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Luciana Machado-Costa
Universidade de São Paulo / Instituto Federal Fluminense
costa.luciana@usp.br
Luciana Machado-Costa1
Marcelo Peçanha Sarmento2
Resumo
Esta pesquisa buscou investigar se a pandemia da COVID-19 teve impactos sobre a política
pública de cotas para acesso à educação profissional nos Cursos Técnicos Integrados do
campus Campos Centro do IFF. No processo seletivo de 2021 não foi cobrada taxa de
inscrição e foi adotado o sistema de sorteio público eletrônico para o ingresso de estudantes
em substituição à prova de conhecimentos específicos do ensino fundamental (Matemática,
Língua Portuguesa, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da Natureza) aplicada nos anos
anteriores. A proporção de reserva de vagas e os critérios determinados pela Lei
12.711/2012 (Lei de Cotas) foram mantidos. Dadas as probabilidades estatísticas, mantidas
as proporções de inscritos dos anos anteriores entre ampla concorrência e cotas, o
preenchimento das vagas deveria ser mantido. Uma alteração sobre os dois grupos
indicaria um efeito da pandemia. E uma alteração maior sobre um dos grupos indicaria que
a pandemia teve efeito diferenciado entre ambos. Há pouca pesquisa que aborde os
impactos da pandemia na política de cotas como mecanismo de acesso à educação
profissional. Nesta pesquisa exploratória, a partir do estudo de caso dos candidatos e dos
ingressantes, nos processos seletivos de 2013 a 2021 apontou efeitos negativos do período
pandêmico sobre a eficácia da política pública de cotas no acesso à educação profissional
de nível médio. O número total de candidatos para as vagas da ampla concorrência e das
cotas reduziu, mas manteve a frequência relativa dos anos anteriores. Já na etapa de
matrícula evidenciou-se uma desigualdade inédita na série histórica e a taxa de sucesso da
política de cotas caiu de 96,8% (2013-2020) para 32,7% (2021).
1
Doutoranda em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (USP). Docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF).
2
Mestre em Planejamento Regional e Gestão de Cidades (UCAM-Campos dos Goytacazes). Docente do
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia Fluminense (IFF). Diretor de Gestão Acadêmica e
Políticas de Acesso do IFF.
2
INTRODUÇÃO
3
O IFF tem sede no município de Campos dos Goytacazes, no Norte do Estado do Rio de Janeiro. Seus
campi estão espalhados pelas mesorregiões Noroeste Fluminense, Norte Fluminense, Lagos e
Metropolitana IV. Atualmente conta com 8 campi e 4 campi avançados. Segundo os dados de 2019, a
instituição possuía 21.144 estudantes matriculados entre cursos de nível médio (Educação Básica),
bacharelados, licenciaturas e pós-graduações lato e stricto sensu (IFF, 2021a). O campus analisado neste
artigo (Campos Centro) está situado no município de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense.
3
Entre 2013 e 2020 foram ofertadas 2.520 vagas para cursos do EMI no campus
Campos Centro do IFF, para as quais concorreram 19.163 candidatos. Dentre estes, 6.873
(35,9%) eram candidatos às cotas, que correspondiam a metade das vagas ofertadas e
reservadas (1.260) para os estudantes que se enquadrassem nos critérios estabelecidos pela
Lei de Cotas. Foram 1.220 estudantes selecionados e matriculados pelas cotas, ou seja,
48,4% do total de vagas ou 96,8% das vagas reservadas. Devido ao modelo adotado nos
processos seletivos do IFF, outros 113 candidatos às cotas foram matriculados entre 2013
e 2020 pela ampla concorrência (AC) por terem alcançado nota no processo seletivo
superior à nota de corte dos candidatos da AC. Se for considerado o tipo de inscrição do
candidato, e não o tipo de matrícula, chegar-se-ia a um total de 1.338 estudantes de “perfil
cotista”4 que ingressaram nos cursos do EMI entre 2013 e 2020, independentemente do
tipo de matrícula, alcançando-se um percentual de 53,1% do total de vagas. Ou seja, o
mecanismo adotado pelo IFF permitiu que as vagas para os cotistas fossem ocupadas por
quem realmente delas precisava, ou seja, estudantes egressos de escolas que não
conseguiriam ingressar na instituição se não houvesse a política de cotas. Ao mesmo
tempo, evidencia-se quantos estudantes egressos da rede pública conseguiriam acessar a
educação profissional da rede federal sem a política de cotas: apenas 113 alunos em 8 anos.
Até o processo seletivo de 2020 o ingresso de estudantes aos cursos técnicos do
EMI se deu por prova classificatória e eliminatória de conhecimentos específicos do ensino
fundamental (Matemática, Língua Portuguesa, Ciências Humanas e Sociais e Ciências da
Natureza), com cobrança de taxa de inscrição e possibilidade de solicitação de isenção para
o candidato que estivesse inscrito no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo
Federal (CadÚnico). Cada campus do IFF adota uma nota de corte eliminatória diferente.
No caso dos cursos do EMI do campus Campos Centro todos os candidatos com nota
inferior a 30% (12 pontos) do valor total (40 pontos) da prova eram desclassificados do
processo seletivo. No ano de 20215, devido à crise de saúde pública, o processo seletivo
(IFF, 2021a) se tornou apenas classificatório e se deu por sorteio público eletrônico,
mantendo-se a proporcionalidade de reserva de vagas nos termos da Lei de Cotas.
4
Considera-se como de “perfil cotista” o somatório de estudantes matriculados pela ampla concorrência e
pelas cotas que se inscreveram no processo seletivo como candidatos às cotas.
5
O processo seletivo de 2021 foi o primeiro realizado durante a pandemia, já que a seleção para ingresso no
ano letivo de 2020 ocorreu em 2019.
4
6
A pesquisa do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP) para o Censo
Escolar de 2020 apontou a concentração de 84,4% das matrículas dos anos finais do ensino fundamental
nas redes municipais e estaduais (INEP, 2021).
5
Essas heranças também estão presentes na educação brasileira, na forma dual como
ela foi construída, onde tradicionalmente a educação profissional, voltada para este povo
de “imagem depreciativa”, objetivava a reprodução da divisão social do trabalho.
No Brasil, o dualismo se enraíza em toda a sociedade através de séculos de
escravismo e discriminação do trabalho manual. Na educação, apenas quase na
metade do século XX, o analfabetismo se coloca como objeto de políticas de
Estado. Mas seu pano de fundo é sempre a educação geral para as elites
dirigentes e a preparação para o trabalho para os órfãos, os desamparados.
(FRIGOTTO; CIAVATTA; RAMOS, 2012, p. 31)
ainda não foi possível encontrar pesquisas que abordem os efeitos da pandemia na política
de cotas como mecanismo de acesso à educação profissional.
Na análise desses efeitos, dada a conjunção entre a pandemia e as desigualdades
estruturais da sociedade brasileira, a exclusão digital, seja pelo acesso aos equipamentos e
à internet, seja pelo letramento digital, ganha destaque como mais uma desigualdade a se
interseccionar com aquelas já amplamente debatidas no Brasil.
A mudança no processo seletivo para os cursos do EMI do IFF em 2021, não apenas
na forma de seleção e classificação, mas também na forma de matrícula, que passou a se
dar exclusivamente por meios digitais, dá relevância ao problema da exclusão digital como
elemento potencializador de outras desigualdades no acesso à educação. Especialmente
considerando os documentos necessários para os estudantes ingressantes pelas cotas
comprovarem o cumprimento dos critérios legais e que podem agregar maior
complexidade ao processo de matrícula.
A exclusão digital, de acesso ou letramento (BONILLA; OLIVEIRA, 2011), é um
elemento intrínseco às desigualdades de origem, especialmente para estudantes tão jovens
como aqueles que ingressam no EMI e que vêm de um percurso regular no Ensino
Fundamental. A desigual distribuição de recursos familiares, seja de capital social, cultural
ou econômico deve ser considerada ao analisar os possíveis efeitos da pandemia sobre a
política afirmativa de cotas no acesso ao EMI. Falar em geração “nativa digital”, tendo por
critério apenas a idade, é desconsiderar os processos históricos de cada país, a realidade
socioeconômica e cultural e a regionalidade e como eles impactam na igual/desigual
oportunidade de ensino (CARVALHAES; SENKEVICS; RIBEIRO, 2022; KNOPP, 2017;
HASENBALG, 2003). Pobreza, racismo, sexismo e exclusão digital são coisas distintas
para o Norte ou para o Sul Global, para o Nordeste ou o Sudeste do Brasil, para regiões
metropolitanas ou regiões periféricas (COSTA, 2011).
Por outro lado, a adoção de processo seletivo por sorteio poderia atuar no sentido
contrário ao das desigualdades de origem, dadas as probabilidades estatísticas, além de
estimular a candidatura de estudantes que, normalmente, se autoexcluiriam do processo
seletivo por receio de não ser aprovado nas provas ou seriam excluídos por falta de
condições financeiras para pagar a taxa de inscrição.
Para avaliar o peso das desigualdades de origem em relação à probabilidade
estatística na eficácia da política de cotas para acesso ao EMI, no contexto da pandemia da
Covid-19 e das mudanças por ela ensejadas no processo seletivo de 2021, será analisada a
7
2 METODOLOGIA
7
Dados fornecidos pela Diretoria de Gestão Acadêmica e Políticas de Acesso da Pró-Reitoria de Ensino.
8
A inclusão das cotas PcD a partir da Lei de 2016 (BRASIL, 2016) não acarretou
aumento no percentual de vagas reservadas, apenas redistribuindo-se parte delas das cotas
1 a 4 para as novas cotas PcD, como observado no Quadro 3.
8
Os editais de processo seletivo são lançados nos anos anteriores àquele de ingresso. Quando a Lei 13.409
foi publicada em dezembro de 2016 o edital de seleção para 2017 (Edital nº 166, de 06/09/2016) já havia
sido publicado e a lista de candidatos inscritos já havia sido homologada. Desta forma, as cotas para pessoas
com deficiência só foram incluídas no edital lançado em 2017 (Edital nº 179, de 04/09/2017) para ingresso
no ano letivo de 2018.
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Quadro 3 – Evolução da distribuição das vagas por tipos de cotas para os cursos do
EMI do IFF campus Campos Centro
Vagas reservadas
Total de
Ano do Ano de % vagas
vagas
Edital ingresso reservadas
Cota 1
Cota 2
Cota 3
Cota 4
PcD 1
PcD 2
PcD 3
PcD 4
ofertadas
9
Entre 2013 e 2021 houve 1 (uma) única matrícula, na cota PcD 2, com ingresso em 2018.
10
candidatos egressos da rede pública que atendem ao critério de renda e étnico-racial; ii)
candidatos egressos da rede pública que atendem ao critério de renda; e iii) candidatos
egressos da rede pública que atendem ao critério étnico-racial, conforme norma dos editais
de processo seletivo (IFF, 2017; IFF, 2018; IFF, 2019; IFF, 2021a). Em caso de não
preenchimento das vagas reservadas, não havendo mais candidatos cotistas a serem
chamados, as vagas são revertidas para a ampla concorrência.
A análise dos dados e a geração de gráficos foi realizada com o uso do R, um
software livre, com código aberto e linguagem acessível, que garante transparência no
tratamento dos dados e reprodutibilidade da pesquisa.
3 RESULTADOS E DISCUSSÃO
Pelo edital do processo seletivo de 2021 (IFF, 2021a) cada candidato recebeu um
número para sorteio dado pelo Sistema de Inscrições do IFF após o término das inscrições.
Todos os números foram sorteados e classificados conforme a ordem do sorteio público
eletrônico numa lista única, pois no IFF os candidatos às cotas também concorrem a ampla
concorrência. Neste caso, a ordem de sorteio funciona como uma nota, onde a nota mais
alta equivale ao primeiro sorteado.
Na ampla concorrência (AC), a chamada das reclassificações segue a ordem da lista
única. Na concorrência pelas cotas, é chamado o próximo da lista única desde que ele tenha
se inscrito para algum dos oito tipos de cotas. A primeira convocação chamou para a
matrícula os primeiros classificados conforme o número de vagas para cada concorrência
(ampla ou cotas). Os candidatos às cotas que apresentaram os devidos documentos
comprobatórios foram matriculados pelas respectivas cotas. Já o candidato cotista que não
foi matriculado por não comprovar a condição ou não encaminhar nenhum documento,
continuou a concorrer nas vagas destinadas à AC, podendo ser convocado para ocupar essa
vaga.
Apesar do ineditismo do sorteio das vagas do EMI no processo seletivo do IFF de
2021 (IFF, 2021a), este mecanismo em que o candidato que concorre às cotas também
concorre às vagas da ampla concorrência já havia sido adotado em todos os editais
anteriores (IFF, 2012; IFF, 2013; IFF, 2014; IFF, 2015; IFF, 2016; IFF, 2017; IFF, 2018;
IFF, 2019).
11
Nos processos seletivos de 2013 a 2020 o candidato inscrito para as cotas que
obtivesse nota na prova de ingresso superior a um candidato que concorria exclusivamente
pela AC poderia ser convocado e matriculado pela ampla, o que se aplica tanto aos
convocados para matrícula pelo edital de homologação do resultado final quanto às
convocações das reclassificações. Desta forma, seria possível que estudantes com perfil
cotista, ou seja, inscritos para concorrer às cotas e matriculados no IFF (em vaga da AC ou
das cotas), ocupassem mais de 50% das vagas dos cursos do EMI quando considerado o
somatório dos candidatos cotistas matriculados, independentemente do tipo de vaga. O
edital de 2021 manteve o mesmo sistema, com a ordem de sorteio substituindo as notas.
Entre 2013 e 2020 os cotistas aproximaram-se do preenchimento de 50% do total
de vagas ofertadas, chegando a este resultado nos anos de 2015 e 2018, como observa-se
no Gráfico 1. A expectativa para o processo seletivo de 2021 era de manutenção desta
tendência ou, possivelmente, ampliação do número de estudantes matriculados pelas cotas
nos cursos do EMI, dado o processo seletivo por sorteio.
Gráfico 1 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de ingresso nos processos seletivos
nos cursos do EMI do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico do IFF.
12
O efeito negativo do contexto de 2021 sobre a política de cotas foi sentido de forma
acentuada: -31,5 pontos percentuais (p.p.) entre 2020 e 2021 nos cursos do EMI (Tabela
1, última coluna).
Dado o fenômeno ocorrido no processo seletivo de 2021 para os cursos do EMI do
campus Campos Centro, é importante observar se o IFF e a Rede Federal apresentaram
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Tabela 2 – Matrículas por tipo de oferta dos cursos técnicos do IFF (2019-2021)
Total de
Tipo de oferta Ano Base AC Cotas % Cotas
Matrículas
Concomitante 2019 1508 759 749 49,7
Integrado (EMI) 2019 1797 964 833 46,4
PROEJA 2019 143 71 72 50,3
Subsequente 2019 536 264 272 50,7
Concomitante 2020 807 415 392 48,6
Integrado (EMI) 2020 1740 887 853 49,0
PROEJA 2020 200 100 100 50,0
Subsequente 2020 380 182 198 52,1
Concomitante 2021 1107 609 498 45,0
Integrado (EMI) 2021 1505 906 599 39,8
PROEJA 2021 108 53 55 50,9
Subsequente 2021 553 282 271 49,0
Total IFF 2019-2021 10384 5492 4892 47,1
Fonte: elaboração própria, 2022, com base na Plataforma Nilo Peçanha, acessada em 30 de agosto de 2022.
Nos cursos do EMI do IFF a variação nas matrículas de 2020 para 2021 foi de
-29,8% para os cotistas e +2,1% para a AC. Este percentual de variação dos cotistas é
inferior à metade da variação do campus Campos Centro (-68,6%), enquanto a variação
para a AC do campus é dezoito vezes maior (+38,5%) que a do mesmo período nos cursos
do EMI do IFF.
Quando considerado o efeito direto sobre a política de cotas, observa-se na última
coluna da Tabela 2 uma variação de -3,6 p.p. para os estudantes dos cursos concomitantes;
14
-3,1 p.p. para os cursos subsequentes; e -9,2 p.p. entre 2020 e 2021 para os cursos do EMI.
No campus Campos Centro, como demonstrado, a queda foi de -31,5 p.p.
Os dados para a Rede Federal para o período 2019-2021, conforme a Tabela 3,
mostram que esta não parece ter sofrido os mesmos impactos que o IFF e o campus Campos
Centro nos cursos do EMI.
Tabela 3 - Matrículas por tipo de oferta em cursos técnicos da Rede Federal (2019-
2021)
Total de
Tipo de oferta Ano Base AC Cotas % Cotas
Matrículas
Concomitante 2019 19502 9764 9738 49,9%
Integrado (EMI) 2019 74005 35867 38138 51,5%
PROEJA10 2019 5470 3214 2256 41,2%
Subsequente 2019 76341 39933 36408 47,7%
Concomitante 2020 12431 6092 6339 51,0%
Integrado (EMI) 2020 74589 35822 38767 52,0%
PROEJA 2020 5000 2842 2158 43,2%
Subsequente 2020 46710 24948 21762 46,6%
Concomitante 2021 17196 8995 8201 47,7%
Integrado (EMI) 2021 68716 33095 35621 51,8%
PROEJA 2021 4420 2526 1894 42,9%
Subsequente 2021 63529 32618 30911 48,7%
Total Rede Federal 2019-2021 468734 236256 232478 49,6%
Fonte: elaboração própria, 2022, com base na Plataforma Nilo Peçanha, acessada em 30 de agosto de 2022.
10
PROEJA Integrado. Não foram considerados os cursos na modalidade PROEJA concomitante por não
serem ofertados pelo IFF.
15
nas matrículas dos cotistas e -7,6% na AC entre 2020 e 2021. Essa queda, entretanto, não
apresentou uma grande desigualdade entre cotistas e AC, ao contrário dos dados do IFF e
do campus Campos Centro.
A análise indica que a pandemia impactou as matrículas da Rede Federal nos cursos
do EMI de forma semelhante entre os estudantes cotistas e os da AC entre 2020 e 2021, e
por isso o efeito sobre a política de cotas foi menos sentido, com os matriculados por esta
política alcançando 51,8% do total de matriculados em 2021.
O IFF, por outro lado, registrou um impacto bem maior da pandemia sobre a
política de cotas, com taxa de 39,8% de cotistas matriculados nos cursos do EMI em 2021.
No campus Campos Centro a queda foi ampliada, com frequência relativa de 18,5% de
cotistas matriculados em relação ao total de 2021.
Os dados indicam que houve um efeito da pandemia da Covid-19 sobre a política
de cotas nas matrículas de 2021 dos cursos do EMI. Este efeito, porém, se deu de forma
diferenciada quando consideradas as escalas nacional (Rede Federal), regional (todos os
campi do IFF) e local (campus Campos Centro), tendo este apresentado o pior cenário.
As hipóteses iniciais para o fenômeno identificado no campus Campos Centro são:
1. redução do número de candidatos às cotas em proporção maior que os
candidatos à ampla concorrência; e
2. redução de matrículas nas cotas devido ao aumento dos candidatos às cotas
matriculados pela ampla concorrência.
Gráfico 2 – Candidatos por processo seletivo e participação no total de inscritos para os cursos do EMI
do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Candidatos
AC (%) 61,0 63,2 61,2 63,5 69,2 65,4 67,9 63,6 64,9
Cotas (%) 39,0 36,8 38,8 36,5 30,8 34,6 32,1 36,4 35,1
Diferença (AC – 22,0 26,4 22,4 27,0 38,4 30,8 35,8 27,2 29,8
Cotas) (p.p)
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.
2014
2015
2016
2017
2018
2019
2020
2021
Matrículas
3.2 Testando a segunda hipótese: redução de matrículas nas cotas devido ao aumento
de candidatos às cotas matriculados pela ampla concorrência
Gráfico 3 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de inscrição no processo seletivo
para os cursos do EMI do IFF campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições e do Sistema Acadêmico do
IFF.
Tabela 6 – Evolução das matrículas de estudantes de perfil cotista nos cursos do EMI
do campus Campos Centro
Total Perfil Cotista
Processo
Matrículas Matrículas Matrículas % Perfil
Seletivo
Perfil Cotista AC Cotas Cotista
2013 136 3 133 48.5
2014 165 13 152 51.4
2015 188 25 163 57.3
2016 171 16 155 52.4
2017 170 23 147 51.6
2018 175 15 160 54.6
2019 164 10 154 51.1
2020 163 7 156 52.2
2021 112 63 49 42.2
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico do IFF.
20
candidatos às cotas. Porém, os dados de matrículas indicaram que neste momento houve
uma desigualdade maior entre os cotistas e ampla concorrência.
No que diz respeito aos prazos de matrícula, no campus Campos Centro foram
realizadas dezesseis reclassificações no ano de 202011 (de fevereiro a dezembro de 202012)
e quatorze em 2021 (de junho a setembro de 2021). A cada reclassificação, um novo prazo
de matrícula se abria.
Quanto ao cenário pandêmico, parte das matrículas de 2020 foram realizadas antes
da decretação do estado de emergência sanitária, o que não ocorreu com as matrículas de
2021.
Apesar da Organização Mundial da Saúde ter declarado Emergência em Saúde
Pública de Importância Internacional em 30 de janeiro de 2020, apenas em 11 de março o
Governo Federal brasileiro autorizou a regulamentação de quarentena pelas autoridades de
saúde ou seus superiores no âmbito dos Municípios, dos Estados, do DF ou da União
(BRASIL, 2020). Na mesma data o Estado do Rio de Janeiro publicou o Decreto nº 46.966
(RIO DE JANEIRO, 2020), determinando o isolamento para o enfrentamento da
pandemia. Antes desta data já havia transcorrido o período inicial de matrícula do processo
seletivo de 2020 e quatro reclassificações para o campus Campos Centro.
Entre o início da matrícula de 2020, em 03 de fevereiro, e a última reclassificação,
publicada em 8 de dezembro de 2020, foram 178.159 notificações de óbitos por Covid-
1913, uma média diária de 576 mortes no Brasil. Já no período entre o início da matrícula
e a última reclassificação do ano de 2021 (07 de junho a 27 de setembro de 2021) houve
um total de 121.249 novas notificações de óbitos por Covid-19, uma média de 1.073 mortes
por dia, apesar de já ter sido iniciada a vacinação no Brasil. E embora a matrícula fosse on-
line, a obtenção dos documentos não necessariamente se dava desta forma. Durante todo
o período da pandemia houve alterações de horários e dias de funcionamento dos serviços
públicos responsáveis pela produção de parte da documentação.
Embora não seja possível identificar precisamente a origem da desigualdade no
período da matrícula, é possível fazer algumas aproximações. Cada tipo de cota tem um
conjunto diferente de documentos a serem apresentados para a comprovação de seus pré-
requisitos. Caso uma cota, que exija a apresentação de um documento específico, tenha
11
Com base nas informações do Portal de Seleções do IFF.
12
O que ocorreu por conta do adiantamento da publicação das reclassificações, em 16 de março de 2020,
e a publicação da 5ª reclassificação em 22 de setembro de 2020.
13
Registros de mortes por data de notificação obtidos através do Painel Coronavírus do Ministério da Saúde,
em https://covid.saude.gov.br/. Planilhas eletrônicas: HIST_PAINEL_COVIDBR_2020_
Parte1_05set2022.csv, HIST_PAINEL_COVIDBR_2020_Parte2_05set2022.csv, HIST_PAINEL_
COVIDBR_2021_Parte1_05set2022.csv e HIST_PAINEL_COVIDBR_2021_Parte2_05set2022.csv.
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apresentado uma variação negativa maior, há uma possibilidade de que a produção deste
documento tenha se configurado como um obstáculo maior para a política de cotas entre
os próprios cotistas. Caso haja uma variação semelhante em todos os tipos de cotas,
fortalece-se a possibilidade do acesso e letramento digital serem os fatores de desigualdade
entre os candidatos cotistas e os estudantes da AC nesta etapa.
O Gráfico 4 apresenta as matrículas por tipo de cotas realizadas nos cursos do EMI
do campus Campos Centro para o período de 2013 a 2021. Conforme procedimento
metodológico explicado anteriormente, as cotas foram agregadas pelos critérios de ser
egresso de escola pública, étnico-racial e renda familiar per capita.
Gráfico 4 – Matrículas e participação no total de matrículas por tipo de ingresso e tipo de cota nos
processos seletivos nos cursos do EMI do IFF Campus Campos Centro.
Fonte: elaboração própria, 2022.
Nota: EEP = Egresso de Escola Pública; RFP = Renda familiar per capita; PPI = Pretos, Pardos e Indígenas;
PcD = Pessoa com Deficiência.
o grupo social mais vulnerável, foi aquela que apresentou um aumento crescente entre
2013 e 2020. E uma queda acentuada em 2021.
Como a cota EEP + RPF + PPI concentrou, na série histórica de 2013 a 2020, mais
matrículas, é necessário avaliar as taxas de variação de cada tipo de cota a fim de verificar
se houve, de fato, uma desigualdade maior para seus candidatos no momento de comprovar
seus pré-requisitos na matrícula. A Tabela 7 mostra a variação ano a ano. Nela evidencia-
se que a maior queda foi na cota EEP (-66,7% entre 2020 e 2021).
Tabela 7 – Taxa de variação anual das matrículas por tipo de cota nos cursos do EMI
do IFF campus Campos Centro entre 2014 e 2021
Processo EEP EEP + PPI EEP + RFP EEP + RFP + PPI
Seletivo (%) (%) (%) (%)
2013-2014 13.3 2.9 48.4 22.5
2014-2015 26.5 -8.3 6.5 28.6
2015-2016 -16.3 9.1 -14.3 -9.5
2016-2017 2.8 -33.3 7.1 12.3
2017-2018 -18.9 70.8 -2.2 -4.7
2018-2019 -30.0 -39.0 0.0 21.3
2019-2020 42.9 -8.0 -13.6 -2.7
2020-2021 -66.7 -39.1 -15.8 -22.2
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do Sistema Acadêmico.
comprobatórios de renda familiar os mais complexos (IFF, 2021a, Anexo VII), a cota EEP
+ RFP teve a menor queda relativa.
A Tabela 8 mostra que, assim como entre os matriculados (Tabela 8), a cota de
critério exclusivo EEP foi aquela com maior queda no número de candidatos. Porém, há
uma inversão no que tange às cotas com critério PPI: se elas tiveram a segunda maior queda
nas matrículas, é a que apresenta a menor variação negativa no número de candidatos: -
56,8% na cota EEP + PPI.
Tabela 8 – Taxa de variação anual dos candidatos por tipo de cota aos cursos do EMI
do IFF campus Campos Centro entre 2014 e 2021
Processo EEP EEP + PPI EEP + RFP EEP + RFP + PPI
Seletivo (%) (%) (%) (%)
2013-2014 -14.4 -18.3 -5.8 -9.4
2014-2015 -20.2 15.9 -1.8 2.0
2015-2016 -23.9 -2.4 -22.9 -11.8
2016-2017 -24.1 -39.7 -15.0 -23.6
2017-2018 -17.1 23.3 7.7 22.6
2018-2019 -11.8 -22.2 2.2 5.3
2019-2020 40.0 5.7 0.4 13.6
2020-2021 -70.2 -56.8 -63.2 -60.4
Fonte: elaboração própria, 2022, com base nos dados do portal de inscrições.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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precoce pela Covid-19. Rebep, v.37, 1-18, e0120, 2020. https://doi.org/10.20947/S0102-
3098a0120.
BONILLA, Maria Helena Silveira; OLIVEIRA, Paulo Cezar Sousa de. Inclusão digital:
ambiguidades em curso. In: BONILLA, Maria Helena Silveira; PRETTO, Nelson De Luca
(Orgs.). Inclusão digital: polêmica contemporânea. Salvador: EDUFBA, 2011. v. 2. p. 23-
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https://bit.ly/3qOYhk9. Acesso em 28 maio 2022.
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HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 2004.
RIO DE JANEIRO. Decreto nº 46.966. Rio de Janeiro, 13 mar. 2020. Disponível em:
https://bit.ly/3RBGFDZ. Acesso em: 09 set. 2022.