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ENSINO SUPERIOR

PERCURSO
D
esde 2019, caiu de patamar o número
de estudantes de instituições públi-
cas de ensino superior do Brasil que
conseguem concluir a graduação. Fo-

INTERROMPIDO
ram 251.374 naquele ano, 3% a menos
que no período anterior. A situação
se agravou na pandemia, com a sus-
pensão das atividades presenciais e
atraso na conclusão do ano letivo.
Em 2020, o contingente de formados despencou
Dados do Inep revelam aumento no para 204.174, queda de 18,7% em relação a 2019.
Voltou a subir em 2021, para 219.342, mas ainda
número de estudantes que não conseguem se encontra nos níveis de quase uma década atrás.
Os dados constam do último Censo da Educação
concluir a graduação no Brasil Superior do Instituto Nacional de Estudos e Pes-
quisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério
ILUSTRAÇÃO  Maíra Mendes da Educação, divulgado em novembro de 2022.

PESQUISA FAPESP 324 | 35


As causas do fenômeno são diversas. Com o das Instituições Federais de Ensino Superior,
agravamento da crise econômica, muitos es- divulgada em 2019, indicam que 70,2% dos es-
tudantes viram-se obrigados a trabalhar para tudantes das universidades federais têm renda
poder se manter ou ajudar a família. “Alguns mensal familiar per capita de até um salário
conseguem conciliar emprego e faculdade, ou- mínimo, sendo a renda média de R$ 640. Ain-
tros têm mais dificuldade e acabam deixando da segundo o levantamento, realizado desde
os estudos em segundo plano”, comenta a far- 1996 pelo Fórum Nacional de Pró-reitores de
macologista Soraya Smaili, ex-reitora da Uni- Assuntos Estudantis, vinculado à Associação
versidade Federal de São Paulo (Unifesp). Esse Nacional de Dirigentes das Instituições Federais
movimento, comum em tempos de recessão, de Ensino Superior (Andifes), apenas 4,6% dos
vinha sendo observado nos últimos anos, “mas estudantes têm renda superior a cinco salários
piorou muito com a pandemia”, completa a mínimos per capita.
pesquisadora, que é coordenadora do Centro O aparente abandono dos estudos pode ofus-
de Estudos Universidade, Sociedade e Ciência car outros movimentos. Em sua pesquisa de
(Sou Ciência), força-tarefa de pesquisadores doutorado, defendida em 2021 na Universidade
focada na produção de estudos e debates so- Federal de Minas Gerais (UFMG), o sociólogo
bre políticas públicas de educação superior e Gustavo Bruno de Paula verificou que até 80%
financiamento da ciência no Brasil. dos estudantes que desistiram da graduação
A prorrogação de prazos e a retenção de alunos nas universidades federais entre 2016 e 2017
em decorrência da emergência sanitária também retornaram para o ensino superior. De acordo
tiveram influência. No entanto, para além dos com alguns estudos, não raro esse retorno se dá
efeitos da pandemia, especialistas atribuem a para instituições privadas que ofertam cursos
queda a uma desorganização dos instrumentos a distância.
de manutenção da permanência de estudantes Essa modalidade avança de forma acelerada
economicamente vulneráveis nas universidades desde 2010. Nesse período, o número de novos
públicas, como bolsas e auxílios para despesas alunos aumentou 464,1%, enquanto os cursos
com moradia, alimentação e transporte. “A po- presenciais tiveram queda de 13,9%. Parte des-
lítica de cotas promoveu uma mudança no perfil se crescimento se deve a um decreto publicado
dos estudantes que ingressam na graduação, am- em maio de 2017, no governo de Michel Temer
pliando o acesso de indivíduos de baixa renda, (2016-2018), flexibilizando as regras de ofertas
pretos, pardos e indígenas ao ensino superior no de curso a distância.
Brasil”, comenta a cientista política Elizabeth Elizabeth Balbachevsky reconhece que os cur-
Balbachevsky, professora da Faculdade de Filo- sos a distância podem ser uma alternativa para
sofia, Letras e Ciências Humanas da Universi- muitos daqueles que não conseguiram ingressar
dade de São Paulo (FFLCH-USP). “Esse público ou se firmar no ensino superior público, “mas é
é reconhecidamente mais sensível às variações preciso atentar para a qualidade da formação
das condições econômicas do país, sendo, por- oferecida”, destaca a pesquisadora. “A simples
tanto, o mais afetado pela crise de financiamento obtenção de um diploma em um curso desse tipo

A
da ciência e educação.” não garante que o indivíduo será um profissional
competitivo no mercado de trabalho.”
rubrica “outras despesas correntes” Os dados do Inep revelam outro evento preo-
das 68 universidades federais bra- cupante. Nos últimos cinco anos, as universi-
sileiras despencou 45%, de R$ 8,6 dades públicas brasileiras passaram a registrar
bilhões em 2018 para R$ 4,4 bilhões sucessivas quedas de novos ingressantes. Em
até setembro de 2022, em valores 2017, elas receberam pouco mais de 589 mil no-
corrigidos pela inflação, segundo vos alunos. Em 2021, foram aproximadamente
dados do Sistema Integrado de Pla- 492 mil. O número de participantes do Exame
nejamento e Orçamento do governo Nacional do Ensino Médio (Enem) também caiu
federal. Nessa categoria entram as ininterruptamente desde 2016. Foram pouco
verbas destinadas à compra de material de con- mais de 5,8 milhões de candidatos naquele ano.
sumo e ao pagamento de água, energia, diárias, Em 2021, esse número foi de 2,2 milhões. “O pro-
serviços prestados, além de custeio e assistência blema parece ir além da permanência”, destaca
estudantil. O orçamento do Programa Nacional Smaili. “Muitos estudantes se sentem desmo-
de Assistência Estudantil (Pnaes), usado para o tivados ou pensam ser incapazes de ingressar
fomento de bolsas, auxílio-moradia, transporte, em uma universidade pública tendo como base
alimentação de estudantes das universidades fe- o ensino que receberam na escola e nem sequer
derais, também encolheu 18,3% entre 2019 e 2021. se inscrevem para prestar o exame.” Atualmente,
Dados da última Pesquisa Nacional de Perfil apenas 23% da população brasileira entre 24 e
Socioeconômico e Cultural dos Graduandos 35 anos têm curso superior, enquanto a média

36 | FEVEREIRO DE 2023
tiveram de fazer dois processos seletivos por
ENTRA E SAI NO ENSINO SUPERIOR ano para não deixar vagas ociosas (ver Pesquisa
FAPESP nº 315).
Evolução de novos ingressantes e concluintes Renato Pedrosa, pesquisador associado do
nas universidades públicas do país Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP,
chama a atenção para outro aspecto do problema
NÚMERO DE NOVOS INGRESSANTES que ainda não foi dimensionado. “A pandemia
-12% comprometeu a formação de milhares de es-
em 2021 em
relação ao
tudantes dos ensinos básico e médio nas esco-
700.000
valor de 2019 las públicas, muitos dos quais, provavelmente,
589.586 580.936 buscarão os sistemas de cotas para entrar na
559.293
527.006 universidade pública”, ele diz. “É verdade que
492.141 a experiência acumulada com cotas e outras
ações afirmativas no país dissipou os temores
de que haveria uma queda drástica no nível dos
estudantes e na qualidade do ensino, mas ain-
da não sabemos qual a extensão do impacto da
pandemia na formação dos jovens de ensino
médio das escolas públicas. Meu temor é que
isso comprometa o desempenho daqueles que
pretendem ingressar em cursos historicamente
0 com altos níveis de evasão, como os bacharela-

O
2017 2018 2019 2020 2021 dos de ciências exatas e engenharias.”

s cursos de licenciatura na área de


NÚMERO DE CONCLUINTES exatas, tradicionalmente de baixa
-12,7% demanda, também merecem atenção
em 2021 em
relação ao
especial, segundo ele. “São cursos
300.000
valor de 2019 complicados, com muito cálculo,
259.302 matemática e física, disciplinas que
251.793 251.374
exigem sólida formação de base dos
219.342
204.174 estudantes, e sabemos que os resul-
tados em matemática nas avaliações
do final do ensino médio já mostravam sérias
deficiências antes da pandemia”, diz Pedrosa.
A maioria das universidades brasileiras busca
oferecer condições econômicas que assegurem
a permanência dos estudantes. No entanto, na
avaliação de Pedrosa, além do apoio financeiro,
elas precisarão investir mais em auxiliá-los em
0
suas dificuldades acadêmicas, na forma de apoio
2017 2018 2019 2020 2021 pedagógico e psicológico.
A USP se deu conta desse problema no re-
FONTE  INEP –  CENSO DA EDUCAÇÃO SUPERIOR torno das atividades presenciais. “Muitos es-
tudantes estavam indo para seu terceiro ano
de graduação, mas ainda não haviam pisado no
dos países da Organização para a Cooperação e campus da universidade”, observa Aluísio Se-
INFOGRÁFICOS  ALEXANDRE AFFONSO / REVISTA PESQUISA FAPESP

Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 47%. gurado, pró-reitor de Graduação da USP. Para


É esperado que esse fenômeno tenha implica- auxiliar na adaptação, a instituição lançou no iní-
ções importantes na formação de novos pesqui- cio de 2022 um programa de tutoria acadêmica,
sadores. Na Universidade Estadual de Campinas com bolsas para estudantes de pós-graduação
(Unicamp), por exemplo, os processos de seleção e pesquisadores em estágio de pós-doutorado.
de mestrado e doutorado vêm apresentando pro- O objetivo é que eles auxiliem estudantes em
cura limitada, indicando um possível processo diferentes períodos da graduação e também no-
de afastamento de profissionais dos programas vos ingressantes em atividades de reforço para
de pós-graduação. A Universidade Federal de acompanhamento das disciplinas. “Estamos
Pernambuco (UFPE) também registrou redu- agora trabalhando para que esse programa se
ção na demanda, sobretudo nas áreas de enge- torne permanente”, afirma. n
nharias e ciências da saúde. Vários programas Rodrigo de Oliveira Andrade

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