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46º ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

Seminários Temáticos (STs) - Virtual. ST27: Relações raciais: desigualdades,


identidades e políticas públicas.

DESIGUALDADE VERSUS PROBABILIDADE:


impacto das desigualdades de origem e da pandemia da Covid-19 sobre os cotistas
no processo seletivo por sorteio de vagas do IFF Campus Campos Centro

Luciana Machado-Costa
Universidade de São Paulo / Instituto Federal Fluminense
costa.luciana@usp.br

Marcelo Peçanha Sarmento


Instituto Federal Fluminense
msarmento@iff.edu.br
1

DESIGUALDADE VERSUS PROBABILIDADE:


impacto das desigualdades de origem e da pandemia da Covid-19 sobre os cotistas
no processo seletivo por sorteio de vagas do IFF Campus Campos Centro

Luciana Machado-Costa1
Marcelo Peçanha Sarmento2

ST-Virtual 27 – Relações raciais: desigualdades, identidades e políticas públicas.

Resumo
Esta pesquisa buscou investigar se a pandemia da COVID-19 teve impactos sobre a política
pública de cotas para acesso à educação profissional nos Cursos Técnicos Integrados do
campus Campos Centro do IFF. No processo seletivo de 2021 não foi cobrada taxa de
inscrição e foi adotado o sistema de sorteio público eletrônico para o ingresso de estudantes
em substituição à prova de conhecimentos específicos do ensino fundamental (Matemática,
Língua Portuguesa, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza) aplicada nos anos
anteriores. A proporção de reserva de vagas e os critérios determinados pela Lei
12.711/2012 (Lei de Cotas) foram mantidos. Dadas as probabilidades estatísticas, mantidas
as proporções de inscritos dos anos anteriores entre ampla concorrência e cotas, o
preenchimento das vagas deveria ser mantido. Uma alteração sobre os dois grupos
indicaria um efeito da pandemia. E uma alteração maior sobre um dos grupos indicaria que
a pandemia teve efeito diferenciado entre ambos. Há pouca pesquisa que aborde os
impactos da pandemia na política de cotas como mecanismo de acesso à educação
profissional. Nesta pesquisa exploratória, a partir do estudo de caso dos candidatos e dos
ingressantes, nos processos seletivos de 2013 a 2021 apontou efeitos negativos do período
pandêmico sobre a eficácia da política pública de cotas no acesso à educação profissional
de nível médio. O número total de candidatos para as vagas da ampla concorrência e das
cotas reduziu, mas manteve a frequência relativa dos anos anteriores. Já na etapa de
matrícula evidenciou-se uma desigualdade inédita na série histórica e a taxa de sucesso da
política de cotas caiu de 96,8% (2013-2020) para 32,7% (2021).

Palavras-chave: ensino médio integrado; cotas; exclusão digital; desigualdade de


oportunidades.

1
Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF).
2
Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades (UCAM-Campos dos Goytacazes). Docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). Diretor de Gestão Acadêmica e
Políticas de Acesso do IFF.
2

INTRODUÇÃO

A difusão do coronavírus Covid-19 em 2020 mudou radicalmente o cenário


econômico, cultural e social das diversas nações atingidas, direta ou indiretamente, pela
pandemia. Rapidamente as possibilidades de precarização do trabalho e acirramento das
desigualdades em inúmeras dimensões e escalas se concretizaram (ANTUNES, 2022;
NERI, 2021; ORGANIZAÇÃO…, 2021; MATHIAS; SARAIVA, 2020). Dentre elas, as
desigualdades educacionais.
No Brasil, a suspensão do ensino presencial e a subsequente adoção do denominado
“ensino remoto” implicou na reorganização dos calendários letivos, compeliu a uma
acelerada adaptação pedagógica e metodológica e demandou a inclusão digital de
estudantes e docentes. A desigualdade e precariedade dessas ações foram elementos que
ganharam visibilidade e lugar central na discussão da garantia constitucional do acesso à
educação em “igualdade de condições para o acesso e permanência na escola” (BRASIL,
1988, art. 206, inciso I).
Uma importante política paras as condições de igualdade no acesso ao ensino
superior e à educação profissional de nível médio são as cotas que, no âmbito das
instituições federais de ensino, foram garantidas pela Lei 12.711, de 19 de agosto de 2012
(BRASIL, 2012), após um longo processo de luta do movimento negro (FERES JÚNIOR
et al, 2018). Embora algumas universidades já houvessem introduzido sistemas de cotas
ou bônus com critérios socioeconômicos e/ou étnico-raciais em período anterior à Lei de
Cotas (FERES JÚNIOR et al, 2018), no Instituto Federal de Educação, Ciência e
Tecnologia Fluminense (IFF)3 as cotas foram introduzidas por força da lei federal e
garantidas nos editais de processo seletivo de 2013 em diante. A partir de então, também
a Educação Básica, e não apenas o ensino superior, passou a contar com as cotas no acesso
para a educação profissional de nível médico. Dentre os tipos de oferta de cursos técnicos
com acesso por cotas está o ensino médio integrado (EMI), objeto da pesquisa exploratória
deste artigo.

3
O IFF tem sede no município de Campos dos Goytacazes, no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Seus
campi estão espalhados pelas mesorregiões Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Lagos e
Metropolitana IV. Atualmente conta com 8 campi e 4 campi avançados. Segundo os dados de 2019, a
instituição possuía 21.144 estudantes matriculados entre cursos de nível médio (Educação Básica),
bacharelados, licenciaturas e pós-graduações lato e stricto sensu (IFF, 2021a). O campus analisado neste
artigo (Campos Centro) está situado no município de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
3

Entre 2013 e 2020 foram ofertadas 2.520 vagas para cursos do EMI no campus
Campos Centro do IFF, para as quais concorreram 19.163 candidatos. Dentre estes, 6.873
(35,9%) eram candidatos às cotas, que correspondiam a metade das vagas ofertadas e
reservadas (1.260) para os estudantes que se enquadrassem nos critérios estabelecidos pela
Lei de Cotas. Foram 1.220 estudantes selecionados e matriculados pelas cotas, ou seja,
48,4% do total de vagas ou 96,8% das vagas reservadas. Devido ao modelo adotado nos
processos seletivos do IFF, outros 113 candidatos às cotas foram matriculados entre 2013
e 2020 pela ampla concorrência (AC) por terem alcançado nota no processo seletivo
superior à nota de corte dos candidatos da AC. Se for considerado o tipo de inscrição do
candidato, e não o tipo de matrícula, chegar-se-ia a um total de 1.338 estudantes de “perfil
cotista”4 que ingressaram nos cursos do EMI entre 2013 e 2020, independentemente do
tipo de matrícula, alcançando-se um percentual de 53,1% do total de vagas. Ou seja, o
mecanismo adotado pelo IFF permitiu que as vagas para os cotistas fossem ocupadas por
quem realmente delas precisava, ou seja, estudantes egressos de escolas que não
conseguiriam ingressar na instituição se não houvesse a política de cotas. Ao mesmo
tempo, evidencia-se quantos estudantes egressos da rede pública conseguiriam acessar a
educação profissional da rede federal sem a política de cotas: apenas 113 alunos em 8 anos.
Até o processo seletivo de 2020 o ingresso de estudantes aos cursos técnicos do
EMI se deu por prova classificatória e eliminatória de conhecimentos específicos do ensino
fundamental (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da
Natureza), com cobrança de taxa de inscrição e possibilidade de solicitação de isenção para
o candidato que estivesse inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal (CadÚnico). Cada campus do IFF adota uma nota de corte eliminatória diferente.
No caso dos cursos do EMI do campus Campos Centro todos os candidatos com nota
inferior a 30% (12 pontos) do valor total (40 pontos) da prova eram desclassificados do
processo seletivo. No ano de 20215, devido à crise de saúde pública, o processo seletivo
(IFF, 2021a) se tornou apenas classificatório e se deu por sorteio público eletrônico,
mantendo-se a proporcionalidade de reserva de vagas nos termos da Lei de Cotas.

4
Considera-se como de “perfil cotista” o somatório de estudantes matriculados pela ampla concorrência e
pelas cotas que se inscreveram no processo seletivo como candidatos às cotas.
5
O processo seletivo de 2021 foi o primeiro realizado durante a pandemia, já que a seleção para ingresso no
ano letivo de 2020 ocorreu em 2019.
4

1 DESIGUALDADE VERSUS PROBABILIDADE

Pela teoria da probabilidade, que estuda a quantificação da aleatoriedade e incerteza


de eventos da natureza, haveria uma grande possibilidade de estudantes oriundos do ensino
fundamental das redes públicas, maioria dos matriculados no Brasil6, se inscreverem no
processo seletivo e ocuparem a maior parte das vagas para os cursos do EMI, já que o
processo se daria por sorteio e sem a cobrança de taxa de inscrição. Este efeito poderia ser
potencializado pelo aumento do número de candidatos estimulados pela ausência de prova
de seleção, assim como pela gratuidade na inscrição. Caso essas possibilidades se
confirmassem, apesar dos reveses da pandemia, seria possível avançar na democratização
do acesso dos estudantes oriundos das classes trabalhadoras à educação profissional de
nível médio.
Essa probabilidade, entretanto, como a pesquisa irá demonstrar, deve ser cotejada
com os processos históricos que constituíram a sociedade brasileira e suas desigualdades.
Se a história da humanidade é a história de sua capacidade crescente de dominar as
forças da natureza por meio do trabalho, da tecnologia (que ele produz pelo trabalho) e das
relações sociais de produção (HOBSBAWM, 2004), a educação profissional se configura
como elemento relevante para a mudança histórica por seu potencial de construir novos
consensos no âmbito da sociedade (GRAMSCI, 2001).
O colonialismo, o patriarcado e a escravidão construíram um consenso hegemônico
(GRAMSCI, 2007) de naturalização das desigualdades, que são interseccionais
(COLLINS; BILGE, 2021), e deixaram uma herança de difícil superação no Brasil.
[…] a escravidão deixou marcas muito profundas no imaginário e nas práticas
sociais posteriores, operando como uma espécie de lastro do qual as gerações
sucessivas tiveram grande dificuldade de se livrar. Em torno dela construiu-se
uma ética do trabalho degradado, uma imagem depreciativa do povo, ou do
elemento nacional, uma indiferença moral das elites em relação às carências da
maioria, e uma hierarquia social de grande rigidez e vazada por enormes
desigualdades. Esse conjunto multidimensional de heranças conformou a
sociabilidade capitalista entre nós, ou o ambiente sociológico que acolheu o
trabalho livre no final do século XIX e início do XX, oferecendo-lhe parâmetros
mais gerais de reprodução e apresentando grande resistência à mudança,
sobretudo (mas não apenas) no mundo agrário. (CARDOSO, 2019, p. 35).

6
A pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para o Censo
Escolar de 2020 apontou a concentração de 84,4% das matrículas dos anos finais do ensino fundamental
nas redes municipais e estaduais (INEP, 2021).
5

Essas heranças também estão presentes na educação brasileira, na forma dual como
ela foi construída, onde tradicionalmente a educação profissional, voltada para este povo
de “imagem depreciativa”, objetivava a reprodução da divisão social do trabalho.
No Brasil, o dualismo se enraíza em toda a sociedade através de séculos de
escravismo e discriminação do trabalho manual. Na educação, apenas quase na
metade do século XX, o analfabetismo se coloca como objeto de políticas de
Estado. Mas seu pano de fundo é sempre a educação geral para as elites
dirigentes e a preparação para o trabalho para os órfãos, os desamparados.
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 31)

Apesar do Brasil ter apresentado avanços na mobilidade intergeracional de


educação, “reduzindo sensivelmente, em menos de 20 anos, a desigualdade de
oportunidades educacionais” (DUQUE, 2020, p. 48), eles se concentraram na etapa do
ensino fundamental, demandando mais políticas voltadas para a universalização do acesso
e conclusão do ensino médio, última etapa da educação básica. Essa necessidade é
ampliada pela transição demográfica brasileira (ALVES, 2020), que aumentou a população
na faixa etária do Ensino Médio, mas ameaçada pelo dualismo estrutural de nossa
educação. Dualismo que é perpetuado por reformas do Ensino Médio, como a recente Lei
13.415, de 16 de fevereiro de 2017 (BRASIL, 2017) focadas em competências “para o
mercado” (CÁSSIO, 2019) num Brasil marcado, historicamente, pelo predomínio do
trabalho informal e precário e num contexto internacional de piora destas condições; uma
piora acelerada pela pandemia da Covid-19 (ANTUNES, 2022).
O fortalecimento da educação profissional na modalidade do ensino médio
integrado, pela sua perspectiva filosófica e pedagógica, se coloca como uma importante
política educacional voltada para a promoção da emancipação do homem, para a
compreensão e atuação nas relações sociais de um mundo do trabalho complexo e para a
autonomia intelectual. Uma formação na perspectiva da politecnia omnilateral, ou de
escola unitária para todos, como preferem outros pesquisadores com base em Gramsci
(NOSELLA, 2016). Neste sentido, a política de cotas para o acesso ao EMI se torna
essencial. E a eficácia sinérgica das duas políticas potencializa a busca pela justiça social.
A pandemia da Covid-19, com seus reflexos na mudança do processo seletivo do
IFF, poderia ter impacto positivo nessas políticas. Mas o peso das heranças históricas
poderia se sobrepor. Se houve bastante debate sobre o impacto da pandemia no
desempenho dos estudantes e na evasão escolar, ou mesmo no acesso ao ensino superior
pela redução de inscritos para as provas do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM),
6

ainda não foi possível encontrar pesquisas que abordem os efeitos da pandemia na política
de cotas como mecanismo de acesso à educação profissional.
Na análise desses efeitos, dada a conjunção entre a pandemia e as desigualdades
estruturais da sociedade brasileira, a exclusão digital, seja pelo acesso aos equipamentos e
à internet, seja pelo letramento digital, ganha destaque como mais uma desigualdade a se
interseccionar com aquelas já amplamente debatidas no Brasil.
A mudança no processo seletivo para os cursos do EMI do IFF em 2021, não apenas
na forma de seleção e classificação, mas também na forma de matrícula, que passou a se
dar exclusivamente por meios digitais, dá relevância ao problema da exclusão digital como
elemento potencializador de outras desigualdades no acesso à educação. Especialmente
considerando os documentos necessários para os estudantes ingressantes pelas cotas
comprovarem o cumprimento dos critérios legais e que podem agregar maior
complexidade ao processo de matrícula.
A exclusão digital, de acesso ou letramento (BONILLA; OLIVEIRA, 2011), é um
elemento intrínseco às desigualdades de origem, especialmente para estudantes tão jovens
como aqueles que ingressam no EMI e que vêm de um percurso regular no Ensino
Fundamental. A desigual distribuição de recursos familiares, seja de capital social, cultural
ou econômico deve ser considerada ao analisar os possíveis efeitos da pandemia sobre a
política afirmativa de cotas no acesso ao EMI. Falar em geração “nativa digital”, tendo por
critério apenas a idade, é desconsiderar os processos históricos de cada país, a realidade
socioeconômica e cultural e a regionalidade e como eles impactam na igual/desigual
oportunidade de ensino (CARVALHAES; SENKEVICS; RIBEIRO, 2022; KNOPP, 2017;
HASENBALG, 2003). Pobreza, racismo, sexismo e exclusão digital são coisas distintas
para o Norte ou para o Sul Global, para o Nordeste ou o Sudeste do Brasil, para regiões
metropolitanas ou regiões periféricas (COSTA, 2011).
Por outro lado, a adoção de processo seletivo por sorteio poderia atuar no sentido
contrário ao das desigualdades de origem, dadas as probabilidades estatísticas, além de
estimular a candidatura de estudantes que, normalmente, se autoexcluiriam do processo
seletivo por receio de não ser aprovado nas provas ou seriam excluídos por falta de
condições financeiras para pagar a taxa de inscrição.
Para avaliar o peso das desigualdades de origem em relação à probabilidade
estatística na eficácia da política de cotas para acesso ao EMI, no contexto da pandemia da
Covid-19 e das mudanças por ela ensejadas no processo seletivo de 2021, será analisada a
7

evolução do número de candidatos e de estudantes matriculados pelas cotas nos processos


seletivos do IFF entre 2013 e 2021.

2 METODOLOGIA

Esta pesquisa é exploratória e trata de estudo de caso dos estudantes ingressantes


nos cursos do EMI em Automação Industrial, Edificações, Eletrotécnica, Informática e
Mecânica do IFF Campus Campos Centro nos processos seletivos de 2013 a 2021.
Dadas as probabilidades estatísticas, mantidas as proporções de inscritos dos anos
anteriores entre ampla concorrência e cotas, no mínimo, o percentual de preenchimento
das vagas por estudantes cotistas deveria ser mantido. Uma alteração sobre os dois grupos
indicaria um efeito da pandemia. E uma alteração maior sobre um dos grupos indicaria que
a pandemia teve efeito desigual entre eles. Para tanto, será avaliada a evolução da política
de cotas no acesso ao EMI do IFF entre 2013 e 2021.
Os dados primários de matrículas foram obtidos através do sistema acadêmico
institucional e os dados dos candidatos foram extraídos do portal de inscrições7 do IFF.
Os critérios previstos para as cotas nos editais de processo seletivo de 2013 a 2017
(IFF, 2012; IFF, 2013; IFF, 2014; IFF, 2015; IFF, 2016) foram os descritos no Quadro 1,
reservando-se 50% das vagas ofertadas, por curso e turno, para os estudantes cotistas.

Quadro 1 - Tipos de cotas previstos para alunos ingressantes no EMI do IF


Fluminense no processo seletivo de 2013 e 2017
COTA 1 COTA 2 COTA 3 COTA 4
Destinada a candidatos que Destinada a candidatos
Destinada a candidatos
cursaram todo o ensino que cursaram todo o Destinada a
que cursaram todo o
fundamental em escola ensino fundamental em candidatos que
ensino fundamental em
pública, que possuam escola pública e que cursaram todo o
escola pública e que se
comprovadamente renda possuam ensino fundamental
autodeclaram pretos,
per capita menor ou igual comprovadamente em escola pública,
pardos ou indígenas,
a 1,5 salário-mínimo e que renda per capita menor independentemente
independentemente da
se autodeclaram pretos, ou igual a 1,5 salário- da renda.
renda.
pardos ou indígenas. mínimo.
Fonte: elaboração própria, 2022.

7
Dados fornecidos pela Diretoria de Gestão Acadêmica e Políticas de Acesso da Pró-Reitoria de Ensino.
8

A partir do edital do processo seletivo de 20188 (IFF, 2017), após a modificação da


Lei de Cotas (BRASIL, 2012) pela Lei 13.409, de 28 de dezembro de 2016 (BRASIL,
2016), que incluiu as pessoas com deficiência (PcD), os tipos de cotas e respectivos
critérios passaram a ser aqueles previstos no Quadro 1 acrescidos dos descritos no Quadro
2, gerando oito tipos de cotas com diferentes critérios. Conforme a legislação, o único
critério comum a todos os estudantes cotistas é a obrigatoriedade de ter cursado
integralmente o ensino fundamental em escolas da rede pública.

Quadro 2 – Cotas introduzidas pela Lei 13.409/2016


PcD 1 PcD 2 PcD 3 PcD 4
Destinada a Destinada a
Destinada a candidatos PcD que candidatos PcD que candidatos PcD que
Destinada a
cursaram todo o ensino cursaram todo o cursaram todo o
candidatos PcD que
fundamental em escola pública, ensino fundamental ensino fundamental
cursaram todo o
que possuam comprovadamente em escola pública e em escola pública e
ensino fundamental
renda per capita menor ou igual que possuam que se autodeclaram
em escola pública,
a 1,5 salário-mínimo e que se comprovadamente pretos, pardos ou
independentemente
autodeclaram pretos, pardos ou renda per capita indígenas,
da renda.
indígenas. menor ou igual a 1,5 independentemente
salário-mínimo. da renda.
Fonte: elaboração própria, 2022.

A inclusão das cotas PcD a partir da Lei de 2016 (BRASIL, 2016) não acarretou
aumento no percentual de vagas reservadas, apenas redistribuindo-se parte delas das cotas
1 a 4 para as novas cotas PcD, como observado no Quadro 3.

8
Os editais de processo seletivo são lançados nos anos anteriores àquele de ingresso. Quando a Lei 13.409
foi publicada em dezembro de 2016 o edital de seleção para 2017 (Edital nº 166, de 06/09/2016) já havia
sido publicado e a lista de candidatos inscritos já havia sido homologada. Desta forma, as cotas para pessoas
com deficiência só foram incluídas no edital lançado em 2017 (Edital nº 179, de 04/09/2017) para ingresso
no ano letivo de 2018.
9

Quadro 3 – Evolução da distribuição das vagas por tipos de cotas para os cursos do
EMI do IFF campus Campos Centro
Vagas reservadas
Total de
Ano do Ano de % vagas
vagas
Edital ingresso reservadas

Cota 1

Cota 2

Cota 3

Cota 4

PcD 1

PcD 2

PcD 3

PcD 4
ofertadas

2012 2013 280 50 40 30 40 30 0 0 0 0


2013 2014 320 50 45 35 45 35 0 0 0 0
2014 2015 320 50 45 35 45 35 0 0 0 0
2015 2016 320 50 45 35 45 35 0 0 0 0
2016 2017 320 50 45 35 45 35 0 0 0 0
2017 2018 320 50 32 29 32 29 11 8 11 8
2018 2019 320 50 32 29 32 29 11 8 11 8
2019 2020 320 50 32 29 32 29 11 8 11 8
2021 2021 300 50 30 27 30 27 11 7 11 7
Total 2820 50 346 284 346 284 44 31 44 31
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos editais de processo seletivo.

Para permitir a comparação da evolução histórica da política de cotas no acesso


antes e depois da Lei 13.409/2016 (BRASIL, 2016), considerando a manutenção dos
percentuais de vagas reservadas, as cotas serão agregadas pelos critérios socioeconômicos
e étnico-raciais, conforme o Quadro 4.

Quadro 4 – Metodologia de agregação das cotas para análise da evolução histórica de


2013 a 2021
EEP + RFP + PPI EEP + RFP EEP + PPI EEP
Cota 1 + PcD 1 Cota 2 + PcD 2 Cota 3 + PcD 3 Cota 4 + PcD 4
Fonte: elaboração própria, 2022.
Nota: EEP = Egresso de Escola Pública; RFP = Renda familiar per capita menor ou igual a 1,5 salário
mínimo; PPI = Pretos, Pardos e Indígenas; PcD = Pessoa com Deficiência.

A medida se justifica metodologicamente e empiricamente, já que a ocupação das


vagas pelas cotas PcD foi historicamente baixa9, sendo as vagas ociosas destas cotas
revertidas para preenchimento pelos candidatos às Cotas 1 a 4, em ordem de prioridade: i)

9
Entre 2013 e 2021 houve 1 (uma) única matrícula, na cota PcD 2, com ingresso em 2018.
10

candidatos egressos da rede pública que atendem ao critério de renda e étnico-racial; ii)
candidatos egressos da rede pública que atendem ao critério de renda; e iii) candidatos
egressos da rede pública que atendem ao critério étnico-racial, conforme norma dos editais
de processo seletivo (IFF, 2017; IFF, 2018; IFF, 2019; IFF, 2021a). Em caso de não
preenchimento das vagas reservadas, não havendo mais candidatos cotistas a serem
chamados, as vagas são revertidas para a ampla concorrência.
A análise dos dados e a geração de gráficos foi realizada com o uso do R, um
software livre, com código aberto e linguagem acessível, que garante transparência no
tratamento dos dados e reprodutibilidade da pesquisa.

3 RESULTADOS E DISCUSSÃO

Pelo edital do processo seletivo de 2021 (IFF, 2021a) cada candidato recebeu um
número para sorteio dado pelo Sistema de Inscrições do IFF após o término das inscrições.
Todos os números foram sorteados e classificados conforme a ordem do sorteio público
eletrônico numa lista única, pois no IFF os candidatos às cotas também concorrem a ampla
concorrência. Neste caso, a ordem de sorteio funciona como uma nota, onde a nota mais
alta equivale ao primeiro sorteado.
Na ampla concorrência (AC), a chamada das reclassificações segue a ordem da lista
única. Na concorrência pelas cotas, é chamado o próximo da lista única desde que ele tenha
se inscrito para algum dos oito tipos de cotas. A primeira convocação chamou para a
matrícula os primeiros classificados conforme o número de vagas para cada concorrência
(ampla ou cotas). Os candidatos às cotas que apresentaram os devidos documentos
comprobatórios foram matriculados pelas respectivas cotas. Já o candidato cotista que não
foi matriculado por não comprovar a condição ou não encaminhar nenhum documento,
continuou a concorrer nas vagas destinadas à AC, podendo ser convocado para ocupar essa
vaga.
Apesar do ineditismo do sorteio das vagas do EMI no processo seletivo do IFF de
2021 (IFF, 2021a), este mecanismo em que o candidato que concorre às cotas também
concorre às vagas da ampla concorrência já havia sido adotado em todos os editais
anteriores (IFF, 2012; IFF, 2013; IFF, 2014; IFF, 2015; IFF, 2016; IFF, 2017; IFF, 2018;
IFF, 2019).
11

Nos processos seletivos de 2013 a 2020 o candidato inscrito para as cotas que
obtivesse nota na prova de ingresso superior a um candidato que concorria exclusivamente
pela AC poderia ser convocado e matriculado pela ampla, o que se aplica tanto aos
convocados para matrícula pelo edital de homologação do resultado final quanto às
convocações das reclassificações. Desta forma, seria possível que estudantes com perfil
cotista, ou seja, inscritos para concorrer às cotas e matriculados no IFF (em vaga da AC ou
das cotas), ocupassem mais de 50% das vagas dos cursos do EMI quando considerado o
somatório dos candidatos cotistas matriculados, independentemente do tipo de vaga. O
edital de 2021 manteve o mesmo sistema, com a ordem de sorteio substituindo as notas.
Entre 2013 e 2020 os cotistas aproximaram-se do preenchimento de 50% do total
de vagas ofertadas, chegando a este resultado nos anos de 2015 e 2018, como observa-se
no Gráfico 1. A expectativa para o processo seletivo de 2021 era de manutenção desta
tendência ou, possivelmente, ampliação do número de estudantes matriculados pelas cotas
nos cursos do EMI, dado o processo seletivo por sorteio.

Gráfico 1 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de ingresso nos processos seletivos
nos cursos do EMI do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico do IFF.
12

O Gráfico 1, porém, contrariou as expectativas e mostrou uma inflexão na


tendência da série histórica, com as matrículas pela AC se ampliando e chegando a 81,5%
do total de matrículas de 2021 e os cotistas sendo reduzidos a 18,5% dos matriculados.
Com base nos dados de matrículas da Tabela 1, comparando o processo seletivo de
2021 com o de 2020, a variação no quantitativo de matrículas em 2021 foi de -68,6% para
cotistas e de +38,5% para a AC. Para dimensionar com maior cautela esta variação, será
considerada a média anual de matriculados entre 2013 e 2020: 164,62 na AC e 154,12
matrículas nas cotas. Em relação à média, observou-se a seguinte variação da taxa de
matrículas em 2021: +31,2% (216 matrículas) entre os estudantes matriculados pela AC e
de -68,2% (105,12 matrículas a menos em relação à média) para os matriculados pelas
cotas.

Tabela 1 – Matrículas e política de cotas nos cursos do EMI do campus Campos


Centro
Processo Total
AC Cotas % Cotas
Seletivo Matrículas
2013 280 147 133 47,5
2014 321 169 152 47,3
2015 328 165 163 49,6
2016 326 171 155 47,5
2017 329 182 147 44,6
2018 320 160 160 50,0
2019 321 167 154 47,9
2020 312 156 156 50,0
2021 265 216 49 18,5
2013-2021 2802 1533 1269 45,3
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico do IFF.

O efeito negativo do contexto de 2021 sobre a política de cotas foi sentido de forma
acentuada: -31,5 pontos percentuais (p.p.) entre 2020 e 2021 nos cursos do EMI (Tabela
1, última coluna).
Dado o fenômeno ocorrido no processo seletivo de 2021 para os cursos do EMI do
campus Campos Centro, é importante observar se o IFF e a Rede Federal apresentaram
13

efeitos semelhantes, tendo em vista a possibilidade de diferentes impactos nas escalas


local, regional e nacional.
A Tabela 2 indica as matrículas nos cursos da mesma etapa da educação
profissional ofertados pelo IFF. Comparando os diferentes tipos de oferta de cursos
técnicos, nota-se que, no âmbito do IFF, todos eles, com exceção do PROEJA,
apresentaram alguma queda na participação dos cotistas no total de matrículas em 2021.
Entretanto, os cursos do EMI foram aqueles que apresentaram a maior variação negativa.

Tabela 2 – Matrículas por tipo de oferta dos cursos técnicos do IFF (2019-2021)
Total de
Tipo de oferta Ano Base AC Cotas % Cotas
Matrículas
Concomitante 2019 1508 759 749 49,7
Integrado (EMI) 2019 1797 964 833 46,4
PROEJA 2019 143 71 72 50,3
Subsequente 2019 536 264 272 50,7
Concomitante 2020 807 415 392 48,6
Integrado (EMI) 2020 1740 887 853 49,0
PROEJA 2020 200 100 100 50,0
Subsequente 2020 380 182 198 52,1
Concomitante 2021 1107 609 498 45,0
Integrado (EMI) 2021 1505 906 599 39,8
PROEJA 2021 108 53 55 50,9
Subsequente 2021 553 282 271 49,0
Total IFF 2019-2021 10384 5492 4892 47,1
Fonte: elaboração própria, 2022, com base na Plataforma Nilo Peçanha, acessada em 30 de agosto de 2022.

Nos cursos do EMI do IFF a variação nas matrículas de 2020 para 2021 foi de
-29,8% para os cotistas e +2,1% para a AC. Este percentual de variação dos cotistas é
inferior à metade da variação do campus Campos Centro (-68,6%), enquanto a variação
para a AC do campus é dezoito vezes maior (+38,5%) que a do mesmo período nos cursos
do EMI do IFF.
Quando considerado o efeito direto sobre a política de cotas, observa-se na última
coluna da Tabela 2 uma variação de -3,6 p.p. para os estudantes dos cursos concomitantes;
14

-3,1 p.p. para os cursos subsequentes; e -9,2 p.p. entre 2020 e 2021 para os cursos do EMI.
No campus Campos Centro, como demonstrado, a queda foi de -31,5 p.p.
Os dados para a Rede Federal para o período 2019-2021, conforme a Tabela 3,
mostram que esta não parece ter sofrido os mesmos impactos que o IFF e o campus Campos
Centro nos cursos do EMI.

Tabela 3 - Matrículas por tipo de oferta em cursos técnicos da Rede Federal (2019-
2021)
Total de
Tipo de oferta Ano Base AC Cotas % Cotas
Matrículas
Concomitante 2019 19502 9764 9738 49,9%
Integrado (EMI) 2019 74005 35867 38138 51,5%
PROEJA10 2019 5470 3214 2256 41,2%
Subsequente 2019 76341 39933 36408 47,7%
Concomitante 2020 12431 6092 6339 51,0%
Integrado (EMI) 2020 74589 35822 38767 52,0%
PROEJA 2020 5000 2842 2158 43,2%
Subsequente 2020 46710 24948 21762 46,6%
Concomitante 2021 17196 8995 8201 47,7%
Integrado (EMI) 2021 68716 33095 35621 51,8%
PROEJA 2021 4420 2526 1894 42,9%
Subsequente 2021 63529 32618 30911 48,7%
Total Rede Federal 2019-2021 468734 236256 232478 49,6%
Fonte: elaboração própria, 2022, com base na Plataforma Nilo Peçanha, acessada em 30 de agosto de 2022.

A frequência relativa de matrículas pela política de cotas manteve-se estável:


51,5% em 2019, 52% em 2020 e 51,8% em 2021. Observe-se que essas taxas da política
de cotas são calculadas em relação ao total de matrículas e não ao total de vagas (últimas
colunas das Tabelas 1, 2 e 3). Por isso, quando observadas as colunas “AC” e “Cotas” da
tabela da Rede Federal percebe-se que houve variação negativa na taxa matrículas: -8,1%

10
PROEJA Integrado. Não foram considerados os cursos na modalidade PROEJA concomitante por não
serem ofertados pelo IFF.
15

nas matrículas dos cotistas e -7,6% na AC entre 2020 e 2021. Essa queda, entretanto, não
apresentou uma grande desigualdade entre cotistas e AC, ao contrário dos dados do IFF e
do campus Campos Centro.
A análise indica que a pandemia impactou as matrículas da Rede Federal nos cursos
do EMI de forma semelhante entre os estudantes cotistas e os da AC entre 2020 e 2021, e
por isso o efeito sobre a política de cotas foi menos sentido, com os matriculados por esta
política alcançando 51,8% do total de matriculados em 2021.
O IFF, por outro lado, registrou um impacto bem maior da pandemia sobre a
política de cotas, com taxa de 39,8% de cotistas matriculados nos cursos do EMI em 2021.
No campus Campos Centro a queda foi ampliada, com frequência relativa de 18,5% de
cotistas matriculados em relação ao total de 2021.
Os dados indicam que houve um efeito da pandemia da Covid-19 sobre a política
de cotas nas matrículas de 2021 dos cursos do EMI. Este efeito, porém, se deu de forma
diferenciada quando consideradas as escalas nacional (Rede Federal), regional (todos os
campi do IFF) e local (campus Campos Centro), tendo este apresentado o pior cenário.
As hipóteses iniciais para o fenômeno identificado no campus Campos Centro são:
1. redução do número de candidatos às cotas em proporção maior que os
candidatos à ampla concorrência; e
2. redução de matrículas nas cotas devido ao aumento dos candidatos às cotas
matriculados pela ampla concorrência.

3.1 Testando a primeira hipótese: redução de candidatos às cotas

O Gráfico 2 traça a evolução do número de candidatos inscritos nos processos


seletivos para os cursos do EMI do IFF campus Campos Centro de 2013 a 2021 e a
participação de cada grupo em relação ao total de inscritos por processo seletivo.
Apesar da redução significativa no número de candidatos no processo seletivo de
2021, como indicado no Gráfico 2, as curvas de evolução dos dois grupos de candidatos
não fazem a mesma inflexão em 2021 que as curvas de matrículas do Gráfico 1. Isto parece
indicar que a hipótese a ser testada não se confirma, mantendo-se a participação dos
cotistas com frequência entre 30% e 40%, como nos anos anteriores.
16

Gráfico 2 – Candidatos por processo seletivo e participação no total de inscritos para os cursos do EMI
do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.

Comparando a redução no número de candidatos em 2021 em relação ao ano


imediatamente anterior, o impacto negativo é ligeiramente maior sobre os cotistas: -59,6%
para a AC (cai de 1393 candidatos para 563) e -61,9% para as cotas (queda de 798
candidatos para 304). Uma diferença de 2,3 p.p entre as duas frequências, enquanto as
matrículas, que caminharam em sentidos inversos (-68,6% para cotistas e + 38,5% para as
matrículas da AC) apresentaram uma desigualdade muito maior: 107, 1 p.p.
Quando comparada a redução de 2021 com a média da série histórica, considerando
a possibilidade do ano de 2020 não representar a realidade de todo o período analisado
(2013 a 2020) a desigualdade de candidatos entre ambos os grupos é ainda menor. A queda
foi de -63,4% entre os candidatos da ampla concorrência (AC) em 2021 em relação à média
de candidatos (1.536,25 ao ano) para o período 2013-2020 e -64,6% em relação à média
de candidatos às cotas (859,12 inscrições válidas por ano) no mesmo período. Ou seja, uma
diferença de 1,2 p.p. A desigualdade entre as matrículas pela mesma métrica (matrículas
de 2021 comparadas com a média de matrículas da série histórica de 2013 a 2020) foi de
99,4 p.p. (diferença entre a variação de -68,2% nas matrículas dos cotistas e +31,2% nas
matrículas da AC).
17

Ou seja, o ano de 2021, no que tange ao quantitativo de candidatos, não apresenta


uma grande desigualdade entre AC e cotistas quando comparado com o ano anterior ou
com a série histórica. Mas no que diz respeito às matrículas a desigualdade de 2021 foi
inédita e de grande amplitude.
A tabela 4 apresenta a participação de cada grupo (cotistas e AC) entre os
candidatos nos processos seletivos de 2013 a 2021 e a diferença entre ambos em pontos
percentuais.

Tabela 4 – Participação em relação ao total de candidatos nos processos seletivos para


os cursos do EMI do IFF campus Campos Centro
2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021
Candidatos

AC (%) 61,0 63,2 61,2 63,5 69,2 65,4 67,9 63,6 64,9
Cotas (%) 39,0 36,8 38,8 36,5 30,8 34,6 32,1 36,4 35,1
Diferença (AC – 22,0 26,4 22,4 27,0 38,4 30,8 35,8 27,2 29,8
Cotas) (p.p)
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.

A Tabela 5 apresenta a mesma análise da Tabela 4, porém considerando os


estudantes matriculados de cada grupo e a desigualdade entre eles, ratificando que a
hipótese testada não foi confirmada.

Tabela 5 – Participação em relação ao total de matriculados nos processos seletivos


para os cursos do EMI do IFF campus Campos Centro
2013

2014

2015

2016

2017

2018

2019

2020

2021

Matrículas

AC (%) 52,5 52,6 50,3 52,5 55,3 50 52 50 81,5


Cotas (%) 47,5 47,4 49,7 47,5 44,7 50 48 50 18,5
Diferença (AC – 5,0 5,2 0,6 5,0 10,6 0,0 4,0 0,0 63,0
Cotas) (p.p)
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.
18

Dados os números apresentados, não é possível afirmar que a pandemia


representou um impacto negativo sobre a taxa de candidatos às cotas que pudesse explicar
a queda na taxa de matrículas deste grupo.
Ao contrário do que poderia ser esperado, os dados também denotaram que a
mudança do processo seletivo para sorteio em substituição à prova e a ausência de taxa de
inscrição no processo seletivo não produziram um efeito de estímulo sobre o número de
candidatos em geral nem sobre o número de candidatos às cotas, em particular. Chama a
atenção ainda que apesar da maior parte dos estudantes do ensino fundamental estarem
matriculados em escolas públicas, segundo dados já citados, a diferença entre o número de
candidatos a AC e o número de candidatos às cotas (29,8 p.p.) se manteve relativamente
constante em comparação com os anos anteriores (oscilação entre 22 e 38,4 p.p.).

3.2 Testando a segunda hipótese: redução de matrículas nas cotas devido ao aumento
de candidatos às cotas matriculados pela ampla concorrência

A segunda hipótese é de que os estudantes de perfil cotista, ou seja, todos que


concorreram às cotas e que se matricularam nos cursos do EMI do campus Campos Centro,
independentemente da vaga de matrícula ser reservada para os cotistas ou para a AC. Nem
todos os Institutos Federais apresentam o mecanismo que permite aos candidatos inscritos
para as cotas também concorrem às vagas da AC, o que poderia explicar a diferença do
IFF em relação à Rede Federal.
O Gráfico 3 apresenta a evolução da matrícula de candidatos às cotas desde os
processos seletivos de 2013 até o de 2021.
No gráfico podemos perceber que a curva de evolução das matrículas é análoga a
do Gráfico 1, com as matrículas por perfil da ampla concorrência aumentando e as do perfil
cotista caindo. Ou seja, um efeito oposto à hipótese testada.
A Tabela 6 mostra a evolução das matrículas de candidatos às cotas nas vagas das
cotas e da AC.
19

Gráfico 3 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de inscrição no processo seletivo
para os cursos do EMI do IFF campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições e do Sistema Acadêmico do
IFF.

Tabela 6 – Evolução das matrículas de estudantes de perfil cotista nos cursos do EMI
do campus Campos Centro
Total Perfil Cotista
Processo
Matrículas Matrículas Matrículas % Perfil
Seletivo
Perfil Cotista AC Cotas Cotista
2013 136 3 133 48.5
2014 165 13 152 51.4
2015 188 25 163 57.3
2016 171 16 155 52.4
2017 170 23 147 51.6
2018 175 15 160 54.6
2019 164 10 154 51.1
2020 163 7 156 52.2
2021 112 63 49 42.2
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico do IFF.
20

Considerando a média de matrículas de estudantes com perfil cotista no período de


2013-2020 (166,5 matrículas ao ano), houve uma variação de -32,7% (112 matrículas em
2021). Já no perfil de estudantes matriculados pela AC em 2021 (candidatos que não
concorriam às cotas) houve um ligeiro crescimento de 1,6% (153 matrículas) em relação à
média dos 8 anos anteriores (150,6 matrículas).
Observa-se que a hipótese testada foi parcialmente confirmada. De fato, houve um
aumento de candidatos às cotas matriculados na AC. A média de estudantes de perfil
cotista matriculados pela AC entre 2013 e 2020 foi de 14 matrículas por ano. Em relação
a esta média, as 63 matrículas em 2021 representam um incremento de 350%. De fato, ao
considerar o perfil cotista chega-se à frequência de 42,2% das matrículas de 2021 neste
perfil.
Entretanto, quando considerado o somatório destes estudantes de perfil cotista
(matriculados pela AC e pelas cotas), constata-se que este crescimento dos candidatos às
cotas matriculados pela AC não foi suficiente para compensar a queda no número de
matriculados pelas cotas. Ou seja, apesar do aumento de candidatos às cotas matriculados
na AC, não se confirma a hipótese de que este mecanismo dos processos seletivos do IFF
poderia ter permitido o aumento no número de estudantes com o perfil socioeconômico,
étnico-racial e portador de deficiências que acessaram a educação profissional do EMI,
ainda que fora das vagas reservadas.
Não é possível compreender a frequência de estudantes de perfil cotista
matriculados como um sucesso da política de cotas. O mecanismo dos editais do IFF, ao
permitir que os estudantes de perfil cotista também concorram à ampla concorrência pode
estar amplificando a política de cotas se mais de 50% das vagas forem ocupadas por
estudantes deste perfil, sendo que pelo menos 50% das vagas forem ocupadas
exclusivamente por estudantes que não atendem aos critérios para ser matriculado na AC.
Isso porque a política é voltada não para os estudantes que, independente de cor, renda ou
de ter cursado todo o ensino fundamental em escola pública conseguiriam obter nota ou
ser sorteado para acessar a educação profissional, mas sim para aqueles que, por estas
circunstâncias, dentre outras, não conseguiriam este acesso.
Do teste das duas hipóteses, é possível identificar que o cenário pandêmico
influenciou, de alguma forma, na queda da concorrência aos cursos do EMI do campus
Campos Centro, tanto sobre os candidatos à ampla concorrência quanto sobre os
21

candidatos às cotas. Porém, os dados de matrículas indicaram que neste momento houve
uma desigualdade maior entre os cotistas e ampla concorrência.

3.3 Desigualdade na etapa de matrícula

A análise dos dados indica que a desigualdade entre os estudantes oriundos de


escolas públicas e os demais não foi alterada na fase de inscrição do processo seletivo, que
se manteve constante em relação aos anos anteriores, mas sim na fase de matrículas
(Tabelas 4 e 5). Também na análise dos candidatos que concorriam às cotas, mas foram
matriculados pela AC observou-se a mesma desigualdade, ainda que em menor escala. Os
dados permitiram constatar que, se parte da redução das matrículas dos cotistas pode ser
explicada pelo crescimento do número de candidatos às cotas matriculados pela ampla
concorrência, ainda assim a variação negativa em 2021 permanece.
Comparando os editais de processo seletivo de 2020 (IFF, 2019) e de 2021 (IFF,
2021a) e suas disposições para a etapa de matrícula, nota-se as seguintes mudanças entre
os artigos 61 e 42 dos respectivos editais: prazo para matrículas (três dias para as matrículas
de 2021 e quatro dias para as matrículas de 2020) e a adoção de um sistema on-line de
matrículas, que eram presenciais em 2020. E apesar de não haver mudanças sobre os
documentos a serem apresentados (artigos 64 e 44 dos editais, respectivamente), os
mesmos passaram a ser enviados, obrigatoriamente, em formato digital pela internet.
As possibilidades aventadas para explicar o maior impacto negativo sobre as
matrículas dos cotistas são de que o sistema de matrícula on-line pode ter representado um
obstáculo maior para os estudantes convocados pelas cotas. Essa dificuldade pode ter sido
agravada pela redução no intervalo de tempo para matrícula, considerando as
reclassificações. Também a evolução da pandemia da Covid-19 durante o período de
matrícula pode ter influenciado.
Além da desigualdade entre AC e cotistas, é necessário considerar que os diferentes
documentos a serem apresentados por estes últimos podem ter gerado uma disparidade
entre os próprios cotistas. Dependendo dos tipos de documentos necessários para a
matrícula, considerando os critérios para a cota a ser preenchida, eles podem ter sido um
obstáculo para o preenchimento de um determinado tipo de cota.
22

No que diz respeito aos prazos de matrícula, no campus Campos Centro foram
realizadas dezesseis reclassificações no ano de 202011 (de fevereiro a dezembro de 202012)
e quatorze em 2021 (de junho a setembro de 2021). A cada reclassificação, um novo prazo
de matrícula se abria.
Quanto ao cenário pandêmico, parte das matrículas de 2020 foram realizadas antes
da decretação do estado de emergência sanitária, o que não ocorreu com as matrículas de
2021.
Apesar da Organização Mundial da Saúde ter declarado Emergência em Saúde
Pública de Importância Internacional em 30 de janeiro de 2020, apenas em 11 de março o
Governo Federal brasileiro autorizou a regulamentação de quarentena pelas autoridades de
saúde ou seus superiores no âmbito dos Municípios, dos Estados, do DF ou da União
(BRASIL, 2020). Na mesma data o Estado do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 46.966
(RIO DE JANEIRO, 2020), determinando o isolamento para o enfrentamento da
pandemia. Antes desta data já havia transcorrido o período inicial de matrícula do processo
seletivo de 2020 e quatro reclassificações para o campus Campos Centro.
Entre o início da matrícula de 2020, em 03 de fevereiro, e a última reclassificação,
publicada em 8 de dezembro de 2020, foram 178.159 notificações de óbitos por Covid-
1913, uma média diária de 576 mortes no Brasil. Já no período entre o início da matrícula
e a última reclassificação do ano de 2021 (07 de junho a 27 de setembro de 2021) houve
um total de 121.249 novas notificações de óbitos por Covid-19, uma média de 1.073 mortes
por dia, apesar de já ter sido iniciada a vacinação no Brasil. E embora a matrícula fosse on-
line, a obtenção dos documentos não necessariamente se dava desta forma. Durante todo
o período da pandemia houve alterações de horários e dias de funcionamento dos serviços
públicos responsáveis pela produção de parte da documentação.
Embora não seja possível identificar precisamente a origem da desigualdade no
período da matrícula, é possível fazer algumas aproximações. Cada tipo de cota tem um
conjunto diferente de documentos a serem apresentados para a comprovação de seus pré-
requisitos. Caso uma cota, que exija a apresentação de um documento específico, tenha

11
Com base nas informações do Portal de Seleções do IFF.
12
O que ocorreu por conta do adiantamento da publicação das reclassificações, em 16 de março de 2020,
e a publicação da 5ª reclassificação em 22 de setembro de 2020.
13
Registros de mortes por data de notificação obtidos através do Painel Coronavírus do Ministério da Saúde,
em https://covid.saude.gov.br/. Planilhas eletrônicas: HIST_PAINEL_COVIDBR_2020_
Parte1_05set2022.csv, HIST_PAINEL_COVIDBR_2020_Parte2_05set2022.csv, HIST_PAINEL_
COVIDBR_2021_Parte1_05set2022.csv e HIST_PAINEL_COVIDBR_2021_Parte2_05set2022.csv.
23

apresentado uma variação negativa maior, há uma possibilidade de que a produção deste
documento tenha se configurado como um obstáculo maior para a política de cotas entre
os próprios cotistas. Caso haja uma variação semelhante em todos os tipos de cotas,
fortalece-se a possibilidade do acesso e letramento digital serem os fatores de desigualdade
entre os candidatos cotistas e os estudantes da AC nesta etapa.
O Gráfico 4 apresenta as matrículas por tipo de cotas realizadas nos cursos do EMI
do campus Campos Centro para o período de 2013 a 2021. Conforme procedimento
metodológico explicado anteriormente, as cotas foram agregadas pelos critérios de ser
egresso de escola pública, étnico-racial e renda familiar per capita.

Gráfico 4 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de ingresso e tipo de cota nos
processos seletivos nos cursos do EMI do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022.
Nota: EEP = Egresso de Escola Pública; RFP = Renda familiar per capita; PPI = Pretos, Pardos e Indígenas;
PcD = Pessoa com Deficiência.

A evolução das matrículas por cotas mostra um descolamento gradativo das


matrículas pelas cotas com critérios acumulados de ser egresso de escola pública, possuir
renda familiar per capita igual ou inferior a um salário-mínimo e meio e autodeclarar-se
preto, pardo ou indígena (EEP + RFP + PPI). Esta cota que, por seus critérios, representa
24

o grupo social mais vulnerável, foi aquela que apresentou um aumento crescente entre
2013 e 2020. E uma queda acentuada em 2021.
Como a cota EEP + RPF + PPI concentrou, na série histórica de 2013 a 2020, mais
matrículas, é necessário avaliar as taxas de variação de cada tipo de cota a fim de verificar
se houve, de fato, uma desigualdade maior para seus candidatos no momento de comprovar
seus pré-requisitos na matrícula. A Tabela 7 mostra a variação ano a ano. Nela evidencia-
se que a maior queda foi na cota EEP (-66,7% entre 2020 e 2021).

Tabela 7 – Taxa de variação anual das matrículas por tipo de cota nos cursos do EMI
do IFF campus Campos Centro entre 2014 e 2021
Processo EEP EEP + PPI EEP + RFP EEP + RFP + PPI
Seletivo (%) (%) (%) (%)
2013-2014 13.3 2.9 48.4 22.5
2014-2015 26.5 -8.3 6.5 28.6
2015-2016 -16.3 9.1 -14.3 -9.5
2016-2017 2.8 -33.3 7.1 12.3
2017-2018 -18.9 70.8 -2.2 -4.7
2018-2019 -30.0 -39.0 0.0 21.3
2019-2020 42.9 -8.0 -13.6 -2.7
2020-2021 -66.7 -39.1 -15.8 -22.2
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico.

O único documento comprobatório para matrícula na cota EEP também é


obrigatório para as demais cotas e se refere ao critério de ter cursado integralmente o ensino
fundamental em escola pública. Não poderão concorrer a qualquer cota os estudantes “que
tenham, em algum momento, cursado em escolas particulares ou filantrópicas parte do
Ensino Fundamental, mesmo na condição de bolsistas” (IFF, 2021a, art. 20). Logo, este
documento não pode explicar a queda maior na cota EEP.
Quando consideradas as cotas que exigem documentos específicos para a
matrícula, observa-se na Tabela 7 que as maiores taxas de redução foram das que têm o
critério PPI em comum: -39,1% para as cotas EEP + PPI e -22,2% para as cotas EEP +
RFP + PPI. Ao contrário do que se poderia esperar, por serem os documentos
25

comprobatórios de renda familiar os mais complexos (IFF, 2021a, Anexo VII), a cota EEP
+ RFP teve a menor queda relativa.
A Tabela 8 mostra que, assim como entre os matriculados (Tabela 8), a cota de
critério exclusivo EEP foi aquela com maior queda no número de candidatos. Porém, há
uma inversão no que tange às cotas com critério PPI: se elas tiveram a segunda maior queda
nas matrículas, é a que apresenta a menor variação negativa no número de candidatos: -
56,8% na cota EEP + PPI.

Tabela 8 – Taxa de variação anual dos candidatos por tipo de cota aos cursos do EMI
do IFF campus Campos Centro entre 2014 e 2021
Processo EEP EEP + PPI EEP + RFP EEP + RFP + PPI
Seletivo (%) (%) (%) (%)
2013-2014 -14.4 -18.3 -5.8 -9.4
2014-2015 -20.2 15.9 -1.8 2.0
2015-2016 -23.9 -2.4 -22.9 -11.8
2016-2017 -24.1 -39.7 -15.0 -23.6
2017-2018 -17.1 23.3 7.7 22.6
2018-2019 -11.8 -22.2 2.2 5.3
2019-2020 40.0 5.7 0.4 13.6
2020-2021 -70.2 -56.8 -63.2 -60.4
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.

Os dados parecem indicar que os cotistas em geral tiveram dificuldades na


matrícula on-line, com queda desproporcional de matrículas em relação à redução no
número de candidatos. Quando consideradas possíveis desigualdades entre os diferentes
grupos sociais atendidos pelas cotas, os estudantes com perfil PPI se destacam. Não é
possível atribuir esta diferença a uma dificuldade específica no documento comprobatório
deste critério. Conforme os editais do IFF entre 2013 e 2021, não há banca de
heteroidentificação como etapa seletiva para as cotas PPI, bastando uma autodeclaração de
identificação como preto, pardo ou indígena.
A análise dos dados encaminha no sentido de que desigualdades de origem,
determinantes quanto à inclusão ou exclusão digital, podem ter sido acentuadas na
mudança da etapa de matrículas do processo seletivo de 2021 para o modo on-line e sem
26

a possibilidade do atendimento presencial naquele momento por conta da pandemia. E que


esta desigualdade pode ter sido maior para os estudantes PPI.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Como os dados analisados evidenciaram, a Lei 12.711/2012 oportunizou, entre


2013 e 2020, o acesso de seu público-alvo aos cursos do EMI do IFF Campus Campos
Centro e o preenchimento da quase totalidade das vagas reservadas para as cotistas. Os
candidatos às cotas corresponderam, no total, a 35,9% (6.873) dos inscritos (19.163) nos
processos seletivos entre 2013 e 2020, mas foram 48,4% (1.220) do total de matriculados
no mesmo período, uma taxa de sucesso de 96,8% (razão entre o total de matrículas e o
total de vagas reservadas) da política de cotas.
A pandemia do coronavírus (Covid-19), porém, produziu um retrocesso. A
mudança do mecanismo de seleção para sorteio gerou a expectativa de maior concorrência
e preenchimento das vagas reservadas para as cotas já que a rede pública no Brasil
concentra 84,4% das matrículas nos anos finais do ensino fundamental. Especialmente
porque o IFF adota um sistema de seleção onde os candidatos às cotas também concorrem
às vagas da ampla concorrência. Entretanto, apesar da inexistência de prova de seleção e
de taxa de matrícula no processo seletivo de 2021, os dados revelaram o oposto.
A análise evidenciou que o ingresso de estudantes para os cursos do EMI em 2021
se mostrou mais excludente do que nos anos de 2013 a 2020.
A comparação dos dados da Rede Federal com os do IFF mostrou que este teve um
desempenho menor no preenchimento das cotas do EMI: enquanto a rede manteve as
matrículas de cotistas na taxa de 51,8%, a instituição apresentou uma queda e registrou
apenas 39,8% de cotistas matriculados em relação ao total. E embora tenha havido uma
queda em todos os cursos técnicos do IFF, a variação negativa foi maior no EMI. O campus
Campos Centro teve um resultado inferior que o agregado da instituição: apenas 18,5%
dos matriculados em 2021 eram cotistas. Entre os candidatos, eles eram 35,1%. Se
considerarmos a razão entre o número de matriculados e as vagas reservadas, a taxa de
sucesso da política de cotas do campus caiu de 96,8% (2013-2020) para 32,7% (2021).
Comparando a evolução das matrículas com a evolução do número de candidatos,
percebeu-se que não houve uma queda na concorrência de 2021 que justificasse a redução
na matrícula de estudantes cotistas. Enquanto o contexto pandêmico produziu uma
27

variação negativa semelhante entre os candidatos às cotas e a ampla concorrência, o mesmo


não ocorreu nas matrículas: variação de -68,6% entre 2020 e 2021 para as matrículas de
cotistas e de +38,5% para a ampla concorrência. Mesmo quando considerados os
candidatos às cotas matriculados pela ampla concorrência, a ocupação total de vagas em
2021 totalizou 42,2%, uma queda em relação ao período de 2013 a 2020, quando os
estudantes de perfil cotista totalizaram 52,5% das matrículas.
Na análise das matrículas dos estudantes cotistas desagregadas pelos tipos de
critérios identificou-se uma redução maior nas matrículas das cotas com critério étnico-
racial. Dado não haver uma complexidade maior na produção do documento
comprobatório para este critério, que consiste numa autodeclaração, compreende-se que
os dados parecem indicar que o maior efeito deletério foi a adoção do sistema de matrícula
exclusivamente on-line. Aparentemente, a exclusão digital dos cotistas, no acesso e/ou no
letramento, foi uma variável relevante na desigualdade de matrículas. Uma desigualdade
que pode ter sido maior para os estudantes pretos e pardos.
Um fator que pode ter influenciado na queda diferenciada para os estudantes
cotistas dos cursos do EMI em relação aos demais cursos técnicos e entre o IFF e a Rede
Federal, sendo necessárias investigações específicas, foi o lançamento do processo seletivo
de 2021 (IFF, 2021a) já no decurso deste ano, ao invés do ano anterior, e o início do
calendário letivo de 2021 do campus Campos Centro previsto para agosto (IFF, 2021b). O
perfil do aluno ingressante no EMI é de um estudante com percurso regular no ensino
fundamental que busca no curso integrado da rede federal uma educação gratuita de
qualidade como estratégia para acessar o ensino superior ou uma melhor inserção no
mundo do trabalho. Logo, o início do processo seletivo e a previsão de início do ano letivo
do campus objeto deste estudo de caso podem ter desestimulado a concorrência para as
vagas do EMI.
Também a idade dos estudantes do EMI pode ter influenciado na redução da
matrícula nestes cursos. Os pré-requisitos de documentos são similares para os Cursos
Técnicos Concomitantes e Subsequentes, mas a faixa etária média é diferente: entre 15 e
16 anos (no ano de matrícula) para os cursos do EMI e a partir de 17 e 18 anos para os
concomitantes. Os cursos Subsequentes têm uma faixa etária mais ampla e uma média
maior de idade. No PROEJA, cujo capital cultural tende a ser equivalente ou menor que o
dos jovens estudantes do EMI, não houve uma significativa redução de preenchimento das
vagas por cotas no ano de 2021.
28

Estas duas possibilidades, entretanto, não explicam a desigualdade entre cotistas e


AC. Para explicar a ampla diferença de matrículas entre estes dois grupos no processo
seletivo de 2021, é necessário considerar a pandemia e suas imbricações com as
desigualdades de capital social, cultural e econômico dos estudantes que cursaram todo o
ensino fundamental em escola pública e/ou possuem renda familiar per capita igual ou
inferior a um salário mínimo e meio e/ou são pretos, pardos ou indígenas, que acumulam
desigualdades geracionais e interseccionais.
O contexto da pandemia, o tipo de oferta do curso, a faixa etária dos estudantes do
EMI e a exclusão digital parecem ter confluído para resultar no recrudescimento da
desigualdade de origem dos estudantes cotistas em relação aos demais na etapa de
matrícula dos cursos. É importante considerar a importância da estrutura familiar e a
dependência do estudante do EMI em relação a sua família para ler o edital e as orientações
de matrícula, digitalizar os documentos no formato e tamanho específicos, navegar e
preencher o sistema de matrículas e fazer o upload dos documentos exigidos. Se até 2020
a matrícula era feita presencialmente, com suporte da instituição e seus servidores, em
2021 o estudante só pôde contar com seus próprios recursos culturais e tecnológicos.
Contra todas as probabilidades matemáticas, mas em consonância com a literatura
sobre as desigualdades sociais, o capital cultural do estudante e de seu círculo de relações,
incluindo o letramento e acesso digital, pode ter um efeito mais excludente do que o
mecanismo de seleção por provas ou a cobrança de taxas de inscrição em processos
seletivos.
No contexto da pandemia, a exclusão digital se tornou uma variável relevante de
(re)produção de desigualdades de oportunidades, até então não aventada como algo que
impactaria diretamente no acesso à educação profissional pelas cotas. A mudança do
processo seletivo para sorteio e a ausência de taxas de matrícula, neste contexto, não foram
suficientes para compensar este efeito sequer na manutenção da taxa de ocupação das
vagas reservadas para os cotistas, o que vinha ocorrendo entre 2013 e 2020.
Ressalve-se que não é possível afirmar que a mudança na forma de seleção para
sorteio e a ausência de taxas de matrícula, num outro contexto, não poderia ter outro efeito,
mais positivo, no acesso aos cursos do EMI do IFF campus Campos Centro, pelo contrário.
A pesquisa apenas aponta no sentido de se pensar novas estratégias que, diante das
mudanças tecnológicas nos processos seletivos para as instituições de ensino, compensem
as desigualdades e garantam equidade no acesso.
29

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