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AS RAZÕES DO DIREITO
ADMINISTRATIVO NA DOUTRINA
BRASILEIRA DO SÉCULO XIX
(1857-1884)
Rio de Janeiro
set./dez. 2019
As razões do Direito Administrativo
na doutrina brasileira do século XIX (1857-1884)
219
1 Introdução
No atual estágio das pesquisas, há mais dúvidas que certezas acerca
das características da cultura jurídica brasileira2 do século XIX. Apesar
1 – Professor adjunto de História do Direito – Universidade Federal do Paraná. Mestre
e doutor em Direito do Estado pela Universidade Federal do Paraná; Programa de De-
senvolvimento com Estágio no Exterior (doutorado-sanduíche) no Centro di Studi per
la Storia del Pensiero Giuridico Moderno, Università di Firenze. Professor Adjunto de
História do Direito na Universidade Federal do Paraná. Professor no Mestrado em Direito
do Centro Universitário Internacional. E-mail: prof.walter.g@gmail.com.
2 – Toma-se a expressão “cultura jurídica” no mesmo sentido sugerido por Ricardo Fon-
seca, como “o conjunto de significados (standards doutrinários, padrões de interpretação,
marcos de autoridade doutrinária nacionais e estrangeiras, influências e usos particulares
de concepções jusfilosóficas) que, efetivamente, circulavam na produção do direito e eram
aceitos nesta época no Brasil” – FONSECA, Ricardo Marcelo. Os Juristas e a Cultura Ju-
Isso faz com que o olhar dirigido pelos historiadores sobre a cultura
jurídica brasileira do século XIX usualmente padeça de duas graves limi-
tações que tendem a eclipsar a adequada percepção de suas peculiarida-
des: por um lado, a carência de empiria, em abordagens exclusivamente
teóricas que, sem as necessárias mediações, limitam-se a transplantar ao
continente americano temas e preocupações típicos da Europa pós-re-
volucionária, e nem sempre compatíveis com os verdadeiros problemas
enfrentados por nossa cultura jurídica; e, por outro, a carência de juridi-
cidade, em pesquisas que, sem reconhecer a dimensão civilizacional do
fenômeno jurídico, reduzem-no a objeto inerte livremente manejado por
conservadores e por liberais como instrumento de disputa política4.
rídica Brasileira na Segunda Metade do Século XIX. In: Quaderni Fiorentini per la storia
del pensiero giuridico moderno, n. 35. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2006, p. 339-371.
3 – José Reinaldo Lima Lopes fornece uma síntese do panorama existente, ressaltando
a existência de estudos de história das ideias, sobre a profissão jurídica, sobre as escolas
de direito, sobre o papel dos bacharéis, sobre instituições, mas pouquíssimas análises em-
piricamente fundadas sobre os debates propriamente jurídicos do século XIX – LOPES,
José Reinaldo. O Oráculo de Delfos: o conselho de Estado no Brasil-Império. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. XIV.
4 – Uma versão mais completa dessa crítica pode ser encontrada em GUANDALINI JR.,
Walter. O Poder Moderador: ensaio sobre o debate jurídico-constitucional no século XIX.
Curitiba: Prismas, 2016, p. 111; e GUANDALINI JR., Walter. Chave ou Fecho? O debate
jurídico erudito sobre a responsabilidade do poder moderador. In: Quaestio Iuris, vol. 09,
nº 02. Rio de Janeiro: UERJ, 2016, p. 1054.
h) Imprensa Estrangeira
Passemos, então, à análise dos resultados.
Nessas 235 páginas, o autor realiza 1269 citações – 5,4 citações por
página distribuídas na seguinte proporção:
Quadro 2 – Elementos de Direito Administrativo Brasileiro (Rego, 1857)
Categorias Gerais Categorias Específicas Citações Percentual Total
Constituição do Brasil 76 5,97%
Ato Adicional 30 2,35%
Lei Interpretativa 3 0,23%
Legislação Mo- 951
Legislação Brasileira Moderna 317 24,92%
derna (74,76%)
Regulamentos do Executivo Brasileiro 497 39,07%
Legislação Francesa Moderna 25 1,96%
Legislação de Outra Nacionalidade 3 0,23%
Doutrina Brasileira 7 0,55%
Doutrina Mo- 139
Doutrina Francesa 122 9,59%
derna (10,92%)
Doutrina de Outra Nacionalidade 10 0,78%
Jurisprudência Jurisprudência Brasileira 6 0,47% 7
Moderna Jurisprudência Estrangeira 1 0,07% (0,55%)
Direito Romano 4 0,31%
Direito Canônico 3 0,23%
Direito Natural 3 0,23% 116
Direito pré-1822 (9,11%)
Ordenações 18 1,41%
Legislação Antigo Regime 48 3,77%
Legislação 1808-1822 40 3,14%
Natureza das Coisas 10 0,78%
Experiência Prática 0 0,00%
Experiência Francesa 41 3,22%
59
Realidade Experiência Outros Países 5 0,39%
(4,63%)
Ciência 3 0,23%
Parlamento 0 0,00%
Imprensa 0 0,00%
1272
TOTAL (100%)
19 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 7 – grifos no original.
20 – SOUSA, Paulino José Soares. op.cit, p. 42.
21 – Sobre a polêmica ver GUANDALINI JR., Walter. O Poder Moderador: ensaio so-
bre o debate jurídico-constitucional no século XIX. Curitiba: Prismas, 2016; e GUAN-
DALINI JR., Walter. Chave ou Fecho? O debate jurídico erudito sobre a responsabilidade
do poder moderador, In: Quaestio Iuris, vol. 09, nº 02. Rio de Janeiro: UERJ, 2016, p.
1031-1059.
Nas 597 páginas dos dois volumes, foram realizadas 1089 citações,
em uma média de 1,82 citações por página. A média é bastante inferior à
das demais obras analisadas, o que talvez se explique pelo tipo de fontes
predominante empregadas no seu texto: as citações de textos legislativos
tendem a se repetir em grande quantidade, em razão da necessidade de
referência explícita a diversos dispositivos de uma mesma norma, ou até
mesmo diversas normas que regulam um mesmo assunto; as referências
doutrinárias e contextuais, porém, são usualmente mencionadas apenas
uma vez e, a partir delas, se desenvolvem livremente os argumentos pro-
postos pelo autor. Estas últimas tem uma participação proporcional no
texto bastante superior à verificada em outras obras do período, como se
infere da tabela abaixo:
Quadro 4 – Ensaio sobre o Direito Administrativo (Sousa, 1862)
Categorias Gerais Categorias Específicas Citações Percentual Total
Constituição do Brasil 52 4,77%
Ato Adicional 13 1,19%
Lei Interpretativa 2 0,18%
Legislação Brasileira Moderna 83 7,62%
368
Legislação Moderna Regulamentos do Executivo Brasileiro 96 8,81%
(33,78%)
Legislação Francesa Moderna 65 5,96%
Legislação Portuguesa Moderna 21 1,92%
Legislação Americana Moderna 12 1,10%
Legislação de Outra Nacionalidade 24 2,20%
Doutrina Brasileira 9 0,82%
Doutrina Francesa 234 21,48%
322
Doutrina Moderna Doutrina Inglesa 37 3,39%
(29,56%)
Doutrina Espanhola 10 0,91%
Doutrina de Outra Nacionalidade 32 2,93%
Jurisprudência Mo- Jurisprudência Brasileira 21 1,92% 27
derna Jurisprudência Estrangeira 6 0,55% (2,47%)
Direito Romano 13 1,19%
Direito Canônico 0 0,00%
Direito Natural 3 0,27% 42
Direito pré-1822 (3,85%)
Ordenações 6 0,55%
Legislação Antigo Regime 17 1,56%
Legislação 1808-1822 3 0,27%
quando se observa que a maior parte das citações não se refere à sua expe-
riência prática como administrador (1,01% do total) ou à sua atuação po-
lítica (5,40% do total, somando-se os debates parlamentares e na impren-
sa), mas ao conceito geral de “Natureza das Coisas” (9,64% do total) e à
experiência prática francesa (5,05% do total). Talvez, então, elas possam
ser melhor interpretadas como efeitos da influência do pensamento de
Montesquieu na teoria jurídica brasileira do século XIX, e da concepção
segundo a qual a interpretação do direito não deve se limitar à tradução
semântica do texto normativo, mas à explicitação da racionalidade objeti-
va que a fundamenta, na medida em que é compreendido como resultado
de relações objetivas derivadas da natureza das coisas23.
23 – MONTESQUIEU, Charles Secondat. De L’Esprit des Lois. Paris: Gallimard, 1995,
p. 22.
3 Conclusões
A análise dos dados coletados nos conduz a resultados gerais que
permitem traçar um panorama abrangente das fontes de produção do di-
reito administrativo brasileiro durante o século XIX, conforme o quadro
abaixo:
TOTAL 100%
38 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 128.
39 – MONTESQUIEU, Charles Secondat. De L’Esprit des Lois. Paris: Gallimard, 1995,
p. 22.
Fontes Legislativas
Predominância de Regulamentos do Executivo
Ênfase nas atribuições do imperador
Importância do direito constitucional no início e no final do período
Transição da doutrina francesa para a doutrina brasileira
Fontes do Direito
Irrelevância da jurisprudência
Direito anterior a 1822 como contexto histórico
Atenção à “natureza das coisas”
Sem diálogo com a “baixa cultura jurídica”
Influência da Escola da Exegese