia as fronteiras do seu território Arouce (1151) e a Lisboa
que, com pequenas alterações posteriores, haveriam de permanecer até aos nossos dias. (1179).
1186
D. Sancho I doa Almada,
Palmela e Alcácer do Sal
2.2. O país urbano e concelhio à Ordem de Santiago.
1192
– A multiplicação de vilas e cidades concelhias D. Sancho I concede foral
a Penacova.
As formas de povoamento e de organização das populações no território portu-
guês refletem as características do meio geográfico e, sobretudo, as condições histó-
ricas em que se processou a formação do território português, concluída no século XIII.
Foram as condições históricas ligadas ao avanço da Reconquista Cristã para sul que
terão tido uma influência mais marcante. A conquista e integração do sul no domínio
português implicou importantes movimentos de populações, particularmente do norte
de Portugal mais povoado, para as regiões que iam sendo tomadas aos Mouros,
Fig. 3. Concelhos medievais
fenómeno que acabaria também por favorecer a coesão étnica e cultural do País. portugueses.
34 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
* Carta de foral: documentos Esta tarefa de povoamento – fundamental para assegurar a defesa e promover a explo-
concedidos pelos reis ou
pelos senhores (laicos e ração económica do território – foi incentivada pelos reis através de doações às Ordens
eclesiásticos) que regulavam Religiosas e Militares (Templários, Hospitalários, Calatrava e Santiago) como contrapartida
a vida dos concelhos,
nomeadamente os direitos ao auxílio prestado na luta contra o Islão e às ordens não militares (Cónegos Regrantes
e obrigações dos seus de St.o Agostinho, Cistercienses, Franciscanos e Dominicanos).
habitantes (“vizinhos”), em
particular a administração, Ao mesmo tempo e com idênticos objetivos, reis e senhores (nobres e eclesiásticos)
o fisco e a justiça.
concederam cartas de foral* às vilas e cidades de Portugal. Desta forma foram criados mui-
* Concelho: circunscrição
territorial e administrativa tos concelhos* (Fig. 3), importantes agentes do povoamento.
com um variável grau de
autonomia; cada concelho – A organização do território e do espaço citadino
possuía uma assembleia
de notáveis ou homens- Sob o ponto de vista administrativo, o território português estava dividido em terras
-bons que elegia diversos
magistrados, estando (ou territórios) e em concelhos. As primeiras eram governadas por um rico-homem que,
também o rei aí na qualidade de delegado do rei, superentendia nos atos de administração e de justiça.
representado através de
magistrados nomeados Existiam, ainda, as terras pertencentes às ordens religiosas e ordens religiosas militares,
por si.
gozando de vários privilégios e imunidades, como a isenção fiscal.
1. Quais eram os objetivos duzido no norte, onde havia uma forte presença senhorial; mais numerosos no sul e nas
dos reis portugueses ao terras do interior, em consequência das necessidades de povoamento e de exploração
doarem terras às Ordens
Religiosas e Militares? económica destas regiões.
Como se explica a sua
concentração no centro As áreas urbanas eram muito restritas. Lisboa, Évora, Porto e Coimbra eram as mais
e sul do País? importantes. A sua população incluía não só mercadores e mesteirais* mas também um
número significativo de camponeses. A separação entre o campo e a cidade estava longe
* Mesteirais: trabalhadores de ser real, coexistindo no interior das muralhas as atividades agrícolas, comerciais e ar-
em ofícios (mesteres) de tesanais.
artesanato ou indústria,
e alguns pequenos A invasão da Península pelos Bárbaros destruiu o modelo urbanístico romano assente
comerciantes (almocreves
e carniceiros); nas cidades no traçado regular das ruas e das praças e substituiu-o pelo emaranhado de ruas e rue-
mais importantes estavam las estreitas e tortuosas, irregularmente calcetadas, sem esgotos, comprimidas por uma
reunidos por profissões
numa mesma rua. A partir muralha circundante, que acompanha as irregularidades do solo (é a cidade a adaptar-se
do século XIII, crescem em
ao espaço, não o contrário). As ruas não eram pensadas para o transporte sobre rodas;
número e em força
económica e nos séculos eram sobretudo para as pessoas ou para os animais de carga utilizados como meios de
XIV e XV vão adquirir poder
na administração local. transporte(3). Algumas das ruas concentravam um mesmo tipo de lojas e ofícios e eram
mesmo identificadas pelos nomes das respetivas atividades: rua
dos sapateiros, dos caldeireiros, etc. Sentiam-se assim mais pro-
tegidos e vigiavam-se mutuamente. É o sentido corporativista tão
caracteristicamente medieval.
A autonomia (em grau variável) das comunidades concelhias era exteriorizada por cer-
tos símbolos: o selo municipal (Fig. 5); o pelourinho, local da execução das sentenças, para
além de símbolo da autonomia; a bandeira e certos emblemas representativos do espírito
Fig. 5. Selo do concelho
de solidariedade coletiva ou ainda certos elementos identificativos do concelho.
de Castelo Mendo,
do século XIII. Os símbolos
Se a autonomia(4) é o elemento essencial do regime do concelho, o exercício comuni-
escolhidos (neste caso a
tário dos poderes é o instrumento decisivo da sua realização. De facto, o concelho é fun- muralha) exprimem
damentalmente uma comunidade de vizinhos(5), embora tal não exclua a existência de sentimentos de autonomia
e de solidariedade coletiva
várias categorias sociais e direitos desiguais para os seus habitantes. das comunidades
concelhias.
Os magistrados eram em número variável e tinham diversas designações nos diferen-
tes concelhos. Os mais importantes eram os juízes, alcaides ou alvasis(6), supremos repre-
sentantes e dirigentes do concelho. Depois, funcionários com funções em áreas específicas:
os meirinhos (fisco e justiça); o almotacé(7) (economia); os mordomos (administração dos
bens concelhios); os sesmeiros (gestão das terras).
O rei estava sempre representado por um ou mais magistrados, por si nomeados: o ? Questão
alcaide ou juiz; o almoxarife (cobrança dos direitos régios); o mordomo do rei, (adminis-
1. Como se exprime
trador dos bens da coroa no concelho). Nos finais do século XIII, princípios do século XIV, a autonomia da vida
com o objetivo de reforçar o controlo real da vida concelhia, foram criados os corregedo- municipal?
res ou juízes de fora parte, delegados do rei nos concelhos e representantes destes nas
cortes. Foram ainda criados novos funcionários administrativos, os vereadores, com poder
de decisão em áreas importantes.
(4)
Com o tempo, sobretudo a partir de D. Afonso III, a política de centralização régia foi restringindo a autonomia muni-
cipal.
(5)
Vizinhos: com origem na palavra latina vicinorum, designa os habitantes com residência permanente na área do
concelho e com posses suficientes para pagar os tributos devidos.
(6)
Alvasis: vocábulo de origem árabe (al-wazir) que designa o mesmo que vereadores de um concelho.
(7)
Almotacé: do termo árabe al-muhtasib.
36 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
(8)
Terminada a guerra com os Mouros a designação de “cavaleiro” deixou de fazer sentido e foi sendo substituída pela
de “homem-bom”, uma expressão mais adequada à nova realidade pós-Reconquista, já que recorda a riqueza e a
? Questão honra e não a função militar.
(9)
O termo “peão” tem origem no tipo de participação na guerra; não tendo posses para manter um cavalo e o res-
1. Como se explica a petivo equipamento, o peão combatia a pé.
formação de uma (10)
Esta denominação significa que os ricos-homens tinham o poder e a autoridade para arregimentar sob o seu
oligarquia política nos estandarte cavaleiros e peões e os meios para os sustentar no decurso de uma campanha militar.
concelhos? (11)
A partir do século XIII, os nobres por nascimento passam a ser vulgarmente designados por “fidalgos”.
Unidade 2 - O espaço português – a consolidação de um reino cristão ibérico 37
Uma outra parte era dividida em parcelas (casais, quintãs ou vilares) e entregues a
camponeses que as exploravam mediante determinadas condições: pagamento de uma
renda (censo, ração, porção, foro, renda, eirádega, terrádigo...), das geiras ou corveias
(trabalho gratuito ao longo do ano) e da dízima(12) à Igreja, entre outros tributos (peitas,
fintas, talhas...).
A prioridade da vida económica do País, tanto nos senhorios como fora deles, ia para
a produção de subsistências, para o cultivo dos cereais, bem como para a produção de
vinho e azeite, destinados não só ao consumo local como à troca dos excedentes, e ou-
tras atividades como a pastorícia e a criação de gado.
(12)
Dízima: prestação correspondente a 10% da produção obtida na agricultura, na pesca, na salicultura e em outras
atividades; podia ser convertida em determinado montante de produtos ou de dinheiro.
38 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
A partir do século XIII, foi criado o cargo de escrivão da puridade (secretário particu-
lar que acompanhava o rei nas suas deslocações) e foram criados novos funcionários es-
pecializados, como o porteiro-mor (superentendia na cobrança dos impostos) e o
tesoureiro-mor. A administração central integrava ainda um grupo restrito de conselheiros
do rei, a Cúria Régia, formada por favoritos régios, altos funcionários e membros da famí-
lia real. Entretanto, a Cúria daria origem a dois órgãos: o Conselho Régio, composto por
prelados, ricos-homens e militares, e as Cortes*.
primeiras leis gerais que se conhecem no Reino. Em 1254, as Cortes de Leiria contaram Cronologia
já com a participação dos procuradores dos concelhos, o que revela o reconhecimento real
1210
do papel dos concelhos na administração do Reino e o seu interesse no apoio popular à D. Afonso II – 1.a Lei de
Desamortização.
política de controlo do clero e nobreza.
1220
O objetivo de reforço do poder real passou também por um controlo mais rigoroso da Primeiras Inquirições
(D. Afonso II).
administração local: dos concelhos e dos senhorios. Para isso, recorreu ao aumento do nú-
1254
mero e dos poderes de intervenção dos funcionários régios e a medidas legislativas de Reunião das Cortes de
combate à expansão senhorial. Leiria com representantes
do clero, nobreza e dos
concelhos.
– O combate à expansão senhorial e a promoção política das elites urbanas 1258
Inquirições Gerais de
Apesar da supremacia de que beneficiava a realeza, esta teve de impor um conjunto D. Afonso III.
de medidas de fortalecimento do poder real e de centralização administrativa no sentido 1284
Inquirições Gerais de
de limitar as prerrogativas senhoriais e controlar os abusos dos senhores.
D. Dinis.
D. Afonso II (1211-1223) criou o sistema das Confirmações, que obrigava a submeter os 1286
Lei de Desamortização de
títulos ou diplomas de posse dos bens à confirmação do rei, pretendendo desta forma aca- D. Dinis.
bar com os abusos de membros do clero e da nobreza e até dos concelhos, com a apro-
priação indevida de bens da coroa. Esta prática foi seguida por sucessivas Inquirições*, * Inquirições: inquéritos,
que permitiram ao rei identificar as ilegalidades, castigar e recuperar rendimentos. Com ob- a nível nacional, ao estado
dos direitos reais,
jetivos idênticos, foram elaboradas Leis de Desamortização, que proibiam a aquisição de ordenados pelo poder
bens de raiz aos eclesiásticos e às instituições religiosas, com o intuito de travar a con- central. Trata-se de uma
medida de fortalecimento
centração já considerável da propriedade fundiária na posse do clero. do poder real e de
centralização
Este processo de combate à expansão senhorial prosseguiu durante o século XIV. A de- administrativa que visava
bilidade do sistema vassálico* português facilitava a ação de controlo da realeza. D. Fer- combater os abusos contra
os interesses da coroa.
nando recusou o direito de justiça às honras constituídas a partir de 1325, com algumas
* Vassalidade: rede de
exceções. D. João I restringiu o direito de transmissão das terras doadas pela Coroa, me- solidariedades
dida que D. Duarte consagraria na Lei Mental (1434)(16). aristocráticas assente num
vínculo vitalício de
Ao mesmo tempo que prosseguia o combate à expansão do poder senhorial, a realeza dependência pessoal pelo
qual, em troca de
procurou atrair as elites urbanas à sua causa apoiando as suas atividades económicas, fidelidade e apoio, um
abrindo-lhes as portas da administração central e reforçando a sua influência nas estrutu- homem livre (vassalo)
recebe proteção e outras
ras administrativas locais. Mas a grande oportunidade de afirmação política da burguesia recompensas (benefício ou
urbana surgiu com a crise dinástica e a Revolução de 1383-1385. O seu apoio ao Mestre feudo) de um outro
(senhor).
de Avis, proclamado Rei nas Cortes de Coimbra de 1385, trouxe importantes contrapartidas
* Legistas: homens com
às elites urbanas: os legistas* assumiram lugares importantes na administração central, formação jurídica. Nos finais
nomeadamente no Conselho do Rei onde acederam e em maioria; os mercadores reforça- da Idade Média, a política
de centralização régia
ram a sua influência junto da Coroa e beneficiaram de vários apoios reais (Bolsa de abriu-lhes lugares na
Mercadores, 1293, acordos comerciais…); e os mesteirais ascenderam ao governo das cida- administração central,
adquirindo então grande
des desafiando a força, até então dominante, dos proprietários e mercadores(17). importância política.
(16)
Segundo a Lei, a Coroa mantinha os seus direitos sobre as doações régias e estas só poderiam ser herdadas pelo
filho varão legítimo; caso não se verificassem estes pressupostos, tais bens seriam reintegrados na Coroa.
(17)
Nas Cortes de Coimbra de 1385 ficou assente que, de futuro, pertenceria a dois homens de cada mester (ofício) as
seguintes atribuições: a eleição dos magistrados municipais; a designação de funcionários; a elaboração das postu-
ras (leis) municipais; a fixação dos impostos.
40 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
Por isso, estabilizada a linha de fronteira, as prioridades do seu reinado foram: a de-
fesa, investindo os seus esforços na organização da marinha e na reparação dos castelos
na fronteira para prevenir qualquer invasão de Castela; o fomento do povoamento e das
atividades económicas, em particular da agricultura e do comércio; e a criação de um nú-
cleo cultural português, promovendo uma cultura nacional, fazendo da corte real um polo
de produção e de difusão de cultura (ele mesmo deu o exemplo como poeta e trovador)
e dotando o Reino de escolas e de um Estudo Geral.
Cronologia Os esforços dos nossos monarcas para formarem uma individualidade nacional suficien-
temente forte para afirmar Portugal no quadro político peninsular tiveram a sua grande
1143
Tratado de Zamora. prova na Revolução de 1383-1385 (Fig. 8). Os patriotas agrupados em redor do Mestre de
1248 Avis tinham consciência do que estava em causa com a proclamação da Rainha D. Bea-
(Re)conquista do Algarve.
triz: a sobrevivência de um Estado, mas também a preservação de um sentimento nacio-
1297
Tratado de Alcanises. nal que tinha já então consciência da sua individualidade. Consolidada a independência
1383 nacional, Portugal pôde partir então para a grande empresa planetária dos Descobri-
Morte de D. Fernando:
regência de D. Leonor em mentos.
nome de D. Beatriz
e D. João de Castela.
1384
D. João de Castela cerca
Lisboa.
1385
Cortes de Coimbra:
aclamação de D. João I, Rei
de Portugal.
Batalhas de Aljubarrota,
Trancoso e Valverde.
1415
Conquista de Ceuta: início
da expansão ultramarina
portuguesa.
Fig. 8. A vitória na Batalha de Aljubarrota (14 de agosto de 1385) foi determinante para a consolidação da
identidade nacional e a afirmação de Portugal no quadro político ibérico.
Unidade 3 - Valores, vivências e quotidiano 41
APRENDIZAGENS RELEVANTES
A arquitetura
As construções góticas (Fig. 1) exprimem conceções inteiramente novas: o
edifício é entendido como um todo organizado, cujas partes adotam formas
determinadas segundo a sua função no conjunto; o arco de volta inteira é subs-
tituído pelo arco quebrado ou ogival, inovação que veio resolver o problema
da abóbada sobre o cruzeiro(1); o peso da abóbada em ogiva (com nervuras) é
transportado para os contrafortes exteriores através dos arcobotantes(2), liber-
tando deste modo as paredes e tornando possível rasgar amplas janelas que
solucionaram o problema da iluminação.
Fig. 1. Catedral de Notre-
-Dame de Chartres
(1194-1220). Exuberante
(1)
Cruzeiro: cruzamento da nave central com o transepto. expressão de verticalidade,
(2)
Arcobotante: solução encontrada pelos arquitetos góticos para neutralizar a pressão da abóboda sobre as paredes luminosidade e amplidão
laterais. do gótico clássico.
42 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
Nos séculos XII e XIII, a escultura gótica regista uma evolução no sentido de uma
representação mais expressiva, naturalista e humanizada (Fig. 2), ainda que procure um
tipo de beleza ideal e serena dentro de certos convencionalismos. Progressivamente, vai
abandonando a arte monumental, entrando no realismo e tornando-se independente da
arquitetura.
Fig. 2. Virgem com o
Menino (Nuno Pisano, Pisa, A pintura
Igreja de Santa Maria).
Tema muito comum da Na pintura gótica sobressai o vitral (Fig. 3) que aparece como um elemento inte-
escultura gótica. O realismo
e a expressividade da grante da arquitetura. As soluções técnicas encontradas para o problema da descarga
representação transformam do peso das abóbodas permitiu abrir janelas e aumentar substancialmente os espaços
a Virgem numa figura
simples de mulher e mãe,
abertos preenchidos e decorados com o vitral. Para o homem medieval, a luz era uma
igual a tantas outras. forma de manifestação divina, razão pela qual as representações projetadas no interior
das edificações através dos vidros coloridos produziam uma forte impressão mística. As
figuras e cenas mais recriadas nos vitrais são temas religiosos, como a vida de Cristo,
da Virgem e dos santos ou ainda os trabalhos dos diversos ofícios.
Uma outra técnica que marcou a última etapa da pintura gótica é a pintura de retá-
bulos que substitui e impõe-se à pintura mural.
Como reação à mundanização da Igreja surgiram nos séculos XII-XIII diversas seitas 1210
religiosas, como a dos albigenses(4) e a dos valdenses(5), que condenam a vida de luxo Inocêncio III aprova
a Ordem Franciscana criada
da hierarquia eclesiástica, apregoam o ideal de pobreza e de sacrifício do Sermão da por S. Francisco de Assis.
Montanha, negam o purgatório, as indulgências, o sacerdócio e o culto dos santos, amea- 1209-1229
Cruzada contra os
çando desta forma a autoridade da Igreja Católica e a ortodoxia da Fé. Albigenses (no sul de
França).
O Papado reage com a reunião do IV Concílio de Latrão, em 1215(6), que cria um tri-
1216
bunal episcopal para a perseguição das heresias. Em 1231, Gregório IX coloca-a sob a Honório III confirma
direção e o controlo direto dos delegados pontifícios, criando a Inquisição papal, com a a Ordem Dominicana
fundada por S. Domingos.
missão de combater as doutrinas contrárias à ortodoxia.
1215
IV Concílio de Latrão:
Para este combate o Papado não poderia contar com as velhas instituições monásti-
instituição de um tribunal
cas contemplativas refugiadas nos seus mosteiros. Esse papel foi confiado às novas ins- episcopal - a Inquisição.
tituições religiosas, fundadas nos ideais evangélicos de pobreza e de fraternidade da 1232
O papa Gregório IX cria
Igreja primitiva, as Ordens Mendicantes dos Franciscanos (São Francisco de Assis) e dos a Inquisição papal.
Dominicanos (São Domingos), vocacionadas para o ensino e a pregação.
Estas novas formas de religiosidade motivaram também a ação dos leigos, impulsio-
* Confrarias: irmandades
nando em particular a criação das confrarias*.
constituídas sob
o patrocínio de um santo,
– A expansão do ensino elementar com estatutos e rituais
próprios, reunindo
A evolução demográfica, económica, social e cultural verificada na Europa nos sécu- frequentemente homens
da mesma profissão, tendo
los XII e XIII não poderia deixar de se refletir no ensino. A vida intelectual era até então
como objetivo a prática da
quase exclusivamente um domínio clerical. As escolas catedrais (nas sés episcopais) e as caridade.
escolas monásticas (nos mosteiros) eram totalmente controladas pelas autoridades ecle-
siásticas e destinavam-se à instrução dos homens da Igreja. Por outro lado, o ensino aí
ministrado permanecia essencialmente oral e limitava-se em geral ao ensino do cate-
cismo, escrita, música e aritmética.
Para responder às novas necessidades sociais, a partir de meados do século XII são
criadas escolas laicas. Desta forma, o ensino deixou de estar ligado exclusivamente à
preparação dos futuros clérigos. A prática do comércio tornava indispensável o conheci-
mento da leitura, da escrita e do cálculo. O ensino destas escolas era no entanto de nível
elementar. Todos aqueles que queriam um saber mais completo teriam de procurar as
instituições do clero.
– A fundação de universidades
No contexto do renascimento económico, urbano e cultural dos séculos XII-XIII e cor-
respondendo às novas necessidades e expectativas sociais, alguns mestres com elevado
prestígio reuniram à sua volta estudantes interessados em partilhar dos seus saberes.
(4)
Albigenses (de Albi, no sul da França), ou cátaros (do grego, puros): a difusão desta heresia (sécs. XI-XIV) que pre-
conizava uma renovação moral e espiritual baseada na antítese entre o bem (Deus) e o mal (Satanás) levou o papa
a pregar uma cruzada (guerra) contra eles (1209-1229).
(5)
Valdenses: seita religiosa fundada pelo comerciante de Lyon, Pedro Valdo, que pregava o ideal de pobreza e a per-
feição evangélica, obtendo bastante adesão no norte de Itália.
(6)
O Concílio foi particularmente duro para com os judeus: foram proibidos de ocupar cargos, obrigados a usar um
vestuário que os distinguisse dos demais e confinados a ghettos.
44 Módulo 2 - Dinamismo civilizacional da Europa Ocidental nos séculos XIII a XV – espaços, poderes e vivências
* Universidade: (universitas Daqui surgiu um novo tipo de comunidade de intelectuais, associando professores e
magistrorum et
scholarium) comunidade alunos, constituídos em corporação, a universitas magistrorum et scholarium. A palavra
ou corporação de mestres universidade* (universitas) significa na Idade Média “corporação”. A expressão que
e alunos, com instituições
próprias, destinada exprime a ideia de universidade, no sentido de instituição escolar, é o estudo geral
a aprofundar os estudos. (studium generale). Sustentados frequentemente pelo soberano e pelo papa, os estudos
Dirigida por um reitor,
dividia-se em Faculdades, gerais dispõem de estatutos próprios e de privilégios como qualquer outra corporação
geralmente quatro: profissional.
Teologia, Direito (canónico
e civil), Medicina e Artes A partir do século XIII, os estudos universitários eram feitos no interior de Faculdades
(letras e ciências); atribuía
os graus de bacharel, especializadas em determinadas matérias. Nem todas as universidades tinham o mesmo
licenciado e mestre. currículo.
O ensino nas universidades era ministrado em latim e o método usado era a escolás-
Cronologia tica, baseado sobretudo na leitura e comentário pelo mestre (ensino magistral) de textos
dos sábios e filósofos antigos. As universidades conferiam os graus de bacharel, licen-
Principais universidades
europeias dos séculos
ciado e doutor.
XII-XIII
Temendo pelo seu prestígio e para evitar desvios das suas doutrinas, a Igreja con-
1119 Bolonha
1125 Montpellier trola a sua criação, bem como as matérias e as práticas de ensino. Em Portugal, a cria-
1150 Paris ção do ensino universitário foi aprovada em 1290 por uma Bula do Papa Nicolau IV, con-
1168 Oxford
1224 Pádua cedida na sequência de uma petição feita em 1288 por vários Abades e Priores e com o
1241 Siena apoio do rei D. Dinis.
1244 Salamanca
1290 Lisboa
3.2. A vivência cortesã
– A cultura leiga e profana nas cortes régias e senhoriais: educação cavaleiresca,
? Questões
amor cortês, culto da memória dos antepassados
1. Como se explica
a criação das O renascimento urbano e o desenvolvimento da burguesia e das atividades económi-
universidades? cas nos séculos XII e XIII foram modificando os padrões de vida, a visão do mundo e a
escala de valores das elites da sociedade medieval. Ao mesmo tempo, a afirmação das
monarquias feudais favoreceram a multiplificação das cortes régias e senhoriais. Os reis
* Cultura popular:
manifestações culturais e senhores acolhem nos seus castelos fortificados intelectuais e artistas para animar e
fundadas na tradição e no prestigiar as respetivas cortes, transformando-as em centros de produção e difusão de
costume, caracterizadas
por uma grande uma cultura leiga e profana. Trata-se de uma cultura popular* de natureza profana abor-
espontaneidade dando, em linguagens vulgares (nacionais), temas diversificados, desde os feitos épicos
e irreverência, produzidas
pelo povo e transmitidas e cavaleirescos à lírica, com objetivos mais lúdicos que didáticos, distinta da cultura
de geração para geração, erudita*.
principalmente, por via oral.
* Cultura erudita: Os ideais cavaleirescos de coragem na luta e de fidelidade aos ideais cristãos inspi-
manifestações culturais raram os cantares épicos, escritos em língua vulgar, como as canções de gesta france-
que expressam
pensamentos estruturados sas, das quais a mais célebre é a Canção de Rolando ou o Poema del Mio Cid (c. 1140),
e produzidas por uma elite na Península Ibérica.
ou minoria de intelectuais,
geralmente pertencentes A partir do século XIII, expande-se a poesia trovadoresca provençal (oriunda da Pro-
às categorias sociais
superiores. É uma cultura vença, região do sul de França) cujo tema fundamental era o amor cortês: um amor-vas-
que a sociedade valoriza salagem envolto em disfarce, ou “mesura”, necessário à preservação do segredo sobre a
como superior ou
dominante. identidade da amada (uma mulher casada). As emoções e as subtilezas de gestos e
Unidade 3 - Valores, vivências e quotidiano 45
Mar
do
Norte
1.1. A partir dos documentos 1 a 3, explique o aumento da produção agrícola na Europa Ocidental nos
séculos XI-XIII.
1.2. Explique o dinamismo comercial e financeiro europeu no século XIII (doc. 3).
Questões para Exame 47
Dom Dinis (...). A vós, João Soares (...) e a Gil Martins (...) e a (...). Bem sabedes em como era meu
talante(1) de fazer uma póvoa a par do meu castelo de Cerveira, e enviei-vos sobre isso minha carta para
saberdes se havia aí homens que o quisessem povoar e enviaste (dizer) que havia aí peças grandes(2) deles,
que o queria fazer, e que vos pediam para acoileramento(3) dessa póvoa vinte e oito casais.
(1)
vontade
(2)
grande número
(3)
divisão do termo em coirelas ou casais.
2.1. Integre os documentos 4 a 6 na caracterização dos poderes em Portugal na época medieval, especi-
ficando, nomeadamente:
Contextualização
O movimento das Descobertas iniciado pelos Portugueses, logo secundados pelos Espa-
nhóis, iniciou o processo de desencravamento dos diversos “mundos” do Mundo. Ao fazê-lo,
deram à Europa o domínio dos mares e com ele a oportunidade de afirmar a sua hegemonia
sobre o planeta. Ao mesmo tempo, forneceu aos europeus uma nova e correta visão sobre
a geografia física da Terra e sobretudo promoveu o encontro entre povos e culturas que até
então se ignoravam mutuamente, retirando daí a prova da unidade e da universalidade do
género humano.
Em estreita ligação com os Descobrimentos, o Renascimento e o Humanismo operaram uma
verdadeira revolução cultural e social numa Europa que procurou na reinvenção das origens
da sua matriz cultural e na renovação da sua espiritualidade e religiosidade o reencontro
consigo própria e o encontro com o outro. Os tempos medievais não foram, pois, estéreis,
nem uma “época de trevas”, como se pretendeu classificar este longo período histórico.
SUMÁRIO
– Principais centros culturais de produção e difusão de sínteses e inovações
– O cosmopolitismo das cidades hispânicas – importância de Lisboa e Sevilha
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Reconhecer o papel de vanguarda dos Portugueses na abertura europeia ao mundo e a sua
contribuição para a síntese renascentista.
CONCEITOS/NOÇÕES
Navegação astronómica; Cartografia
Unidade 1 - A geografia cultural europeia de Quatrocentos e Quinhentos 49
Cronologia Capital política e económica, Lisboa é no século XVI uma grande cidade mesmo à
escala europeia, atraindo as elites mercantis e financeiras e culturais de todas as partes
1492
Castela conquista o reino do continente europeu, reforçando o seu caráter cosmopolita.
muçulmano de Granada.
Cristóvão Colombo chega
Sevilha, com a descoberta do Novo Mundo e o tráfico da América (metais preciosos,
às Antilhas. sobretudo a prata(4), as pérolas, os produtos de tinturaria como a cochonilha, o índigo,
1503 corantes e couros), tornou-se na capital do negócio e da banca de Espanha. Servida pelo
Fundação da Casa de
Contratación (Sevilha). porto de Cádis e sede da Casa de Contratación (1503), viu a sua importância crescer em
1519-1522 paralelo com o desenvolvimento da expansão espanhola e conquistou um lugar próprio
Fernando Cortés conquista nas grandes rotas comerciais europeias. A concessão pelo monarca do monopólio do trá-
o Império Asteca e refunda
o México. fico com as Índias Ocidentais a esta cidade transformou-a num polo de atração para os
1524 homens de negócios de toda a Europa: portugueses, flamengos, genoveses, franceses,
Sevilha recebe o monopólio
alemães e bretões. O elevado poder de compra da sua população e os altos salários que
do comércio colonial
espanhol. aí se praticavam proporcionavam ótimas oportunidades de negócios e constituíam pode-
1532 rosos fatores de atração.
Francisco Pizarro conquista
o Império Inca (Peru). Da Europa do Norte, recebe metais, panos, armas, bacalhau e trigo. Exporta vinhos,
1545 azeite e conservas de frutos, e reexporta para a América os géneros alimentícios, armas,
Início da exploração das
minas de prata do Potosi tecidos e utensílios de ferro e cobre, importados dos países europeus, fornecendo-a ainda
(Peru). do mercúrio, um produto essencial para a extração da prata.
No século XVI, Lisboa e Sevilha têm muito em comum: devem a sua fortuna às Des-
cobertas. Por outro lado, apesar da sua importância económica e política, Lisboa e Sevi-
lha não puderam, ou não souberam, tirar todo o partido da supremacia colonial, que deti-
veram e assumir o papel de centro da economia europeia de quinhentos. Esse lugar
coube a Antuérpia que explorou muito bem as suas potencialidades e as fraquezas do
capitalismo ibérico.
(4)
De início, o valor das remessas do ouro suplantava o da prata. Mas depois de 1560 inverte-se a situação: de 1561 a
1570, Sevilha regista 943 toneladas de prata, contra 11 toneladas e meia de ouro; em 1620, a prata constitui, em peso,
99% das remessas dos metais preciosos americanos.
Unidade 2 - O alargamento do conhecimento do mundo 51
1502
SUMÁRIO
Planisfério de Cantino.
- O contributo português: inovação técnica; observação e descrição da natureza* 1519
- A matematização do real Planisfério de Pedro Reinel.
– A revolução das conceções cosmológicas* 1552
Planisfério de Lopo
Homem.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
1561
- Identificar a emergência e a progressiva consolidação de uma mentalidade quantitativa e Lopo Homem: Atlas
experimental que prepara o advento da ciência moderna e proporciona ao homem um Universal.
maior domínio sobre a natureza. 1568
Publicação do Atlas, de
Fernão Vaz Dourado.
CONCEITOS/NOÇÕES
*Navegação astronómica:
Navegação astronómica; Cartografia; Experiencialismo**; Mentalidade quantitativa; Revolução
navegação tendo como
coperniciana** orientação a altura dos
astros, calculada através
* Conteúdos de aprofundamento
do recurso a instrumentos
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
específicos (astrolábio,
balestilha, regimentos,
tábuas solares). Iniciada
por meados do século XV,
tornou-se indispensável no
– O contributo português: inovação técnica Atlântico para que os
pilotos, durante dias
As grandes Descobertas não teriam sido possíveis sem alguns dos progressos técni-
e dias, só com mar e céu
cos, em particular no domínio da arte de marear, que ocorreram antes e em paralelo com à vista, tivessem uma ideia
do lugar, por precária que
o surto da expansão ultramarina iniciada por Portugal em Quatrocentos. A navegação
fosse, em que a cada
atlântica, bem distinta da do Mediterrâneo(1), levantava novos e complexos problemas momento se encontravam.
que exigiam respostas técnicas adequadas e eficazes.
(1)
Mediterrâneo: mar interior, estendido em longitude, relativamente calmo e sobretudo bem conhecido; uma carta de
marear e uma bússola eram suficientes para uma navegação segura, tanto mais que os marinheiros têm constante-
mente no seu horizonte visual a linha de costa e as numerosas ilhas. A situação era muito diferente no Atlântico, o
Mar Tenebroso, como era designado entre os Muçulmanos.
(2)
Ventos alíseos: ventos regulares e constantes que sopram de E para O nas regiões intertropicais; de ENE para OSO
no hemisfério norte; e de ESE para ONO no hemisfério sul; a sua regularidade é um fator favorável à navegação.
(3)
Para determinar a latitude os Portugueses começaram por utilizar a constelação Ursa Menor, de que faz parte a
Estrela Polar. O processo para fazer este cálculo era há muito conhecido na Península. O problema era adaptar os ins-
trumentos mais adequados ao uso dos navegadores e elaborar um regimento com regras claras, acessíveis aos pilo-
tos. A determinação da longitude era menos rigorosa, fazendo-se por estimativa.
(4)
As novidades técnico-científicas do astrolábio náutico e da carta plana quadrada representam uma adaptação ino-
vadora do astrolábio plano e da carta-portulano medieval. Fig. 2. Astrolábio náutico.
52 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
Cronologia quadrante; a elaboração de roteiros com a descrição minuciosa das costas e dos seus
acidentes e a indicação dos perigos a evitar e da extensão dos rumos entre as escalas,
1505-1508
Duarte Pacheco Pereira: guias náuticos(5), livros de marinharia(6), regimentos(7), tábuas solares, escalas de latitude,
Esmeraldo de situ orbis. etc.; melhoria tecnológica das armas de fogo e, em particular, da artilharia.
1537
Pedro Nunes: Tratado da
Esfera.
– O contributo português: observação e descrição da natureza
1538-1539 Os europeus conheciam muito pouco dos outros mundos e tinham deles imagens que
D. João de Castro: Roteiro
de Lisboa a Goa e Roteiro a abertura planetária iniciada pelos Portugueses em Quatrocentos demonstraria serem
de Goa a Diu. erradas (Fig. 3). Com efeito, narrativas fantásticas e mitos relacionados com o mar e os
1562 continentes africano e asiático acabariam por ser destruídos pelos Portugueses através
Garcia da Orta: Colóquios
dos Simples e Drogas da de um saber fundamentado na experiência, isto é, na vivência das coisas. Foi através
Índia. deste experiencialismo* que os nossos marinheiros deram a conhecer ao mundo algu-
mas novidades que contrariavam muito do saber herdado e há muito estabelecido:
*Experiencialismo:
– habitabilidade da zona equatorial;
conhecimento das coisas
adquirido pela prática – comunicabilidade entre os hemisférios norte e sul;
e observação. Trata-se de
uma atitude meramente – ligação entre os oceanos Atlântico e Índico;
empírica que poderíamos
classificar de “pré- – descoberta de uma nova parte do Mundo (o continente americano);
-científica” para a distinguir – esfericidade da Terra, já defendida pelos Gregos, mas contestada maioritariamente
de experimentalismo, uma
atitude científica, onde na época medieval.
à observação se segue
a racionalização
e a experimentação. O contributo dos Portugueses para uma nova visão do Mundo e da Natureza é essen-
cialmente informativo e empírico, porque a preparação intelectual e científica dos nossos
navegadores não lhes permitia ir mais além do que a simples observação das coisas
através dos sentidos. É verdade que em alguns espíritos mais cultos da época
constatamos a preocupação de procurar um conhecimento racional e, portanto,
científico da realidade observada. É o caso de Duarte Pacheco Pereira (1460-
-1533), D. João de Castro (1500-1548), Garcia da Orta (1501-1568), Pedro Nunes
(1502-1578) e Amato Lusitano (1511-1568), que procuraram ir mais além da abor-
dagem empírico-sensorial dos fenómenos observados, mas o seu racionalismo
crítico-experiencial não chegou a traduzir-se numa atitude científica sistemática.
Mas o contributo mais decisivo dos Portugueses terá sido o de ter cons-
truído uma nova visão do Mundo e da Natureza, sobretudo o de ter feito a
demonstração de que não há bestas nem monstros humanos, que a natureza
do género humano é una; também que não há povos nem civilizações infra-
-humanos, ou seja, a ideia de humanidade.
Fig. 3. Imagem medieval do
mundo: o oceano rodeia
a terra como um círculo.
? Questão (5)
Guias náuticos: obras que ensinam as regras da astronomia náutica. O Guia Náutico de Munique (c. 1509) e o de Évora
(c. 1516) constituem os mais antigos textos impressos onde se apresentam as principais regras de pilotagem e os
1. Que contributos deram elementos de navegação astronómica, em uso no princípio do século XVI.
os portugueses para o (6)
Livros de marinharia: espécie de manuais com todas as informações necessárias para a navegação astronómico-
conhecimento no século -oceânica.
XVI? (7)
Regimentos: conjuntos de regras e cálculos que facilitavam o trabalho dos pilotos na determinação da latitude.
Unidade 2 - O alargamento do conhecimento do mundo 53
– A matematização do real
O renovado interesse pela natureza e pela vida quotidiana dos indivíduos e das socie-
dades, que caracterizou o início dos Tempos Modernos, influenciou a formação de uma
nova mentalidade, mais técnica e utilitária, mais racional e rigorosa.
O Estado e a sociedade são levados assim a calcular, a valorizar o rigor e a quanti- * Mentalidade quantitativa:
ficação, contribuindo assim para a progressiva afirmação de uma mentalidade virada para atitude mental que se
caracteriza pela
o número, para a medida, uma mentalidade quantitativa*. Tudo é mensurável, tudo é valorização do número, do
quantificável, até o próprio tempo. rigor e da medição.
começado a pôr em dúvida a antiga teoria do Universo geocêntrico o tenham feito secre-
tamente com o receio de perseguições por parte da Igreja. As teorias de Copérnico foram
completadas por Kepler (151-1630), que defendeu que as órbitas dos planetas não eram Cronologia
circulares, como afirmara Copérnico, mas sim elíticas.
Principais astrónomos dos
séculos XV-XVII
1473-1543
Nicolau Copérnico.
1546-1601
Tycho Brahe.
1564-1642
Galileo Galilei (Galileu).
1571-1630
Johannes Kepler.
1642-1727
Isaac Newton.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Reconhecer o prestígio da coroa portuguesa na Época Moderna e a função valorizante da
produção artística e literária nacional.
– Identificar no urbanismo, na arquitetura e na pintura a expressão de uma nova conceção
do espaço de caráter antropocêntrico**.
– Identificar na produção cultural renascentista a herança da Antiguidade Clássica e a con-
tinuidade com o período medieval.
– Desenvolver a sensibilidade estética através da identificação e apreciação de obras artís-
ticas e literárias do período renascentista.
CONCEITOS/NOÇÕES
Intelectual; Civilidade; Renascimento**; Humanista**; Antropocentrismo**; Naturalismo; Classi-
cismo**; Perspetiva; Manuelino**
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
O homem é um ser social, é essa a sua natureza, que se afirma tanto melhor quanto
mais hábil e educado for. Isto leva ao desenvolvimento de padrões de comportamento
em grupo que são cada vez mais refinados e, ao mesmo tempo, a integrar na formação
dos homens e mulheres regras de conduta apropriadas às mais diversas situações. Fala-se
* Civilidade: conjunto de então de civilidade*, devendo referir-se neste contexto a obra de Baldassare Castiglione,
formalidades observadas autor d’O Livro do Cortesão (1528), um educador de “pessoas bem nascidas” que, mais
entre as pessoas
bem-educadas que vivem do que qualquer outro, contribuiu para a conversão da vida cortesã italiana (e europeia)
em sociedade; cortesia, aos valores da civilização. Apóstolo das “boas maneiras”, Castiglione definiu o modelo
delicadeza, polidez,
etiqueta, urbanidade. do que considerava ser o “homem completo”: um militar e diplomata brilhante e um
artista talentoso.
(1)
Sociabilidade: tendência para viver em sociedade, facto que implica a adoção de modos ou regras adequados.
Unidade 3 - A produção cultural 55
rança de se confundir ou para rivalizar com eles: o sonho de muitos burgueses era o eno- 2. Como explica
a importância atribuída
brecimento e ter os padrões de vida da aristocracia nobre. à moda do vestuário
e à civilidade?
– O estatuto de prestígio dos intelectuais e artistas
Na sociedade quatrocentista e quinhentista a cultura torna-se uma fonte de prestígio
e de reconhecimento social. Conscientes disso, príncipes, nobres e eclesiásticos rodeiam-se
de artistas e intelectuais a quem apoiam e patrocinam as suas obras. É o mecenato(2),
modo de afirmação político e social de quem o pratica mas também importante para o
desenvolvimento da produção intelectual e artística. Os artistas e intelectuais são recom-
pensados pela generosidade dos mecenas (Fig. 1) e pelo reconhecimento social. Este
fenómeno não pode ser explicado senão pela nova difusão da cultura, fruto da aparição
da imprensa, e pelo interesse de um público instruído, cada vez mais numeroso.
(2)
Mecenato: a expressão tem a sua origem no nome do romano amigo de Augusto, Caio Mecenas, que se celebrizou
como um importante protetor de homens de letras entre os quais Virgílio e Horácio. Fig. 2. Retrato de Damião
(3)
Absolutismo régio: regime em que o soberano se considera legitimado pela origem divina do seu poder para exer- de Góis (1502-1574), por
cer o poder livre de controlos ou limitações de quaisquer outros poderes. Os regimes absolutistas afirmaram-se na Jan Mabuse. Diplomata,
Europa ocidental entre os séculos XVI e XVIII, em paralelo com a formação do Estado moderno. historiador e humanista
(4)
O número de 41 bolseiros, correspondente à última vintena de anos do reinado de D. Manuel, elevou-se para 177 proeminente nas cortes de
nas duas primeiras décadas do reinado de D. João III. D. Manuel I e de D. João III.
56 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
Cronologia reitoria da Universidade de Paris, André de Resende, Pedro Nunes, Garcia da Orta, Amato
Lusitano e Damião de Góis (Fig. 2), entre muitos outros, adquiriram projeção e grande
c. 1500
Estatutos manuelinos da notoriedade internacional. Também a reforma da Universidade levada a cabo por D. João III,
Universidade de Coimbra. entre 1533-1535, e a fundação do Colégio das Artes, em 1547, foram realizadas com o
1502
Auto da Visitação ou
contributo decisivo dos antigos bolseiros e dos mestres estrangeiros radicados entre nós.
Monólogo do Vaqueiro,
de Gil Vicente. BOLSAS CONCEDIDAS PELA COROA A ESTUDANTES PORTUGUESES NO ESTRANGEIRO
Início da construção do
Mosteiro dos Jerónimos. 1500-1514 22
1505
Construção do Paço da 1515-1521 19
Ribeira (Lisboa).
1522-1526 27
1513
Embaixada de D. Manuel 1527-1530 64
ao Papa Leão X.
1514 1531-1535 46
Edição das Ordenações
Manuelinas. 1536-1540 40 Dias, J. S.,
A Política Cultural
1515-1519 na Época de D. João III,
1541-1550 21
Edificação da Torre de vol. I, t. I.
Belém.
1521
Morte de D. Manuel 3.2. Os caminhos abertos pelos humanistas
e subida ao trono
de D. João III. – Valorização da Antiguidade Clássica
1547
Fundação do Colégio das Os intelectuais e artistas dos séculos XV e XVI viveram momentos únicos de desco-
Artes. berta: do mundo (Descobrimentos), da natureza e das suas leis (Ciência), da Antiguidade
1572
Publicação de Os Lusíadas,
Clássica.
de Luís de Camões.
O interesse pela Antiguidade greco-latina teve a sua origem nas cidades italianas que,
animadas por um forte impulso de progresso e prosperidade económica, procuraram nas
suas origens a fonte de inspiração e o património cultural capazes de dar resposta às
suas ambições e aos seus ideais. Seguindo o exemplo de Petrarca (1304-1374), um
incomparável investigador de livros antigos, os primeiros a procurar esse caminho foram
essencialmente pesquisadores e colecionadores de obras romanas.
* Humanistas: designação
dada aos estudiosos dos Mas a Antiguidade não foi só romana; grande parte do seu legado encontrava-se
autores e obras da escrito em grego, língua cujo conhecimento era imprescindível para o acesso direto aos
Antiguidade greco-latina.
escritos de autores como Homero e Platão. A conquista, em 1453, de Constantinopla,
* Classicismo: fenómeno
artístico característico do
capital do Império Romano do Oriente, pelos Turcos Otomanos forçou a fuga para a Itá-
Renascimento, que se lia de muitos intelectuais gregos, o que veio reforçar o interesse pela língua e pelas
fundamenta na literatura
e nas artes da Antiguidade
obras dos autores gregos (e hebraicos) antigos estudadas, com racionalidade e sentido
Grega e Romana. crítico, pelos humanistas*.
(5)
Condottieri: na Itália do Renascimento, chefes de guerra que comandavam tropas de mercenários e intervinham
nas decisões políticas.
58 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
Cronologia A paixão do homem renascentista pelo mundo clássico, greco-romano, expressa antes
de tudo a sua oposição a um mundo de valores que considerava envelhecidos e inade-
1511
Erasmo de Roterdão (1469- quados para as suas aspirações e os seus ideais. A convicção de que vivia uma “idade
-1536): O Elogio da Loucura. nova” e a sua vontade de afirmar a sua modernidade em relação a uma época, a Idade
1516
Thomas More (1478-1535): Média, que considerava “bárbara”, estimularam nas elites cultas do tempo um forte espí-
A Utopia. rito crítico. Com efeito, desde o século XV que os principais humanistas europeus fazem
1532 críticas implacáveis à corrupção moral, à ignorância e à hipocrisia da sociedade e dos
François Rabelais (1494-
-1553): Gargântua poderes instituídos, quer fossem eles laicos ou religiosos.
e Pantagrual;
Tommaso di Campanella O melhor exemplo desta ousadia intelectual é Erasmo de Roterdão (1469-1536), o
(1568-1639): Cidade do Sol. humanista mais influente do Renascimento: e O Elogio da Loucura (1511), irónico e mor-
daz, critica a corrupção moral do clero, em particular do Papa e dos bispos, incluindo nas
suas críticas os reis e os príncipes.
Mas o papel dos humanistas não se limitou à denúncia do que consideravam ser os
erros da sociedade do seu tempo. O regresso às fontes antigas encorajou também a cla-
rificação da ideia de progresso através da comparação da realidade do seu tempo com
a ideia – influenciada pelo estudo da herança clássica - de como ela deveria ser. Surgem
assim as “utopias”(6), descrições de modelos de sociedades organizadas segundo princí-
pios diferentes daqueles que vigoravam no mundo real. Trata-se de um género literário
que floresceu na época do Renascimento, cuja designação provém da obra de Thomas
More (1478-1535)(7), A Utopia (1516), e que expressa ao mesmo tempo uma visão otimista
das possibilidades do homem e o profundo divórcio existente entre as aspirações dos
humanistas e a realidade do quotidiano.
Com efeito, os artistas do Renascimento não só revelaram uma técnica superior à dos * Perspetiva: conjunto de
regras de representação
Antigos – nomeadamente no domínio pictórico com a pintura a óleo, a perspetiva* e a que permite a reprodução
introdução do uso da tela – como também foram mais longe nas tentativas de reduzir o tridimensional de um
objeto sobre uma
mundo à medida do homem colocando a arte ao serviço da compreensão racional das superfície plana
aparências do mundo exterior. (bidimensional), uma vez
estabelecido o ponto de
observação.
– A centralidade do observador na arquitetura e na pintura: a perspetiva
matemática
? Questão
Numa época em que os homens se esforçavam para compreender o mundo de um
modo mais científico, as explicações até então admitidas como válidas para esse efeito 1. Qual a atitude dos
artistas renascentistas
já não são suficientes: a razão exige dos homens que se dedicam ao estudo da realidade relativamente aos modelos
natural as provas e a confirmação das suas teses. artísticos clássicos:
imitação e/ou inspiração e
A arte, feita até então em função de uma fé religiosa, procurando na natureza apenas desafio?
aquilo que pode servir o seu ideal, uma vez liberta desta servidão teológica, torna-se
também ela um meio de conhecimento do mundo exterior. A partir de agora, aos olhos
do artista, colocado numa posição de observador, oferece-se um campo imenso de explo-
ração: a infinita variedade dos elementos e das formas do universo, humano e natural.
– A racionalidade no urbanismo
As cidades medievais eram constituídas por aglomerados de edifícios, cercados por
muralhas que protegiam as suas populações mas também as isolavam do mundo exte-
rior. O traçado e a configuração da cidade dependiam da muralha(10) que a delimitava,
dos acidentes do terreno e do crescimento da população citadina. No interior da cidade,
as construções acantonavam-se em redor de uma catedral (castelo, abadia ou convento)
para onde convergiam ruas e vielas estreitas e tortuosas por onde circulavam quase
exclusivamente pessoas e animais.
(8)
Ordem arquitetónica: conjunto de regras formais e de proporção que ligavam entre si, de uma forma de antemão
estabelecida, todas as secções de um edifício.
(9)
Projeto: estudo rigoroso, matemático, prévio à execução de uma obra.
(10)
Muralhas: a sua finalidade principal era a proteção, funcionando também como fronteira ou limite, acompanhando
(e condicionando) o crescimento da cidade: se esta aumentava, levantava-se outra muralha. A partir do século XV, os
progressos da artilharia tornaram ilusório o seu papel de proteção.
60 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
Como se percebe, estas cidades não podiam satisfazer nem os princípios de raciona-
lidade nem o modo de vida requintado do homem do Renascimento. O objetivo de racio-
nalização que estava no centro das preocupações dos arquitetos renascentistas está tam-
bém presente na organização dos espaços urbanos. Ao fazê-lo, estes arquitetos iniciaram
a história do urbanismo moderno.
Masaccio (1401-1428), o primeiro grande pintor do século XV, foi o grande iniciador
dessa nova maneira de exprimir na tela o volume das coisas e a anatomia dos corpos.
A busca da representação exata da realidade observada levou-o a introduzir a perspetiva
nos grandes planos colocando o observador na posição de espetador privilegiado que sur-
preende as personagens no seu espaço natural (paisagem) ou construído (arquitetura).
* Naturalismo: reprodução Estas inovações – volume, perspetiva e naturalismo* – fizeram escola na pintura
fiel, exata, da natureza,
renascentista. De entre os seus muitos seguidores destacaram-se Piero della Francesca
dos seres ou objetos tal
como são percecionados (1416-1492), Luca Signorelli (1441-1523) e Botticelli (1444-1520), atingindo o seu máximo
no seu estado natural. desenvolvimento no século XVI com Miguel Ângelo (1475-1564) cujos frescos da Capela
Sistina (1508-1512) são uma demonstração impressionante da energia, do vigor e das
potencialidades expressivas da figura humana.
(11)
Gótico final (ou tardo-gótico): fase da evolução do Gótico, um estilo que floresceu na Europa do século XII ao século ? Questão
XVI, caracterizada pela pouca sobriedade, estilização e acumulação de elementos decorativos.
(12)
Arabescos: desenhos característicos da arte árabe constituídos por figuras geométricas entrelaçadas e muito orna- 1. Que características
mentadas. definem a arte
(13)
Grotescos: decorações com temas vegetalistas, formas humanas ou figuras de animais. gótico-manuelina?
62 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
(1)
Erasmismo: corrente de reforma religiosa inspirada no pensamento de Erasmo; apelava à reforma moral do clero e
preconizava uma vivência religiosa mais conforme o espírito e a moral da Igreja original.
Unidade 4 - A renovação da espiritualidade e religiosidade 63
O movimento de rutura teológica foi desencadeado por Martinho Lutero (1483-1546). 1517
A materialização da sua rutura com Roma começou a definir-se em 1515, com a promulga- Afixa as 95 teses na porta
da igreja do castelo de
ção de uma Bula de Indulgência por Leão X, necessitado de dinheiro para levar a cabo as Wittenberg.
obras da Basílica de S. Pedro, em Roma. Em 1517, a pregação das indulgências(2) chegou 1519
Rompe com Roma.
aos arredores de Wittenberg, o que levou a uma reação por parte de Lutero, fazendo afi- 1521
xar na porta da igreja do castelo da cidade as suas 95 teses contra as indulgências (1517). Publica De servo arbítrio.
1522
O papa Leão X condenou as suas teses na bula Exurge Domine e impôs a Lutero a sua Comparece na Dieta de
Worms convocada pelo
retratação sob pena de excomunhão(3). Lutero responde com a publicação de três Manifes-
imperador Carlos V.
tos (1520), dirigidos ao imperador e aos nobres alemães, onde critica violentamente o Papa, 1534
apela à resistência contra as imposições papais e contesta abertamente diversos dogmas* Traduz para alemão
a Bíblia (durante a sua
da Igreja. Nos finais desse ano, Lutero queima publicamente a bula papal e Leão X exco- estada no castelo de
Wartburg).
munga-o. O Príncipe Eleitor do Saxe, Frederico, o Sábio, dá-lhe refúgio no seu castelo de
Wartburg, onde faz a tradução da Bíblia do original grego para a língua alemã e estrutura
* Dogmas: princípios ou
a sua doutrina, que suscitou o apoio de numerosos setores do país. proposições doutrinárias
consideradas como
A rápida difusão do luteranismo na Alemanha (1521-1525) explica-se em parte pelo incontestáveis e
facto de esta ter adquirido uma dimensão política. Com efeito, os princípios luteranos de indiscutíveis.
C
– As igrejas reformadas
B
Ao recusar à Igreja o exclusivo da interpretação das Escrituras D
A
A Igreja Anglicana
Na Inglaterra, a Reforma não foi iniciada por homens ligados à Religião mas sim pelo
próprio rei Henrique VIII (1509-1547) (Fig. 2), que retirou a Igreja Inglesa da jurisdição de
Roma, uma vez que o Papa se recusava a conceder-lhe a anulação do seu casamento
com a primeira mulher, Catarina de Aragão. O argumento foi a incapacidade da Rainha
para lhe dar um herdeiro do trono. Decidiu então conceder-se a si próprio o divórcio em
1527-1528, para o que separou a Igreja Inglesa da sua obediência a Roma.
A Reforma Inglesa começou portanto por ser um ato político. Uma vez iniciado o movi-
Fig. 2. Henrique VIII, mento, este tornou-se cada vez mais religioso e protestante. Em 1534, pelo Ato de Supre-
o fundador da Igreja macia, Henrique VIII foi proclamado chefe supremo da Igreja da Inglaterra. Em 1536, dis-
Anglicana, por Holbein.
solveu os mosteiros e confiscou-lhes as propriedades, que distribuiu ou vendeu pelos
seus partidários.
Cronologia
1533
Henrique VIII separa-se da
rainha e casa-se com Ana 4.2. Contrarreforma e Reforma Católica
Bolena.
Clemente VII excomunga-o. – Reafirmação do dogma e do culto tradicional
1534
Ato de Supremacia: Face ao movimento reformador que alastrava pela Europa do Norte, Paulo III (1534-
o Parlamento reconhece
a Igreja estatal Anglicana -1549) convocou, em 1536, um concílio* ecuménico (universal) para a cidade italiana de
e atribui ao rei a suprema Trento. Era o começo da Reforma da Igreja Católica Romana.
autoridade eclesiástica.
Execução de Thomas More.
A primeira tarefa do Concílio consistiu na reafirmação dos dogmas do Catolicismo pos-
1534-1539
Henrique VIII suprime os tos em causa pelas Igrejas reformadas: a reafirmação do Credo, das Sagradas Escrituras
mosteiros e vende os seus
e da Tradição como fontes da revelação divina, a condenação da interpretação individual
bens.
1536 da Bíblia, a reafirmação do valor dos sacramentos, em particular da eucaristia.
João Calvino publica
Institutio Christianae Os resultados do Concílio depressa chegaram aos leigos: em 1566 foi publicado o
Religionis: exposição da
Catecismo* romano, tendo-se igualmente procedido à reforma do Breviário e do Missal,
teoria da predestinação.
1553 que regulavam o culto católico tradicional.
Genebra converte-se no
centro do mundo
protestante. – A reforma disciplinar; o combate ideológico
O Concílio fixou também normas disciplinares relativas à formação e à vida dos
padres – criação de seminários* – e à regulamentação da vida monástica. Ao mesmo
* Concílio: assembleia dos
prelados da Igreja reunida tempo procurou moralizar o comportamento social e religioso do clero cujos excessos
para deliberar sobre
questões de doutrina ou de
davam fortes argumentos às críticas dos reformadores protestantes.
disciplina eclesiástica.
Os reformadores católicos tomaram igualmente medidas de repressão e combate ao
* Catecismo: compêndio ou
manual que contém, Protestantismo, um movimento denominado por Contrarreforma, através da qual a Igreja
de forma elementar,
Romana procurou combater a expansão da heresia protestante e os seus adeptos segui-
a doutrina da Igreja.
* Seminários: casas de dores. Foi reativado e reorganizado o Tribunal do Santo Ofício (ou Inquisição). Onde quer
educação e ensino de que prevalecesse a jurisdição católica, os hereges estavam sujeitos a penas que iam até
jovens que se destinam
à vida eclesiástica. à morte pelo fogo em celebrações públicas e ritualizadas designadas por auto-de-fé.
Unidade 4 - A renovação da espiritualidade e religiosidade 65
os intelectuais e artistas a refugiarem-se no cultivo dos formalismos estéticos e lite- 1. Que interesses terão
rários(5) esvaziados de conteúdo e fora da realidade; motivado a solicitação de
D. João III ao papa para
– o isolamento cultural do nosso País, afastando-o dos progressos e inovações que criar a Inquisição em
Portugal?
então ocorriam na Europa nos domínios científico e cultural.
– a fuga de pessoas e de capitais para o estrangeiro, em particular para o norte da
Europa, uma região próspera e tolerante, onde os cristãos-novos, os mais visados
pela Inquisição, encontravam refúgio seguro.
(4)
Cristãos-novos: designação dada aos judeus convertidos ao Cristianismo; esta denominação tinha um sentido dis-
criminatório relativamente aos restantes cristãos (velhos).
(5)
Na literatura estão bem presentes no fenómeno do Gongorismo; na arte, no Maneirismo e no Barroco.
66 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
A evangelização Cronologia
A descoberta do Brasil, em 1500, por Pedro Álvares Cabral, marcou o início da pre-
sença portuguesa no continente americano. No entanto, só algumas décadas mais tarde
é que Portugal encetou a sua colonização sistemática e com ela a missionação, desta-
cando-se neste processo o padre jesuíta português Manuel da Nóbrega, que defendeu a
criação de aldeamentos (ou “reduções”), comunidades organizadas onde os nativos esta- Fig. 1. Crucifixo africano de
riam protegidos da escravização e seriam instruídos na moral e na doutrina cristãs. inspiração cristã (séc. XVI).
A escravização
(3)
Em 1576 haveria assim 50 000 cristãos no Sudeste Indiano, número que subiu aos 150 000 na China (em 1635)
e aos 300 000 no Japão (em 1613). Na Etiópia, na década de 20 do século XVII, haveria 200 000.
68 Módulo 3 - A abertura europeia ao mundo – mutações nos conhecimentos, sensibilidades e valores nos séculos XV e XVI
Cronologia Na primeira metade do século XVI organizou-se o tráfico negreiro entre as costas de
África e as da América para o trabalho nas minas de ouro e de prata mexicanas e perua-
1486
Fundação da Casa dos nas. A colonização do Novo Mundo pelos Espanhóis e o incremento da produção açuca-
Escravos. reira no Brasil fizeram aumentar significativamente a procura de escravos. Com os mer-
1570
cados do litoral já muito enfraquecidos, a procura de peças (escravos) passou a fazer-se
Primeira lei de restrição da
escravidão dos índios do diretamente no interior, quer através de incursões para a sua captura quer através de
Brasil. um comércio organizado. Outra forma de adquirir escravos era através da exigência do
Morte do padre Manuel da
Nóbrega no Rio de Janeiro. pagamento de tributo, sob a forma de escravos, aos sobas ou chefes tribais.
1639
Bula papal de condenação Os efeitos do tráfico esclavagista foram devastadores para as sociedades africanas:
do tráfico de escravos intensificaram-se os conflitos tribais para o aprisionamento de escravos, a população foi
índios.
dizimada e as suas possibilidades de desenvolvimento comprometidas. Para os territó-
1761
Abolição do tráfico de rios de acolhimento, estas migrações forçadas resultaram num recrudescimento das ten-
escravos na metrópole: sões étnico-culturais e no desenvolvimento do fenómeno da miscigenação.
declaravam-se libertos os
escravos que entrassem
em Portugal. – Os antecedentes da defesa dos direitos humanos
Para lá de todo o manancial de informações geográficas e científicas, os Descobrimen-
? Questão tos – e este foi talvez o seu contributo mais importante – demonstraram a semelhança
física do género humano, desmistificando as conceções até então dominantes, que
1. Que consequências
demográficas davam conta de seres misteriosos, de aspeto muito diferente dos europeus, seres sub-
e económicas resultaram -humanos, portanto inferiores.
para o continente africano
da intensificação do tráfico O cronista João de Barros, na I Década, dá-nos uma síntese do pensamento português
de escravos para
a América? sobre esta matéria que revela uma consciência da unidade do homem. No entanto, o seu
pensamento manifesta ainda a tradicional intolerância religiosa que não reconhece legiti-
midade às crenças “infiéis”.
Em Espanha, Bartolomeu de las Casas, padre dominicano que missionou nas Antilhas,
defendeu que se deveria instruir os Índios na fé cristã mas sem violência, pois também
eram filhos de Deus. Um outro dominicano, Francisco de Vitória (c. 1480-1546), contes-
tou princípios e comportamentos nas relações com os pagãos e infiéis questionando
nomeadamente o dever invocado pelos cristãos de obrigar os índios, se necessário pela
força, a obedecer às suas leis. O holandês Hugo Grócio (1583-1645)(4) defendeu a unidade
Direitos Humanos*:
racional e social do homem e a superioridade do direito natural, isto é, dos direitos
constituem as proteções comuns à natureza humana, portanto, a todos os homens. O Protestantismo deu também
mínimas que permitem ao
um contributo importante ao defender a liberdade de consciência, uma pedra essencial
indivíduo viver uma vida
digna, defendido das do edifício dos direitos humanos*.
arbitrariedades do poder;
são, por conseguinte, uma
espécie de espaço
“sagrado”, intransponível,
constituído pelas
chamadas “liberdades
fundamentais” do
indivíduo, do homem.
(4)
Grócio é o fundador da teoria do direito natural moderno; protestante, foi profundamente influenciado pelos juris-
tas espanhóis do século XVI, em especial Francisco Vitória.
Questões para Exame 69
Fig. 4. Pormenor de
A Primavera (1482), de
Fig. 3. Igreja de Santo Botticelli: a deusa das flores
André, de Mântua, 1470, primaveris adornada com
obra de Leon Battista. ramos e flores.
3
Documento 6 | A Contrarreforma Católica
Contextualização
A Europa política dos séculos XVII e XVIII caracteriza-se pela afirmação do Estado absoluto
e burocratizado, apoiado nas conceções do absolutismo régio e na sociedade de ordens.
O Estado parlamentar está confinado ao noroeste europeu, às Províncias Unidas e à Inglaterra.
No plano económico, a dinâmica do capitalismo europeu de matriz mercantilista reforçou as
economias nacionais, fomentou os conflitos políticos e as disputas coloniais entre estados.
Na segunda metade do século XVIII, a reunião de um conjunto de condições favoráveis per-
mitiu à Inglaterra ganhar uma vantagem decisiva no arranque para a grande aventura da
industrialização e construir uma hegemonia económica, para a qual também contribuiu a
economia portuguesa e em particular o ouro do Brasil. Cronologia
No domínio cultural, os progressos científicos e técnicos e as mudanças de mentalidade sus-
citados pela filosofia das Luzes alicerçaram a construção da modernidade europeia, cujos 1580-1590
Maus anos agrícolas
princípios e valores inspiraram o projeto político, social e cultural pombalino em Portugal. sucessivos na Europa.
1618-1648
Guerra dos Trinta Anos
e epidemias.
1628-1631
Epidemia de peste na
Unidade 1 A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e Alemanha, França e no
norte de Itália.
crescimento 1640-1668
Guerra da Restauração,
entre Portugal e Espanha.
SUMÁRIO
1642-1648
– Fatores de instabilidade demográfica: as crises demográficas Guerra civil em Inglaterra.
– Os mecanismos autorreguladores 1643-1645
– Uma nova demografia a partir de meados do século XVIII Levantamentos
generalizados no sul de
França contra o fisco.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
1648-1651
- Reconhecer nas crises demográficas um fator de agravamento das condições do mundo Peste em Espanha.
rural e de perturbação da tendência de crescimento da economia europeia. 1648-1652
Guerra civil (“Fronda”)
CONCEITOS/NOÇÕES e peste em França.
Crise demográfica; Economia pré-industrial** 1665-1666
Grande peste em Londres.
* Conteúdos de aprofundamento 1690-1694
** Aprendizagens e Conceitos estruturantes Surto generalizado de
peste e fome na Europa.
72 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
Por outro lado, na presença de crises demográficas o regime demográfico antigo con-
servava faculdades de recuperação:
– elevadas taxas de fecundidade e natalidade;
Fig. 1. São Francisco em
– a diminuição da idade no casamento e a sua multiplicação.
Êxtase, c. 1660 (Francisco
de Zurbarán). A morte
(1)
e os seus símbolos eram Fatores endógenos: causas anteriores ao nascimento.
(2)
uma presença constante Fatores exógenos: causas posteriores ao nascimento.
no pensamento e devoção (3)
Diferença entre a mortalidade e a natalidade, ou seja o deve e o haver na contabilidade da população.
quotidianos nos séculos (4)
Intervalos de tempo existentes entre o nascimento dos filhos. Em média eram largos e tendiam a aumentar à
XVII e XVIII. medida que novas crianças nasciam.
Unidade 1 - A população da Europa nos séculos XVII e XVIII: crises e crescimento 73
N.¡
300
200
îbitos
100
50
20
10 Concees
5
25
20
15
Casamentos
10
5
37
35,44 ? Questões
35 34,1 33,84
33,4 33,39
34,0 34,4 34,23
33,3 33,3
Por 1000 habitantes
32,36
1. A partir dos elementos
31,1 30,5 32,0 31,7
31,43
30
29,7
fornecidos, caracterize
27,5 28,8
28,2 o modelo demográfico de
27,9
26,7 25,65 tipo antigo.
26,7
25 26,0
23,14
20,33 21,65
2. Caracterize o novo
19,98 modelo demográfico,
20 20,80
relacionando-o com as
170010 20 30 40 1750 60 70 80 90 1800 10 20 30 40
êndice de natalidade
alterações verificadas na
êndice de mortalidade sociedade europeia na
Fig. 3. A revolução demográfica em Inglaterra. segunda metade do século
XVIII.
(5)
Esperança média de vida: duração média de vida previsível de um indivíduo, consoante as condições de mortalidade
que existem no seu ano de nascimento.
(6)
Este crescimento foi tão notado que suscitou reações alarmistas, destacando-se Thomas Malthus (1766-1834),
autor de Ensaio Sobre o Princípio da População (1798), onde defende que a taxa de crescimento da população segue
uma progressão geométrica e a taxa à subsistência não vai além de uma progressão aritmética, pelo que a fome seria
inevitável. A solução estaria no controlo da natalidade (celibato e casamento tardio), sobretudo para quem não
pudesse (os pobres) assegurar o seu próprio sustento e o dos seus familiares.
74 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
APRENDIZAGENS RELEVANTES
- Compreender os fundamentos e as formas da organização político-social do Antigo
Regime**.
- Reconhecer a importância da afirmação de parlamentos numa Europa de estados abso-
lutos**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Antigo Regime**; Monarquia absoluta**; Ordem/estado**; Estratificação social**; Mobilidade
* Antigo Regime: do social; Sociedade de corte; Parlamento**
francês, Ancien Régime,
* Conteúdos de aprofundamento
expressão pejorativa
criada nos anos anteriores ** Aprendizagens e conceitos estruturantes
à Revolução Francesa para
designar o conjunto das
instituições políticas,
sociais e jurídicas que os
revolucionários pretendiam
substituir: monarquia 2.1. Estratificação social e poder político nas sociedades de
absoluta, privilégios da
nobreza e do clero, direitos
Antigo Regime
senhoriais, etc. Por
extensão e analogia, é um – A sociedade de ordens assente no privilégio e garantida pelo absolutismo régio
conceito utilizado pela de direito divino
historiografia para
designar o período da A sociedade europeia de Antigo Regime* (sécs. XVI-XVIII) organiza-se em três ordens ou
história europeia do século
XVI às revoluções liberais estados*: o clero, a nobreza e o terceiro estado. A cada ordem corresponde um determi-
(sécs. XVIII ou XIX, nado estatuto, que comporta ao mesmo tempo obrigações e privilégios, justificados pelo
segundo os países).
nascimento ou pela função atribuída a cada ordem. A riqueza não é um critério decisivo.
* Ordem/estado: categoria
ou corpo social tendo por O clero ocupa o primeiro lugar na hierarquia social. O prestígio e o poder espiritual e
base a função
desempenhada na temporal da Igreja junto dos poderes políticos e das sociedades modernas permitiram ao
sociedade e o nascimento, clero beneficiar da proteção dos monarcas absolutos e preservar os seus tradicionais pri-
definia-se por critérios
como a honra, o estatuto vilégios (direito canónico, imunidades, cobrança do dízimo) e manter o seu ascendente
e o prestígio atribuídos
social, cultural e religioso junto das populações.
a essa função.
* Mobilidade social: A nobreza, elite militar e fundiária, constitui o segundo estado e usufrui também de
possibilidade de alteração uma situação privilegiada na estrutura política e social do Antigo Regime.
do posicionamento ou
estatuto social de um Ao terceiro estado, a maioria da população, cabia-lhe a produção de subsistências e
indivíduo. Apesar da
relativa rigidez da o peso dos impostos. Trata-se de uma ordem não privilegiada, muito heterogénea na sua
hierarquia social, no Antigo composição e nos níveis de rendimento.
Regime abriam-se ao
terceiro estado várias vias Apesar da rigidez desta hierarquia, a verdade é que a sociedade do Antigo Regime
de ascensão social:
a entrada no clero desenvolveu uma relativa mobilidade social*. A aquisição de títulos ou de terras cuja
e o enobrecimento (por
posse enobrecesse o acesso a lugares superiores na administração do Estado ou o casa-
concessão ou aquisição de
títulos). mento eram vias possíveis de ascensão social.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 75
Relativamente aos conselhos, depois de um período mais ativo que se seguiu à res-
tauração da independência, perderam a sua importância em favor de um número restrito
de secretários, favoritos do rei que trabalhavam na sua dependência direta.
(1)
Recorde a instituição das sisas gerais por D. João I, a Lei Mental de D. Duarte, as Ordenações Afonsinas publicadas
pelo regente D. Pedro (1439-1348) e a disciplinação da nobreza por D. João II.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 77
(2)
Holanda, Zelândia, Utrecht, Frísia, Groninga, Overijssel e Gueldres.
78 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
(3)
Magna Carta (1215): imposta pela aristocracia inglesa ao rei João Sem Terra que ficava obrigado a respeitar as leis
tradicionais e os privilégios da nobreza, a consultar o Tribunal do Rei antes de lançar impostos, a não mandar pren-
der ou condenar alguém sem ser julgado.
(4)
“Cabeças Redondas” (Roundheads): assim designados pelo uso do cabelo muito curto, segundo um uso muito comum
entre os puritanos.
Unidade 2 - A Europa dos estados absolutos e a Europa dos parlamentos 79
Todavia, não por muito tempo. Em 1653, Cromwell assume o título vitalício de Lord Cronologia
Protector, dissolve o Parlamento, inicia uma ditadura pessoal. A sua morte, em 1658,
Inglaterra
abriria caminho à restauração da monarquia com Carlos II (1660-1685), filho do rei deca- 1625-1649
pitado em 1649. Recomeçam as tensões entre a Coroa e o Parlamento. Recusa do absolutismo:
lutas entre a Coroa
A Carlos II sucedeu Jaime II (1685-1688), católico, que tenta a restauração oficial do e o Parlamento.
1628
catolicismo. A reação anglicana irrompe de forma violenta, a oposição parlamentar soli-
O Parlamento impõe
cita a intervenção de Guilherme III de Orange (statouther da Holanda, casado com a filha a Carlos I a Petição de
Direitos (Bill of Rights).
mais velha do rei inglês) e oferece-lhe a coroa inglesa. Jaime II foge para França. Termi-
1642-1648
nava desta forma a pacífica “Revolução Gloriosa” (Glorious Revolution) de 1688, da qual Guerra Civil (Coroa vs.
resultaram importantes consequências: Parlamento).
1649
– a Declaração dos Direitos (Declaration of Rights) de 1689, que impõe importantes Execução de Carlos I
limitações ao poder real; e abolição da Monarquia.
1649-1660
– a divisão de poderes; Regime republicano
(Commonwealth).
– a consagração da superioridade da lei sobre a vontade do rei, isto é, uma monar-
1660-1685
quia controlada pelo Parlamento, ou seja, uma antecipação do regime parlamentar. Restauração da Monarquia
(Carlos II).
1679
– Locke e a justificação do parlamentarismo Publicação do Habeas
Corpus Act.
John Locke(5) (1632-1704) refutou a doutrina do direito divino dos reis defendida pelo
1688
absolutismo. Retomou a doutrina do contrato social, que fundamentou com os seguintes Revolução Gloriosa
(Glorious Revolution).
argumentos:
1689
– o direito de governar vem do consentimento dos governados; Declaração dos Direitos
(Declaration of Rights).
– se um governo tentar governar de forma absoluta e arbitrária, se violar os direitos
naturais do indivíduo pode ser legitimamente derrubado;
– os direitos do indivíduo são absolutos e universais e, como tal, são sagrados, invio-
láveis.
(5)
Locke: autor de Dois Tratados sobre o Governo (1689), é considerado como o teórico da “Revolução Gloriosa” inglesa
(1688-1689) e um defensor do parlamentarismo.
80 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
SUMÁRIO
3.1. Reforço das economias nacionais e tentativas de controlo do comércio; o equilíbrio europeu
e a disputa das áreas coloniais
* Mercantilismo: termo 3.2. A hegemonia económica britânica: condições de sucesso e arranque industrial
utilizado para designar um 3.3. Portugal – dificuldades e crescimento económico*
conjunto de doutrinas
e práticas económicas APRENDIZAGENS RELEVANTES
elaboradas na Europa, nos
séculos XVI-XVIII, cujas – Compreender a importância do domínio de espaços coloniais para o equilíbrio político dos
características essenciais estados no sistema internacional dos séculos XVII e XVIII**.
são: a preocupação
– Reconhecer, nas práticas mercantilistas, modos de afirmação das economias nacionais**.
metalista ou bulionista,
o intervencionismo e – Identificar o poder social da burguesia nos finais do século XVIII como resultado da dinâ-
dirigismo estatal, o mica mercantil e da aliança com a realeza na luta pelo fortalecimento do poder real.
protecionismo e o – Relacionar a formação de um mercado nacional e o arranque industrial ocorridos na Ingla-
nacionalismo.
terra com as transformações das suas estruturas económicas**.
* Protecionismo: política – Compreender a influência das relações internacionais nas politicas económicas portugue-
económica que privilegia sas e na definição do papel de Portugal no espaço europeu e atlântico**.
os interesses dos
produtores e comerciantes CONCEITOS/NOÇÕES
nacionais relativamente
à concorrência externa. Capitalismo comercial**; Protecionismo**; Mercantilismo**; Balança comercial**; Exclusivo colonial;
São vários os mecanismos Companhia monopolista; Comércio triangular; Tráfico negreiro; Bandeirante; Manufatura; Bolsa de
utilizados para atingir esse valores; Mercado nacional; Revolução industrial**
objetivo: concessão de
subsídios, de monopólios * Conteúdos de aprofundamento ** Aprendizagens e conceitos estruturantes
e isenções fiscais;
imposição de taxas
aduaneiras e de quotas
à importação; alterações 3.1. Reforço das economias nacionais e tentativas de controlo do
do valor da moeda, etc.
comércio; o equilíbrio europeu e a disputa das áreas coloniais
Era convicção generalizada que o remédio para a crise económica que se fazia
sentir na Europa do século XVII, e a melhor forma de combater a hegemonia
comercial e financeira da Holanda e de Amesterdão, era o reforço das economias
nacionais através da intervenção do Estado na defesa e proteção dos interesses
nacionais face à concorrência estrangeira. Esta era uma política económica a que
se chamou mercantilismo* (Fig. 1), por assentar no comércio.
Apesar da diversidade das formas que tomou nos diferentes países, podemos dis-
tinguir no mercantilismo algumas características gerais comuns:
O mercantilismo inglês
Na Inglaterra, a política mercantilista também se caracterizou pela preocupação bulio-
nista, proteção da produção e apoios ao comércio nacional e à marinha, mas a priori-
dade foi para o comércio e o objetivo da balança comercial. Foi esta orientação que ditou:
– os Navigations Acts (entre 1651 e 1673), com o objetivo fomentar o comércio e a
navegação ingleses e combater a hegemonia holandesa;
– a proteção à produção industrial;
– a proteção à produção agrícola através das corn-laws, leis que restringiam as impor-
tações de trigo e apoio ao alargamento das enclosures.
O arranque industrial
A partir de 1750-1760 surgiram em Inglaterra três inovações que revolucionaram o modo
de produção dos bens industriais e tornaram este país pioneiro no arranque (take-off )
industrial (Fig. 2):
– a aplicação de um conjunto de inventos na indústria têxtil;
– a utilização do carvão mineral (em substituição do carvão vegetal);
– a invenção da máquina a vapor.
O têxtil, um setor em grande expansão, foi o primeiro a aplicar os progressos técni- * Pudelagem: do inglês
cos: a “lançadeira volante”, de John Kay (1733), foi aplicada com grande sucesso na tece- puddling; técnica pela qual
se transforma o ferro
lagem; a spinning jenny, de Hargreaves, permitia a uma trabalhadora fiar, ao mesmo fundido em ferro macio,
tempo, vários fios; a water frame (1768), de Highs, e a mule jenny (1780), de Crompton, através da eliminação das
impurezas do ferro fundido
trouxeram à fiação um enorme estímulo. e do carbono por meio da
sua combustão.
Esta revolução das técnicas estendeu-se também à metalurgia. Darby conseguiu utili-
* Laminação: ato de
zar o coque na produção de ferro macio (aço). Henry Cort (1740-1800) registou as paten-
laminar, isto é, a redução
tes da pudelagem* e da laminação*. do metal a lâminas.
84 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
Mas a invenção mais importante foi sem dúvida a máquina a vapor (Fig. 3) de James
Watt (1736-1819), que trouxe como consequência fulcral para o desenvolvimento indus-
trial a possibilidade da utilização industrial da nova forma de energia, o vapor, com todas
as vantagens na economia do trabalho humano e na concorrência internacional.
As consequências deste tratado para as economias dos respetivos países têm sido
muito discutidas. É reconhecido que o Tratado de Methuen mais não fez do que consa-
grar formalmente situações ou tendências de facto preexistentes. Ou seja, ter-se-á limi-
tado a formalizar a crescente procura dos vinhos portugueses na Grã-Bretanha e dos têx-
teis ingleses no nosso país, onde nunca deixaram de ser adquiridos (por contrabando),
apesar das medidas protecionistas. O efeito mais significativo do Tratado de Methuen
terá sido o reforço (e aceleração) da integração da economia portuguesa na esfera de
influência britânica cujas bases haviam sido já lançadas no tratado de paz anglo-luso de
1642 em que os ingleses obtiveram a liberdade de acesso ao império português.
Foi este cenário de crise que o rei D. José I (1750-1777) e o Marquês de Pombal tive-
ram de enfrentar. Numa primeira fase (até cerca de 1760), a prioridade foi reestruturar o
setor comercial, reprimindo o contrabando e apostando na criação de companhias de
monopólio, com o objetivo de combater a dependência dos estrangeiros, em particular
dos ingleses. Foi nesta perspetiva que criou a Junta do Comércio (1755) e uma série de
companhias comerciais de monopólio – Companhia do Grão-Pará e Maranhão (1755),
Companhia de Pernambuco e Paraíba (1756) e Companhia dos Vinhos do Alto Douro
(1756). A política pombalina de racionalização e moralização estendeu-se também aos
setores financeiro e fiscal – criação do Real Erário (1761) – onde foram centralizados
todos os serviços de arrecadação e depósito das receitas do Estado.
86 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
30
do
rca
Ou
colonial, em particular da reexportação dos produtos brasilei-
5 ro
% 100 ros (Fig. 4), retira vantagens da conjuntura. O comércio com a
de ouro
Ásia aumentou. O incremento da procura do açúcar e algodão
50
brasileiros e das produções metropolitanas do vinho, lã e sal
1700 1750 1800
reduzem a dependência da economia nacional das remessas
Fig. 4. A evolução das
exportações brasileiras. do ouro brasileiro. A balança comercial começa a apresentar nos finais do século XVIII
sucessivos saldos positivos. O aumento da quantidade e a diversificação dos produtos
exportados foram acompanhados por uma maior diversificação dos parceiros comerciais.
(3)
Leis que proibiam o uso de certos artigos (importados) considerados de luxo.
Unidade 4 - Construção da modernidade europeia 87
1690 Montesquieu (1689-1755), em O Espírito das Leis (1748), defende a teoria da separa-
John Locke: Tratados do ção de poderes – legislativo, executivo e judicial – ; só haveria liberdade política se estes
Governo Civil.
três poderes não estivessem concentrados nas mesmas mãos.
1748
Montesquieu: O Espírito
das Leis.
1762
J. J. Rousseau: O Contrato
Social.
1763
Voltaire: Tratado da
Tolerância.
Unidade 4 - Construção da modernidade europeia 89
? Questão O plano é um bom exemplo do novo ordenamento urbanístico da Europa das Luzes,
caracterizado pelo traçado geométrico e radiante das ruas, pela uniformização e simetria
1. Esclareça na
reconstrução da Lisboa das fachadas e pela centralidade dos edifícios, um quadro adequado à consagração do
Pombalina a influência poder do déspota perante o qual todos os poderes se inclinam.
iluminista.
– A reforma do ensino
O setor da educação e do ensino em Portugal, em meados do século XVIII, estava sob
o controlo dos Jesuítas e encontrava-se numa situação de declínio. Ainda no reinado de
D. João V, os “estrangeirados” haviam denunciado esta situação e as consequências
negativas para o País. Sem grande sucesso.
Fig. 1.
1.1. Explicite a relação entre a evolução do preço do trigo e a evolução da natalidade e da mortalidade.
No seio das três grandes ordens da nação, encontram-se várias categorias (...). Dessa forma, o clero
abrange duas categorias (…). As posições e as dignidades da nobreza são bem conhecidas: príncipes de
sangue, duques e pares, nobreza que beneficia das honras da corte, nobres com títulos, enfim indivíduos
sem títulos, denominados “escudeiros”. Essas dignidades têm amiúde mais valor que a distinção entre
nobreza de espada e nobreza de toga. (...).
Na frente do terceiro estado, estão os oficiais reais (…). Encontram-se em seguida as “pessoas letradas”
que não são oficiais: formados em universidades, médicos, advogados; depois os “práticos e pessoas de
negócios”: notários, procuradores, enfim os comerciantes e artesãos de ofícios qualificados como “artes”.
Abaixo vêm as “pessoas vis” (expressão que significa pessoas do povo): trabalhadores, “pessoas mecâni-
cas”, senhores com profissão ou sem ela, “homens de braços”, e por fim os “mendigos válidos”, “vagabun-
dos e indigentes”.
Mousnier R. (1967), État et société sou François Ier et pendent le gouvernement personnel de Louis XIV,
in Corvisier, A. (1976), O Mundo Moderno, Lisboa, Ática, p. 285 (adaptado).
É com toda a razão que se chama deuses aos reis, porque estes exercem na terra um poder que se asse-
melha ao poder divino. Considerai os atributos de Deus e vós os reconhecereis na pessoa do rei. Deus tem
o poder de criar ou de destruir, de fazer ou de desfazer, de dar a vida ou a morte, de julgar toda a gente
sem dar contas a ninguém. Os reis possuem um poder semelhante. A felicidade dos seus súbditos depende
do seu belo prazer; eles podem elevar ou baixar, dispor da vida ou da morte, julgar todos os súbditos sem
ter de dar contas senão a Deus.
Jaime I, 1609.
92 Módulo 4 - A Europa nos séculos XVII e XVIII – sociedade, poder e dinâmicas coloniais
(…) Os Lordes espirituais e temporais e os Comuns, (…) constituindo em conjunto a plena e livre repre-
sentação da nação, (...) declaram (…) para assegurar os seus antigos direitos e liberdades:
1. Que o pretenso poder da autoridade real de suspender as leis ou a execução das leis sem o consen-
timento do Parlamento, é ilegal; (...)
2.1. Explicite três características da sociedade europeia do Antigo Regime presentes no documento 2.
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
A sua resposta deve integrar, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis nos documentos
(documentos 2 a 4).
(...) resta sempre ao povo o poder supremo de afastar ou mudar os legisladores, se considerar que estes
atuam de maneira oposta à missão que lhes foi confiada. Com efeito, todo o poder delegado que tem uma
missão determinada e uma finalidade fica limitado por estas; se os detentores desse poder se afastam delas
abertamente ou não se mostram empenhados em consegui-las, será forçoso que se ponha fim a essa mis-
são que se lhes confiou. Nesse caso o poder voltará por força a quem antes lho entregou; então este pode
confiá-lo de novo às pessoas que julgue capazes de assegurar a sua própria salvaguarda. Deste modo, a
comunidade conserva perpetuamente o poder supremo de subtrair-se às tentativas e maquinações de qual-
quer pessoa, inclusivamente dos seus próprios legisladores, sempre que estes sejam tão néscios [incompe-
tentes] ou tão malvados que se proponham levar a cabo maquinações contrárias às liberdades e à proprie-
dade dos indivíduos.
3.1. Explicite as conceções de John Locke sobre o contrato social (documento 5).
O caminho da independência
Apesar de vitoriosa, os elevados custos financeiros da Guerra dos Sete Anos levaram
a Inglaterra a impor pesadas tributações sobre os seu colonos americanos. Entre outros
impostos, o Parlamento britânico aprovou a Lei do Selo (Stamp Act) (1765) que tornava
obrigatório o uso de papel selado.
94 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
* Soberania popular: Os protestos contra esta medida considerada injusta e ilegal não se fizeram esperar.
princípio segundo o qual
o poder supremo do Em dezembro desse ano, o lançamento ao mar pelos colonos no porto de Boston de um
Estado pertence à nação carregamento de chá da Companhia das Índias Orientais (episódio conhecido por Boston
ou ao povo, entendidos
como o conjunto de
Tea Party) levou o governo inglês a decretar o encerramento deste porto e a exigir o
cidadãos que exercem pagamento de uma indemnização. Entretanto, novas imposições fiscais agravaram o
o poder através dos seus
clima de revolta.
órgãos representativos.
Em 1774, reuniu o 1.o Congresso de Filadélfia, que proibiu o comércio com a Ingla-
terra, passando esta a considerar rebeldes os colonos. No 2.o Congresso de Filadélfia
(1775) foi decidido responder à guerra declarada pela metrópole e constituir um exército,
? Questões
cujo comando foi entregue a George Washington. Em 1776, os representantes das coló-
1. Como se explica nias reuniram-se no 3.o Congresso de Filadélfia para aprovar a Declaração da Independên-
a rebelião dos colonos cia dos Estados Unidos: as treze colónias afirmavam-se estados livres e soberanos, invo-
contra a metrópole
inglesa? cando os princípios iluministas dos direitos naturais do homem e da soberania popular*.
2. Esclareça os aspetos Em 1783, a assinatura do Tratado de Versalhes pôs fim ao conflito militar, reconhecendo
de movimento de a Inglaterra a independência das suas antigas colónias. Estava consumado o nascimento
independência
de um novo Estado, os EUA.
e de revolução liberal
presentes na Declaração
de Independência dos EUA. A estruturação do Estado
A criação de um Estado a partir da união das treze colónias não era uma tarefa fácil,
pois havia entre elas importantes diferenças, nomeadamente económicas e religiosas.
* Constituição: em sentido O trabalho dos denominados “Pais Fundadores” (Founding Fathers) do novo Estado,
moderno, é um texto
escrito que é a lei como George Washington, Benjamim Franklin, Thomas Jefferson, James Madison, entre
fundamental de um Estado, outros, afigurava-se, pois, extremamente difícil. Em 17 de setembro de 1787, em Filadélfia,
isto é, de valor superior
e depois de grandes debates, foi possível obter um consenso e assinar um documento
a todas as demais leis.
que constitui a pedra angular do novo Estado e da nação que o tempo iria cimentar: a
Constituição* dos Estados Unidos da América.
O facto de a revolução americana ter origem num ato de rebeldia contra os alegados
atos de tirania do governo britânico e a natureza democrática do regime favoreceram a
difusão na opinião pública internacional, sobretudo europeia, da imagem de uma revo-
* Revolução liberal:
movimento de rutura com lução liberal*. O seu exemplo inspiraria outros movimentos revolucionários na América e
o Antigo Regime inspirado na Europa, em particular a Revolução Francesa.
nos ideais iluministas de
transformação da vida
social, política e cultural. (1)
A escravatura só será abolida pela 13.a emenda votada no final da Guerra de Secessão (1861-1865).
Unidade 2 - A Revolução Francesa – paradigma das revoluções liberais e burguesas 95
SUMÁRIO
2.1. A França nas vésperas da revolução
2.2. Da Nação soberana ao triunfo da revolução burguesa: a desagregação da ordem social de
Antigo Regime; a monarquia constitucional; a obra da Convenção; o regresso à paz civil e a
nova ordem institucional e jurídica
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Identificar a revolução como momento de rutura e de mudança irreversível de estruturas**.
– Compreender a Revolução Francesa como um exemplo de transformação revolucionária da
ordem social e política de Antigo Regime e de construção de uma nova ordem política e
social.
Cronologia
CONCEITOS/NOÇÕES
Monarquia constitucional**; Soberania nacional**; Sistema representativo**; Estado laico; Sufrágio 1789
Janeiro
censitário
Publicação do panfleto do
* Conteúdos de aprofundamento
abade Siéyès, Qu’est-ce
que le Tiers-État?
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
Fevereiro/maio
Eleições para os Estados
Gerais.
5 de maio
Sessão de abertura dos
Estados Gerais (Versalhes).
20 de junho
2.1. A França nas vésperas da revolução Juramento na Sala do Jogo
da Péla.
As causas da Revolução Francesa são complexas, mas podemos relacioná-la com duas
9 de julho
ordens de fatores: a crise do Antigo Regime, abalado pela propaganda iluminista, e as Proclamação da
Assembleia Nacional
dificuldades de uma conjuntura económico-financeira e política desfavorável que a monar- Constituinte.
quia absoluta se mostrava incapaz de ultrapassar. 14 de julho
Tomada da Bastilha.
A sociedade francesa nos finais do século XVIII, que mantinha na sua estrutura e com- 3-4 de agosto
Decreto de 4 de agosto:
posição as características de Antigo Regime (hierarquizada e trinitária), já não estava
abolição dos direitos
ajustada às realidades e às aspirações de uma burguesia que tinha plena consciência da feudais.
27 de agosto
sua importância económica e da sua escassa representação política; nem de uma nobreza
Declaração dos Direitos
que, empobrecida pela alta dos preços, reforça as imposições feudais sobre os campo- do Homem e do Cidadão.
neses e consome pensões régias a uma coroa numa má situação financeira. Fracassadas 2 de novembro
Nacionalização dos bens
as sucessivas tentativas de reforma dos ministros de Luís XVI, Turgot (1774-1776), Necker do clero.
(1776-1781), Calonne (1783-1787) e Brienne (1787-1788), restava ao soberano como única 1790
13 de fevereiro
saída a convocação de Estados Gerais. Supressão das ordens
religiosas.
A aristocracia e a burguesia estavam de acordo com essa convocação. Mas tinham 12 de julho
objetivos diferentes. Os nobres pretendiam servir-se dos Estados Gerais para travar as Constituição Civil do Clero.
reformas à custa da redução dos seus privilégios. Queriam ainda que os Estados fossem 1791
14 de junho
organizados como em 1614, data em que se haviam reunido pela última vez: as três Lei Le Chapelier: extinção
ordens reuniam e votavam separadamente, tendo cada ordem um número idêntico de das corporações;
aprovação da Constituição
deputados e dispondo de um voto. de 1791.
96 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
Estava dado o primeiro passo para a rutura. O poder do rei era oficialmente abolido
num domínio essencial, as finanças. A 9 de julho, e após novos incidentes com o rei e
num clima de ameaça de insurreição popular, a Assembleia passa a denominar-se Assem-
bleia Constituinte e começa a discutir um projeto de constituição. Entretanto, aprova
várias medidas legislativas revolucionárias:
– o Decreto da noite de 4 de agosto de 1789 (suprime os direitos feudais e todos os
privilégios senhoriais);
– a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (27 de agosto de 1789) que
consagra os princípios da liberdade e igualdade de todos os homens);
– a Constituição Civil do Clero (12 de julho de 1790) que transforma o clero em fun-
* Estado laico: estado cionários do Estado e os seus bens em bens nacionais (Estado laico*);
secular, não religioso, ou
seja, estado que considera – a Lei de Le Chapelier (14 de junho de 1791) que extingue as corporações e proíbe
a religião como uma os trabalhadores de formarem sindicatos, de fazerem reivindicações salariais e
escolha individual, portanto
um domínio perfeitamente greves;
distinto e independente do – a Constituição de 1791 que estabelece a monarquia constitucional e que reconhece
poder político.
aos franceses os direitos e liberdades individuais.
Unidade 2 - A Revolução Francesa – paradigma das revoluções liberais e burguesas 97
A eleição dos deputados devia fazer-se em dois degraus, ainda segundo um critério * Sufrágio censitário:
sistema eleitoral que limita
de rendimentos: eleitores e deputados. A Constituição de 1791 estabeleceu, deste modo, o direito de voto segundo
um regime de monarquia constitucional censitária* que satisfazia sobretudo a burguesia. critérios de riqueza.
rios. O povo acusou o rei de cumplicidade com os invasores, assaltou o palácio das 1792
Tulherias (20 de junho de 1792). Alguns dias depois a Assembleia Legislativa proclama a 5 de julho
O exército da Prússia
“Pátria em perigo” (11 de julho) e decreta a mobilização obrigatória de todos os France- invade a França.
ses. A 10 de agosto de 1792, na sequência de uma insurreição popular, Luís XVI é 11 de julho
Proclamação pela
deposto. A 22 de setembro desse ano (1792), é proclamada a República. Assembleia Legislativa
da “Pátria em perigo!”.
O governo é entregue a uma Convenção, uma assembleia eleita por sufrágio univer- 9 de agosto
sal, encarregada de estabelecer uma nova constituição. Esta assembleia é dominada por Criação de uma comuna
revolucionária em Paris.
duas forças políticas distintas: os Girondinos(2), que defendiam os interesses da alta bur- 10 de agosto
Insurreição popular:
guesia, adeptos de uma república liberal, e os Jacobinos(3) ou Montanheses, representan-
deposição do Rei.
tes da pequena e média burguesia, liderados por três patriotas e revolucionários: Marat, 20 de setembro
Vitória da França em Valmy.
Danton e Robespierre.
21 de setembro
Convenção.
O julgamento e condenação do rei Luís XVI (decapitado a 21 de janeiro de 1793) abre 22 de setembro
caminho ao período do “Terror” marcado pela adoção de medidas de exceção e pelo radi- Proclamação da República.
calismo revolucionário: a Convenção assume-se como um governo ditatorial; o poder exe- 1793
21 de janeiro
cutivo foi entregue a um Comité de Salvação Pública; foram criados comités de vigilância Execução de Luís XVI.
revolucionária e tribunais revolucionários para julgar os suspeitos de traição, “os inimigos 24 de julho
Constituição do Ano I.
do povo”; foi organizado um exército popular para a luta contra as invasões estrangeiras… 27 de julho
Robespierre no Comité
de Salvação Pública.
(1)
O censo de um cidadão ativo equivalia ao valor de três dias de trabalho, ou seja, 3 libras; o de um eleitor, a 10 dias
7 de setembro
de trabalho, ou seja, 10 libras. Da população francesa, cerca de 4 300 000 eram cidadãos ativos, 3 000 000 cidadãos Grande Terror.
passivos e 50 000 eleitores. 1794
(2)
Girondinos: designação que decorre do facto de uma parte deles serem representantes do departamento da Gironda. Julho
(3)
Jacobinos: nome derivado do facto de reunirem no antigo convento dos Dominicanos, conhecidos em Paris por jaco- Execução de Robespierre:
binos porque o seu primeiro convento fundado no século XIII estava situado na rua de Saint-Jacques. fim do “Grande Terror”.
98 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
? Questão QUADRO-SÍNTESE
Principais momentos do período revolucionário em França
1. Qual o significado do
golpe de 18 de Brumário
(1799) para a Revolução 1789 1791 1792 1793 1794 1795 1799 1804 1815
Francesa? Monarquia Constitucional República
Ass. Nacional Ass.
Convenção Diretório Consulado
Constituinte Legislativa Império
República burguesa
República popular • Golpe do 9 de Termidor • Golpe de 18
Revolução Burguesa de Brumário
“Terror” Estabilização do processo revolucionário
• Decretos da noite de 4 de • Comité de Salvação • Constituição do Ano III • Código civil
agosto Pública (1804)
• Declaração dos Direitos do • Tribunal
• Constituição do Ano VIII
Homem e do Cidadão revolucionário
• Constituição Civil do Clero • Política de • Império
• Lei de Le Chapelier descristianização napoleónico
• Constituição de 1791 • Exército popular
(4)
Sans-culottes: à letra, sem calções. Com efeito, vestiam calças e não os calções até ao joelho característicos do
vestuário dos nobres e dos ricos. Usavam ainda um colete (la carmagnole) e um barrete vermelho ornado com uma
pena, inspirado no barrete frígio que os escravos africanos usavam na Roma antiga.
(5)
O Consulado, que substituiu o Diretório, integrava três cônsules provisórios: Siéyès, Ducos e Bonaparte.
Unidade 3 - A geografia dos movimentos revolucionários na primeira metade do século XIX 99
SUMÁRIO
– Vagas revolucionárias liberais e nacionais na Europa pós-napoleónica
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Compreender o fenómeno revolucionário liberal da primeira metade do século XIX como
afirmação da igualdade de direitos e do princípio da soberania nacional sobre o da legiti-
midade dinástica**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Monarquia constitucional**; Soberania nacional**; Sistema representativo**; Estado laico; Sufrágio
censitário
Cronologia
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
1814-1815
Congresso de Viena.
1815
Constituição da Santa
– Vagas revolucionárias liberais e nacionais na Europa pós-napoleónica Aliança e da Quádrupla
Aliança.
Vencida a França e o projeto imperialista napoleónico pela resistência dos povos euro- 1817
peus, nos quais se incluiu Portugal, e pelos exércitos da coligação (Grã-Bretanha, Rússia, Revolta liberal e anti-
-portuguesa em
Áustria e Prússia) organizados na frente comum denominada de Quádrupla Aliança, o Pernambuco (Brasil).
objetivo destas potências era agora restaurar a ordem europeia arruinada por cerca de 1819
Independências da
vinte anos de guerra. Venezuela e da Colômbia
(definitivas em 1830).
Foi com esse fim que se reuniram no Congresso de Viena (1814-1815) os vencedores
1820
de Napoleão (Inglaterra, Rússia, Prússia, Áustria, França, Suécia, Espanha e Portugal). Revoluções liberais em
Portugal, Espanha
A orientação geral do Congresso foi a de restaurar na Europa o princípio da legitimidade
e Nápoles.
monárquica posto em causa pelas ideias liberais revolucionárias e, com base nele, defi- 1821
nir uma ordem jurídica internacional fundada no equilíbrio de forças dos estados. Bolívar liberta o Peru.
1822
Para fiscalizar a sua execução e assegurar a sua eficácia, o Congresso criou um dire- Proclamação da
independência do Brasil.
tório formado pela Quádrupla Aliança, na qual se integraria a França, constituindo-se
1823
deste modo uma espécie de governo da Europa formado pelas cinco grandes potências Doutrina Monroe (EUA).
(Pentarquia). Para conjugar as suas políticas sobre as questões internacionais acordaram 1828
A “Revolução de Julho” em
reunir-se periodicamente em congressos. França: abdicação do rei
Carlos X.
Com idêntico objetivo, por iniciativa do czar Alexandre I, foi assinado pela Rússia, Independência da Bélgica.
Prússia e Áustria um tratado que criou a denominada Santa Aliança. No congresso de 1839-1840
Dissolução da
Troppau (1820), definiu-se o seu método de ação: não reconhecimento dos governos Confederação Centro-
nascidos de movimentos revolucionários (princípio da legitimidade) e intervenção militar -Americana: novos estados:
El Salvador, Honduras,
nos estados em que a autoridade legítima fosse ameaçada (princípio da solidariedade). Nicarágua, Costa Rica
e Guatemala.
O sistema funcionou durante pouco mais de uma década. No entanto, rapidamente foi
1848
posto em causa pelo ressurgimento das rivalidades entre as potências e pelas rebeliões Movimentos
liberais. revolucionários em Paris,
Milão, Veneza, Viena
Uma primeira vaga revolucionária ocorreu entre 1820 e 1824, em Espanha, Nápoles, e Praga.
II República em França
Portugal, Grécia e na América (revoltas das colónias espanholas e do Brasil). (1848-1851).
100 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
Finalmente, no ano de 1848, “o ano das revoluções”, ocorreram praticamente por toda
a Europa (Fig.1) levantamentos populares, barricadas e insurreições tendo como bandei-
ras a liberdade e o nacionalismo. Na origem desta nova vaga de revoluções estão a
pequena burguesia e as classes operárias em luta contra o sistema capitalista por uma
maior justiça social e pela democratização dos regimes liberais, à mistura com aspirações
nacionalistas. Paris, Viena, Berlim, Praga, Buda, Peste, Turim, Milão assistem a fortes
movimentos insurrecionais.
N Revolues N
Pases que conquistaram
a independncia
Mar Agitaes revolucionrias
Irlanda do
1829 Norte Motins
Limites da Confederao
Germnica Estados
Holanda Hanover Unidos
1830 OCEANO
Blgica Hesse Polnia ATLåNTICO
OCEANO 1830 1830-1831
ATLåNTICO 1830 Florida
Mxico Havana
Saxe (1821)
Frana 1830 IMPRIO RUSSO Cuba Porto Rico
Viena (Ind.1828) (EUA 1898)
1830 Sua Prov. Unidas
1830 da Amrica
1848 1847 Venezuela
Veneza Central (1819)
1831 (1824-1838) Colmbia
1848 (1819)
Portugal Mar Equador
1820 Espanha Negro (1822) Imprio
1812 1831 do Brasil
1820 1848 Srvia (1822)
IMPRIO OTOMANO OCEANO Peru
Npoles 1830 PACêFICO (1824) Bolvia
1820 (1825) Paraguai
(1811)
Chile
(1818) Uruguai
Grcia Campanhas de Bolvar (1828)
1821-1829 1819-1824 Argentina
0 250 km Mar Mediterrneo Campanhas de San Martin (1816)
1817-1822
Batalhas decisivas Patagnia
Fig. 1. As revoluções liberais
Fronteiras dos novos
na Europa e o surto Estados 0 2000 km
independentista na América
Latina (primeira metade do
século XIX).
Unidade 4 - A implantação do liberalismo em Portugal 101
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Analisar a interação dos poderes que convergiram no processo revolucionário português**.
– Relacionar a desarticulação do sistema colonial luso-brasileiro e a questão financeira com
a dinâmica de transformação do regime em Portugal*. Cronologia
– Distinguir na persistência das estruturas arcaicas da sociedade portuguesa um fator de
1806
resistência à implantação do liberalismo**.
Napoleão decreta o
Bloqueio Continental
CONCEITOS/NOÇÕES à Inglaterra.
Carta Constitucional**; Vintismo; Cartismo; Setembrismo; Cabralismo 1807-1810
Invasões francesas de
* Conteúdos de aprofundamento Portugal.
** Aprendizagens e conceitos estruturantes 1808
A família real portuguesa
chega ao Brasil.
1815
4.1. Antecedentes e conjuntura (1807-1820) Elevação do Brasil
à categoria de Reino.
Apesar dos obstáculos políticos e das naturais resistências culturais, como o analfa- 1816
betismo e a persistência de uma mentalidade essencialmente conservadora, as ideias Morte de D. Maria I;
D. João VI, rei.
liberais foram-se difundindo no nosso País.
1817
A Maçonaria desempenhou um papel de relevo nessa difusão, apesar de reprimida. Revolta liberal
e antiportuguesa em
As perseguições desencadeadas pelo poder político dificultaram o desenvolvimento das Pernambuco (Brasil).
suas atividades, mas, no início do século XIX, as invasões francesas (1807-1810) vieram Conspiração liberal falhada
em Lisboa: execução de
possibilitar-lhe uma maior liberdade de ação. Para além da Maçonaria e dos militares Gomes Freire.
franceses, os exilados nas grandes capitais europeias, Londres e Paris, em particular, 1818
Fundação do Sinédrio
constituíram outro importante veículo de difusão do liberalismo*, através dos seus escri- (associação secreta
tos e publicações (livros, jornais e panfletos) que faziam introduzir clandestinamente no paramaçónica) no Porto.
País. Alguns destes exilados regressaram a Portugal com as invasões francesas juntando- 1820
Revoluções liberais em
-se aos opositores do regime vigente. Portugal e Espanha.
? Questão Durante este período, a crise económica acentuou-se com as destruições provocadas
pela guerra, com o aumento das despesas militares e com os elevados gastos da corte
1. Como se explica o
descontentamento geral do no Brasil. Ao mesmo tempo, a Grã-Bretanha passou a dispor do governo de Portugal e
país em 1820? o general Beresford exercia o poder de forma autoritária e até violenta, como ficou
patente na repressão da conspiração de 1817 e do seu presumível líder, o general Gomes
Freire de Andrade, grão-mestre da Maçonaria e combatente da Legião Estrangeira de
Napoleão.
A morte de D. João VI (1826) veio criar um problema de difícil resolução. O filho pri-
mogénito, D. Pedro, era o imperador do Brasil. Aclamado em Portugal como D. Pedro IV,
abdicou a favor da sua filha Maria da Glória sob duas condições: o casamento desta com
seu tio D. Miguel e o juramento do novo texto constitucional, a Carta Constitucional* * Carta Constitucional:
(1826), elaborada e outorgada por si. modelo de constituição
formal (escrita), que
De regresso a Lisboa (1828), D. Miguel jura a Carta e assume a regência, mas rapida- é concedida pela Coroa
sem a participação dos
mente esquece os compromissos e restaura a monarquia absoluta. Em 1832, D. Pedro deixa cidadãos e em que a figura
o Brasil, assume a regência em nome de D. Maria II, e lidera o desembarque na metrópole do Monarca assume um
papel mais importante.
do exército liberal reunido nos Açores. A guerra civil (1832-1834) que se lhe seguiu dará a
vitória aos liberais. D. Miguel é obrigado a assinar a Convenção de Évora Monte (1834) e
parte para o exílio. Estava consumado o triunfo definitivo do liberalismo em Portugal.
Todavia, nem o Brasil queria perder o seu estatuto nem D. Pedro a oportunidade de Fig. 1. D. Pedro IV, Rei de
ser rei de um país como o Brasil. Em maio de 1822, D. Pedro foi designado “Defensor Portugal.
perpétuo do Brasil” e, face à reação das Cortes que pretendiam anular as decisões tor-
radas por D. Pedro, este resolveu-se a proclamar a independência do Brasil. Foi o cha-
mado “Grito do Ipiranga”, em 7 de setembro de 1822. Um mês mais tarde, e seguindo
o exemplo do México, era proclamado imperador. Em 1825, Portugal reconheceu formal-
mente a independência desta sua antiga colónia.
* Cartismo: corrente O primeiro texto constitucional português, a Constituição de 1822, jurada pelo rei
conservadora do
liberalismo português que D. João VI após o seu regresso do Brasil, é um documento progressista e democrático,
defendia o modelo de proclama os direitos e os deveres individuais, afirma a soberania da Nação e consagra a
organização política
definido na Carta independência dos três poderes – legislativo (Cortes), executivo (rei e ministros) e judi-
Constitucional de 1826.
cial (juízes). O rei ficava com escassos poderes, dispondo apenas de veto suspensivo na
elaboração das leis. O governo respondia perante as Cortes.
Este modelo de governação liberal estabelecido acabaria por não ter uma realização
? Questão
efetiva, porque os movimentos contrarrevolucionários de Vilafrancada (1823) e Abrilada
1. Compare os textos (1824) levaram o rei a “colocar a Constituição na gaveta”.
constitucionais da
Constituição de 1822 À morte de D. João VI, em 1826, o País continuava a viver uma situação de indefini-
e da Carta Constitucional
de 1826. ção política e iniciava-se uma sucessão algo conflituosa. A clarificação desta situação che-
garia com a outorga da Carta Constitucional de 1826 por D. Pedro.
Esta linha reformadora liberal prosseguiu no governo setembrista* de Passos Manuel, * Setembrismo: fase do
liberalismo português
apoiado na burguesia industrial, no proletariado urbano e na classe média dos comerciantes: entre 1836 (Revolução de
promoveu a reforma no ensino (criação dos liceus nacionais, escolas politécnicas e Setembro) e 1842 (golpe
militar liderado por Costa
médico-cirúrgicas em Lisboa e no Porto e do Conservatório Real de Lisboa); procurou Cabral e pelo Duque da
fomentar a indústria através de uma política protecionista (Pauta Aduaneira de 1837); Terceira), caracterizada
pela restauração dos
apoiou a política de fomento ultramarino impulsionada pelo Marquês de Sá da Bandeira. princípios democráticos do
vintismo.
Em 1842, um novo golpe de estado colocou no poder Costa Cabral e restaurou a
Carta. O “Cabralismo*” prosseguiu a via das reformas no ensino, em especial no ensino
primário (obrigatório dos 7 aos 15 anos), na administração e nos transportes e comuni- * Cabralismo: fase do
liberalismo português
cações.
entre 1842 e 1851 (golpe
político-militar chefiado
Em 1851, um novo golpe de estado, a que se chamou “Regeneração”, pôs fim ao
pelo Marechal-Duque de
regime ditatorial cabralista e à instabilidade decorrente das revoltas populares da Maria Saldanha: movimento da
Regeneração)
da Fonte (1846) e da Patuleia (1847).
protagonizada pelo
ministro Costa Cabral que
restabeleceu a Carta
Constitucional de 1826
QUADRO-SÍNTESE
e governou o País de forma
A implantação do liberalismo em Portugal (1820-1851) autoritária e ditatorial.
1820 21 22 23 24 26 28 32 34 36 42 46 47 1851
RESTAURAÇÃO DO
ABSOLUTISMO CARTIS-
VINTISMO ABSOLUTISMO Setembrismo Cabralismo
MODERADO MO (Miguelismo)
ram-se, entre outros, na denúncia da natureza perversa da escravização, uma luta preju-
dicada pelos poderosos interesses económicos e preconceitos culturais que lhe estavam * Época Contemporânea:
expressão que designa
associados. o período da história mais
recente iniciado pelas
Foi na Época Contemporânea* que o debate se intensificou ligado à filosofia das revoluções liberais e pela
Luzes, partindo do pressuposto fundamental de que todos os homens são naturalmente revolução industrial até
à atualidade.
livres e iguais. Livres, porque no seu “estado de natureza”, isto é, antes da existência
de qualquer autoridade política, ninguém exercia autoridade sobre outrem; e iguais, por-
que a liberdade era pertença de todos. Para além de naturais, os iluministas considera- Cronologia
vam que estas qualidades ou direitos eram universais, isto é, válidos para todos os 1761
homens enquanto seres dotados de razão. Abolição do tráfico de
escravos na metrópole
Esta conceção foi determinante para os progressos da luta pela abolição do tráfico de (Portugal).
1836
escravos e da escravatura nos séculos XVIII e XIX, em países como a França (II República, Proibição do comércio de
1848), os EUA (13.a Emenda à Constituição, 1865) e em Portugal (decreto de Sá da Ban- escravos nas colónias
portuguesas a sul do
deira, 1869). equador.
1861-1865
Guerra de Secessão (EUA).
1869
Abolição da escravatura em
todos os domínios
portugueses, mantendo-se,
no entanto, os escravos
com alguma ligação
“aos senhores” até 1878.
108 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
Nas artes plásticas e arquitetura, nostálgicos da Natureza selvagem levam a cabo uma
renovação da pintura, nomeadamente através da aguarela, onde impera o imaginário e tons
de dramatismo. Inspirados na literatura do passado, exploram com mestria o movimento e
as cores violentamente contrastantes, e os efeitos de claro-escuro emprestam às suas obras
um vigor e dinamismo impressionantes, novos coloridos e novos ritmos, uma mistura do
real com o imaginário. Na arquitetura, o renovado interesse pelas tradições nacionais,
designadamente medievais, e por realidades exóticas inspiraram os revivalismos históricos,
sínteses de tendências que emprestam aos edifícios ecletismo e virtuosismo técnico.
Siéyès, E., Qu’est-ce que le Tiers-État?, in Gothier, L. e Troux, A. (1962), Recueils de Textes d´Histoire.
Art.o 2 – Para ser cidadão ativo é preciso: ter nascido ou ter-se tornado francês; ter completado os 25
anos; estar domiciliado na cidade ou no cantão no tempo determinado pela lei; pagar, (…), uma contribui-
ção direta pelo menos igual ao valor de três dias de trabalho (…); não ser criado de servir; (…).
Art.o 7.o – Ninguém poderá ser nomeado eleitor, se não reunir as condições necessárias (…): nas cidades
com mais de 6000 almas, ser proprietário ou usufrutuário de bens avaliados pelo rol das contribuições num
rendimento igual ao valor de 200 dias de trabalho, ou ser locatário de uma habitação avaliada (…) com o
valor de 100 dias de trabalho (…).
1.1. Explicite as reinvindicações do terceiro estado nas vésperas da Revolução Francesa (documento 1).
1.2. Integre os documentos 1 e 2 na análise do caráter burguês da Revolução Francesa no período consi-
derado (1789-1791).
1808 – Abertura dos portos 1821 – Exigência de regresso da 1789 – Inconfidência Mineira.
brasileiros às “nações família real. 1817 – Revolução de Pernambuco.
amigas”. – Formação de Juntas 1821 – Motins no Pará, Baía e Rio
1809 – Fundação da Biblioteca Real Provisórias de Governo de Janeiro.
do Rio de Janeiro. dependentes da metrópole. 1822 – Proclamação da
1815 – Elevação do Brasil à – Subordinação jurídica e independência do Brasil.
categoria de reino. militar do Brasil. 1825 – Reconhecimento da
1822 – Ordem de regresso de independência por Portugal.
D. Pedro.
110 Módulo 5 - O Liberalismo – ideologia e revolução, modelos e práticas nos séculos XVIII e XIX
Art.o 26 – A soberania reside essencialmente na Nação. Não pode porém ser exercitada senão pelos seus
representantes legalmente eleitos.
Art.o 30 – [Os poderes políticos] são legislativo, executivo e judicial. O primeiro reside nas Cortes com
dependência da sanção do Rei (...). O segundo está no Rei e nos Secretários de Estado, que o exerciam
debaixo da autoridade do mesmo Rei. O terceiro está nos Juízes. Cada um destes poderes é de tal maneira
independente, que um não poderá arrogar a si as atribuições do outro.
Art.o 11.o – Os poderes políticos reconhecidos pela Constituição do Reino De Portugal são quatro: o poder
legislativo, o poder moderador, o poder executivo e o poder judicial. (...).
Art.o 14.o – As Cortes compõem-se de duas Câmaras: Câmara de Pares e Câmara de Deputados. (...).
Art.o 39.o – A Câmara dos Pares é composta de membros vitalícios e hereditários, nomeados pelo Rei e
sem número fixo. (...).
Art.o 59.o – O Rei dará, ou negará, a sanção a cada decreto dentro (...) que lhe for apresentado. (...).
Art.o 65.o – São excluídos de votar (...): # 5.o - os que não tiverem renda líquida anual cem mil réis (...).
2.1. Relacione as decisões aprovadas nas Cortes Constituintes (documento 3) com a independência do
Brasil.
2.2. Analise as dificuldades da implantação do liberalismo em Portugal na primeira metade do século XIX.
Na sua resposta deve ter em conta os seguintes tópicos de desenvolvimento:
– o contexto histórico da Revolução Liberal de 1820;
– a reação absolutista;
– as divergências entre os liberais.
Para além dos seus conhecimentos, deve integrar na sua resposta os dados dos documentos 3 a 6.
Unidade 1 - As transformações económicas na Europa e no Mundo 111
Contextualização
Cronologia
A revolução industrial que teve origem na Inglaterra no século XVIII estende-se gradualmente
a novos países ao longo do século XIX, ao mesmo tempo que evolui em termos qualitativos. 1851
O desenvolvimento da industrialização induziu profundas alterações na organização das Primeira Exposição
sociedades e nas relações sociais: a burguesia industrial e financeira reforçou o seu poder Mundial, no Palácio de
Cristal, em Londres.
económico, em grande parte à custa da exploração do proletariado industrial; as classes Máquina de costura de
médias adquiriram peso social e político. Singer.
A extrema precaridade das condições de vida e de trabalho do proletariado suscitou o apa- 1854
recimento das propostas socialistas de transformação revolucionária da sociedade. Sainte-Claire Deville isola
o alumínio.
O liberalismo revolucionário oitocentista despertou os nacionalismos* e gerou o movimento
1856
das nacionalidades caracterizado por uma dupla face: a valorização do Estado-Nação e o Patente do forno elétrico
desenvolvimento de tendências imperialistas. de Siemens.
Em Portugal, depois de uma fase de permanente instabilidade e conflitualidade ideológica Patente do conversor do
inglês Bessemer para
em nada favorável ao arranque industrial, a Regeneração (1851) representou o início de uma o fabrico do aço.
fase de maturidade e de maior realismo bem mais propícia ao desenvolvimento económico 1858
do país. No entanto, as dificuldades políticas e económicas dos finais do século precipitaram Exploração do petróleo na
a queda da monarquia e o triunfo do republicanismo. Pensilvânia (EUA).
As transformações da civilização industrial alteraram também as condições da produção cul- 1866
Descoberta da dinamite
tural e estão na origem do movimento de renovação no pensamento e nas artes de finais do pelo norueguês Nobel.
século XIX/princípios do século XX. 1869
Descoberta do dínamo
elétrico pelo belga
Unidade 1 As transformações económicas na Europa e no Mundo Gramme.
1876
Invenção do telefone pelo
SUMÁRIO
americano Bell.
1.1 A expansão da revolução industrial 1879
1.2. A geografia da industrialização Invenção da lâmpada
1.3. A agudização das diferenças* elétrica de filamentos pelo
americano Edison.
APRENDIZAGENS RELEVANTES 1887
– Relacionar a dinâmica do crescimento industrial com o caráter cumulativo dos progressos Registo da patente
técnicos e a exigência de novas formas de organização do trabalho. do motor de explosão
do alemão Daimler.
– Relacionar os desfasamentos cronológicos e ritmos da industrialização com as relações 1888
de domínio ou de dependência estabelecidas a nível mundial**. Patente do pneumático
– Reconhecer as características das crises do capitalismo liberal. do escocês Dunlop.
1895
CONCEITOS/NOÇÕES Descoberta do raio-X pelo
Progressos cumulativos; Capitalismo industrial**; Estandardização; Livre-cambismo; Crise cíclica alemão Röntgen.
Marconi realiza a primeira
* Conteúdos de aprofundamento ligação telegráfica sem
** Aprendizagens e conceitos estruturantes fios.
112 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
* Progressos cumulativos:
logias a elas associadas provocou alterações no modo de produção industrial de tal
inovações que ocorrem em forma significativas que se pode falar de uma “segunda revolução industrial”.
paralelo e/ou resultam de
outras num processo de A ligação laboratório-fábrica esteve também na origem do desenvolvimento de várias
interação e/ou de adição.
ciências, como a Química (corantes artificiais, explosivos, produtos farmacêuticos, fertili-
A partir de meados do século XIX, os pequenos bancos privados vão dando lugar a ban- Cronologia
cos de maior dimensão, organizados segundo o modelo empresarial de sociedades por
1849-1873
ações*. Este novo tipo de bancos, denominados em França por banques d´affaires e na Conjuntura económica
europeia de expansão.
Grã-Bretanha por joint stock banks, ocupa-se em primeiro lugar do crédito à indústria e só
1852
depois das operações bancárias tradicionais. No último quartel do século, acompanhando Criação do Crédit Mobilier.
a tendência verificada no setor industrial, o sistema bancário tende para a concentração. 1855
Fundação do Creditanstalt
Em França, o Crédit Mobilier dos irmãos Pereire, o Crédit Lyonnais (1863) e a Société Bank (Viena).
1863
Générale (1864) são os exemplos mais importantes de uma “haute-banque” especializada Fundação do Crédit
no crédito à indústria e aos grandes empreendimentos. Na Grã-Bretanha, sobressai o Lyonnais.
Loyds Bank de Londres, na Alemanha, o banco dos Rothschild e o Bank für Händel und 1864
Criação da Société Générale.
Industrie (1853). 1874-1896
Conjuntura económica
A grande produção industrial passou deste modo a estar associada à banca e a viver europeia de recessão.
na dependência da alta finança. O capitalismo industrial* triunfa, colocando-se na lide- 1886
Criação da Peugeot.
rança da economia.
(2)
Zollverein (1834-1870): união aduaneira entre a maioria dos estados alemães criada por iniciativa da Prússia e do
seu chanceler Bismark.
Unidade 1 - As transformações económicas na Europa e no Mundo 115
O Japão foi o único país asiático que iniciou o processo de industrialização no século
XIX, fazendo-o através de um modelo de autodesenvolvimento industrial, imposto “de
cima para baixo”. O grande obreiro da transformação do Japão, um país agrícola e atra-
sado, pobre em recursos naturais e territorialmente exíguo, numa potência económica
moderna e competitiva foi o imperador Mutsu-Hito (1852-1912) que iniciou a chamada Era
Meiji ou Restauração Meiji(6) (1868-1912). A partir de 1854-1858, iniciou a abertura
Fig. 2. Um navio da frota
(controlada) do país ao exterior (Fig. 2) e introduziu reformas políticas, adotando um sis- americana no porto de
tema constitucional e o princípio da igualdade de todos perante a lei. Tóquio, em julho de 1853.
(3)
O primeiro tinha sido o Sacro-Império Romano.
(4)
A Luisiana foi comprada à França em 1803; a Florida, à Espanha em 1819; o Texas, anexado em 1845; Washington e
Oregon, tornaram-se americanos depois de um acordo com o Canadá em 1846; a Califórnia e o Novo México integra-
dos depois da guerra de 1846-1848 com o México. Os EUA têm a dimensão da Europa (9 363 000 km2) e só são exce-
didos pela Rússia, Canadá e China.
(5)
A ocupação do Oeste fez-se na base do homestead, a parcela de 65 hectares oferecida gratuitamente a qualquer
adulto que aí residisse durante 5 anos.
(6)
“Meiji” significa em japonês, “luzes” ou “progresso”.
116 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
Produção artesanal Produção mecanizada – as pequenas unidades de produção de tipo familiar que empregam
tradicional grande indústria uma mão de obra muito pouco ou nada especializada e laboram com
• Dispersão das oficinas • Concentração da métodos de fabrico tradicionais e de fraca produtividade veem dimi-
e fraca divisão do produção e de mão de nuir seriamente as suas capacidades competitivas e muitas não sobre-
trabalho obra (cada vez mais)
especializada. vivem.
• Fontes de energia • Adoção de técnicas de O desenvolvimento da industrialização e do capitalismo não podia
pouco eficazes (força produção mecanizada.
muscular e hidráulica) deixar de se fazer sentir nos campos. O processo de transformação das
e manipulação de
estruturas agrárias – designado por “revolução agrícola” – induziu
instrumentos.
aumentos de produtividade e de rendimentos das culturas e da cria-
• Investimentos • Investimentos
reduzidos avultados. ção de gado. Mas, o ritmo e a profundidade dessas transformações
• Consequências: • Consequências: não foram iguais nem gerais na Europa, variando segundo os países e
produção limitada, produção cada vez
as regiões: no noroeste europeu, o mundo rural modernizou-se e pros-
fracos lucros, poucos maior, tornando
benefícios sociais. possível a realização perou; na Europa continental e mediterrânica, continuou limitado por
de grandes lucros e o
alargamento dos
estruturas arcaicas, feudalizantes.
benefícios sociais.
O desenvolvimento da industrialização revolucionou também o
comércio: o caminho de ferro aproximou os mercados, intensificou as trocas e permitiu
a venda por correspondência. Mas as formas tradicionais do comércio, nomeadamente
os vendedores ambulantes e as feiras, continuaram a ter um papel importante no abas-
tecimento das populações.
Unidade 1 - As transformações económicas na Europa e no Mundo 117
Estes princípios fundamentais do liberalismo económico, que se traduziram no laissez * Livre cambismo: princípio
faire, laissez passer, foram também aplicados nas relações económicas internacionais. do liberalismo económico
segundo o qual o comércio
Para obter um maior grau de vantagens cada um dos países deveria especializar-se na livre entre as nações, isto
produção dos bens em que tem vantagem, em cuja produção é mais eficiente, isto é, que é, liberto da interferência
do Estado e de barreiras
produz melhor ou mais barato (princípio da vantagem absoluta). É o ponto de partida de qualquer espécie,
para a defesa do livre cambismo*. As trocas comerciais – e a circulação dos meios de é a melhor política
comercial, aquela que
pagamento e os investimentos de capitais – devem ser livres, libertos de constrangimen- maior bem-estar
tos ou obstáculos, e realizar-se exclusivamente por iniciativa e ação de agentes privados. proporciona às sociedades.
– As crises do capitalismo
A história do capitalismo mostra-nos que o formidável crescimento económico que ele ? Questão
suscitou não se processa de uma forma linear mas numa sucessão de ciclos económicos 1. Identifique os mecanismos
de duração variável(7), constituídos por um período de expansão ou prosperidade que- autorreguladores num
mercado livre e explicite
brado por uma crise, responsável pelo período de recessão ou depressão que se lhe
o seu funcionamento.
segue. Finalmente, dá-se a recuperação que lança a economia numa nova fase de expan-
são e dá início a um novo ciclo económico(8).
(7)
Na evolução do capitalismo distinguem-se ciclos curtos ou de Kitchin (de 3 a 5 anos), ciclos médios ou de Juglar
(de 6 a 10 anos) e ciclos longos ou de Kondratieff (de 40 a 50 anos). As tendências seculares de alta ou de baixa
denominam-se de trends.
(8)
O indicador utilizado pelos economistas para determinar as fases de um ciclo económico é o movimento dos preços.
Por isso, também se denomina o período de expansão por Fase A ou de alta de preços e o de recessão por Fase B ou
de baixa de preços.
118 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
? Questão BçLTICO
matrias-primas INGLATERRA dinheiro çSIA
FRANA
dinheiro Txteis
arm
Txteis
1. Descreva o padrão
ufatu s
as
serv
ura
ras
ios
fog
nu
servios
comerciais entre as
ma
o,
, ma
man
se
potências industrializadas
rvi
nufa
o
, manuf
e entre as regiões/países
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APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Relacionar o papel da burguesia, como nova classe dirigente, com a expansão da indús-
tria, do comércio e da banca**.
– Identificar as oportunidades oferecidas pelo capitalismo oitocentista à formação de uma
nova classe média**.
– Reconhecer, nas formas que o movimento operário assumiu, a resposta à questão social
do capitalismo industrial**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Explosão demográfica**; Profissões liberais; Consciência de classe; Sociedade de classes**; Proleta-
riado; Movimento operário**; Socialismo**; Marxismo**; Internacional operária
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
1. Que problemas Para solucionar ou atenuar estes problemas, a intervenção dos poderes públicos tor-
urbanísticos colocou nou-se inevitável. Na segunda metade do século XIX, o urbanismo e as suas propostas
o fenómeno do crescimento
das cidades do século XIX? de remodelação das áreas urbanas vão transformando, a um ritmo dependente da con-
juntura económica, a fisionomia das grandes cidades(1).
Relativamente aos primeiros, para além das migrações sazonais, o movimento migra-
tório mais significativo foi o êxodo rural, estimulado por fatores de repulsa (superpovoa-
mento, pobreza) e de atração (apelo irresistível da vida urbana).
(1)
O plano de remodelação urbanística de Paris, executado pelo barão Haussmann entre 1850-70, constituiu o modelo
deste novo urbanismo assente em princípios estéticos e de racionalidade.
Unidade 2 - A afirmação da sociedade industrial e urbana 121
do Antigo Regime.
– Valores e comportamentos
O prestígio dos nomes e o brilho do modo de vida da velha aristocracia cativaram
uma grande parte das elites burguesas que, sem uma verdadeira consciência de classe,
começaram por adotar o padrão de vida da velha aristocracia, copiando-lhe os gostos e
os hábitos requintados, incluindo as práticas filantrópicas (caridade) através das quais a
alta burguesia busca o reconhecimento social.
Todavia, à medida que vai adquirindo consciência da dimensão do seu sucesso e dos
meios necessários para o manter, a alta burguesia faz questão de proclamar a superiori-
dade de determinados valores que considera seus e que lhe abriram as portas do êxito:
122 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
(2)
A imagem do self-made man, o homem de sucesso que se faz por si próprio, contando exclusivamente com o seu
esforço e talento, sem favores ou ajudas externas, serviu à burguesia sobretudo para justificar as desigualdades
sociais: a riqueza e o poder dependeriam do talento individual pelo que estariam ao alcance de todos.
Unidade 2 - A afirmação da sociedade industrial e urbana 123
O crescimento das classes operárias e a extrema miséria social e moral em que viviam, 1834
agravada para além dos limites possíveis nas fases de depressão económica e pelo cres- Fundação da União
Nacional de Sindicatos
cimento demográfico, levou os operários a tomar gradualmente consciência da sua con- (Inglaterra).
dição operária e a encetar esforços de organização no sentido de lutar pela defesa do 1841
Fundação do Sindicato dos
que considerava serem os seus interesses, dando forma ao que a historiografia designa Mineiros, em Inglaterra.
por movimento operário*. 1848
Manifesto do Partido
As primeiras reações operárias até meados do século XIX inscrevem-se ainda no Comunista, por K. Marx e
F. Engels.
modelo de tumulto popular tradicional, revoltas localizadas, sem ideologia definida, sem
1864
organização formal, cujas formas mais generalizadas são a greve ou recusa ao trabalho Fundação da Associação
e a destruição da maquinaria industrial, tida como responsável pela desvalorização do Internacional dos
Trabalhadores
seu trabalho e consequente quebra dos seus salários e o desemprego. Em Inglaterra, (“I Internacional”).
onde estas reações são mais violentas e generalizadas, fez-se notar, na segunda década 1871
Proclamação da Comuna
do século XIX, o movimento dos ludds ou luddites(3).
de Paris.
Legalização das Trade
O fracasso destas reações espontâneas, anárquicas, vai convencer os operários da Unions, em Inglaterra.
necessidade de concentrar esforços na organização de um movimento operário forte e 1889
estruturado. As primeiras organizações operárias são ainda inspiradas nos princípios e Fundação em Paris da
II Internacional.
objetivos mutualistas das velhas corporações de ofícios do Antigo Regime. 1895
Fundação da Confederação
O movimento operário de caráter sindical ou de classe surge na Grã-Bretanha. Tendo Geral dos Trabalhadores
sido o primeiro país a industrializar-se, é também o primeiro a reconhecer a liberdade de (CGT), em França.
Cronologia Em Inglaterra, Robert Owen (1771-1858) procurou fazer das suas empresas modelos
de harmonia e de justiça nas relações laborais: reduziu os horários de trabalho e promo-
1872
Fundação da Associação veu a educação e instrução dos trabalhadores; propôs a formação de cooperativas de
Fraternidade Operária produção e de consumo.
Portuguesa.
Primeiras greves em Lisboa. Em França, Saint-Simon, Charles Fourier, Louis Blanc e Proudhon (1802-1864), este o
1875
Fundação do Partido mais ousado, condenou o lucro obtido à custa dos esforços suplementares do trabalha-
Socialista Português. dor e o juro como contrários à justiça e considerou o Estado inútil, declarando-se, por
1884 isso, “anarquista”.
Partido Operário Belga.
1888
Partido Socialista Operário O socialismo revolucionário
Espanhol.
1889
Partindo do princípio de que o capitalismo é, essencialmente, um regime de explora-
Fundação da II Internacional. ção humana e que o capital e o trabalho são inconciliáveis, Karl Marx (1818-1883)(Fig. 2)
1890 incita o proletariado(4) à união e à insurreição com vista à tomada do poder. A este ato
As primeiras
comemorações do 1.o de revolucionário seguir-se-ia numa primeira fase a ditadura do proletariado que dirigiria o
maio. processo da supressão do sistema económico e social capitalista e instalaria as bases de
1892
Partido Socialista Italiano. um sociedade sem classes nem exploração. Numa segunda etapa, fase superior do comu-
nismo, o Estado dissolver-se-ia e surgiria uma sociedade nova, harmoniosa, assente no
princípio de “a cada um segundo as suas necessidades”.
(4)
Proletariado: termo utilizado por Marx para caracterizar o trabalhador do século XIX livre, desprovido de propriedade
ou de qualquer outra fonte de rendimento, que não seja a sua força de trabalho que é obrigado a vender por um preço
(salário).
Unidade 3 - Evolução democrática, nacionalismo e imperialismo 125
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Identificar os progressos do processo de democratização dos regimes liberais ao longo do
século XIX e princípios do século XX.
– Relacionar o movimento das nacionalidades com a ideologia liberal.
– Relacionar as rivalidades e a partilha imperiais com os interesses políticos e económicos
das grandes potências.
CONCEITOS/NOÇÕES
Demoliberalismo**; Imperialismo**; Colonialismo**; Nacionalismo
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
(1)
No final da época da rainha Vitória (1819-1901), os ingleses orgulhavam-se de que ela governava um império “no qual
o Sol nunca se punha”, o que era efetivamente verdade.
Unidade 3 - Evolução democrática, nacionalismo e imperialismo 127
concorrência pelo controlo de novos territórios e mercados (Fig. 1). No Oriente, depois Cronologia
da China (1842) e o Japão (1853) terem sido forçados a abrir os seus portos ao comér-
1840-1842
cio ocidental, os Franceses expandiram o seu domínio no sudeste asiático (Indochina). Guerra do Ópio: abertura da
Na Ásia Central, a Rússia estendeu o seu domínio à custa de novas anexações territoriais China ao comércio com o
Reino Unido.
e esforçou-se por realizar o seu velho sonho de abrir um acesso direto ao Mediterrâneo, 1853
objetivo que esteve na origem do conflito com a Turquia (Guerra da Crimeia, 1853- O americano Perry entra no
porto de Tóquio à frente de
-1854)(2). Em África, assistiu-se a uma escalada sem precedentes desenhada pela Confe- uma frota naval exigindo
rência de Berlim (1884-1885), à medida dos interesses das antigas (Grã-Bretanha e França) a abertura do Japão ao
comércio ocidental.
e das novas potências europeias (Itália e a Alemanha). 1853-1854
Guerra da Crimeia entre a
Na origem da intensificação de um colonialismo* imperialista europeu (e norte-ameri- Rússia e a Turquia.
cano) que nada parecia deixar escapar estão a aquisição e controlo das fontes de maté- 1862
França consolida o seu
rias-primas, de novos mercados consumidores, o investimento do capital excedente e domínio colonial em África
ambições neocoloniais. (Senegal e Argélia).
1867
No início do século XX, as relações internacionais estavam longe da estabilidade de Rússia vende o Alasca
e as ilhas Aleutas aos EUA.
algumas décadas atrás. As rivalidades políticas e económicas, as tensões nacionais e
1868
étnicas e a corrida armamentista tornavam a ordem internacional extremamente instável. Mutsu-Hito inicia a
O primeiro conflito mundial não tardaria. modernização/ocidentalização
do Japão.
1884-1885
Conferência de Berlim:
partilha da África entre as
potências europeias.
Fig. 1. Soldados das 1890
”Grandes Potências do Ultimato inglês a Portugal.
Mundo” (da esquerda para 1904-1905
a direita): Japão, EUA, Guerra russo-japonesa.
Alemanha, Grã-Bretanha,
França, Rússia, Itália e
Áustria-Hungria. * Colonialismo: designa
a expansão comercial e/ou
N territorial praticada por
Marrocos Mar Mediterrneo
çsia Em 1878 Em 1879-1890
Britnico
companhias comerciais ou
Arglia
Tunsia Francs por estados, assim como o
Rio de Ouro Egito Portugus processo ou formas
Alemo de dominação política,
Belga
Senegal económica e cultural
Uadai Eritreia Somlia
Sokoto Bomu Italiano
Gmbia Madl britnica
Espanhol utilizadas.
Samori Abissnia
Serra Ashanti
Leoa Camares Somlia
Togo italiana Estados africanos
Libria Costa do
Ouro Lagos Estado Boer
Congo çfrica oriental Imprio Otomano
Congo belga britnica
francs çfrica oriental
alem
Angola
Mashona
Moambique
Sudoeste Matabele
africano
OCEANO alemo Botswana
ATLåNTICO Boers
OCEANO
êNDICO
(1)
Nos inícios dos anos 50, este grande monumento industrial seria demolido.
(2)
Em 1890 atingia cerca de 600 000 contos, tendo aumentado à média de 11 000 contos por ano desde 1855. A dívida
pública por habitante (107 000 réis) era a segunda maior da Europa, depois da francesa (125 000 réis), e uma das
maiores do Mundo.
130 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
Esta falta de dinheiro pode ser explicada pela conjugação de um conjunto de fatores:
uns de natureza interna, como a “política de endividamento” externo do fontismo, o
aumento das importações, o crescimento da dívida pública, os excessivos gastos da
governação, a crise vinícola, a desvalorização da moeda portuguesa face à libra; outros
tinham origem na conjuntura internacional de recessão económica (1873-1896), como a
concorrência externa, a quebra das remessas dos emigrantes no Brasil, as dificuldades
de obtenção de crédito nas praças estrangeiras...
(3)
O regresso ao protecionismo era, de resto, uma política que vinha sendo adotada pela generalidade dos países
europeus (com exceção da Inglaterra) desde o início do último quartel do século XIX.
(4)
As pretensões coloniais de Portugal (“mapa cor-de-rosa”) colidiram com a ambição britânica e o objetivo do seu
então primeiro-ministro Cecil Rhodes de unir o Egito ao Cabo.
Unidade 4 - Portugal, uma sociedade capitalista dependente 131
(5)
Adiantamentos à Casa Real: verbas adiantadas pelos governos à família real, a pretexto de ser insuficiente a dota-
ção oficialmente estabelecida.
(6)
Expulsão dos Jesuítas e encerramento dos conventos, reconhecimento do direito à greve, Lei do Inquilinato (1910);
reorganização da assistência pública (1911); obrigatoriedade do casamento civil e o estabelecimento do divórcio, cam-
panha contra o analfabetismo, criação do ensino infantil e reforma do ensino primário (1911); separação entre o Estado
e a Igreja Católica, regulação do horário de trabalho (1915).
132 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Caracterizar o movimento de renovação no pensamento e nas artes nos finais do século
XIX/princípio do século XX**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Positivismo; Cientismo; Impressionismo; Realismo; Simbolismo; Arte Nova
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
* Cientismo: crença
ilimitada nas capacidades
da ciência para resolver os
problemas e promover – A confiança no progresso científico
o progresso das sociedades
humanas. Deste modo, No século XIX a ciência e a tecnologia evoluem a par e passo, levando muitos euro-
a utilização do método das
ciências da Natureza e das peus a acreditar que viviam numa época de progresso sem fim e antevendo uma nova
matemáticas seria Idade de Ouro cada vez mais próxima. É o tempo do Cientismo*. Um número cada vez
imprescindível para validar
qualquer teoria ou maior de intelectuais considerava a ciência como a maior realização do espírito humano
doutrina. e o seu método, o método científico, como o caminho certo e eficaz para enfrentar e
equacionar todos os problemas.
* Positivismo: sistema
nova ciência a que se chamou Sociologia. O estudo da evolução física do homem, dos
filosófico criado por tipos humanos existentes, das culturas pré-históricas e das instituições e costumes pri-
Augusto Comte, de caráter
empirista e antimetafísico,
mitivos deu origem ao nascimento da Antropologia, fundada por J. Prichard (1786-1848)
que recusa qualquer tipo e E. Tylor (1832-1917). A Psicologia desligou-se da Filosofia e tornou-se uma ciência autó-
de juízo de valor não
expresso numa certeza noma, conhecendo então uma grande notoriedade e desenvolvimento graças aos contri-
científica. butos do russo Pavlov (1846-1924) e Freud (1856-1939).
Unidade 5 - Os caminhos da cultura 133
A consciência das sociedades europeias de que a instrução era uma condição indis- 1850
pensável ao funcionamento regular dos regimes democráticos trouxeram para o primeiro Verdi: Rigoletto.
Courbert: Enterro em
plano a questão do ensino público. Com efeito, a democratização política passava pela Ornans.
extensão do sufrágio às classes mais baixas da população, em regra sem instrução, pelo Charles Dickens: David
Copperfield.
que se tornava imprescindível a generalização da instrução pública de modo a formar
1857
cidadãos e decisores esclarecidos. Baudelaire: As Flores do
Mal.
Mas a universalidade do ensino implica a sua obrigatoriedade e também a gratuiti- Flaubert: Madame Bovary.
dade, já que se se pretende que todos tenham acesso ao ensino terá de ser o Estado 1866
Júlio Verne: Da Terra à Lua.
ou as coletividades públicas a assumir as respetivas despesas. Dostoievsky: Crime
e Castigo.
Em Portugal, a reforma do ensino em 1844 estabeleceu a obrigatoriedade de frequên-
1869
cia do ensino primário para as crianças dos 7 aos 15 anos. No entanto, esta medida aca- Tolstoi: Guerra e Paz.
bou por não ter grande eficácia por falta de escolas e de professores habilitados e a 1872
Monet: Impressão
questão da universalidade do ensino prolongar-se-ia no tempo. Sol-Nascente.
1874
Primeira exposição dos
– O interesse pela realidade social na literatura e nas artes – as novas impressionistas.
correntes estéticas na viragem do século 1883
Antoní Gaudí: início das
obras da Igreja da Sagrada
O Realismo* Família (Barcelona).
1888
Entre 1830 a 1870 a cultura na Europa Ocidental é atravessada por uma corrente dire- Van Gogh: Os Girassóis.
tamente relacionada quer com os acontecimentos sociais e políticos e avanços científi- 1889
cos quer com as exigências de uma moral renovada. É neste contexto que se afirma o Richard Strauss: Dom Juan
(poema sinfónico).
Realismo, uma tendência dominante na literatura e nas artes ocidentais de cerca de 1830
1893
ao início da I Grande Guerra (1914-1918). Tchaikovsky: Sinfonia n.o 6
em Si Menor.
O Realismo é acima de tudo um protesto contra o sentimentalismo e as fantasias dos
românticos. Os realistas olham e descrevem a vida não em função de um ideal emotivo
* Realismo: corrente
mas de acordo com a realidade tal como ela era analisada e descrita pela ciência e pela literária e artística
filosofia. Interessam-se em particular pelos problemas psicológicos e sociais, analisando caracterizada pela procura
da representação fiel da
minuciosamente o comportamento humano. Observar a realidade contemporânea e repro-
Natureza (realidade) de um
duzi-la com sinceridade é, para estes artistas, o único processo de dar forma a uma modo preciso e objetivo,
necessidade de regeneração e de progresso social. sem qualquer preocupação
de disfarçar o que possam
Em França, que foi o país onde este movimento cultural eclodiu e onde mais profun- ter de feio ou chocante.
* Impressionismo: O Impressionismo*
movimento estético que
procura traduzir as Privado de manifestos e de formulações teóricas, o Impressionismo não se apresenta
impressões imediatas dos
sentidos, as sensações do
nem como uma escola nem como um movimento homogéneo de artistas que se reco-
momento, o fugidio, o nhecem numa teoria. Na realidade, trata-se de um encontro entre personalidades artísti-
instante. Tecnicamente,
a pintura impressionista cas profundamente diferentes, unidas pelas mesmas formas de sentir e pelo idêntico
é caracterizada por anseio de se apresentarem fora dos meios da arte oficial dos salões, abertos apenas a
pinceladas pequenas
e rápidas, pela dissolução pintores académicos e bem aceites pela crítica. Trata-se de uma pintura que exprime um
das formas e do volume novo gosto, uma forma pessoal de reproduzir o visível em termos espontâneos, liberta
e pela utilização de cores
primárias. da literatura e dos símbolos, desvinculada dos cânones tradicionais da pintura comemo-
rativa. Nascida do naturalismo e continuadora do realismo, a pintura impressionista
modifica a estrutura artística tradicional porque revoluciona nos seus princípios o modo
de exprimir a realidade visível, desligando-a da representação fiel da natureza para repro-
duzir antes a sua verdade percetível e sensível.
Símbolo do novo modo de vida de uma sociedade urbana e industrial, de gostos refi-
nados, a Arte Nova é reconhecível nas grandes cidades nas entradas/saídas dos metro-
politanos, em edifícios de estruturas simples e de fachadas rasgadas e onduladas. Mas
a Arte Nova não se restringe à arquitetura. Os seus artistas foram defensores da unidade
das artes. Por isso, a Arte Nova tem realizações nos mais variados domínios, como a joa-
lharia, as artes gráficas e o mobiliário.
O papel da Geração de 70
No domínio das letras, as três últimas décadas do século XIX ficaram marcadas por
um importante movimento de renovação das ideias e dos modelos literários a que se
convencionou chamar Geração de 70. Este movimento, inspirado em correntes culturais
estrangeiras, iniciou-se em Coimbra, com a denominada “Questão Coimbrã” (1865), que
teve em Antero de Quental e Teófilo de Braga as suas principais figuras.
Em 1871, Antero e alguns dos seus companheiros de Coimbra a que se associaram, entre
outros, Oliveira Martins e José Fontana, constituíram um grupo mais alargado, o Cenáculo,
cuja realização mais importante foi a organização de um ciclo de conferências em Lisboa,
no Casino Lisbonense, com o propósito de “estudar as condições de transformação polí-
tica, económica e religiosa da sociedade portuguesa.” O Governo acabaria por proibi-las.
Na Arquitetura
Na arquitetura assiste-se na segunda metade do século XIX ao revivalismo das formas
medievais, uma das formas encontradas pela burguesia liberal para expressar a rotura
face ao passado recente.
No caso português foi a própria monarquia que começou por dar o exemplo com o
grande projeto do Palácio da Pena (1840-1847), em Sintra, uma iniciativa de D. Fernando,
marido de D. Maria II. Do neogótico ao neomourisco, passando por sugestões indianas
e pelo manuelino, tudo se encontra ali presente.
Alemanha 2,9
Desde que entre os homens se mantenha a concorrência; se, por acaso, havendo concorrência, um
desequilíbrio se torna ameaçador, imediatamente se produz um movimento de preços: as mercadorias pro-
duzidas em excesso baixam, o que desalenta a sua produção; aquelas que, pelo contrário, são mais pro-
curadas que oferecidas, veem o seu preço elevar-se, o que estimula a sua produção; desta forma o equi-
líbrio realiza-se por si mesmo (...).
Em suma, desde que se mantenha a concorrência, todo o indivíduo que busca o seu interesse pessoal
é levado, quer queira quer não, a servir o interesse geral, e a atividade de todos é de tal ordem, que a
ordem, a justiça e o progresso ficam assegurados.
Adam Smith (1776), A Riqueza das Nações.
Penso, portanto, que uma socialização bastante ampla do investimento será o único meio de assegurar
uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajustes e
fórmulas que permitam ao estado cooperar com a iniciativa privada (...).
Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. As indispensáveis medi-
das de socialização podem ser introduzidas por etapas, sem afetar as tradições gerais da sociedade.
J. M. Keynes (1977), Théorie Générale, Paris, Petite Bibliothèque, p. 132.
1.2. Distinga as conceções económicas presentes nos documentos 2 e 3, nomeadamente em relação aos
seguintes aspetos:
– iniciativa individual;
– intervenção do Estado;
– equilíbrio da economia.
138 Módulo 6 - Economia e sociedade; nacionalismos e choques imperialistas
Homens de hábitos laboriosos, vós que sois a parte mais honesta, mais útil e mais preciosa da socie-
dade, que produzis toda a riqueza e toda a ciência, vós formastes e estabelecestes o Grande Sindicato
Nacional Unificado da Grã-Bretanha e Irlanda e que será a salvaguarda do mundo (...). Graças a este exem-
plo benéfico, a maior revolução alguma vez realizada na história da raça humana começará, efetuar-se-á
rapidamente e desabrochará no mundo inteiro sem efusão de sangue, sem violência, sem males de qual-
quer espécie, simplesmente sob o efeito de uma influência moral irresistível.
Robert Owen, “À população do mundo”, in História, Revolução e Civilização Urbanas, p. 150.
A história de toda a sociedade até aos nossos dias não é mais do que a história da luta de classes
(...). A sociedade burguesa moderna, gerada na ruína da sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de
classes. (...) Cada vez mais a sociedade se divide em duas classes diametralmente opostas: a burguesia e
o proletariado (...). O proletariado de cada país deverá, em primeiro lugar, conquistar o poder político, eri-
gir-se em classe dirigente da nação, constituir-se ela própria como nação. Os comunistas proclamam aber-
tamente que os seus fins só poderão ser atingidos pela transformação violenta de toda a ordem social (...).
Que as classes dirigentes tremam à ideia de uma revolução comunista. Os proletários não têm nada a per-
der, senão as cadeias. Têm um mundo a ganhar. Proletários de todos os países, uni-vos!
K. Marx e F. Engels (1848), Manifesto do Partido Comunista.
2.2. Integre os documentos 4 e 5 numa caracterização global da sociedade industrial europeia oitocentista.
2.3. Tendo em conta os dados dos quadros 1 e 2 (doc. 6), explique a evolução da indústria portuguesa na
segunda metade do século XIX.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 139
Contextualização
Após o grave confronto da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) pareciam estar criadas as
condições para uma paz duradoura entre as nações, apesar das dificuldades de recuperação
económica que se anteviam. A vitória dos Aliados foi também a vitória da democracia. A cria-
ção da Sociedade das Nações expressava a vontade de se edificar uma nova ordem interna-
cional assente na superioridade do Direito sobre a força.
No entanto, tratava-se de uma situação precária e instável. A profunda crise económico-
-financeira de 1929 a que o Mundo teve de fazer frente nos anos 30, a crise das democracias
liberais, a emergência das ideologias fascistas e dos regimes totalitários e a agudização das
tensões internacionais precipitaram a Europa e o Mundo num novo conflito (1939-1945),
ainda mais devastador do que o anterior.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Compreender o corte que se opera na mentalidade confiante e racionalista da sociedade
burguesa de início do século XX**.
– Reconhecer como principais vetores da mudança cultural, no limiar do século XX, a emer-
gência do relativismo científico, a influência da psicanálise e a rutura com os cânones
clássicos da arte europeia**.
– Compreender a expansão de regimes autoritários como reflexo do problema do enquadra-
mento das massas na vida política**.
– Compreender os condicionalismos que conduziram à falência do projeto político e social da
1.a República**.
CONCEITOS/NOÇÕES
Soviete; Ditadura do proletariado; Centralismo democrático; Comunismo; Marxismo-leninismo**;
Anomia social; Feminismo; Relativismo; Psicanálise; Modernismo**; Vanguarda cultural**; Expressio-
nismo; Fauvismo; Cubismo; Abstracionismo; Futurismo; Dadaísmo; Surrealismo
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
140 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Setembro – Tratado de O primeiro foi resolvido através dos tratados de paz (que ignoraram e tomaram sem
Saint-Germain. efeito o tratado de Brest-Litovsk assinado pela Rússia e pela Alemanha em março de
Novembro – Tratado de 1918) negociados entre 1919 e 1920 pelos representantes das potências vencedoras, reu-
Neuilly. nidos de janeiro a junho de 1919 na Conferência de Paris(1), liderada pelo presidente dos
1920 EUA (Woodrow Wilson) e pelos primeiros-ministros do Reino Unido (Lloyd George) e da
Junho – Tratado de Trianon.
França (Georges Clemenceau).
Agosto – Tratado de
Sèvres. Para além do Tratado de Versalhes que, de um modo geral, se aplicava unicamente
à Alemanha, foram redigidos quatro outros tratados de paz com os vencidos: o Tratado
de Saint-Germain com a Áustria; o Tratado de Neuilly com a Bulgária; o Tratado de Trianon
com a Hungria e o Tratado de Sèvres com o Império Otomano. Fundados no princípio do
direito dos povos à autodeterminação, estes tratados desenharam um novo mapa polí-
tico da Europa (Fig. 1):
• na Europa Central e do Leste: o Império Áustro-Húngaro
desintegrou-se, dando origem a três novos estados – a
Áustria, a Hungria e a Checoslováquia; outras partes deste
Império formaram a Jugoslávia (à Sérvia e ao Montenegro,
independentes antes da guerra, juntam-se a Croácia, a
Eslovénia e a Bósnia-Herzegovina) e a nova Polónia; a
Roménia passou a integrar a Transilvânia, a Bessarábia e
Dodruja; a Itália recebeu o Tirol e a Ístria; a Alemanha
sofreu perdas territoriais importantes, sobretudo no leste
(Posnânia e Alta Silésia) e foi cortada em duas partes pela
formação do “corredor polaco”(2); a Rússia foi amputada
dos seus territórios ocidentais com a cedência de áreas à
Polónia e a emancipação das Repúblicas Bálticas (Letónia,
Fig. 1. A Europa após a Estónia e Lituânia), da Finlândia e dos territórios da Transcaucásia. O fim do Império
Primeira Guerra Mundial.
Otomano, surgindo em seu lugar novos estados: a Arábia Saudita, o Iraque, a Síria e o
Revista L’Histoire, n.º 232,
maio de 1999 (adaptado). Líbano (entregues a Mandato da França), a Palestina (tutelada pela Sociedade das
Nações), a Transjordânia e o Curdistão, embora a independência deste nunca se tenha
confirmado.
• a Oeste: a França recuperou à Alemanha a região fronteiriça da Alsácia-Lorena; a
Bélgica adquiriu também da Alemanha dois pequenos territórios: Eupen e Malmédy;
a Dinamarca adquiriu o Schleswig à Alemanha.
(1)
Os países vencidos – Alemanha, Áustria, Hungria, Bulgária e Turquia - não foram admitidos nas negociações.
(2)
O Tratado de Versalhes, atribuindo à Alemanha a responsabilidade do conflito, impôs-lhe ainda a perda de todas as
suas colónias, a desmilitarização e o pagamento de “reparações” pelos danos causados aos vencedores. O tratado
foi visto pelos alemães como um diktat e fomentou fortes ressentimentos.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 141
Apesar das boas intenções que presidiram à sua criação, a Sociedade das Nações não
Documento 1
foi capaz de as cumprir. As razões desse fracasso deveram-se:
– à exclusão dos estados vencidos, pois a SDN passou a assemelhar-se mais a uma coli- Todos os membros da
Sociedade concordam em
gação de estados vencedores, com o objetivo de impor a sua vontade na direção da que, se entre eles surgir
vida internacional, do que a uma organização geral de estados, livremente consentida; um conflito suscetível de
produzir uma rutura,
– às condições humilhantes impostas aos vencidos, em especial à Alemanha; submeterão o caso seja a
um processo da
– ao descontentamento de alguns estados vencedores com os acordos de paz e com
arbitragem ou a uma
o incumprimento de promessas; solução judicial seja ao
exame do Conselho.
– à não adesão dos Estados Unidos e à ausência da URSS; Concordam também em
– à exigência da unanimidade nas deliberações; que não deverão, em caso
algum, recorrer à guerra
– ao facto de a arbitragem e as decisões do Tribunal Permanente de Justiça Interna- antes de expirado o prazo
de três meses após a
cional não terem um caráter de obrigatoriedade.
decisão arbitral ou
judiciária ou do relatório de
Embora tenha revelado alguma eficácia inicial na defesa da superioridade do Direito Conselho.
sobre a força nas relações internacionais(3), a verdade é que a SDN falhou no objetivo prin- Art. 12.º, Pacto da SDN.
cipal para que fora criada: a defesa da paz e da segurança internacionais. Não
conseguiu, por exemplo, impedir a ocupação do Ruhr pelas tropas franco-belgas (1923), ? Questão
1. Esclareça se o Pacto da
(3)
Entre 1924 e 1928 a SDN esteve ligada direta ou indiretamente a uma série de tratados que, embora na prática se SDN proibiu o recurso à
tenham revelado ineficazes, são expressão do ideal de Paz: Protocolo para a Resolução Pacífica dos Conflitos Inter- guerra nas relações
nacionais (1924); Pacto de Locarno (1925); Pacto Briand-Kellog ou Pacto de Renúncia Geral à Guerra (1928); Ato Geral internacionais.
de Arbitragem (1928).
142 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Cronologia o abandono do Japão da organização, a agressão da Itália contra a Etiópia (1935), país-membro
da SDN, a Guerra Civil de Espanha (1936-1939) ou a invasão da China pelo Japão (1937),
Os fracassos da SDN
dissolvendo-se em 19 de abril de 1939, ano em que irrompeu a Segunda Guerra Mundial.
1920
Não ratificação pelo
Senado americano do 1.1.3. A difícil recuperação económica da Europa
Tratado de Versalhes nem
do Pacto da SDN. A crise do pós-guerra
1923
Ocupação do Ruhr pelas
A Europa detinha, antes de 1914, a liderança económica, financeira e política no mundo,
forças franco-belgas. mas a guerra pôs fim a esta situação privilegiada. O interminável conflito mundial acarre-
1933 tou para uma boa parte dos países europeus consideráveis perdas humanas e materiais:
Saída do Japão da SDN.
– escassez de mão de obra ativa (milhões de mortos, feridos e mutilados);
1935
Ataque da Itália à Etiópia, – paralisação das atividades produtivas (campos devastados e destruição de fábricas
membro da SDN. e outras infraestruturas económicas) e contração das atividades comerciais e finan-
1936-1939 ceiras;
Guerra Civil de Espanha.
– défices orçamentais e dívidas públicas elevadíssimas;
1937
Invasão da China pelo – surtos inflacionistas* decorrentes do recurso a empréstimos e a emissões de
Japão. moeda-papel.
1939
Início da Segunda Guerra Vencedores e vencidos, ainda que atingidos de forma desigual, saíram da guerra,
Mundial.
senão arruinados, pelo menos consideravelmente empobrecidos. A este cenário devasta-
dor associava-se um quadro sociopolítico nada favorável. O fim da guerra foi acompa-
nhado por um surto de grande agitação social e política.
* Surtos inflacionistas:
movimentos de subida Os anos de 1919-1921, período do regresso à paz, constituem para a generalidade dos
generalizada dos preços
países europeus uma fase de reconversão das suas economias:
(inflação).
– os princípios do liberalismo económico são restringidos e adotam-se medidas para
estimular a criação de emprego e as importações de máquinas, de petróleo e de
produtos alimentares;
– são implementadas políticas de estabilização monetária (manipulação das taxas de
juro e controlo da inflação) e recorre-se à emissão massiva de moeda-papel (moeda
* Moeda fiduciária: tipo de fiduciária*) para aumentar a quantidade de dinheiro em circulação e fazer face à
moeda que circula com a escassez de meios de pagamento e estabelecer o crédito.
confiança nos bancos
emissores (palavra latina
fiducia = confiança), sendo Resultados destas medidas: desvalorizações monetárias, inflação, défices nas balan-
convertível em metal. ças de pagamentos e níveis elevados de endividamento externo. Estas dificuldades inter-
Este tipo de moeda inclui
cheques, ordens de nas são agravadas pela decisão das potências europeias de se desvincularem ao sistema
pagamentos, títulos de do padrão-ouro(4), desorganizando desta forma o sistema financeiro e monetário anterior
crédito, entre outros meios
à guerra, na medida em que deixou de haver uma forma clara para definir as cotações
de pagamento.
das moedas dos diferentes países.
(4)
Com o abandono do padrão-ouro, as instituições bancárias deixaram de ser obrigadas a converter em ouro a tota-
lidade da moeda fiduciária em circulação. A instabilidade monetária tem repercussões negativas sobretudo nas eco-
nomias exportadoras, porque ao incentivar o protecionismo e a depreciação das moedas prejudica as trocas comerciais
e a circulação internacional dos capitais.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 143
No plano das relações internacionais, a aceitação das disposições territoriais defini- Questões
?
das nos tratados do pós-guerra (Pacto de Locarno, 1925), a admissão da Alemanha na
Sociedade das Nações (1926) e os esforços desenvolvidos pela SDN na condenação do 1. Como evoluiu a circulação
de moeda-papel na
uso da força (Pacto Briand-Kellog, 1928(5)) e na promoção do desarmamento criam um Alemanha no período
clima de desanuviamento. considerado?
2. Como explica essa
Nos finais da década de vinte, a Europa parece ter recuperado das sequelas da guerra evolução?
e encara o futuro com confiança; mas não tardaria a verificar-se uma inversão brutal 3. Quais os efeitos dessa
dessa situação. evolução?
A guerra europeia fez dos Estados Unidos o principal fornecedor de alimentos, bens A recuperação económica da
Europa no pós-guerra
de equipamento e armamento aos beligerantes. Esta forte corrente de exportação teve
1919-1921
como consequências uma balança comercial largamente excedentária e um enorme afluxo
Reconversão.
de ouro àquele país. No início de 1919, os EUA dispunham aproximadamente de metade
1921-1925
do stock de ouro mundial. Reajustamento.
Ao mesmo tempo, a estabilidade monetária transformou os EUA num refúgio seguro 1925-1929
Estabilização e
para os capitais circulantes, uma boa parte dos quais era encaminhada para a Europa crescimento.
sob a forma de empréstimos e investimentos. Os países europeus tornaram-se seus
devedores. O crescimento
industrial nos EUA
Esta situação de dependência foi ainda acentuada pela adoção por parte dos EUA de (1922-1929)
um sistema aduaneiro fortemente protecionista relativamente aos produtos fabricados na Indústria
70%
Europa e de medidas para restringir a imigração europeia (leis de 1921 e 1924). siderúrgica
no verão desse ano, começaram a ocupar e a repartir as terras, apoiados pelos milhares
de soldados que desertavam da guerra.
Sob a liderança de Lenine (Fig. 4), os bolcheviques*, o mais ativo dos grupos revo-
lucionários, foram progressivamente estendendo a sua influência no país e nos sovietes,
sobrepondo-se aos mencheviques* e aos socialistas revolucionários.
* Demoliberalismo: sistema
1.3. A regressão do demoliberalismo* político de democracia
representativa ou
parlamentar, fundado nos
1.3.1. O impacto do socialismo revolucionário. Dificuldades económicas e princípios liberais
radicalização dos movimentos sociais enunciados nos séculos
XVIII e XIX, no qual a
soberania é delegada pelo
Nos anos que se seguiram à Primeira Guerra Mundial, a Europa, perturbada e em gran-
povo a órgãos
des dificuldades económicas, questionou o liberalismo político e a democracia parlamentar. representativos, regendo-
-se pelo princípio da
As massas populares, afetadas pelo desemprego e estimuladas pelo exemplo da revo- maioria e pelo respeito da
vontade popular expressa
lução soviética e pela ação da III Internacional ou Komintern*, mostraram a sua insatis- em eleições.
fação exigindo a intervenção do Estado, ocupando terras e fábricas e promovendo gre- * III Internacional
ves e manifestações. (Comunista) ou Komintern:
fundada em Moscovo, no
Os regimes demoliberais europeus, mesmo as democracias mais consolidadas, mos- ano de 1919, após a vitória
dos comunistas na
tram-se aparentemente incapazes de encontar respostas eficazes para travar o clima de Revolução Russa, tinha
contestação generalizada e as forças sociais e políticas tendem a radicalizar-se. como principais objetivos
dirigir o movimento
Na Alemanha (República de Weimar), os espartaquistas (fação radical do Partido operário internacional e
universalizar o modelo
Social-Democrata alemão, liderada por Karl Liebknecht e Rosa Luxemburgo) protagoni- comunista soviético. Foi
zam, em 1919, uma insurreição em Berlim com o objetivo de instaurar um regime comu- dissolvida em 1943, em
plena Segunda Guerra
nista idêntico ao soviético. Mundial.
148 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Documento 4 Esta onda revolucionária de inspiração marxista alastrou a outros países: o Reino
Unido e a França tiveram de enfrentar, nos anos de 1919-1920, duros surtos grevistas; a
A crise das democracias
encontra a sua razão de Itália, a Áustria e a Hungria confrontaram-se também com violentas insurreições revolu-
ser na conjunção dos cionárias. Na Hungria, como na Baviera ou na Finlândia, proclamam-se “Repúblicas dos
ataques que lhe são
dirigidos do exterior pelo Conselhos” (ou seja, de modelo soviético), que vigoram durante alguns meses.
fascismo e pelo
comunismo e das Em consequência destas lutas, os trabalhadores conseguem algumas conquistas sociais
imperfeições de ordem e laborais, mas, rapidamente, o poder político apoiado nas forças militares e na alta bur-
interna. (...) A crise da
democracia está no guesia, receando o caos e a expansão do bolchevismo no continente europeu, reprime
sentimento, exato ou com violência a contestação revolucionária.
errado, da inadequação dos
princípios e das
instituições da democracia
clássica, isto é,
1.3.2. A emergência dos autoritarismos
parlamentar e liberal, às
circunstâncias, aos As classes médias, alicerce do demoliberalismo e grandes vítimas da queda do poder
problemas e às de compra que quase as reduziu ao nível dos proletários, sentiram-se traídas pelas con-
disposições do espírito
público. (...) cessões sociais aos revolucionários e perderam toda a confiança no Estado liberal. Tor-
René Rémond, Introdução à naram-se, pois, presa fácil da propaganda e da capacidade de mobilização das massas
História do Nosso Tempo,
Lisboa, Gradiva, 1994, p. 319. da direita conservadora e fascista que defendia soluções autoritárias, um poder forte
capaz de garantir a estabilidade e a propriedade contra o caos e a ameaça do comunismo
? Questão (Doc. 4).
1. Comente as afirmações
do autor relativamente à Nos países de tradição liberal e democrática (Reino Unido, França, países escandina-
crise da democracia no vos...), os acordos entre forças de diferentes quadrantes ideológicos e a aplicação de
pós-Primeira Guerra
Mundial. medidas de intervenção social e económica permitiram aos regimes democráticos sobre-
viver à agudização da instabilidade sociopolítica.
O crescimento das cidades operou-se a um ritmo caótico, agravando, por isso, os pro-
blemas urbanos relativos aos abastecimentos, à circulação (Fig. 6), ao saneamento e à
saúde pública.
A forte pressão social que se exerce sobre o indivíduo nestes extensos espaços cita-
Fig. 6. Elétrico e
dinos conduz à uniformização, à estandardização dos gostos, hábitos de consumo, valores carruagens. Lisboa nos
e comportamentos, ou seja, à massificação da vida urbana. A desagregação das solida- princípios do século XX.
Mas, para isso, eram necessários tempo e espaço. A primeira necessidade foi resol-
vida pelo aumento da produtividade e pelas reivindicações dos trabalhadores, que per-
mitiram reduzir o tempo de trabalho e criar os tempos livres e os ócios.
O período entre as duas guerras mundiais assinala uma crise de confiança nos prin-
cípios e valores universalmente aceites pelas sociedades europeias demoliberais.
Com efeito, a crença nas virtualidades da democracia liberal, nos valores societais
dominantes, como o trabalho, a austeridade, a educação, a família e a moral cristã, e nas
capacidades, que se supunham ilimitadas, da Ciência foi dando o lugar ao ceticismo e à
rebeldia, ao frenesim consumista e à ânsia de viver.
As primeiras formas da luta das mulheres pela sua emancipação traduziram-se nos
movimentos sufragistas(6) que reivindicavam o reconhecimento da igualdade de direitos
relativamente aos homens no trabalho, na estrutura familiar e na vida pública e o sufrá-
gio universal. Para atrair a atenção de uma sociedade preconceituosa e mobilizar apoios
para a sua causa, as militantes sufragistas mais radicais criaram associações femininas e
* Feminismo: conceção
levaram a cabo corajosas campanhas na imprensa e manifestações de protesto(7).
social, política, ética que
Mas o feminismo* encontrou outras formas – porventura menos espetaculares, mas efi- defende a igualdade
absoluta dos direitos e
cazes – de afirmação pública através do vestuário e da moda. Os tecidos, mais leves, reve- deveres de ambos os
lam discretamente as linhas do corpo. As saias sobem do tornozelo até ao joelho e as sexos, pela melhoria legal
e real das condições em
meias realçam os contornos das pernas. O espartilho foi dando lugar ao soutien. A moda que vive a mulher.
dos cabelos compridos, muito do agrado de gostos românticos, passou a ter um concor- * Relativismo: doutrina
rente muito popular entre as feministas: o cabelo curto e o penteado à garçonne, mais ade- segundo a qual todo o
conhecimento é relativo,
quado à imagem de independência e à vida ativa. dependendo de fatores
contextuais, variando de
acordo com as
D) A descrença no pensamento positivista e as novas conceções científicas
circunstâncias, negando,
por isso, a possibilidade do
Nos inícios do século XX predominava ainda a mentalidade confiante, positivista e conhecimento absoluto e
racionalista que caracterizara o mundo do conhecimento na segunda metade do século XIX. de certezas definitivas.
Mas, de uma forma algo surpreendente, processa-se uma reação antipositivista e antirra-
cionalista. Na origem desta rutura estão, em primeiro lugar, as novas e revolucionárias
conceções e descobertas científicas que têm o seu ponto de partida no relativismo* que
veio pôr em causa o paradigma positivista da objetividade e universalidade do conheci-
mento científico.
Um dos grandes obreiros desta revolução intelectual e científica dos princípios do século
XX foi Einstein (Fig. 8). A doutrina que lhe deu maior fama foi a sua Teoria da Relatividade,
Fig. 8. Albert Einstein
apresentada sob a forma estrita em 1905 e ampliada dez anos depois. Einstein punha em (1879-1955), físico e
causa não só as antigas conceções sobre a matéria, mas também toda a Física tradicional matemático de origem
alemã. A sua Teoria da
construída sobre as conceções da geometria euclidiana e da mecânica newtoniana. Relatividade, expressa pela
fórmula E=mc2, ou seja, a
(6)
O termo “sufragistas”, inicialmente usado com sentido pejorativo, apareceu pela primeira vez no jornal inglês Daily energia (E) é igual à massa
Mail Newspaper em 1906. (m) multiplicada pelo
(7)
Destacou-se nesta luta a Women’s Social and Political Union (WSPU), fundado por Emmeline Pankhurst em 1903.
quadrado da luz (c2),
Fiéis ao seu lema “Atos e não palavras”, interrompiam reuniões políticas, assediavam os deputados do Parlamento, revolucionou a Física e a
partiam janelas, cortavam cabos telefónicos e telegráficos e chegaram a invadir a Câmara dos Comuns. Ciência contemporânea.
152 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Sustentou que o espaço e o movimento não eram absolutos, mas relativos. Os obje-
tos não tinham apenas três dimensões, mas quatro. Ao comprimento, largura e espessura,
acrescentou Einstein, a nova dimensão do tempo e representou todas as quatro dimen-
sões como fundidas numa síntese a que deu o nome de “contínuo espaço-tempo”. Pro-
curava dessa forma explicar a ideia segundo a qual a massa depende do movimento.
Uma série de descobertas – de Röentgen, Becquerel, Pierre e Marie Curie e Max Planck –
desacreditaram a conceção racionalista que defendera a continuidade e indestrutibilidade
da matéria. O físico nuclear de origem germânica Heisenberg (1901-1976) enunciou o prin-
cípio da indeterminação, que desferiu um rude golpe no determinismo e na previsibili-
dade dos fenómenos.
(8)
Na investigação do inconsciente, Freud começou por utilizar a hipnose, mas depressa a abandonou em favor de
outras técnicas, em especial, a associação livre de ideias e a interpretação de sonhos.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 153
B) Cubismo
* Cubismo: corrente ou Entre 1906 e 1908, as experiências de um jovem e talentoso artista espanhol chamado
escola pictórica iniciada
por Picasso e Braque, Pablo Picasso (1881-1974) e do seu amigo Georges Braque (1882-1963) estão na origem
cerca de 1907, que
representa um dos de uma nova conceção de pintura, o Cubismo*.
movimentos estéticos
mais importantes da arte
A primeira fase deste estilo (1909-1912) denomina-se Cubismo Analítico. Os objetos
contemporânea.
Caracteriza-se pela são decompostos em linhas e planos monocromáticos, derivados do cubo e da esfera,
simplificação e
geometrização das formas muitas vezes transparentes, inclinados, justapostos ou imbricados. Fragmentando os pla-
e pela decomposição dos
objetos sem nenhum nos, o artista dá uma perspetiva simultânea e multifacetada do objeto em todos os seus
compromisso de fidelidade
com a sua aparência real, o contornos ou ângulos. Desta forma, o ponto de vista do observador já não é único e fixo,
Cubismo procura novas
mas móvel e múltiplo, apesar de traduzido por uma única imagem. Simultaneamente, a
formas de representação
dos volumes no espaço perspetiva perde importância (Fig. 11).
bidimensional do quadro,
sem o recurso à perspetiva
tradicional e à representação Os temas mais comuns são pessoas, paisagens e naturezas-mortas compostas por
naturalista. Pode-se
distinguir duas fases: objetos comuns, como garrafas, copos e instrumentos musicais. Nesta fase, as referên-
1909-1912, período do
“cubismo analítico”; cias ao mundo visual são ainda bastante precisas, evoluindo gradualmente para imagens
1913-1914, período do
“cubismo sintético”.
mentais ou concetuais do real.
Cerca de 1911, Braque e Picasso começam a introduzir nos seus quadros letras e
números para que pareçam menos abstratos. Depois, colam nas telas fragmentos de
papel, cartão e vidro, areia… É o início das “colagens” com a utilização de elementos até
então inéditos na pintura. Não tendo valor estético próprio, estes materiais de uso quo-
tidiano associados a uma obra de arte estimulam visualmente o observador e afastam o
artista da cópia ou reprodução.
Pouco antes da Primeira Guerra Mundial, o Cubismo evolui numa outra direção: é a
fase do Cubismo Sintético que tem no pintor espanhol Juan Gris (1887-1927) o seu ini-
ciador e o maior representante. As representações geométricas já não se inspiram dire-
tamente na imagem dos objetos, mas são inventados ou criados para formar uma com-
posição em que os diferentes elementos não conservam nada das aparências naturais.
O objetivo não é a decomposição dos objetos, mas a expressão das suas formas
Fig. 11. Les Demoiselles
d´Avignon (1907), de essenciais e da sua matéria, eliminando todo o pormenor acidental (por inútil), redu-
Picasso (Museu de Arte
Moderna, Paris). zindo-os a formas geométricas simples – o quadrado, o retângulo e o triângulo. O Cubis-
Correntemente
apresentada como o seu
mo tornou-se assim uma arte mais intelectualizada, mais racionalizada e, por consequên-
marco inicial, esta obra cia, mais abstrata.
revela as duas grandes
influências do Cubismo:
Cézanne (geometrização
das formas) e a arte Representantes mais importantes do movimento cubista: Picasso, Braque, Juan Gris
africana (simplificação e e Jean Metzinger (1883-1956).
rudeza das formas).
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 155
C) Expressionismo
(9)
O nome define metaforicamente o objetivo do grupo: procurar a ponte que leva do visível ao invisível ou uma porta
entre o passado e o presente/futuro. Há uma clara atração pelo primitivismo e pela recuperação de técnicas tradi-
cionais/medievais.
156 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
D) Abstracionismo
* Abstracionismo: O Abstracionismo* teve o seu ponto de partida numa experiência isolada de Vassili
movimento caracterizado
pela ausência de
Kandinsky, em 1910, ainda durante a fase do Cavaleiro Azul, e o seu grande desenvolvi-
referências figurativas, mento entre 1918 e 1933.
pela afirmação da
autonomia da obra de arte
da realidade visível e pela O Abstracionismo constitui o termo de um percurso de rutura com a arte figurativa e
utilização de uma
linguagem plástica com as composições em perspetiva, de norma renascentista, no sentido da afirmação da
abstrata, matemática e
racional. autonomia da obra de arte face ao real. O artista propõe-se não traduzir a realidade sen-
sível, objetiva ou a sua ilusão, mas sim abstrair dessa realidade uma outra produzida pelo
espírito: o objeto desaparece (ausência de referências figurativas); a obra de arte torna-
se um objeto autónomo, independente da realidade visível.
Esta libertação da arte em relação ao real é acompanhada pela utilização de uma lin-
guagem plástica abstrata, fria, matemática, racional expressa na exploração da assime-
tria, no jogo cromático (tons contrastantes, utilização das cores primárias e das duas “não
cores” – o branco e o negro) e na articulação entre as linhas conjugadas numa unidade
capaz de traduzir uma realidade oculta e mais profunda que as aparências.
E) Futurismo
O Futurismo* teve origem em Itália a partir da publicação, em 1909, no jornal Le Fígaro, * Futurismo: movimento
artístico e literário de
do Manifesto Futurista do poeta italiano Marinetti. Polémico e profético, o texto propõe a índole revolucionária;
aniquilação definitiva de toda e qualquer forma de tradição, preconizando uma literatura inspirado no progresso
científico e tecnológico dos
e artes mais condizentes com o presente, com a era das máquinas e da velocidade.
inícios do século XX,
Em 1910, o Manifesto dos Pintores Futuristas, assinado por Umberto Boccioni, Giacomo combatia qualquer forma
de tradição, bem como o
Balla (Fig. 14), Carlo Carrà, Gino Severini e Luigi Russolo, enunciavam as grandes linhas geometrismo intelectual dos
de orientação do movimento: cubistas e o sensualismo
cromático dos
– o repúdio da estética tradicional, bem como do geometrismo intelectual e estático expressionistas.
dos cubistas e do sensualismo cromático dos expressionistas;
– a exaltação da originalidade, da força, da velocidade, do maquinismo e do progresso
científico e tecnológico.
F) Dadaísmo
O movimento artístico niilista que surgiu entre os horrores da Primeira Guerra Mun-
dial, chamado Dadaísmo*, teve origem em Zurique em 1916. Precursor do Surrealismo, * Dadaísmo: (de dada, um
sobre o qual exerceu uma influência determinante, o Dadaísmo nasceu, em parte, do termo de origem obscura) –
movimento literário e
desencanto amargo de uma geração educada na crença da bondade dos valores da civi- artístico iniciado pelo
lização industrial com a brutalidade da Primeira Guerra Mundial. poeta romeno Tristan
Tzara, que preconizava
O contexto histórico do seu nascimento ajuda a compreender a sua natureza irreve- uma libertação absoluta da
arte de tudo o que lhe
rente e crítica. Os seus princípios teóricos explicitados em sucessivos manifestos procla- fosse exterior, a supressão
mam a espontaneidade (em francês, dada significa “cavalinho de brinquedo”), a liber- total da lógica, o absurdo,
ridicularizando os valores
dade e a anarquia absoluta do artista: a autêntica arte seria a anti-arte. Esta atitude
estéticos, morais e
revela o seu propósito principal: chocar a sociedade burguesa em geral e as concepções religiosos vigentes.
artísticas instaladas em particular, pelo absurdo, pela ironia e pelo sarcasmo.
Os processos destrutivos, provocatórios do Dadaísmo tiveram, contudo, a vantagem
de agitar um certo número de ideias e práticas preconcebidas, induzindo algumas modi-
ficações estéticas e artísticas radicais.
158 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Pretendendo demonstrar que o valor estético de algo não depende dos procedimen-
tos técnicos, mas da atitude mental, os artistas dadaístas desenvolveram técnicas plás-
ticas novas, como as colagens na tela de objetos com relevo e a transformação de obje-
tos vulgares em obras de arte (Fig. 15), só pela simples circunstância da mudança do seu
contexto de uso para um outro puramente estético, como uma galeria de arte, por exem-
plo. Esta última é uma técnica muito característica de Marcel Duchamp (1887-1968), que,
Fig. 15. Com Ruído Secreto com Francis Picabia (1878-1953) e Tzara (1896-1963), foi o precursor do movimento Dada.
(1916), de Marcel Duchamp
(Museu de Arte Moderna,
Estocolmo). Uma ilustração Representantes: Marcel Duchamp, Picabia, Man Ray (1890-1976) e Tzara.
do espírito anti-arte dada:
um novelo de cordel preso
entre duas placas de metal, G) Surrealismo
gravadas com palavras e
letras desconexas
Nascido em França cerca de 1919, o Surrealismo*, um movimento inicialmente literá-
interrompidas por pontos,
como na linguagem morse, rio, constituiu, na linha do movimento Dada, uma reação aos valores culturais e artísti-
ridiculariza a ideia de
cos das sociedades ocidentais, em particular o racionalismo e o convencionalismo.
secretismo.
Diretamente influenciado pela psicanálise e pelo bergsonismo(10), o movimento surrea-
* Surrealismo: movimento lista abriu um mundo novo à criação artística: o subconsciente humano.
artístico e literário de
origem francesa, Em 1924, no primeiro Manifesto do Surrealismo, André Breton (1896-1966), um poeta
caracterizado pela procura francês atraído pela psicanálise, defende a substituição da visão racional do mundo por
de processos de expressão
do pensamento uma interpretação orientada pelo inconsciente, estabelecendo associações livres seme-
subconsciente de maneira lhantes às dos sonhos ou alucinações. No entanto, o objetivo não é traduzir os sonhos,
espontânea e automática.
mas, através deles, atingir uma realidade mais autêntica, a realidade interior, e desta
forma “achar a solução dos problemas fundamentais da vida”.
A partir desta conceção teórica o Surrealismo evoluiu em duas direções:
uma, a das experiências criadoras automáticas; outra, a da fantasia pura e a
da reconstrução poética de um mundo imaginário (Fig. 16). O automatismo
tinha como objetivo assegurar a total liberdade criadora, eliminando qualquer
controlo da razão ou da consciência, libertando assim os impulsos criadores
que residem no subconsciente. Para isso utilizaram várias técnicas, entre as
quais o recurso ao álcool ou à droga, para provocar estados alucinatórios, e à
hipnose.
Fig. 16. A Persistência da
Memória (1931), de Para além da técnica do desenho e pintura automáticos, o Surrealismo socorreu-se de
Salvador Dalí, Museu de técnicas clássicas de desenho e da gradação cromática e de outras tipicamente vanguar-
Arte Moderna, Nova Iorque.
O sonho e o imaginário distas, como a colagem, o dripping(11) e a grattage(12).
abriram um novo e atrativo
campo temático à
exploração artística. Representantes: Salvador Dalí (1904-1989), Max Ernst (1891-1976), Joan Miró (1893-
-1983), René Magritte (1898-1967), André Masson (1896-1987), Giorgio de Chirico (1888-
-1978) e Yves Tanguy (1900-1955).
(10)
Sistema filosófico de Bergson. Valorizou a intuição contra o intelecto, defendendo que este não é capaz de apreen-
der a realidade no seu sentido mais profundo.
(11)
Técnica pictórica que consiste no gotejar da tinta através de um movimento pendular mecânico.
(12)
Técnica que consiste em colocar uma tela pintada sobre uma superfície em relevo para, através de pressão e ras-
pagem, fazer surgir as marcas dessa superfície.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 159
1.4.3. A arquitetura
A utilização de novos materiais de construção (aço, betão armado, placas de vidro, plás-
ticos, contraplacados) e a necessidade de construir novos tipos de edifícios (gares, aero-
portos, pavilhões de exposições, bairros sociais), conciliando a tecnologia industrial com a
estética quer na relação do edifício com o espaço exterior quer na relação do espaço inte-
rior com o indivíduo, aliados à adoção de novos métodos de construção, influenciaram as
experiências inovadoras realizadas por arquitetos americanos e europeus (Fig. 17), na pri-
meira metade do século XX.
Serão as vanguardas pictóricas a libertá-la das “formas antigas” e a iniciar uma nova
e ousada linguagem escultórica, assente no rompimento com a tradição figurativa, na sim-
plificação plástica e na valorização do objeto, dos seus materiais, formas e significados
(Boccioni, Fig. 18). Brancusi (1876-1957), pioneiro da escultura abstrata, libertou-se das
aparências de superfície para revelar a beleza intrínseca dos próprios materiais utilizados.
No domínio económico-financeiro:
(13)
Nos 16 anos do regime republicano (1910-1926) houve em Portugal 45 governos, sete Presidentes da República, oito
eleições presidenciais e nove legislativas.
Unidade 1 - As transformações das primeiras décadas do século XX 161
* Reformas legislativas
– oposição conservadora – Igreja, monárquicos (organizados no movimento desig- da I República:
nado por Integralismo Lusitano), nobres e alta burguesia – está desagradada com – Abolição dos títulos,
distinções e direitos de
o caráter popular e social das reformas legislativas*; nobreza.
– temor das classes médias do caos social, do bolchevismo e da proletarização que – Lei do Inquilinato.
– Lei da Greve.
as leva a desejar um governo forte, capaz de impor a ordem e a disciplina sociais. – Lei reguladora do horário
de trabalho.
Estes factos provocaram a erosão do regime republicano e precipitaram o Golpe Mili- – Obrigatoriedade do Seguro
Social para acidentes de
tar de 28 de Maio de 1926, liderado pelo General Gomes da Costa, que pôs fim à 1.a Repú- trabalho, doença e velhice.
blica (1910-1926), um regime demoliberal, pluripartidário e parlamentar, e que abriu cami- – Lei da Separação entre o
Estado e a Igreja.
nho à Ditadura Militar (1926-1933) e ao Estado Novo (1933-1974). – Obrigatoriedade do
casamento civil e do seu
1.5.2. O movimento modernista em Portugal registo civil.
– Lei do divórcio.
– Regulação do direito dos
O clima de crise social e política que se vivia no País nos inícios do século XX – crise
filhos.
da Monarquia, instauração da República, Primeira Guerra Mundial – não era de todo favo- – Reforma do ensino e
rável ao acompanhamento das novas correntes culturais e artísticas em desenvolvimento incremento da educação
popular.
na Europa (Doc. 6).
Mas a difusão das correntes modernistas europeias em Portugal debateu-se com
outros importantes obstáculos, designadamente:
– o limitado acesso à informação sobre as polémicas filosóficas e estéticas da moder-
nidade internacional; Documento 6
– a escassez de públicos consumidores de bens culturais, devido aos baixos poder A “primeira geração”
de compra e de alfabetização da população; modernista portuguesa
Os artistas desta primeira
– a predominância do gosto naturalista nas artes; geração desejaram então
– a ausência de uma linha programática dominante (sincretismo de tendências). dar a arte moderna a
Portugal, (…) um país que,
de modo algum estava
A) O primeiro grupo modernista português preparado para tais
aventuras (…) tinha-se
O sentimento de crise e de inconformismo que contesta o conservadorismo da socie- posto à margem da
dade portuguesa e pretende contribuir para a sua transformação, manifestou-se através geografia cultural do
Ocidente, e, preso numa
de um primeiro grupo modernista constituído à volta da revista Orpheu (1915) – o prin- crise social e moral que se
cipal veículo de difusão do Modernismo (literário e artístico) em Portugal – de que se prolongava, agarrava-se a
valores do século XIX. (…)
destacaram Mário de Sá-Carneiro (1890-1916), Almada Negreiros (1893-1970) e, sobre-
A sua ação foi uma espécie
tudo, Fernando Pessoa (1888-1935), que se distinguiu também na revista Portugal Futu- de fogo de palha,
rista (1917), fundada por Almada Negreiros. rapidamente consumido…
José Augusto França, A Arte e
Os artistas desta “primeira geração” pretenderam difundir as tendências das vanguardas a Sociedade Portuguesa no
século XX (1910-1990), 3.a ed.,
europeias, através de manifestos, revistas e exposições, em Portugal, um país que, de 1991, pp. 30-31.
modo algum estava preparado para as adotar. O próprio Fernando Pessoa deu conta des-
tas dificuldades numa das suas cartas: “Somos o assunto do dia em Lisboa (…). O escân-
dalo é enorme. Somos apontados na rua, e toda a gente – mesmo a extra-literária – fala
no Orpheu”.
? Questões
B) O segundo grupo modernista (anos 20 e 30)
1. Comente a afirmação de
A geração do segundo grupo modernista organizou-se à volta da revista coimbrã Pre- que Portugal “de modo
algum estava preparado
sença (1927-1940) fundada por José Régio (1901-1969), Gaspar Simões (1903-1987) e
para tais aventuras…”.
Branquinho da Fonseca (1905-1974), entre outros, que revelou alguns poetas notáveis: 2. Explicite a afirmação
José Régio, Casais Monteiro (1908-1972) e Miguel Torga (1907-1995). destacada no documento.
162 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Escultura
A escultura, tal como se verificava na pintura, era dominada pelo gosto naturalista
oitocentista e pelo génio de Soares dos Reis (1847-1889) e de Teixeira Lopes (1837-1918).
Arquitetura
da Arte Nova* que evoluiu associada à arquitetura tradicional, apesar de inovadora nos * A Arte Nova (finais do
século XIX – Primeira
materiais e técnicas. O principal elemento de identificação da Arte Nova está na decora- Guerra Mundial): é um estilo
ção e ornamentação: portões, varandas e escadarias são trabalhados minuciosamente por inovador, distanciando-se
tanto dos estilos históricos
artesãos com motivos ornamentais vegetalistas, naturalistas e curvilíneos. como do racionalismo
mecânico da arquitetura
No final dos anos 30 e década de 40, apesar da tentativa de aportuguesamento da dos engenheiros, abrindo
arquitetura, através do que foi designado como a “casa portuguesa”, de que Raul Lino caminho para o
Modernismo. A Arte Nova
(1879-1974) foi o principal mentor, e dos constrangimentos que as próprias encomendas rejeita o historicismo e o
(uma boa parte delas feitas pelo Estado Novo) impunham, a arquitetura moderna dá os academismo, ao procurar
na Natureza uma nova
primeiros passos em Portugal. Um grupo de arquitetos, mais ousados e sensíveis às ten- linguagem sem
dências internacionais, procuram, através da utilização dos novos materiais (ferro, vidro compromissos
historicistas, acreditando
e betão) e da adequação (simplificação e geometrização) das formas ao objetivo da fun- na utilização
cionalidade, ajustar a nova mentalidade arquitetural à realidade portuguesa. simultaneamente artística
e moderna quer das
Entre os nomes e realizações de cunho modernista mais importantes estão Cristino técnicas artesanais quer
industriais.
da Silva (1896-1976), autor do projeto modernista do cinema Capitólio (Fig. 20), de Lis-
boa, Pardal Monteiro (1897-1957), que projetou a Igreja de Nossa Senhora de Fátima, em
Lisboa, e que trabalhou com Duarte Pacheco no Instituto Superior Técnico, Carlos
Ramos (1897-1969), autor do Pavilhão do Rádio no Instituto de Oncologia em Lis-
boa, e Rogério de Azevedo (1898-1983), que projetou a Garagem do Comércio do
Porto.
Em Síntese
• A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) custou muito caro à Europa ou, melhor dizendo, à
Europa ocidental. Mas não a empobreceu apenas. Pôs fim ao seu papel de fábrica e de
banco dos outros continentes, afetou profundamente o comércio mundial e os sistemas
monetários e favoreceu a ascensão económica e política dos EUA que emergem como a
grande potência mundial.
• O novo mapa político da Europa desenhado na Conferência de Paris (1919) pelas potências
aliadas vencedoras e as intenções pacifistas que presidiram à criação da Sociedade das
Nações (SDN) não resultaram na instauração de uma paz efetiva nas relações internacionais.
Ao invés, fizeram emergir novos fatores de instabilidade.
• A crise revolucionária de fevereiro de 1917 na Rússia provocou a abdicação do czar Nicolau II
e o fim do regime imperial. A Revolução de Outubro instigada por Lenine, líder dos bolchevi-
ques, derrubou o “governo burguês” de Kerensky que sucedera a Lvov e abriu o caminho
do poder aos Sovietes. De 1918 a 1921, Lenine impôs a socialização da economia e alterações
revolucionárias na estrutura social, tendo por base a ideologia marxista e o objetivo da edifi-
cação de uma sociedade sem classes. É a fase do “comunismo de guerra”, marcada ainda por
uma violenta guerra civil que opôs os vermelhos, revolucionários, aos brancos, contrarre-
volucionários.
A NEP, lançada em 1921, pretendeu recuperar a economia e sanar a onda de descontenta-
mento social. Em 1922, constituiu-se a URSS. A morte de Lenine, em 1924, abriu um período
de luta pelo poder, cujo desfecho deu a vitória a Estaline que, a partir de 1928, passou a
controlar o governo da URSS.
• O choque da Primeira Guerra Mundial, as crises económicas e sociais e a massificação da
vida urbana provocaram a crise dos valores e comportamentos tradicionais. Os “loucos anos
vinte” revolucionaram o modo de viver, em particular das gerações jovens. A guerra, as
alterações demográficas e a industrialização levaram as mulheres a tomar consciência do
seu papel na sociedade e a reivindicar a igualdade de direitos sociais e políticos.
• Na segunda metade dos anos 20 e sobretudo nos anos 30 a radicalização ideológica, social e
política, associada às crises económicas, tensões sociais e ao medo do caos e do bolchevismo
provocaram, na Europa, a regressão do demoliberalismo e a emergência dos autoritarismos.
• Os revolucionários progressos nos domínios da ciência e da técnica minaram a confiança no
racionalismo e nos postulados científicos positivistas oitocentistas e induziram ao ceticismo
e à rutura com as conceções filosóficas, científicas e artísticas até então dominantes.
• As vanguardas artísticas refletindo o espírito de mudança na literatura e nas artes das pri-
meiras décadas do século XX fizeram da pintura um objeto autónomo em relação ao motivo
que lhe deu origem, promovendo a construção de um novo universo plástico caracterizado
pela exaltação da cor, o desmantelamento da perspetiva e a visão intelectualista do espaço
pictórico. Apesar dos diferentes caminhos trilhados pelas vanguardas, em todas está pre-
sente o sentido de rutura, de libertação e o gosto ou prazer pela inovação.
• Apesar de os primeiros anos do século XX não serem propícios, em Portugal, há uma reno-
vação artística idêntica à que ocorria na Europa – instabilidade política e social (implantação
da República e Primeira Guerra Mundial) e predominância do realismo-naturalismo na pro-
dução e consumo culturais –, figuras como Almada Negreiros e Fernando Pessoa, entre outras,
(“primeiro modernismo”) reunidas à volta das revistas Orpheu e Portugal Futurista e, poste-
riormente, o segundo grupo modernista (anos 20 e 30) associado à revista Presença, projeta-
ram no País as propostas revolucionárias das vanguardas europeias.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 165
SUMÁRIO
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Relacionar os períodos de crise gerados pelo capitalismo liberal com a expansão de novas
ideologias e com o reforço do intervencionismo dos estados democráticos**.
– Distinguir cultura de elites e cultura de massas, avaliando o peso das massas nas trans-
formações socioculturais e identificando formas de controlo do comportamento das mesmas.
CONCEITOS/NOÇÕES ESSENCIAIS
Estas fragilidades, até então mascaradas pelo mito da prosperidade económica con-
tínua, apareceram a partir de 1927:
– o progresso técnico afrouxou e com ele diminuíram os ganhos de produtividade;
– os preços estabilizaram;
– a produção de aço e a indústria automóvel foram fortemente afetadas;
– a construção civil conheceu uma quebra acentuada;
– o crescimento dos salários foi interrompido e o poder de compra diminuiu.
(1)
No final da Primeira Guerra Mundial, os EUA eram credores da Europa e possuíam cerca de metade das reservas
mundiais de ouro e os seus bancos controlavam os fluxos financeiros mundiais.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 167
B) A extensão da crise
O detonador da crise, nos EUA, seria o crash bolsista* de 24 de outubro de 1929 * Crash bolsista (ou craque,
na terminologia
(a célebre “Quinta-Feira Negra”) na Bolsa de Nova Iorque (Fig. 2). De uma forma ainda portuguesa): queda brutal
hoje não totalmente explicada, foram dadas ordens de venda de milhões de ações. Os pre- da cotação das ações no
mercado bolsista.
ços desceram vertiginosamente. Instalou-se o pânico entre os corretores. No final do dia,
13 milhões de ações tinham mudado de mãos. A terça-feira seguinte, dia 29, foi
ainda mais “negra”: 16 milhões de ações foram vendidas a preços irrisórios. A
descida prosseguiu pelo mês de novembro, arrastando para a ruína tanto gran-
des como pequenos investidores.
A depressão alastrou dos EUA para os países industrializados espalhados pelo mundo
através dos elos económico-financeiros internacionais construídos pelo capitalismo (Fig. 3).
A Grã-Bretanha e a Alemanha são os primeiros a serem atingidos. A retirada dos crédi-
tos americanos a curto prazo provocou o colapso financeiro de alguns dos principais ban-
cos europeus – o Credit Anstalt na Áustria e o Danatbank na Alemanha. A França foi afe-
tada mais tarde, não antes de 1931-1932.
C) As implicações sociais
* Deflação: tendência para A primeira reação geral dos governos para enfrentar a depressão e tentar restabele-
baixa do nível geral dos
preços. Inspiradas no cer o equilíbrio da economia foi a deflação*. Terá sido uma reação instintiva, tanto mais
liberalismo económico e com
que estava ainda fresco na memória as crises de inflação acompanhadas de depreciações
o objetivo de facilitar a
retoma económica, as monetárias que caracterizaram os anos subsequentes à guerra. Assim, tendo como obje-
políticas restritivas adotadas
no princípio dos anos 30 tivo central o equilíbrio orçamental, os dirigentes políticos como, por exemplo, Hoover
pelos estados (redução da nos EUA, Laval, em França, e Brüning, na Alemanha, recorreram a medidas económicas
despesa pública, tabelamento
dos preços e dos salários, deflacionistas.
subida das taxas de juros…)
geraram deflação com efeitos No entanto, estas acabariam por ter, sobretudo no início, efeitos contrários aos espe-
sociais brutais.
rados. Com efeito, o equilíbrio orçamental exigia não só a restrição das despesas públi-
cas como também o aumento das receitas fiscais. Se considerarmos que se vivia numa
época de crise, facilmente se percebe que estas medidas deflacionistas, para além de
gerarem maior conflitualidade social, agravavam a própria crise, reduzindo o poder de
compra, e por conseguinte, a procura.
* Totalitarismo: ideologia que, As consequências destas políticas foram desastrosas para todos. Nos EUA, em 1932-
dispondo ou não do controlo -1933, o desemprego afetava mais de 12 milhões de trabalhadores, quase 25% da sua
de um aparelho de Estado ou
de um partido, está presente força de trabalho (Fig. 5). Na Alemanha, onde a recessão veio adicionar-se aos proble-
em todas as dimensões da mas financeiros ditados pelo pagamento das indemnizações de guerra, mais de 40% da
vida coletiva e em várias das
da vida individual, suprimindo força de trabalho não tinha emprego. O resultado foi um aumento da pressão social
quer as identidades
individuais, quer as de classe sobre a estrutura política cada vez mais frágil da República de Weimar e a abertura do
e de grupo, exercendo o caminho do poder para Adolf Hitler.
domínio absoluto através do
terror, da vigilância Face ao fracasso dos métodos deflacionistas clássicos e à ausência de uma política
permanente, da censura e da
propaganda. de cooperação internacional, os governos, seguindo as conceções do economista inglês
* Fascismo: ideologia e Keynes (1883-1946), irão adotar, a partir da 2.a metade da década de 30, políticas anti-
sistema político de natureza
racista que impõe a ditadura deflacionistas e no intervencionismo do Estado na economia para a superação da crise.
de um partido que governa
pelo terror e que suprime
todas as liberdades
individuais e coletivas, 2.2. As opções totalitárias
exaltando os valores do
nacionalismo, da autoridade A Primeira Guerra Mundial (1914-1918) e as suas consequências – crises económicas e
do Estado e do culto do chefe.
convulsões sociais, nomeadamente a Grande Depressão, exacerbação dos nacionalismos –
Assume diferentes
designações, como a de e o socialismo revolucionário desgastaram a organização social e ideológica das democra-
Nacional-socialismo na
Alemanha de Hitler. cias liberais e fizeram emergir o totalitarismo*. O fascismo* italiano, o nacional-socialismo
* Estalinismo: fenómeno alemão e o estalinismo* soviético pese embora as diferenças de natureza e origem (os
político-social que, durante
cerca de três décadas, teve dois primeiros constituem uma hiper-reação ao medo da expansão dos movimentos revo-
em José Estaline o seu lucionários de tipo socialista e o terceiro resulta da degeneração totalitária da Revolução
principal símbolo. Era
caracterizado pela Soviética), constituem os principais modelos da vaga totalitária que irrompeu na Europa
hipercentralização e no período entre as duas Grandes Guerras.
burocratização do Estado e
pelo controlo férreo da
economia e sociedade
soviéticas, uma repressão
paranoica e culto da (2)
Organizada sob os auspícios da SDN, a Conferência reuniu peritos e ministros das finanças dos principais países
personalidade. industrializados, para tentar tomar medidas comuns contra a depressão, mas não conseguiu suscitar consensos.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 169
A) O totalitarismo
Questão União Soviética entre Estaline (Secretário Geral do PCUS) e Trotsky (o principal organiza-
?
dor e comandante do Exército Vermelho).
1. Identifique três
princípios do fascismo Estaline sai vitorioso e, a partir de 1928, torna-se o líder da URSS e toma um con-
italiano enunciados no junto de medidas radicais com vista a retomar o caminho para o que considerava ser
documento.
uma sociedade socialista.
* Antissemitismo: forma de
racismo dirigida contra os
judeus, povo de origem – abandonou a Nova Política Económica (NEP) (1921-1928) e impôs a nacionalização e
semita (Semita deriva de
Sem, um dos filhos de Noé). coletivização dos meios de produção, acompanhadas por uma feroz perseguição aos
* Eugenismo: conceito kulaks (proprietários fundiários) sujeitando-os ao trabalho assalariado ou coletivo;
(racista) fundado no
objetivo de melhoria – organizou a exploração agrícola em kolkhozes (cooperativas de produção, trabalha-
(seleção) da “qualidade” de das coletivamente por camponeses e administradas por técnicos do Estado) e sovk-
uma população.
* Genocídio (ou “limpeza”
hozes (herdades equipadas e reguladas pelo Estado e cultivadas por trabalhadores
étnica): ação deliberada assalariados, pagos à tarefa);
cujo objetivo seja a
eliminação física de um – organizou o comércio em cooperativas de consumo e armazéns estatais;
grupo humano.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 171
As dificuldades económicas e sociais dos anos vinte e trinta colocaram sérios proble-
mas de sobrevivência às democracias parlamentares europeias e norte-americana.
* New Deal: medidas de Consequentemente, as empresas não contratam trabalhadores porque a procura dos
política económica e social
tomadas por Roosevelt bens é fraca, e os trabalhadores não procuram os bens porque estão desempregados.
para enfrentar a Grande
Depressão dos anos 30. As propostas de Keynes encontraram uma primeira aplicação nos EUA, com o New
Deal * (Doc. 5), um ambicioso programa de realizações proposto pelo presidente Franklin
Roosevelt (Fig. 6) nas eleições de 1932 para combater a crise económica e social.
Numa primeira fase, a prioridade foi relançar a economia e lutar contra o desemprego
através de:
– lançamento de grandes obras públicas;
– redução dos stocks industriais e agrícolas;
Fig. 6. Franklin Delano – travagem da descida dos preços através do controlo da produção industrial e da
Roosevelt (1882-1945). redução das áreas cultivadas;
Candidato pelo Partido
Democrata, foi eleito – manutenção dos rendimentos dos agricultores, compensando-os com créditos e
Presidente dos EUA em
1932 e reeleito três vezes indemnizações;
consecutivas.
– aumento dos salários, fixação de preços mínimos e máximos;
O New Deal
Numa segunda fase, o New Deal teve um caráter eminentemente social, lançando as
Pode-se observar (no New
Deal) três linhas de força: bases do estado-providência (Welfare State):
– A reorganização e o – o Social Security Act lançou as bases do sistema de Segurança Social, instituindo
relançamento de setores
fundamentais de subsídios na doença, na invalidez, no desemprego e na velhice;
atividades. A banca em
primeiro lugar (...), a – redução do horário de trabalho e fixação do salário mínimo;
indústria (...), a agricultura
(..) a energia elétrica (..), – fomento da habitação social e concessão de férias pagas;
os transportes (...);
– reforço do papel dos sindicatos (National Labor Relations Act).
– Uma política visando
repor os EUA numa posição
favorável no mercado O Welfare State estendeu-se posteriormente a outros países (Grã-Bretanha e França).
mundial: abandono do
padrão-ouro (1933), O bem-estar e a melhoria económica da vida dos seus cidadãos passaram a ser conside-
desvalorização do dólar (...);
rados como a base indispensável para assegurar a estabilidade da economia e das ins-
- Enfim, e é isto o
essencial do New Deal, a tituições políticas democráticas, ameaçadas pela gravidade da crise económica e social
procura de um novo dos anos 30 e pela expansão das forças fascizantes e também para evitar novas crises
compromisso social (...).
Não se trata por certo de sociais.
derrubar o capitalismo: “Foi
a minha administração (...)
que salvou o sistema de
lucro privado e da livre 2.3.2. Os governos de Frente Popular e a mobilização dos cidadãos
empresa.” (Roosevelt).
Michel Beaud, História do
Capitalismo, Lisboa Editorial A nível interno, a resistência das democracias à escalada do totalitarismo fascista exi-
Teorema, 1992.
giu, no plano político, a procura de consensos políticos, um diálogo nem sempre fácil
entre as forças de Esquerda e de Direita que, no caso das “velhas” democracias da
? Questões
França e da Grã-Bretanha, se alternaram no poder ou convergiram em governos de uni-
1. Explicite as principais
dade nacional.
linhas de ação do New Deal.
2. Comente a afirmação de Na Grã-Bretanha, o Partido Trabalhista de McDonald estabeleceu uma coligação com
Roosevelt destacada no
documento. os conservadores e liberais e constituiu um governo de União Nacional (1931-1935).
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 173
Contudo a resistência das democracias passou também pela união dos partidos de
Esquerda, englobando comunistas, socialistas e radicais. O objetivo prioritário era deter
o avanço do fascismo.
Em França, o socialista Léon Blum (1872-1950), líder da Frente Popular que coligou no
governo socialistas e radicais, com o apoio parlamentar dos comunistas, implementou,
entre 1936-1938, uma série de medidas destinadas a estimular a produção nacional,
designadamente a desvalorização do franco e a nacionalização do Banco de França. Para-
lelamente, negociou com a oposição um conjunto de reformas sociais, os Acordos de
Matignon (1937), reconhecendo aos operários o direito de celebração de contratos cole-
tivos de trabalho e à greve, o aumento dos salários, a redução do horário de trabalho
semanal para 40 horas, duas semanas de férias pagas.
Nos países industrializados aparece, nas primeiras décadas do século XX, uma cultura * Cultura de massas: oposta
à tradicional noção de
dirigida não só às elites, mas a públicos cada vez mais vastos, que aderem progressiva-
cultura, concebida como
mente a formas de lazer facilitadoras da libertação de tensões e da agressividade da vida um fenómeno de elites,
a cultura de massas
quotidiana e que realiza o desejo natural de evasão. Intensidade e escape estão, pois, afirma-se, pelo contrário,
intimamente ligados. como uma cultura dirigida
para o grande público, para
Desta forma, os novos prazeres do consumo característicos das sociedades industria- a ação, a perceção e a
transmissão do imediato,
lizadas estenderam-se também à cultura, originando o fenómeno que vulgarmente é deno- da novidade; heterogénea
minado por cultura de massas*. Pensada e elaborada para ser transmitida às grandes nos seus conteúdos e
formas e de duração
massas humanas na forma de bens de consumo culturais, transformou-se rapidamente efémera, caracteriza-a
numa verdadeira “indústria cultural”, adotando, na sua produção, os mecanismos e obje- uma abordagem, em regra,
superficial e com escasso
tivos de qualquer outra indústria: a divisão do trabalho, a especialização e o lucro. rigor científico.
174 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
– perceção pelo poder político das enormes potencialidades dos novos meios
de comunicação, nos domínios da informação e propaganda políticas.
Entre as modalidades desportivas que, nas primeiras décadas do século XX, mobili-
zam maiores públicos e paixões destacam-se:
– o futebol, o desporto-rei em Portugal e noutros países europeus e da Amé-
rica Latina; a realização do primeiro Campeonato do Mundo em 1930, no
Uruguai, consagra este desporto como um fenómeno de popularidade à
escala universal;
– o automobilismo, que adquire espetacularidade com os extraordinários pro-
gressos técnicos do automóvel (Fig. 10);
– o boxe, que atrai o entusiasmo de multidões e movimenta enormes somas Fig. 10. 1.o Grande Prémio de
(4)
de dinheiro ; França, em Le Mans (1906).
In www. lemansportugal.com,
– o ciclismo, que se torna muito popular graças às emoções que as grandes provas inter-
nacionais suscitam, tais como o Tour de France(5);
– o esqui na neve, originário da Noruega, conquista cada vez mais adeptos na Europa.
Transformada numa autêntica “fábrica de sonhos”, Hollywood produz filmes para todos
os públicos: musicais, westerns, romances, comédias, desenhos animados(6), histórias de
gangsters e de terror e cria os grandes mitos ou estrelas que marcam a história do
cinema dos anos 20 e 30: Charles Chaplin, Rudolfo Valentino, Shirley Temple, Greta
Garbo, Fred Astaire, Ginger Rogers e Marlene Dietrich.
(3)
Reinstaurados pelo barão Pierre de Coubertin, participaram nos primeiros Jogos Olímpicos da era moderna reali-
zados em abril de 1896, na cidade de Atenas, 241 atletas (masculinos) de 13 países que competiram em nove moda-
lidades. Nos Jogos de Amesterdão de 1928, participaram 2883 atletas de 46 países. Em 1924, realizaram-se em Cha-
monix os primeiros Jogos Olímpicos de Inverno.
(4)
O combate entre Jack Dempsey e Genne Tunney, em 1926, registou uma receita recorde de 2,6 milhões de dólares.
(5)
O 1.o Tour de France realizou-se em 1903, tornando-se na maior prova do ciclismo mundial.
(6)
Em 1926, Walt Disney, autor de filmes de desenhos animados, criou a figura do Rato Mickey. O primeiro filme de
longa-metragem de desenhos animados com cor e som foi Branca de Neve e os Sete Anões (1937).
176 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Mas os finais da década de 20 viram ainda nascer um dos inventos mais importantes
de todos os tempos no domínio da comunicação: a televisão. Embora por razões técni-
cas e económicas, só nos anos 40 se tenha imposto, o poder da imagem adquiriria nas
décadas seguintes uma projeção à partida inimaginável.
* Problemáticas sociais: o
seu ponto de partida é a 2.4.4. As preocupações sociais na literatura e na arte
teoria de que os intelectuais
e artistas deviam denunciar
os males sociais e apontar Durante a década de 1930, período marcado pela Grande Depressão e pelas graves
os caminhos para uma tensões e crises sociais e políticas que se lhe seguiram, a literatura e a arte ocidentais
sociedade mais justa e mais
pacífica. centram-se de novo na abordagem das problemáticas sociais*.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 177
A) O funcionalismo
(7)
Form follows function, a máxima do arquiteto norte-americano Louis Sullivan (1856-1924).
178 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
(8)
As aulas na Bauhaus eram dadas por dois elementos: um professor-artista (como P. Klee ou Kandinsky) e um téc-
nico ou artesão. Por outro lado, os alunos intervinham diretamente na direção da escola.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 179
O verdadeiro legado da Bauhaus reside não só naquilo que produziu, mas sobretudo
nas perspetivas que abriu aos processos de construção e ao ensino das artes e ofícios.
Lançando os princípios de uma união totalmente nova entre a arte e a máquina, propôs
uma abordagem global, essencial para o design, cujo principal propósito era “civilizar a
tecnologia”.
? Questão O cinema foi uma das áreas propícias à intervenção (manipulação) dos estados: a faci-
lidade de compreensão e o fascínio da linguagem fílmica fizeram dele um veículo privi-
1. Como se explica a
cumplicidade entre a legiado para a inculcação de valores, para a propaganda política e a formação (e homo-
cultura e o poder político geneização) de comportamentos sociais.
no século XX?
São exemplos, entre muitos outros, o filme O Nascimento de uma Nação (1915), uma
epopeia romantizada do realizador norte-americano David Griffith, ou O Couraçado
Potemkin (1925), de Sergei Eisenstein, e A Mãe (1926) de Pudovkin, filmes que
exaltam a Revolução Bolchevique. Ainda na URSS, na década de 30, o regime
impôs o denominado Realismo Socialista para promover junto das massas a
ideologia comunista e o culto à personalidade de Estaline através das letras e
das artes.
Nacional (1930), o Ato Colonial de 1930, a Constituição de 1933 (cuja aprovação por ple-
biscito legitimou o regime) e o Estatuto do Trabalho Nacional (1933), definiu-se a si pró- Documento 8
prio do ponto de vista ideológico como:
Os valores do Estado Novo
– antiliberal, antidemocrático e antiparlamentar: o exercício do poder político tinha Não discutimos Deus e a
como base o princípio do partido único, ou melhor, a recusa dos partidos políticos, virtude; não discutimos a
Pátria e a sua História; não
já que o único autorizado não se designava de partido mas de movimento unitário, discutimos a autoridade e
a União Nacional, um movimento que congregava as forças da direita, antimarxista o seu prestígio; não
discutimos a família e a
e conservadora, defensora dos valores tradicionais (Deus, Pátria, Família (Doc. 8), sua moral; não discutimos
autoridade, austeridade, moralidade); a glória do trabalho e o seu
dever.
– autoritário e dirigista: consagrou a supremacia do poder executivo e subalterniza- Salazar, discurso de 28 de
ção do legislativo; criou organizações milicianas para a defesa e propagação dos maio de 1936.
Desde o seu início, a base de sustentação da política económica do Estado Novo foi
a estabilidade financeira, sendo esta utilizada como uma referência de um governo aus-
tero e promotor do desenvolvimento económico do País.
O rigor orçamental das contas públicas trazia algumas vantagens à economia do Estado
Novo:
– a estabilização monetária, uma condição favorável ao investimento privado e à repa-
triação de capitais;
– taxas de juro mais baixas em consequência da diminuição dos riscos cambiais e do
aumento da oferta de capitais.
B) Defesa da ruralidade
(10)
A PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) foi criada em 1933, sendo substituída, em 1945, pela PIDE (Polí-
cia Internacional de Defesa do Estado). A GNR (Guarda Nacional Republicana) e a PSP (Polícia de Segurança Pública)
colaboravam com a polícia nas ações de repressão.
(11)
Segundo a Constituição de 1933, as corporações dividiam-se em: económicas e administrativas (Casas do Povo,
Casas dos Pescadores, Grémios…); morais e assistenciais (misericórdias…) e culturais (universidades, academias, …).
(12)
Para reforçar a ideia de Unidade Nacional e desarmar a condenação internacional do colonialismo a revisão cons-
titucional de 1951, alterou o termo “colónias” para “províncias”.
Unidade 2 - O agudizar das tensões políticas e sociais a partir dos anos 30 183
Para além daquelas organizações profissionais, havia ainda as Casas do Povo, que
reuniam camponeses e os proprietários das terras, e as Casas dos Pescadores, que asso-
ciavam trabalhadores e empresários ligados à pesca.
Documento 9 O Ato Colonial de 1930 (Doc. 9) – uma espécie de constituição para as colónias, pos-
teriormente integrado na Constituição de 1933 –, a Carta Orgânica do Império Colonial Por-
TÍTULO I – Das garantias
gerais
tuguês e a Reforma Administrativa Ultramarina (1933) reforçaram a subordinação das coló-
Art. 2.o – É da essência nias aos interesses metropolitanos:
orgânica da Nação
Portuguesa desempenhar a – no âmbito político, a defesa do direito e da integridade do património colonial era
função histórica de possuir apresentada como condição essencial da salvaguarda da independência nacional e
e colonizar domínios
ultramarinos e de civilizar da afirmação do País no contexto internacional;
as populações indígenas (...)
– sob o ponto de vista económico, as colónias eram vistas essencialmente como mer-
Art. 3.o – Os domínios
ultramarinos de Portugal cados abastecedores de matérias-primas e consumidores dos produtos da metró-
denominam-se colónias e pole, bem como uma fonte de receitas alfandegárias para o Estado e de acumula-
constituem o Império
Colonial Português. (...) ção de capitais para grandes empresas nacionais;
TÍTULO II – Dos indígenas – relativamente às populações autóctones das colónias, recuperando o argumento
Art. 22.o - Nas colónias oitocentista para justificar o colonialismo europeu (o mito do “fardo do homem
atender-se-á ao estado de
evolução dos povos nativos branco”), competiria a Portugal a “missão histórica de colonizar e civilizar” as popu-
havendo estatutos lações, sendo-lhes atribuídos diferentes estatutos conforme o grau de “civilização”:
especiais dos indígenas
que estabeleçam para aos europeizados e cristianizados era atribuído o estatuto de assimilados, o que
estes (...) regimes jurídicos lhes garantia direitos de cidadania portuguesa; os africanos e timorenses, que não
de contemporização com
os seus usos e costumes entravam nesta categoria, eram catalogados como indígenas.
(...).
TÍTULO IV – Das garantias Depois da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), num contexto internacional de forte
económicas e financeiras oposição ao colonialismo, a política colonial portuguesa e os seus efeitos, designada-
Art. 47.o - A autonomia
mente a situação de servidão da maioria dos Africanos e de estagnação económica das
financeira das colónias fica
sujeita às restrições (...) colónias, foi objeto de duras críticas por parte de potências e organizações internacio-
que sejam indispensáveis
nais. Para aliviar a pressão internacional, o Estado Novo introduziria algumas alterações –
(...) pelos perigos que
estas possam envolver mais formais do que substanciais – à sua política colonial, no início dos anos 50, como
para a metrópole. oportunamente se verá.
Ato Colonial, 1930.
riado de Propaganda Nacional e censura) e pela profunda desconfiança do regime relati- 1936
Criação da Legião
vamente aos meios intelectuais e académicos. Portuguesa e da Mocidade
Portuguesa.
Como resultado, a elite cultural foi-se restringindo-se e afastando progressivamente 1940
da massa da população e da realidade do País. Exposição do Mundo
Português.
186 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Em Síntese
• Nos países de tradição liberal e democrática (Inglaterra, França…), os acordos entre forças de
diferentes quadrantes ideológicos – governos de Frente Popular – e a aplicação de refor-
mas sociais e económicas permitiram aos regimes democráticos sobreviver à violenta ins-
tabilidade sociopolítica.
• Nos países onde não existia essa tradição, os regimes demoliberais tornaram-se mais vul-
neráveis à radicalização política, ideológica e nacionalista e não sobreviveram. Na Itália,
Mussolini impôs a ditadura fascista (1925). Na Alemanha, Hitler, líder do Partido Nacional-
-Socialista (NSDAP), apelou ao orgulho alemão ferido e agitou a ameaça do comunismo
para conquistar o poder e impor a ditadura nazi (1933).
APRENDIZAGENS RELEVANTES
Na Europa e fora dela, a partir dos anos 20, a ideologia fascista foi conquistando
adeptos e tomou o poder em múltiplos estados:
– em Itália, a crise do pós-guerra abriu o caminho do poder às “legiões” fascistas lide-
radas por Mussolini (Marcha sobre Roma, em outubro de 1922);
– em Portugal, o levantamento militar de 28 de maio de 1926 comandado pelo Gene-
ral Gomes da Costa levou ao regime de Ditadura Militar (1926-1933), que antecedeu
o Estado Novo (1933-1974);
– na Alemanha, a República de Weimar cedeu o lugar, em 1933, à ditadura de Hitler;
– nas Repúblicas Bálticas, Polónia, Hungria, Bulgária, Roménia, Jugoslávia,
Albânia, Grécia e Turquia também triunfaram regimes ditatoriais;
– na Áustria, o partido nazi reclamou a integração do país na Alemanha, o velho
sonho do Anschluss, a reunificação, concretizado por Hitler, em 1938. (Fig. 1).
– em Espanha, o general, Franco, depois da vitória na Guerra Civil (1936-1939)
das forças nacionalistas e conservadoras, instaurou uma ditadura fascista.
Cronologia
3.2. Reações aos totalitarismos fascistas
1931
Invasão da Manchúria pelo
Japão.
3.2.1. As hesitações face ao imperialismo e à Guerra Civil de Espanha
1933
Aos fatores explicativos da expansão do fascismo no mundo deve-se acrescentar um
Abandono do Japão da SDN.
1934 outro igualmente determinante: as debilidades e hesitações demonstradas pela SDN e
Pacto germano-polaco; pelo regimes democráticos face aos avanços imperialistas dos regimes fascistas.
primeira tentativa alemã
de anexar a Áustria. A inoperância da SDN, a incapacidade e a passividade das democracias europeias face
1935
às agressões imperialistas dos regimes fascistas tiveram na Guerra Civil de Espanha uma
Reintegração do Sarre na
Alemanha. Invasão da demonstração exemplar.
Etiópia pela Itália.
1936 Em 1936, as forças conservadoras, compostas pelos grandes proprietários rurais, cató-
Início da Guerra Civil de licos, monárquicos e forças armadas comandadas pelo general Francisco Franco (1892-
Espanha.
-1975), sublevaram-se contra o governo democrático saído das eleições que deram a vitó-
1938
Anexação pela Alemanha ria às forças de esquerda coligadas na Frente Popular. A Guerra Civil (1936-1939) que se
da Áustria (Anschluss). lhe seguiu opôs os nacionalistas (ou franquistas) aos republicanos.
Acordos de Munique:
França e Inglaterra Mas este conflito não se circunscreveu a Espanha. Razões de natureza ideológica e
consentem à Alemanha
a ocupação dos Sudetas estratégica levaram Hitler e Mussolini a apoiar económica e militarmente os franquistas,
(Checoslováquia). enquanto o lado republicano tinha o apoio limitado da URSS e das Brigadas Internacio-
1939
nais, constituídas por voluntários simpatizantes da esquerda europeia mas sem experiên-
Ocupação pela Alemanha
da Boémia e da Morávia cia militar.
(Checoslováquia). Anexação
pela Itália da Albânia. Itália Enquanto os fascismos se uniam, as democracias francesa e britânica mantiveram-se
e Alemanha assinam o
numa posição de não-intervenção, de neutralidade passiva a qualquer preço. Alemães e
Pacto de Aço. Pacto de não
agressão germano- italianos puderam, assim, não só testar armas e estratégias num teatro de guerra real
-soviético. Invasão da como pôr à prova, mais uma vez, a passividade e a falta de solidariedade entre os regi-
Polónia. Início da Segunda
Guerra Mundial. mes democráticos e reforçar a sua confiança para desencadear a Segunda Guerra Mundial.
gelados bosques russos. No Pacífico, o seu aliado japonês controlava vastas áreas terri-
toriais e marítimas.
O ataque à URSS por Hitler havia já alargado em grande escala o teatro da guerra, a
entrada em cena, no final de 1941, dos EUA, na sequência do ataque japonês à frota ame-
ricana em Pearl Harbor, sem prévia declaração de guerra, dá ao conflito um caráter mun-
dial. A partir de então, combate-se na Europa, em África, na Ásia e na Oceânia; no oceano
Atlântico como nos oceanos Índico e Pacífico.
A partir do Verão de 1942, o contra-ataque vitorioso das forças aliadas invertem a ten-
dência da guerra: no Pacífico, a vitória nas batalhas de Midway e de Guadalcanal (1942)
dá aos norte-americanos o controlo desta importante área estratégica; no Norte de África,
o domínio dos alemães começa a retroceder após a vitória do exército britânico coman-
dado por Montgomery em El Alamein (1942); na Europa, o sucesso na batalha de Estali-
negrado (1943) permite aos soviéticos iniciar o seu avanço para ocidente; no final do
verão de 1943, forças britânicas e americanas desembarcam na Sicília.
No plano político, as alterações mais significativas são: a queda dos regimes totalitá-
rios, a divisão da Alemanha em quatro zonas sob o controlo das potências vencedoras
(EUA, URSS, Reino Unido e França); a anexação pela URSS de territórios da Polónia, Fin-
lândia e Roménia e os Estados Bálticos; a perda pelo Japão das suas conquistas na Ásia
e Pacífico; afirmação da preponderância dos EUA e da URSS nas relações internacionais.
Separadas por irredutíveis diferenças ideológicas e políticas, estas duas superpotências
que na Segunda Guerra Mundial lutaram lado a lado contra o inimigo comum – o nazi-
fascismo – irão, nas décadas seguintes, envolver-se num conflito de características dife-
rentes pela disputa da hegemonia à escala mundial.
190 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
NORUEGA FINLåNDIA
SUCIA
ESTîNIA
LETîNIA
Mar DINAMARCA
IRLANDA REINO do LITUåNIA
Norte RòSSIA
UNIDO
Danzig
Londres
HOLANDA Berlim Varsvia
BLGICA ALEMANHA POLîNIA
JUGOSLçVIA
ESPANHA ITçLIA BULGçRIA
Crsega Sfia
Roma
ALBåNIA
Sardenha TURQUIA
Mar Mediterrneo GRCIA
Esmirna
Siclia Atenas
0 400 km
(...)
2. O que a Revolução Russa tem de particular na atualidade é a transição da primeira etapa da revo-
lução, que deu o poder à burguesia devido ao nível insuficiente de consciência e organização do proleta-
riado, à segunda etapa, que deve transferir o poder para as mãos do proletariado e do campesinato. (…)
1.1. Identifique, com recurso ao documento 1, as principais alterações no mapa político da Europa no
primeiro pós-guerra.
1.3. Esclareça, com recurso ao documento 3, o sentido inovador do Abstracionismo no âmbito dos movi-
mentos de vanguarda da primeira metade do século XX.
Uma das grandes virtudes da República, exercida já antes da sua proclamação pelos que a defendiam
e propagavam, foi o regresso do país à vida política, no bom sentido da palavra. [...]
Como? Pela vida democrática, isto é, pela organização das forças republicanas por toda a parte. A nossa
função é agora mais grave e difícil do que nunca. Só nós podemos servir de garantia ao povo, que fez a
República sobre a base de um programa [...]. Só nós podemos defender dos múltiplos ataques da reação –
a de dentro e a de fora de fronteiras – o esforço já realizado e as conquistas já feitas: a República como
forma política definitiva do governo do Povo e não como disfarce de governo de uma classe ou de uma
casta, ainda que seja a dos políticos e as leis republicanas que lhe deram a feição própria no campo das
ideias essenciais ao progresso humano.
Falta, porém, realizar uma parte muito importante do programa partidário: resolver os grandes problemas
sociais por meio de fórmulas práticas e de rápida aplicação, em harmonia com as exigências e recursos do
país. [...] dois anos de República – triste é dizê-lo! – nós não realizámos ainda todo esse programa. [...]
Urge, pois, restabelecer as nossas finanças, criando receitas e fazendo economias, acabando com orga-
nismos parasitários que estão vivendo uma vida rica dentro do Estado pobre.
Ao mesmo tempo, é preciso cuidar da defesa nacional, marítima e terrestre, com os olhos postos no
que vai sucedendo pela casa alheia, e sempre lembrados da má vontade que despertou na Europa monár-
quica a nossa ousadia de termos proclamado e realizado uma República anticlerical e avançada! Cuidemos
também, e desde já, da instrução e da educação do povo. [...]
Urge também sanear a administração pública, modificar os processos de administração local. Não é ape-
nas com homens honrados que se governa: é preciso preparar as instituições locais para a vida nova e
orientar num sentido progressivo a administração superior, tanto continental como ultramarina [...].
É preciso também não fazer política partidária na administração local e encontrar em severas penalida-
des da lei eleitoral um modo prático, à inglesa, de acabar por completo com o cacique.
Tal é o quadro das nossas responsabilidades. Elas são graves, mas são também honrosas.
Afonso Costa,
“Discurso proferido em Santarém a 10 de novembro de 1912”, in O Mundo, de 13 de novembro de 1912.
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
Deve integrar na resposta, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis no documento.
192 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
Penso, portanto, que uma socialização bastante ampla do investimento será o único meio de assegu-
rar uma situação aproximada de pleno emprego, embora isso não implique a necessidade de excluir ajus-
tes e fórmulas que permitam ao Estado cooperar com a iniciativa privada (...).
Não é a propriedade dos meios de produção que convém ao Estado assumir. As indispensáveis medi-
das de socialização podem, aliás, ser introduzidas por etapas, sem afetar as tradições gerais da sociedade.
3.1. Explicite o contexto socioeconómico e político em que se enquadram as soluções defendidas pelo autor
do documento 5.
3.2. Explique, com base nos dados do documento 6, a estratégia do regime soviético, nos anos 30 do
século XX.
A Ditadura surgiu contra a desordem nacional. Era um dos expoentes dela o parlamentarismo e a des-
regrada vida partidária: a nossa realização da democracia foi, sem contestação, lamentável. A culpa era ou
do regime parlamentar ou dos seus servidores: quanto mais absolvermos estes, mais culpas encontrare-
mos naquele [...].
O processo da democracia parlamentarista está feito; a sua crise é universal; supõem ainda alguns que
esta é passageira e provocada pelas dificuldades igualmente transitórias do presente momento; os res-
tantes creem que findou para sempre a sua época. A Ditadura Nacional, precursora em mais de um ponto
de um largo movimento de renovação política, declarou dissolvidos os partidos; estavam porém neles,
pode-se dizer, as maiores forças políticas da Nação. Alguns homens públicos tiveram a intuição do
momento e vieram colaborar com a Ditadura; muitos alhearam-se, [...] muitos seguiram clara ou encapo-
tadamente o caminho das conspirações e das revoltas e têm sido sucessivamente reduzidos pelo Exército
à impotência. [...]
Nós temos uma doutrina e somos uma força. Como força, compete-nos governar: temos o mandato de
uma revolução triunfante, sem oposições e com a consagração do País; como adeptos de uma doutrina,
importa-nos ser intransigentes na defesa e na realização dos princípios que a constituem. [...]
Alguns homens dos antigos partidos supõem-se ligados por uma disciplina que, no estado atual da polí-
tica portuguesa, devo dizer, já nada significa. Independentemente disso, eles não sabem se devem traba-
lhar com a Ditadura e ingressar na União Nacional: este problema, porém, não pode ser resolvido por nós.
A União Nacional vai ser uma espécie de padrão por onde se hajam de aferir a inteligência e o patriotismo
dos homens.
4.1. Analise as afirmações de Salazar no quadro da oposição do novo regime à República parlamentar.
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
Deve integrar na resposta, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis no documento.
194 Módulo 7 - Crises, embates ideológicos e mutações culturais na primeira metade do século XX
O governo do Reich alemão e o governo da URSS, guiados pelo desejo de fortalecer a causa da paz
entre a Alemanha e a URSS, e partindo das disposições de base do tratado de neutralidade entre a Ale-
manha e a URSS em abril de 1926, chegaram ao seguinte acordo:
Art.o 1.o – As partes contratantes obrigam-se a abster-se de qualquer ato de violência e de qualquer
manobra agressiva e de qualquer ataque de uma contra a outra, tanto isoladamente como em coligação
com outras potências.
Art.o 2.o – No caso de uma das partes contratantes ser objeto de agressões militares por parte de uma
terceira potência, a outra compromete-se a não prestar apoio de nenhum tipo a esta terceira potência. (...)
J. Lupianez e outro, Historia del Mundo Contemporáneo, Granada, Port-Royal Ediciones, 2000, p. 257.
5.2. Refira os interesses da Alemanha e da URSS na celebração do Pacto germano-soviético (documento 10).
Questões Para Exame 195
março março
1936 1939
13 março 1938
abril
1939
março
Franco-Inglesa 1939
6.1. Desenvolva o seguinte tema: agravamento das tensões na Europa no final da década de 30 do século
XX.
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
Deve integrar na resposta, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis no documento.
196 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Contextualização
A Segunda Guerra Mundial determinou a vitória dos Aliados sobre os totalitarismos nazi-fas-
cistas, um novo mapa político europeu, o estabelecimento de dois sistemas ideológica e
politicamente antagónicos que, durante mais de quatro décadas, bipolarizaram o Mundo e
alimentaram um clima de “Guerra Fria” nas relações internacionais.
Em Portugal, apesar da pressão interna e externa, o regime autoritário do Estado Novo reprime
as aspirações de liberdade e de democracia pluralista do povo português e a vontade de
emancipação dos territórios coloniais. A resistência interna e a Guerra Colonial desgastaram
o regime, derrubado pela Revolução de 25 de Abril de 1974.
No período subsequente à Segunda Guerra Mundial a aceleração do progresso científico e
técnico traz respostas cada vez mais eficazes aos grandes problemas relativos ao Universo,
à Vida e ao Homem, induzindo profundas transformações nos comportamentos e na cultura.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Compreender que, após a Segunda Guerra Mundial, a vida internacional foi determinada
pelo confronto entre as duas superpotências defensoras de ideologias e de modelos polí-
tico-económicos antagónicos**.
– Caracterizar as políticas económico-sociais das democracias ocidentais, no segundo pós-
-guerra**.
– Relacionar a aceleração dos movimentos independentistas com o direito internacional
estabelecido após a Segunda Guerra Mundial e com a luta das superpotências no contexto
da Guerra Fria.
- Identificar os condicionalismos que concorreram para o enfraquecimento do bipolarismo
na década de 70.
CONCEITOS/NOÇÕES
Descolonização**; Guerra Fria**; Social-democracia**; Democracia cristã**; Sociedade de consumo;
Democracia popular; Maoísmo; Movimento nacionalista; Terceiro Mundo; Neocolonialismo
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 197
O conflito mundial não tinha ainda terminado e os dirigentes políticos dos Aliados – Cronologia
ou mais precisamente, das três grandes potências vencedoras, EUA, URSS e Reino Unido –
1943
reuniram-se em várias conferências para concertar a nova ordem internacional do pós-guerra.
Janeiro – Conferência de
Casablanca.
A primeira destas reuniões interaliadas ocorreu em Casablanca (Marrocos), em 1943.
Outubro – Conferência de
Seguiu-se-lhe a Conferência de Moscovo ainda nesse ano, onde começou a ser discutida Moscovo.
a partilha de interesses na Europa do pós-guerra. Novembro – Conferência de
Teerão.
A Conferência de Teerão(1) em novembro-dezembro de 1943, que juntou pela primeira
1945
vez os três grandes líderes – Roosevelt, Estaline e Churchill –, mostrou a superioridade Fevereiro – Conferência de
de soviéticos e norte-americanos relativamente às potências europeias, já que a França Ialta.
Julho – Conferência de
foi esquecida e o Reino Unido subalternizado, apesar da presença de Churchill.
Potsdam.
A conferência mais importante para o reordenamento do mundo do pós-guerra reali-
zou-se em Ialta (Fig. 1), na península da Crimeia (URSS), em fevereiro de 1945, quando
a vitória dos Aliados era já tida como certa.
(1)
Em Teerão (Irão) começou a ser preparado o desembarque aliado na Normandia (Dia D), a partilha da Alemanha e
a redefinição das fronteiras da Polónia.
198 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
* Desnazificação:
– desnazificação*, desmilitarização e desarmamento;
desmantelamento das
estruturas e saneamento – julgamento dos criminosos de guerra por um tribunal formado pelas quatro potên-
dos quadros do nazismo.
cias aliadas;
– pagamento de indemnizações;
– definição do estatuto político da Alemanha durante o período de controlo militar
aliado: demarcação das zonas de ocupação pelas forças armadas americanas, sovié-
ticas, britânicas e francesas e definição de um estatuto especial para a cidade de
Berlim.
Mas a Segunda Guerra Mundial não fez apenas emergir duas potências face a uma
Europa arruinada e remetida a um papel secundário no novo sistema internacional; fez
nascer também duas zonas ou áreas de influência:
1941 A primeira tinha os EUA como parceiro; a segunda estava associada à URSS. A socie-
Agosto – Carta do
Atlântico. dade internacional bipolariza-se.
1942
Janeiro – Declaração das B) A Organização das Nações Unidas (ONU)
Nações Unidas.
Apesar do fracasso da Sociedade das Nações (SDN) que não foi capaz de intervir nos
1945
Abril – Conferência de São principais conflitos do período entre as duas guerras (Guerra Civil de Espanha, invasão
Francisco (Califórnia):
elaboração da Carta das
da Abissínia pela Itália fascista, conflito sino-japonês, etc.) nem de evitar a Segunda
Nações Unidas. Guerra Mundial, a ideia de criar uma organização de nações de caráter universal foi reto-
Junho – Assinatura da
mada ainda em plena guerra na Carta do Atlântico (1941), subscrita pelo Primeiro-Ministro
Carta das Nações Unidas:
criação da ONU. britânico Churchill e pelo Presidente dos EUA Roosevelt.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 199
Algum tempo depois, em 1 de janeiro de 1942, era publicada a Declaração das Nações Documento 1
Unidas, onde vinte e seis estados proclamavam a sua adesão aos princípios da Carta do
Art.º 1.º - Os fins das Nações
Atlântico, transformada deste modo no texto inspirador do novo ordenamento da vida Unidas são:
internacional. 1. Manter a paz e a
segurança internacionais
Depois de discutido o seu projeto na Conferência de Dumbarton Oaks (EUA), em 1944, (…);
2. Desenvolver relações
os representantes de 51 países assinaram em São Francisco, a 26 de junho de 1945, a amistosas entre as nações
Carta das Nações Unidas (Doc. 1) que instituiu a Organização das Nações Unidas (ONU), baseadas no respeito do
princípio da igualdade de
com sede em Nova Iorque. direitos e da
autodeterminação dos
povos (…);
Os objetivos da ONU estão definidos na sua Carta: 3. Conseguir uma
cooperação internacional
1. Manter a paz e segurança internacionais; para resolver os problemas
internacionais de caráter
2. Desenvolver relações de amizade entre as nações baseadas no respeito dos prin- económico, social, cultural
cípios da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos; ou humanitário, e para
promover e estimular o
3. Promover a cooperação internacional de caráter económico, social, cultural ou respeito pelos direitos
humanos e pelas
humanitário, e para promover e estimular o respeito pelos direitos humanos e pelas liberdades fundamentais
liberdades fundamentais de todos sem distinção de raça, sexo, língua ou religião; para todos sem distinção
de raça, sexo, língua ou
4. Ser um centro (forum) destinado a harmonizar os esforços das nações para con- religião;
4. Ser um centro destinado
cretizar estes objetivos. a harmonizar a ação das
nações para a consecução
desses objetivos comuns.
Carta das Nações Unidas,
Ação da ONU 1945.
A ação da ONU (Fig. 3), no exercício do papel que lhe é atribuído na manutenção da
paz e na arbitragem dos conflitos internacionais, tem sido objeto de críticas mas também ? Questão
– a incapacidade para evitar a explosão de Conselho Econmico e Social Tribunal Internacional de Justia
(18 membros eleitos por 3 anos) (15 juzes eleitos por 9 anos)
conflitos armados em múltiplas partes do
Instituies e servios especializados:
globo, explicada em grande parte pelo UNICEF: Fundo de Ajuda Internacional e AIEA: Agncia Internacional
das Naes Unidas para a Criana. da Energia Atmica.
facto de que qualquer intervenção das Na- Nova Iorque
Washington FMI: Fundo Monetrio Paris
Internacional.
Viena
ções Unidas ter de passar pelo Conselho de BIRD: Banco Internacional para a
Reconstruo e o Desenvolvimento.
Berna
Segurança, onde funciona com demasiada UNESCO: Organizao Genebra UPU: Unio Postal
das Naes Unidas para Universal.
a Educao, a Cincia e Cultura. Roma
frequência o veto das grandes potências. OIT: Organizao
Internacional do Trabalho.
OMS: Organizao FAO: Organizao para a
Mundial da Sade. Alimentao e a Agricultura.
OMC: Organizao Mundial
do Comrcio.
Três grandes questões teriam de ser resolvidas para evitar problemas idênticos aos
criados à economia mundial no primeiro pós-guerra:
– a questão das taxas de câmbio: como fixar as paridades(3) das moedas?
– a questão da reconstrução das infraestruturas económicas parcial ou totalmente
destruídas pela guerra: como financiá-las?
– a questão da organização das trocas internacionais de mercadorias: como evitar as
restrições protecionistas do período entre as duas guerras?
Taxa de
cmbio As medidas aí tomadas passaram a constituir o que ficou conhecido
Libra Franco Lira ajustvel
Outras...
( ou 1%) como os Acordos de Bretton Woods que estabeleceram:
FMI Ð assegura/gere as reservas monetrias internacionais
Ð Dlar, moeda-chave do sistema – um novo Sistema Monetário Internacional (SMI) baseado na fixação das
Ð Preponderncia da economia norte-americana
paridades das divisas e na cooperação dos estados; na prática, isto
Fig. 4. O sistema de implicava, ao contrário do que se passou nos anos 30, que os estados não podiam
Bretton Woods (1944-1971).
manipular livremente o valor da sua moeda, em particular, que recorressem a des-
valorizações competitivas, através das quais um Estado procura obter vantagem
sobre os seus parceiros;
– as paridades oficiais das moedas que foram definidas em peso ouro ou em dóla-
res, o que resultava no mesmo, uma vez que o dólar era associado ao ouro a uma
paridade oficial constante de 35 dólares por onça (28,350 gramas);
(2)
Apesar de todos os estados-membros da ONU terem subscrito a Declaração, a verdade é que esse facto não implica
o seu cumprimento: apenas os países que assinaram os Pactos dos Direitos do Homem se obrigam a incorporá-los
na sua legislação e a aplicá-los; e o número de países aderentes a estes Pactos representa uma minoria.
(3)
Paridade: o valor de uma moeda expresso pelo seu peso em ouro noutra moeda.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 201
Foi com este propósito que se reuniu, em 1947, em Havana, a Conferência das Nações
Unidas para o Comércio e o Emprego. Desta conferência saiu a elaboração de um texto
conhecido como Carta de Havana que instituía uma Organização Internacional de Comércio
(OIC), destinada a regular a desejada liberalização das trocas comerciais. No entanto, a
Carta não vingaria devido à oposição dos EUA, curiosamente, o principal promotor da ideia.
(4)
Com esta decisão, o dólar substituiu a libra como moeda de referência para o comércio internacional e para os
movimentos de capitais. Este compromisso seria abandonado por Nixon, em 1971, ato que provocaria a falência do
sistema.
(5)
Posteriormente constituiria com a Sociedade Financeira Internacional (criada em 1956), o Banco Mundial.
(6)
O GATT, criado para regular provisoriamente as relações comerciais internacionais, acabaria, de facto, por desem-
penhar o seu papel durante mais de quatro décadas. Em 1994, o GATT daria lugar à criação da Organização Mundial do
Comércio (OMC).
202 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Chade
45
19
Nigria
Qunia Direitos Humanos (1948);
Zaire
Angola – o apoio das duas superpotências, os EUA
195 Nambia Moambique
7-1
9 65 e URSS, fundado na defesa do direito
0 2 500 km
Os motores da independncia dos povos à autodeterminação, na conde-
Apoio da China aos Iniciadores do no-alinhamento Solidariedade entre Òirmos nação do colonialismo e no interesse em
movimentos independentistas muulmanosÓ
asiticos
alargar as respetivas áreas de influência;
Fig. 5. As fases ou vagas dos
– o prestígio internacional de alguns dos
processos de descolonização
(1945-1975). líderes nacionalistas.
M. Nouschi, ob. cit., p. 189.
e resultou na independência da Indonésia em 1949. Mas a guerra travada pela França 1946-1954
Guerra da Indochina.
com a guerrilha Viet Minh(7) na Indochina durou oito anos (1946-1954) e teve episódios
1947
dramáticos, como a batalha de Dien Bien Phu (1954) ganha pelos vietnamitas. Independência da Índia e
do Paquistão.
Depois de oito anos de guerra, a França acabaria por reconhecer finalmente a inde-
1948
pendência dos diversos países da Indochina: Laos, Camboja e Vietname.
Independência da Birmânia
e das Filipinas.
Na sequência dos acordos de Genebra (1954) o Vietname foi dividido em dois esta-
Assassinato de Gandhi.
dos: o Vietname do Norte e o Vietname do Sul. O primeiro era governado por um regime
1951
comunista, enquanto que no segundo era um regime militar que controlava o poder. A his- Independência da Líbia.
tória das duas décadas seguintes da vida destes dois países ficaria marcada por uma nova 1954
guerra, que mobilizou a Frente Nacional de Libertação (vietcong) do Vietname do Sul, Vitória vietnamita de Dien
Bien Phu sobre o exército
apoiada pelo Vietname do Norte, contra a presença norte-americana e a ditadura militar colonial francês.
do Vietname do Sul. Esta guerra (1963-75) terminaria com a derrota norte-americana e a uni- 1955
ficação nacional do Vietname. Conferência Afro-asiática
de Bandung.
1963-1975
Guerra do Vietname.
1.2. O tempo da Guerra Fria – a consolidação de um mundo bipolar
1.2.1. O mundo capitalista
Documento 2
A) A política de alianças liderada pelos EUA
Doutrina Truman
O fim da Segunda Guerra Mundial não trouxe uma efetiva pacificação das relações As sementes dos regimes
internacionais. Com efeito, vencido o fascismo pela aliança conjuntural dos países de demo- totalitários são
alimentadas pela miséria e
cracia liberal juntamente com a União Soviética comunista, e uma vez terminado o con- a fome. Crescem e
flito mundial, renasceram de imediato as divergências políticas e ideológicas entre os multiplicam-se no solo
árido da pobreza e da
vencedores. desordem e atingem o seu
desenvolvimento máximo
O clima de tensão entre os Aliados vencedores da guerra é já bem percetível nas logo que a esperança de
negociações dos diversos tratados de paz. A rutura declara-se abertamente quando em um povo numa vida melhor
morre. É preciso que
12 de março de 1947 o presidente Truman apresentou ao Congresso dos EUA a chamada mantenhamos esta
doutrina Truman (Doc. 2). esperança viva. Os povos
livres do mundo esperam
Na sua comunicação, Truman assume claramente o fim do tradicional isolacionismo que nós os ajudemos a
defender as suas
norte-americano e proclama que a prioridade da política externa norte-americana é “con- liberdades. (…)
ter” o comunismo soviético dentro dos limites acordados nos tratados do pós-guerra. Tru- Harry Truman,
12 de março de 1947.
man defende que a melhor forma de o fazer é através do apoio económico e militar aos
países “amigos” para que possam viver livres da ameaça de regimes totalitários.
? Questões
A estratégia de Truman (containment politics) concretizou-se no Plano Marshall (1947)
1. Explicite a associação de
e na organização de um sistema de alianças militares liderado pelos EUA. Truman entre regimes
totalitários e a pobreza e
desordem.
Viet Minh: Frente de Independência do Vietname. Força de guerrilha criada em 1941, agrupava comunistas e nacio-
(7) 2. Relacione a doutrina
nalistas. A partir de 1949, passou a ter o apoio da China comunista (maoísta). Truman com a Guerra Fria.
204 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
+ Para saber mais mento de que a “marshallização” significa a colonização da Europa pelos Estados Uni-
dos. Como contrapartida, os delegados dos partidos comunistas de França, Itália, URSS,
Elabore uma resenha
biográfica das Bulgária, Checoslováquia, Roménia, Polónia, Jugoslávia e Hungria à Conferência dos Par-
personalidades tidos Comunistas realizada em setembro de 1947, na Polónia, aprovam o relatório de Jda-
apresentadas na fig. 7.
nov (1896-1948), conhecido por “doutrina Jdanov”. Neste relatório, afirma-se que o
mundo está dividido em dois campos opostos:
– um campo “imperialista”, dirigido pelos EUA;
– e um campo “democrático e anti-imperialista”, liderado pela URSS.
conjunto dos dezasseis estados membros. Em 1948, vinte e três países, que controlavam
80% do comércio mundial, assinaram os acordos do GATT. Igualmente significativo foi o
impulso que o Plano deu às tendências de unidade europeia, concretizadas em 1951 na
criação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) e, alguns anos depois, na
Comunidade Económica Europeia (CEE), fundada pelo Tratado de Roma (1957).
As alianças militares
Cronologia
A estratégia dos Estados Unidos de conter ou limitar a influência soviética incluiu tam-
1947
bém a vertente militar. Preocupados com os comportamentos de Estaline, os governos
Pacto de Dunquerque.
europeus ocidentais acolheram bem as propostas americanas de uma aliança militar.
1948
Em 1947, a França e o Reino Unido firmaram o Pacto de Dunquerque, alargado no ano Pacto de Bruxelas: União
de Bruxelas.
seguinte ao Benelux (Bélgica, Holanda e Luxemburgo) através da assinatura de uma nova
1949
aliança, o Pacto de Bruxelas, que dá origem à União de Bruxelas. Este processo prosse- Tratado do Atlântico:
guiu com a criação da UEO (União da Europa Ocidental), em 1954. criação da OTAN (NATO).
1951
Conscientes da sua inferioridade militar, os estados europeus ocidentais começam a
Criação do ANZUS.
ver a URSS como uma verdadeira ameaça à sua segurança e solicitam ao governo dos
1954
Estados Unidos um compromisso de assistência em caso de crise grave e o estabeleci- Fundação da UEO.
mento de uma aliança defensiva. Em 4 de abril de 1949, os países europeus signatários Criação do SEATO.
do Pacto de Bruxelas, mais a Islândia, a Noruega, a Dinamarca, a Itália e Portugal, assi- 1955
Criação da CENTO.
naram com os Estados Unidos e o Canadá, em Washington, o Tratado do Atlântico, que
esteve na origem da criação da OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte)(11).
(11)
Ou NATO, na expressão anglo-saxónica. A OTAN, como se afirma numa expressão consagrada servia para “manter
os EUA na Europa, os russos fora e os alemães controlados”. A Grécia e a Turquia tornaram-se seus membros em
1952 e a Alemanha em 1955.
(12)
O atlantismo é a aceitação deliberada da dependência da Europa em relação aos EUA, a partir da dupla convicção
da identidade de interesses entre as duas regiões e da superioridade norte-americana.
206 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
D) A prosperidade económica
Numa Europa livre mas destruída, e a que falta quase tudo, a retoma da atividade eco-
nómica normal só se verifica após um período de reconstrução de cerca de cinco anos.
Mas, a partir do início da década de 50 e até meados da década de 70, os “Trinta Anos
Gloriosos”, as economias industriais ocidentais entram num período de acele-
%
12,6
10 rado crescimento económico(13). Ainda que o ritmo deste crescimento não seja
igual em todos os países, pois este depende das circunstâncias próprias de
5 5,5 5,4 4,9
2,9 cada um, a verdade é que globalmente o mundo capitalista conhece uma
0
Frana Alemanha Reino Japo EUA época de prosperidade económica excecional (Fig. 9).
Unido Fonte: INSEE
(13)
Crescimento económico: aumento da produção e do rendimento. Calcula-se a partir da variação do produto nacional
bruto (PNB) ou do produto interno bruto (PIB) no período de um ano.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 207
Ao mesmo tempo, a mais ampla e mais direta intervenção dos poderes públicos, par-
ticularmente evidente no Reino Unido e na França, traduziu-se numa maior estabilidade
das economias nacionais. O crescimento tão ardentemente desejado fora alcançado.
E) A sociedade de consumo
Depois de 1945, a economia mundial conheceu durante cerca de três décadas um cres-
cimento económico impressionante e conseguiu ganhos revolucionários no bem-estar
para grande parte da Humanidade.
A elevação dos padrões de vida em grande número de países da Europa, nos EUA e
no Japão atingiu todas as classes. O pleno emprego é assegurado, o poder de compra
cresce regularmente e as famílias equipam-se com frigoríficos, televisores, automóveis,
etc. A explosão demográfica do pós-guerra (baby boom), a expansão do crédito, a publi-
cidade, as novas formas de distribuição estimulam a procura. A oferta cresce paralela-
mente graças aos ganhos de produtividade, decorrentes da expansão do taylorismo, às
inovações técnicas e aos baixos custos da energia (petróleo) e das matérias-primas pro-
venientes dos países não industrializados.
Entre o final da guerra e o início da década de 50, na Europa, mesmo em países de forte
tradição liberal como a França e a Grã-Bretanha, assistiu-se a um controlo total ou parcial
de setores vitais como a energia, os transportes terrestres e aéreos, os bancos e seguros, a
rádio e as indústrias automóvel e siderúrgica.
(14)
Produtividade: relação entre a quantidade de bens ou de serviços produzidos e a quantidade de trabalho necessá-
rio para essa produção. É, portanto, a quantidade de bens ou serviços produzidos por um trabalhador.
208 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Até ao final da guerra, a URSS mantém-se fiel ao projeto de Estaline (Fig. 12) de cons-
truir o socialismo num só país. Mas, imediatamente após a vitória sobre o nazismo,
emerge o caráter universalista do comunismo, tal como já defendera Trotsky, partidário
da revolução universal imediata.
No domínio das alianças militares a reação da URSS foi um pouco mais tardia: a resposta
soviética à formação da OTAN surgiu só em 1955 com a criação do Pacto de Varsóvia.
(16)
COMECON (acrónimo da expressão inglesa COuncil for Mutual ECONomic Assistence): integrava a URSS, Bulgária,
Hungria, Polónia, Roménia, Checoslováquia, juntando-se-lhe posteriormente a Albânia (1949-61), a RDA (1950), Mon-
gólia (1962), Cuba (1971) e o Vietname (1978). Os seus estatutos só foram tornados públicos dez anos depois (14 de
novembro de 1959) do anúncio da sua criação. Foi dissolvido em 1991.
210 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
O mundo comunista
A partir do leste europeu, o comunismo expande-se para a Ásia com a tomada do
1947 poder por Mao Tsé-Tung e a proclamação da República Popular da China (1949) que
Criação do Kominform passa a constituir um segundo polo do bloco de Leste, com o triunfo comunista no Viet-
(1947-56).
name, no Camboja e no Laos, acrescentando-se à Coreia do Norte e à Mongólia.
1948
Golpe de Estado comunista O comunismo estende-se também ao continente americano com o triunfo da revolu-
na Checoslováquia.
ção cubana de Fidel Castro (1959) que, por sua vez, torna-se um exemplo para os movi-
1949
Criação do COMECON;
mentos revolucionários da América Central e Meridional – Bolívia, Colômbia, Peru e
Proclamação da República sobretudo na Nicarágua, onde os sandinistas conquistaram o poder nos anos 70.
Popular da China.
Aproveitando o momentâneo apagamento dos EUA depois do fracasso do Vietname,
1955
Fundação do Pacto de a URSS reforça o seu envolvimento em África apoiando os movimentos revolucionários
Varsóvia. em Angola, na Etiópia, em Moçambique e noutros lugares. Na Ásia, intervém diretamente
1959 no Afeganistão, em 1979.
Revolução cubana (Fidel
Castro). A Guerra Fria atinge desta forma os outros continentes, mundializa-se, e paralisa o
funcionamento da ONU, onde a URSS (tal como os restantes membros permanentes do
Conselho de Segurança) usa sistematicamente o direito de veto.
As novas prioridades
A morte de Estaline (março de 1953) traz uma nova orientação não só na vida polí-
tica interna e nas relações com o exterior, mas também, relativamente às opções econó-
micas. Malenkov, primeiro-ministro entre 1953 e 1955, anuncia novas prioridades para a
economia soviética: o aumento da produção de bens de consumo, desvalorizando a prio-
ridade estalinista à indústria pesada(19).
A) A era do nuclear
GUIN-BISSAU
ETIîPIA dispunha também da bomba H.
ZAIRE
TANZåNIA
ANGOLA O Mundo passa a viver sob a ameaça real da sua destruição
RODSIA
MOAMBIQUE total. A consciência deste facto leva diversos organismos
Ogivas nucleares em 1967: internacionais a alertar para os perigos de uma guerra
Ð EUA 25 800
1958-74 Msseis intercontinentais Ð URSS 6 350 nuclear. Nos anos 50 e 60, a ONU patrocina várias iniciati-
Movimentos armados de libertao nacional Msseis intercontinentais
Msseis de alcance intermdio vas com o objetivo de travar a escalada armamentista. O
Revolues comunistas
Msseis ÒPolarisÓ disparados de
Represses ocidentais submarinos nucleares Conselho Mundial das Igrejas e a comunidade científica
Regimes militares progressistas Zonas de tiro
Neutralistas advertem para os danos das radiações. A opinião pública
(20)
ICBM: InterContinental Ballistic Missile (míssil terra-terra). O primeiro míssil deste tipo foi lançado em 1957 pela
URSS e logo a seguir pelos EUA.
(21)
A proliferação nuclear é a difusão de materiais, tecnologias e conhecimentos que permitem o fabrico de armas
nucleares.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 213
Nos anos 70, a certeza de que um conflito nuclear não teria vencedores nem venci- Cronologia
dos e poderia aniquilar toda a humanidade, leva as duas superpotências a iniciarem
A conquista do espaço
negociações diretas para travar a corrida nuclear. O primeiro passo é dado em Moscovo,
1957
em 1972, com a assinatura pela URSS e EUA dos SALT I (Strategic Arms Limitation Talks). URSS lança o Sputnik I.
Em 1979, foram negociados, mas não ratificados, novos acordos: SALT II. 1958
Fundação da NASA
(National Aeronautics and
B) A era espacial Space Administration).
EUA lançam o Explorer I.
A competição bipolar americano-soviética estende-se a uma nova frente: a conquista 1961
do espaço. A era espacial começa oficialmente a 4 de outubro de 1957 quando a URSS Iuri Gagarine (URSS) é o
1.º homem no espaço.
coloca em órbita o Sputnik, o primeiro satélite artificial. Os soviéticos realizavam assim 1962
o que parecia então um milagre da tecnologia e suplantavam clamorosamente a pode- John Glenn, 1.º americano
em órbita.
rosa nação americana. Um mês depois, o Sputnik 2, transporta a bordo a primeira cria-
1965
tura viva a girar em órbita, uma cadela chamada Laika. Leonov (URSS) faz o
1.º passeio no espaço
O êxito espacial soviético é visto por uma grande parte do Mundo como uma demons- (10 minutos).
tração inequívoca da superioridade da tecnologia soviética sobre a norte-americana. O 1969
lançamento do Sputnik provava que a URSS era capaz de produzir foguetões – e por- A Apollo 11 (EUA) coloca os
1.os homens na Lua.
tanto mísseis armados de longo alcance – muito mais poderosos do que aqueles que as 1973
forças armadas americanas dispunham. O programa de mísseis balísticos foi acelerado. Lançamento da nave
espacial tripulada Skylab
E tanto na URSS como nos EUA, as duas competições – a corrida espacial e a corrida aos
(EUA).
armamentos – transformaram-se essencialmente numa só: a tecnologia de foguetões 1975
necessária para enviar satélites e homens para o espaço era a mesma necessária para Acoplagem no espaço da
Apollo (EUA) e da Soyuz
lançar bombas. (URSS).
? Questão A ponderação destes factos levou alguns analistas a classificar o crescimento econó-
1. Explicite o tipo de mico do Japão na década de 60 com taxas de crescimento económico muito superiores
exércitos e de guerra a que às dos restantes países industrializados, incluindo os EUA, de “milagre japonês”.
se refere Saburo Okita.
3 As razões de um “milagre”
EUA
2
Dlares americanos
0
– a reforma agrária imposta pelo programa de recuperação e as mudanças estruturais
operadas em setores industriais de baixa produtividade, como os têxteis e a indús-
Fig. 16. Salários médios/hora
comparados, 1972. tria alimentar, melhoraram os índices de produtividade agrícola e industrial;
Histoire, Terminales,
ob. cit., p. 58.
– a abundância de mão de obra e a fraca pressão dos sindicatos mantiveram os salá-
rios a um nível excecionalmente baixo (Fig. 16) e os horários de trabalho mais lon-
gos do que nos outros países industrializados; os reduzidos custos da mão de obra
permitiram às empresas japonesas obter elevados lucros, aumentar os investimen-
tos em equipamento produtivo e manter elevadas as exportações;
Mao defendeu o salto para o comunismo, o “Grande Salto em Frente”, contra a transi-
* Maoísmo: termo utilizado
ção para o comunismo preconizada pelos soviéticos. para designar o
pensamento e a linha de
A rutura das relações sino-soviéticas ocorre no início dos anos 60 numa altura em que ação do líder revolucionário
as desavenças entre Moscovo e Pequim se tornaram críticas. A União Soviética recusou chinês Mao Tsé-Tung. A
principal característica do
partilhar os seus segredos nucleares com a China e manda regressar a Moscovo os seus maoísmo foi a importância
conselheiros. Na crise dos mísseis de Cuba (1962), a China acusa publicamente a União reconhecida às massas
camponesas e a crença de
Soviética de imprudência. No mesmo ano, a URSS responde com uma posição de neu- que estes poderiam
tralidade face ao conflito fronteiriço que a China trava com a Índia. O júbilo que a morte cumprir a função histórica
de construir a sociedade
de Krutchov em 1971 provocou em Pequim é significativo do estado das relações entre socialista que, segundo os
as duas grandes potências do campo socialista. teóricos marxistas
europeus, caberia ao
proletariado industrial.
Em 1964 a China torna-se uma potência nuclear. A “Grande Revolução Cultural do Pro-
letariado” (1966-1969), mostra que a China pretende construir a sua própria via para o
comunismo. Os incidentes fronteiriços no rio Ussuri em 1969 com a URSS, a sua aproxi-
mação aos países do Terceiro Mundo, a sua admissão na ONU (1971) e a visita do pre-
sidente norte-americano Richard Nixon a Pequim no ano seguinte revelam as suas pre-
tensões de disputar à União Soviética a liderança do mundo comunista.
216 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Documento 4 Foi o francês Jean Monnet (Doc. 4), reconhecido como o pai da Europa, que propôs
um novo caminho: criar uma infraestrutura económica comum entre os estados europeus
A ideia de Europa
e, a partir daí, progredir passo a passo na direção da união política.
Para haver paz no futuro, é
indispensável a criação de Os resultados do método proposto por Monnet não tardaram. Em 1951, foi criada a
uma Europa dinâmica. Uma
Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA) pelo Tratado de Paris, subscrito pela
associação de povos
“livres” (...). Esta França, Alemanha, Itália e o Benelux(24). O seu objetivo era estabelecer um mercado
associação será fundada
comum para ambos os produtos, gerido por uma Alta Autoridade, controlada por um Par-
sobre a liberdade, portanto
sobre a diversidade. lamento Europeu, enquanto um Tribunal de Justiça ficaria com a função de mediar os
A Europa (...) irá surgir
eventuais conflitos.
como uma força de
equilíbrio. (…).
A Europa nunca existiu. Não O êxito da CECA encorajou a sua extensão a toda a atividade económica. Em 25 de
é a simples adição de
soberanias reunidas em março de 1957 foram assinados os Tratados de Roma, que criaram a Comunidade da
conselhos que cria uma Energia Atómica Europeia (EURATOM) e a Comunidade Económica Europeia (CEE).
entidade. É preciso criar
verdadeiramente a Europa
que se revele a si própria (22)
Entre outros: a União Europeia de Federalistas, a Liga Europeia de Cooperação Económica e o Movimento Socia-
(…) e que tenha confiança lista para os Estados Unidos da Europa.
no seu próprio futuro. (23)
Os unionistas eram partidários de uma Europa supranacional, com poderes alargados, e de uma integração total e
Jean Monnet, Memorando, rápida; os federalistas opunham-se à limitação da soberania dos estados e defendiam uma integração limitada e lenta.
de 3 de maio de 1950. (24)
Benelux: união aduaneira instituída por tratado celebrado entre Bélgica, Holanda e Luxemburgo, em 1958.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 217
O objetivo da CEE era estabelecer um mercado comum, ou seja, um espaço de livre ? Questões
circulação de mercadorias, pessoas, capitais e serviços, e a longo prazo “uma união cada
1. Quais os objetivos
vez mais estreita” dos povos europeus. subjacentes à proposta de
Monnet?
Paralelamente, em 1960, o Reino Unido constituiu com a Irlanda, Suíça, Áustria, paí- 2. Explicite o sentido da
afirmação destacada.
ses nórdicos e Portugal a EFTA (European Free Trade Association). Era uma resposta
3. Em que difere o projeto
alternativa ao projeto da CEE, mas muito menos ambicioso, já que os seus objetivos eco- de Monnet de outras
nómicos estavam limitados à criação de uma área de comércio livre. Por outro lado, dife- tentativas anteriores de
unificação europeia?
rentemente da CEE, não tinha quaisquer objetivos de natureza social ou política. O desen-
volvimento da CEE acabaria por fazer desvanecer o papel da EFTA, acabando esta por
desaparecer com a adesão dos seus estados-membros à primeira. Documento 5
O processo de integração conheceu períodos de aceleração e estagnação, enfrentou A Conferência de Bandung
resistências e obstáculos de diversos tipos, mas prosseguiu trilhando duas vias funda- (1955)
mentais: o alargamento e o aprofundamento. (…) A Conferência Afro-
-Asiática discutiu os
problemas dos povos
Relativamente à primeira via, em 1973, operou-se o primeiro alargamento com a ade- dependentes e do
colonialismo, e os prejuízos
são da Grã-Bretanha, Irlanda e Dinamarca: a Europa dos Seis passava para a Europa dos provocados pela submissão
Nove. Alguns anos depois, o segundo alargamento: com a entrada da Grécia, em 1981, a dos povos ao estrangeiro,
ao seu domínio e
Europa passou a contar com dez estados-membros. exploração. A Conferência
está de acordo:
Os sucessivos alargamentos da, então, CEE provocaram um crescimento significativo 1. Em declarar que o
colonialismo, em todas as
do seu peso demográfico e da sua dimensão geográfica, mas as adesões da Irlanda, da suas manifestações, é um
Grécia, de Portugal e de Espanha acentuaram o dualismo económico e social, caracteri- mal ao qual se deve pôr
fim rapidamente.
zado pela existência de um centro economicamente muito desenvolvido, ladeado a oeste
2. Em declarar que a
e a sul por uma periferia com um considerável atraso estrutural. Compreende-se, assim, questão dos povos
que, em 1986, o Ato Único Europeu tenha introduzido um título relativo à “Coesão Eco- submetidos a um jugo
estrangeiro (…) constitui
nómica e Social”, e que, a partir do Conselho Europeu de Maastricht, em dezembro de uma negação dos direitos
1991, a coesão económica e social tenha passado a fazer parte dos princípios fundamen- fundamentais do homem, é
contrária à Carta das
tais da União. Nações Unidas e impede o
desenvolvimento da paz e
da cooperação mundiais.
Paralelamente, o projeto europeu evoluiu também no sentido do aprofundamento da
3. Em apoiar a causa da
integração: em 1978, foi criado um Sistema Monetário Europeu (SME) próprio, elegendo liberdade e independência
o ECU como unidade monetária de referência. No ano seguinte, realizam-se as primeiras destes povos.
eleições diretas para o Parlamento Europeu (PE). Os cidadãos europeus eram, assim, cha- 4. Em pedir às Potências
interessadas que
mados a participar ativamente na construção do seu futuro. concedam a liberdade e
independência a estes
povos. (…)
1.3.4. A segunda vaga de descolonizações Excertos do comunicado final
da Conferência Afro-Asiática
Com a descolonização da Ásia praticamente concluída, reuniram-se, sob a presidência de Bandung, 14-24 de abril
de 1955.
do líder indonésio Sukarno, em abril de 1955 em Bandung (Indonésia), os representan-
tes de vinte e nove países asiáticos e africanos. A Conferência de Bandung (Doc. 5) cons-
? Questões
titui uma referência no processo de descolonização. Com efeito, ao expressar a sua soli-
dariedade com os povos colonizados, ainda dependentes, em particular em África, deu 1. Quais os assuntos
abordados na conferência?
um estímulo decisivo para a emancipação do continente africano.
2. Que deliberações foram
tomadas?
218 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
(25)
Gana, antiga Costa do Ouro, independente em 1957.
(26)
Negritude: valorização da cultura negro-africana e defesa da sua emancipação face à cultura dos colonizadores
brancos.
(27)
Apartheid: regime de segregação racial imposto na África do Sul pelo Partido Nacional, de ideologia racista segre-
gacionista, em 1948. Traduz-se, concretamente, na negação do direito de voto aos negros, no acantonamento des-
tes em áreas residenciais próprias, na proibição de frequentar certos lugares públicos, etc.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 219
Conscientes desta situação, alguns dirigentes dos novos estados avançam com a dou-
trina do não-alinhamento*. A sua origem remonta à Conferência de Bandung (Indonésia) Documento 6
em 1955 que marcou a emergência do mundo afro-asiático na cena internacional e que
Os objetivos do Movimento
foi institucionalizada na Conferência de Belgrado (Jugoslávia), em 1961 (Doc. 6). dos Países Não-Alinhados
A declaração final desta Conferência estabeleceu as linhas de orientação do designado Os Países Não-Alinhados
representados na presente
Movimento dos Países Não-Alinhados: Conferência não pretendem
criar um novo bloco (…).
Consideram que a
– condenação do bipolarismo e da Guerra Fria;
extensão da esfera do
– recusa em alinhar pelas posições políticas de qualquer dos blocos, quer o capita- não-alinhamento
representa apenas a
lista, liderado pelos EUA, quer o socialista pela URSS; possibilidade e a escolha
indispensável face à
– não pretensão de constituir um novo bloco, mas de afirmação da presença do Ter-
tendência para a divisão
ceiro Mundo(28) na cena política internacional. total do mundo em blocos
e o agravamento da
política da Guerra Fria.
Nos anos 60 e 70 (Quadro 2), o Movimento adiciona aos objetivos de descolonização Excerto da Declaração dos
e do não-alinhamento o do (sub)desenvolvimento. Considerando que a economia inter- Chefes de Estado ou de
Governo dos Países
nacional funciona a favor dos países ricos e contra os países pobres, 77 estados do Ter- Não-Alinhados, Belgrado,
setembro de 1961.
ceiro Mundo (o “Grupo dos 77”) constituem no seio da ONU, em 1964, a Conferência das
Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento (CNUCED), uma organização destinada
? Questão
a defender os seus interesses económicos específicos.
1. Que objetivos ou
Na Conferência de Lusaca (1970) e sobretudo na de Argel (1973), os países não-alinha- motivações estiveram na
dos reivindicam a criação de uma Nova Ordem Económica Internacional (NOEI). Pretendiam origem deste movimento?
estes países que esta Nova Ordem funcionasse com regras diferentes da ordem económica
internacional capitalista estabelecida no pós-guerra, ou seja,
N.o de países
que fosse dado um tratamento preferencial – discriminação Anos Cidade País
participantes
positiva – às economias dos países do Terceiro Mundo, de
1961 Belgrado Jugoslávia 25
forma a permitir-lhes superar o seu atraso e assegurar-lhes
1964 Cairo Egito 46
uma independência efetiva. 1970 Lusaca Zâmbia 54
1973 Argel Argélia 75
1976 Colombo Sri Lanka 85
1979 Havana Cuba 90
1983 Nova Deli União Indiana 97
1986 Harare Zimbabué 101
Quadro 2 – Conferências
(28)
Terceiro Mundo: expressão criada pelo economista francês Alfred Sauvy em 1952 para designar, por analogia com dos Países Não-Alinhados.
a situação do terceiro estado em França antes da Revolução (1789-1815), o conjunto de países menos desenvolvidos
ou em desenvolvimento.
220 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Apesar das suas intenções e compromissos, a verdade é que o Movimento dos Paí-
ses Não-Alinhados teve muitas dificuldades em manter a coesão e o neutralismo face às
pressões bipolares, entre outras, pelas seguintes razões:
– diferenças ideológicas e divisões internas, nomeadamente
após a morte dos seus fundadores históricos, Nehru, Tito e
Nasser (Fig. 19), decorrentes da diversidade étnica e da
heterogeneidade político-ideológica do Movimento que
incluía estados árabes e africanos, estados extremistas,
como Cuba e Líbia, e outros mais moderados, como Índia e
Argentina;
– debilidade económica e política da maior parte dos países
terceiro-mundistas;
Fig. 19. Da esquerda para a
direita: Nasser, Tito e – heterogeneidade de recursos e níveis de desenvolvimento acentuada na década de 80,
Nehru, três dos principais uma vez que alguns países enriqueceram com a alta dos preços do petróleo (os países
líderes do Movimento dos
Países Não-Alinhados. da OPEP), outros industrializaram-se (os Novos Países Industrializados, como a Coreia
do Sul, Malásia, Singapura, etc.), enquanto outros mantiveram ou agravaram o seu
atraso económico.
(29)
OPEP: cartel criado em 1960 em Bagdade, integrando 13 países produtores e exportadores de petróleo.
(30)
Yom Kippur (6 de outubro, o dia do Grande Perdão, festa sagrada judaica): as forças egípcias e sírias atacaram
Israel de surpresa. Soviéticos, americanos e ONU intervêm exigindo um cessar-fogo que foi aceite a 25 de outubro.
Unidade 1 - Nascimento e afirmação de um novo quadro geopolítico 221
Relativamente aos primeiros, a alta do petróleo fez subir os preços dos carburantes,
da eletricidade e de todos os bens cuja produção consumia energia, criando deste modo
dificuldades adicionais às empresas e ao consumo.
Mas o 1.o choque petrolífero de 1973-1974 como o que se lhe seguiu em 1979-1980
não constituíram apenas um desafio à hegemonia económica das grandes potências, que
se empenharam em enfrentá-lo com programas de economia energética e o desenvolvi-
mento de energias alternativas.
(31)
Entre as razões desta decisão apontam-se: a expansão do défice da balança de pagamentos americana, a fuga
dos capitais e as avultadas despesas com a Guerra do Vietname.
222 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
50
mente (Fig. 21). Ao mesmo tempo, debatem-se com dificuldades
Paquisto
Zmbia
40
acrescidas de acesso aos mercados dos países industrializados.
Nicargua
PNB (%)
Arglia
30
O comércio internacional contraiu-se. A depressão instalou-se.
Qunia
20
Em Síntese
• As conferências dos líderes das principais potências vitoriosas realizadas em Teerão, Ialta e
Potsdam, para deliberar sobre a nova ordem mundial do pós-Segunda Guerra Mundial, con-
sagraram uma nova partilha territorial da Europa e das áreas de influência entre as duas
superpotências, os Estados Unidos e a União Soviética, defensoras de ideologias e de mode-
los político-económicos antagónicos.
• Para cumprir e fazer cumprir esse novo ordenamento, foi criada a Organização das Nações
Unidas (ONU), uma organização internacional de vocação universal, em cujo Conselho de
Segurança, o principal órgão da organização, têm assento em permanência e com direito de
veto cinco potências vencedoras da guerra – EUA, URSS, França, Grã-Bretanha e China – cons-
tituindo uma espécie de Diretório ou “polícias” do mundo.
• A rutura ideológica entre os Aliados está na origem do bipolarismo e do clima de tensão e riva-
lidade político-ideológica, militar e geostratégica, uma paz tensa – ou Guerra Fria – entre o
Leste (comunista) e o Oeste (capitalista), permanentemente pontuada por conflitos arma-
dos sustentados por cada um dos blocos em zonas estratégicas vitais.
• A debilidade das potências coloniais europeias afetadas pela guerra, o Direito Internacional
depois da Segunda Guerra Mundial (Carta das Nações Unidas, Declaração Universal dos
Direitos Humanos) e o interesse das superpotências em alargar as suas áreas de influên-
cia, aliados ao prestígio internacional de alguns líderes nacionalistas, estimularam as aspi-
rações de emancipação dos povos. A primeira vaga de descolonizações ocorreu ainda na
década de 1940 na Ásia (Índia, Paquistão, Birmânia e Indonésia). A partir da Conferência de
Bandung (1955) a descolonização estendeu-se ao continente africano e à África Negra. Foi
ainda nesta Conferência que nasceu a doutrina do “não-alinhamento” ou neutralismo, insti-
tucionalizada na Conferência de Belgrado (1961), e segundo a qual os países do Terceiro
Mundo se recusavam a alinhar pelas posições políticas de qualquer um dos blocos.
• Entre 1945 e 1964, quatro dos cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da
ONU e a República Popular da China adquirem capacidade nuclear. Face ao “equilíbrio do
terror”, a ONU e os países possuidores da arma atómica procuram controlar a proliferação
nuclear e a escalada armamentista.
• Depois dos “Trinta Anos Gloriosos” (1945-1975) de forte crescimento económico, as econo-
mias ocidentais em fase de desaceleração motivada pela diminuição da procura, pela
concorrência dos novos países industrializados (NPI), pela subida dos preços das matérias-
-primas e fortemente abaladas pelo “primeiro choque petrolífero” (1973) entram em reces-
são: o keynesianismo é questionado e afirma-se o neoliberalismo.
224 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
* Conteúdos de aprofundamento
Cronologia
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
1945
Criação do MUD.
Alteração da designação 2.1. Imobilismo político e crescimento económico do pós-guerra a 1974
PVDE pela PIDE.
Convocação de eleições
legislativas.
2.1.1. Imobilismo político
1948 Antes mesmo do final da Segunda Guerra Mundial, numa altura em que se acreditava
Ilegalização do MUD.
na derrota das ditaduras, formou-se, em 1943, o MUNAF (Movimento Nacional de Unidade
1949
Eleição de Óscar Carmona Antifascista), reunindo, por iniciativa do PCP, a generalidade das forças de oposição demo-
(Presidente da República). crática* a Salazar. Terminada a guerra, as expetativas de democratização do regime redobra-
1951 ram e, nas manifestações realizadas em Lisboa e no Porto, a 5 de outubro de 1945, durante
Eleição de Craveiro Lopes
as comemorações da implantação da Primeira República, foi exigido o fim do Estado Novo.
(Presidente da República).
1958 Temendo o recrudescimento da agitação social, Salazar procurou aliviar a pressão
Campanha eleitoral de sobre o regime, procedendo a um recuo tático através da adoção de algumas medidas
Humberto Delgado.
de caráter liberalizante:
Eleição de Américo Tomás
(Presidente da República).
1959 – decretou uma amnistia parcial para alguns presos políticos;
Revisão constitucional que
– alterou a denominação da PVDE (Polícia de Vigilância e Defesa do Estado) para PIDE
determina que a eleição do
Presidente da República (Polícia Internacional de Defesa do Estado);
passa a ser por sufrágio
– dissolveu a Assembleia Nacional e convocou eleições legislativas antecipadas;
indireto.
1961 – introduziu alterações no sistema eleitoral, subdividindo o círculo eleitoral e alargando
Assalto ao paquete “Santa o número de deputados.
Maria”.
Unidade 2 - Portugal: do autoritarismo à democracia 225
Em 1949, a candidatura do general Norton de Matos (Fig. 1), um militar e político pres-
tigiado e Grão-Mestre da Maçonaria entre 1930 e 1935, deu um novo alento à oposição. Não
conseguindo garantias de isenção, Norton de Matos desistiu da sua candidatura, deixando
só na corrida à Presidência do Estado o marechal Óscar Carmona, o candidato do regime.
A morte de Carmona, em 1951, obrigou à realização de eleições. Desta vez, num con-
texto internacional de Guerra Fria, a oposição dividiu-se no apoio a dois candidatos: Quin-
tão Meireles, apoiado por republicanos e liberais, e o Professor Ruy Luís Gomes, o can-
didato dos comunistas. Este último foi considerado pelo Conselho de Estado inelegível
e, por isso, foi excluído do processo eleitoral. Fortemente pressionado, Quintão Meireles
retirou a sua candidatura e a oposição apelou, mais uma vez, à abstenção. O candidato Fig. 1. Cartaz da campanha
da União Nacional, o general Craveiro Lopes, apresentava-se sozinho a escrutínio. eleitoral de Norton de
Matos (eleições
Seguiu-se um período de alguma desmobilização da oposição, como ficou patente nas presidenciais de 1949).
eleições legislativas de 1953 e 1957.
Nas eleições de 1958, apresentaram-se dois candidatos dos mesmos dois setores oposi-
cionistas: Humberto Delgado, apoiado por republicanos e liberais, e Arlindo Vicente, apoiado
pelo PCP. Mas as duas candidaturas fundiram-se na de Delgado “o general sem medo”. Foi
a única vez que um candidato da oposição não desistiu antes do dia das eleições.
Apesar da onda de entusiasmo e do amplo apoio popular que reuniu à sua volta,
Humberto Delgado foi vítima de fraude eleitoral que beneficiou, mais uma vez, o candi-
dato do regime, o contra-almirante Américo Tomás.
O verdadeiro “terramoto político” provocado por Humberto Delgado fez com que a Assem-
bleia Nacional alterasse o sistema de eleição do Presidente da República, passando este a ser
eleito por sufrágio indireto, e levou o regime a endurecer a repressão policial e a censura.
Os primeiros anos da década de 1960 foram marcados por várias ações espetacula-
res da oposição:
– assalto ao paquete “Santa Maria” executado por um comando liderado por Henrique
Galvão, exilado na Venezuela, com o objetivo de chamar a atenção da opinião
pública internacional para a natureza autoritária do Estado Novo;
– o desvio de um avião da TAP para Tânger por um grupo de oposicionistas liderado
por Palma Inácio;
226 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Nos anos 50, Portugal era ainda um país predominantemente agrícola, ruralizado. O
setor agropecuário, em conjunto com o piscatório e o da silvicultura, empregava cerca de
40% da mão de obra ativa, tinha um índice de produtividade que correspondia sensivel-
mente a metade da média europeia (Quadro 1) e produzia um pouco
Rendimento cerealífero comparado (kg/ha)
menos de 24% da riqueza nacional. Ou seja, a atividade agrícola consti-
Trigo tuía um setor fortemente empregador, mas de baixa produtividade.
Países
1952-56 1964-66
Os diversos projetos de reforma das estruturas agrárias foram suces-
Holanda 37,7 44,0 sivamente entravadas quer pelos organismos oficiais quer pelo impor-
O período de tempo que vai do final dos anos 60 até ao processo de integração comu-
nitário no pós-Revolução de Abril (1974) significou para o setor agrícola, subalternizado
pelo modelo de crescimento seguido e penalizado pela política de preços baixos que
tinha sido adotada até meados dos anos 60 pelas estruturas agrárias arcaicas, pelo
atraso tecnológico e pelo envelhecimento populacional decorrente do forte êxodo rural e
da emigração, foi confrontado com um duro desafio.
Unidade 2 - Portugal: do autoritarismo à democracia 227
B) A emigração
Apesar de durante o Estado Novo os emigrantes serem referidos como sendo “portu-
gueses espalhados pelo mundo e por todas as comunidades portuguesas”, pretendendo
retirar, desta forma, qualquer carga política e ideológica, a verdade é que a emigração
foi uma questão incómoda para o Estado Novo, sobretudo porque os emigrantes deixa-
vam o país por razões nada abonatórias para a imagem externa do regime. Não obstante,
as remessas monetárias dos emigrantes contribuíam para dinamizar o mercado interno e
para o objetivo do equilíbrio da balança de pagamentos.
228 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
C) Surto industrial
Nos anos 40, a colonialismo português no continente africano seguia o padrão tradi-
cional das relações económicas entre as metrópoles e as colónias, ou seja, o sistema de
troca desigual que funcionava em favor das primeiras: as colónias forneciam às metró-
poles matérias-primas a baixo preço, exploradas por uma mão de obra negra barata e
submissa, e adquiriam os produtos transformados por estas a preços bastante mais ele-
vados. As colónias existiam para promover o desenvolvimento económico dos países
colonizadores e não o contrário.
230 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
1930 3 020 626 18 957 56 698 1,83 1930 3 820 000 12 000 20 000 0,51
1940 3 665 829 28 035 44 083 1,17 1940 5 031 955 26 237 27 438 0,53
1950 4 036 687 29 648 78 826 1,90 1950 5 646 957 44 000 48 213 0,84
1960 4 604 362 53 392 172 529 3,57 1960 6 430 000 50 800 97 300 1,47
Quadro 2
Fonte: Anuários estatísticos Entre os anos de 1940 e 1960, em Angola, por exemplo – a colónia mais importante sob
(adaptado).
o ponto de vista económico –, a população branca imigrante, praticamente só portuguesa,
mais do que triplicou (passou de 44 mil para cerca de 173 mil, de 1,17% para 3,57%). Não
obstante, não deixou de representar uma percentagem ínfima da população residente.
Principais grupos financeiros portugueses com interesses no Ultramar (conjunto das colónias)
CUF Bancos, comércio, cobre, oleaginosas, pesca, tabacos, fósforo, transportes marítimos, etc.
Banco Nacional Ultramarino Bancos, seguros, agricultura, algodão, açúcar, celulose, caju, exploração mineira.
(1)
A principal obra neste domínio foi a barragem de Cahora Bassa, em Moçambique, cuja construção foi iniciada em 1969.
Unidade 2 - Portugal: do autoritarismo à democracia 231
Durante o período da guerra colonial (1961-1974) foram intensificados os investimen- * EEP (Espaço Económico
Português): criado em 1961,
tos nas colónias africanas com os seguintes propósitos: foi a solução encontrada
pelo regime para
– reforçar a colonização branca; transformar o Império
(metrópole e colónias) em
– promover a exploração das riquezas dos solos e subsolos para compensar o esforço zona de comércio livre.
da guerra colonial e reduzir o défice da balança comercial (a reexportação de pro- O objetivo era promover a
“integração económica
dutos coloniais representava 50% do valor total do comércio nacional); nacional”, considerada
– reforçar a integração das colónias no espaço económico português (EEP)*; mais corrente com a
defesa da “integridade
– construir infraestruturas (aeródromos, portos, estradas…) para o esforço da guerra; nacional”, da continuação
da guerra, que começara,
– passar para o exterior a imagem declarada pelo regime de um interesse real na pro- meses antes, em Angola.
moção do desenvolvimento dos territórios coloniais (Fig. 4).
fornecerem informações à ONU sobre as suas “colónias” e, mais tarde, a Resolução 1514
(1960) que preconizava o fim incondicional de toda a dominação colonial.
A questão colonial, que no plano interno era relativamente consensual, mas que exter-
Cronologia namente era criticada (não obstando, no entanto, que Portugal fosse admitido como
membro da ONU em 1955), alterou-se significativamente com a insurreição armada con-
1956 tra o domínio português iniciada no norte de Angola, em 1961. Rejeitada a proposta de
Fundação, na
clandestinidade, do PAIGC uma solução negociada feita por um setor das Forças Armadas, com o Ministro da Defesa,
(Amílcar Cabral, Guiné) e do Botelho Moniz à frente, Salazar, em defesa do princípio da unidade nacional e do prin-
MPLA (Agostinho Neto,
Angola). cípio do “orgulhosamente sós”, respondeu com o envio de soldados – Para Angola, rapi-
1961 damente e em força!.
Início da guerra em Angola;
Anexação de Goa, Damão e
Diu pela União Indiana. Esta posição radical do governo lançou o país numa guerra aberta contra os movi-
1962 mentos já criados para a libertação das colónias do domínio português:
Fundação da FRELIMO
(Eduardo Mondlane, – em Angola, fora criada em 1955 a UPA (União das Populações de Angola), liderada
Moçambique). por Holden Roberto, movimento que no ano seguinte deu lugar à FNLA (Frente de
1963
Libertação de Angola); em 1956, constituíra-se o MPLA (Movimento Popular para a
Início da guerra na Guiné.
1964 Libertação de Angola), chefiado por Agostinho Neto (1922-1979); em 1966, surgiria
Início da guerra em mais um movimento, a UNITA (União para a Independência Total de Angola), lide-
Moçambique.
rada por Jonas Savimbi (1934-2002);
– em Moçambique, a FRELIMO (Frente de Libertação de Moçambique), foi criada em
1962, por Eduardo Mondlane (1920-1969), substituído depois na chefia do movi-
mento por Samora Machel (1933-1986);
– Na Guiné e Cabo Verde, o PAIGC (Partido para a Independência da Guiné e Cabo
Verde) foi fundado por Amílcar Cabral, em 1959.
Cada vez mais pressionado internamente pela oposição política e pelo descontenta-
mento social e, nas relações externas, designadamente pela ONU, OUA e pelas superpo-
tências, EUA e URSS, o governo investiu em campanhas de propaganda e de contra-infor-
mação, procurou apoios nas populações locais e promoveu uma política, como já foi
estudado, de fomento económico, através do reforço dos investimentos e da intensifica-
ção dos estímulos ao povoamento de colonos.
As medidas anunciadas pelo novo chefe de governo para cumprimento do que desig-
nou de uma política de “renovação na continuidade” geraram boas expetativas em alguns
setores da oposição democrática, mas também alguma desconfiança no seio das forças
Fig. 6. Marcello Caetano
mais conservadoras do regime: (1906-1980), sucedeu a
Salazar na Presidência do
– autorização para o regresso de Mário Soares e do bispo do Porto, D. António Fer- Conselho do Estado Novo
reira Gomes; em 1968. Foi deposto na
sequência da Revolução de
– consentimento para a realização do II Congresso da Oposição Democrática, em Aveiro; 25 de Abril de 1974.
– a substituição das designações de PIDE por DGS (Direção Geral de Segurança), de
União Nacional por Ação Nacional Popular e de Censura por Exame Prévio;
– extensão da assistência social aos funcionários públicos (criação da ADSE) e da Pre-
vidência Social aos trabalhadores rurais;
– implementação da Reforma da Educação elaborada pelo ministro Veiga Simão, alar-
gando e diversificando a oferta de ensino e formação;
– promoção de uma política económica mais aberta à Europa (assinatura de um acordo
com a CEE, em 1972), ao investimento estrangeiro e à modernização das infraestru-
turas (projetos da refinaria de Sines e da construção da barragem do Alqueva);
– algumas inovações na argumentação sobre o colonialismo e na organização admi-
nistrativa e judicial das colónias (Lei Orgânica do Ultramar, 1971); contudo, não
introduziu alterações de fundo na questão colonial, em particular no desenvolvi-
mento da guerra.
A guerra colonial, aliada às tensões de natureza corporativa no seio do exército gera- Cronologia
das por questões relacionadas com a integração dos oficiais-milicianos nos quadros de
1974
efetivos em condições de igualdade com os oficiais de carreira, estive na origem da for- 24 de abril (22.55 h) –
mação de um movimento de capitães que, rapidamente, se transformou no Movimento Transmissão da canção
E Depois do Adeus, de
das Forças Armadas (MFA), uma organização mais ampla e com objetivos políticos con- Paulo de Carvalho.
cretos. 25 de abril (0.20 h) –
Transmissão da canção
Grândola Vila Morena, de
A publicação do livro Portugal e o Futuro (1974), da autoria do general António de José Afonso.
Rendição de Marcello
Spínola (Fig. 8), no qual a política colonial do governo de Marcello Caetano era posta em
Caetano;
causa, aumentou a tensão nos meios políticos e militares. Proclamação da Junta de
Salvação Nacional ao País.
A 16 de março de 1974, a partir do Regimento de Infantaria 5 das Caldas da Rainha, 26 de abril – Libertação dos
alguns militares que integravam o recém-criado Movimento das Forças Armadas (MFA) presos políticos.
28 de abril – Regresso do
sublevaram-se. O golpe executado sem o conhecimento do MFA falhou por precipitação exílio de Mário Soares.
e descoordenação dos responsáveis, tendo sido presos vários oficiais. 30 de abril – Regresso do
exílio de Álvaro Cunhal.
De 24 para 25 de abril desse mesmo ano, as canções (senhas) E Depois do Adeus,
de Paulo de Carvalho, e Grândola Vila Morena, de José Afonso, assinalaram o início de
um novo golpe, desta vez vitorioso, desencadeado pelo MFA e coordenado pelo major
Otelo Saraiva de Carvalho (Fig. 9).
As primeiras ações tiveram como objetivo a ocupação dos pontos considerados estra-
tégicos para a evolução das operações (RTP, Emissora Nacional, Rádio Clube Português,
Aeroporto de Lisboa, Quartel-General, Estado-Maior do Exército, Ministério do Exército, Fig. 8. António de Spínola
(1910-1996): Governador e
Banco de Portugal e Marconi). Comandante-Chefe das
Forças Armadas da Guiné
Ainda nesse dia, o capitão Salgueiro Maia (1944-1992) e os seus comandados neutra- (1968-73); Vice-Chefe do
lizaram a resistência das forças militares fiéis ao regime, no Terreiro do Paço, e negocia- Estado Maior das Forças
Armadas (janeiro a março
ram a capitulação de Marcello Caetano, refugiado no quartel do Carmo. O chefe do Governo de 1974); Autor de Portugal
e dois ministros (Rui Patrício e Moreira Baptista) que o acompanhavam renderam-se ao e o Futuro (fevereiro 1974);
Presidente da República
general Spínola, um militar de alta patente, para “que o poder não caísse na rua”. após o 25 de Abril (maio a
setembro de 1974).
Um fator determinante para o sucesso do golpe foi o apoio espontâneo e emotivo da
população que saiu para a rua em massa em todo o país vitoriando o derrube da dita-
dura e proclamando a vitória da liberdade e da democracia.
Consumado o golpe executado pelo MFA, a segunda tarefa era proceder rapidamente
ao desmantelamento das estruturas do regime. Fig. 9. Otelo Saraiva de
Carvalho, um dos principais
Logo na madrugada do dia 26 de abril, a Junta de Salvação Nacional composta por estrategas do MFA. Integrou
o Conselho da Revolução.
sete oficiais de alta patente e presidida pelo general Spínola, apresentou na RTP uma Foi comandante do COPCON
proclamação que sintetizava os objetivos imediatos do Programa do MFA: Democratizar, (Comando Operacional do
Continente) e da Região
Descolonizar e Desenvolver (“3Ds”). Militar de Lisboa.
236 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Foi ainda empossado um Governo Provisório, presidido por Adelino da Palma Carlos,
que tomou, de imediato, um conjunto de medidas com o objetivo de lançar os funda-
mentos da democratização do País:
– destituição do Presidente da República, do Governo, da Assembleia Nacio-
nal e do Conselho de Estado;
– extinção da PIDE/DGS, da Legião e da Mocidade Portuguesa, do Exame
Prévio, da censura e da Ação Nacional Popular;
– amnistia para todos os presos políticos encarcerados nas prisões de
Caxias (Fig. 10) e Peniche e abolição do Tribunal Plenário Criminal da Boa-
-Hora que tinha como função julgar os opositores do regime;
– garantia da defesa dos direitos e liberdades políticas e cívicas dos cidadãos;
– reconhecimento de que a solução das guerras no ultramar era política e
não militar;
– compromisso de realizar eleições por sufrágio universal, direto e secreto,
no prazo de um ano, para a Assembleia Constituinte.
Fig. 10. Libertação dos
presos políticos da prisão O 1.o de maio de 1974, primeira comemoração em liberdade do Dia do Trabalhador
de Caxias (27 de abril de
1974). depois do derrube da ditadura, representou uma gigantesca manifestação de apoio às ins-
tituições democráticas, um anseio de décadas concretizado pela Revolução dos Cravos.
b) O 11 de Março de 1975
A esquerdização da vida política portuguesa provocou a reação das forças contrarre-
volucionárias da direita e ultradireita, expressa no recurso a ações de violência desenca-
deadas pelo grupo organizado a partir de Espanha, autoproclamado ELP (Exército de
Libertação de Portugal) e no apoio à tentativa de golpe de estado, a 11 de março de
1975, executado por militares afetos ao general António de Spínola.
238 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Com o país a viver uma situação de quase guerra civil, um grupo de 9 membros do
Conselho da Revolução, críticos do rumo que o país estava a tomar, redigiu o denomi-
nado “Documento dos Nove”, no qual se afirmava que “um projeto nacional de transi-
ção para o socialismo é inseparável da democracia política pluralista, das liberdades,
direitos e garantias fundamentais”.
Também no seio das Forças Armadas, onde a substituição de Otelo foi muito contes-
tada pelos setores do MFA que lhe eram afetos, se vivia um verdadeiro clima insurrecio-
nal decorrente da disputa pelo poder entre forças revolucionárias e forças moderadas,
civis e militares. Os militares partidários do designado “Poder Popular*” ocupam então * Poder Popular (no caso
várias bases militares, bem como meios de comunicação social. português): demonstração
da força e da consciência
Face a esta situação, em 25 de novembro, o Presidente da República decretou o de classe dos
trabalhadores apoiadas
estado de sítio(3). O contragolpe levado a cabo pelos militares da ala moderada, na qual
pelo MFA em atos como o
se enquadravam Vasco Lourenço, Jaime Neves e Ramalho Eanes, neutralizaram as forças controlo e autogestão de
de esquerda no interior do MFA. Chegava ao fim o PREC. A partir daqui, o país foi recu- fábricas, ocupação de
terras, habitações,
perando a estabilidade decorrente da aprovação da Constituição e da institucionalização organização de comissões
dos novos órgãos de soberania (AR e PR), eleitos na primavera e verão de 1976. de moradores e comissões
de trabalhadores.
C) Política económica antimonopolista e intervenção do Estado nos domínios económico
e financeiro
Assim, nos inícios de 1975, uma equipa liderada por Melo Antunes, ministro sem
pasta e membro da Comissão Coordenadora do MFA, elaborou um Programa para o
Desenvolvimento Económico que previa:
* Reforma Agrária: conjunto Estas demonstrações do “poder popular” anteciparam a Reforma Agrária* legislada
de alterações das durante os IV, V e VI Governos Provisórios, que estabeleceu:
normas/regras que regem
o mundo rural. Aqui – a expropriação e redistribuição de terras, muitas delas numa situação de abandono
pretendia-se,
concretamente, eliminar os ou subaproveitamento;
latifúndios no Alentejo e
promover uma
– a alteração do regime de propriedade;
redistribuição de terras a – a legalização das ocupações efetuadas;
famílias de agricultores ou,
preferencialmente, a – a organização de cooperativas para a exploração da terra e dos meios de produção,
agricultores organizados
em Unidades Coletivas de em regime de autogestão, as denominadas UCP (Unidades Coletivas de Produção).
Produção (UCP).
O 25 de Novembro de 1975 viria a constituir-se um fator de contenção no processo
de socialização acelerada da economia e de afirmação do “poder popular”.
1. As medidas adotadas deram um golpe profundo no poder económico dos grandes grupos
económicos monopolistas e dos proprietários latifundiários.
2. Os resultados económicos não foram animadores:
– fuga de capitais para o estrangeiro, redução da atividade produtiva e do produto interno;
– aumento do desemprego, embora as causas devam ser imputadas, sobretudo, à crise
económica internacional, ao regresso das colónias de centenas de milhares de portu-
gueses (“retornados”) e de milhares de emigrantes e à desmobilização dos militares
com o fim da guerra colonial.
3. Em contrapartida, foi possível aos trabalhadores adquirir um nível de vida mais elevado:
– a liberdade sindical e o direito à greve permitiram aos operários negociar contratos de tra-
balho mais favoráveis (salários, horário de trabalho, férias pagas e pensões sociais);
– foi instituído um salário mínimo nacional e um novo regime de arrendamento rural.
A Assembleia Constituinte
Cronologia
A instauração da democracia com a Revolução de 25 de Abril de 1974 consagrou a
1976
participação efetiva dos cidadãos nas decisões dos órgãos detentores do poder.
2 de abril – Aprovação da
Constituição de 1976. Para concretizar esta condição essencial para o funcionamento de um regime demo-
15 de abril – Entrada em crático, o projeto eleitoral do I Governo Provisório determinou o sufrágio universal, direto
vigor da Constituição de
1976. e secreto, e o recenseamento eleitoral com caráter obrigatório, para os maiores de 18
23 de julho – Tomada de anos de idade, incluindo os analfabetos, que representavam cerca de 30% da população,
posse do I Governo
e os emigrantes sob certas condições. Para acompanhar os atos eleitorais foi criada a
Constitucional (Mário
Soares). Comissão Nacional das Eleições, órgão de acompanhamento e de arbitragem, e instituído
27 de julho – Eleição do o direito a um tempo de antena gratuito, na rádio e televisão, para a campanha eleito-
Presidente da República
Portuguesa (Ramalho
ral, com o objetivo de garantir a todos os partidos concorrentes a igualdade de acesso
Eanes). aos meios de comunicação.
Unidade 2 - Portugal: do autoritarismo à democracia 241
Estes critérios foram aplicados nas eleições para a Assembleia Constituinte que decor-
reram, em 1975, num clima de normalidade e participação cívica exemplar, tendo partici-
pado no ato 91,2% dos eleitores. O escrutínio ao qual concorreram 14 organizações polí-
ticas, deu a vitória ao PS, liderado por Mário Soares, com 38% dos votos.
A Constituição de 1976
Desta forma, o MFA cumpriu um dos seus grandes objetivos: institucionalizar a demo-
cracia política, devolvendo o poder aos órgãos de soberania legitimados pelo voto popular.
242 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
(4)
Spínola defendia uma solução federalista e uma autodeterminação legitimada por consultas populares, posição que
foi rejeitada pelo MFA e pelos líderes dos movimentos de libertação.
Unidade 2 - Portugal: do autoritarismo à democracia 243
final de Kurt Waldheim, secretário-geral das Nações Unidas, onde foi reafirmada a aceita- Cronologia
ção das resoluções da ONU para as colónias portuguesas, concretamente:
1974
– garantia-se a unidade e integridade territorial de cada uma das colónias; 10 de setembro – Portugal
– reconhecia-se a independência da Guiné-Bissau e o prosseguimento das negociações reconhece a independência
da República da Guiné-
com a FRELIMO, em Moçambique, e com os movimentos de libertação em Angola. -Bissau.
1975
Guiné-Bissau – O reconhecimento da independência ocorreu em 10 de setembro de 15 de janeiro – Acordos de
1974, no Acordo de Argel. Alvor entre Portugal e os
movimentos
Moçambique – As conversações com a FRELIMO foram concluídas no Acordo de independentistas de
Lusaca, a 7 de setembro de 1974, sendo marcada a proclamação da independência de Angola – MPLA; FNLA,
UNITA.
Moçambique para 25 de junho de 1975.
31 de março – criação do
Angola – As negociações com o MPLA, FNLA e a UNITA decorreram no Alvor (Algarve), IARN (Instituto de Apoio
aos Retornados Nacionais).
tendo sido assinados os Acordos de Alvor que estabeleciam o dia 11 de novembro de
25 de junho – independência
1975 para a proclamação de independência de Angola. Contudo, os Acordos não foram de Moçambique.
cumpridos, uma vez que o desentendimento entre os movimentos de libertação aliado à 5 de julho – independência
questão de Cabinda que não foi contemplada pelos negociadores precipitaram Angola de Cabo Verde.
12 de julho – independência
numa longa e sangrenta guerra civil (1975-2002).
da S. Tomé e Príncipe.
As independências de Cabo Verde e de São Tomé e Príncipe foram concretizadas em 21 de agosto – início da
5 de julho e em 12 julho de 1975, respetivamente. guerra civil em Timor-
-Leste.
Num breve balanço final pode afirmar-se que a descolonização das colónias portugue- 11 de novembro – o MPLA
sas foi um processo tardio, conheceu uma evolução rápida, mas criou situações dramá- proclama, em Luanda, a
independência de Angola.
ticas aos colonos (apelidados de “retornados”) e aos militares portugueses que não
7 de dezembro – invasão de
puderam retirar de forma controlada e faseada. Para os novos países, trouxe o desman- Timor-Leste pelas forças
telamento dos aparelhos produtivo, comercial e administrativo e a privação de quadros da Indonésia.
técnicos europeus e, para alguns (Angola e Moçambique), o drama da guerra civil e da 1976
22 de fevereiro – Portugal
intervenção estrangeira: invasão de Angola pela África do Sul, facto que leva o governo
reconhece oficialmente a
de Luanda a solicitar a intervenção de tropas cubanas; interferência dos regimes de República Popular de
Apartheid da África do Sul e da Rodésia na política moçambicana, apoiando um movi- Angola e o Governo do
MPLA.
mento de guerrilha, a RENAMO, provocando uma guerra civil (1980-1992).
Documento 3 escritores e jornalistas estrangeiros quiseram observar de perto (Doc. 3). A título de exem-
plo, refira-se a afirmação do professor norte-americano de Ciência Política, Philippe
O significado internacional
da Revolução de 25 de Abril Schmitter, que considerou ter Portugal iniciado, em 1974, “a quarta vaga democratizante”.
A experiência portuguesa Num contexto internacional de Guerra Fria, a esquerdização política e as experiências
agiu como um revelador
do poder popular que se verificaram no período entre o 11 de Março e o 25 de Novem-
poderoso no conjunto das
correntes e das forças bro de 1975 preocuparam seriamente, por razões políticas e estratégicas óbvias, os EUA
políticas, em Portugal e no e os restantes parceiros europeus na OTAN.
mundo. (...) porque, desta
vez, a questão do poder é A instauração da democracia em Portugal e que permitiu ao nosso País abrir-se à
posta em causa, porque as
Europa e ao Mundo teve repercussões no derrube do governo dos coronéis na Grécia, em
consequências são
importantes, para a Europa 1974, que pôs fim a uma ditadura militar. O exemplo de Portugal esteve também bem pre-
e para a África, porque, um sente em Espanha no processo de transição da ditadura (1939-1975) para a democracia,
ano depois, ocorreu o
desmoronamento que se iniciou após a morte de Francisco Franco, em 1975, e no qual o rei Juan Carlos I
inevitável da dinâmica de teve um papel preponderante.
luta de classes em
Portugal. (...) Mas os reflexos da Revolução fizeram-se sentir também noutros continentes, particular-
Daniel Bensaid et al, Portugal: mente em África. A independência das colónias portuguesas provocou uma alteração do
La Révolution em Marche,
Paris, 1975.
equilíbrio estratégico existente, influenciando de forma determinante a evolução política e
social na África Austral: na Rodésia do Sul (atual Zimbabué), o governo de minoria branca
de Ian Smith deu lugar, a partir de 1980, a um governo de maioria negra liderado pelo diri-
? Questão
gente negro Robert Mugabe; na África do Sul, o sistema de apartheid (termo que em african-
1. Qual o significado der significa separação) viria a ser eliminado em 1991, depois de uma longa luta liderada pelo
internacional da revolução ANC – Congresso Nacional Africano – liderado pelo carismático líder Nelson Mandela.
portuguesa?
Em Síntese
• A derrota dos regimes totalitários na Segunda Guerra Mundial fez aumentar a pressão inter-
nacional sobre o regime do Estado Novo e deu novo alento à oposição democrática interna,
onde se destacou o papel do PCP (a única organização sobrevivente da repressão salaza-
rista e ativa durante todo o período da ditadura), dos setores republicanos, socialistas e libe-
rais que, pese embora as divergências entre si, convergiram em organizações unitárias de
caráter antifascista – MUNAF (1943), MUD (1945), candidaturas de Norton de Matos (1949)
e Humberto Delgado (1958), Frente de Ação Patriótica (1964) e diversos Congressos Repu-
blicanos, entre outras ações, algumas delas com impacto internacional (assalto ao paquete
Santa Maria, desvio do avião da TAP para Tânger, manifestações estudantis, criação da
Rádio Portugal Livre, em Argel…).
• Depois do fracasso da tentativa liberalizadora e de modernização económica do marcelismo e
da resolução do problema colonial, a Revolução de 25 de Abril de 1974, desencadeada pelo
MFA, pôs fim ao regime autoritário do Estado Novo com mais de quatro décadas, instau-
rando um novo regime democrático e pluralista fundado nos princípios consagrados na Cons-
tituição de 1976, que garantiu o exercício efetivo da liberdade política dos cidadãos e devol-
veu o poder político à sociedade civil. Ao mesmo tempo, criou as condições para a
integração do país no concerto das nações democráticas europeias e para a independência
das colónias portuguesas, reconhecendo o seu direito à autodeterminação e independência.
• A revolução portuguesa, teve fortes repercussões no estrangeiro. O professor norte-
-americano de Ciência Política Samuel P. Huntington, considerou-a o início da “terceira vaga
democratizante”, que foi prosseguida pelo derrube das ditaduras no Sul da Europa, na Amé-
rica Latina, na Ásia e em África. Por outro lado, a independência das colónias portuguesas
em África acentuou o isolamento dos regimes autoritários da África Austral, em particular
o regime de apartheid sul-africano.
Unidade 3 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX 245
3.1. A importância dos polos culturais anglo-americanos. A reflexão sobre a condição humana nas
artes e nas letras. O progresso científico e a inovação tecnológica
3.2. A evolução dos media
3.3. Alterações na estrutura social e nos comportamentos
APRENDIZAGENS RELEVANTES
A) O Expressionismo Abstrato
* Expressionismo Abstrato: O Expressionismo Abstrato* foi o primeiro movimento de arte abstrata americana. Ini-
de abstract expressionism,
ciado na década de 40, num contexto político e social muito particular, os artistas expres-
expressão utilizada pelo
crítico americano Robert sionistas abstratos já não acreditavam na possibilidade de transformar o mundo com a
Coates para designar o arte. Não pretendiam utilizá-la para procurar novos valores ou utopias. Interessavam-se
primeiro movimento de
arte abstrata americano pelos problemas da sociedade do seu tempo, ainda que esteticamente sob formas diver-
iniciado pelo pintor Arshile sas. Alguns exprimiam a sua perceção desses problemas através de traços ainda residual-
Gorky. Trata-se de um
termo genérico que mente figurativos, outros eliminavam-nos totalmente.
engloba diferentes
tendências da pintura dos A característica mais interessante dos trabalhos dos artistas do Expressionismo Abs-
anos 40, 50 e 60 do século trato americano, de que se salientam Jackson Pollock (1912-1956), a sua figura mais
XX, em que a cor, a forma
e a técnica pictórica são os importante, Arshile Gorky (1904-1948) (Fig. 1), o primeiro representante do movimento,
únicos veículos da e Willem de Kooning (1904-1997), é sobretudo não representarem nada que pudesse ser
expressão e de significado.
reconhecido à primeira vista. A sua observação requeria novas maneiras de ver. O mais
importante não era a mensagem que o quadro transmitia, mas o que ele des-
pertava no observador.
(2)
Para os pintores expressionistas abstratos, pintar era uma ação espontânea, um ritual de desfecho imprevisível.
Por isso se chama a este procedimento action painting (pintura de ação ou pintura gestual).
Unidade 3 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX 247
B) A Pop Art
Inspirada na cultura popular, a Pop Art*, forma abreviada de popular art (arte popular), * Pop Art: forma abreviada
de Popular Art (arte
teve a sua origem nas metrópoles urbanas de Londres em meados da década de 50 e popular). Designa a
depois em Nova Iorque nos anos 60. produção artística britânica
e norte-americana
Depois de um período, que durou quase duas décadas, de domínio absoluto por parte inspirada na cultura de
massas, ou seja popular,
do abstracionismo, os artistas pop voltaram a aproximar a arte da realidade, com toda a entre 1955 e 1970.
força e de uma forma direta, transformando os objetos banais – latas, garrafas de conhe- Caracteriza-se pela
utilização de temas do
cidos refrigerantes e embalagens dos mais diversos produtos –, símbolos e personagens quotidiano, refletindo de
(vedetas) do quotidiano da sociedade urbana em obras de arte. modo criativo e crítico a
sociedade de consumo.
Mas a Pop At não se limitou a reproduzir imagens dos produtos
industriais utilizados pelas massas, pela publicidade, pelo cinema e
pela imprensa, enfim imagens conhecidas e reconhecidas por toda a
gente. Produzia as obras em série como se fossem produtos industriais.
A serigrafia, um método de reprodução fácil e ao mesmo tempo variá-
vel, tornou-se no seu instrumento favorito.
Rauschenberg (1925-1997).
C) A Arte Conceptual
A partir de meados dos anos 60, apareceu uma série de novas formas artísticas, cuja
característica comum era a sua tentativa de integrar o mais possível o observador na pro-
dução artística, mediante a sua colaboração mental, intelectual.
Nasceu assim a denominada Arte Conceptual*, um movimento nova-iorquino que des- * Arte Conceptual:
movimento artístico
valoriza o objeto face à ideia, invertendo a hierarquia tradicional. As ideias podiam ser
internacional iniciado em
obras de arte e para sê-lo não tinham necessariamente que ser materializadas. Os con- Nova Iorque a partir de
meados dos anos 60 e nos
ceitos, as ideias, apresentam-se sob a forma de declamações faladas ou cantadas, de
anos 70, do século XX,
colóquios, de reflexões ou de citações. Ou ainda, através de textos ilustrados, fotogra- que, livre da representação
pictórica, declara o
fias, filmes, palavras escritas, telas animadas por fórmulas matemáticas destinadas a
processo mental como
exprimir uma ideia, exposições, etc. obra de arte,
interessando-se acima de
tudo pela ideia ou conceito.
248 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
A obra de arte perde o seu caráter tradicional de objeto artesanal (ou, pelo menos,
isso torna-se secundário) mas, muitas vezes, permanece objetivada de forma em que a
perceção sensível é relevante.
Artistas representativos: Joseph Kosuth (n. 1945); Hans Haacke (n. 1936); Dennis Oppenheim
(n. 1938); Daniel Buren (n. 1938); Terry Atkinson (n. 1939) e Joseph Beuys (1921-1986).
D) Na Literatura
Em Portugal, nas décadas de 50 e 60, autores consagrados como Alves Redol (1911-
-1969), Fernando Namora (1919-1989) e Mário Dionísio (1916-1993), entre outros, confe-
rem às suas obras uma dimensão de intervenção social (Neorrealismo), enquanto outros
como Augusto Abelaira (1926-2003), Eduardo Lourenço (n. 1923) e Urbano Tavares Rodri-
gues (n. 1923), aderem à nova linha existencialista, e Cardoso Pires (1925-1998), por
exemplo, tem uma obra que é uma espécie de ponte entre o Neorrealismo e os autores
influenciados pelo Existencialismo.
A Segunda Guerra Mundial e o horror da bomba atómica pareciam ter terminado com
o período de confiança geral das sociedades nos progressos da Ciência.
Unidade 3 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX 249
No entanto, nos anos 40 e 50, uma vaga de invenções nos domínios da eletricidade Cronologia
e da eletrónica iriam originar uma autêntica revolução tecnológica, recuperando a con-
1946
fiança na Ciência e na sua importância para a vida quotidiana das sociedades. ENIAC, o 1.º computador
digital totalmente
No centro dessa revolução encontram-se os progressos científicos nas áreas da Física, eletrónico.
Química e Biologia e as inovações tecnológicas nos domínios da informação e da comu- 1947
nicação, que estão na origem do que muitos designam por “terceira revolução industrial”: Invenção do transístor por
Brattain, Bardeen e
– utilização da energia atómica para fins pacíficos: produção de eletricidade, aplica- Shockley (EUA).
ção em meios de transporte (submarinos, aviões), na medicina (TAC – Tomografia 1954
Patente de um braço de
Axial Computorizada);
robô programável de
– a criação do primeiro computador inteiramente eletrónico, o ENIAC(3); George Devol (EUA).
1.º computador a
– invenção do transístor (1947); transístores, o TRADIC
(EUA).
– distribuição por cabo dos sinais de televisão (anos 50);
1956
– implantação das redes de satélites de telecomunicações (anos 60); 1.º cabo telefónico
transatlântico, o Tat I,
– microprocessador; entre a Escócia e a Terra
– desenvolvimento da cibernética (ligação entre informática e eletrónica) permitiu a Nova (Canadá).
Esta nova atitude face ao quotidiano, acompanhada dos progressos técnicos nos
domínios do som e da imagem, favoreceu o desenvolvimento dos meios de comunicação
de massa, os chamados media.
(3)
O ENIAC (Electronic Numeral Integrator And Calculator) foi criado, em 1946, na Universidade da Pensilvânia. Utilizava
mais de 18 000 válvulas, pesava 30 toneladas e ocupava uma área de 140 m2. A “segunda geração” de computadores
surgiu em 1960 utilizando transístores em vez de válvulas, mas fiáveis e pequenos.
250 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Mas a Europa reagiu, ainda nos anos 50, através do Cinema Neorrealista ita-
liano, onde se destacam os consagrados Rosselini e Vittorio De Sica, entre outros.
Nos anos 60, a Nova Vaga francesa revelou notáveis realizadores, como François
Truffaut, Claude Chabrol e Jean-Luc Godard, cujos filmes obtiveram grande sucesso
sobretudo entre os jovens, as classes médias e os críticos. Também o Cinema Novo
português deu a conhecer nomes importantes, como Paulo Rocha e Alberto Seixas
Santos. Na Europa de Leste, atingiram notoriedade o húngaro Miklós Jancsó e os
filmes da Nova Vaga checoslovaca.
* Hegemonia norte-americana: No entanto, o desenvolvimento destes novos centros de produção fílmica não põe em
apesar de alguns fracassos
causa a hegemonia norte-americana*.
financeiros retumbantes e
das quebras de frequência
das salas de cinema nos
anos 60, o cinema 3.2.2. O impacto da TV e da música no quotidiano
americano renasce no início
dos anos 70, produzindo
A) A TV
filmes baratos, de sucesso
comercial garantido e
direcionados para o gosto Durante os anos de 50 a televisão conhece na América do Norte e na Europa Ociden-
das plateias jovens cada tal uma expansão espetacular. Inicialmente olhada com ceticismo, a televisão conquista
vez mais consumidoras de
cinema. rapidamente um espaço importante no quotidiano quer do cidadão mais vulgar quer do
mais notável.
Para um número cada vez maior de pessoas é a fonte principal de notícias, de entre-
tenimento e de negócios (publicidade, marketing).
O nascimento do rock and roll, em meados da década de 50, constitui uma verdadeira
revolução musical e do estilo de vida (Fig. 5). O ritmo e a irreverência do rock atraem
massivamente os jovens. Tocar, ouvir e dançar o rock torna-se uma forma de expressão
da “revolta da juventude” contra as convenções sociais repressivas dos mais velhos. Elvis
Presley, a superestrela do rock americano, e as bandas rock britânicas The Beatles e The
Rolling Stones adquirem projeção mundial.
Mas nos anos de 1970 e 1980 o rock torna-se mais artificial e comercial. Acomoda-se
aos objetivos da sociedade de consumo. Como reação, alguns músicos norte-americanos Fig. 5. O rock and roll
constituiu uma forma de
começam a procurar algo mais “autêntico”, menos “comercial” a partir da tradição do expressão da rebeldia
folk rural (branco e negro). juvenil contra o padrão de
valores e as convenções
Deste renascimento do folk nascem novas correntes musicais inspiradas no jazz e nos sociais dominantes.
blues, onde as letras ganham maior importância. O caráter radical e libertário destas com-
posições musicais, que têm em Bob Dylan e Joan Baez dois dos seus maio-
res intérpretes, ligam-nas aos movimentos juvenis de contestação social e
política que irrompem nos anos 60 nos Estados Unidos e na Europa.
No período que se seguiu ao termo da Segunda Guerra Mundial e até 1973, o mundo
desfrutou, como já estudámos, de um forte crescimento económico, ainda que não intei-
ramente uniforme, a um nível nunca antes atingido.
Este boom económico a nível mundial, acompanhado pelo aumento dos rendimentos
22%
42% das pessoas, induziu naturalmente mudanças no tecido socioeconómico (Fig. 7), algumas
36% das quais já vinham a verificar-se e continuaram ou aceleraram durante este período:
1960
– redução do peso da agricultura no rendimento das economias nacionais, decorrente
dos progressos da mecanização do trabalho agrícola e da biotecnologia;
12%
(4)
Aculturação: processo pelo qual um grupo humano assimila total ou parcialmente valores culturais de um outro
grupo humano.
Unidade 3 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX 253
B) Contestação juvenil
Fig. 8. Representação de
Mas os anos 60 trouxeram, para além da vaga de contestação social e política, uma um feiticeiro primitivo. As
revolução de costumes e uma contracultura* que se traduziram numa revolta incontida fantasias dos hippies
pretendem constituir-se
contra quase todos os padrões tradicionais de autoridade e de comportamento. em manifestações de
contracultura.
Os problemas sociais e psicológicos decorrentes das contradições entre o stress com-
petitivo de uma sociedade de consumo e o desejo de autorrealização e a guerra no Viet- * Ecologia: área de
name abalaram a confiança da juventude nas instituições políticas. A América descobre conhecimento da Biologia
que tem por objeto o estudo
com espanto e inquietação, primeiro, os beatniks(5), depois, os hippies(6) (Fig. 8). Rejei- das relações dos seres
tam todas as convenções. Desafiam os hábitos sociais estabelecidos deixando crescer os vivos com o seu meio
natural e da sua adaptação
cabelos, vestindo roupas de estilo oriental, apresentando um aspeto desleixado, refu- ao ambiente físico ou moral.
giando-se no consumo de álcool e de drogas (LSD e marijuana), proclamando os méritos A degradação do meio
ambiente, provocada pelo
da Natureza e da Ecologia*. progresso técnico, foi outra
das áreas da contestação
A contestação alastrou-se à Europa, onde a massificação do ensino e os problemas juvenil e da comunidade
daí decorrentes também não encontravam na política a resposta adequada. científica. A defesa da
qualidade do meio ambiente
esteve na origem da criação
(5)
Beatniks (do inglês beat, batimento, música ritmada – rock and roll): nome dado aos jovens que amavam a música de várias organizações
ritmada e que desafiavam as convenções sociais com comportamentos e modos de vida marginais. internacionais, casos de
(6)
Hippies: pessoas que rejeitam os valores sociais e culturais da sociedade de consumo, pacifistas, antirracistas; Amigos da Terra e
defendem o regresso a um modo de vida natural, em total liberdade. Greenpeace (1971).
254 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Os movimentos hippies têm origem em São Francisco (EUA) no início da década de 60.
* Pacifismo: movimento de Trata-se de um movimento que proclama o pacifismo* e o antirracismo com um caráter
defesa da paz; “fazer
declaradamente idealista, caracterizando-se pela rejeição de tudo o que é convencional,
guerra à guerra”.
Nos anos 60 e 70, este dos valores da sociedade de consumo e pela apologia da Natureza, da vida comunitária
movimento, que teve nos e primitiva regida pelo amor e liberdade, objetivos expressos no slogan make love, not
jovens e intelectuais os
seus militantes mais war!
ativos, elegeu como alvos
principais a discriminação Em França, a agitação começa na Universidade de Nanterre, em março de 1968, atra-
das minorias étnicas e vés de pequenos grupos de extrema-esquerda que contestam a sociedade capitalista, sob
raciais, a luta contra a
corrida aos armamentos, o a liderança de um estudante de Sociologia, Daniel Cohn-Bendit. No mês de maio de 1968,
colonialismo e a guerra do o surto de contestação mobiliza dezenas de milhar de estudantes que transformam as uni-
Vietname.
versidades paralisadas pela greve em parlamentos e as ruas num campo de contestação.
A noite de 10 para 11 de maio, a primeira “noite das barricadas”, fica marcada por con-
frontos violentos entre os estudantes e as forças policiais no Quartier Latin, em Paris.
A repressão policial e o descontentamento com o regime gaulista(7) (Fig. 9) mobilizam os
sindicatos operários e os trabalhadores para uma greve geral a 13 de maio. Em
poucos dias, as greves generalizam-se e muitas das fábricas são ocupadas pelos
operários. A crise torna-se também social. Face à dimensão da crise, De Gaulle
viu-se obrigado a dissolver a Assembleia Nacional e a convocar eleições anteci-
padas. As eleições reforçam o poder dos gaulistas. O movimento estudantil
esgota-se. Os operários regressam ao trabalho nas suas empresas.
A sua vontade de mudar o mundo era evidente. O problema era que o seu
programa esgotava-se em alguns slogans, sugestivos é certo, mas desprovidos
de conteúdo como: “a imaginação ao poder!”, “sê realista, exige o impossí-
vel!”. A dimensão da crise política e social que o “Maio de 68” adquiriu dever-
Fig. 9. Cartaz de maio de -se-á ao facto de ao eixo conflitual juventude e liberdade contra adultos e autoridade se
1968. A silhueta projetada
a negro é do presidente ter associado, por circunstâncias diversas, a oposição tradicional entre governantes e
francês De Gaulle governados e o novo conflito entre revolução e conservadorismo.
(1890-1970).
O que fica deste movimento?
Apesar do seu impacto, “Maio de 68” não se transformou numa força de mudança
social efetiva, tendo-se esgotado rapidamente. É nos domínios social e cultural que teve
maior repercussão, pondo em causa o poder autoritário, a rigidez das relações familiares,
o poder machista, a inadequação da escola à vida real, o caráter desumano do taylorismo.
Paradoxalmente, é no meio académico que os seus efeitos são menores.
(7)
Gaulista: termo criado a partir do nome do general De Gaulle, presidente da França entre 1958 e 1969 e um dos heróis
da resistência contra a ocupação nazi (1940-1944)
Unidade 3 - As transformações sociais e culturais do terceiro quartel do século XX 255
C) Contestação à religião
Uma boa parte da doutrina social da Igreja é reformada, tal como a sua liturgia, dando
* Ecumenismo: movimento
passos decisivos em direção ao ecumenismo*. A Igreja torna-se mais aberta e tolerante de aproximação/integração
face a outros credos. Todavia, continua resistente a questões como o controlo da natali- das doutrinas e igrejas
universais.
dade, o aborto e a homossexualidade.
As imagens tradicionais da mulher limitada ao seu papel de esposa e mãe eram ainda
muito comuns nos finais dos anos 60 nas sociedades ocidentais. Esse facto não obstou,
porém, que as mulheres, estimuladas pelas campanhas em favor dos direitos cívicos das
minorias étnicas e raciais e pela atmosfera de crítica social reinante, tomassem maior
consciência do seu papel na vida social e familiar e reivindicassem a igualdade de direi-
tos relativamente aos homens.
Para as feministas radicais, a questão central era a rebelião contra a
repressão sexual masculina. Neste domínio, as mulheres passavam a ter
um aliado na “pílula” contracetiva que começara a ser comercializada no
início da década de 50.
A “segunda vaga feminista” dos anos 60 (Fig. 10) reivindicou também
a igualdade e a independência em matérias de trabalho e da família. As
mulheres já não viam o trabalho como uma fonte de rendimento comple-
mentar da família, mas como forma de realização pessoal e profissional, Fig. 10. A luta pelos direitos
queriam ter, tal como os homens, as suas próprias carreiras profissionais. A questão da civis levada a cabo pelas
minorias étnicas e raciais
igualdade feminina incluía ainda a luta pelo direito a um salário igual ao dos homens e
nos EUA, nos anos 60,
pelo controlo da natalidade (contraceção e aborto). favoreceram o despertar da
“segunda vaga feminista”,
Desta alteração de comportamentos resultaram consequências significativas para a reivindicando para as
estrutura e funcionamento da vida familiar: mulheres a igualdade de
direitos e a independência
– o número de divórcios e separações cresceu vertiginosamente; económica, social e afetiva.
– a taxa de natalidade dentro do casamento baixou;
– o número de gravidezes de adolescentes, decorrente da utilização da pílula anticon-
cecional reduziu-se substancialmente.
256 Módulo 8 - Portugal e o mundo da Segunda Guerra Mundial ao início da década de 80
Em Síntese
• Depois da Segunda Guerra Mundial, as sociedades e as culturas que elas veiculam sofrem
profundas transformações. O crescimento económico de 1945 até cerca de meados da década
de 70, os “trinta anos gloriosos”, suscitam novos padrões de vida e novas práticas culturais.
• Explorando as vantagens de superpotência liderante do mundo ocidental e dos progressos
tecnológicos revolucionários ocorridos no domínio dos meios de comunicação de massa, os
EUA impõem a sua hegemonia também no domínio artístico e cultural.
• Os polos da cultura anglo-saxónica tornam-se dominantes: o rock and roll revoluciona a
música e o estilo de vida dos jovens a partir de meados da década de 50; nos anos 60, as
novas correntes musicais (soul, reggae), largamente difundidas através do disco e dos
concertos.
• Na arte, as “segundas vanguardas” vão ainda mais longe do que as primeiras vanguardas
do início do século, na rutura com os cânones tradicionais e na procura de caminhos alter-
nativos, originais e revolucionários, que vão da abstração (Expressionismo Abstrato) à ele-
vação ao nível artístico dos objetos do quotidiano, símbolos da sociedade de consumo (Pop
Art).
• Os novos comportamentos (beatnicks, hippies) são manifestações de uma contracultura que
rejeita o modelo de sociedade instituído e os padrões de comportamentos, procura novos
referentes e alimenta os movimentos de contestação juvenil, que têm no “Maio de 68”, em
França, o seu ponto mais alto, e os movimentos feministas e pacifistas nos agitados anos 60.
• Os movimentos feministas dos anos 60 (“segunda vaga feminista”) reivindicam a igualdade
e a independência das mulheres em matérias de trabalho (carreiras e salários) e da família
(contraceção e legalização do aborto).
Questões Para Exame 257
Através desta declaração reafirmamos a nossa fé nos princípios da Carta do Atlântico, a nossa confiança
na Declaração das Nações Unidas e a nossa determinação em construir, em cooperação com as demais
nações amantes da paz, um mundo no qual impere o direito, a paz, a segurança, a liberdade e o bem-
-estar geral de todo o género humano.
O objetivo do novo expansionismo dos Estados Unidos é o estabelecimento à escala mundial do impe-
rialismo americano. Este novo expansionismo visa a consolidação da situação de monopólio dos Estados
Unidos (…) estabelecido após o desaparecimento dos seus concorrentes principais – a Alemanha e o Japão –
e pelo enfraquecimento dos seus parceiros capitalistas: o Reino Unido e a França.
Este novo expansionismo assenta sobre um vasto programa de medidas de ordem militar, económica
e política, pelo que a sua realização estabelecerá em todos os países visados pelo expansionismo dos Esta-
dos Unidos a dominação política e económica destes últimos, reduzirá estes países à situação de satélites
dos Estados Unidos. (…)
É aos partidos comunistas que cabe o papel histórico de liderarem a resistência ao plano americano de
subordinar a Europa. (…) Os comunistas devem ser a força dirigente que congrega todos os elementos anti-
fascistas defensores da liberdade para a luta contra os novos planos expansionistas americanos de domi-
nar a Europa.
A. Jdanov, representante da URSS à Conferência dos Partidos Comunistas europeus, 1947.
1.2. Explique o papel do Movimento dos Países Não-Alinhados nas relações internacionais (documento 2).
A incidência da alta do preço do petróleo sobre a conjuntura foi dupla. Por um lado, ao acentuar a ten-
dência inflacionista geral (pela alta dos custos), (…) precipitou o momento em que a inflação teve um efeito
perverso sobre a conjuntura e em que os governos foram obrigados a tomar medidas para a travar. Por
outro, ao afetar a taxa média de rendimento do capital industrial, ela acentuou o seu movimento de baixa,
que é a causa fundamental da recessão. Mas, nestes dois casos, trata-se de uma ampliação de um movi-
mento já em curso. A recessão generalizada é o desenvolvimento do ciclo que começa com a recessão
ainda parcial de 1970-1971 (…).
As capacidades de produção cada vez mais excedentárias e a inflação camuflada precedem a quadru-
plicação dos preços do petróleo pelos países da OPEP na altura da guerra do Kippur. Esta alta do preço
do petróleo não é, pois, a causa nem mesmo o detonador imediato da recessão. Ela é sobretudo um fator
adicional que amplia a gravidade da crise.
A sua resposta deve integrar, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis no documento.
Questões Para Exame 259
Portugal chegara tarde à “segunda revolução industrial” e não conseguira reunir as condições políticas
e económicas para aproveitar o seu tempo autárcico. (...)
A abertura ao exterior – abertura ao comércio e à importação de capitais (cada vez mais necessários
para suprir o défice dos fundos públicos desviados para as despesas militares) – é um processo preferen-
cialmente direcionado para os mercados da Europa Ocidental, que claramente se impõem como parceiros
comerciais ao mercado colonial. Na realidade, ao iniciar o seu movimento de aproximação à Europa atra-
vés da adesão à EFTA e, mais tarde, do acordo com a CEE –, Portugal começava a optar contra dois tipos
de escolhas estratégicas, até aí predominantes no regime e, de algum modo, ligadas entre si: a do desen-
volvimento industrial autárcico e a do “mercado único português” (integração dos mercados metropolitano
e coloniais, por contraposição ao Mercado Comum europeu). (...)
José Mattoso (dir.), História de Portugal, Lisboa, Círculo de Leitores, 1994, pp. 499-500.
3.1. Interprete, com recurso ao documento 5, a reação da população portuguesa à candidatura de Humberto
Delgado.
3.2. Enuncie, com recurso ao documento 6, três consequências da abertura da economia portuguesa ao exte-
rior nas décadas de 60 e 70.
Preâmbulo
A 25 de abril de 1974, o Movimento das Forças Armadas, coroando a longa resistência do povo portu-
guês e interpretando os seus sentimentos profundos, derrubou o regime fascista. (...)
A Assembleia Constituinte, reunida na sessão plenária de 2 de abril de 1976, aprova e decreta a
seguinte Constituição da República Portuguesa: (...)
Artigo 9.o
Tarefas fundamentais do Estado
A sua resposta deve abordar, pela ordem que entender, os seguintes tópicos de desenvolvimento:
A sua resposta deve integrar, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis no documento 8.
4.2. Associe cada um dos elementos da coluna A, identificados por letras, relativos à ação de diferentes
personalidades entre os anos de 1974 e 1976, ao respetivo nome, identificado por um número, que
consta da coluna B.
Coluna A Coluna B
Contextualização
Os finais da década de 80 e inícios dos anos 90 assinalam uma sucessão de acontecimentos
extraordinários que aceleraram o curso da História. O mundo assistiu então com alívio e
exaltação ao fim do sistema internacional da Guerra Fria que durava há quatro décadas.
Mas, o que se lhe segue? Uma nova ordem mundial… ou uma desordem mundial? Para já, a
única certeza que é que a velha ordem mundial morreu…
Na viragem para uma outra era, a Europa e mundo enfrentam novos problemas e novos
desafios: a crise do Estado-Nação, as questões das migrações, da segurança, do ambiente,
da ciência e da ética, os movimentos socioculturais e religiosos reativos face às pressões
massificadoras da cultura urbana e ao rolo compressor da globalização…
E Portugal: que papel quer (e pode) desempenhar no novo quadro internacional? Como arti-
cular a racionalidade da opção europeia com a afetividade das históricas relações atlânticas
e lusófonas?
APRENDIZAGENS RELEVANTES
- Compreender o impacto da desagregação do bloco soviético na evolução geopolítica inter-
nacional.
– Caracterizar polos de desenvolvimento económico uniformizados pela economia de mer-
cado e diferenciados pelas áreas culturais de pertença**.
– Analisar as dinâmicas de transformação da Europa, identificando a sua importância no
sistema mundial**.
CONCEITOS/NOÇÕES
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
262 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Cronologia
A eleição para secretário-geral do PCUS de Mikail Gorbatchov (Fig. 1), em 1985, abriu
Lideranças soviéticas a caminho a um movimento de reformas caracterizado por uma certa abertura à privatiza-
partir dos anos 80 ção e ao individualismo com o objetivo de modernizar e reestruturar o Estado soviético
1964-1982 e o comunismo. Este movimento foi significativamente designado por perestroika (ou
Leónidas Brejnev.
reestruturação económica) e glasnost (ou transparência). Se o primeiro trazia consigo
1982-1984
Iuri Andropov. novas propostas para superar o marasmo económico, o segundo significava a abertura
1984-1985 política e o fim da burocratização.
Constantin Chernenko. Perestroika e glasnost foram dois grandes pilares da revolução interna processada na
1985-1991
URSS, desempenhando um papel crucial ao criar um clima favorável para o despertar das
Mikail Gorbatchov.
aspirações democráticas, mais concretamente:
Pressionado por uma ativa fação de reformadores, na qual se destacaram Boris Ieltsin
(Fig. 2), Presidente do Soviete Supremo da Federação Russa, e Eduard Chevarnadze,
Ministro dos Negócios Estrangeiros, Gorbatchov teve de enfrentar a resistência dos seto-
res mais conservadores da sociedade soviética, em particular do aparelho do PCUS.
A sua aura reformista e a abertura demonstrada na política externa (assinatura do Tra-
tado sobre Forças Nucleares de Médio Alcance com os EUA, em 1987, a retirada do Afe-
ganistão, em 1989, Prémio Nobel da Paz em 1990...) tornaram Gorbatchov muito popular
no Ocidente. Curiosamente, no plano interno, começou a ser alvo de críticas oriundas de
vários setores, inclusive dos reformadores que o acusaram de falta de coragem e de deci- Fig. 2. Boris Ieltsin
são para avançar mais profunda e rapidamente no caminho das reformas. Não obstante, (1931-2007). Eleito
a sua ação teve como consequência involuntária estimular os sentimentos nacionalistas presidente do Congresso
dos Deputados da Rússia
em várias repúblicas soviéticas. em 1990, impulsionou a
Perestroika. Em agosto de
As Repúblicas Bálticas – Lituânia, Estónia e Letónia – foram as primeiras a proclama- 1991, opôs-se ao golpe
rem-se independentes de Moscovo (dezembro de 1989) e, depois da tentativa de golpe contra Gorbatchov,
assumiu a missão de
de estado contra Gorbatchov (agosto de 1991) por comunistas reacionários, consumou-se
acabar com o PCUS e
a dissolução da URSS, no momento em que 14 das 15 repúblicas federadas proclamam esteve ligado à formação
a sua independência. da Comunidade de Estados
Independentes (CEI),
Nos finais de 1991, a vertigem das mudanças arrastou consigo o fim do PCUS e a queda processo ligado à queda de
Gorbatchov e à dissolução
de Gorbatchov. Gorbatchov demitiu-se (25 de dezembro) porque, como afirmou, “a via do da União Soviética
desmembramento do país e da separação do Estado ganhou, o que não posso aceitar”. (dezembro de 1991).
Entre 1989 e 1991, o movimento reformista na URSS converte-se num processo ver-
dadeiramente revolucionário alastrando muito rapidamente a todo o bloco do leste euro-
peu, satélite da URSS:
Em 1989:
– queda do Muro de Berlim (9 de novembro), símbolo da divisão bipolar e da Guerra
Fria (Fig. 3); Fig. 3. Queda do Muro de
Berlim (1989). Este evento
– proclamação da independência (dezembro) das Repúblicas Bálticas (Lituânia, Estó- provocou uma onda de
choque que derrubou os
nia e Letónia);
regimes comunistas nos
– vitória eleitoral do Solidariedade de Lech Valesa na Polónia e a “revolução de outros países do leste
europeu.
veludo” de Vaclav Havel (Fig. 4) na Checoslováquia;
Em 1990:
– proclamação da reunificação alemã;
– derrube dos regimes comunistas na RDA, Hungria e Roménia.
Em 1991:
Fig. 4. Vaclav Havel (1936-2011).
– proclamação da independência da Geórgia, Ucrânia e Bielorrússia e formação da
Escritor e político checo. Em
Comunidade de Estados Independentes (CEI), uma organização supranacional à 1988, criou o Forum Cívico
qual aderiram 11 Repúblicas que pertenciam à União Soviética; e, em dezembro de 1989, foi
eleito Presidente da
– proclamação da independência da Croácia e da Eslovénia; Checoslováquia, depois de
ter participado ativamente
– dissolução do COMECON e do Pacto de Varsóvia. na denominada “Revolução
de Veludo”.
264 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Desemprego, corrupção e criminalidade fazem ainda parte do dia a dia de grande parte
destes “países em transição”. E, em alguns deles, o nacionalismo descontrolado e a xeno-
fobia, fenómenos controlados no passado, pelo comunismo, agravam ainda mais os pro-
blemas económicos e sociais que os afetam.
Assim, a nova ordem política e económica ainda continua frágil em alguns países que
adotaram o modelo ocidental de economia de mercado, apesar de as reformas conducen-
tes a este novo modelo estarem a ser implementadas, em maior ou menor grau, em
todos os países em transição.
A) A supremacia económica
* PIB (Produto Interno
A expansão da economia mundial ocorrida no pós-guerra (“os trinta gloriosos anos”) Bruto): soma (em valores
teve como principal motor a força da economia dos EUA. Foi esta força económica, e não monetários) de todos os
bens e serviços finais
apenas a sua vitória militar na Segunda Guerra Mundial, que permitiu aos EUA construir
produzidos num
as estruturas que alicerçaram um período de expansão capitalista sem precedentes, determinado país/região
expresso num conjunto de indicadores que a atestam como a maior economia do mundo: durante um determinado
período (em regra, um
ano), por todas as
– um extenso e rico território com uma área de 9 363 520 km2 (o 4.o maior país do empresas públicas ou
privadas, nacionais ou
mundo) e uma população que ultrapassa os 308 milhões de habitantes (o 3.o mais estrangeiras.
populoso); O PIB é um dos indicadores
mais utilizados na
– mais de 23% da riqueza mundial e o PIB* mais elevado; avaliação da atividade
económica.
(PIB dos EUA em 2007:
(3)
NAFTA (North American Free Trade Agreement), área de comércio livre constituída pelos EUA, Canadá e México 13 776 472 dólares, o mais
(1994). elevado de todos os
(4)
APEC (Asia-Pacific Economic Cooperation), criada em 1989. países).
266 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Documento 1 Entre os anos de 1981 e 1989, sob a administração Reagan, a economia dos EUA cres-
ceu de forma ininterrupta. O Presidente Reagan adotou uma política económica neoliberal
As desigualdades sociais
A fiscalidade (nos EUA) assente essencialmente na redução de impostos e na desregulamentação (liberalização),
aumentou as injustiças alcançando resultados económicos significativos:
relativas ao património
(...). Do mesmo modo, as – duplicação do crescimento da produtividade industrial;
diferenças entre ricos e
pobres aumentaram – redução da inflação e do desemprego;
extraordinariamente à
escala familiar; em 1979,
– incremento do investimento produtivo.
os 5% de famílias mais
ricas ganhava 10 vezes No entanto, o aumento da despesa pública, devido sobretudo ao enorme investi-
mais do que os 20% das
mais pobres. Esta mento no domínio militar, tornou os EUA no maior devedor mundial (de 1982 a 2000, a
proporção aumentou para
dívida externa subiu para mais de 2 biliões de dólares, representando 22,6% do seu PIB),
16 vezes em 1989 e atingiu
as 19 vezes em 1999. financiando o seu crescimento graças ao fluxo de capitais externos.
Alain Gresh et al, “Atlas da
Globalização”, Le Monde
Diplomatique, Lisboa, 2003, No campo social, esta política teve efeitos perversos (Doc. 1):
pp. 100-101.
– a redução das comparticipações sociais do Estado (Estado-providência) deixou os
mais pobres sem proteção social;
? Questão
– a precaridade dos empregos e a contração do nível geral dos salários e a redução
1. Como explica o fenómeno
do imposto sobre os rendimentos (em 1981 baixou 25%) agravaram as diferenças
referido no documento?
sociais já de si muito acentuadas.
B) A hegemonia científico-tecnológica
A supremacia científica e tecnológica dos EUA, alcançada após a Segunda Guerra Mun-
dial, continua a não ter paralelo em nenhum outro país.
– com o fim da Guerra Fria, os EUA ficaram sem um competidor direto na corrida às
tecnologias de ponta; foi, aliás, devido à Guerra Fria que instituições científicas
importantes como a NASA surgiram; sem isso, talvez não tivesse havido vontade
política e recursos financeiros para levar o Homem à Lua;
– muitas universidades recebem fundos de companhias privadas, mas cada vez mais
essas companhias tendem a concentrar-se na ciência aplicada com a finalidade do
lucro e não na investigação científica pura;
– a globalização económica estimula a deslocalização das empresas ligadas à inves-
tigação e inovação tecnológicas para países, como a China e a Índia, com baixos
custos de produção e sistemas de educação em evolução.
C) A hegemonia político-militar
A pressão exercida pela administração Reagan sobre a URSS acelerou o seu colapso,
um desfecho que o reformismo de Gorbatchov não foi capaz de travar.
268 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Nos finais dos anos 80, quando George Bush, Vice-Presidente de Reagan, assumiu a pre-
sidência dos EUA, a rutura do bloco comunista, simbolizada na queda do Muro de Berlim
em novembro de 1989 – o símbolo mais evidente da Guerra Fria –, surgiu como irreversível.
A partir de então, o domínio planetário dos EUA tornou-se indiscutível e a ideia de edi-
ficar uma “nova ordem internacional” pós-Guerra Fria, uma verdadeira pax americana,
adquiriu contornos reais com a operação Tempestade no Deserto ou Guerra do Golfo (1991).
A Guerra do Golfo tornou claro quem dominava a ordem internacional e onde estava
a supremacia político-militar: a sofisticada tecnologia militar (Fig. 6) norte-
-americana alcançou uma contundente vitória sobre o exército de Saddam
Hussein, uma vitória que teve efeitos moralizadores para os EUA e cicatri-
zou algumas das feridas ainda vivas da memória da guerra do Vietname.
Os ataques terroristas contra os EUA a 11 de setembro de 2001 (Fig. 7) se, por um lado,
puseram bruscamente fim às esperanças de que uma ordem de paz e de
justiça poderia estar ao alcance dos homens, por outro geraram uma vaga
internacional de solidariedade jamais vista para com os norte-americanos.
A) Alargamento
Cronologia
Depois da instituição da Europa dos Seis em 1957, o alargamento a Norte – Reino
Os alargamentos da UE
Unido, Irlanda e Dinamarca – criou a Europa dos Nove em 1973.
1973
Em 1981 e 1986, o alargamento ao Sul mediterrânico (a Grécia, em 1981, e Portugal e 1.o alargamento – Europa
dos Nove.
Espanha, em 1986) constituiu a Europa dos Doze. Em 1995, com a adesão da Áustria,
1981
Suécia e Finlândia, formou-se a Europa dos Quinze. 2.o alargamento –Europa
dos Dez.
A partir de 2004, com a entrada de um grupo de oito Países da Europa Central e 1986
Oriental (PECO) – Países Bálticos (Estónia, Letónia e Lituânia), Eslováquia, República 3.o alargamento – adesão
de Portugal e Espanha –
Checa, Hungria e Polónia – e dois países mediterrânicos, Malta e Chipre, a União Europeia
Europa dos Doze.
passou a contar 25 países, aos quais se juntaram, em 2007, a Bulgária e a Roménia e em 1995
2013, a Croácia, elevando para 28 o número de estados-membros da União. 4.o alargamento - Europa
dos Quinze.
Entretanto, outros países – Islândia, Macedónia, Montenegro, Sérvia, Turquia – estão 2004
a caminho da adesão à UE. 5.o alargamento - Europa
dos Vinte e Cinco.
2007
Apesar dos problemas e desafios que se colocam ao conjunto dos estados-membros, 6.o alargamento - Europa
dos Vinte e Sete.
o alargamento teve efeitos positivos:
2013
– pôs fim à divisão da Europa; as divisões políticas entre a Europa Ocidental e a Adesão da Croácia - Europa
dos Vinte e Oito.
Europa Oriental são finalmente ultrapassadas quando dez novos países aderem à
União Europeia em 2004;
– ajudou a consolidar a democracia nos países aderentes;
(5)
Integram este arsenal as sofisticadíssimas bomba T (parede de fogo), a bomba E (capaz de derreter circuitos elé-
tricos), as bombas Daisy Cutter, os mísseis Tomahawk, o avião AC-130, etc. Não obstante o cenário internacional tra-
çado, a eleição de Barack Obama (2008) poderá, pelas expetativas positivas criadas em todo o mundo, modificar-se
substancialmente.
270 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
O aprofundamento da desde 2004, apenas três milhões e 600 mil trabalhadores do leste imigraram para
integração europeia os antigos Quinze, ou seja um por cento da população ativa, muitos dos quais,
1974 com a mais recente crise financeira, devem mesmo regressar aos países de ori-
Criação do FEDER (Fundo
Europeu de gem);
Desenvolvimento
• as regiões mais pobres da União beneficiam dos fundos estruturais(6) e de coesão
Regional).
1979 e de empréstimos do Banco Europeu de Investimento.
Eleição para o PE por
sufrágio universal direto.
1985 Em suma, é consensual a convicção de que uma Europa alargada (e coesa) está mais
Acordos de Schengen. bem preparada para fazer face às crises.
1986
Ato Único Europeu.
1987 B) Aprofundamento
Programa Erasmus.
1990 Em paralelo com o progressivo alargamento da União Europeia, desenvolveu-se o pro-
Criação da União cesso de aprofundamento da integração:
Económica e Monetária
(UEM).
1992 Anos 70
Tratado da UE (Maastricht).
1993 Num cenário internacional de graves dificuldades económicas (crise do dólar, crise
Criação do Mercado Único. do petróleo), que chegaram a pôr em causa a solidariedade comunitária (veja-se a pre-
1997
tensão do Reino Unido de renegociar as condições de adesão com ameaça de retirada),
Tratado de Amesterdão.
2000 a Comunidade resiste, estimulada pela chegada ao poder de dois políticos para quem
Tratado de Nice – Carta os graves problemas económicos não poderiam ser resolvidos num quadro estritamente
dos Direitos Fundamentais
da UE. nacional, o Chanceler Helmut Schmidt (Alemanha) e o Presidente Giscard d´Estaing
2002 (França).
Entrada em circulação das
notas e moedas em euros. No final da década, em 1979, entrou em vigor o Sistema Monetário Europeu (SME),
2003 com o objetivo de estabilizar as taxas de câmbio entre as moedas europeias e foi insti-
Projeto do Tratado que
estabelece uma
tuída uma divisa (unidade monetária) de referência europeia, o ECU (European Currency
Constituição para a Europa Unit), em substituição da UCE (Unidade de Conta Europeia). Ainda nesse ano, os depu-
(não ratificado).
tados do Parlamento Europeu (PE) foram pela primeira vez eleitos por sufrágio universal
2007
Tratado de Lisboa. direto, respondendo, desta forma, aos que criticavam a então CEE de défice democrático.
Anos 80
– definiu como o objetivo a realização, até ao final de 1992, do Mercado Interno * Acordos de Schengen:
designação dada aos
entendido como um espaço sem fronteiras internas;
acordos subscritos por um
– simplificou o processo de tomada de decisões numa série de questões como a har- conjunto de estados-
-membros da UE com o
monização das legislações nacionais, essenciais para a realização do mercado único; objetivo de realizar a livre
– reforçou a convergência das políticas económicas e monetárias, tendo em vista a circulação de pessoas,
independentemente da sua
criação da UEM. nacionalidade, no território
desses estados, através da
abolição dos controlos nas
Ainda nesta década, foram lançados programas de educação, formação, emprego e cul- respetivas fronteiras
internas (terrestres,
tura para os jovens (1987): Erasmus (educação e mobilidade); Comett (cooperação esco- aéreas e marítimas).
las-empresas); Petra (formação profissional); em 1989, o Conselho Europeu, em Estras- * Princípio da
burgo, aprovou a Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores. subsidiariedade: nos
domínios que não sejam
das suas atribuições
Anos 90 exclusivas, a Comunidade
intervém apenas, de
Os Acordos de Schengen* (1985), relativos à liberdade de circulação dos cidadãos, e, acordo com este princípio,
“se e na medida em que os
sobretudo, a assinatura do Tratado da União Europeia (TUE) na cidade holandesa de objetivos de uma ação não
Maastricht (1992) deram um forte impulso ao aprofundamento da integração europeia: possam ser
suficientemente realizados
pelos estados-membros e
– foram calendarizadas e definidas as condições para a entrada em vigor da 3.a e possam, pois, devido à
última fase da UEM (instituição da moeda única e de um Banco Central Europeu dimensão ou aos efeitos
da ação prevista, ser
independente); melhor alcançados ao nível
– a ação comunitária foi alargada a novos campos (política industrial, redes transeuro- comunitário” (art.o 3B,
Tratado da União
peias, proteção aos consumidores, educação, formação profissional, saúde e cultura) Europeia). Este princípio
e foi estendida a cooperação às matérias de justiça e assuntos internos (política de insere-se dentro da lógica
do reforço da eficácia e da
asilo, abertura das fronteiras externas, política de emigração, cooperação policial, etc.); democraticidade das ações
– foi reforçada a legitimidade democrática (extensão do papel legislativo do PE, con- comunitárias.
(7)
É chamado Único porque no mesmo Ato se procedeu à revisão dos Tratados da CEE, da CECA e da CEEA (ou Euratom).
272 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
O Tratado de Amesterdão (1997), que teve como objetivo modificar certas disposições
e atos dos tratados constitutivos das Comunidades Europeias (Paris e Roma) e do Tra-
tado da União Europeia, adotou medidas nos domínios da cidadania e do ambiente para
fomentar a intervenção comunitária na luta contra o desemprego, o respeito pelo meio
ambiente e a proteção dos consumidores.
Anos 2000
– O Tratado de Nice (2001), cujo objetivo era proceder à reforma das instituições para
melhorar a eficácia do funcionamento da UE com 25 países;
– Entrada em circulação das moedas e notas em euros (2002) em doze dos estados-
-membros (e em mais 4 até 2009);
– Tratado que estabelece uma Constituição para a Europa (2004) – foi assinado mas
não chegou a ser ratificado;
a) criar uma Europa mais democrática e transparente pelo reforço dos poderes do
Parlamento Europeu (recurso mais frequente à codecisão no processo de decisão
política, colocando o Parlamento Europeu em pé de igualdade com o Conselho e
à aplicação do princípio da subsidiariedade); pela introdução de uma relação direta
entre a eleição do Presidente da Comissão e os resultados das eleições europeias;
* Iniciativa da cidadania: introdução da iniciativa da cidadania*;
possibilita a participação
direta de um milhão de b) aumentar a eficácia do funcionamento da UE (definição de um quadro institucional
cidadãos da UE na mais estável e simplificado, com regras de votação e métodos de trabalho mais
definição de políticas desta,
permitindo-lhes convidar ajustados a uma União então com 27 estados-membros);
a Comissão Europeia a
apresentar uma proposta
c) preservar uma Europa de direitos e valores (consagra os direitos civis, políticos,
legislativa. económicos e sociais; garante as liberdades e os princípios estabelecidos na Carta
dos Direitos Fundamentais;
d) reforçar a capacidade da UE para enfrentar desafios globais (as alterações climáticas,
a segurança e o desenvolvimento sustentável, através do aprofundamento dos
mecanismos de solidariedade e cooperação entre os estados-membros).
C) A estrutura institucional da UE
Assim, conforme a perspetiva de análise, uns relevam a sua tendência federal, outros,
pelo contrário, a sua natureza confederal, enquanto, na realidade, essas duas facetas
Unidade 1 - O fim do sistema internacional da Guerra Fria e a persistência da dicotomia norte-sul 273
coexistem, quando não se confundem, tanto nas suas instituições como no seu processo
de decisão.
As outras são: o Conselho Europeu, o Comité Económico e Social (CES), o Banco Euro-
peu de Investimentos (BEI) e o Tribunal de Contas.
O poder ativo está sobretudo confiado a duas delas: uma comunitária, a Comissão, e
a outra, intergovernamental, o Conselho de Ministros. Por regra, a Comissão propõe e o
Conselho decide (órgãos de direção). Mas estas atividades são exercidas em consulta,
sob o controlo democrático do Parlamento Europeu e sob o controlo jurídico do Tribunal
de Justiça (órgãos de controlo).
É inegável que mais de meio século de integração económica abriu a via de integração
política. A partilha de recursos, a gestão aduaneira, as instituições e as políticas comuns,
o alcance das decisões económicas tanto no âmbito interno como externo, não poderiam
deixar de conferir uma dimensão política à União Europeia.
O Tratado da União Europeia (TUE), ao integrar estes dois novos pilares na organiza-
ção da UE e ao adotar decisões em matérias de integração comunitária tão relevantes,
como as relativas à moeda única e à cidadania europeia, projetou claramente a Comuni-
dade para lá do limiar da integração política.
No Conselho Europeu de Laeken (2001) foi decidido convocar uma Convenção para
delinear um projeto de Constituição para a Europa, procurando-se, desta forma, dar mais
um passo no caminho da coesão política.
274 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Depois da bem sucedida experiência da ASEAN* (Association of Southeast Asian * ASEAN: nasceu com a
Declaração de Bancoque
Nations), fundada em 1967 e com sede em Jacarta (Indonésia), seguiu-se a celebração de
(8 de agosto de 1967),
um acordo, em 1989, entre este bloco do Sudeste Asiático e os EUA, a China, a Austrália, assinada pela Indonésia,
Malásia, Filipinas,
Hong-Kong, o Japão, a Coreia do Sul e a Nova Zelândia dando origem à poderosa APEC
Singapura e Tailândia,
(Asia and Pacific Economic Cooperation) com objetivos de promoção da cooperação eco- aliados dos EUA no quadro
da Guerra Fria e da guerra
nómica na vasta área transpacífica.
do Vietname (o Brunei,
Posteriormente, em 1992, estes países anunciaram a criação, prevista para entrar em Vietname, Birmânia, Laos e
Cambodja aderiram
funcionamento no ano 2008, de uma alargada Zona de Comércio Livre, a AFTA (Asian Free posteriormente). Trata-se
Trade Association). da maior organização de
cooperação do Sudeste
Asiático e pretende
Como sugestiva e metaforicamente referiu o economista Isamu Miyazaki, a Ásia de constituir-se no motor do
desenvolvimento
hoje lembra a “formação em triângulo de um voo de gansos selvagens”, com o Japão à económico, social e
cabeça do conjunto logo seguido pelos quatro Novos Países Industrializados (NPI) (fre- cultural pela promoção da
assistência em assuntos
quentemente apelidados de “dragões asiáticos”) – Singapura, Taiwan (Formosa), Coreia de interesse comum, pela
do Sul e Hong-Kong –, depois pelos países da ASEAN e, finalmente, a fechar o voo, a defesa da estabilidade
política na região e pelo
China(8), o Vietname, a Coreia do Norte e o Camboja. aprofundamento de
relações com outras
Desta forma, a Ásia está em vias de se constituir num bloco económico regional de
organizações regionais e
mais de 510 milhões de habitantes e de 3700 mil milhões de dólares de PNB* que, ape- internacionais. Esta área
vem sendo considerada
sar das diferenças estruturais e dos níveis desiguais de desenvolvimento económico exis-
pela UE como “um objetivo
tentes, se poderia designar, tendo como imagem o modelo europeu de Mercado Comum, estratégico" para as suas
relações comerciais.
de “fábrica comum” ou “produção comum” cujas características comuns se podem resu-
mir da seguinte forma: * PNB (Produto Nacional
– empenhamento na educação, com relevo para a formação técnica; Bruto): riqueza produzida
pelo conjunto de empresas
– um elevado nível de poupanças; de um determinado
país/região, no interior e
– o apoio (seletivo) Estatal; exterior do seu território,
durante um determinado
– aposta na promoção das exportações de manufaturas. período de tempo
(normalmente, um ano),
traduzida num valor
(8)
O lugar da China nesta metáfora está, hoje, claramente subavaliado, uma vez que se afirma cada vez mais como o monetário.
epicentro da integração económica regional asiática.
276 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
B) A questão de Timor
Após a “Revolução dos Cravos” (1974), em Portugal, a prioridade concedida aos pro-
cessos de descolonização das colónias portuguesas em África e a ausência de movimen-
tos de libertação deixaram para segundo plano a longínqua Timor-Leste.
Nobel da Paz em 1996, a determinação de Kofi Annan, eleito Secretário-Geral da ONU em Cronologia
1997, bem como as manifestações contra as forças de ocupação e o autêntico genocídio
1975
praticado pelos Indonésios durante a ocupação, reforçaram a visibilidade internacional A FRETILIN declara a
da causa timorense. independência de Timor-
-Leste.
A ONU decidiu então intervir, destacando forças para o território timorense, enquanto A Indonésia invade o
território.
os ministros dos Negócios Estrangeiros da Indonésia (Ali Alatas) e de Portugal (Jaime
1991
Gama) assinaram um acordo que definiu as condições para uma consulta popular sobre Massacre no cemitério de
o futuro do território. Santa Cruz (Díli).
1992
Em 1999, a ONU enviou uma missão de observadores, a UNAMET, para organizar o Captura de Xanana
referendo, realizado em 30 de agosto desse ano. O escrutínio, que teve uma enorme ade- Gusmão.
1996
são popular, deu a vitória aos defensores da independência. No entanto, não trouxe a
Atribuição do Prémio Nobel
paz ao território, uma vez que os militares de Jacarta e as milícias pró-Indonésia provo- da Paz a D. Ximenes Belo e
caram uma situação de caos e de violência extrema. Em consequência, a UNAMET foi a Ramos-Horta.
1999
substituída pela INTERFET, uma força multinacional incumbida da missão de restaurar a Referendo sobre a
ordem e a segurança. A administração do território foi entregue à UNTAET, com funções independência (vitória do
“sim”).
legislativas e executivas no período de transição até à independência (1999-2002).
2001
Em julho de 2000, foi empossado o Governo de transição, composto, entre outros, Xanana Gusmão eleito
Presidente da República
por Xanana Gusmão, João Carrascalão e Sérgio Vieira de Mello, este um diplomata bra- Democrática de Timor-
sileiro em representação das Nações Unidas. As eleições presidenciais de 2001 deram a -Leste.
vitória ao líder carismático da resistência timorense Xanana Gusmão. A 20 de maio de 2002
Reconhecimento formal da
2002, Timor-Leste foi proclamado e reconhecido como um Estado soberano. independência de Timor-
-Leste.
A situação económica de Timor-Leste contrasta duramente com o quadro evolutivo e
dinâmico da generalidade das economias do Sudeste Asiático:
– num território exíguo e onde coexistem mais de trinta línguas e dialetos(9) que difi-
cultam a coesão social, política e cultural, a agricultura de subsistência é a ativi-
dade predominante;
– ausência de infraestruturas materiais (vias e meios de transporte e de comunicação,
empresas, circuitos de distribuição...) e humanas (quadros profissionalmente quali-
ficados, serviços públicos de ensino e assistência...);
– baixa esperança média de vida (57 anos);
– elevado nível de pobreza (em 2007, o PIB foi de 459 dólares per capita, situando-se
no 170.o lugar numa lista de 179 países).
Não obstante o quadro traçado, o Relatório do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD, 2002) deixou uma mensagem de esperança aos timorenses ao
reconhecer que o potencial económico imediato é limitado, mas o potencial humano é
forte. Contudo, este potencial não se poderá materializar sem uma adequada cooperação
internacional, em particular nos domínios prioritários da luta contra a pobreza e pelo
desenvolvimento sustentado.
(9)
A Constituição timorense reconhece o tetum, língua tradicional timorense, e o português como línguas oficiais;
o inglês e o bahasa indonésio como línguas para uso administrativo durante o período de transição.
278 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
(10)
Em meados da década de 1990, a China tornou-se o principal destino dos investimentos diretos estrangeiros (IDE)
nos países de economias emergentes.
Unidade 1 - O fim do sistema internacional da Guerra Fria e a persistência da dicotomia norte-sul 279
No plano das relações económicas internacionais, a China apresenta uma outra evo- Cronologia
lução que importa assinalar:
Modernização e abertura da
China
– a sua integração nas estruturas reguladoras da economa mundial: no FMI (Fundo
1976
Monetário Internacional) e no Banco Mundial (1980) e na OMC (Organização Mundial Morte de Mao Tsé-Tung.
do Comércio), em 2001, após 15 anos de negociações. 1977
Primavera de Pequim.
1978
No plano político, o Estado comunista chinês resistiu à desagregação da ex-URSS e Reformas económicas e
políticas (Deng Xiaoping).
do Bloco de Leste. Os dirigentes comunistas chineses mantiveram a China politicamente
1980
fechada e governam o país com base na ditadura do partido único. Uma questão que Criação de Zonas
Económicas Especiais (ZEE).
surge com frequência no debate político e nos círculos académicos ocidentais é saber até
1989
quando a China se manterá politicamente fechada e resistirá às pressões externas e inter- Protesto na Praça
nas para realizar reformas políticas liberalizantes e democráticas. Tianamen.
1997
Hong Kong é integrada na
Mas se o sentido da evolução política interna da China suscita interrogações, o mesmo China.
já não se aplica ao domínio económico onde está praticamente generalizada entre os 1999
Transferência da soberania
especialistas a convicção de que, por volta do ano de 2030, a China transformar-se-á na de Macau.
maior economia do mundo. 2001
Adesão à OMC.
2008
Jogos Olímpicos de Verão.
Apesar dos seus enormes recursos naturais e da grande juventude dos seus habitan-
tes, a África Subsariana (território a sul do Deserto do Sara) é, porventura, a zona mais
torturada do planeta. Chega mesmo a parecer que se instalou nesta parte do continente
uma espécie de fatalismo quando deixou de ser uma área prioritária para o investimento
por parte de países industrializados que eram os seus antigos colonizadores e por parte
das superpotências (EUA e URSS), apostadas durante o período da Guerra Fria em alargar
as respetivas áreas de influência.
Uma boa parte dos problemas africanos tem profundas raízes históricas na ocupação
colonial, concretamente:
– o esgotamento dos solos, responsável, entre outros fatores, pela baixa produtivi-
dade agrícola, decorre da prática secular de uma agricultura extensiva de culturas
para exportação;
280 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Mas, uma outra parte dos problemas deve ser imputada aos próprios países, em par-
ticular às suas elites dirigentes:
– a queda dos preços das matérias-primas nos mercados internacionais e que era a
grande fonte de receita destes países;
golpe de Estado militar -> declaração de estado de sítio -> suspensão da Constituição
-> restrição das liberdades -> proibição das atividades políticas e sindicais -> controlo
dos meios de comunicação -> concentração de poderes (ditadura).
(12)
O Mercosul é já chamado o quarto bloco económico mundial, a seguir aos EUA, Japão e U.E. Representa um mercado
de 200 milhões de consumidores e o crescimento económico para os próximos anos está estimado entre os 4 e os
6 % ano.
Unidade 1 - O fim do sistema internacional da Guerra Fria e a persistência da dicotomia norte-sul 283
A partir de meados dos anos 70, o agravamento dos problemas económicos e sociais
e a manifesta incapacidade dos regimes de ditadura militar para os ultrapassar, vão for-
talecer as oposições de esquerda e provocar a sua regressão, uma tendência global que
se acentuou nos anos 90, dentro do novo contexto das relações internacionais do fim da
Guerra Fria:
– no Brasil, iniciou-se uma nova fase de democratização política, pondo fim a duas
décadas de ditadura militar (1964-1985);
– na Nicarágua, em 1979, a guerrilha sandinista derrubou a ditadura de Somoza e o
novo governo, composto por sandinistas e elementos dos setores liberais, adotou
medidas de caráter socialista (nacionalizações nos setores bancário e dos seguros e
controlo estatal das atividades económicas). A reação dos EUA não se fez esperar:
suspendem a ajuda à Nicarágua (1981), financiam os denominados “Contras”, guer-
rilheiros antissandinistas formados por elementos da extinta Guarda Nacional, e ado-
tam sanções económicas contra o país. As eleições de 1984 deram a vitória ao líder
sandinista Daniel Ortega e, em 1988, foi assinada uma trégua entre os contendores.
As eleições de 1990 deram a vitória à lider da oposição Violeta Chamorro;
– na Guatemala, depois da guerra civil entre a extrema-esquerda e os grupos paramili-
tares da extrema-direita, ligados ao poder instituído, e das negociações de paz patro-
cinadas pela ONU, a oposição democrática alcançou a vitória nas eleições de 1995;
– no Chile, em 1989, o general Augusto Pinochet que derrubara o governo de Salvador
Allende, em 1973, foi derrotado num plebiscito e viu-se obrigado a convocar eleições
sob a supervisão da ONU que deram a vitória à oposição democrática, pondo fim a
um período de 17 anos de ditadura marcado pela violência e pelo terror.
Israel ficaria, porém, com dois grandes problemas para o futuro, problemas esses que se man-
têm na atualidade:
– a difícil convivência com os Palestinianos no interior do Estado judaico;
– e a hostilidade dos países árabes vizinhos, especialmente a Síria e o Egito e com o
mundo árabe, em geral.
Em 1964 foi criada a OLP (Organização de Libertação da Palestina), liderada por Yasser
Arafat (1929-2004), com o objetivo de recuperar o território palestiniano ocupado pelo
Estado de Israel e nele estabelecer um Estado independente.
Em 1967, o Conselho de Segurança da ONU aprovou a Resolução n.o 242 que deter-
minou a retirada de Israel dos territórios ocupados na sequência da Guerra dos Seis Dias
(5 a 10 de junho de 1967): Sinai, Cisjordânia, Montes Golã e Jerusalém Oriental.
Em 1974, a OLP foi reconhecida pela ONU como legítima representante do povo pales-
tiniano e atribuiu a Arafat o estatuto de observador na Assembeia Geral da ONU, reco-
nhecendo o direito dos palestianianos à autodeterminação.
Em 1978, nos Acordos de Paz de Camp David (Fig. 13), patrocinados pelo
Presidente Jimmy Carter, foi dado um importante passo no caminho da paci-
ficação na região: o Presidente egípcio Sadat e o Primeiro-Ministro de Israel,
Begin, mostraram ao mundo que era possível um entendimento entre árabes
e judeus. Esta ousadia acabaria por ter custos muito elevados para o Egito,
expulso da Liga Árabe, e para o seu Presidente, acusado de traição pelas
fações radicais à causa palestiniana e posteriormente assassinado (1981).
Em 1990, ocorreu mais uma guerra na região e mais uma vez iniciada por
Saddam Hussein (Iraque) ao invadir outro Estado muçulmano vizinho, o Koweit.
A intervenção das forças de uma coligação multinacional alargada (59 países)
Fig. 14. Khomeini (1902-
originou a denominada Guerra do Golfo, cujo desfecho resultou na derrota das ambições -1989), o líder da revolução
expansionistas de Saddam e na libertação do Koweit. islâmica no Irão que
acabou com o regime do
Em 2003, o pretexto da destruição do arsenal militar de “armas de destruição mas- Xá (apoiado pelos EUA) e
impôs uma teocracia.
siva” supostamente na posse do ditador iraquiano – nunca chegou a ser comprovado – A radicalização do regime
e o direito de retaliação contra o terrorismo islâmico, que mostrara uma capacidade sur- iraniano elevou a tensão
na região do Médio Oriente,
preendente nos ataques de 11 de setembro de 2001 nos EUA, levaram George W. Bush
sobretudo após a eleição
a ordenar, apesar da oposição do Conselho de Segurança da ONU, a invasão do Iraque. do ultraconservador
Mahmoud Ahmadinejad.
Saddam e o seu regime, que a Administração norte-americana acusava de estar por
detrás daquele terrorismo, foram depostos, mas a desejada estabilização do Iraque e da
região, que sofreu danos humanos (1 milhão de iraquianos mortos até
2008) e materiais irreparáveis, continua, na atualidade, ainda longe de
ser uma realidade.
A morte de Tito, um líder interna e externamente respeitado e que, por isso, consti-
tuíra um fator de contenção das tensões internas, o colapso da URSS e do Bloco de Leste
(1989-1991) e a pressão ocidental a favor de uma “abertura económica” fizeram desagre-
gar todas as solidariedades e despertar as tensões e conflitos nacionalistas:
Em Síntese
• Nos finais da década de 80 e princípios dos anos 90, a história mundial conhece um período
de forte aceleração. O processo de reformas iniciado na URSS por Gorbatchov foi o prenún-
cio de uma série de extraordinários acontecimentos: a queda do muro de Berlim e a reunifi-
cação da Alemanha, a fragmentação dos estados plurinacionais e multiétnicos do bloco comu-
nista – a Jugoslávia e a URSS – e o fim da Guerra Fria, que durante 45 anos manteve o
Mundo sob a ameaça real do holocausto nuclear modificaram de forma substancial o mapa
europeu e a configuração da ordem mundial herdados da Segunda Guerra Mundial.
• No Leste Europeu, apesar das enormes dificuldades e desafios que o processo de transição
económica de um regime baseado na planificação centralizada e nos subsídios para um
novo sistema, baseado no risco, na disciplina financeira e na procura do lucro implica,
alguns destes têm registado êxito na abertura das suas economias e na reorientação das
exportações para os mercados internacionais. As exportações e os serviços têm sido os
motores do crescimento das economias em transição.
• Mas, se a ordem mundial do pós-Segunda Guerra Mundial entrou em colapso, a verdade é que
o mundo não se tornou mais pacífico nem mais seguro. Na periferia do desenvolvimento,
a dicotomia entre ricos e pobres agravou-se e persistem focos de tensão e confrontos polí-
ticos e religiosos, particularmente graves na África Subsariana, na América Latina e no Médio
Oriente. Entretanto o terrorismo globalizou-se.
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Analisar elementos definidores do tempo presente – fenómeno da massificação; hegemo-
nia da cultura urbana; triunfo da eletrónica; ideologia dos direitos humanos; consciência
ecológica*.
– Valorizar uma nova cidadania de envolvimento em causas universais de dimensão ética*.
CONCEITOS/NOÇÕES
Interculturalidade; Ambientalismo; Globalização; Neoliberalismo; Biotecnologia; Pós-modernismo
Documento 1
Comecemos por clarificar o conceito dos seus elementos constituintes. Uma noção
? Questões muito antiga e extremamente acessível na sua singular simplicidade, define o Estado
1. Que forças ameaçam, como uma “sociedade politicamente organizada". Esta definição associando sociedade e
segundo o autor, o futuro organização política, ajuda-nos a compreender a noção do senso comum para quem o
do Estado-Nação?
Estado não é mais do que o aparelho burocrático de funcionários cuja cabeça é o
2. Comente a afirmação
destacada no documento. governo, especialmente consagrado à manutenção da ordem e gestão do bem comum.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 289
O termo Nação (do latim, natio, da mesma família de nascere, nascer) pode ser defi-
nida como a reunião de homens habitando um mesmo território, submetidos ou não a
um mesmo governo, tendo adquirido ao fim de uma longa vivência em comum uma cons-
ciência identitária.
Deste modo, Nações e Estados não são inseparáveis, podem existir um sem o outro.
É o nacionalismo que, partindo da convicção de que um sem o outro estão incompletos,
constitui a grande força aglutinadora do Estado-Nação.
Mas o papel do Estado-Nação não parece estar esgotado. Em certa medida, poderá
mesmo ter uma importância acrescida porque:
Cronologia
1991 Por isso, a unidade político-cultural constituída pelo Estado-Nação tem ainda um
Independências da campo de ação e justificação evidentes. O futuro do Estado-Nação pode estar a ser posto
Eslovénia, Croácia.
em causa tanto pelas tendências transnacionais e supranacionais como também pelas
1992
divisões regionais, mas, paradoxalmente, a sua existência ainda é exigida para dar algu-
Início do conflito entre
bósnios e sérvios. mas respostas a essas mesmas tendências. E continua a ser reclamado com custos huma-
Proclamação da nos altíssimos em muitas regiões do planeta, como a seguir se verá.
independência da Bósnia-
-Herzegovina.
República Federal da
Jugoslávia (Sérvia e 2.1.2. A explosão das realidades étnicas
Montenegro).
O fim da Guerra Fria e o desmoronamento do “condomínio” soviético ocasiona uma
1995
Acordos de Dayton: a erução violenta de conflitos étnicos e nacionalistas em diversas partes do globo. Estes
Sérvia reconhece a
conflitos são particularmente violentos nos Balcãs, na Europa de Leste, na África Central
independência da Bósnia.
e no Sueste Asiático.
1999
Intervenção das forças da
OTAN no Kosovo (guerra do A) A nova crise nos Balcãs: a desintegração da Jugoslávia
Kosovo).
O Tribunal Internacional Como já foi referido, nos Balcãs o Marechal Tito, herói da resistência contra os nazis,
indicia o presidente
jugoslavo Slobodan conseguira aglutinar um complexo mosaico étnico e religioso na República Socialista
Milosevic por crimes contra Federativa da Jugoslávia e manter uma difícil estabilidade interna num Estado com uma
a Humanidade.
maioria sérvia (36,3%), cerca de 19,7% de croatas, 7,8% de eslovenos, 6% de macedó-
2001
Milosevic é preso e depois nios, segundo os censos jugoslavos de 1981 e percentagens inferiores de outras etnias e
extraditado para Haia, diferentes comunidades religiosas (41% de ortodoxos, 32% de católicos e 12% de muçul-
onde foi julgado por crimes
contra a Humanidade até à manos).
sua morte, em março de
2006. No início dos anos 90, o fim da Guerra Fria e o exemplo do desmembramento da URSS
despertam nos grupos étnicos a aspiração à independência. Em 1991, Eslovénia, Mace-
dónia e Croácia recusam a autoridade sérvia e reclamam a separação e a autodetermina-
ção. A Bósnia-Herzegovina segue o mesmo caminho. Depois de violentas confrontações,
a Sérvia acaba por reconhecer a secessão bósnia e a presença de forças multinacionais
* Limpeza étnica:
eliminação violenta das de interposição nos Acordos de Dayton (EUA), em 1995, promovidos pelo presidente
diversidades étnicas norte-americano Clinton e subscritos por bósnios muçulmanos e a nova Jugoslávia, cons-
(através de deportações,
massacres….) com o tituída pela Sérvia e Montenegro. A abertura de uma nova frente do conflito em 1999 no
objetivo de tornar um Kosovo, território autónomo da Jugoslávia, obrigaria à intervenção da OTAN para travar
território homogéneo sob o
ponto de vista étnico e/ou as ações sérvias de limpeza étnica* e pôr fim ao primeiro conflito militar na Europa depois
linguístico e/ou religioso. de 1945.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 291
xados vagos pelos seus antigos inimigos, agora desprovidos de qualquer interesse estra- 1992
Os mujahidin tomam o
tégico. Os estados e os governos, sem apoios políticos e militares externos, ficaram fra- poder no Afeganistão
gilizados e tornaram-se, em muitos casos, mais violentos. (Ásia) – guerra civil.
1996-1997
Comprimidas durante muitos anos no interior de fronteiras coloniais traçadas sem res- Conflitos étnicos e políticos
peito pelas suas diferenças ou submetidos ao domínio de outros grupos, as tribos e no Zaire (África).
Na região dos Grandes Lagos, uma zona de conflitos crónicos, ocorreram verdadeiros
genocídios no Ruanda e no Burundi entre as principais etnias – os Hutus e os Tutsis. Os
custos humanos destes confrontos foram catastróficos: centenas de milhares de mortos
e êxodos massivos de refugiados que perturbaram toda a região da África Central.
292 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Documento 2 A República Democrática do Congo (ex-Zaire), país governado durante décadas pelo
regime ditatorial de Mobutu, muito apoiado pelo Ocidente durante a Guerra Fria pelo seu
Geopolítica do caos unipolar
anticomunismo, viu-se envolvido em sangrentos conflitos étnicos e tribais. Em 1997, o
O mapa posterior à Guerra
Fria está pontilhado de rebelde Kabila, torna-se o novo presidente da República Democrática do Congo.
conflitos não resolvidos,
ativos ou “suspensos”, Na Ásia, os timorenses, depois de séculos de colonização e de luta contra a ocupa-
mas sempre prontos a
ção indonésia obtêm o estatuto de Estado soberano. No Sri Lanka, os Tigres de Liberta-
oscilar, sem anúncio
prévio, entre guerra e paz. ção do Eelam Tamil (TLET) levam a cabo uma luta armada pela independência da comu-
Em 2001 foram 59 os
nidade tamil hindu, que se opõe à maioria cingalesa e budista da ilha. Na Ásia Central,
conflitos importantes
recenseados no mundo – o separatismo de Caxemira recusado pela Índia e estimulado pelo Paquistão mantém sob
violências separatistas, perigosa tensão todo o subcontinente indiano.
étnicas, religiosas,
políticas, etc.; em 2000, Mas as aspirações independentistas não se esgotam nos exemplos citados (Doc. 2).
foram 68. Sempre muitos
mais do que a média dos O mundo parece ter um potencial imenso de Estados-Nações ainda por cumprir. Certa-
35 conflitos anuais mente não haverá nem oportunidade nem espaço para a realização de todos eles. Entre-
ocorridos durante a Guerra
Fria. tanto, estes conflitos continuam a gerar atos de violência extrema traduzidos em massa-
Alain Gresh et al., cres, limpezas étnicas e milhões de refugiados*.
ob. cit., p. 84.
É de esperar que, a longo prazo, o fenómeno da interculturalidade* atenue 0s medos * Interculturalidade: troca
de relações culturais. A
e os preconceitos relativos a questões identitárias de diversa natureza (religiosa, cultu- interculturalidade tende a
ral, racial…) potenciadores de tensões sociais, possibilitando então uma combinação eliminar os preconceitos
etnocêntricos
equilibrada de direitos humanos, proteção social e democracia pluralista. (preconceitos de raça,
sexo, classe, profissão,
religião e civilização
A problemática dos fatores existentes na relação entre
“nós” e os “outros”) e
A razão mais comum da emigração é o fator económico. Mas não basta dizer que é a promove a tolerância e a
paz entre os grupos,
fuga à miséria que está na origem dos fluxos migratórios internacionais, cuja parte mais classes, etnias, nações.
significativa tem origem nos países pobres, menos desenvolvidos. Importa identificar as
causas que estão na origem da situação de penúria:
B) Segurança
É comum dizer-se que o fim da Guerra Fria, ao contrário das perspetivas iniciais, não
transformou o mundo num lugar mais seguro. Ao invés, paradoxalmente, tornou-o mais
inseguro e incerto.
* Terrorismo: todas as
práticas violentas, da – a proliferação das armas de destruição maciça (nucleares, químicas e bacteriológicas);
responsabilidade de
estados ou de organizações – a escalada do terrorismo*;
armadas ilegais, que – a frequência e dimensão dos crimes ambientais.
procuram obter benefícios
políticos, económicos ou
militares através do
exercício do terror sobre
O terrorismo internacional
determinados setores da
população. De entre os problemas e desafios identificados, um dos mais preocupantes para a
segurança dos indivíduos e das sociedades atuais é o do terrorismo internacional (Fig. 1).
11 abril 2002
22 janeiro 2002
Fig. 1. Os principais
atentados depois de 11 de
setembro de 2001. Protagonizando diferentes tipos de causas ou motivações (ideologias políticas, reli-
giões, aspirações nacionalistas), o terrorismo internacional atual pelas suas característi-
Documento 3 cas e métodos de ação é um problema e um desafio de muito difícil controlo pelos esta-
O terrorismo
dos ou organizações internacionais, por mais poderosos que sejam (Doc. 3).
O terrorismo (...) ataca
brutalmente as populações Quais as suas características?
inocentes para quebrar o
pilar de confiança que as
liga ao poder legítimo, – O terrorismo não tem um território concreto, nem pátria determinada, está globalizado;
explora os meios de – pretende provocar os maiores danos possíveis aos seus supostos inimigos,
comunicação social do
adversário para potenciar demonstrando que é possível golpear sem grandes exércitos o coração dos países
os efeitos dos atentados, mais desenvolvidos e poderosos; é um terrorismo de terror dirigido prioritariamente
tendo por alvo também os
tempos que permitam a contra os cidadãos indefesos, para uma destruição indiscriminada, recorrendo a
transmissão em direto, assassínios, atentados, chantagens, captura de reféns, etc.;
como aconteceu com os
atentados de 11 de – sustenta-se no ódio apoiado num fanatismo religioso justificado por uma interpre-
setembro e de 11 de março.
tação incorreta de textos tidos como sagrados, num nacionalismo xenófobo ou
Adriano Moreira,
“A Ambivalência”, in mesmo em conflitos reais que utiliza como bandeiras das suas ações violentas (o
Terrorismo, 2.a edição, Lisboa,
Almedina, 2004 (adaptado). problema da Palestina, o conflito no Iraque, a política externa americana, a pre-
sença sérvia no Kosovo, a intervenção ocidental no Afeganistão, o problema basco,
? Questões tchetcheno…), com o objetivo de obter apoios de natureza social e política;
1. Quais as características – finalmente, socorre-se não só dos “homens-bomba”, mas também dos meios de
do terrorismo na
comunicação de massa – imprensa, televisão, Internet – para potenciar os efeitos
atualidade?
2. Que respostas das suas “mensagens”.
possíveis?
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 295
guerra dos outros”. O terrorista sanguinário e o guerrilheiro heroico podem ser, muitas 2001
Ataque ao World Trade
vezes, a mesma pessoa – a diferença está nos olhos de quem vê, ou sofre, a violência. Center e ao Pentágono
(EUA). Estima-se um total
A história das relações internacionais mostra-nos que as decisões para manter ou superior a três mil mortos.
repor a segurança acabam muitas vezes por ter efeitos contrários e consequências desas- 2002
Atentado terrorista em Bali
trosas. Por isso, a abordagem ao terrorismo internacional, um problema muito complexo,
(Indonésia), com mais de
exige uma solução: 180 mortos.
4%
(Fig. 2). A desertificação afeta um quarto da área terrestre do planeta,
Demasiado
22% hmidos 5% enquanto os diversos tipos de poluição se acumulam nos solos, nos lençóis
Solos potencialmente Demasiado
frteis (dos quais 50% pobres freáticos e na atmosfera.
esto inutilizados) 9%
Demasiado
finos Os químicos tóxicos e os resíduos radioativos continuam a ser importan-
10%
tes ameaças para a saúde pública e os ecossistemas(6). Cerca de três milhões
Gelados
toneladas de resíduos tóxicos e perigosos atravessam as fronteiras dos paí-
ses cada ano. Os governos concordaram em desenvolver substitutos segu-
18% 15%
Demasiado Demasiado
inclinados frios
ros para os tóxicos e em transferir esta tecnologia para os países mais
17%
pobres, mas ainda não concordaram com a obrigação de cada país nuclear
Demasiado
secos armazenar os seus resíduos radioativos e de limpar os locais contaminados
por atividades militares que tenham utilizado materiais radioativos.
Fig. 2. O estado da Terra A taxa atual de extinção de espécies e de habitats é elevadíssima. Anualmente, cerca
(2007).
de 50 mil espécies de animais e plantas podem desaparecer nas próximas décadas. A Con-
venção da Diversidade Biológica, ratificada por 161 países desde a Conferência Mundial
Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, obriga os governos a protegerem as espécies através
(3)
Gás que protege a superfície terrestre dos raios solares mais agressivos (especialmente responsáveis pelo cancro
da pele e pelo abrandamento da fotossíntese nos vegetais).
(4)
Aumento da temperatura da atmosfera da Terra provocado pela radiação solar, absorvida e reemitida pela super-
fície do planeta, que os vários gases presentes no ar impedem que se escape.
(5)
Precipitação (neve, granizo, nevoeiro e chuva) com pH inferior a 5.0. As chuvas ácidas causam danos irreparáveis
às espécies vegetais e animais e afetam a solubilidade dos minerais dos solos, lagos e rios, aumentando a sua toxi-
cidade.
(6)
Unidade ecológica integrada que inclui os organismos vivos e o ambiente físico. Globalmente considerado com-
preende todos os organismos vivos da Terra, o próprio planeta (mar e terra) e a atmosfera.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 297
da preservação dos habitats, mas as ações nacionais são insuficientes para conter a
devastação causada por um desenvolvimento desregrado e pela poluição.
A consciência ecológica
Só a partir dos anos 70, a comunidade internacional foi despertando para a necessi- Cronologia
dade de proteger o meio ambiente contra as agressões humanas. A primeira Conferência 1972
das Nações Unidas sobre o ambiente ocorreu em Estocolmo em 1972. Pela primeira vez Conferência de Estocolmo
(1.a conferência das Nações
ouviu-se falar em poluição e em recursos não renováveis. Ainda pouco incisivos, os primei- Unidas sobre o Ambiente).
ros ecologistas começaram a chamar a atenção para os riscos de catástrofes ambientais. 1982
Carta Mundial da Natureza
Em 1982, a Assembleia-Geral das Nações Unidas adota a Carta Mundial da Natureza. (ONU).
As cimeiras da Terra do Rio de Janeiro (1992) e de Nova Iorque (1997) consagraram uma 1987
Protocolo de Montreal:
tomada de consciência a nível mundial. proibição da produção de
CFC e derivados.
Progressivamente, foram sendo criadas Organizações Não-Governamentais (ONG) cujas
1988
investigações e campanhas de sensibilização contribuem para um melhor conhecimento Conferência de Toronto
e divulgação dos danos provocados por certas atividades humanas sobre a água, a fauna, (Canadá).
1992
a flora e a espécie humana. O ambientalismo* adquiriu força política com a formação de Cimeira da Terra (Rio de
movimentos e partidos políticos ecologistas. Os “verdes” começam a entrar nos parla- Janeiro).
mentos e até nos governos e as preocupações ambientais constam dos programas de 1997
Protocolo de Quioto
todos os partidos políticos. (Japão).
2002
A maior parte dos países desenvolvidos adotaram legislações para limitar os diferentes
Cimeira do
tipos de poluição. Regulamentações visando “produzir com limpeza” e com maior segu- Desenvolvimento
Sustentável (Joanesburgo).
rança. No entanto, os resultados continuam longe do necessário e até das metas definidas
nos compromissos assumidos nas diferentes cimeiras e conferências internacionais realiza-
das depois dos anos 70. Os casos dos EUA e da Europa são esclarecedores: os oito anos * Ambientalismo:
movimento de
da presidência de George W. Bush saldaram-se por uma gritante ausência de empenho, consciencialização dos
fazendo mesmo marcha-atrás na assinatura pelo presidente Clinton do Protocolo de Quioto; indivíduos e das
sociedades para o modo
ao invés, os países europeus mostraram uma maior sensibilização para este problema. como a (sobre)exploração
humana da Terra está a
afetar os seus sistemas
As razões para o fracasso dos resultados alcançados são conhecidas: naturais (ecossistemas) e
a necessidade de encontrar
soluções urgentes para
– a globalização económica e a intensificação da concorrência à escala mundial têm
travar a degradação
sido usadas como justificação para a recusa dos países industrializados, os princi- ambiental e equilibrar o
progresso continuado da
pais responsáveis pela poluição, concretizarem efetivamente os compromissos
civilização humana com a
assumidos quer relativamente ao combate à degradação ambiental nos seus terri- sobrevivência do planeta.
Os estudos ambientais
tórios quer ainda na concessão de ajuda aos países pobres; na Cimeira da Terra
interpenetram-se com a
realizada no Rio de Janeiro em 1992, aqueles comprometeram-se a conceder uma biologia por um lado, a
geologia por outro e a
ajuda financeira de 0,7% do seu PNB aos países menos desenvolvidos, um com-
genética em muitos
promisso que não seria cumprido; aspetos. Contribuem
também para a clarificação
– por seu lado, os países menos desenvolvidos têm dificuldades em conciliar, tanto de questões da economia
por razões de natureza financeira como cultural, os objetivos de crescimento eco- moderna e de outras
ciências sociais.
nómico e as preocupações ecológicas; acresce que o (mau) exemplo dos países
mais ricos, e simultaneamente os maiores poluidores, dá-lhes um argumento extra
para não respeitarem as decisões tomadas nas cimeiras internacionais.
298 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
dos anos 90, amplificou esse fracasso e os próprios ex-países socialistas são tentados a
trilhar a via do liberalismo, enveredando pelo caminho das privatizações em massa, da
economia de mercado.
No início dos anos 90, o colapso da URSS significou também a aparente derrota do
modelo de economia socialista e o triunfo da economia de mercado capitalista (a crise
global do capitalismo aberta em 2008 permite questionar o “triunfo” do capitalismo e
traz de novo para o centro do debate político a intervenção estatal). As três superpotên-
cias económicas – Estados Unidos, Japão e União Europeia – lutam pela supremacia. Há
um mundo tripolarizado que abrange todo o globo.
8
– a homogeneização dos modos de vida, a difusão de uma cultura de massas
Milhes
Assim, os sindicatos muito poderosos até à década de 70, vão perdendo força e
influência. A onda política conservadora acentua essa tendência. Na Grã-Bretanha, Margaret
Thatcher reduz drasticamente a sua influência sobre a sociedade. Em dez anos, um terço
dos sindicatos filiados na TUC – Trade Union Congress – desapareceram e o número de
aderentes caiu em 3 milhões. Em França, apesar da esquerda ocupar o poder verificou-se
uma tendência idêntica.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 301
propriedade. 1997
O sistema de comunicação Internet que se torna acessível ao grande público nos anos
90, permite a esta revolução adquirir toda a sua amplitude. A Internet revoluciona o uni-
verso das comunicações e torna-se um poderoso instrumento da globalização.
O entendimento mais comum é que há limites éticos para toda e qualquer ação
* Ética: parte da Filosofia
que estuda os problemas humana. Mas as pessoas podem fazer o bem e o mal, aquilo que é ou nos parece útil e
fundamentais da moral – a
agradável nem sempre é o que está certo, o bem-estar não premeia necessariamente o
natureza do bem e do mal,
o valor da consciência bem, por isso, a ética* é indispensável. O progresso não deve ser prosseguido a qualquer
moral, os fundamentos da
obrigação e do dever, a preço.
finalidade e o sentido da
vida humana, etc. A questão das relações entre ciência e ética tem estado presente nas abordagens das
problemáticas das relações do homem com a Natureza, em particular nas preocupações
(7)
Representação de dados de informações por meio de carateres, normalmente números.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 303
Mas, foi a engenharia genética* que ao tocar no plano da própria vida humana sus- * Engenharia genética:
citou publicamente a controvérsia dos limites éticos da ciência. Há certamente vantagens manipulação do material
genético por técnicas
que podem ser retiradas da manipulação do material genético: bioquímicas, tais como a
introdução numa célula ou
– novas estirpes de plantas podem ser desenvolvidas para aumentar a produção de num organismo de novo
ADN. O organismo a que se
alimentos;
adicionou um gene
estranho chama-se
– animais de elevado rendimento permitem a obtenção de mais carne ou de mais leite
transgénico.
a partir da mesma quantidade de forragem.
Mas há também muitos riscos potenciais para o homem e para a Natureza em geral.
O nascimento do primeiro mamífero clonado(8), a famosa ovelha Dolly, anunciado em
1997(9), um feito espetacular da Biologia Reprodutiva, e a eventualidade da extensão da
experiência a seres humanos provocaram um debate apaixonado sobre a questão dos
limites éticos do conhecimento científico.
No entanto, se o nível de conhecimentos atual não permite uma previsão segura dos
riscos potenciais da intervenção da ciência em áreas tão sensíveis como a vida humana,
também é certo que o progresso científico em geral não é intrinsecamente perigoso nem
imoral: são as aplicações que os seres humanos fazem dele que determinam a sua utili-
dade ou perigosidade para a espécie humana e para o planeta(10).
(8)
O termo clonagem é um neologismo adaptado da palavra grega “klôn”, que designa “rebento”, “gomo”, “alporque”,
significando o processo de criação e desenvolvimento de seres vivos geneticamente iguais.
(9)
Apesar de ter nascido em 1996.
(10)
Recuperada a serenidade, é importante promover uma reflexão fria e fundamentada, sem radicalismos suscetíveis
de comprometer as potencialidades criativas da ciência nem aventureirismos que tudo sacrificam em nome de um
progresso a qualquer preço.
304 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
A transvanguarda
O grafitismo
(11)
Os edifícios desconstrutivistas caracterizam-se pela impressão desconcertante de inacabado, fragilidade, ruína
(fraturas, simulação de ameaças de desmoronamento) com propósitos evidentes de provocação e desdramatização
de certos pressupostos do racionalismo funcionalista.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 305
O grafitismo perde então algo do seu espírito original, tornando-se mais consciente e
elaborado. Jean-Michel Basquiat (1960-1988) faz-se notar pela agressividade das imagens
e pela ausência de qualquer preocupação cromática e formal, e Keith Haring
(1958-1990) evidencia-se pelas imagens sintéticas e luminosas.
– por outro, a globalização incita as religiões a fecharem-se sobre si mesmas, a endu- ? Questão
recerem as suas convicções e práticas como resposta à hegemonia e uniformização
1. Aceite o repto do autor e
económica e cultural do Ocidente. responda à questão
sublinhada.
306 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Esta reação é tanto mais determinada quanto os povos considerem a religião como
um elemento essencial de identificação nacionalista ou étnica. Os conflitos nos Balcãs e
no Sudeste Asiático e a emergência das diferentes formas de integrismo e fundamenta-
lismo – e não é apenas o islâmico, mas também o protestante, hindu, ortodoxo… –, que
têm no fanatismo terrorista a sua exteriorização extrema, são uma dramática demonstra-
ção da recusa das religiões em submeter-se a uma posição hegemónica do Ocidente e
da sua cultura secular, relativista e “decadente”.
Outros estímulos para a revitalização religiosa têm origem numa ideia muito evocada
em certos meios intelectuais no final do último milénio: a crise das ideologias. O esgo-
tamento das duas grandes ideologias que dominaram o século XX – o liberalismo e o
socialismo – e as incertezas do futuro criaram um vazio ideológico, emocional e social na
humanidade. A religião, o fervor religioso, toma o lugar da ideologia, preenche esse
vazio. O homem não vive, definitivamente, só pela Razão.
Conhecemos bem essa realidade que, de forma direta ou indireta, afeta o nosso quoti-
diano: a mobilidade e aceleração dos ritmos da vida, a incessante procura da eficiência, a
(12)
Igrejas: organizações religiosas estruturadas e hierarquizadas.
(13)
Na Coreia do Sul, historicamente um país maioritariamente budista, os cristãos representam já, pelo menos, 30%
da sua população total. Na América Latina, o n.o de protestantes aumentou de, aproximadamente 7 milhões em 1960,
para cerca de 50 milhões em 1990.
Unidade 2 - A viragem para uma outra era 307
1,5
Em Síntese
• Destruídos os laços que pretendiam unir a pesquisa artística a objetivos de natureza polí-
tica e social, as artes visuais libertam-se das conquistas das vanguardas. Caracterizado
por uma multiplicidade de temáticas e de vocabulários expressivos, sem um estilo ou per-
sonalidade dominantes, o pós-modernismo procura através de experiências individuais
aproximar a arte da vida e afirmar a subjetividade e liberdade do ato criativo.
Unidade 3 - Portugal no novo quadro internacional 309
APRENDIZAGENS RELEVANTES
– Perspetivar a situação de Portugal nas dinâmicas de transformação da Europa**.
- Reconhecer na aproximação de Portugal aos países lusófonos os objetivos de cooperação
e solidariedade entre todos os povos que têm a Língua Portuguesa como um dos funda-
mentos da sua identidade.
CONCEITOS/NOÇÕES
PALOP
* Conteúdos de aprofundamento
** Aprendizagens e conceitos estruturantes
Na realidade, a adesão era uma resposta a uma dupla necessidade. Por um lado, uma
necessidade política imediata – a consolidação do novo regime democrático. Por outro,
era preciso encontrar uma alternativa à falência do modelo económico fechado do Estado
Novo, preencher o vazio deixado pela descolonização e pelo esgotamento da EFTA e
modernizar o País.
C) Os desafios do alargamento
Esta convicção seria reforçada pelo alinhamento ideológico e político dos seus regi-
mes ao bloco socialista e pela instabilidade que caracterizou o período subsequente à
conquista da independência, particularmente em Angola onde as duas fações rivais, o
MPLA e a UNITA, se envolveram numa sangrenta e interminável guerra civil (1975-2002).
Por seu lado, Portugal, comprometido política e militarmente com o bloco euro-ame-
Documento 1
ricano, despertou então para as novas realidades do mundo multipolar e multicultural
A Lusofonia emergente. A opção euro-atlântica era afinal compatível com a opção Europa. Mais, o
O conceito de Lusofonia diz renascimento dos laços históricos com os povos das antigas colónias não só não cons-
respeito a uma matriz
tituiria qualquer fator de dispersão ou de limitação dos interesses nacionais, como pelo
essencialmente cultural
que cobre um espaço contrário, parecia reforçar a posição de Portugal na Europa e no Mundo.
diverso e disperso e onde
foi influente, de modo Faltava apenas estabelecer uma plataforma comum e institucionalizá-la. O primeiro
persistente, a cultura objetivo encontrou resposta na Lusofonia. O segundo, no projeto político designado por
portuguesa. Dessa
presença resultou uma CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa).
nova multicultura, uma
“realidade híbrida e
A) A Lusofonia
composta” (…), onde se
cruzam, se interinfluenciam
e se entrosam valores, Por Lusofonia entende-se o espaço essencialmente cultural e onde se entrecruzam influên-
símbolos, expressões e cias multiculturais (Doc. 1). O espaço lusófono não é de pertença exclusiva de Portugal já que
padrões de
comportamento. (…).
constitui uma nova identidade coletiva autónoma e com vida própria, onde as relações dos
Lemos Pires “Lusofonia e povos emancipados do domínio colonial se processam em paridade e solidariedade com o
CPLP”, in Jornal de Notícias, antigo Estado colonizador, Portugal.
29 de abril de 1997.
A Lusofonia é um espaço vasto e disperso. Engloba:
– os povos cujos estados adotaram oficialmente a língua portuguesa;
? Questão
– os povos dos oito estados da CPLP – os PALOP* (Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau,
1. Explicite o conceito de Moçambique e São Tomé e Príncipe), Brasil, Timor-Leste e Portugal;
Lusofonia enunciado no
documento. – os emigrantes destes países e outras manchas de presença cultural portuguesa dis-
persas pelo Mundo.
No plano económico (Quadro 1), a cooperação tem-se desenvol- Indicadores de desenvolvimento nos PALOP
vido fundamentalmente através de iniciativas empresariais, carecendo,
Taxas de
até ao momento, de um maior enquadramento político e institucio- PIB/per capita crescimento
Países
(em dólares) médio anual
nal. Angola, que só em 2002 saiu de uma longa e devastadora (1990-2002)
guerra civil, mas que possui uma economia com grandes potenciali-
Angola 670 – 5,4%
dades, é o país que mais atrai os empresários portugueses(1). O mer- Cabo verde 1250 3%
Guiné-Bissau 150 – 2,2%
cado moçambicano tem também um enorme potencial por desenvol- Moçambique 210 4,2%
ver em domínios como o hidroelétrico, o gás natural, o turismo e a São Tomé e Príncipe 290 – 0,3%
construção. Cabo Verde tem manifestado interesse na cooperação Quadro 1 – Anuário Notícias,
janeiro de 2005, p. 62.
portuguesa sobretudo no setor têxtil.
(1)
Angola já produz mais de 1 milhão de barris de petróleo por dia e as suas reservas de “ouro negro” estão calculadas
em 10 mil milhões de barris. A economia angolana cresceu a um ritmo anual entre 17% e 26% nos anos 2005-2007 e
continua a crescer acima dos 10%, caso praticamente único à escala internacional.
314 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
A CPLP está ainda numa fase de estruturação das suas competências e práticas. Por
outro lado, subsistem problemas básicos de diversa natureza ainda por resolver no seu
seio, como a instabilidade política, a pobreza, a falta de cuidados de saúde, o analfabe-
tismo, a dívida externa.
ESPANHA
Portugal e a Lusofonia não podem ficar estritamente
OCEANO PORTUGAL
ATLåNTICO
Lisboa Madrid confinados nem ao interior da CPLP nem ao espaço euro-
peu. O sucesso da inserção de Portugal e do espaço lusófono
MXICO
Havana
REP.
DOMINICANA
no processo de globalização em curso exige a sua integração
CUBA Santo Domingo
Cidade
Guatemala
BELIZE So Juan
JAMAICA PORTO RICO
em espaços mais vastos, privilegiando estrategicamente
GUATEMALA
So Salvador HONDURAS GRANADA
EL SALVADOR Mangua Caracas
Porto Espanha
aqueles com quem têm mais afinidades históricas e culturais.
NICARçGUA VENEZUELA
COSTA RICA So Jos
PANAMç Cidade do Georgetown
Panam Bogot
COLïMBIA Paramaribo Caiena A área ibero-americana é um desses espaços (Fig. 2). A
Quito
EQUADOR aproximação com Espanha, nosso parceiro na UE, o estrei-
Lima
BRASIL tamento das relações luso-brasileiras e a presença de Por-
PERU Braslia
La Paz OCEANO
BOLêVIA
ATLåNTICO tugal na Organização dos Estados Ibero-americanos para a
OCEANO
PACêFICO
PARAGUAI
Assuno
Educação, a Ciência e a Cultura (OEI)(2) é um caminho estra-
ARGENTINA
tégico para a realização do objetivo de estender a influên-
URUGUAI
Santiago
Montevideu
cia da lusofonia no mundo.
CHILE
Buenos Aires
Com efeito, a intensificação das relações económicas e
culturais ibero-americanas contribuirá para o aprofunda-
0 2500 km
mento dos processos de integração económica regional em
Fig. 2. A área ibero-
que os países desta área estão inseridos, nomeadamente a UE (Portugal e Espanha) e o
-americana, um espaço
estratégico para os Mercosul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai)(3) e para o incremento das correntes de
interesses de Portugal e comércio e investimentos entre a América Latina e a União Europeia, ocupando Portugal
da lusofonia.
Os seus instrumentos mais (e a Espanha) um papel privilegiado no enlace entre os dois continentes. A Europa é, de
importantes são as resto, o segundo parceiro comercial da América Latina e esta, por sua vez, o primeiro
cimeiras Ibero-americanas,
iniciadas em 1991, e mercado para os investimentos da União Europeia.
realizadas anualmente e a
Secretaria-Geral Ibero- A cooperação entre os países ibero-americanos estende-se a também aos setores da Edu-
-americana, fundada na cação, Cultura, Ciência, Saúde e Meio Ambiente, englobando estratégias de organização e
Cimeira de La Paz (2003) e
com sede em Madrid. financiamento das atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico e a articulação da
(2)
Criada em 1949 sob a denominação de Escritório de Educação Ibero-americana e com o caráter de agência inter-
nacional, passou a denominar-se OEI em 1954, tendo como objetivos gerais: fortalecer o conhecimento, a compreen-
são mútua, a integração, a solidariedade e a paz entre os povos ibero-americanos, quer dizer, os povos da língua
espanhola e portuguesa da América Latina e da Europa, através da educação, da ciência, da tecnologia e da cultura.
(3)
Outras unidades económicas regionais: Associação Latino-Americana de Integração (ALADI), composta pelos países
do Mercosul e pela Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela (1980); Mercado Comum Centro Americano (MCCA),
integrando a Costa Rica, Guatemala, Honduras, El Salvador e Nicarágua (1985).
Unidade 3 - Portugal no novo quadro internacional 315
Em Síntese
• Num contexto de cada vez maior interdependência planetária, as opções europeia e atlân-
tica não só são compatíveis como a sua articulação é do interesse de Portugal e dos seus
parceiros europeus e lusófonos.
Richard Nixon, antigo presidente dos EUA, discurso reproduzido pelo jornal Libération, 14/01/1991.
Questões Para Exame 317
Documento 3 | O Fundamentalismo
Alain Gresh (dir.) et al., “Atlas da Globalização”, Le Monde Diplomatique, Lisboa, Campo da Comunicação, 2003, p. 86.
1.2. Explicite as razões referidas pelo autor do documento 2 para justificar a intervenção militar contra Saddam
Hussein na denominada “Guerra do Golfo” (1991).
2
Documento 4 | A presença militar americana no mundo (2001)
Deve integrar na resposta, para além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis nos documentos.
318 Módulo 9 - Alterações geostratégicas, tensões políticas e transformações socioculturais do mundo atual
Tensões interestados
Conflitos intraestatais
3.1. Justifique o agravamento dos conflitos em áreas periféricas no pós-Guerra Fria (documento 5).
4
Documento 7 | Tratado de Lisboa (2007)
PREÂMBULO
(...) RESOLVIDOS a assinalar uma nova fase no processo de integração europeia (…),
INSPIRANDO-SE no património cultural, religioso e humanista da Europa, de que emanaram os valores
universais que são os direitos invioláveis e inalienáveis da pessoa humana (…).
RECORDANDO a importância histórica do fim da divisão do continente europeu e a necessidade da cria-
ção de bases sólidas para a construção da futura Europa (…)
RESOLVIDOS a conseguir o reforço e a convergência das suas economias e a instituir uma União Eco-
nómica e Monetária, incluindo (…) uma moeda única e estável, DETERMINADOS a promover o progresso
económico e social dos seus povos, tomando em consideração o princípio do desenvolvimento sustentável
e no contexto da realização do mercado interno e do reforço da coesão e da proteção do ambiente (…)
DECIDIRAM instituir uma União Europeia (…)
GRUPO II
O ano de 2004 foi decisivo para a União Europeia, marcado por acontecimentos significativos que de-
terminarão, em larga medida, a sua configuração futura. De entre eles destacam-se a entrada de dez novos
estados-membros na União Europeia, a conclusão das negociações de adesão com a Bulgária e a Roménia,
a decisão de dar início às negociações com a Turquia e a Croácia em 2005 e a assinatura do Tratado que
estabelece uma constituição para a Europa.
A entrada na União Europeia em 1 de maio de 2004 de oito países da Europa central e oriental, junta-
mente com Chipre e Malta, constitui um evento histórico, pondo termo a séculos de divisão. Uma Europa
reunificada representa um continente democrático mais forte e mais estável, com um mercado único que pro-
porciona benefícios económicos a todos os seus 450 milhões de cidadãos. (…)
O desafio imediato será completar o processo de integração. (…) A chegada dos novos estados-membros
injeta uma nova energia e um novo potencial no projeto europeu. Contribuirão de forma importante para
(…) a criação de um espaço de liberdade, segurança e justiça. (…)
A União alargada terá uma maior “presença” na cena internacional, o que se refletirá nas suas relações
com países vizinhos (…), nas relações comerciais e políticas com países terceiros, na solidariedade com as
regiões mais pobres do mundo e no contributo para a resolução de desafios globais, como as alterações
climáticas. (…)
A questão fundamental com que nos confrontamos agora é refletir sobre o projeto político e sobre as
respetivas implicações financeiras para a União alargada. (…) As principais prioridades serão incentivar a com-
petitividade e a coesão da Europa, proteger os nossos recursos naturais, dar um significado real à cidada-
nia da União e projetar uma voz forte em todo o mundo.
1. Explicite três das prioridades elencadas por Durão Barroso para a União Europeia após os “acontecimen-
tos significativos” de 2004.
2. Analise, com recurso aos dados do documento, as consequências para Portugal do alargamento da União
Europeia aos países do centro e leste da Europa.
Identificação da fonte:
J. M. Durão Barroso, Presidente da Comissão Europeia, in Anuário Notícias, Madrid, Global Notícias, janeiro 2005, p. 69.
322 Provas/Questões Para Exame
GRUPO III
O despertar identitário, quer seja étnico, religioso ou de clã, provoca choques sangrentos. Em África, iden-
tidades étnicas que nenhum sistema político herdado da descolonização conseguiu absorver constituem a
base de movimentos independentistas (…) ou de guerras civis, como no Ruanda ou no Burundi entre tutsis
e hutus. (…) Nos Balcãs, populações da mesma língua opõem-se com base na religião ou no território (croa-
tas, sérvios e muçulmanos bósnios). Nestas guerras “étnicas”, com meios diversos voltaram a ocorrer ex-
termínios de massas: genocídio (…) no Ruanda, fomes no sul do Sudão (…), campos de “filtragem” na
ex-Jugoslávia.
A transição democrática dos estados multinacionais ex-comunistas transformou antigos súbditos de um
império em cidadãos de pleno direito, permitindo assim às reivindicações identitárias voltar ao de cima. Nos
confins de impérios complicados entrelaçados étnicos (Balcãs, Cáucaso, Ásia Central), esta transição suscita
revoltas de base nacionalista. (…) As democracias ocidentais também não estão livres de violentas revoltas
regionalistas (…).
As grandes potências intervêm de maneira muito seletiva. Descuram certas crises (África, Cáucaso), dei-
xando-as entregues a organizações internacionais ou regionais que não dispõem de meios efetivos de in-
terposição ou de controlo; tais conflitos de “baixa intensidade” são peões em complexos jogos de influência.
Mas as potências ocidentais podem decidir empregar a força onde tiverem interesses estratégicos, com o
aval da ONU (contra o Iraque em 1990-91 e no Afeganistão em 2001-02), ou sem mandato internacional (como
no Kosovo em 1999 ou no Iraque em 2003).
O 11 de Setembro de 2001 confirmou o surgimento do “terrorismo de massas” como método de ação de
grupos não estatais (rede Al-Qaeda, seita japonesa Aum Shinrikyo), cujos objetivos são mais místico-faná-
ticos do que políticos. A guerra levada a cabo pelos EUA no Afeganistão para derrubar o regime dos tali-
bãs, acusado de proteger a Al-Qaeda, foi a primeira etapa desta era da “guerra contra o terrorismo”, que
sucede à era da “guerra humanitária”.
1. Relacione o quadro de tensões e conflitos descrito no documento com o fim da Guerra Fria.
2. Comente a opinião do autor sobre a atuação das grandes potências no contexto internacional atual.
Identificação da fonte:
Atlas da globalização, Le Monde diplomatique, Lisboa, Campo da Comunicação, 2003, p. 84 (adaptado).
Provas/Questões Para Exame 323
PROVA B
(10.°/11.°/12.° Anos)
GRUPO I
2. Caracterize o sistema de sufrágio instituído pela Carta Constitucional Portuguesa de 1826 (doc. 3), rela-
cionando-o com o respetivo contexto político.
GRUPO II
700
50
600
500 0
10 Milhes de cruzados
400
Italianos 300 5
Escandinavos
Alemes
Espanhis
200
Franceses 0
Holandeses 1701-05 1721-25 1741-45 1761-65 1781-85
Ingleses Anos
0 Importaes Importaes Remessas de ouro
1721 1729 1735 de Inglaterra de Frana
1. Tendo em conta os dados dos documentos 4 a 6, explique a prioridade inglesa no arranque da Revolu-
ção Industrial.
Na sua resposta deve abordar os seguintes tópicos de desenvolvimento:
– a importância dos progressos na agricultura (Revolução Agrícola);
– o impulso do mercado interno;
– o papel da apropriação do ouro brasileiro pelo mercado britânico.
Na resposta deve integrar, além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis nos documentos 4 a 6.
GRUPO III
Documento 4 | O Fascismo
A Nação não é a simples soma dos indivíduos vivos nem o instrumento dos objetivos dos partidos, mas
um organismo formado pelas sucessivas gerações, em que os indivíduos são elementos passageiros.
Fascismo reconhece a função social da propriedade privada que é ao mesmo tempo um direito e um
dever. (…) O Fascismo atuará para disciplinar as lutas de interesses desorganizados, entre as categorias e
as classes.
PROVA C
(10.°/11.°/12.° Anos)
GRUPO I
1. Explicite o contributo português para o progresso técnico e científico no século XVI (doc. 1).
2. Explique a importância atribuída, por Pedro Nunes, ao estudo da Matemática (doc. 2).
3. A partir do documento 3, justifique a importância de Lisboa na economia europeia do séc. XVI.
GRUPO II
1. Explicite as acusações que o Partido Republicano Português faz ao regime monárquico (doc. 4).
2. Explique a queda da I República, em 28 de maio de 1926.
Na sua resposta deve abordar os seguintes tópicos de desenvolvimento:
– as características do regime estabelecido pela Constituição de 1911;
– os fatores da instabilidade política e social que caracterizou o período republicano (1910-1926).
Na resposta deve integrar, além dos seus conhecimentos, os dados disponíveis nos documentos.
GRUPO III
O grande impacto do “reaganismo” foi sobretudo ideológico, não se sabendo, porém, se esteve na ori-
gem da revolução liberal ou se foi trazido por ela. A eterna história do ovo e da galinha. (…) O liberalismo
torna-se moda. Não se fala de outra coisa que não seja a redução do papel do Estado, a desregulamenta-
ção, a privatização. (…)
A concretização mais espetacular deste tornado liberal é (…) a onda mundial de privatizações. (…) A Grã-
Bretanha da Sr.ª Thatcher deu o exemplo, privatizando fábricas de automóveis, empresas de telecomunica-
ções e centrais elétricas. (…) Seguiu-se o Japão, que privatizou algumas das suas raras empresas nacionais:
NTT, caminhos de ferro, Jal. Aparece depois a Alemanha. E entre 1986 e 1988 a França: o governo Chirac-
Balladur levou a melhor com a privatização da Saint-Gobain, da CGE, que se tornou Alcatel-Alsthom, da So-
ciété Générale, da Compagnie de Suez, Paribas, num total de rendimento para o tesouro público de 82 mil
milhões de francos (…). Como é evidente, a motivação é essencialmente orçamental: trata-se de encontrar
dinheiro (…), mas tal constitui, pelo menos, uma prova de que as nacionalizações perderam todo e qual-
quer caráter ideológico para os socialistas franceses. (…) O movimento não é apenas ocidental, “capita-
lista”. O Terceiro Mundo, durante muito tempo tentado pelas sirenes socialistas, acompanha-o em força. A
enumeração dos programas de privatizações seria fastidiosa, sobretudo se lhe acrescentarmos os ex-países
socialistas onde tudo está à venda (…)
(…) Na América do Sul, o Chile abriu a via sob a ditadura de Pinochet (…). O México (…) põe em prática
um programa liberal que o coloca em posição de negociar com os Estados Unidos um acordo de livre-câm-
bio (…). Na Argentina, onde o presidente Carlos Menem desencadeou, no início de 1992, uma verdadeira re-
volução liberal. “A partir de hoje”, afirmou com veemência, “pomos fim a décadas de um estatismo
parasitário, asfixiante e arbitrário, que entravava a produtividade”.
1. Enuncie, a partir do documento, três razões que explicam a emergência mundial do neoliberalismo na
década de 80 do século XX.
2. Responda ao item 2.1., selecionando a opção correta e identificando-a pela respetiva letra.
Identificação da fonte:
Georges Valance, Os donos do mundo, Lisboa, Terramar, 1994, pp. 31-37.
exame
Nesta coleção digital:
Bom estudo.
www.exame.leyaeducacao.com
www.leya.com 9781111147723