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INSTITUTO SUPERIOR MONITOR

GESTÃO INTERNACIONAL DE
RECURSOS HUMANOS

Unidade III

CULTURAS NACIONAIS E MODELOS DE GESTÃO

Instituto Superior Monitor


Junho de 2012
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

Ficha Técnica:

Título: Gestão Internacional de Recursos Humanos – culturas nacionais e modelos de gestão


Autor: João Feijó
Revisora: Tânia Uamusse
Execução gráfica e paginação: Instituto Superior Monitor
1ª Edição: 2012
© Instituto Superior Monitor

Todos os direitos reservados por:

Instituto Superior Monitor


Av. Samora Machel, n. º 202 – 2.º andar
Caixa Postal 4388 Maputo
MOÇAMBIQUE

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por qualquer forma ou por qualquer processo, electrónico, mecânico
ou fotográfico, incluindo fotocópia ou gravação, sem autorização
prévia e escrita do Instituto Superior Monitor. Exceptua-se a
transcrição de pequenos textos ou passagens para apresentação ou
crítica do livro. Esta excepção não deve de modo nenhum ser
interpretada como sendo extensiva à transcrição de textos em
recolhas antológicas ou similares, de onde resulte prejuízo para o
interesse pela obra. Os transgressores são passíveis de procedimento
judicial
ii Índice

Índice
INTRODUÇÃO ............................................................................................................... iii
ESTRUTURA DA UNIDADE III .................................................................................... 5
CONTEXTUALIZAÇÃO ................................................................................................ 6
RESULTADOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE III ........................................... 7

UNIDADE III – CULTURAS NACIONAIS E MODELOS DE GESTÃO 8


CAPÍTULO I – CONCEITO DE CULTURAS NACIONAIS ......................................... 8
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO .................................................... 8
INTRODUÇÃO....................................................................................................... 8
1.1 O CONCEITO DE CULTURA NACIONAL ............................................... 8
1.2 FALÁCIAS DO CONCEITO DE CULTURA NACIONAL ........................ 9
1.3 CARACTERÍSTICAS DAS CULTURAS NACIONAIS ........................... 10
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 13
EXERCÍCIOS PRÁTICOS............................................................................................. 14
CAPÍTULO II – MODELOS DE GESTÃO CHINESES .............................................. 15
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO .................................................. 15
2.1. TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS NA CHINA ..................... 15
2.2. CARACTERIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES CULTURAIS CHINESAS .. 17
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 27
EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 29
CAPÍTULO III – MODELOS DE GESTÃO PORTUGUESES .................................... 30
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO .................................................. 30
3.1. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE PORTUGUESA EM
MOÇAMBIQUE ................................................................................................... 30
3.2. ORIENTAÇÕES CULTURAIS DE INVESTIDORES E
TRABALHADORES PORTUGUESES EM MOÇAMBIQUE ........................... 31
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 36
EXERCÍCIOS ................................................................................................................. 37
CAPÍTULO IV – MODELOS DE GESTÃO MOÇAMBICANOS ............................... 38
OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO .................................................. 38
4.1. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS ................................................................ 38
4.2. CARACTERIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES CULTURAIS
MOÇAMBICANAS .............................................................................................. 41
QUADRO SINÓPTICO ................................................................................................. 48
EXERCÍCIOS PRÁTICOS............................................................................................. 50
SUGESTÕES PARA LEITURA: ................................................................................... 50
GESTÃO INTERNACIONAL DE RECURSOS HUMANOS

INTRODUÇÃO
Caro Estudante,
Seja Bem-vindo(a) à unidade III da disciplina de Gestão Internacional de Recursos
Humanos.
Para ter sucesso nesta unidade necessita de estudar com atenção todo o manual, não
deixando de rever as unidades anteriores. Para complementar os seus conhecimentos
recomenda-se que realize uma leitura pelos recursos auxiliares recomendados ao longo
desta unidade, não só pela bibliografia indicada como pelos websites sugeridos. Para aceder
a outras bibliotecas faça-se acompanhar do seu cartão de estudante.
A biblioteca virtual do ISM inclui livros digitalizados, artigos, websites e outras
referências importantes para esta e outras disciplinas, que deverá utilizar na realização de
casos práticos. A biblioteca virtual pode ser consultada em biblioteca@ismonitor.ac.mz.
O aluno pode ainda recorrer a outras bibliotecas virtuais, como por exemplo em:
www.saber.ac.mz
www.books.google.com
Recomenda-se que o aluno não guarde as suas dúvidas para si e que as apresente ao tutor,
sempre que achar pertinente. Recomenda-se que entre em contacto com o respectivo tutor,
caso ainda não tenha o contacto do mesmo poderá obtê-lo através do site:
https://www.ismonitor.ac.mz/ ou através da página facebook:
https://www.facebook.com/ismonitor/.
Os exercícios práticos têm como objectivo a consolidação do conhecimento dos temas
apresentados nesta unidade. O Instituto Superior Monitor fornece as soluções de muitos
desses exercícios de forma a facilitar o processo de aprendizagem, mas atenção caro
estudante, você deve resolver os exercícios de auto-avaliação antes de consultar as soluções
fornecidas.
No final desta unidade encontra-se o teste de avaliação. A avaliação deve ser submetida ao
Instituto Superior Monitor até 30 (trinta) dias após a recepção da unidade. A avaliação da
unidade pode ser submetida por e-mail (testes@ismonitor.ac.mz) ou entrega directa na
instituição sede ou centros de recursos. É da responsabilidade do aluno certificar-se da
recepção do teste no exacto número de páginas.
Esta unidade pressupõe que a realização de 37,5 horas de aprendizagem, distribuídas da
seguinte forma:
 Tempo para leituras da unidade: 22 horas;
 Tempo para trabalhos de pesquisa: 5 horas;
 Tempo para realização de exercícios práticos: 8,5 horas;
iv

 Tempo para realizar avaliações: 2 horas.


A presente unidade é válida por 12 (doze) meses. Os estudantes que não tenham obtido
aproveitamento na disciplina (por terem interrompido o curso ou reprovado) devem
contactar o Instituto Superior Monitor. Esta recomendação deve-se ao facto de os materiais
serem periodicamente revistos e actualizados, de forma a se adaptarem às mudanças do
mundo actual e às dinâmicas da produção de conhecimento no seio da própria disciplina.
ESTRUTURA DA UNIDADE III
A presente unidade é composta por quatro capítulos, abordando diversas
questões relacionadas com as culturas nacionais, com as orientações
culturais de diferentes populações e respectivo impacto ao nível dos
processos de gestão. Como não poderia deixar de ser, a unidade não
poderá começar sem uma reanálise do conceito de cultura nacional,
reflectindo mais uma vez sobre o carácter complexo, dinâmico e
contraditório do conceito de cultura.
Numa segunda fase pretende-se conhecer melhor diversas orientações
culturais de empreendedores em Moçambique. Apesar de no contexto
moçambicano serem identificáveis dezenas de nacionalidades entre os
investidores externos – com destaque para as populações portuguesas, sul-
africanas, chinesas, brasileiras, indianas, paquistanesas, nigerianas, entre
outras – nesta unidade pretende-se analisar unicamente um conjunto de
três grupos nacionais, nomeadamente, investidores chineses, portugueses e
moçambicanos. A escolha destas diferentes nacionalidades relacionou-se
com três aspectos: com o volume de investimentos, com o volume
migratório para moçambique, com a noticiabilidade destas populações na
comunicação social e com a noticiabilidade destas populações, em especial
por motivos de problemas laborais. De forma a melhor se poder
compreender os modelos de gestão de investidores estrangeiros importa
compreender os modelos de gestão e orientações culturais de cidadãos
nacionais, pelo que se terá também em atenção as realidades
organizacionais moçambicanas. Na análise dos modelos culturais em
questão pretende-se não tanto realizar uma abordagem ETIC, através de
generalizações que poderiam cair no erro abusivo, mas numa abordagem
EMIC, salientando as diversas particularidades, as complexidades e as
contradições inerentes a cada cultura.
Na análise de cada conjunto de modelos ou de orientações culturais
pretende-se, num primeiro momento, conhecer melhor as respectivas
culturas a partir de estudos realizados nesses mesmos países. Num
segundo momento pretende-se compreender de que forma é que se
estrutura o relacionamento intercultural desses povos em contextos
organizacionais moçambicanos. Ao longo desta análise parte-se do
pressuposto que, compreendendo as diferentes culturas, estamos a
construir pontes para a compreensão entre as mesmas e para o
relacionamento interculturais.
Desta forma, ao longo do primeiro capítulo pretende-se reflectir sobre a
complexidade do conceito de culturas nacionais, salientando, como se
referiu, o seu carácter dinâmico e plural. Ao longo desta unidade jamais se
falará de “cultura nacional”, de “cultura local” ou de “cultura
organizacional”, mas sempre de culturas, salientando-se a
heterogeneidade, a complexidade, bem como os processos de mudança
inerentes a estes conceitos. Longe de se pretender apresentar uma imagem

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6 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

estereotipada (fixa, simplista e assente no senso comum) de cada


população, ao longo da unidade importa salientar o carácter complexo das
diferentes realidades culturais.
Ao longo do segundo capítulo pretende-se reflectir sobre as orientações
culturais e os modelos de gestão chineses, não só a partir das análises de
Geert Hofstede (1980), de Virgínia Trigo (2003) ou das reflexões de
Cunha e Rego (s.d.) na própria China, mas também dos processos de
integração de empreendedores chineses em Moçambique. Neste último
caso pretende-se compreender as diferentes orientações culturais de
investidores chineses em Maputo, bem como os processos de gestão de
recursos humanos utilizados e processos de interacção com trabalhadores
locais.
Ao longo do terceiro capítulo pretende-se reflectir sobre as orientações
culturais e os modelos de gestão de cidadãos portugueses em Maputo.
Após uma análise dos estudos de Geert Hofstede (1980) em Portugal,
pretende-se analisar orientações culturais e processos de gestão de recursos
humanos em Maputo, sobretudo a partir de análises realizadas ao longo da
última década.
Finalmente, o quarto capítulo procura realizar uma abordagem das
orientações locais dos actores moçambicanos, não só empreendedores
como também trabalhadores. A partir da análise dos estudos de Hofstede
realizados na África do Sul, bem como a partir de um conjunto de análises
tanto da antropologia francesa como de abordagens filosóficas sul-
africanas pretende-se reflectir sobre as orientações culturais e modelos de
gestão comuns na África sub-sahariana. A análise será complementada
com diversas investigações realizadas em contexto moçambicano ao longo
da última década.

CONTEXTUALIZAÇÃO
No decurso da primeira unidade de Gestão Internacional de Recursos
Humanos realizou-se uma abordagem sobre o conceito de globalização e
sobre os desafios que as organizações e que os cidadãos enfrentam neste
novo contexto. Ainda na primeira unidade realizou-se uma breve
abordagem do processo de internacionalização das organizações.
A segunda unidade centrou-se na análise do fenómeno da cultura no
contexto das organizações, bem como de diversos modelos de
compreensão das diferenças culturais. A partir da forma como o conceito
de cultura é entendido nas ciências sociais pretende-se refletir sobre a
respetiva adaptação às ciências da gestão e da administração, analisando as
potencialidades e limitações dessa utilização.
Na terceira unidade pretende-se refletir sobre o conceito de culturas
nacionais, distinguindo diferentes modelos de gestão de recursos humanos
utilizados em diferentes continentes, nomeadamente em África (a partir de
empresas moçambicanas), na Ásia (a partir de empresas chinesas) e na
Europa (a partir de empresas portuguesas).
Com base nas diferenças interculturas identificadas na terceira unidade
será possível, ao longo da quarta unidade, analisar os conceitos de
ajustamento intercultural e fornecer algumas pistas que possam potenciar a
integração de quadros expatriados e a constituição de pontes entre culturas,
num cenário de crescente globalização.

RESULTADOS DE APRENDIZAGEM
DA UNIDADE III
 Problematizar o conceito de culturas nacionais;
 Identificar orientações culturais e estratégias de gestão
características de empreendedores e trabalhadores chineses,
portugueses e moçambicanos em Maputo;
 Compreender de que forma é que as diferentes orientações
culturais podem ser estruturadoras de conflitos em contexto
organizacional.

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UNIDADE III – CULTURAS NACIONAIS E


MODELOS DE GESTÃO

CAPÍTULO I – CONCEITO DE CULTURAS NACIONAIS

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO:

Findo este capitulo o estudante deverá ser capaz de:


 Compreender a origem do conceito de cultura nas ciências da
gestão e da administração;
 Definir o conceito de cultura nacional;
 Compreender o carácter complexo e dinâmico do conceito de
cultura nacional;
 Distinguir diferentes orientações culturais com base em critérios
nacionais.

INTRODUÇÃO
Como foi analisado na unidade anterior, a aplicação do conceito de cultura
aos estudos organizacionais teve a sua origem por volta da década de
1970, tendo adquirido uma grande popularidade. As expressões “cultura da
empresa” ou “culturas nacionais” encontram-se hoje bastante disseminadas
e são utilizadas em inúmeras organizações e em diversas regiões do globo.
Como foi referido, o conceito de cultura adquiriu relevância num contexto
de globalização e num cenário de fusões e de concentrações de empresas,
não só a nível nacional como internacional. A existência de diferentes
valores, de comportamentos e de práticas culturais problematiza, muitas
vezes, o relacionamento entre trabalhadores, o que se reflecte
negativamente ao nível do funcionamento da empresa.
Ao longo deste capítulo pretende-se realizar uma reflexão sobre o conceito
de culturas nacionais.

1.1 O CONCEITO DE CULTURA NACIONAL


As culturas nacionais designam um sistema de valores, de atitudes, de
representações sociais e de orientações culturais, comuns num
determinado Estado-nação, em relação a fenómenos como o trabalho e o
lazer, a participação ou a liderança, bem como outros aspectos
relacionados com a gestão das organizações. Como foi referido, com o
fenómeno de globalização e com a consequente fusão e transferência
internacional de capitais e de recursos humanos, as actividades de gestão
passam a conhecer novos desafios, relacionados com a interculturalidade
existente nas organizações. As equipas de trabalho são cada vez mais
multiculturais e os quadros expatriados (deslocados de outros países)
transportavam consigo diferentes culturas de gestão, que nem sempre são
compatíveis com as culturas locais.
Neste cenário, toda uma série de investigações têm colocado em evidência
o impacto das culturas nacionais sob as estruturas das empresas e
atitudes e comportamentos dos trabalhadores. De facto, como foi analisado
na segunda unidade:
 Iribarne (1989) demonstrou como é que empresas idênticas,
estabelecidas em países diferentes (nomeadamente França, Holanda e
Estados Unidos) funcionavam segundo sistemas culturais diferentes.
 Por sua vez, Crozier (1973) colocou em destaque a existência de um
modelo cultural francês de organização da empresa, marcado pelo
formalismo burocrático e pela extrema centralização das estruturas,
correspondendo a uma tendência profunda da sociedade francesa.
 Da mesma forma Geert Hostede (1980) realizou uma análise de
diversas orientações culturais em dezenas de países, a partir das 4
dimensões analisadas na unidade anterior.

1.2 FALÁCIAS DO CONCEITO DE CULTURA NACIONAL


A ideia de cultura nacional tem sido construída com base numa
perspectiva integradora, ou seja, na ideia que existe um consenso
cultural em todo um país. Ou seja, o conceito de cultura nacional parte do
pressuposto que a existência de um passado histórico comum, de Leis
aplicáveis a todos os cidadãos, que a existência de um sistema educativo
comum ou de costumes e tradições semelhantes faz com que os diversos
cidadãos do mesmo Estado-Nação adoptem as mesmas tendências
comportamentais, neste caso em contexto organizacional (estilos de
liderança, formas de tomada de decisão, sistemas de recompensa, etc.).
Nesta óptica, os indivíduos teriam orientações culturais idênticas sobre
temas de potenciais divergências.
A utilização do conceito de cultura nacional não deixa de ser alvo de
contestação. Como foi analisado na unidade anterior, o conceito de cultura
contém um carácter complexo, dinâmico e contraditório, precisamente
porque as culturas estão permeáveis às influências externas. As culturas
constituem algo aberto, marcado pela variedade interna e que sofre
transformações ao longo dos tempos. A aplicação do conceito de cultura a
uma nação constitui, por isso, uma manipulação ideológica do conceito.
De facto, o conceito de cultura aplicado a um país assenta na ideia de
existência de um Estado Nação. Como foi analisado ao longo da primeira
unidade, um Estado-nação pressupõe que a uma determinada unidade
política (um Estado) – como por exemplo Moçambique, China ou Portugal

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– deverão corresponder elementos culturais homogéneos (crenças, atitudes


perante o trabalho, perante a família ou perante a religião, etc.). Ou seja,
nesta perspectiva todos os cidadãos desse Estado partilhariam a mesma
cultura: língua comum, religião comum, costumes comuns, passado
histórico comum, etc.
Desta forma, a utilização do conceito de cultura nacional é muitas vezes
permeável ao desenvolvimento de estereótipos e a visões essencialistas.
As visões essencialistas constituem aquelas abordagens que consideram
que uma cultura detém um conjunto de traços essenciais, inatos e
irremediavelmente associados às pessoas e que nunca sofreram alterações.
Uma visão essencialista da cultura nacional parte do pressuposto que
determinados cidadãos (moçambicanos, chineses, ou portugueses) têm
necessariamente uma cultura homogénea e claramente bem definida.
Nesta linha de pensamento, o continente africano é frequentemente
representado como uma entidade homogénea, com uma cultura única e
singular. Como explica o sociólogo moçambicano Carlos Serra (1997), o
continente africano é muitas vezes associado a uma imagem de natureza
(savanas, parques naturais, praias) ou a tradições imutáveis (rituais,
feitiçaria, relações muito próprias com a família ou com as actividades
produtivas), ignorando-se toda a diversidade e processos de transformação
existentes no continente. Igualmente falacioso é a percepção que os
europeus, os chineses ou os americanos são detentores de uma cultura
única. Estas populações não deixam, frequentemente, de ser representadas
de uma forma essencialista.
Importa salientar que quando falamos em cultura nacional estamos muitas
vezes a falar de algo imaginado, ou seja, socialmente construído.

1.3 CARACTERÍSTICAS DAS CULTURAS NACIONAIS


De forma a se evitar uma visão essencialista do conceito de cultura
nacional, importa por isso reflectir sobre algumas das suas características:
DIVERSIDADE: As análises sobre as culturas nacionais não devem
esquecer que nenhum país é totalmente homogéneo. No seio do mesmo
país podemos identificar inúmeras subculturas, assentes tanto em
critérios económicos (portanto em diferentes classes sociais) como
culturais (diferentes idiomas, diferentes crenças religiosas, diferentes
atitudes sociais, diferentes hábitos de consumo e estilos de vida), muitas
vezes em contradição e em conflito entre si (entre gerações; entre homens
e mulheres; entre privilegiados e desfavorecidos, etc.). Cada um desses
grupos pode deter interesses diferentes, estruturados em complexas
relações de poder e de conflito e, por isso, nem sempre integrados num
sistema harmonioso. O contacto entre as diferentes culturas resulta de
diferentes relações de força, directa ou indirectamente em confronto.
Por outro lado, a exposição a influências culturais internacionais
possibilita o aumento da diversidade interna em cada território, sobretudo
nos grandes centros urbanos. Uma análise culturalista deve evitar a
atribuição às pessoas do mesmo grupo dos mesmos comportamentos e
características. Quanto mais numerosas forem as pertenças de cada um,
mais específica será a sua cultura e a sua identidade. Nesta perspectiva, um
moçambicano é diferente de um brasileiro como, ele próprio, é distinto de
todos os outros moçambicanos.
A cultura nacional não se pode definir por intermédio de um Decreto ou de
uma decisão Governamental, mas através de um complexo e inevitável
jogo de interacções entre as populações que compõe um determinado país.

DINAMISMO: Importa ter em consideração que a cultura constitui algo


mutável, ou seja, sujeito às mudanças. Todas as mudanças estão sujeitas a
uma negociação e às lógicas de conflitos e contradições inerentes aos
processos de mudança. O processo de globalização e de integração
regional afecta cada vez mais todas as regiões do globo, o que se repercute
num acelerar dos processos de mudança.
Todas as culturas são dinâmicas precisamente em virtude desta inter-
influência cultural entre os povos, resultante de negócios, de migrações, de
matrimónios e de contactos interculturais. A atitude de cada grupo varia,
inevitavelmente, ao longo do tempo. Os indivíduos podem assim alterar os
seus comportamentos em resultado de diversas circunstâncias,
relacionadas com a abertura do país ao exterior, com a mobilidade de cada
indivíduo ou com os interesses estratégicos de cada momento.

CONTRADITÓRIO: A grande maioria das pessoas identifica-se com


uma tradição religiosa, com uma nação, com um grupo étnico ou
linguístico, com uma província, com um bairro, com um grupo político,
com um grupo desportivo, com um grupo de amigos. Mas esses elementos
podem estar presentes, muitas vezes de forma contraditória,
diferentemente combinados em cada uma das pessoas. É aí que reside a
riqueza de cada um, de cada cultura e de cada identidade. A título de
exemplo, um moçambicano orgulhoso da sua cultura pode manifestar
traços culturais próprios de muitas outras culturas (que em si já são
resultado de muitas influências), por exemplo acompanhando de forma
emotiva os resultados desportivos de um clube inglês ou português,
seguindo tendências musicais oriundas do Brasil ou dos Estados Unidos,
acompanhando a moda sul-africana, adotando métodos de trabalho
introduzidos por um país asiático ou estabelecendo relações de amizade
com cidadãos moçambicanos que viveram noutros países. Assim, em
muitos contextos sociais os indivíduos partilham traços culturais de
diferentes culturas.

RELACIONAL: A cultura nacional constitui um conceito que é


construído por comparação e em interacção com outras culturas, o que
acontece normalmente de duas formas:

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Por um lado, pelas inevitáveis relações sociais e políticas entre os países e


cidadãos. A cultura nacional não constitui um universo fechado e
segregado. Pelo contrário, qualquer país está cada vez mais dependente das
regiões envolventes, não só em termos políticos (por intermédio de
processos de integração regional, como a South African Development
Community, a União Africana, o Mercosul ou a União Europeia, entre
outras), como em termos sociais, económicos e culturais, por intermédio
do investimento económico internacional ou das migrações.
Por outro lado, porque a imaginação de uma nação (Anderson, 2005) ou de
uma cultura nacional é muitas vezes construída por oposição a uma outra
comunidade ou cultura, nomeadamente em relação a países vizinhos ou
anteriormente dominadores. De facto, em muitas regiões do globo em
conflito, a construção das identidades nacionais foi quase sempre realizada
por oposição a um Outro (alguém externo ao país). A invenção de um
Outro, inimigo do povo, constitui muitas vezes algo de utilitário, recriado
pelas elites, para promover a unidade nacional ou os interesses dos grupos
dominantes. Como explica Maalouf (1999), nunca os seres Humanos
tiveram tantos conhecimentos em comum, tantas referências comuns,
tantos símbolos comuns e, ao mesmo tempo, talvez nunca tenham vincado
com tanta força a sua diferença.

Em suma, as abordagens sobre as culturas nacionais não podem cair numa


explicação simplista. De facto, nem as culturas nacionais são imutáveis
nem determinam, de uma forma absoluta e delinear, as diferentes culturas
existentes numa empresa. A relação entre a empresa e o meio nacional
envolvente constitui o resultado de circunstâncias históricas e da situação
política e social de cada região e a cada momento. Por este motivo, ao
longo das páginas seguintes, não iremos falar de cultura chinesa, de cultura
europeia, ou de cultura moçambicana, mas de culturas chinesas, culturas
europeias ou culturas moçambicanas.
QUADRO SINÓPTICO

TEMA DESCRIÇÃO

Cultura nacional Sistema de valores, de atitudes, de representações


sociais e de orientações culturais, comuns num
determinado Estado-nação, em relação a fenómenos
como o trabalho e o lazer, a participação ou a
liderança, bem como outros aspectos relacionados
com a gestão das organizações

Falácias do  Pressuposto que a pertença a um Estado-Nação


conceito de implica a adopção, por parte dos cidadãos, das
cultura nacional mesmas tendências comportamentais;
 Assenta numa interpretação essencialista da
cultura;
 Permeável ao desenvolvimento de estereótipos;
 Conceito ideologicamente manipulado.

Características Diversidade: existências de inúmeras sub-culturas


das culturas internas, nem sempre em harmonia.
nacionais Dinâmicas: sujeitas a alterações históricas, em
função de dinâmicas socio-económicas ou de
estratégias individuais.
Contraditória: Muitos elementos culturais podem
estar combinados, de forma contraditória, na mesma
pessoa.
Relacional: A cultura nacional constitui um conceito
que é construído por comparação e em interacção
com outras culturas.

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14 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

EXERCÍCIOS PRÁTICOS

1. Explique o motivo da popularidade do conceito de cultura nacional no


mundo actual. (Se tiver dúvidas consulte a Introdução)

2. Reflicta sobre os riscos de utilização do conceito de cultura nacional.


(Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.2)

3. Explique as características que detêm as culturas nacionais. (Se tiver


dúvidas consulte o ponto 1.1 e 1.3.)

4. Explique porque motivo é que as culturas nacionais detêm um carácter


dinâmico? (Se tiver dúvidas consulte o ponto 1.3)

5. Entre o conceito de “cultura nacional” e de “culturas nacionais” qual


lhe parece ser sociologicamente mais adequado? Explique. (Se tiver
dúvidas consulte o ponto 1.2. e 1.3.)
CAPÍTULO II – MODELOS DE GESTÃO CHINESES

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO


Findo este capítulo o estudante deverá ser capaz de:
 Compreender as transformações sócio-económicas em curso na China;

 Caracterizar as orientações culturais de empreendedores chineses, tanto


na China como na diáspora;

 Compreender os conflitos interculturais em empresas de capital chinês


em Moçambique.

2.1. TRANSFORMAÇÕES SÓCIO-ECONÓMICAS NA CHINA


A China representa um imenso e populoso território, extremamente
heterogéneo (com variações significativas entre as diversas províncias,
entre contextos urbanos e rurais, entre níveis de escolaridade ou níveis
etários), e com características culturais que apenas podem ser realmente
compreendidas mediante o contacto directo e prolongado com a
população. A abertura da China ao exterior, o rápido crescimento
económico deste país e as migrações destas populações para outros
continentes têm despoletado um crescente número de investigações sobre
esta região e esta cultura. Nestas análises tem sido consensual que a
compreensão das diversas culturas chinesas é fundamental para quem
pretende realizar negócios neste país ou com populações chinesas na
diáspora.
Como explica Rego e Cunha (s.d.: 187), a introdução de um sistema de
gestão de recursos humanos de teor ocidental tem sido gradual e
relativamente lento, não só pelas características das reformas (que
implicam a passagem de um sistema de cariz comunista para um outro de
cariz capitalista), como pela influência da tradição e das culturas chinesas
ou até pela natural inércia das empresas, particularmente as Estatais.
De facto, a administração e o controlo do Estado continuam a ser fortes, e
muitas organizações ainda não dispõem da necessária autonomia para
implementar estratégias de gestão de recursos humanos característicos das
culturas ocidentais. Consequentemente, assiste-se a uma considerável
continuidade das práticas tradicionais de administração do pessoal. Estas
práticas são normalmente caracterizadas por aspectos como a centralização
dos processos de tomada de decisão, a politização dos quadros de chefia, o
emprego para o resto da vida e o carácter igualitário dos sistemas de
remuneração. Tradicionalmente, a empresa fornece um conjunto de

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16 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

benefícios sociais, de uma forma paternalista, sendo vista como fonte de


providência dos trabalhadores. Como explica Rego e Cunha (s.d.: 187),
mesmo entre as empresas tecnologicamente mais avançadas, e em muitas
joint ventures, as formas ocidentais de gestão de recursos humanos ainda
não substituíram o antigo modelo de administração de pessoal. As
mudanças têm sido apenas parciais e impregnadas com características
culturais locais. Sobre este processo de mudança observe-se o quadro 1:

Quadro 1: Transformação dos modelos de gestão na China

Modelo pré-reformas Modelo pós-reformas

1. Empresas propriedade do Estado 1. Várias fórmulas proprietárias


(empresas estatais, joint ventures,
empresas privadas, ou com capital
totalmente estrangeiro)
2. Gestão das empresas centralizada 2. Gestão orientada pelo mercado
3. Quadros políticos 3. Gestores profissionais
4. Emprego vitalício 4. Contratos de trabalho
5. Administração de pessoal (papel 5. Gestão de recursos humanos
administrativo e controlador)
6. Compensação igualitária 6. Compensação baseada no
desempenho
7. Formação interna à empresa 7. Formação em cursos externos
8. Alojamento facultado (ou 8. Mercado de rendas de habitação
subsidiado) pela empresa
9. Serviços sociais ao nível da 9. Segurança social “externa”
empresa (companhias seguradoras; Estado)
10. Serviços sociais pagos pela 10. Serviços sociais pagos pela
empresa empresa, pelo trabalhador e pelo
Estado
11. Fraco turnover 11. Maior mobilidade no emprego
12. Presença dominante do sindicato 12. Frequentemente ausência de
oficial (ACFTU) sindicatos
Fonte: Rego e Cunha (s.d.: 186)
2.2. CARACTERIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES CULTURAIS
CHINESAS
Ao longo desta secção pretende-se realizar uma reflexão sobre os traços
mais característicos das culturas chinesas, não só a partir de estudos
realizados na própria China (em grande parte em resultado da interacção
das populações locais com trabalhadores de outras nacionalidades), mas
também em pesquisas realizadas no continente africano em geral e em
Moçambique em particular. Apesar de já existir alguma literatura sobre as
relações sino-africanas ao longo do período colonial1 ou nos períodos pós-
independência2 as relações sino-africanas têm sido nos últimos anos
objecto de uma análise redobrada. Contudo, continua-se a registar um
défice de informações sobre as relações entre a China e Moçambique e as
representações sociais e as relações laborais nas empresas chinesas em
Moçambique ainda estão envoltas em mistério, apesar de o assunto
constituir notícia nos media locais. Numa breve síntese, e pese embora o
diversificado mosaico cultural chinês, a literatura tende a realizar as
seguintes caracterizações dos trabalhadores chineses.

2.2.1. A DISTÂNCIA HIERÁRQUICA


A distância hierárquica é traduzida num grande respeito pela hierarquia e
pela autoridade. Neste contexto, a idade surge como uma importante fonte
de autoridade. Como explica Rego e Cunha (s.d.: 189), os chineses têm
tendência para optar por uma liderança de cariz mais autoritária, embora
benevolente, respeitada, competente e decidida.
A distância hierárquica é reforçada pelos ideais confucionistas. Confúcio
foi um filósofo chinês do séc. VI a.c e os seus ensinamentos podem ser

1
Yoon Park (2008) ou Eduardo Medeiros (2007) têm realizado diversas análises
históricas sobre o processo migratório de trabalhadores chineses para as diversas zonas da
África Oriental ao longo do século XIX. A construção das cidades de Lourenço Marques
e da Beira, dos respectivos portos marítimos e caminhos-de-ferro, de edifícios públicos e
casas particulares e outros projectos coloniais careciam de uma mão-de-obra
minimamente qualificada e de baixo custo. Ainda que Moçambique não tenha constituído
um destino de contratados chineses em grande escala, tal como o foram em várias
colónias francesas e inglesas, foi neste contexto que os ‘coolies’ (termo usado pelos
britânicos durante a segunda metade do século XIX e primeiro decénio do século XX para
designar os contratados indianos e chineses nas suas possessões do Oceano Índico e da
Ásia do Sudeste) constituíram uma alternativa bem mais económica, comparativamente
com a dispendiosa mão-de-obra europeia.
2
A título de exemplo, Jamie Monson (2009) analisou o processo de construção de uma
linha de caminho-de-ferro, entre 1970 e 1975, ligando as minas de cobre da Zâmbia ao
porto de Dar es Salaam no Oceano Índico, o que constituiu um dos projectos mais
mediáticos da China no continente africano ao longo desse período. Conhecido por
TAZARA (Tanzania Zambia Railway Authority) ou por African’s Freedom Railway o
projecto implicou a deslocação a estes dois países africanos, entre 1968 e 1986, de 30 a
50 mil trabalhadores chineses.

17
18 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

encontrados na obra Anacletos de Confúcio, que foi compilada anos após a


sua morte. Os pensamentos confucionistas sublinhavam uma série de
procedimentos correctos nas relações sociais, como a justiça e a
sinceridade, a importância da erudição e da ética pelo trabalho, o respeito
pelos mais velhos e pela hierarquia ou a enfatização da obediência numa
lógica paternalista. Ainda que as culturas chinesas tenham influência de
várias escolas de pensamento (Confucionismo, Taoísmo, Budismo, entre
outras), tem sido comum considerar a interferência do Confucionismo em
todos os aspectos da vida chinesa.
A moral confuciana está fortemente impregnada da lógica da
reciprocidade. Nesta perspectiva, espera-se que tanto os governantes,
maridos, pais ou irmãos mais velhos sejam justos, honrados e
benevolentes, bem como afectuosos e carismáticos para com os mais
novos. Da mesma forma, espera-se dos que estão num papel subalterno
que sejam reciprocamente leais, obedientes e respeitadores. Os
ensinamentos de Confúcio favorecem também a lealdade para com a
família, a harmonia interpessoal e a preservação da face (ou seja,
dignificar e não diminuir a outra parte).
Como referem Rego e Cunha (s.d.: 189) desta característica cultural
resultam muitas vezes problemas para os expatriados oriundos de culturas
Ocidentais. Os gestores expatriados são relativamente jovens, o que pode
torná-los menos respeitáveis aos olhos dos Chineses. A aplicação de
modelos de liderança típicos dos países de origem dos expatriados
(assentes em critérios meritocratas e que negligenciam por exemplo a
importância da senioridade) podem não ser bem aceites pelos
trabalhadores locais.
Não lhe tendo possível realizar o estudo na China Continental, a pesquisa
de Hofstede selecionou as delegações da IBM em Taiwan e Hong Kong.
Os resultados de Hofstede (1980: 77) para a distância hierárquica em
Taiwan apresentaram um resultado moderado (58), ainda que mais elevado
em Hong Kong (68). Os índices mais elevados foram registados nos países
da América Latina - como Filipinas (94), México (81) ou Venezuela (81) –
sendo os mais reduzidos na Áustria (11), Israel (13) ou Dinamarca (18).
Uma elevada distância hierárquica de trabalhadores chineses tem sido
diagnosticada também no continente africano. Nos estudos de Jamie
Monson (2009), as relações de trabalho entre chineses e africanos
aparecem bastante hierarquizadas. Refira-se que, na análise em questão, o
facto de os chineses constituírem cidadãos mais velhos, experientes e
qualificados fornecia-lhes uma maior autoridade nas relações de trabalho.
Em pesquisas mais recentes realizadas em Maputo, relacionadas com
relações sino-moçambicanas em contextos organizacionais (Feijó, 2010:
250-251), constatou-se a existência de uma forte distância hierárquica
entre os quadros chineses e moçambicanos, particularmente nos sectores
da construção civil ou da restauração. Contudo, dos chineses diz-se que
não têm hábitos de ostentação mas, pelo contrário, que a sua atitude é
marcada pelo ascetismo (vida austera e disciplinada) e pela simplicidade.
Esta situação foi constatada por diversos entrevistados por Sautman e Park
(2009), em diversos países africanos, nomeadamente na Zâmbia e na
Namíbia. A título de exemplo, o historiador zambiano Webby Kalikiti (cf.
Sautman e Park, 2009: 276) referiu que, na Zâmbia, os chineses preferem
conduzir os automóveis em vez de contratarem zambianos de
descendência africana, como fazem os congéneres europeus, indianos ou
libaneses. De acordo com o historiador, para os zambianos é inconcebível
que um expatriado realize trabalho manual mas, num estaleiro, um
engenheiro chinês pode ser visto a conduzir uma retroescavadora. Segundo
o mesmo, na mesma situação um congénere japonês sentar-se-ia a ver os
zambianos a trabalhar. Outros entrevistados observaram que os chineses
chegaram à Namíbia com uma atitude bem mais humilde3 que as
populações de descendência europeia.
Da parte de alguns interlocutores moçambicanos, particularmente em
sectores como a construção civil, constatou-se inclusive a existência de
uma forte disciplina laboral, por parte dos colegas chineses. As ordens são
apresentadas de uma forma bastante rígida e autoritária. Para a maioria dos
trabalhadores entrevistados, a motivação dos recursos humanos não se
processa com base na atribuição de recompensas mas, sobretudo, na
coerção. Dos chineses diz-se que são bastante intolerantes relativamente a
qualquer tipo de falha cometida pelos colegas locais, atitude que se agrava
em situações de protesto ou de reivindicação laboral. Este comportamento
é interpretado por parte dos trabalhadores moçambicanos como se de uma
relação militar se tratasse, associação constatada noutros países africanos
(Monson, 2009: 41).
Da parte dos chineses, denota-se que a atitude séria e autoritária em
relação aos trabalhadores moçambicanos tem como objectivo a promoção
da disciplina interna e do rendimento profissional. O autoritarismo foi
normalmente apresentado como a chave para a organização dos
trabalhadores e para a melhoria do seu desempenho profissional (Feijó,
2010). Da parte dos chineses, considera-se que a atitude autoritária e
dirigista constitui algo inerente ao próprio processo de liderança,
inclusivamente nas relações entre os próprios asiáticos. Esta disciplina
laboral chinesa tem alimentado uma série de rumores entre as populações
locais, não só de Moçambique como de outros países africanos, que os
trabalhadores chineses constituem presidiários que cumprem uma pena no
estrangeiro. Esta representação é encorajada não só pela reduzida

3
Já durante a década de 1970, durante a construção do caminho-de-ferro de TAZARA,
Monson (2009: 37) constata que, ao invés de se limitarem a ordenar, os chineses
distinguiam-se por participarem nas tarefas mais básicas e por ensinarem os recrutas
africanos pelo exemplo. As autoridades chinesas pretendiam, na época, que esta forma de
relacionamento constituísse uma alternativa política a relações de trabalho coloniais ou
neo-coloniais. Contudo, se as condições de vida não diferiam muito em termos materiais,
as relações apareceram claramente segregadas, quer ao nível das zonas de residência, dos
locais de refeições ou das actividades de lazer (Monson, 2009: 57). Tanto a deslocação de
trabalhadores chineses para os meios envolventes como a recepção de populações
africanas estava condicionada.

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20 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

interacção entre os expatriados chineses e os trabalhadores locais, como


pela barreira linguística à comunicação. De qualquer das formas, num país
com uma disciplina laboral tendencialmente folgada (como Moçambique),
as rigorosas condições de trabalho a que se sujeita a mão-de-obra chinesa,
bem como o seu carácter extremamente disciplinado, contribui para
alimentar este tipo de estereótipos. O mesmo rumor foi observado na
Zâmbia (Sautman e Park, 2009: 277), Namíbia (Dobler, 2008: 243),
Angola (Liu, 2009: 219) ou Guiné Equatorial (Esteban, 2009: 683), entre
outros, e pode ser explicado por um conjunto de 4 factores:
 Em primeiro lugar, pela existência de uma memória histórica de
trabalho forçado;
 Um segundo factor está relacionado com o facto de muitos africanos
não estarem familiarizados com populações de origem não africana a
realizar trabalhos braçais (conduzir máquinas nas obras, carregar
baldes, etc.) e a dormir em camaratas, como o fazem muitos
trabalhadores chineses;
 Em terceiro lugar, pelas rigorosas condições de trabalho a que se
sujeita a mão-de-obra chinesa, pela disciplina laboral extrema e
largamente desconhecida no país;
 Por fim, este estereótipo é encorajado pela reduzida interacção entre os
expatriados chineses e os trabalhadores locais, resultante não só da
existência de barreiras linguísticas, mas também do carácter
desconfiando das populações chinesas, sobretudo quando interpeladas
pelas homólogas não asiáticas.

2.2.2. COLECTIVISMO VS INDIVIDUALISMO


Até há poucas décadas atrás, a maior parte da população chinesa residia
em áreas rurais e com base na agricultura. A agricultura chinesa tradicional
assenta num forte espírito comunitário e não individualista. Ou seja, a
sobrevivência depende da cooperação e da harmonia do grupo. A lealdade
e a obediência à hierarquia familiar têm como efeito a orientação dos
indivíduos para o trabalho conjunto, o que tem um claro impacto ao nível
do relacionamento interpessoal. Muitos habitantes das cidades chinesas
nasceram e cresceram em ambiente rural, o que influencia a sua forma de
ver o mundo envolvente, bem como os respectivos comportamentos.
Neste contexto, e na linha das ideias confucionistas, a orientação para a
família, conjugada com o respeito pela idade e pela hierarquia, é
acompanhada de uma valorização da harmonia interpessoal e da
“preservação da face” (não diminuir a outra parte, não lhe retirar
dignidade).
Como explicam Rego e Cunha (s.d.: 164):
“A orientação chinesa para o grupo também se compagina com a
doutrina confuciana que enfatiza os laços de parentesco e as relações
pessoais fortes. Os indivíduos existem para o benefício do grupo. Os
indivíduos são pressionados para se conformarem com as normas do
grupo, sob pena de perderem a face. O conflito é geralmente gerido
sobretudo através da mediação intragrupo, mais do que por meio do
recurso ao sistema legal externo. Os indivíduos são encarados como parte
de uma rede de relações sociais”.

Este quadro de referência facilita a compreensão das particularidades das


relações familiares tradicionais, particularmente caracterizadas por práticas
de cariz paternalista, com impactos nos estilos de gestão em contextos
organizacionais. Neste sentido, as práticas de recrutamento podem assentar
no nepotismo, ou seja, na preferência pela contratação de familiares. O
facto de grande parte das micro e pequenas e médias empresas deterem um
capital recolhido no seio da família reforça a inter-ligação no seio da
família.
A este propósito, o conceito de família tradicional deu lugar àquilo que
designou de “familismo”, atravessando quase todas as organizações
sociais. O conceito de “familismo” procura traduzir a importância da
família na estruturação das relações sociais e económicas. A família
constitui, de facto, a unidade de sobrevivência básica, geralmente auto-
suficiente e que não se mistura com a comunidade envolvente. Os
membros são muito competitivos e estão altamente compenetrados em
proteger e reforçar os recursos familiares dos quais, por sua vez, estão
intimamente dependentes.
Como explica Rego e Cunha (s.d.: 170):

“a organização proporciona aos seus empregados alojamento, cuidados


médicos gratuitos e educação para os filhos. As suas actividades e vida
pessoal estão fortemente ligadas às actividades na organização para que
trabalham, e os gestores, em muitos aspectos, actuam como pais da
família extensa, assumindo responsabilidade pelos negócios mas também
pela resolução dos problemas pessoais dos empregados”.

Contudo, essa inter-dependência não deixa de ser geradora de disfunções


ou conflitos. Redding (1989: 107) explica que, pelo facto de não implicar
necessariamente a contratação da pessoa indicada para um determinado
cargo, o nepotismo pode constituir um outro factor perturbador do sucesso
e das dinâmicas da empresa e consequentes relações de trabalho. O motivo
não se prende tanto com o relaxamento e desresponsabilização do
trabalhador pelo facto de ser familiar do director (atitude que nas empresas
chinesas é fortemente reprovada pelo grupo doméstico), mas simplesmente

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22 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

pelo facto de poder não deter necessariamente o perfil de competências e


de conhecimentos exigidos para a função.
Naturalmente que muitas alterações ocorrem na cultura chinesa em
resultado das reformas económicas em curso e do processo de globalização
e da interpenetração de culturas. Contudo, não deixa de existir uma linha
de continuidade com os valores antigos. Como referia Xing (1995 cf Rego
e Cunha, s.d.: 171), “a actual campanha chinesa para a ‘modernização’
não é necessariamente um processo de mudança na mentalidade e no
comportamento fundamental do povo chinês”.
Os índices de individualismo registados por Hofstede (1980: 158) tanto em
Taiwan (17) como Hong Kong (25) foram bastante reduzidos, deixando
antever a existência de um forte colectivismo, próximo dos resultados dos
países com índices menos individualistas, como Venezuela (12) ou
Colômbia (13).
Na análise das orientações culturais de quadros chineses em Moçambique
(Feijó, 2010) não deixou de ser evidente a existência de um carácter
bastante colectivista, pela importância conferida pelos próprios às redes
comunitárias. Esse carácter colectivista foi particularmente evidente pelo
facto de o elemento constituinte das pequenas e médias empresas chinesas
ser precisamente a própria família. Entre marido, esposa, cunhados,
primos, tios ou sobrinhos estabelecem-se relações de trabalho que se
confundem com as próprias relações familiares. O relacionamento entre os
actores sociais nas empresas chinesas estrutura-se numa forma de gestão
paternalista, assente no carácter protector da figura parental,
simultaneamente detentora dos meios de produção e dos bens da família.
De facto, constatou-se que, em pequenas empresas familiares, os baixos
salários auferidos pelos trabalhadores foram compensados pela concessão
de benefícios sociais, relacionados com o financiamento (por parte de um
tio, de um cunhado ou de outro familiar) da viagem para Moçambique, de
alojamento, alimentação, vestuário, cuidados médicos ou formação
profissional, perpetuando as relações de dependência do trabalhador para
com o empregador. Trata-se de um factor que desencoraja os membros da
empresa a procurar uma alternativa independente ao negócio de família e a
desafiarem a autoridade central, mantendo-se ligados aos laços e às redes
familiares. O indivíduo integra-se numa rede de relacionamento do qual
dificilmente se consegue autonomizar gerando-se aquilo que Gordon
Redding (1989: 63) define de “networked self” [Eu em rede]. Em suma,
ainda que não deixe de constituir um espaço de afecto e de protecção
social do indivíduo, as relações familiares são também relações de trabalho
e de produção.
De um quadro adverso que se traduziu em guerras civis e fluxos e refluxos
de impérios emergiu a necessidade de buscar ajuda e protecção na família
e na comunidade. O resultado traduz-se numa grande confiança nos
membros do grupo (colectivismo de endogrupo e numa grande
desconfiança relativamente aos membros e entidades externos ao grupo de
origem. Traduz-se, também, no modo “prudente” como os Chineses lidam
com os estrangeiros – sejam eles os negociadores de uma joint venture ou
os gestores expatriados.
A análise dos sistemas de relacionamento na China rural é frequentemente
explicada através da imagem dos círculos concêntricos (como uma pedra
atirada a um lago, que desencadeia um conjunto de ondas de formato
circular), que abrangem a família (no núcleo) e depois sucessivamente
mais afastados, as redes de vizinhança, as cidades e províncias, e
respectivo país. Quanto mais próximo do centro mais força adquire o
relacionamento e a lealdade do indivíduo para com o círculo. É neste
sentido que se pode compreender a desconfiança em relação a
estrangeiros, situados na periferia do sistema de referências:

2.2.3. MASCULINIDADE VS FEMININIDADE


Como foi explicado ao longo da unidade 2, a orientação para a
masculinidade relaciona-se, entre outros aspectos, com a valorização da
tarefa e do trabalho árduo, da poupança, bem como da precaução em
relação ao futuro. Por sua vez, a orientação para a feminilidade tem a ver
com uma orientação para as pessoas, para o bem-estar do grupo e para o
relacionamento, para o usufruto do presente e para o hedonismo (prazer e
diversão), entre outros aspectos.
O conceito de masculinidade de Hofstede (1980: 176) procura exprimir
uma conduta assertiva, direccionada para a obtenção de objectivos e para o
sucesso na carreira profissional, para a promoção nos negócios e para a
firmeza nas decisões, em prejuízo do bem-estar e do usufruto da vida. Os
índices de Hofstede demonstram que Hong Kong (58) e Taiwan (45)
apresentaram moderados índices de masculinidade, contrastando com os
valores mais elevados do Japão (95) e Áustria (79), ou com os mais
reduzidos na Noruega (8) e Suécia (5).
Um dos factores que aparece mais vezes como explicativo do “milagre
chinês” parece residir nos baixos custos da mão-de-obra e na grande
propensão para o trabalho árduo.

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24 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

Em pesquisas anteriores realizadas em contextos organizacionais em


Maputo (Feijó, 2010) constatou-se que, nas imagens construídas pelos
trabalhadores locais sobre os colegas chineses, um elemento claramente
estruturador relacionou-se com a sua clara orientação para o trabalho e
para a tarefa, em prejuízo da qualidade do relacionamento, ou da sua
capacidade de organização e de concretização de complexas obras de
engenharia. A extrema dedicação à tarefa é enfatizada pelas horas de
trabalho dedicadas em horário pós-laboral (inclusive durante a noite), aos
Domingos e feriados. Sobretudo nos primeiros meses na diáspora (na
emigração), os trabalhadores chineses tendem a dedicar todo o seu tempo à
empresa.
Como explica Gordon Redding (1989: 70), a ética do trabalho e da
disciplina laboral dos imigrantes chineses merece ser entendida num
quadro de outros factores, entre os quais o carácter familiar das (pequenas
e médias) empresas chinesas. Pelo facto de a sobrevivência do grupo
doméstico depender da viabilidade do negócio regista-se uma forte
vigilância e pressão do grupo sobre o desempenho profissional de cada
elemento da família. Segundo o autor, o medo da insegurança, a tolerância
em relação à monotonia ou à repetição e o elevado pragmatismo
constituem outros atributos comuns nas populações chinesas expatriadas.
Esta ética do trabalho chinesa vem sendo, de facto, testemunhada noutras
zonas do continente e do globo, entre as quais a Zâmbia e a África do Sul
(Sautman & Park, 2009) ou o Brasil (Machado, 2007: 147).
Para muitos trabalhadores moçambicanos, a existência de diferentes
culturas de trabalho é geradora de conflitos laborais e de desmotivação
entre os trabalhadores locais, o que tende a constituir um factor explicativo
do absentismo e do elevado índice de rotação profissional. No caso das
empresas chinesas, a interacção de diferentes culturas de trabalho chega a
ser geradora de índices de violência, tanto física como verbal, registados
em contextos profissionais.
Para além do trabalho árduo, o comportamento típico dos trabalhadores
chineses é claramente orientado para a poupança. De facto, a maioria dos
trabalhadores reside nas redondezas do local de trabalho – por vezes em
camaratas – e pouco dinheiro gastam em actividades de lazer. Como
demonstra Redding (1989: 69) num contexto onde a sobrevivência da
família está dependente dos recursos colectivamente construídos e onde,
por sua vez, cada indivíduo está dependente do apoio da família, a pessoa
que desperdiça os recursos do grupo é alvo de uma pressão social. A
frugalidade (simplicidade) resulta mais de uma atitude de auto-negação
(em resultado da reprovação familiar) do que propriamente da parcimónia
ou de uma vergonha em demonstrar sinais exteriores de riqueza.
2.2.4. EVITAMENTO DA INCERTEZA
O grau de evitamento da incerteza de um país exprime o grau de
inquietação dos seus cidadãos face a situações incertas e desconhecidas.
Trata-se de um sentimento que se exprime pelo stress e pela ansiedade,
bem como pela necessidade de recuperação de alguma previsibilidade e de
regras (escritas ou não).
Nas análises de Hofstede (1980: 122), Hong Kong (29) registou índices de
evitamento da incerteza bastante reduzidos, o que contrastou com os
resultados de Taiwan (69), o que deixa antever alguma complexidade.
Refira-se que os resultados mais elevados apareceram na Grécia (112) e
em Portugal (104) e os mais reduzidos em Singapura (8) e Dinamarca (23).

A partir da análise do parque industrial de Tian He, Virgínia Trigo (2003)


demonstra como o desenvolvimento da iniciativa privada na China se
processou num contexto económico e administrativo ambíguo (confuso).
Num contexto de transição de uma economia planificada (assente em
moldes comunistas) para uma economia de mercado e perante um vazio
legal e institucional, o empresariado chinês desenvolveu um conjunto de
competências relacionadas com a exploração das possibilidades de
investimento, por intermédio do estabelecimento de redes de interesse e
sociabilidade, com vista a conferir legitimidade às actividades
empresariais.
Esta importância do relacionamento é denominada na China de guanxi,
que traduz precisamente as relações de confiança entre os indivíduos, e
que assume um papel fulcral ao nível da condução dos negócios, da gestão
de clientes ou de fornecedores ou de recrutamento e selecção de
trabalhadores, entre outros aspectos (Redding, 1989; Trigo, 2003: 72-76).
Ou seja, ao invés de assentar no seguimento de regras formais e
burocratizadas, a celebração de negócios exige o estabelecimento de
relações de confiança e o cultivo de uma boa rede de relacionamentos
interpessoais (guanxi). O guanxi representa redes de relações interpessoais,
no seio das quais cada parte pode fazer pedidos ilimitados à outra parte. O
guanxi difere da amizade e das simples relações interpessoais porque
inclui obrigações recíprocas de responder às solicitações de apoio. A sua
importância é de tal modo grande que Redding (1989) designou a ordem
económica chinesa um capitalismo de redes sociais.
Os objectivos organizacionais nem sempre são alcançados devido à
insensibilidade (ou simples dificuldade de compreensão) dos gestores
Ocidentais das dinâmicas locais chinesas. O que em muitos países
Ocidentais pode ser interpretado como “tráfico de influências” ou
“apadrinhamento”, na China pode ser considerado apropriado, desejável e
imprescindível.
Cunha e Rego (s.d.: 212) sintetizam um conjunto de orientações para se
desenvolver o guanxi para entrar no mercado chinês:

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26 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

 Iniciativa: Tome a iniciativa de estabelecer relações, fazer favores e


denotar interesse pela contraparte chinesa. Devido ao código de
reciprocidade, os seus parceiros chineses tenderão a responder
positivamente, trocando recursos consigo e permitindo-lhe desenvolver
redes de relacionamento e de amizade.
 Ajuda permanente e oportuna: Procure ajudar de modo sistemático e
oportuno. Desenvolva a arte de, oportunamente, ajudar. Os Chineses
são sensíveis ao facto de os seus parceiros estrangeiros actuarem em
prol dos interesses da China. As autoridades tendem a conceder
facilidades (e.g., em termos fiscais, ou de acesso a matérias-primas) a
esses parceiros. Os próprios consumidores também respondem
positivamente. E os empregados sentem orgulho e satisfação por
trabalharem nessas empresas.
 Empatia: Seja empático. Procure compreender as necessidades dos
seus interlocutores individuais. Não assuma que o seu sistema e os seus
produtos são melhores do que os dos Chineses. Adapte os seus
processos de fabrico e as estratégias de marketing, de modo a ajudar os
Chineses a alcançarem os respectivos objectivos económicos.
 Intermediários: Recorra a intermediários. Eles permitem o acesso a
elementos das redes guanxi. Escolha especialmente intermediários
qualificados que possuam boas e extensas redes, que conheçam ambas
as culturas e línguas, e que possam ajudá-lo a recolher informação
sobre o mercado chinês e os seus potenciais parceiros de negócio. Um
dos modos eficazes de alcançar estes intermediários consiste em
selecionar empregados da China continental, e não de Hong Kong, de
Taiwan, de Macau ou de Singapura, uma vez que já estão inseridos em
redes locais de relacionamento locais, facilitando assim o guanxi
(sobre o assunto reveja a figura do ponto 2.2.2.).
 A ponte: “Não retire a ponte depois de atravessar o rio”. Ou seja:
actue consistentemente na relação com os seus intermediários,
responda com favores aos favores que eles lhe dirigem, assuma uma
postura a longo prazo.
Ao longo de pesquisas realizadas em empresas chinesas em Maputo (Feijó,
2010) identificou-se uma grande flexibilidade dos investidores chineses ao
nível do contorno de obstáculos formais. Estas competências não passam
despercebidas aos olhos de trabalhadores moçambicanos, conhecedores
das dinâmicas locais. Os chineses são representados como cidadãos hábeis
e capazes de montar esquemas irregulares ou até ilegais, de adaptação às
vicissitudes da vida em Moçambique. As situações de incumprimento das
normas laborais são bastante frequentes. Os empregadores e trabalhadores
chineses foram associados, com frequência, à corrupção de inspectores do
trabalho ou de agentes da Polícia da República de Moçambique.
QUADRO SINÓPTICO

TEMA DESCRIÇÃO

Transformações  Crescente interesse da literatura académica sobre


sócio-económicas a abertura da China ao exterior e sobre o
na China respectivo crescimento económico.
 Processo de rápida transformação do sistema
económico chinês, com reflexos ao nível das
orientações culturais das populações.
 Presença de traços culturais assentes na filosofia
de Confucius (que valoriza a justiça e a
sinceridade, a importância da erudição e da ética
pelo trabalho, o respeito pelos mais velhos e pela
hierarquia ou a enfatização da obediência numa
lógica paternalista).
 A administração e o controlo do Estado
continuam a ser fortes e assiste-se a uma
considerável continuidade das práticas
tradicionais de administração do pessoal,
assentes no paternalismo.
 As mudanças têm sido apenas parciais e
impregnadas com características culturais locais.

Caracterização das orientações culturais chinesas

Distância  Elevado respeito pela hierarquia e senioridade;


hierárquica
 Preponderância de valores confucionistas
 Instruções de trabalho apresentadas de forma
tendencialmente rígida autoritária, sobretudo nos
sectores da indústria;
 Ênfase no reforço da disciplina e do rendimento
profissional;
 Reduzidos hábitos de ostentação.

Individualismo vs  Muitos chineses são oriundos de zonas rurais,


colectivismo fortalecendo assim laços comunitários;
 Familismo – o elemento constituinte das
pequenas e médias empresas chinesas ser
precisamente a própria família;

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28 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

 Práticas de recrutamento assentes no nepotismo;


 Os estilos de gestão de cariz paternalista não
invalidam a existência de conflitos;
 Grande desconfiança relativamente aos membros
e entidades externos ao grupo de origem;
 Muitas alterações ocorrem na cultura chinesa em
resultado das reformas económicas em curso e do
processo de globalização e da interpenetração de
culturas.

Masculinidade vs  Grande propensão para o trabalho árduo, em


Femininidade prejuízo da qualidade do relacionamento.
 Dedicação de longas horas ao trabalho para a
empresa.
 Forte vigilância e pressão do grupo sobre o
desempenho profissional de cada elemento da
família.
 Orientação para a poupança e para a frugalidade
(simplicidade).
 A elevada pressão profissional é geradora de
desmotivação entre os trabalhadores locais, de
absentismo e elevado índice de rotação
profissional.

Evitamento da  Tendência de exploração das possibilidades de


incerteza investimento, por intermédio do estabelecimento
de redes de interesse e sociabilidade;
 Importância do guanxi: que traduz a importância
das relações de confiança entre os indivíduos e
que assume um papel fulcral ao nível da
condução dos negócios, da gestão de clientes ou
de fornecedores ou de recrutamento e selecção de
trabalhadores;
 Grande flexibilidade dos investidores chineses ao
nível do contorno de obstáculos formais.
EXERCÍCIOS
1. Caracterize as transformações dos modelos de gestão na China. (Se
tiver dúvidas consulte o ponto 2.1.)
2. Identifique rumores existentes em Moçambique sobre a população
chinesa. Reflicta sobre a origem dos mesmos. (Se tiver dúvidas consulte
o ponto 2.2.1.)
3. Explique as origens culturais do elevado sentido colectivista chinês.
(Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.2.2.)
4. Explique o motivo da relutância de populações chinesas para o
estabelecimento de contactos com estrangeiros. (Se tiver dúvidas
consulte o ponto 2.2.2.)
5. Explique a razão da elevada orientação para o trabalho característica de
populações chinesas na diáspora. (Se tiver dúvidas consulte o ponto
2.2.3)
6. Reflicta sobre a importância do guanxi na realização de negócios nas
culturas chinesas. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 2.2.4)

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30 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

CAPÍTULO III – MODELOS DE GESTÃO PORTUGUESES

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO


Findo este capítulo o estudante deverá ser capaz de:
 Compreender o processo de investimento português em Moçambique;

 Caracterizar as orientações culturais de empreendedores portugueses


em Moçambique;

 Compreender conflitos interculturais em empresas de capital português


em Moçambique.

3.1. CARACTERIZAÇÃO DA COMUNIDADE PORTUGUESA EM


MOÇAMBIQUE
O investimento português em Moçambique faz-se sentir em diversos
sectores económicos, como a banca, a construção civil e o sector
imobiliário, a hotelaria, restauração e distribuição alimentar, o sector
energético, as telecomunicações, cimentos e celulose, a agro-pecuária,
seguradoras e segurança, no ensino e formação profissional, entre outros.
Este surto de investimento foi acompanhado por um aumento do fluxo
imigratório. De acordo com o 3º Censo Geral da População e Habitação
promovido pelo Instituto Nacional de Estatística (2007) trata-se de uma
população predominantemente urbana (concentrada nas grandes cidades) e
bastante diversa em termos etários. Trata-se de uma população
relativamente qualificada em termos académicos e profissionais, não só
por comparação com a sociedade portuguesa na Europa, como por
comparação a outras populações em Moçambique.
Ainda que entre a comunidade portuguesa não exista uma forte
estratificação social, pelo menos da mesma forma que se verifica em
Portugal, esta população não é de todo homogénea, sendo possível
distinguir diferenças em termos etários, profissionais, de relações maritais,
de anos de residência em Moçambique e, inclusivamente, de nacionalidade
(uma grande parte da população mais antiga acabou por adquirir a
nacionalidade moçambicana). Estas diferenças traduzem-se na tendência
de estruturação de redes de relacionamento com base em pequenos grupos
profissionais e fechados sobre si.
Comparativamente com os emigrantes portugueses em diversos países da
Europa (onde tradicionalmente ocupam os estratos mais baixos da
sociedade) ou na África do Sul (onde enfrentam os respectivos problemas
de segurança), os portugueses em Moçambique experimentam outras
facilidades de integração. A proximidade dos sistemas jurídicos de ambos
os países, a partilha da mesma língua oficial, a existência de fortes
contactos e relações profissionais e familiares, ou até a identificação
identitária com o país de destino facilitam a integração socio-profissional
da comunidade portuguesa em Moçambique.
Não obstante um reconhecimento ao nível das oportunidades de geração de
emprego e desenvolvimento do país – sobretudo entre as populações de
características rurais e menos escolarizadas (Ribeiro, 1999: 122-124;
Teixeira, 2003: 101-103) – entre as classes médias de Maputo, a presença
estrangeira em geral (e portuguesa em particular) é representada de uma
forma tendencialmente negativa, enfatizando-se temáticas relacionadas
com a exploração da riqueza do país e a concorrência desleal, com a
precarização do mercado de emprego, com os conflitos e tensões laborais
ou até com as reduzidas competências profissionais dos trabalhadores
expatriados.

3.2. ORIENTAÇÕES CULTURAIS DE INVESTIDORES E


TRABALHADORES PORTUGUESES EM MOÇAMBIQUE
Na linha do capítulo anterior pretende-se realizar uma caracterização das
orientações culturais de cidadãos portugueses em Maputo a partir das
quatro dimensões criadas por Hofstede.

3.2.1. A DISTÂNCIA HIERÁRQUICA


Uma elevada aceitação da distância hierárquica traduz-se em atitudes de
obediência, de conformidade e de respeito para com a autoridade. Nesta
perspectiva, os actores sociais aceitam a desigualdade e preferem
inclusivamente um tipo de liderança dirigista (supervisão apertada),
autoritário ou paternalista. Por sua vez, uma reduzida distância hierárquica
traduz-se numa maior emancipação dos actores sociais. As chefias tendem
a manifestar o poder e a autoridade de forma mais discreta e reservada. As
suas decisões são tomadas após a consulta dos colaboradores, que tendem
a demonstrar maior à vontade para discordar com os superiores ou para
contestar as desigualdades sociais. Orientados para a autonomia e para a
participação, os colaboradores tendem a preferir uma liderança mais
democrática, consultiva e informal. As chefias adoptam, por isso,
estratégias menos coercivas e com base em recompensas.
Os resultados de Hofstede para a distância hierárquica em Portugal
apresentaram um resultado moderado (63), ainda que mais elevado do que
Taiwan (58) e África do Sul (49), mas ainda longe das Filipinas (94) ou do
México (81).
Da análise das orientações culturais da parte de trabalhadores portugueses
em Maputo (Feijó, 2012) constatou-se a existência de atitudes complexas e
contraditórias. As chefias portuguesas valorizaram o carácter consultivo do

31
32 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

estilo de liderança, ainda que conjugada com atitudes mais dirigistas e


coercivas.
Por um lado, foi evidente uma atitude particularmente autoritária. Essa
atitude foi justificada de diversas formas:
 Pelas características dos trabalhadores locais, alegadamente pouco
confiáveis, desobedientes e pouco activos no trabalho, necessitando
por isso de uma mão forte para serem dirigidos. A atitude mais
dirigista dos trabalhadores locais teria como objectivo a promoção da
disciplina interna e do rendimento profissional.
 Pelo poder económico dos quadros externos. Invariavelmente, os
cidadãos estrangeiros, particularmente aqueles de descendência
europeia, são associados à riqueza, ao sucesso económico e à geração
de emprego (Ribeiro, 1999: 121-122, Serra, 2000: 47-48; Teixeira,
2003, 95-96). A frequente associação de cidadãos de origem europeia à
introdução de novas tecnologias, ao empreendedorismo ou à
organização técnica e administrativa fundamenta as relações
estatutárias entre os actores sociais.
 Pelo seu poder disciplinar. A autoridade do superior apareceu
fortemente reforçada pelo seu poder disciplinar. Da parte das chefias
estrangeiras as ordens são mais vezes acompanhadas de ameaças de
marcação de atrasos, de cortes salariais, de processos disciplinares ou
até de despedimentos, o que reforça a distância da relação entre os
actores sociais. Dos expatriados diz-se que são bastante intolerantes
relativamente a qualquer tipo de falha cometida pelos trabalhadores
locais.
 Pelo nível formação dos trabalhadores expatriados tendencialmente
mais elevado (em termos formais, informais e não formais), que lhes
confere, ao nível de diversos quadros locais, uma autoridade menos
questionável.
 Pelas diferenças somáticas dos trabalhadores. De facto, as relações de
poder e a autoridade nas empresas estrangeiras aparecem fortemente
racializadas (explicadas a partir das diferenças somáticas dos
indivíduos). Aos olhos dos trabalhadores locais menos qualificados, o
facto de um trabalhador ser de descendência europeia confere-lhe, à
partida, uma maior autoridade. Trata-se de uma racialização
(explicação com base em diferenças biológicas) das diferenças sociais
e económicas referidas nos pontos anteriores, que não deixa de poder
ser entendida como uma persistente herança do período colonial.

Contudo, se nos sectores da indústria as relações foram marcadas pelo


carácter dirigista e coercivo das chefias e pela submissão dos
subordinados, já no sector dos serviços ganha destaque um outro tipo de
liderança, caracterizado por um estilo comparativamente mais consultivo e
por uma maior autonomia conferida aos trabalhadores (Feijó, 2012). Neste
sector, os trabalhadores moçambicanos tendem a atribuir às chefias
portuguesas uma maior proximidade hierárquica, o que pode ser
observável através da utilização de processos mais democráticos e
participativos de gestão de recursos humanos, por exemplo reuniões
periódicas de acompanhamento das actividades onde participam os cargos
intermédios. Ainda que o grosso do tempo de palavra seja tendencialmente
ocupado pelo director, os restantes colaboradores são mais frequentemente
convidados a expor o seu ponto de vista.

3.2.2. COLECTIVISMO VS INDIVIDUALISMO


O eixo individualismo-colectivismo, procura representar o grau de
identificação dos actores sociais relativamente aos grupos de pertença,
bem como a respectiva interferência na estruturação de decisões e de
estratégias sociais. Trata-se da predisposição para a autonomia ou para a
conformidade relativamente às normas, aos valores e à influência da
comunidade local, nomeadamente das redes de parentesco e de vizinhança.
Ainda que com um índice de individualismo não tão elevado como o da
Taiwan (17) ou de Hong Kong (25), no estudo de Hofstede (1980: 158),
Portugal regista também scores reduzidos (27), deixando na época antever
uma forte estrutura colectivista.
Tratando-se de populações sobretudo oriundas de contextos urbanos, entre
os portugueses foi evidente uma atitude bem mais individualista em
relação à família, sobretudo ao nível da tomada de decisão de questões do
foro privado. Em inúmeros aspectos do dia-a-dia, relacionados com a vida
conjugal, com a ocupação do espaço doméstico, com organização das
férias ou com a opção migratória é sensível uma maior autonomia do
indivíduo. A condição migratória dos expatriados liberta-os de uma série
de obrigações para com as redes comunitárias, permitindo-lhe a
estruturação de estratégias sociais bem mais independentes e
individualistas.
Contudo Gomes (2004), denota que, sobretudo entre os portugueses mais
antigos em Moçambique, existe uma tentativa de adopção de práticas
paternalistas de gestão de recursos humanos, patentes em atitudes mais
protecionistas dos trabalhadores relacionadas com concessão de vales ou
aceitação de convites de apadrinhamento.

3.2.3. MASCULINIDADE VS FEMININIDADE


O eixo masculinidade vs femininidade não deixa de se estruturar em torno
dos conceitos de orientação para a performance ou orientação para o bem-
estar. A orientação para a performance seria herdeira de uma austeridade
calvinista e está fortemente associada àquilo que nas sociedades
meritocráticas se define por competências de empregabilidade. Uma
atitude dirigida para a performance traduz-se numa orientação para a
tarefa, onde os indivíduos valorizam a eficácia, o esforço, o brio
profissional ou a capacidade inventiva. Por sua vez, uma orientação para o

33
34 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

bem-estar traduz-se numa inclinação para a relação interpessoal e para um


bom ambiente de trabalho. Os indivíduos valorizam preferencialmente a
qualidade de vida, o clima organizacional e as dimensões relacionais.
Regista-se, por isso, uma orientação em relação ao presente, que se
procura usufruir de forma hedonista. A pontualidade tem aqui uma menor
importância e as tarefas não são planeadas com tanto rigor, pois a sua
realização está condicionada pelo tempo que demora, que não se pretende
contrariar.
Os índices de Hofstede demonstram que Portugal (31) apresentou índices
de masculinidade relativamente reduzidos, pelo menos comparativamente
com Taiwan (45) e Hong Kong (58) e, sobretudo, Japão (95) e Áustria
(79).
Em pesquisas realizadas em Maputo (Feijó, 2012), pelo menos por
comparação com os congéneres moçambicanos, os trabalhadores
portugueses foram frequentemente associados à sua orientação para a
performance, nomeadamente pela inclinação para a tarefa, para o esforço e
para o stress no trabalho, em detrimento da relação, do ambiente e do
relaxamento profissional. Nos discursos sobre as chefias portuguesas uma
imagem recorrente relacionou-se com o rigor e com as exigências de
qualidade e de aumento da produtividade. Em todas as empresas
portuguesas analisadas foram identificados mecanismos de registo de
entrada dos trabalhadores. Dos respectivos discursos foi evidente uma
atitude reprovadora da inércia e da improdutividade organizacional,
salientando-se o impacto negativo destes comportamentos ao nível da
gestão da empresa e dos interesses da entidade empregadora. Como
veremos em seguida no capítulo seguinte, a elevada atenção conferida ao
trabalho e à tarefa protagonizada pelas chefias expatriadas não deixa de
colidir com a valorização de diversas questões locais, relacionadas com os
compromissos para com uma família alargada, com problemas de
transporte ou com o maior relaxamento dos trabalhadores locais.
Comparativamente com os moçambicanos, tanto os portugueses como os
chineses são considerados bem mais stressados, impacientes e nervosos. A
atitude irritada do português é muitas vezes ilustrada a partir do carácter
“bojardeiro” da linguagem que utiliza, não só no local de trabalho como
noutras situações do quotidiano. Em diversas conversas informais diversos
moçambicanos consideraram que os portugueses são demasiado sérios,
exigentes e com pouco sentido de humor, sobretudo quando comparados
com as populações locais. A existência de diferentes culturas de trabalho
não deixa de ser geradora de conflitos laborais e de desmotivação de
trabalhadores, o que tende a constituir um factor explicativo do absentismo
ou de índices de rotação profissional.
Contudo, a capacidade técnica e produtiva dos trabalhadores expatriados
não deixou de ser relativizada, sobretudo por parte dos trabalhadores locais
mais qualificados, o que não deixa de traduzir a complexidade destas
relações. Nestas ocasiões relativizou-se, inclusivamente, as próprias
qualificações dos quadros expatriados, criticando-se sobretudo o
eurocentrismo na forma de agir, bem como a inexperiência profissional na
função. De facto, salientou-se que diversos modelos de gestão pensados
em realidades não africanas têm uma aplicabilidade discutível em
Moçambique, problematizando os hábitos de trabalho das populações
locais. Eventuais situações de alegada desigualdade de desempenho foram
explicadas a partir da existência de preconceitos raciais, tanto da parte das
chefias, como da parte dos próprios trabalhadores moçambicanos. Estas
posições de desacreditação do Outro (tanto da parte dos moçambicanos
como dos próprios expatriados) não deverão deixar de ser enquadradas nos
processos de competição pelo acesso a recursos de poder no seio da
organização, inerentes a qualquer contexto profissional.

3.2.4. O CONTROLO DA INCERTEZA


Como foi explicado na unidade anterior, o conceito de controlo da
incerteza traduz o grau de inquietação dos seus cidadãos face a situações
incertas e desconhecidas. Trata-se de um sentimento que se exprime pelo
stress e pela ansiedade, bem como pela necessidade de recuperação de
alguma previsibilidade e de regras (escritas ou não).
Nas análises de Hofstede (1980: 122), Portugal registou os mais elevados
índices de evitamento da incerteza (104), só ultrapassado pela Grécia
(112). Os resultados poderão ser explicados pela forte estrutura burocrática
existente na época no país e nas organizações.
Em pesquisas recentes realizadas em Maputo constatou-se a existência de
orientações complexas e por vezes contraditórias dos empresários e
trabalhadores portugueses. Por um lado, foi evidente a instauração de um
rigoroso e intransigente sistema de controlo dos comportamentos dos
trabalhadores, não só através de complexos processos de verificação dos
procedimentos, mas também da elevada taylorização dos sistemas de
trabalho. A enorme desconfiança das chefias em relação aos subordinados
tem resultado na instalação de complexos sistemas de vigilância. Trata-se
de serviços de segurança privada, da instalação de câmaras de filmar, da
introdução de controladores internos (vulgo “policiamento”) ou da
complexificação dos procedimentos internos na organização relacionados,
por exemplo, com burocráticos e rigorosos sistemas de requisições. Em
caso de furto, as sanções são frequentemente implacáveis. Pelo facto de o
índice de reincidência ser bastante elevado muitos portugueses tendem a
não atribuir uma segunda oportunidade. Esta situação é geradora de
descontentamento e de conflitos entre funcionários moçambicanos, que
salientam a intransigência da entidade empregadora e o carácter brutal,
inflexível e desproporcional das sanções aplicadas, justificando as atitudes
pelos reduzidos salários e pela carestia do nível de vida.
A similaridade da Lei do Trabalho moçambicana em relação à congénere
portuguesa (ao nível de questões como os direitos e deveres das partes, da
suspensão e cessação da relação de trabalho, de relações colectivas de
trabalho ou da segurança social) constituiu um factor facilitador da
integração profissional destes cidadãos no país. Por outro lado, a partilha

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36 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

da mesma língua oficial faz com que a maioria da população portuguesa


utilize estes conceitos sem qualquer estranheza e com conhecimento de
causa. Ao nível da higiene, segurança e saúde no trabalho ou da inspecção
das actividades alimentares, diversos quadros expatriados revelaram estar
habituados, no continente europeu, a uma legislação bem mais rigorosa.
Conscientes da sua visibilidade económica, muitos expatriados preferem
agir legalmente de forma a evitar fiscais mais oportunistas.
Não obstante esse discurso legalista dos empresários portugueses foi
demonstrada uma facilidade de integração num sistema de relações
clientelistas, marcado pelo peculato (apropriação ou desvio de valores ou
de bens por parte de funcionários públicos, sobre os quais tem
responsabilidades em resultado do cargo/função que exerce) e pelo
favoritivismo. Todos os entrevistados demonstraram-se adaptados a
práticas relacionadas com o pagamento de comissões, sobretudo quando o
principal cliente é o Estado ou uma empresa pública. Trata-se de uma
prática que não deixa de estar em continuidade, segundo muitos
entrevistados, com a realidade existente em Portugal, ainda que, segundo
os mesmos, a uma diferente escala.
Esta atitude foi reconhecida pelos trabalhadores moçambicanos, que não
deixaram de realizar diversas denúncias de não cumprimento da legislação
laboral. Apesar de ter sido manifesta a opinião que, por comparação com
as empresas nacionais, as congéneres estrangeiras “cumprem muitas
regras”, sobre os portugueses não deixaram de ter sido enfatizados
diversos episódios de corrupção.

QUADRO SINÓPTICO

Caracterização das orientações culturais portuguesas

Distância Valorização do carácter consultivo do estilo de liderança


hierárquica (sobretudo no sector dos serviços), ainda que conjugada com
atitudes mais dirigistas e coercivas (sobretudo no sector da
indústria).
Motivos de atitudes mais dirigistas:
 Pelo poder económico dos quadros externos.
 Pelo seu poder disciplinar
 Pelo nível de formação.
 Pelas diferenças somáticas e preconceitos culturais.

Individualismo  Tendência individualista dos quadros portugueses,


vs colectivismo sobretudo nos contextos urbanos.
 Mesclada como uma tendência de adopção de práticas
paternalistas ao nível da gestão de recursos humanos.

Masculinidade  Orientação para a performance, nomeadamente pela


vs inclinação para a tarefa, para o esforço e para o stress no
Femininidade trabalho, em detrimento da relação, do ambiente e do
relaxamento profissional
 Frequente rigor nas exigências de qualidade e de aumento
da produtividade e atitude reprovadora da inércia e da
improdutividade organizacional
 carácter “bojardeiro” da linguagem que utiliza, não só no
local de trabalho como noutras situações do quotidiano
 Relativização da capacidade técnica dos trabalhadores
portugueses por parte dos trabalhadores locais mais
qualificados e com mais expectativas profissionais

Evitamento da  Adopção de rigorosos e intransigentes sistemas de controlo


incerteza dos comportamentos dos trabalhadores.
 Facilidade de integração num sistema de relações
clientelistas, marcado pelo peculato e pelo favoritivismo.

EXERCÍCIOS
1. A partir da sua experiência de vida pessoal e profissional e com base
no capítulo anterior reflicta sobre as orientações culturais de
investidores portugueses em Maputo no que respeita aos seguintes
aspectos:
1.1. Distância hierárquica. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 3.2.1)
1.2. Individualismo vs Colectivismo. (Se tiver dúvidas consulte o ponto
3.2.2)
1.3. Masculinidade. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 3.2.3)
1.4. Evitamento da incerteza. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 3.2.4)
2. Compare as orientações culturais referidas no ponto anterior com os
comportamentos dos trabalhadores locais.
3. A partir do que analisou nos dois pontos anteriores identifique os
aspectos mais sensíveis, que potencialmente podem desencadear atritos
em contextos profissionais.
4. Reflicta finalmente sobre as medidas que poderiam ser realizadas para
amenizar atritos profissionais.

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38 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

CAPÍTULO IV – MODELOS DE GESTÃO


MOÇAMBICANOS

OBJECTIVOS ESPECÍFICOS DO CAPÍTULO


Findo este capítulo o estudante deverá ser capaz de:
 Identificar diversos conceitos utilizados na compreensão das culturas
africanas;

 Reflectir sobre as orientações culturais das populações moçambicanas;

 Compreender as mudanças nas orientações culturais moçambicanas.

4.1. CONCEITOS INTRODUTÓRIOS


As análises sobre o desenvolvimento em contextos africanos têm sofrido
variações ao longo dos períodos históricos. Após as independências de
diversos países africanos, as atenções dos analistas do desenvolvimento
centraram-se em questões de política macro-económica e no impacto dos
grandes projectos Estatais, ou na formação e exploração da classe operária
africana. Neste contexto, muitas análises de inspiração marxista
analisavam a empresa como um espaço de exploração da mão-de-obra
africana. Os estudos coordenados por Ruth First no Centro de Estudos
Africanos (1998) da Universidade Eduardo Mondlane sobre a migração de
mão-de-obra moçambicana para as minas da África do Sul, de Jean
Penvenne (1993) sobre os trabalhadores de Lourenço Marques e as
análises de Alpheus Manghezi sobre estratégias de resistência contidas nas
canções de trabalho moçambicanas são um exemplo desta percepção.
Porém, a partir de finais da década de 1990, sobretudo na África do Sul,
surge o conceito de ubuntu, que procura analisar as filosofias de gestão em
contextos africanos. Significando literalmente “pessoa” ou “humanidade”,
o termo zulu Ubuntu tem equivalência em inúmeras regiões da África
Austral, por exemplo no Centro e Sul de Moçambique (Numunhu ou
Munhu em xi-shangane ou Unhu em xi-shona), no Zimbabwe, no
Botswana ou no Lesoto (Broodryk, 2005: 12). O termo Ubuntu tem por
isso uma orientação afrocêntrica e procura representar um código moral e
uma filosofia ancestral africana, assente na valorização da pessoa humana,
na orientação para o respeito e tolerância, para a fraternidade e
solidariedade. Estruturado numa ética comunitária de preservação do
grupo e da família, o Ubuntu procura exprimir aquilo que Durkheim
(1977: 148-153) designou de solidariedade mecânica – típica das
sociedades rurais e caracterizada pela solidariedade horizontal (da parte
das redes comunitárias) e pela coerção social baseada na forte consciência
colectiva), nomeadamente em contextos onde a acção social do Estado é
muito pouco visível. Broodryk (2005: 15-16) considera que a filosofia
Ubuntu traduz-se diariamente na forma tendencialmente relaxada, positiva
e informal de comunicar, no sorriso e na forma empática de cumprimentar,
na família alargada e no tratamento respeitoso dos mais velhos, na
importância conferida aos rituais fúnebres ou na forma familiar de
representar o mundo organizacional.
Estas abordagens sul-africanas aparecem em continuidade com um
conjunto de estudos realizados pela antropologia francesa, que
desencadeou um conjunto de pesquisas em torno daquilo que ficou
designado de sector informal. De facto, o crescimento urbano insustentado
(que caracteriza as grandes metrópoles africanas), os problemas de
desemprego e a precariedade da economia urbana fizeram com que
milhões de africanos procurassem no sector informal uma hipótese de
sobrevivência. É neste contexto que a antropologia do trabalho multiplica
uma série de estudos a propósito do que se designa de:
Economia solidária: trata-se de uma forma de produção, de consumo e de
distribuição de riqueza económica que se centra sobretudo na valorização
do ser humano e não do capital. Para Paul Singer, a finalidade básica da
empresa “não é maximizar lucro mas a quantidade e a qualidade do
trabalho” (Singer, 2002: 4). A economia solidária assenta sobretudo no
associativismo e no cooperativismo. O trabalho é entendido como um
meio de participação e de emancipação do trabalhador, por oposição às
formas consideradas alienantes e assalariadas, próprias das relações de
trabalho capitalista. A economia solidária assenta assim numa perspectiva
de construção de um ambiente socialmente justo e sustentável, nas suas
múltiplas dimensões, nomeadamente na social, económica, política,
ecológica e cultural.
Economia moral: Associado ao conceito de economia solidária, o
conceito de economia moral aparece associado aos conceitos de
reciprocidade e de cooperação característicos das pequenas comunidades,
por oposição à concepção neo-liberal da economia. Nestas economias, os
indivíduos não se relacionam como actores económicos anónimos que se
limitam a comprar e a vender nos mercados, mas como actores inseridos
numa lógica social, assentes nos ideais de justiça e de reciprocidade. O
conceito de economia moral procura exprimir uma economia assente nos
laços de parentesco, em que o estatuto social de cada indivíduo não
resultava tanto da riqueza, mas em questões simbólicas, marcadas pela
posição ocupada nas relações sociais. Apesar de não evitar a existência de
desigualdades e de pobreza, a lógica da economia moral não era tanto a
acumulação material, mas a reprodução e manutenção do sistema social. O
conceito de economia moral tem sido utilizado por recorrência a processos
de socialização da riqueza, privilegiando as necessidades sociais sobre o
lucro dos monopólios. De facto, é em nome destes valores que se
considera que proprietários de terra podem ser expropriados, de forma a
atingir a justiça distributiva. Em Weapons of the Weak (A economia moral
dos camponeses), James Scott (1985) mostra que o sentimento de ameaça

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40 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

aos valores locais – nomeadamente desrespeito às obrigações religiosas, às


normas de reciprocidade (de partilha do valor criado) e ao direito à
subsistência – bem como o sentimento de ameaça por parte da
racionalização dos mercados, leva muitos camponeses a participar em
movimentos de protesto, de cariz revolucionário.
Paternalismo: Émile-Michel Hernandez (1998; 2000) recorre, por sua
vez, ao conceito de paternalismo para caracterizar o modelo de gestão de
recursos humanos que emana deste contexto da economia informal. O
conceito de paternalismo procura demonstrar a transformação das relações
de autoridade e de exploração, orientadas por normas rígidas e pelo lucro,
em relações éticas e afectivas, onde predomina o sentimento de dever para
com um protector. Ao nível da gestão de recursos humanos trata-se de uma
prática que se caracteriza pela disponibilização aos trabalhadores de um
conjunto de benefícios sociais (relacionados por exemplo com a
alimentação, com a habitação, ou até com a escolarização), em troca de
reduzidos índices salariais, que perpetuem a sua dependência em relação à
empresa. Desta forma o empregador paternalista consegue instaurar um
controlo em diversos aspectos da vida dos trabalhadores, neutralizando
assim a emergência de movimentos sindicais. O papel encorajador e
protector das chefias é retribuído pelos funcionários por intermédio de uma
lealdade e dedicação exclusiva à organização. Este tipo de relação é
característica da força dos laços sociais entre os superiores e os
subordinados, pela assunção de direitos e de obrigações recíprocas e da
personalização das relações entre os mesmos (Maricourt, 1996). Ainda que
no continente africano estas práticas de gestão tenham uma forte aceitação
(Hernandez, 1998; 2000), estas práticas não deixam de ser alvo de críticas.
Trata-se, na realidade, de uma forma de legitimar o patronato, melhorando
a sua imagem junto da comunidade envolvente, disfarçando-se por
intermédio de relações afectivas as relações de dominação existentes,
criando-se sentimentos de proximidade. Se no mundo ocidental, o conceito
de paternalismo adquiriu uma concepção claramente negativa, sobretudo
pelo facto de não promover a emancipação e a autonomia dos
colaboradores, perpetuando relações de dependência, já no contexto
económico africano encontra-se um terreno fértil para a manutenção do
sistema paternalista. Por um lado, trata-se de um modelo que se adapta
com maior facilidade a contextos sociais de cariz colectivista, marcados
pela maior importância da família e do grupo. Por outro lado, num sistema
marcado pela debilidade ou ausência do Estado Providência, a empresa
emerge com um espaço protector dos cidadãos, capaz de proporcionar o
mínimo de segurança e de compensar um contexto socialmente precário. A
este modelo de reciprocidade, observável em países em vias de
desenvolvimento, em África ou na Ásia, Maricourt (1996) classifica de
«père protecteur» (pai protector). Neste modelo, o sistema tende a ser
aceite pela maioria dos subordinados, que não só percepcionam a
existência de benefícios mútuos, como contribuem para um clima de maior
consenso e estabilidade social. Comparativamente com Estado, a empresa
proporciona uma maior protecção social ao trabalhador, o que é gerador de
uma maior motivação dos colaboradores.
Economia do afecto: A partir do estudo da resistência à monetarização
em contextos rurais tanzanianos e do papel e importância das redes sociais
nos assuntos económicos, o politólogo sueco Goran Hyden (1985) utilizou
o conceito de “affective economy”. A economia do afecto reporta-se não às
emoções e à afeição entre os indivíduos, mas à função das relações
domésticas (definidas pelo parentesco ou não) e de vizinhança (como a
troca de força de trabalho durante as colheitas), das comunidades
religiosas e de outras redes de apoio na subsistência e sobrevivência dos
indivíduos. O conceito procura exprimir essa lógica de solidariedade
recíproca, promotora de uma comunidade providência, nomeadamente em
contextos onde a acção social do Estado é muito pouco visível. Nas
cidades, as primeiras e segundas gerações de migrantes rurais tenderam a
recriar alguns sistemas de reciprocidade, perpetuando-se relacionamentos e
comportamentos próprios da economia do afecto. É em torno deste quadro
cultural que os indivíduos estruturam estratégias de resposta às
dificuldades quotidianas, através de grupos de entreajuda4 ou de sistemas
de poupança informal5, hoje observáveis em inúmeras cidades africanas.

4.2. CARACTERIZAÇÃO DAS ORIENTAÇÕES CULTURAIS


MOÇAMBICANAS
Realizar uma caracterização das orientações culturais de populações tão
diversas como as moçambicanas – oriundas de vários continentes,
professando diversas crenças, falantes de dezenas de idiomas e portadores
de hábitos tão diversos (rurais e urbanos) constitui um exercício bastante
complexo. De qualquer das formas, apresenta-se em seguida uma síntese
de diversas pesquisas que procuraram aplicar os conceitos de Hofstede a
contextos locais, salientando a necessidade de se interpretarem estes
resultados com as devidas cautelas, sob risco de se cair numa
generalização abusiva.

4
A título de exemplo, o Tsima/Nitimo constitui uma prática através da qual um indivíduo
ou agregado familiar, necessitando de mão-de-obra adicional, convida pessoas da
comunidade, parentes ou não, para o apoiarem na realização de um determinado trabalho.
A tarefa tem como recompensa a oferta de uma refeição conjunta e bebida (alcoólica ou
não), a qual termina numa festa de confraternização entre os participantes (Dava, Low e
Matusse, 1998: 322-325). Note-se que muitas destas práticas não são especificicamente
africanas, podendo-se registar formas similares em diversas zonas do globo, como por
exemplo no mundo rural mediterrâneo.
5
A título de exemplo, em Maputo o xitique constitui uma prática de poupança colectiva
muito popular, que consiste no depósito regular de uma quantia estabelecida de dinheiro,
que é levantada rotativamente por cada um dos membros do grupo. O xitique possibilita a
acumulação de fundos para a aquisição de diversos bens de consumo, como frigoríficos,
televisores, mobiliário ou peças de vestuário.

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42 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

4.2.1. A DISTÂNCIA HIERÁRQUICA


Como explica Terence Jackson (2002), as culturas africanas são
geralmente vistas como tolerantes para com elevados níveis de
desigualdade e de hierarquia social. Este facto tem implicações nas formas
de participação nas organizações e nos estilos de gestão dos recursos
humanos. Em pesquisas anteriores (Gomes, 2004; Feijó, 2010) constatou-
se que as relações laborais em Moçambique são, de uma forma geral,
estruturadas em torno de uma elevada distância hierárquica. Esta
orientação cultural foi evidente em diversos sectores de actividade, mas
com particular destaque para aqueles que empregam massivamente mão-
de-obra pouco escolarizada e liderada de uma forma tendencialmente
autocrática (por exemplo nos sectores da construção civil, da restauração,
da segurança privada). Nas organizações os diversos níveis hierárquicos
apresentaram-se claramente definidos e a comunicação vertical processa-
se, normalmente, de uma forma seca e autoritária, sobretudo quando
realizada para os elementos da base hierárquica (serventes, guardas,
carregadores, etc.). As instruções são muitas vezes processadas de uma
forma directa e imperativa. Contudo, quando comparados com os líderes
estrangeiros, a representação dos líderes moçambicanos (emitidas tanto
por si próprias como pelos respectivos subordinados) é frequentemente
associada à serenidade e à compreensão. A sua autoridade é exercida de
uma forma mais paternalista. Este fenómeno é mais evidente nas
circunstâncias em que os funcionários da empresa foram recrutados no
círculo de relações do empresário, introduzindo-se uma maior
familiaridade na relação laboral, conducente a uma maior harmonia na
empresa. Um outro aspecto indutor de uma maior distância hierárquica
prende-se com a importância conferida à ostentação do poder. O poder
tende a constituir algo de simbolicamente importante. Ou seja, tão ou mais
importante que ter poder, pode ser demonstrar publicamente que se tem
poder (à família, aos vizinhos, aos amigos, etc.), tanto em bens, como em
subordinados, como até em capital cultural (por exemplo ostentando um
título académico).
Comparativamente com líderes oriundos de países Ocidentais, entre os
quadros moçambicanos é mais valorizada a utilização de vocativos como
“Doutor”, “Senhor Director” ou “Patrão” etc., verificando-se também uma
maior reverência ao nível das saudações. Tanto nos estudos de Carlos
Serra (2000), como de Ana Gomes (2004), como de João Feijó (2010), nas
representações que os moçambicanos constroem das suas chefias e classes
empresariais destacam-se, precisamente, as associações à ostentação e à
necessidade de reconhecimento social.
O reduzido valor dos salários permitem que mesmo as pequenas e médias
empresas usufruam de um conjunto de serventes e de pessoal auxiliar que
prestam um variado número de apoios. De acordo com diversos
trabalhadores entrevistados (Feijó, 2010), o “chefismo” (gosto por dar
ordens ostensivamente, delegando o máximo de funções) constitui uma
característica tipicamente moçambicana, alegadamente responsável pela
geração de conflitos e pela deterioração das relações profissionais.
4.2.2. COLECTIVISMO vs INDIVIDUALISMO
A literatura sul-africana sobre as estratégias de gestão locais salientam as
diferenças entre as lógicas comunitárias de gestão locais, por comparação
com as lógicas individualistas das populações Ocidentais. Neste sentido,
muito tem sido escrito sobre o espírito do Ubuntu. Esta literatura assenta
na assunção que as culturas africanas assentam numa propensão para o
colectivismo.
Pesquisas anteriores realizadas em contextos moçambicanos (Gomes,
2004; Feijó, 2010) têm salientado a importância conferida pelos
trabalhadores à harmonia do grupo e às obrigações para com as redes
comunitárias, ainda que tenham sido encontradas referências a situações de
conflito interno na organização.
Apesar de nas grandes cidades do país continuarem a existir evidências de
mudança, a noção de família alargada tem maior presença entre os
trabalhadores moçambicanos. O conceito de família não termina muitas
vezes no agregado familiar – ele próprio bastante numeroso – ou na
primeira linha de parentesco do indivíduo. Como demonstra Thaddeus
Metz (2009: 342) na África sub-sahariana, as relações sociais são
explicadas como se de relações familiares se tratassem. De acordo com
Ana Gomes (2004: 276), essa noção de família não deixa de ser transferida
para a empresa constituindo, inclusive, uma condição para a eficaz
prossecução dos objectivos organizacionais. A empresa é frequentemente
representada como se de uma família se tratasse.
Num contexto de fraca visibilidade do Estado providência, é precisamente
em torno das redes familiares que, na maioria das situações, se estruturam
as estratégias de sobrevivência dos indivíduos. Numa emergência ou numa
situação de desemprego a família e as redes de vizinhança constituem, em
inúmeras situações, a única alternativa viável.
Contudo, na linha de Munyaka e Motlhabi (2009: 79-80), o processo de
urbanização acelerada e de exposição a valores capitalistas nas sociedades
africanas pós-coloniais tem sido responsável pelo desenvolvimento de
atitudes mais individualistas entre as referidas populações. A coexistência
de cenários de pobreza extrema com uma emergente sociedade de
consumo alimenta enormes expectativas de realização e de mobilidade
social, num contexto social crescentemente competitivo. Neste contexto,
os valores alegadamente tradicionais de África – materializados naquilo
que diversos académicos sul-africanos (Mbigi & Maree, 1995; Broodryk,
1995; Munyaka & Motlhabi, 2009; Shutte, 2009; Nussbaum, 2009)
designam de Ubuntu – são bastante relativizados pelos discursos dos
actores entrevistados. Num contexto de fraca consciência de cidadania e de
grande competição pelo acesso a recursos de poder escassos, as estratégias
colectivistas e sociais de sobrevivência são hoje conjugadas com outras de
cariz mais individualista e menos solidário. Num contexto de transição
para a economia de mercado, as relações laborais processam-se assim de

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44 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

uma forma crescentemente híbrida, onde dimensões colectivistas são hoje


conjugadas com novas dimensões individualistas, o que tende a ser motivo
de incompatibilidades e de conflitos entre empregadores e empregados,
independentemente das respectivas nacionalidades. De facto, nos
contextos mais urbanos, marcados pela maior penetração da economia de
mercado e por uma emergente sociedade de consumo, os modelos de
reciprocidade «tradicionalmente» africanos tendem a assumir novas
dimensões e a gerar novas tensões familiares e sociais, muito complexas
de gerir. Importa, por isso, questionar os modelos de reciprocidade
próprios desta lógica do afecto, analisando as tensões sociais inerentes a
estas práticas, que lhes conferem um dinamismo particularmente
complexo.

4.2.3. MASCULINIDADE vs FEMININIDADE


Terence Jackson (2002) associa as orientações culturais de populações de
países africanos a reduzidos níveis de masculinidade e pouca centralidade
do trabalho como valor, conforme o conceito definido por Hofstede.
Contudo, como demonstra Abudu (1986: 34), a diferença entre as atitudes
dos trabalhadores assalariados e o dinamismo evidenciado pelos
empreendedores africanos, sobretudo no contexto informal, exigem uma
análise mais cuidada dos discursos que utilizam a palavra “preguiça”. A
alegada inércia africana pode constituir o resultado de um conjunto de
estratégias de recursos humanos, relacionados com os sistemas de
recompensa ou de motivação dos trabalhadores. De facto, diversos
moçambicanos contrariaram estas imagens construídas sobre si próprios,
destacando os problemas de desmotivação laboral (em resultado dos
baixos salários e incentivos envolvidos) ou de mau ambiente de trabalho
na organização. De acordo com esta perspectiva, a alegada “preguiça”
moçambicana não deixa de constituir uma estratégia de resistência passiva,
num contexto entendido como não meritocrata e socialmente injusto.
Por outro lado, a alegada fraca predisposição para comprometimentos
profissionais, para obrigações rotineiras ou para o cumprimento de
horários não deixa de ser o resultado da necessidade de existência, no
mercado local, de uma mão-de-obra disponível para trabalho ocasional,
relacionado com pequenos projectos de consultoria e de curta duração. As
carências, no mercado local, de mão-de-obra qualificada, leva muitos
consultores a acumularem múltiplos compromissos profissionais,
negligenciando a qualidade do serviço prestado. O alegado desleixo ou
falta de profissionalismo poderá traduzir uma forma pragmática de gestão
do esforço, de forma a rentabilizar o respectivo custo-benefício, que não
deixa de traduzir uma certa insatisfação em relação às recompensas
económicas praticadas.
De qualquer das formas, em pesquisas anteriores constatou-se que,
comparativamente com os trabalhadores estrangeiros, os trabalhadores
moçambicanos são frequentemente associados (quer por si próprios, quer
por parte dos colegas expatriados) a uma maior valorização do bem-estar e
das relações pessoais, em detrimento da performance profissional. Na
linha da filosofia Ubuntu (Mbigi & Maree, 1995; Broodryk, 1995), na
África subsaariana os aspectos relacionais como o clima de trabalho, a
compreensão e o respeito entre trabalhadores são claramente valorizados.
De acordo com diversos entrevistados, este fenómeno é alimentado pelas
características do recrutamento e selecção praticado nas empresas
moçambicanas. O facto de muitos trabalhadores pertencerem aos ciclos de
relacionamento das chefias dilui as fronteiras entre o espaço doméstico e o
espaço de trabalho, tornando as relações profissionais tendencialmente
mais relaxadas. Nestas situações e perante o mau desempenho de um
trabalhador, para um empresário torna-se problemático realizar uma
repreensão ou uma sanção profissional. O local de trabalho constitui um
complexo espaço de relações sociais, cuidadosamente geridas, de forma a
não interferir negativamente nas redes e dinâmicas de relacionamento
familiar. A familiaridade das relações entre os trabalhadores no posto de
trabalho gera alguma confusão entre período de trabalho e período
doméstico. Nestes contextos, as relações de trabalho tornam-se menos
estandardizadas e as obrigações e os direitos dos trabalhadores tendem a
não ser entendidos de forma contratual, pelo menos por comparação com
os padrões ocidentais
Para muitos trabalhadores moçambicanos, os constrangimentos da vida
pessoal e familiar podem constituir justificações perfeitamente plausíveis
para o absentismo ou para a fraca produtividade. Para muitas populações
locais, os constrangimentos da vida familiar não terminam nos vivos, mas
prolongam-se pelos antepassados. De facto, na família alargada africana,
os antepassados são muitas vezes considerados agentes da família, cuja
harmonia não pode ser desconsiderada (Honwana, 2002). Transmitida por
via familiar, muitas tradições continuam a ter uma importância muito forte
entre os quadros moçambicanos, particularmente entre aqueles com
origens rurais. Aquilo que para os trabalhadores locais pode constituir uma
atitude de respeito para com a família e o grupo doméstico, para
trabalhadores estrangeiros pode ser interpretado como um sinal de
irresponsabilidade e de falta de brio profissional. Por sua vez, a
incompreensão da entidade patronal relativamente a uma ausência por
motivo funerário é entendida pelos trabalhadores como uma falta de
respeito para com as tradições locais, gerando ressentimentos e
potenciando conflitos no trabalho.
Ainda que se verifiquem sistemas de verificação, o controlo da
pontualidade e da assiduidade nas empresas moçambicanas é mais
relaxado, pelo menos comparativamente com as empresas chinesas e
portuguesas (Feijó, 2012).
Saliente-se que estas orientações culturais não devem ser entendidas de
uma forma estática, mas dinâmica e modificável. De facto, a
internacionalização das economias e o aumento da competição tende a
aumentar as exigências laborais, o que se repercute num clima
crescentemente tenso no local de trabalho.

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46 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

4.2.4. O EVITAMENTO DA INCERTEZA


Considera-se que as sociedades africanas detêm elevados níveis de
evitamento da incerteza. Visões Ocidentais de gestão da mudança que
implicam um aumento da participação, que funcionam bem em contextos
Ocidentais, podem não resultar da mesma forma em organizações
africanas. De facto, a enorme desconfiança existente entre empregadores e
trabalhadores (em resultado de situações de pequenos roubos ou de
problemas de ética ou cumprimento profissional) traduz-se no aumento
dos processos de controlo e de vigilância dos trabalhadores, de diminuição
da iniciativa ou de aumento dos processos de burocratização. Este
fenómeno é particularmente evidente no carácter rotineiro e repetitivo de
muitas tarefas profissionais, bastante simplificadas e organizadas sob
moldes taylorizados. Trata-se, contudo, de uma atitude que não resulta
necessariamente da cultura nacional das chefias, mas das características de
determinados sectores de actividade. De acordo com os mesmos, o
cumprimento de prazos e de objectivos de produção só são possíveis de
atingir através da taylorização do processo produtivo. Contudo, o
cumprimento das regras não deixou de aparecer bastante flexibilizado,
nomeadamente em aspectos relacionados com os sistemas de
recrutamento, de obtenção de financiamento e condução de negócios em
geral.
Como explica Alain Henry (1991), a compreensão do funcionamento das
empresas africanas, particularmente do sector mais informal, exige a
análise dos laços de proximidade que os dirigentes, chefias intermédias e
restantes trabalhadores estabelecem com a comunidade de origem,
nomeadamente ao nível das redes de parentesco e de sociabilidade. Como
reforça Hernandez (1998: 52-55), os responsáveis das empresas conhecem
pressões sociais muito fortes por parte da família (no sentido mais
alargado do conceito), no sentido de satisfazerem as inúmeras
necessidades de emprego. Numa tentativa de traduzir a influência das
redes de parentesco nos processos de recrutamento dos trabalhadores,
pode-se utilizar o termo “brothismo”. Ou seja, apesar de algumas ofertas
de emprego serem publicadas nos jornais, sobretudo para os postos de
trabalho que exigem maiores qualificações, nos processos de recrutamento
os gestores tendem a dar preferência a familiares, amigos ou a referências
de amigos. O termo brother, frequentemente utilizado como vocativo nas
relações interpessoais (independentemente dos intervenientes serem da
mesma família), exalta a importância da amizade, do afecto e da
proximidade entre os indivíduos, ainda que não deixe de assumir um
carácter utilitário. Desta forma, as lógicas de recrutamento podem incidir
em torno dos seguintes grupos de indivíduos:
 Redes domésticas, na concepção alargada da família e de vizinhança.
 Círculo das confissões religiosas, (Igrejas) de pertença dos
empregadores ou nos campos político (partidos) e associativo.
 Círculos políticos: Como demonstram Fialho Feliciano (1996: 40) ou
Labazée (2009: 97), o sucesso de uma empresa tornou-se
crescentemente condicionado pela existência de contactos e de relações
pessoais com o aparelho de Estado ou da administração local.
Labazée sustenta que a opção pela contratação de elementos do grupo
comunitário se insere numa estratégia orientada para a redução dos
encargos salariais e dos riscos de sindicalização. Num contexto de
desemprego e de precariedade, a família e a comunidade de origem
constituem de facto um reservatório inesgotável de mão-de-obra barata,
com menores riscos de sindicalização (as hipóteses de situações de greve
em empresas familiares são, à partida, mais reduzidas). Se a família (e a
comunidade envolvente em geral) pode ser encarada como um pesado
fardo para o empresário, a mesma família também pode ter uma utilidade
em momentos de crise, demonstrando maior tolerância para com situações
de atrasos salariais ou mais disponibilidade perante urgências laborais.
Por outro lado, o desenvolvimento empresarial, quer ao nível do arranque
inicial, quer nas suas operações de continuidade torna-se, assim, altamente
dependente de apoios familiares, num claro retorno do investimento social
realizado na comunidade (Labazée, 2000: 88). Ou seja, as políticas da
banca privada orientam-se preferencialmente para a concessão de créditos
às empresas que apresentam as melhores garantias de sucesso, o que passa
pela elaboração e submissão de projectos de investimento, estruturados e
formalizados segundo requisitos que não cumprem inúmeros actores da
África Subsahariana. Pela sua própria natureza e fragilidade, muitas micro-
empresas e PME’s, sobretudo aquelas do sector informal, não são
consideradas merecedoras de crédito pela banca privada.
No caso concreto moçambicano, José Fialho Feliciano (1996: 37) constata,
inclusivamente, a importância da família como principal fonte de
financiamento na constituição das suas actividades económicas. A
multiplicação de alianças e de parceiros faz-se numa lógica claramente
clientelista, onde o investimento relacional constitui, na linha do que se
tem referido, uma garantia de sobrevivência num contexto de incerteza e
precariedade. De 19 empresários entrevistados por Fialho Feliciano (1996:
37), 10 referiram ter recebido empréstimos de familiares e amigos, sempre
sem juros. Na banca, a concessão de crédito apresentou-se mais difícil.
Para Feliciano, uma importante fonte de financiamento dos empresários
reside nos contactos interpessoais e nas redes de influências adquiridas,
que os privilegia no acesso a informações e a oportunidades de negócio.
Da análise das fontes de financiamento das empresas pode-se concluir que
a racionalidade da empresa reside em grande parte no respeito para com os
costumes e para com a comunidade. A desconsideração para com os
valores locais pode implicar graves consequências económicas. O estudo
das práticas empresariais sugere, de facto, que a acumulação dos
empresários africanos implica a existência de diferentes locais de
sociabilidade, onde procuram conquistar, em contextos competitivos,
posições de autoridade para fins estritamente económicos. Os laços
comunitários estão no centro de uma economia de “investimentos sociais”,
praticada com mais ou menos habilidade pelos empresários africanos.

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48 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

QUADRO SINÓPTICO

Conceitos introdutórios

Economia  Forma de produção, de consumo e de


solidária: distribuição de riqueza económica que se centra
sobretudo na valorização do ser humano e não do
capital.

Economia moral:  Procura exprimir uma economia assente nos


laços de parentesco, em que o estatuto social de
cada indivíduo não resultava tanto da riqueza,
mas em questões simbólicas, marcadas pela
posição ocupada nas relações sociais
 Associado aos conceitos de reciprocidade e de
cooperação característicos das pequenas
comunidades, por oposição à concepção neo-
liberal da economia.

Paternalismo  Procura demonstrar a transformação das relações


de autoridade e de exploração, orientadas por
normas rígidas e pelo lucro, em relações éticas e
afectivas, onde predomina o sentimento de dever
para com um protector.

Economia do  Reporta-se à função das relações domésticas e de


afecto: vizinhança, das comunidades religiosas e de
outras redes de apoio na subsistência e
sobrevivência dos indivíduos.
 Exprime a lógica de solidariedade recíproca,
promotora de uma comunidade providência,
nomeadamente em contextos onde a acção social
do Estado é muito pouco visível.

Caracterização das orientações culturais moçambicanas

Distância  Tolerância para com elevados níveis de


hierárquica desigualdade e de hierarquia social.
 Comunicação vertical descendente com elementos
da base hierárquica processa-se frequentemente de
forma seca e autoritária.
 Instruções frequentemente processadas de forma
directa e imperativa.
 Autoridade exercida de forma paternalista.
 Elevada ostentação do poder.

Individualismo  Importância da harmonia do grupo e às


vs colectivismo obrigações para com as redes comunitárias.
 Num contexto de transição para a economia de
mercado, as relações laborais processam-se assim
de uma forma crescentemente individualista, o
que tende a ser motivo de incompatibilidades e de
conflitos entre empregadores e empregados.

Masculinidade vs  Frequente importância conferida ao


Femininidade relacionamento e ao bem-estar em detrimento da
performance e do desempenho profissional;
 a alegada inércia não deixa de constituir uma
estratégia de resistência passiva, num contexto
entendido como injusto, ou uma atitude
pragmática num contexto de pouca mão-de-obra
qualificada disponível.
 As estratégias de recrutamento assentes na família
diluem as fronteiras entre espaço doméstico e
espaço de trabalhos.

Evitamento da  Desconfiança entre empregadores e trabalhadores


incerteza traduz-se no e vigilância dos trabalhadores e na
burocratização.
 Realização de negócios com base em redes
clientelistas.
 Valorização do nepotismo nos processos de
recrutamento.

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50 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

EXERCÍCIOS PRÁTICOS

1. À luz do que foi abordado neste capítulo comente o seguinte


provérbio zulu. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 4.1.)
“Umuntu ngumuntu nagabantu” [uma pessoa é uma pessoa por
intermédio de outras pessoas]
2. Reflicta sobre a relevância da adaptação de um modelo paternalista
de gestão às organizações locais. (Se tiver dúvidas consulte o ponto
4.1.)
3. Defina o conceito de economia do afecto e discuta a respectiva
permanência nos contextos urbanos moçambicanos. (Se tiver
dúvidas consulte o ponto 4.1.)
4. Justifique as orientações colectivistas de muitas culturas africanas e
reflicta sobre a manutenção desta tendência. (Se tiver dúvidas
consulte o ponto 4.2.2.)
5. Tendo em consideração a organização onde trabalha, reflicta sobre
a adaptação dos sistemas de gestão implementados às orientações
culturais locais. (Se tiver dúvidas consulte o ponto 4.2.)

SUGESTÕES PARA LEITURA:


 ABUDU, F. (1986). “Work attitudes of Africans”. ISMO 16, pp. 17-36.
 ADLER, Nancy (1993). International Dimensions of Organizational
Behaviour. Belmont: McGill University.
 ANDERSON, Benedict (2005). Comunidades Imaginadas. Lisboa:
Edições 70.
 BROODRYK, Johann (2005). Ubuntu – Management Philosophy.
Randburg: Knowres Publishing.
 CENTRO DE ESTUDOS AFRICANOS (1998) O Mineiro
Moçambicano – estudo sobre a exportação de mão de obra em
Inhambane. Maputo: Imprensa Universitária.
 CROZIER, Michel (1973). The bureaucratic phenomenon. Chicago :
The University of Chicago Press.
 CUCHE, Denys (2004). A noção de cultura nas ciências sociais.
Lisboa: Fim de Século.
 D’IRIBARNE, Philippe (1989). La Logique de l’honneur – gestion des
entreprises et traditions nationales. Paris : Éditions du Seuil.
 D’IRIBARNE, Philippe (1989). Culture et mondialisation. Gérer par-
delà les frontières. Paris: Seuil.
 DOBLER, Gregor (2008).“Solidarity, Xenophobia and Regulation of
Chinese Businesses in Namibia” in Chris Alden, Daniel Large and
Ricardo Soares (Eds.) China Returns to Africa – A Rising Power and a
Continent Embrace. London: Hurst Publishers, pp. 237-255.
 DURKHEIM, Émile (1977). A divisão do trabalho social. Lisboa:
Presença.
 ESTEBAN, Mario (2009). “The Chinese Amigo: Implications for the
Development of Equatorial Guinea” in The China Quarterly, 199, pp.
667–685.
 FEIJÓ, João (2010). “Relações sino-moçambicanas em contexto
organizacional – um estudo de empresas em Maputo” in Carlos Serra
(Dir.). A Construção Social do Outro – perspectivas cruzadas sobre
estrangeiro e moçambicanos. Maputo: Centro de Estudos Africanos da
Universidade Eduardo Mondlane, pp. 245-316.
 FEIJÓ, João (2012) Relações Interculturais em Contexto
Organizacional – estudo comparativo de organizações moçambicanas,
chinesas e portuguesas em Maputo. Dissertação de Doutoramento em
Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: Instituto de Ciências do
Trabalho e da Empresa.
 FELICIANO, José Fialho (1996). “Empresários e memória social:
Percursos em Moçambique 1983/93” in Economia Global e Gestão 2,
pp. 23-44.
 FINURAS Paulo (2011). Gestão Intercultural – Pessoas e Carreiras
na Era da Globalização. Lisboa: Edições Sílabo.
 GOMES, Ana (2004). A lógica do afecto – discussão em torno das
linhas da força da gestão de recursos humanos nas empresas
portuguesas em Moçambique. Dissertação de Doutoramento em
Gestão de Recursos Humanos. Lisboa: Instituto de Ciências do
Trabalho e da Empresa.
 HENRY, Alain (1991). “Vers un modèle du management africain”
Cahiers d’études africaines 124, pp. 447-473.
 HERNANDEZ, Émile-Michel (1998). “La gestion des ressources
humaines dans l’entreprise informelle africaine” in Revue française de
gestion 119, pp. 49-57.
 HERNANDEZ, Émile-Michel (2000). “Afrique: L’actualité du modèle
paternaliste.” in Revue française de gestion, 128, pp. 98-106.
 HOFSTEDE, Geert (1980). Culture Consequences – International
Differences in Work-related values. Newburry Park, California: Sage
Publications.

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52 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

 HONWANA, Alcinda (2002).. Espíritos vivos, tradições modernas:


possessão de espíritos e reintegração social do pós guerra em
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 HYDEN, Goran (1983). No Shortcuts to Progress: African
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University of California Press.
 INSTITUTO NACIONAL DE ESTATÍSTICA (2007) Censo Geral da
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 JACKSON, Terence (2002). International HRM – a cross-cultural
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 LIU, Haifang (2009). “Stepping into Africa: more internationalized or
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Sociological Research – University of Johannesburg, pp. 217-242.
 MAALOUF, Amin (1999). Identidades asesinas. Madrid: Alianza
Editorial.
 MARICOURT, René (1996). “Paternalisme au Japon et en Occident”
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 MBIGI, Lovemore, Maree, Jenny (1995). Ubuntu of African
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 METZ, Thaddeus (2009). “African Moral Theory and Public
Governance –Nepotism, Preferential Hiring and Other Partiality” in
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salaire confisqué.” in Michel Agier, Jean Copans, and Alain Morice
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 NUSSBAUM, Barbara (2009). “Ubuntu and Business – Reflections
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 REDDING, Gordon (1989) The Spirit of Chinese Capitalism. New
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AdLitteram.

SÍTIOS NA INTERNET:
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moçambicanas num contexto de debilidade do Estado Providência"
Comunicação apresentada na II Conferência do IESE “Dinâmicas da
Pobreza e Padrões de Acumulação em Moçambique”, decorrido em
Maputo em 22 e 23 de Abril de 2009, disponível em
http://www.iese.ac.mz/lib/publication/II_conf/CP24_2009_Feijo.pdf,
acedido a 31.05.2012.

53
54 Erro! Utilize o separador Base para aplicar Heading 1 ao texto que pretende que apareça aqui.

 Machado, Rosana (2007). “A ética confucionista e o espírito do


capitalismo: narrativas sobre moral, harmonia e poupança na
condenação do consumo conspícuo entre chineses no ultramar” in
Horizontes Antropológicos, n. 28, pp. 145-174, disponível em
http://www.scielo.br/pdf/ha/v13n28/a07v1328.pdf

OUTROS SÍTIOS DE INTERESSE:


http://geert-hofstede.com/countries.html
http://www.ceibs.edu/execed/index/3352.shtml

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