Você está na página 1de 51

INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO

Walter Guandalini Junior

“MUITOS PONTOS DE SEMELHANÇA


ENTRE SI”: REPRESENTAÇÕES DO
DIREITO ADMINISTRATIVO ESPANHOL
PELA DOUTRINA ADMINISTRATIVISTA
BRASILEIRA NO SÉCULO XIX (1854-
1889)

GUANDALINI JUNIOR, Walter


“MUITOS PONTOS DE SEMELHANÇA ENTRE SI”:
REPRESENTAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
ESPANHOL PELA DOUTRINA ADMINISTRATIVISTA
BRASILEIRA NO SÉCULO XIX (1854-1889)
R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184(491): 55-104, jan./abr. 2023

Rio de Janeiro
jan./abr. 2023
“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)
55

“MUITOS PONTOS DE SEMELHANÇA ENTRE SI”:


REPRESENTAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
ESPANHOL PELA DOUTRINA ADMINISTRATIVISTA
BRASILEIRA NO SÉCULO XIX (1854-1889)1
“MANY POINTS OF SIMILARITY BETWEEN THEM”:
REPRESENTATIONS OF SPANISH ADMINISTRATIVE LAW
BY THE BRAZILIAN ADMINISTRATIVIST DOCTRINE IN THE
19TH CENTURY (1854-1889)
Walter Guandalini Junior 2

Resumo: Abstract:
É senso comum na dogmática administrativis- It is common sense in administrative dogmatics
ta a importância da doutrina estrangeira para that foreign doctrines were important for
a construção teórica do direito administrativo the theoretical construction of the Brazilian
brasileiro no decorrer do século XIX. Apesar do administrative law during the 19th century.
incontestável predomínio francês, outros países Despite the undisputed predominance of the
também têm suas doutrinas consideradas pelos French doctrine, Brazilian jurists have also
administrativistas brasileiros, com especial des- considered doctrines from other countries,
taque para a doutrina ibérica. O presente artigo mainly the Iberian doctrine. In the article,
pretende se dedicar especificamente à análise we examine to what extent the Spanish legal
das representações que a doutrina administrati- experience is represented in the Brazilian
vista brasileira do século XIX faz da experiência administrative doctrine of the 19th century. We
jurídica espanhola, avaliando os fatores que tor- consider the factors that made this translation
nam possível essa tradução, os termos em que possible, the terms in which it was developed
ela se desenvolve e os diversos usos e ressigni- and the various uses and re-significations to
ficações a que essa experiência é submetida pela which this experience was subjected by the
doutrina jurídica brasileira. Ao final conclui que Brazilian legal doctrine. Our conclusion is
as dificuldades análogas enfrentadas pelo Esta- that the similar difficulties faced by both the
do brasileiro e pelo Estado espanhol tornam a Brazilian and Spanish governments made the
doutrina espanhola uma referência importante Spanish doctrine an important reference for
para a doutrina administrativista brasileira, fa- the Brazilian administrative doctrine during its
zendo com que ela desempenhe um relevante formation period.
papel no processo de formação do direito admi-
nistrativo nacional.
Palavras-chave: história do direito administra- Keywords: history of Brazilian administrative
tivo brasileiro; história do direito administrativo law, history of Spanish administrative law, 19th
espanhol; século XIX. century.

1 – Agradeço ao Programa Movilidad de Profesorado Universidades del Grupo Torde-


sillas, cuja beca de estancia corta postdoctoral cofinanciada pela Fundación Carolina via-
bilizou a realização da presente pesquisa.
2 – Universidade Federal do Paraná. Centro Universitário Uninter. E-mail: prof.
walter.g@gmail.com, walter.guandalini@ufpr.br.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 55


Walter Guandalini Junior

1. Introdução

É senso comum na dogmática administrativista, e já se demonstrou


quantitativamente pelo método historiográfico3, a importância da doutri-
na estrangeira para a construção teórica do direito administrativo brasi-
leiro no decorrer do século XIX4. Ainda que as referências mencionadas
pelos administrativistas brasileiros do período sejam predominantemente
de natureza legislativa (71,85% do total), em segundo lugar aparecem as
fontes doutrinárias (9,75% do total), com nítida preferência pela doutrina
estrangeira (8,30% do total) – em especial a francesa, que além de ser re-
ferenciada por quase todos os autores5 do período, corresponde a 67,10%
de todas as citações da doutrina estrangeira6.

O fenômeno é compreensível, em seu duplo aspecto: por um lado,


sem dispor de um Estado Administrativo plenamente constituído, funcio-
nal e regulado (e, portanto, sem dispor de organização, funções, legisla-
ção ou jurisprudência administrativa que pudessem ser analisadas), os ad-
ministrativistas brasileiros encontravam na doutrina estrangeira, que já o
examinava como realidade madura, os elementos conceituais necessários
ao desenvolvimento de uma doutrina administrativista no Brasil – aqui
3 – GUANDALINI JUNIOR, Walter. A tradução do conceito de direito administrativo
pela cultura jurídica brasileira do século XIX, in: Revista da Faculdade de Direito da
UFMG, nº 74. Belo Horizonte: UFMG, 2019, p. 473-498; GUANDALINI JUNIOR, Wal-
ter. As razões do direito administrativo na doutrina brasileira do século XIX (1857-1884),
in: Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro, a. 180, n. 481, set.-dez. 2019, p.
219-254; e GUANDALINI JUNIOR, Walter. Raízes históricas do direito administrativo
brasileiro: fontes do direito administrativo na doutrina brasileira do século XIX (1857-
1884). Curitiba: Appris, 2019.
4 – A disciplina foi incluída no currículo das faculdades de Direito do Brasil em 1854,
e os primeiros estudos sobre o tema começaram a ser publicados em 1857 – como já
se demonstrou em GUANDALINI JUNIOR, Walter. História do Direito Administrativo
Brasileiro: Formação (1821-1895). Curitiba: Juruá, 2016.
5 – A exceção é Furtado de Mendonça, que em seu Excerto de Direito Administrativo
Pátrio (1865) realiza apenas uma citação doutrinária, de uma fonte portuguesa – GUAN-
DALINI JUNIOR, Walter. As razões do direito administrativo na doutrina brasileira do
século XIX (1857-1884), in: Revista do Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro, a. 180,
n. 481, set.-dez. 2019, p. 239.
6 – GUANDALINI JUNIOR, Walter. As razões do direito administrativo na doutrina
brasileira do século XIX (1857-1884), in: Revista do Instituto Histórico-Geográfico Bra-
sileiro, a. 180, n. 481, set.-dez. 2019, p. 248.

56 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

voltada não à regulação, mas à construção de um Estado Administrativo


nacional7. Por outro lado a doutrina francesa permanece sendo, durante
todo o século XIX, a principal referência inspiradora não só para o Brasil,
mas para todo o pensamento jurídico-administrativo ocidental: tanto pela
precoce organização do seu próprio Estado Administrativo, quando com-
parada ao ritmo de suas contrapartes europeias e americanas, quanto pela
invenção do direito que o viria a regular – graças à criativa atividade
jurisprudencial do Conselho de Estado e ao dedicado trabalho sistemati-
zador dos juristas que a examinaram8.

No entanto, apesar do incontestável predomínio francês, esta não


é a única experiência julgada relevante pelos administrativistas locais.
Inglaterra, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Bélgica, Itália, Alemanha,
Áustria, Polônia, Grécia e Uruguai também são citados durante o esforço
de desenvolvimento de um direito administrativo brasileiro, e têm suas
doutrinas, legislações e experiências práticas consideradas com atenção
nas análises realizadas pelos administrativistas locais.

Entre estes, destacam-se Inglaterra e Estados Unidos, que corres-


pondem respectivamente a 6,26% e 3,1% das citações da doutrina es-
trangeira. A importância atribuída pelos juristas brasileiros à experiência
do common law é curiosa, e mais bem explicada por razões políticas que
propriamente jurídicas: como demonstrou Lynch9, a experiência política

7 – Como se demonstrou em GUANDALINI JUNIOR, Walter. História do Direito Ad-


ministrativo Brasileiro: Formação (1821-1895). Curitiba: Juruá, 2016; e GUANDALINI
JUNIOR, Walter. A tradução do conceito de direito administrativo pela cultura jurídica
brasileira do século XIX, in: Revista da Faculdade de Direito da UFMG, nº 74. Belo
Horizonte: UFMG, 2019, p. 473-498.
8 – Como já se demonstrou à exaustão, entre outros, por BURDEAU, François. Histoire
du Droit Administratif. Paris: PUF, 1995 e MANNORI, Luca e SORDI, Bernardo. Storia
del Diritto Amministrativo. 4. ed. Milano: Laterza, 2006.
9 – LYNCH, Christian Edward Cyril. O Momento Monarquiano: o poder moderador e
o pensamento político imperial. Tese (Doutorado em Ciência Política). Rio de Janeiro:
Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 2007, p. 57; LYNCH, Christian
Edward Cyril. O Império da Moderação: agentes da recepção do pensamento político
europeu e construção da hegemonia ideológica do liberalismo moderado no Brasil Im-
perial, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 452, jul./set. 2011, p.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 57


Walter Guandalini Junior

inglesa é considerada um modelo importante para o pensamento político


imperial, que a concebe como exemplo de governo misto centralizado na
figura do monarca, a garantir a presença de um Executivo forte e capaz
de salvaguardar a liberdade em vista dos riscos da democracia. Não por
acaso, as citações da doutrina inglesa pelos administrativistas brasileiros
do século XIX se referem predominantemente a textos de economia po-
lítica e direito constitucional, não sendo mencionadas quaisquer obras de
direito administrativo10.

Os Estados Unidos, por sua vez, inobstante o regime republicano


e federalista, permanecem o principal exemplo de construção de uma
nova estrutura estatal após a ruptura dos laços coloniais com a Europa.
Este interesse também se reflete na natureza das obras citadas, referentes
ao modelo de Estado, à ocupação do território e, novamente, ao direito
constitucional – sem qualquer referência a textos específicos de direito
administrativo11.
311-340.
10 – No campo da Economia Política são citados Adam Smith (A Riqueza das Nações),
James Wilson (Capital, Currency and Banking), Thomas Tooke (A History of Prices) e
Edward Gibbon Wakefield (England and America); no Direito Constitucional são citados
William Blackstone (Commentaries on the laws of England), Henry Brougham (The Brit-
ish Constitution, Historical Sketches of Statesmen who flourished in the time of George III,
Political Philosophy), Thomas Erskine May (A Treatise on the Law, Privileges, Proceed-
ings and Usage of Parliament), Homersham Cox (The British Commonwealth), Albany
de Fonblanque (How we are governed), Edward Shepherd Creasy (The rise and progress
of the English constitution) e Henry Hallam (The Constitutional History of England).
Há referências a duas obras historiográficas, de John Armitage (The History of Brazil) e
Thomas Babington Macaulay (History of England) e, por fim à análise estatística de John
Ramsay Mac Culloch (A descriptive and statistical account of the British Empire) – que
embora seja aquela cuja temática pareça mais se aproximar das preocupações típicas do
direito administrativo, é citada por Uruguai durante suas reflexões sobre a natureza do
conselho de Estado brasileiro, portanto, também no contexto de uma análise de direito
constitucional (SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio
de Janeiro: Typographia Nacional, 1862, p. 210).
11 – Sobre a estrutura do Estado as reiteradas citações a Alexander Hamilton (The Fe-
deralist); sobre a ocupação do território Matthew Fontaine Maury (The Amazon, and the
Atlantic Slopes of South America), além do inglês Edward Gibbon Wakefield, já mencio-
nado na nota anterior (England and America); sobre direito constitucional Joseph Story
(Commentaries on the constitution of the United States), William Rawle (A view of the
constitution of the United States of America), James Kent (Commentaries on American
Law) e John Bouvier (Bouvier’s Law Dictionary) – as duas últimas não propriamente

58 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Dessa forma, a principal referência estrangeira para os administra-


tivistas brasileiros, excluído o paradigma francês, permanece sendo a do
direito administrativo ibérico – Portugal e Espanha, que recebem 2,74%
e 1,56% das citações brasileiras de doutrina estrangeira no período. A
proximidade linguística, a inquestionável identidade cultural, a facilidade
de circulação de livros e pessoas e a formação coimbrã de Veiga Cabral e
Paulino de Sousa12, talvez já fossem suficientes para tornar o pensamen-
to jurídico ibérico a mais importante fonte de reflexão para a análise do
direito administrativo brasileiro. Mas o fato é que ao examinarem essa
questão são os próprios juristas brasileiros a apontarem a relevância da
experiência ibérica, não pela herança colonial, mas em razão dos “muitos
pontos de semelhança” existentes entre as ordens jurídicas e as experiên-
cias administrativas desses países. É Soares de Sousa13 quem o explica:
As raias do Direito Administrativo, o qual, como veremos, é uma ci-
ência muito nova, não estão ainda tão claramente fixadas, que não
compreendam nela uns autores mais, e outros menos. Por isso as de-
finições que dela deram, são umas mais e outras menos amplas; e é
por isso mais ou menos restrito o círculo das matérias que abrangerão.
Cada um seguiu seu sistema, o que produz grande confusão no espírito
daqueles que procuram iniciar-se na ciência daquele Direito.
Demais conformam-se esses autores com o tipo da legislação espe-
cial que tiveram em vista. O Direito Administrativo da França, o da
Espanha, o de Portugal, o da Bélgica, o nosso mesmo, têm muitos
pontos de semelhança entre si, mas diversificam-se completamente
do da Inglaterra e dos Estados Unidos, como teremos ocasião de ob-
servar.

Dessa forma, por todo o século XIX permanece a experiência ad-


ministrativa francesa como modelo ideal a ser imitado; e subsistem os
modelos inglês e norte-americano como instrumentos de comparação por
contraste. Quando se trata, porém, de travar um diálogo efetivo sobre ex-
obras de direito constitucional, mas citadas durante reflexões dessa natureza.
12 – GUANDALINI JUNIOR, Walter. As razões do direito administrativo na doutrina
brasileira do século XIX (1857-1884), in: Revista do Instituto Histórico-Geográfico Bra-
sileiro, a. 180, n. 481, set.-dez. 2019, p. 230 e 233.
13 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 7.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 59


Walter Guandalini Junior

periências administrativas consideradas semelhantes à nossa, levando-se


em consideração as especificidades da realidade brasileira, é nos juristas
e na experiência ibérica que os administrativistas brasileiros parecem se
inspirar, enquanto promovem a construção de um direito administrativo
nacional.

Por esse motivo, o presente estudo pretende se debruçar especifica-


mente sobre as representações que a doutrina administrativista brasileira
do século XIX produz acerca do direito administrativo espanhol – sua
doutrina, sua legislação, sua experiência jurídico-administrativa como
um todo. Deixando para outra oportunidade a análise das relações entre o
direito administrativo brasileiro e o pensamento jurídico português14, en-
contramos no pensamento jurídico espanhol um modelo suficientemente
próximo (não é a França), suficientemente semelhante (não é a Inglaterra)
e suficientemente distante (não é Portugal) para refletirmos sobre os di-
versos modos como a doutrina jurídico-administrativa brasileira do sé-
culo XIX pôde se relacionar com a doutrina estrangeira, e as complexas
traduções e ressignificações a que foi submetido o direito administrativo
de inspiração francesa nos seus fluxos de circulação internacional. Para
isso, nos próximos capítulos avaliaremos os “pontos de semelhança” que
justificaram o interesse da doutrina jus-administrativa brasileira pela re-
alidade jurídico-administrativa espanhola e analisaremos as diversas re-
presentações que fazem os juristas brasileiros do direito administrativo
espanhol com que pretendem dialogar.

2. Os “pontos de semelhança entre si”: Espaço Resistente e Espaço


Excedente15

14 – Por um lado, mais evidente e imediata; por outro lado, mais complexa e matizada.
15 – Devo a expressão “espaço excedente” a Massimo Meccarelli, que a empregou para
referir-se ao contexto brasileiro do século XIX durante a sua palestra intitulada Il labora-
torio storiografico brasiliano e il pluralismo giuridico visti dall’Europa: problemi e op-
portunità. A exposição integrava a programação do seminário Pluralismo Giuridico: Iti-
nerari Contemporanei, realizado em comemoração aos 50 anos dos Quaderni Fiorentini e
em memória de Paolo Grossi na cidade de Florença, nos dias 20 e 21 de outubro de 2022.

60 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

A construção do moderno Estado Administrativo na Espanha foi


resultado de um processo lento, complexo e descontínuo, que por suas
peculiaridades exigiu o enfrentamento de obstáculos, se não tão seme-
lhantes, como sugeria Sousa16, ao menos análogos àqueles que enfrentaria
também o Brasil. Tais dificuldades acabaram levando ao desenvolvimen-
to de soluções político-administrativas afins, e contribuindo para que a
Espanha fosse vista, pelos administrativistas brasileiros, como um mode-
lo relevante a ser considerado na construção de um direito administrativo
nacional.

Um importante elemento de analogia entre a experiência jurídico-ad-


ministrativa espanhola e a experiência jurídico-administrativa brasileira
se encontra no tipo de relação que nelas se estabelece entre o governo e o
espaço, e nas suas consequências para o modelo de governo passível de
ser adotado. Como alertou Meccarelli17, os regimes de espacialidade
pressupostos pelo ordenamento vigente determinam os padrões de rela-
ção possíveis entre as técnicas de governo e as práticas de pluralidade,
devendo ser considerados com atenção na análise dos regimes de juridi-
cidade historicamente existentes.

Embora sejam distintas as configurações de espacialidade e juridici-


dade existentes na Espanha e no Brasil do século XIX, elas geram emba-
raços correlatos. Enquanto o Estado Administrativo francês pôde se cons-
truir sobre as ruínas da sociedade corporativa no espaço vazio criado à
força pela ação revolucionária, Espanha e Brasil enfrentaram dificuldades
para a inserção da juridicidade instituinte sobre a espacialidade preexis-
tente18: na Espanha, em razão de uma densa malha estriada de espaciali-
dade resistente às novas práticas governamentais, materializada na per-

16 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 7.
17 – Na palestra já mencionada: Il laboratorio storiografico brasiliano e il pluralismo
giuridico visti dall’Europa: problemi e opportunità., proferida no Centro di Studi Paolo
Grossi per la Storia del Pensiero Giuridico durante o seminário Pluralismo Giuridico:
Itinerari Contemporanei, na cidade de Florença em 20 de outubro de 2022.
18 – Agradeço a Sebastián Martín pelo comentário preciso que tornou possível o desen-
volvimento deste argumento.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 61


Walter Guandalini Junior

sistente reação corporativa do antigo regime; e no Brasil em razão de um


vazio rarefeito de espacialidade excedente às próprias possibilidades de
ação governamental, materializado na carência das condições materiais
necessárias para a extensão do governo até os limites do território. As
dificuldades distintas geraram um problema semelhante: que papel atri-
buir ao direito administrativo de um Estado incapaz de administrar (por
excesso de limites ou por carência de meios) o espaço sob sua autoridade.
De fato, ao final do processo de unificação promovido pelas con-
quistas militares dos Reis Católicos (Fernando II de Aragão e Isabel de
Castela), em 1492, o Estado espanhol se caracterizava como Monarquia
única sobre reinos distintos, cada um deles dotado de suas próprias estru-
turas e instituições de governo. Seguindo a tendência de suas contrapar-
tes europeias, nos séculos seguintes a Coroa buscou acumular poderes e
reduzir as esferas de autonomia local19, um processo que foi intensificado
após as Guerras de Sucessão do século XVIII, quando os Bourbon vito-
riosos implementaram diversas medidas centralizadoras: a unificação lin-
guística e jurídica sob o padrão castelhano, a supressão das instituições de
governo local e a reforma da administração central a partir dos Decretos
de Nueva Planta (1707-1716) – com a extinção do regime polissinodal, a
criação de uma nova estrutura ministerial coordenada pela Junta Suprema
do Estado e a importação da figura francesa do intendente, representante
da autoridade real em matéria de polícia, fazenda, exército e justiça20.

19 – Não sem resistência, como mostra o fracasso da reforma centralizadora proposta


pelo Conde-Duque de Olivares em 1624, celebremente sintetizada no aforismo “multa
regna, sed una lex”.
20 – TOMÁS Y VALIENTE, Francisco. Manual de Historia del Derecho Español. 4ª ed.
Madrid: Tecnos, 1986, p. 246; Rebollo, Enrique Orduña. Historia del Estado Español.
Madrid: Marcial Pons, 2015, p. 189.

62 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Mapa político da Espanha até 183321

Porém, como argumenta Medina Alcoz22, a administrativização e o


absolutismo dos Bourbon nunca chegaram a ser uma realidade acabada,
sendo mais bem compreendidos como uma “dinâmica ou tendência”, que
não chegou a liquidar a matriz jurisdicionalista da monarquia espanhola
e nem as malhas feudo corporativas dos seus reinos. Para a monarquia
espanhola do século XVIII, a atividade de governo continuava consistin-
do em normatizar as atividades dos súditos por meio de leis de polícia ou
autos de bom governo, executados sob um modelo jurisdicional pautado
pela regulação e preservação da ordem, mas não pela intervenção admi-
nistrativa. As tarefas governativas de gestão permaneciam sob a respon-
sabilidade dos corpos intermediários, e subsistiam as bases organizativas
da sociedade corporativa: o pluralismo jurídico-institucional e os particu-
larismos feudais, integralmente conservados nos territórios que haviam

21 – Imagem disponível no endereço eletrônico https://www.geografiainfinita.


com/2017/10/asi-se-ha-formado-el-mapa-de-espana/ em 28 de outubro de 2022.
22 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 59.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 63


Walter Guandalini Junior

se recusado a apoiar os Habsburgo na Guerra de Sucessão (Navarra,


Biscaia, Álava, Guipúscoa) e significativamente preservados no Reino de
Aragão – o que leva Medina Alcoz a concluir que o principal objetivo dos
Decretos de Nueva Planta não era promover a centralização da autoridade
política, mas apenas castigar politicamente a oposição aos Bourbon23. O
governo permanece organizado sob um modelo jurisdicional, que atribui
ao soberano o dever de reconhecer e preservar a ordem preexistente – mas
não o poder de instituir uma nova ordem com base em sua vontade.

A dualidade desse modelo pronto-administrativo e semi-jurisdicional


é bem ilustrada pelo quadro abaixo. Pintado por José Alonso del Rivero
em 1805, celebra o projeto colonizador implementado por Carlos III em
1767, quando promulgou o Fuero de las Nuevas Poblaciones de Sierra
Morena y Andalucía, determinando o estabelecimento das novas colônias
ao norte da província de Jaén.

Carlos III entregando las tierras a los colonos de Sierra Morena, José Alonso del Rivero (1805)

23 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:


Marcial Pons, 2022, p. 64.

64 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

A imagem expõe as contradições do período. Por um lado, celebra


um projeto de colonização proposto com o objetivo reformista de superar
os entraves do antigo regime, atraindo colonos alemães para o progresso
de regiões desabitadas da Andaluzia24 – símbolo do esforço tipicamente
moderno de domínio do homem sobre o espaço que organiza para melhor
governar. Já o aspecto “administrativo” da imagem se manifesta clara-
mente pela presença dos burocratas, representantes da atividade técnica
de administração que torna possível o exercício da magnificência real:
são apresentados em vestes civis o Fiscal de Castela Pedro Rodriguez
de Campomanes, que segura o plano de colonização, e o “afrancesado”
Superintendente de Nuevas Poblaciones Pablo de Olavide, que fornece
as instruções necessárias à adequada execução do projeto que idealizou25.

Contudo, o projeto de colonização ainda se organiza nos termos do


antigo regime, pela concessão de um regime foral privilegiado às novas
colônias. Essa dualidade transparece nas decisões estéticas do artista: o
monarca é representado em conformidade com a imagética tradicional
do antigo regime, em vestimenta alegórica, portando coroa de louros, ar-
madura e toga de imperador romano. Acompanhado pelas alegorias da
Beneficência e da Arquitetura, apresenta-se como titular das virtudes ne-
cessárias ao bom governo, que não é retratado como livre exercício da sua
autoridade, mas como distribuição de dádivas em conformidade com a
justiça. Significativamente o título atribuído ao quadro enfatiza a doação
de terras aos colonos, e não a racionalidade do projeto colonizador; da
mesma forma, na posição central e mais iluminada da imagem se encon-
tram, ao lado do rei, os próprios colonos, que demonstram gratidão por
sua magnanimidade. O poder se apresenta em seu esplendor como iuris-

24 – HAMER-FLORES, Adolfo. El Fuero de las Nuevas Poblaciones de Sierra Morena


y Andalucía (1767): aproximación a sus ediciones impresas em recopilaciones legislativas
de los siglos XVIII y XIX, in: Codex: boletín de la Ilustre Sociedad Andaluza de Estu-
dios Histórico-jurídicos, n. 8. Córdoba: Instituto Español de Ciencias Histórico-Jurídicas,
2018, p. 142.
25 – PÉREZ, Manuel Mateo. Cuando Carlos III fundó las Nuevas Poblaciones, in: El
Mundo. Publicado no endereço eletrônico https://www.elmundo.es/andalucia/2021/08/23
/611f9ff1e4d4d8904d8b4604.html em 23 de agosto de 2021. Acessado em 28 de outubro
de 2022.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 65


Walter Guandalini Junior

dictio, e a justa distribuição das terras materializa a replicação material da


ordem divina que o orienta. Também por isso a dúplice representação do
monarca: caminhando sobre a terra, em meio aos seus súditos, mas dota-
do de uma aura sublime, que o conecta com a divindade – a luminosidade
de sua figura, as virtudes que o acompanham, as roupas que o distinguem,
a carruagem da Beneficência percorrendo as nuvens.

Essa dualidade persiste até a crise final do antigo regime, acelera-


da pela intervenção militar napoleônica e pela Guerra de Independência
espanhola (1808-1814): a derrota da aliança hispano francesa na batalha
de Trafalgar (1804), o acordo para a invasão conjunta de Portugal forma-
lizado no Tratado de Fontainebleau (1807) e a consequente presença de
tropas napoleônicas no território espanhol motivaram uma sequência de
motins, sublevações e levantes populares contra a monarquia e o exército
francês, que culminaram com as abdicações de Carlos IV e Fernando VII,
seguido da nomeação de José Bonaparte como rei da Espanha. A popu-
lação respondeu com a criação de juntas locais de defesa, que reunidas
em uma Junta Central, convocaram as cortes e promulgaram em 1812 a
primeira constituição espanhola. A Constituição de Cádis estabelecia a
soberania popular, abolia os privilégios, instituía a divisão de poderes
e fundamentava uma série de medidas de desmantelamento das estrutu-
ras econômicas e senhoriais do antigo regime – desamortização dos bens
eclesiásticos, abolição das senhorias jurisdicionais, encerramento dos
grêmios e corporações.

As transformações propostas pareceriam suficientes para o esvazia-


mento das corporações intermediárias e a criação do espaço vazio neces-
sário à instituição de um verdadeiro Estado Administrativo, nos moldes
do que já havia realizado a França logo após a Revolução de 1789; no
entanto, a extensão do governo de Cádis dependia do sucesso no confron-
to com os franceses, e o novo regime político jamais chegou a se estabe-
lecer definitivamente. Em 1813, Fernando VII é restabelecido no trono
por Napoleão e em 1814 retorna à Espanha, dissolvendo as Cortes, sus-
pendendo a constituição e derrogando a sua obra legislativa. Reinstaura,
assim, o absolutismo, garantindo a sua sobrevida política em meio às idas

66 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

e vindas de uma crise26- que só viria a ser definitivamente superada após


a sua morte, em 1833.

É somente durante a Regência de Maria Cristina de Bourbon que se


conclui a transição ao regime constitucional. O conflito sucessório com
a facção carlista a obriga a recorrer ao apoio dos liberais moderados, o
que contribui para conduzir o governo à nova direção. Com a atividade
do ministro de fomento Javier de Burgos (1833-1834) implementa-se a
reforma da administração civil, suprimem-se as instituições corporativas
e promove-se a racionalização da divisão territorial e judiciária. A pro-
mulgação da constituição de 1837 consolida a separação de poderes e o
novo regime liberal, e a maioridade de Isabel II (1843) consagra a hege-
monia dos liberais moderados, finalmente tornando realidade o Estado
Administrativo espanhol27.

É a partir desse momento que começa a se desenvolver na Espanha


uma atividade de efetiva intervenção na ordenação política da socieda-
de, uma burocracia civil voltada à execução dessa atividade e um di-
reito apto a regulá-la nas relações que estabelece com os cidadãos. A
“década incrível” de 1840 é considerada uma era de ouro para os estu-
dos administrativos espanhóis28: são criadas cátedras de administração
e direito administrativo em escolas especiais e tem início a publicação
dos primeiros estudos de direito administrativo – Elementos de Derecho
Administrativo, de Manuel Ortiz de Zuñiga (1842), Instituciones del
Derecho Administrativo Español, de Pedro Gomez de la Serna (1843),
Lecciones de Administración, de José Posada Herrera (1843), Tratado
Teórico-práctico de la organización, competencia y procedimentos en
matérias contencioso-administrativas, de Julián Peláez del Pozo (1849),

26 – Em 1820 a Revolução Liberal obriga Fernando VII a restabelecer a Constituição,


novamente abjurada em 1823 graças à invasão do Exército francês, que o apoia na restau-
ração da monarquia absoluta.
27 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 91.
28 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 268.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 67


Walter Guandalini Junior

Derecho Administrativo Español, de Manoel Colmeiro (1850), entre vá-


rios outros.

O Plano Cerdá para a reforma urbana de Barcelona, elaborado por


Ildefonso Cerdá em 1860, ilustra com clareza o novo modelo de relação
entre o poder político e a espacialidade: impessoal, nele o governante
não mais aparece como distribuidor de dádivas; racionalista, promove o
estriamento do espaço disponível em conformidade aos princípios lógico-
-abstratos que o fundamentam e aos objetivos práticos que o orientam;
voluntarista, os critérios de composição do espaço não são mais fixados
pela ordenação natural divina, mas pelo arbítrio autoritário do governan-
te (que no exercício de sua autoridade pôde até mesmo desconsiderar o
projeto vencedor do concurso, que havia sido apresentado por Antonio
Rovira y Trías).

Plano Cerdá para a reforma urbana de Barcelona (Ildefonso Cerdá, 1860)29.

29 – Imagem disponível no endereço eletrônico https://es.wikipedia.org/wiki/Plan_


Cerd%C3%A1 em 28 de outubro de 2022.

68 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

A resiliência corporativa e a dificuldade em implementar o moderno


Estado Administrativo tornam a experiência espanhola interessante para
os administrativistas brasileiros do século XIX, que nela parecem encon-
trar uma referência mais próxima de suas realidades do que no Estado
francês. Afinal, também o Brasil litigava com um espaço superior às suas
capacidades de intervenção – não por excesso de resistência, mas por
excesso de vazio. Até o início do século XX a espacialidade brasileira
excedia as capacidades de intervenção do governo, sendo formada por
espaços de território e sociedade que simplesmente não se integravam ao
implante da instituição estatal.

Refiro-me, é claro, às conhecidas dificuldades de ocupação do des-


comunal território americano pelos portugueses, que, como apontava em
1627 o Frei Vicente de Salvador, “sendo grandes conquistadores de ter-
ras, não se aproveitaram delas, mas contentam-se de as andar arranhando
ao longo do mar como caranguejos”30. Ainda no século XIX a situação
não era diferente: as grandes cidades se concentravam no litoral, com
poucas exceções às margens dos rios que corriam do interior (na bacia
do Amazonas, motivada pela busca das drogas do sertão; na bacia do São
Francisco, pela pecuária; e na bacia do Paraná pelas bandeiras em busca
de ouro e escravos). A colonização das regiões do Sul e Sudeste só foi
realizada entre o final do século XIX e o início do século XX, por imi-
grantes centro-europeus, e a ocupação efetiva do Centro-Oeste e do Norte
só ocorreu na segunda metade do século XX, motivada pela expansão da
fronteira agrícola e impulsionada pela construção de Brasília – consti-
tuindo até hoje as regiões menos densamente povoadas do país.

30 – SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil (edição revista por Capistrano de


Abreu). Brasília: Edições do Senado Federal, 2010, p. 70.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 69


Walter Guandalini Junior

Mapa populacional do Brasil até 182231

Mas refiro-me também a um espaço social não integrado à estata-


lidade brasileira: africanos resistentes à escravização, organizados em
quilombos subtraídos à jurisdição estatal; indígenas não assimilados em
suas comunidades tradicionais; grandes proprietários de terras imunes à
interferência do governo central; e uma massa de pobres que, mesmo en-
contrando-se fisicamente nas regiões sob controle estatal, permaneciam
inatingidos pelos limitados recursos de administração dos quais dispunha
o governo.

31 – Imagem disponível no endereço eletrônico http://profwladimir.blogspot.


com/2020/06/exercicios-sobre-formacao-do-territorio.html em 28 de outubro de 2022.

70 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Nessas condições, apesar de já no século XVIII a monarquia por-


tuguesa começar a implementar medidas de natureza administrativa, a
transferência da Corte ao Brasil impôs, no novo espaço, o regresso às
práticas tradicionais do antigo regime.

De fato, os esforços de transformação das estruturas de governo da


Monarquia Administrativa em Portugal haviam tido início em meados
do século XVIII, durante a administração do Marquês de Pombal32. A
destruição de Lisboa pelo terremoto de 1755 criou a oportunidade de que
necessitava, na medida em que a reconstrução da cidade exigia um co-
nhecimento mais preciso das populações e dos seus movimentos, o que
demandava uma profunda reorganização do reino e um comportamento
cada vez mais ativo da monarquia. Criaram-se novas estruturas e insti-
tuições administrativas, destinadas a realizar uma intervenção cada vez
maior em espaços antes deixados ao campo da autonomia privada, au-
mentando o controle da administração sobre a economia, o território e a
população do reino33; desenvolvem-se no discurso jurídico e político po-
sicionamentos favoráveis à expansão da atividade real e ao absolutismo34,
e a legislação passa a adotar princípios da polícia e da economia política
como critérios orientadores da ação de governo35. As novas práticas se
desenvolvem principalmente na capital do Império, mas a mudança não
deixa de reverberar nos territórios americanos, onde a criação do segundo
Tribunal da Relação brasileiro (no Rio de Janeiro, em 1751) e a edição da

32 – O argumento exposto a seguir foi originalmente apresentado em GUANDALINI


JUNIOR, Walter. História do Direito Administrativo Brasileiro: Formação (1821-1895).
Curitiba: Juruá, 2016, p. 151.
33 – SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. Actores, territórios e redes de poder, entre
o antigo regime e o liberalismo. Curitiba: Juruá, 2011.
34 – SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. As prelecções de Ricardo Raymundo
Nogueira (1746-1827): alguns aspectos do discurso pró-absolutista na literatura jurídica
portuguesa do final do antigo regime, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico Bra-
sileiro, v. 452, jul./set. 2011, p. 87-113.
35 – SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A Polícia e o Rei-Legislador: notas sobre
algumas tendências da legislação portuguesa no Antigo Regime, in: História do Direito
Brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional (Eduardo Bittar, org.). São Paulo: Atlas,
2008, p. 91-108.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 71


Walter Guandalini Junior

Lei da Boa Razão (1769), contribuíram para a centralização do poder e o


reforço da autoridade metropolitana.

Apesar dessas medidas centralizadoras, contudo, subsistia em


Portugal e no Brasil um sistema híbrido de administração prebendária-
-burocrática, em um modelo que Arno e Maria José Wehling chamaram de
“prismático”36 – por combinar traços burocráticos modernos com práticas
e normas tradicionais. No Império Português, assim como na Espanha, o
Estado se organizava até o início do século XIX sob o regime de uma du-
alidade jurisdicional-administrativa, que apesar dos esforços realizados
não chegava a superar as práticas governativas do antigo regime.

A iconografia da família real portuguesa também é clara em demons-


trar a persistência do modelo jurisdicional ainda no século XIX, mes-
mo na capital do Império. Em sua Alegoria das Virtudes de D. João VI,
concluída em 1810 quando a corte já se havia transferido para o Rio de
Janeiro, Domingos Sequeira apresenta o monarca pairando nas nuvens
sobre o reino, cercado das virtudes necessárias ao exercício do bom go-
verno: a Generosidade, a Felicidade Pública, a Religião, a Compaixão,
a Clemência, a Estabilidade e Grandeza de Ânimo, o Heroísmo, a
Afabilidade, a Docilidade etc.37
36 – WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial:
o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p.
1091; WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Justiça ordinária e justiça administrati-
ve no Antigo Regime – o caso brasileiro, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, v. 452, jul./set. 2011, p. 177-200.
37 – Segundo a descrição do Dicionário de Iconografia Portuguesa: “o Príncipe empu-
nhando o cetro está no alto, sentado sobre nuvens rodeado de uma grande corte de figuras
alegóricas simbolizando as virtudes. Assim se vêem a Generosidade, a Felicidade Pública,
a Religião, a Compaixão, a Clemência, a Estabilidade e Grandeza de Ânimo, o Heroísmo,
a Afabilidade, a Docilidade, etc. Todas estas figuras empunham os seus atributos simbó-
licos, sucedendo da mesma maneira com as outras figuras que se vêem inferiormente, no
primeiro plano, onde o Gênio da Nação apresenta, em sinal de agradecimento por aquelas
extraordinárias qualidades que exornam o Príncipe, a Fidelidade com uma chave ao pes-
coço; a Saudade com um ramo de flores do mesmo nome; a Obediência com um freio na
boca; a Gratidão com uma cegonha; o Amor da Pátria com as quinas gravadas no peito,
a História com um buril na mão gravando num grande pedestal uma dedicatória que as
figuras do Tempo, de Mercúrio, de Minerva contemplam”, apud ANASTÁCIO, Vanda. A
Glória do Reino Unido. Reflexões em torno de um texto dramático de Francisco Joaquim
Bingre, in: Revista Convergência Lusíada, nº 19. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português

72 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Alegoria das Virtudes de D. João VI, Domingos Sequeira (1810).

Considerando-se essas características, a obra de Domingos Sequeira


se mostra até mesmo mais conservadora que a representação simbólica
de Carlos III por José Alonso del Rivero. Afinal, na imagem espanhola
o monarca se encontrava no solo, caminhando em meio ao povo, apesar
dos diversos elementos de governo jurisdicional. Na representação por-
tuguesa, João VI é posicionado em um trono nas nuvens, segurando em
suas mãos o Liber Mandatorum Dei, a indicar o vínculo estreito entre o
seu governo e a preservação da ordem natural divina.

O modelo recua ainda mais após a transferência da Corte ao Brasil.


Embora se replique no Rio de Janeiro toda a estrutura da adminis-
tração central que vigorava em Portugal (já em 1808 são instituídos o
Gabinete Ministerial, o Conselho de Estado, o Conselho Supremo Militar
e de Justiça, a Mesa do Desembargo do Paço, a Mesa da Consciência e
Ordens, a Casa de Suplicação, o Erário Público, a Junta de Comércio e a
Intendência Geral de Polícia), o transplante não é suficiente para modi-
de Leitura do Rio de Janeiro, 2002, p. 412.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 73


Walter Guandalini Junior

ficar a estrutura de governo da Colônia, que apresenta obstáculos ainda


mais robustos do que aqueles que já existiam em Portugal: uma estrutura
burocrática frágil e incipiente, incapaz de dar execução às ordens de po-
lícia; um corpo social predominantemente rural e distante do alcance do
governo central; um dispositivo de governo ainda fundado em concep-
ções jurisdicionais de poder, incapaz de reconhecer ao soberano poder de
intervenção ativa na realidade social.

Essa situação permanece a mesma durante todo o século XIX.


Sequer o interesse dos juristas e funcionários pela nova disciplina de di-
reito administrativo (que em 1854 começa a ser ensinada nas faculdades
de direito e em 1857 passa a ser examinada pela doutrina jurídica) é sufi-
ciente para mudar o panorama, o que acaba transformando-a, na prática,
em um sucedâneo do direito constitucional – ao qual se atribui a fun-
ção de fundar a legitimidade e organizar a estrutura do Estado brasileiro
recém-independente38. Somente no século XX o Estado Brasileiro viria a
desenvolver algum poder de intervenção ordenadora da vida social urba-
na39, como se observa na emblemática reforma urbana do Rio de Janeiro
promovida pelo prefeito Francisco Pereira Passos (1902-1906): visando à
higienização da cidade e à ordenação racional da malha de circulação vi-
ária, a reforma urbana demole todo o centro colonial carioca, alarga ruas,

38 – Como já se demonstrou em Guandalini Jr., Walter. Espécie invasora – história da


recepção do conceito de direito administrativo pela doutrina jurídica brasileira no século
XIX, in: Revista de Direito Administrativo, v. 268, jan./abr. Rio de Janeiro: FGV, 2005,
p. 213-247; GUANDALINI JR., Walter. História do Direito Administrativo Brasileiro:
Formação (1821-1895). Curitiba: Juruá, 2016; GUANDALINI JR., Walter. A tradução
do conceito de direito administrativo pela cultura jurídica brasileira do século XIX, in:
Revista da Faculdade de Direito da UFMG, nº 74. Belo Horizonte: UFMG, 2019, p.
473-498; e GUANDALINI JR., Walter. Temas do direito administrativo na doutrina jurí-
dica brasileira do século XIX : análise quantitativa (1857-1884), in: Revista do Instituto
Histórico-Geográfico Brasileiro, a. 183, n. 488, jan.-abr. 2022, p. 197-232.
39 – GUANDALINI JUNIOR, Walter; TEIXEIRA, Livia Solana Pfuetzenreiter de
Lima. Um Direito Administrativo de Transição: o conceito de direito administrativo na
cultura jurídica da Primeira República Brasileira (1889-1930), in: Direito, Estado e So-
ciedade, n. 58, jan.-jun. 2021, p. 422-459; e SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. O
Direito Administrativo e a Expansão do Estado na Primeira República: notas preliminares
a uma história da doutrina administrativista no Brasil, in: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, v. 485, jan./abr. 2021, p. 165-202.

74 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

abre avenidas e desloca à força a maior parte da população pobre, que


habitava os cortiços do centro, para os subúrbios e os morros da cidade.

A cidade do Rio de Janeiro em 1908, com a Avenida Central cortando o centro colonial40

Desse modo, quando o pensamento jurídico-administrativo brasilei-


ro de meados do século XIX se propõe a dialogar com a doutrina es-
panhola, havia semelhanças e diferenças importantes entre as realidades
com que se ocupavam.

Por um lado, ambos lidavam com as heranças de um recente passado


dual, marcado pela combinação de práticas jurisdicionais e administrati-
vas em um contexto definido pela incapacidade estatal de administrar o
espaço (resistente ou excedente) sob sua responsabilidade; da mesma for-
ma, ambos se debruçavam sobre um governo liberal-moderado inspirado
no doutrinarismo francês, que buscava conter os excessos da revolução
com o fortalecimento da autoridade real e a restrição elitista do direito de
voto, em uma monarquia constitucional representativa que fosse capaz de
assegurar a estabilidade política.

40 – Imagem disponível no endereço eletrônico https://arquitetandoblog.wordpress.


com/2007/06/23/reformas-urbanas-rio-de-janeiro-seculo-xx/ em 29 de outubro de 2022.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 75


Walter Guandalini Junior

Por outro lado, a Espanha de meados do século XIX já havia ins-


taurado o seu próprio Estado Administrativo, e a ciência administrativa
e jurídico-administrativa que produzia se referia à realidade de uma ad-
ministração em ação, enquanto o Brasil da mesma época ainda procurava
instaurá-lo, ressentindo-se das carências materiais que dificultavam a sua
implantação efetiva. Assim, talvez o que o pensamento jurídico brasileiro
buscasse no pensamento jurídico espanhol fosse justamente alguma ins-
piração para encontrar a solução deste problema: que funções atribuir ao
direito administrativo de um Estado sem administração, e como concluir
a transição rumo a uma estrutura moderna de Estado Administrativo –
como o Estado espanhol já havia conseguido realizar.

Compreender de que maneira os juristas brasileiros leem e interpre-


tam o direito administrativo espanhol pode contribuir para jogar alguma
luz sobre essas questões.

3. Representações do direito administrativo espanhol pela doutrina


administrativista brasileira no século XIX
De início deve-se apontar que apesar da importância proporcional
atribuída ao direito administrativo espanhol, quando considerado o con-
junto da produção doutrinária brasileira, as citações de autores espanhóis
não estão uniformemente distribuídas entre as obras brasileiras do sé-
culo XIX. Dos oito livros publicados sobre o tema no período41, apenas
dois expressamente se referem à doutrina espanhola: o Ensaio de Direito
Administrativo de Paulino José Soares de Sousa (o Visconde de Uruguai),
publicado em 186242, e o Direito Administrativo Brasileiro de Antonio
41 – Direito Público Brasileiro e Análise da Constituição do Império, de José Antônio
Pimenta Bueno (1857); Direito Administrativo Brasileiro, de Prudêncio Giraldes Tava-
res Veiga Cabral (1859); Elementos de Direito Administrativo Brasileiro, para uso das
Faculdades de Direito do Império, de Vicente Pereira do Rego (1860); Ensaio sobre o
Direito Administrativo, de Paulino José Soares de Sousa (1862); Estudos Práticos sobre
a Administração das Províncias no Brasil, também de Paulino de Sousa (1865); Excerto
de Direito Administrativo Pátrio, de Francisco Maria de Souza Furtado de Mendonça
(1865); Direito Administrativo Brasileiro, de Antonio Joaquim Ribas (1866); e Epítome
de Direito Administrativo Brasileiro segundo o Programa do Curso de 1884, de José
Rubino de Oliveira (1884).
42 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-

76 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Joaquim Ribas, publicado em 186643; e outros dois somente à legislação


e à experiência administrativa espanholas: os Estudos Práticos sobre a
Administração das Províncias no Brasil, também de Paulino de Sousa
(1865)44, e o Excerto de Direito Administrativo Pátrio, de Francisco
Maria de Souza Furtado de Mendonça (1865)45. Excepcionadas estas
obras, o que se verifica na doutrina administrativista brasileira em geral é
a já mencionada dependência teórica do modelo francês, com referências
muito esporádicas a outras fontes estrangeiras – entre as quais sobres-
saem, como já havíamos indicado, as referências de natureza político-
-constitucional às teorias jurídicas inglesa e norte-americana.

Deve-se ressaltar, contudo, que se as referências de Sousa e Ribas à


doutrina espanhola os torna excepcionais em relação às demais obras do
período, não é este o único fator. Em primeiro lugar, porque são estes os
livros em que se encontra a maior participação proporcional de citações
de doutrina estrangeira não francesa – 7,23% do total de citações da obra
de Sousa e 2,06% do total de citações da obra de Ribas, enquanto a média
das demais obras é de apenas 0,33% do total de referências46. Além disso,
porque a análise qualitativa demonstra tratar-se das obras mais comple-
xas do período, responsáveis pelas mais sofisticadas análises da realidade
administrativa brasileira em cotejo com a teoria do direito administrativo
que então se desenvolvia na Europa e nos Estados Unidos. Não sem mo-
tivo são também os administrativistas brasileiros mais citados por seus
colegas, correspondendo em conjunto a 70,26% das citações de autores
brasileiros em todas as obras de direito administrativo publicadas no sé-
culo XIX47 – mesmo considerando-se que apenas quatro obras foram pu-

ro: Typographia Nacional, 1862.


43 – RIBAS, Antonio Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: F. L.
Pinto & C. Livreiros Editores, 1866.
44 – SOUSA, Paulino José Soares. Estudos Práticos sobre a Administração das Provín-
cias no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865.
45 – FURTADO DE MENDONÇA, Francisco Maria de Souza. Excerto de Direito Ad-
ministrativo Pátrio. São Paulo: Tipografia Alemã de Henrique Schroeder, 1865.
46 – GUANDALINI JR., Walter. Raízes históricas do direito administrativo brasileiro:
fontes do direito administrativo na doutrina brasileira do século XIX (1857-1884). Curi-
tiba: Appris, 2019.
47 – 36,48% das citações de autores brasileiros se referem a Sousa e 33,78% das citações

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 77


Walter Guandalini Junior

blicadas após o Ensaio de Uruguai (1862) e apenas uma foi publicada


após o Direito Administrativo de Ribas (1866) – embora haja também
muitas citações de seu Curso de Direito Civil (1865).

Em suma, se não são todos os administrativistas brasileiros do sécu-


lo XIX que se propõem a analisar e dialogar com o pensamento jurídico
espanhol, são indubitavelmente os melhores dentre eles: os mais eruditos,
os mais atentos às peculiaridades da experiência jurídica nacional, os que
desenvolvem o raciocínio jurídico mais sofisticado, e os que são reconhe-
cidos como tais pelos seus pares.

Passemos, portanto, à análise das representações que fazem do direi-


to administrativo espanhol em suas obras.

3.1. Referência científico-doutrinária


O direito administrativo espanhol é tratado pela doutrina brasileira,
em primeiro lugar, como referência científico-doutrinária. No segundo
capítulo do seu Direito Administrativo Brasileiro Ribas examina as ci-
ências auxiliares e fontes do direito administrativo, dedicando o § 6º do
capítulo à apresentação de uma “bibliografia de direito administrativo”.
Composta de 51 indicações, abrange 33 obras francesas, 6 obras brasi-
leiras, 4 obras alemãs, 3 obras belgas, 2 obras espanholas, 1 portuguesa
e 1 austríaca. O autor ressalta ter omitido “muitos excelentes tratados
especiais”, que também poderiam “ser consultados com proveito”48 – é
claro, porém, que os livros expressamente mencionados são aqueles con-
siderados mais importantes pelo autor.

A lista apresentada por Ribas reflete algumas das tendências gerais


da doutrina brasileira: predomínio da doutrina francesa, participação se-
cundária de obras alemãs, belgas, espanholas e portuguesas. Os livros
espanhóis recomendados são as Instituciones de Derecho Administrativo

de autores brasileiros se referem a Ribas.


48 – RIBAS, Antonio Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: F. L.
Pinto & C. Livreiros Editores, 1866, p. 41.

78 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

de Pedro Gomez de la Serna49 e o Derecho Administrativo Español de


Manuel Colmeiro y Penido50.

Pedro Gomez de la Serna nasceu em 1806, e é apontado por Luis


Medina Alcoz51 como um dos pais fundadores da ciência espanhola do
direito administrativo, em conjunto com Manuel Ortiz de Zúñiga (que em
1842 publicou os seus Elementos de Derecho Administrativo Español).
Primeiro responsável pela disciplina de Administração da Academia
Matritense de Jurisprudencia y Legislación52, provavelmente por reunir
a dupla condição de professor (de Direito Romano, Instituições Civis e
Prática Forense na Universidade de Alcalá) e gestor experiente (como
corregedor de Alcalá), suas Instituciones de Derecho Administrativo, fo-
ram redigidas a partir dos apontamentos que reuniu para as aulas, reto-
mados para a publicação depois que o novo plano de estudos de 1842
estabeleceu a disciplina de Elementos de Direito Admini strativo.

Publicadas em dois tomos de aproximadamente 500 páginas cada


um, as Instituciones de de la Serna são organizadas em cinco livros, que
sistematizam e descrevem a legislação vigente conforme a seguinte clas-
sificação: natureza, limites e organização geral da administração; a admi-
nistração em relação com a boa ordem e o interesse comum dos povos;
a administração com relação ao governo interior dos povos; instrução
pública, beneficência e cárceres; e a administração com relação ao direito
público. A obra é centrada na interpretação das leis administrativas, refle-
tindo o método exegético adotado nos primeiros manuais franceses que
também viria a influenciar profundamente a doutrina brasileira. Medina
Alcoz53 observa que de la Serna se distancia, dessa perspectiva, da ciên-

49 – SERNA, Pedro Gomez. Instituciones del Derecho Administrativo Español. Madrid:


Imprenta de Vicente de Zalama, 1843.
50 – COLMEIRO, Manoel. Derecho Administrativo Español. Madrid: Librerias de Don
Angel Calleja, 1850.
51 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 289.
52 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 274.
53 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 290.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 79


Walter Guandalini Junior

cia administrativa então imperante (Argüelles, Javier de Burgos, Bautista,


Oliván), que então se esforçava para valorar criticamente, de uma pers-
pectiva multidisciplinar, os velhos regulamentos de polícia e as novas leis
administrativas – uma diferença que também se percebe entre os primei-
ros (Pereira do Rego, Veiga Cabral) e os melhores administrativistas bra-
sileiros (como Sousa e Ribas). O livro 1 possui estrutura e conteúdo bas-
tante semelhantes à usualmente adotada pela doutrina brasileira, tratando
da natureza do direito administrativo como disciplina e da administração
como realidade, e examinando a estrutura geral do Estado espanhol. Após
a sua publicação as Instituciones de la Serna se tornam referência para os
estudos de direito administrativo na Espanha, monopolizando as listas de
livros recomendados em conjunto com os de Ortiz de Zuñiga e Posada
Herrera, até 1849, quando são substituídos pela obra de Colmeiro.

Doze anos mais novo que de la Serna, Colmeiro pôde se beneficiar,


em sua formação, de uma ciência da administração já mais desenvolvi-
da. Ao contrário de de la Serna, que iniciou a sua carreira acadêmica no
direito privado (romano e civil), Colmeiro é proveniente do direito polí-
tico-constitucional e da economia política, tendo sido nomeado em 1847
catedrático de Direito Político e Administrativo na Universidade Central
de Madrid54. Em 1850 publicou o seu Derecho Administrativo Español,
reeditado em 1858, 1865 e 1876, que se converteu em base formativa de
praticamente todos os juristas espanhóis até o final do século XIX, che-
gando a ser considerado, ao final do século XX, o tratado “mais completo
da literatura jurídico-administrativa espanhola”55. A primeira edição da
obra foi publicada concomitantemente em Santiago e Lima, convertendo-
-se em referência bibliográfica básica do direito administrativo em toda a
américa hispânica56.

54 – MARTÍN, Sebastián. Liberalismo e historia en el derecho político. Semblanza de


Manuel Colmeiro y Penido (1818-1894), in: UNED. Teoría y Realidad Constitucional, n.
31, 2013, p. 645.
55 – Por A. Nieto García em 1983, citado por MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del
Derecho Administrativo Español. Madrid: Marcial Pons, 2022, p. 299.
56 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 312.

80 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Publicado em dois tomos de aproximadamente 500 páginas cada um,


é dividido em cinco livros que tratam da ciência administrativa, do direito
administrativo, da organização e das atribuições das autoridades adminis-
trativas, da matéria administrativa e da jurisdição administrativa – dis-
tribuição temática bastante semelhante à adotada nas obras brasileiras,
especialmente quanto aos três primeiros livros. Assim como de la Serna,
Colmeiro também desenvolve uma ciência do direito administrativo não
meramente exegética, ainda que mais apegada ao dado normativo e ju-
risprudencial que os estudos precedentes. Medina Alcoz57 afirma, porém,
tratar-se de uma ciência do direito administrativo mais destacada da cons-
tituição: sob o influxo do liberalismo moderado, o direito administrativo é
analisado à margem das normas de direito constitucional, consideradas de
caráter programático e dotadas, portanto, de menor densidade normativa
que a própria legislação administrativa. Este é um importante ponto de
distinção em relação à doutrina administrativista brasileira, que duran-
te todo o século XIX ainda se vê bastante vinculada aos temas típicos
de direito constitucional (ainda que tampouco entre os administrativistas
brasileiros haja qualquer discussão relevante sobre a força normativa da
constituição).

Sousa e Ribas parecem ter escolhido com sabedoria a sua doutri-


na de referência. Tomam como referência científico-doutrinária duas das
obras mais importantes do direito administrativo espanhol, apesar de qua-
se duas décadas anteriores à publicação de seus próprios livros: a obra
fundacional de Pedro Gomez de la Serna e a referência insuperável de
Manoel Colmeiro. Quanto à obra de Colmeiro, o mais provável é que
tenham trabalhado com a primeira edição, não só porque as edições pos-
teriores haviam sido publicadas pouco tempo antes das obras de Sousa e
Ribas, o que provavelmente as tornava de mais difícil acesso, mas tam-
bém porque a primeira edição foi simultaneamente publicada na América
Latina, tendo provavelmente circulado no ambiente jurídico brasileiro.
A estrutura geral das obras recorda a adotada pelos manuais brasileiros,

57 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:


Marcial Pons, 2022, p. 309.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 81


Walter Guandalini Junior

especialmente em suas primeiras partes, dedicadas à natureza do direito


administrativo e à organização do Estado. O método é igualmente seme-
lhante, caracterizando-se pela exegese crítica da legislação administrativa
vigente – analisadas as normas aplicáveis, passa-se ao seu confronto crí-
tico com a realidade a que se destinavam. Tudo isso demonstra que as re-
ferências a de la Serna e Colmeiro não eram apenas exibição de erudição,
mas indicavam uma influência real da doutrina jurídica espanhola sobre
a construção do pensamento jurídico-administrativo brasileiro – o que se
pode verificar também nas próximas seções.

3.2. Fundamento teórico: especialização da Economia Política


Tomado como referência científico-doutrinária, era inevitável que
o pensamento jurídico-administrativo espanhol se tornasse também fun-
damento teórico para a doutrina administrativista brasileira – tanto em
apoio às premissas teóricas do direito francês quanto de forma autônoma,
fornecendo os alicerces para a construção de uma teoria do direito admi-
nistrativo brasileiro.

Assim, logo no início de sua obra Paulino de Sousa apresenta um


conceito de direito administrativo fundado na definição de Laferrière,
cuja correção confirma pela coincidência com as definições adotadas por
outros autores franceses (Degerando, Cabantous, Blanche, Gandillot et
Boileux), assim como pelo espanhol Colmeiro:
Adotarei a definição que dá Laferrière, a qual me parece mais compre-
ensiva e satisfatória, mediante algum desenvolvimento.
O Direito administrativo propriamente dito, diz ele, é a ciência da
ação e da competência do Poder Executivo, das administrações gerais
e locais, e dos conselhos administrativos, em suas relações com os
interesses ou direitos dos administrados, ou com o interesse geral do
Estado.
Se há grande centralização administrativa, no país, prepondera, ainda
nas localidades, a ação e a competência do Poder administrativo geral.
Se há grande descentralização avulta nelas a ação e a competência das
autoridades locais.

82 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

As definições adotadas por Degerando, Cabantous, Blanche, Gandillot


et Boileux, Chantagrel, Colmeiro, posto que mais lacônicas, coinci-
dem com a que fica dada.
Definem o Direito administrativo – o complexo das regras ou leis que
determinam as relações entre os administradores e administrados58.

Colmeiro define o direito administrativo como “o conjunto de leis


que determinam as relações da administração com os administrados”59,
distinguindo-se do direito civil por seu objeto, sua finalidade e seus
meios. Embora não cite expressamente a doutrina francesa em sua ex-
posição, o conceito que adota coincide com o dos autores referidos por
Uruguai, o que reforça o caráter abstrato e científico da definição adotada
pelos franceses, e consequentemente a sua adequação à construção de um
direito administrativo brasileiro.

A doutrina espanhola também é recuperada como fundamento teóri-


co para o direito administrativo brasileiro ao se tratar da autonomia cien-
tífica da disciplina. Uruguai novamente cita Colmeiro para argumentar
que a autonomia do novo campo de saber é resultado das necessidades
da civilização, mas que o ente já existia como realidade mesmo sem ter
recebido o nome, sendo postas em prática as suas máximas antes mesmo
de terem sido explicitadas pela ciência:
O espírito de análise dos tempos modernos, as necessidades da civili-
zação, a divisão dos Poderes, a necessidade de procurar garantias para
os direitos, trouxeram, com o andar dos tempos, a discriminação e a
classificação das atribuições relativas à execução das leis e à adminis-
tração das sociedades, e portanto a criação de uma ciência distinta e
separada, chamada – Direito administrativo.

58 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 8.
59 – “El derecho administrativo, será pues, el conjunto de leyes que determinan las re-
laciones de la administracion com los administrados. De donde se colige que el derecho
administrativo difere del civil por razon de su objeto, de su fin y de sus médios”. COL-
MEIRO, Manoel. Derecho Administrativo Español. Madrid: Librerias de Don Angel Cal-
leja, 1850, p. 28.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 83


Walter Guandalini Junior

Sucedeu com a administração, diz Colmeiro, o mesmo que com a


Economia política, cujas máximas, ainda antes de ser conhecido esse
nome, eram postas em prática, com mais ou menos acerto60.

Como informa Martín61, a primeira grande preocupação teórica de


Colmeiro foi a Economia Política, matéria acerca da qual escreveu o seu
primeiro livro, antes mesmo de ingressar no campo do direito adminis-
trativo – o Tratado Elemental de Economía Política Ecléctica, de 1845.
Tomando-a como princípio de compreensão do Estado, do direito e da
política, filia-se aos preceitos liberais que atribuem a ela a responsabili-
dade por delimitar o perímetro da ação legítima do poder público. A cir-
cunstância leva à compreensão das ciências da administração e do direito
administrativo como especialização disciplinar da própria economia polí-
tica, o que permite a conclusão de que os seus preceitos já existiam antes
mesmo da sua formação – pois decorrentes da realidade à qual se referem.
Colmeiro adere, desse modo, à cultura jurídica então predominante nos
estudos administrativos espanhóis, que, como demonstra Medina Alcoz62,
permanecem um saber mais vinculado à economia política que à ciência
jurídica, dando origem a uma ciência jurídico-administrativa mais apega-
da à realidade que ao próprio dado normativo. Essa característica permite
alguma liberdade crítica ao jurista intérprete da legislação administrativa,
que pode então confrontá-la com os preceitos científicos da economia
política para avaliar a sua correção e justiça.

Ao assentir com a concepção espanhola de ciência da administração


e do direito administrativo como especialização disciplinar da economia
política, Sousa assente também com os corolários dessa premissa, susten-
tando a necessidade de compatibilização do direito administrativo com
as circunstâncias objetivas da realidade social, o que concede ao jurista a
liberdade crítica de apontar falhas e insuficiências da legislação vigente.
60 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 46.
61 – MARTÍN, Sebastián. Liberalismo e historia en el derecho político. Semblanza de
Manuel Colmeiro y Penido (1818-1894), in: UNED. Teoría y Realidad Constitucional, n.
31, 2013, p. 651.
62 – MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022, p. 308.

84 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

E a doutrina espanhola seria chamada em seu auxílio também para a exe-


cução dessa tarefa.

3.3. Crítica da organização administrativa brasileira: a divisão


territorial
De fato, a doutrina espanhola é recuperada pelo pensamento jurídico
brasileiro também como instrumento de crítica de nossa organização ad-
ministrativa, especialmente quanto ao tema da divisão territorial.

Paulino de Sousa cita Colmeiro ao tratar do tema, ressaltando que a


divisão territorial de um país está estreitamente relacionada à sua orga-
nização política, administrativa e judiciária. Sustenta, assim, que ela não
pode levar em consideração somente critérios simplistas como a extensão
territorial, o tamanho da população ou a proporção dos impostos, devendo
ser realizada de forma científica, racional e metódica. Em suas palavras63:
As divisões políticas, administrativas e judiciárias, e a organização
política, administrativa e judiciária são coisas que têm entre si a liga-
ção mais íntima, e devem estar em completa harmonia.
A organização administrativa da França, em perfeita harmonia com a
sua divisão política e judiciária, e que consultou aquelas regras, foi de
propósito feita para a organização que tem. Não se fez uma organiza-
ção administrativa acomodada a uma divisão preexistente e viciosa,
que regia um sistema administrativo diferente. A um sistema novo, a
ideias novas, deu-se uma base territorial também nova e em concor-
dância com elas.
Classificar as funções administrativas por serviços e por distritos,
diz Colmeiro, é aplicar o método à administração, é simplificar o seu
mecanismo, assinando a cada autoridade o círculo do seu poder e os
limites da sua jurisdição.

Ao tratar do assunto, Colmeiro não se referia especificamente à rea-


lidade francesa, como Sousa dá a entender, mas à própria administração
pública espanhola. Enfatizando a importância do território para todas as
nações do mundo, argumenta que uma adequada divisão territorial, com-
63 – Sousa, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1862, p. 53.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 85


Walter Guandalini Junior

patível com as circunstâncias concretas de cada país, é condição essencial


de um bom sistema administrativo64:
A primeira condição de um bom sistema administrativo é uma acer-
tada divisão territorial, ou a distribuição da esfera comum da ação
administrativa em certo número de esferas particulares que juntas se
movam em harmonia e em virtude de um só impulso. Se há de reinar
a ordem na administração, se a sua vigilância há de ser constante,
infatigável sua atividade e sua onipresença possível, é força dividir os
cuidados de tal forma que toda a administração corresponda a todo o
território e uma fração a cada fração. Classificar as funções adminis-
trativas por serviços e por distritos é aplicar o método à administração
e simplificar o seu mecanismo, assinalando a cada autoridade o círcu-
lo do seu poder e os limites de sua jurisdição.
Uma divisão territorial é obra difícil, porque deve-se consultar prin-
cípios e interesses e necessidades muito divergentes. A administração
deve ouvir, antes de ditá-la, o conselho de pessoas experimentadas em
vários ramos do serviço público e especialistas em geodésia, porque
deve-se fixar o olhar alternativamente na sociedade e na sua natureza.

Desenhado o modelo recomendado pela prática francesa e pela dou-


trina espanhola, Sousa passa à análise da organização territorial concreta
do Brasil, que julga incompatível com os princípios que a deveriam re-
gular e excessivamente volúvel, pois varia ao sabor dos interesses e das
disputas político-partidárias. O autor, critica, com indignação65:

64 – “La primera condicion de un buen sistema administrativo es una acertada division


territorial, o la distribucion de la esfera comun de la accion administrativa en certo núme-
ro de esferas particulares que juntas se muevan en armonía y en virtud de un solo impulso.
Si ha de reinar el órden en la administracion, si su vigilancia ha de ser constante, infatiga-
ble su actividad y su omnipresencia posible, es fuerza repartir los cuidados de tal forma,
que toda la administracion corresponda a todo el território y uma fraccion a cada fraccion.
Clasificar las funciones administrativas por servicios y por distritos, es aplicar el método
a la administracion y simplificar su mecanismo, señalando a cada autoridad el círculo de
su poder y los limites de su jurisdiccion.
Una division territorial es obra difícil, porque hay que consultar principios e intereses y
necesidades muy divergentes. La administracion debe oir, antes de dictarla, el consejo de
personas experimentadas en varios ramos del servicio público y entendidas en geodésia,
porque hay que fijar la vista alternativamente en la sociedad y en la naturaleza”. Colmei-
ro, Manoel. Derecho Administrativo Español. Madrid: Librerias de Don Angel Calleja,
1850, p. 48.
65 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-

86 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Todos sabem como, pelas Assembleias Provinciais, são feitas entre


nós essas divisões. São completamente arbitrárias, porque não têm
padrão e condições que lhes sirvam de base, e mais ou menos as har-
monizem, tanto quanto podem, sem inconveniente, ser harmonizadas.
Uma influência eleitoral quer segurar a sua dominação, e enfraque-
cer o adversário. Convém lhe adquirir uma freguesia com cujos votos
conta, e passar para um município ou freguesia vizinha indivíduos
com cujo auxílio se avantaja o adversário, o qual ficará inutiliza-
do com a nova divisão. Dispõe de votos suficientes na Assembleia
Provincial, em troca de votos dados a candidatos. Promove uma nova
divisão territorial, ou a conveniente modificação da existente. Lá vão,
de envolta, os cidadãos indiferentes a essas lutas de influência, para
onde não querem, não lhes convém e não devem ir.
E com efeito avultam extraordinariamente, nas coleções, as leis
Provinciais sobre divisões de território.
Procede-se a uma nova eleição. Preponderam na nova Assembleia os
outrora vencidos. Desfaz ela tudo quanto a outra fizera, acrescentando
os competentes barbicachos para bem sujeitar os recém-vencidos.
As influências eleitorais fazem, desfazem divisões, segundo as alian-
ças que contraem e defecções que sofrem; dividem, subdividem,
tornam a dividir a seu talante, e conforme lhes vai melhor nos seus
cálculos eleitorais. Os partidos locais batem-se com essas divisões e
a organização e leis gerais que com elas se avenham como puderem.
Não poucas vezes têm sido criadas comarcas, e municípios, para se-
rem acomodados indivíduos certos nos novos lugares. [...]
O que é certo é que o exercício da atribuição conferida pelo ato adi-
cional às Assembleias Provinciais sobre a divisão territorial, vago e
desacompanhado da indispensável lei regulamentar, que fixe certas
condições, tem produzido males gravíssimos, e dificulta cada vez
mais uma boa divisão territorial do Império, base de todo e qualquer
melhoramento na sua organização administrativa e judiciária.

Dessa forma, a doutrina espanhola acorre ao auxílio do Uruguai for-


necendo o argumento teórico que fundamenta a crítica empírica, por meio
da qual o autor propõe a reforma da organização administrativa brasileira
e a adoção de novos critérios para a divisão territorial do país.

ro: Typographia Nacional, 1862, p. 58.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 87


Walter Guandalini Junior

3.4. Realidades semelhantes: o Conselho de Estado


Uruguai também aponta semelhanças entre a experiência adminis-
trativa espanhola e a brasileira, comparando-as para melhor compreender
os seus princípios, características e funcionamento. A esse respeito, refe-
re-se especialmente às características comuns aos modelos de conselho
de Estado adotados nos dois países.

Em primeiro lugar ressalta a semelhança geral entre os conselhos de


Portugal, Espanha e Brasil, em contraposição ao conselho francês: não
lhes cabe sustentar projetos de lei perante o Legislativo, função que é atri-
buída somente aos ministros. Isso porque a irresponsabilidade do chefe
de Estado, nesses três sistemas, deve ser compensada pela responsabili-
dade imediata dos ministros perante as Câmaras, sendo inadmissível que
o conselho se interponha entre os dois órgãos políticos.
Os Conselhos de Estado de Portugal e da Espanha têm muita seme-
lhança com este da França. Não lhes é, porém, incumbido redigir os
projetos de lei debaixo da direção do Rei, e sustentar a sua discussão
perante o Corpo Legislativo.
Esta disposição é especial da atual organização constitucional fran-
cesa. Pela sua Constituição de 22 de janeiro de 1852, modificada pe-
los senatusconsultos de 7 de novembro do mesmo ano, o imperador
é responsável perante o povo, os Ministros somente dele dependem,
não são solidários, e cada um é somente responsável pelos atos do
Governo, no que lhe diz respeito.
Por Constituições como a nossa, como a portuguesa, a espanhola
etc., pelas quais o chefe de Estado é irresponsável, pelas quais são os
Ministros imediata e diretamente responsáveis perante as Câmaras,
não é admissível uma corporação intermédia, entre eles e as Câmaras,
com as quais devem achar-se em direto e imediato contato66.

O autor volta a tratar das semelhanças entre o conselho de Estado es-


panhol e o brasileiro em outra ocasião, observando que sendo (ou deven-
do ser), em ambos os países, uma corporação puramente administrativa,
pode neles o conselheiro de Estado ser demitido, mediante proposta do

66 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 230.

88 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Conselho de Ministros e referenda do seu presidente. Essa é uma carac-


terística que os aproxima do modelo francês, distanciando-os do modelo
português no qual o conselho de Estado atua também como corporação
política:
Na Espanha, onde o Conselho de Estado é uma corporação puramen-
te administrativa, o conselheiro de estado é amovível, dependendo
porém a sua demissão, bem como a sua nomeação, de proposta do
Conselho de Ministros, de Decreto especial, e de referenda do seu
Presidente.
Em Portugal, onde o Conselho de Estado é corporação política tam-
bém, porquanto deve ser ouvido sobre o exercício das atribuições do
Poder Moderador (a audiência não é facultativa), os Conselheiros de
Estado efetivos (ordinários) são vitalícios pura e simplesmente. Não
podem ser dispensados como os nossos67.

3.5. Modelo a ser seguido


Em diversas oportunidades o exemplo espanhol é apresentado tam-
bém como modelo a ser seguido pelo Brasil, seja pelos preceitos cien-
tíficos aplicáveis, seja pelo mérito próprio das instituições espanholas,
seja pelas semelhanças observadas entre a realidade e as necessidades
espanholas e as brasileiras.

A Espanha aparece como modelo para o Brasil, em primeiro lugar,


para a reorganização dos conselhos administrativos. Sousa defende a sua
criação também na administração provincial e municipal, considerando
tratar-se de órgãos imprescindíveis à boa ação administrativa – já que
a deliberação acertada depende necessariamente da ilustração fornecida
por bons conselhos. Para isso, contudo, tais conselhos devem ser bem-
-organizados, capazes de informar as ações dos agentes sem as embara-
çar – como são os bons exemplos da França, de Portugal, da Bélgica e da
Espanha:
A organização administrativa da Espanha rodeou do mesmo modo de
corpos consultivos as administrações provinciais e municipais, sepa-

67 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 275.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 89


Walter Guandalini Junior

rando a ação da deliberação. Os seus chefes políticos ou Governadores


de Províncias estão rodeados não somente de Conselhos Provinciais,
como também de certas comissões ou juntas incumbidas de os auxiliar
com suas luzes e experiência na direção de certos ramos do serviço
público68.

Segundo Uruguai, quando a moderna administração decide conce-


der ao Poder Administrativo a prerrogativa de decidir por conta própria
questões administrativas, torna-se necessário que ele seja obrigado a se
aconselhar com um órgão independente, que possa orientá-lo e preservar
as garantias do cidadão. A consulta obrigatória é vista, assim, não apenas
como uma medida de racionalidade, mas também como uma medida de
garantia, a evitar o arbítrio dos agentes administrativos responsáveis pela
tomada de decisão. Essa garantia está ausente do conselho de Estado bra-
sileiro, que para Uruguai deveria se espelhar no modelo espanhol.
Entre nós não é indispensável em matéria contenciosa a audiência das
Seções ou do Conselho de Estado, nem mesmo no caso de recurso das
decisões dos Ministros de Estado. [...] Assim, entre nós, o contencioso
administrativo pode ser decidido pelo Poder Executivo puro, e pelo
discricionário e gracioso. A distinção entre o gracioso e contencioso
fica por esse modo sem alcance algum, e sujeita a um mero arbítrio.
[...]
Na França e em Portugal o Conselho de Estado, e na Espanha o
Consejo Real, que é o mesmo, é ouvido e intervém necessariamente
para a solução das questões contenciosas administrativas. [...] A or-
ganização administrativa nesses países não admite que os negócios
contenciosos possam ser decididos pelo Governo sem o exame e audi-
ência do Conselho de Estado69.

O tema das garantias é importante para Uruguai, e a Espanha volta


a ser citada como exemplo: quando o autor insiste em reivindicar que
a audiência do conselho seja obrigatória para negócios contenciosos70;

68 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Ja-
neiro: Typographia Nacional, 1862, p. 200. O autor volta a citar Colmeiro ao tratar, em
seguida, da administração municipal.
69 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 127.
70 – “A audiência do Conselho de Estado nos negócios contenciosos não deve, portan-

90 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

quando alerta para a necessidade de tribunais administrativos também na


esfera provincial71 e quando propõe a atribuição de efeito deliberativo às
decisões proferidas pelos conselhos provinciais72.

Ainda quanto ao tema dos conselhos administrativos, Sousa se de-


dica com especial atenção ao conselho de Estado: reitera insistentemente
em toda a sua obra a tese de que o órgão não deveria desempenhar fun-
ções políticas, sendo necessária a sua organização como instituição pura-
mente administrativa – e o modelo espanhol é constantemente indicado
como um bom exemplo a ser seguido:
Na Espanha, onde o Conselho de Estado é uma corporação puramen-
te administrativa, o Conselheiro de Estado é amovível, dependendo
porém a sua demissão, bem como a sua nomeação de proposta do
Conselho de Ministros, de Decreto especial, e de referenda do seu
Presidente73.
Na Espanha, pelo art. 5º da lei orgânica do Conselho de Estado, o
cargo de Conselheiro ordinário é incompatível com qualquer outro
emprego efetivo. Também o devera ser, acrescenta Colmeiro, com a
qualidade de Deputado e Senador, porque não convém que o Conselho
Real (de Estado) participe – del veleidoso y talves agresivo de la po-
litica – mas sim que seja de índole essencialmente administrativa.

to, ser facultativa, mas sim necessária, como o é na França, em Portugal e na Espanha”.
SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1862, p. 289.
71 – “Na Espanha, pela lei de 2 de maio de 1845, não são os Governadores das Provín-
cias únicos juízes do contencioso administrativo. São os Conselhos Provinciais, Tribunais
administrativos, presididos pelos mesmos Governadores, com recurso para o Conselho
Real (Conselho de Estado)” – e o autor volta a citar Colmeiro como referência para a
informação. SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1862, p. 163. O parágrafo reaparece transcrito literalmen-
te nos Estudos Práticos sobre a Administração das Províncias no Brasil, sem a referência
a Colmeiro - SOUSA, Paulino José Soares. Estudos Práticos sobre a Administração das
Províncias no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865.
72 – “Na França os Conselhos de Prefeitura, em Portugal os Conselhos de Distrito, na
Espanha os Conselhos Provinciais, têm voto deliberativo e jurisdição própria em casos
marcados na lei, especialmente de natureza contenciosa administrativa, e em todos os
mais voto puramente consultivo”. SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito
Administrativo. Rio de Janeiro: Typographia Nacional, 1862, p. 171.
73 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 275.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 91


Walter Guandalini Junior

Assim seus trabalhos seriam constantes, seus estudos escrupulosos


etc. Assim respeitados os Conselheiros por sua imparcialidade no
meio das contendas políticas, poderiam opor ao espírito de novidade
uma resistência passiva, certa força de inércia, que, sem embaraçar a
marcha do Governo, lhe servisse de contrapeso74.
Na Espanha o Conselho de Estado não é uma instituição política, mas
sim puramente administrativa. “Estranho à política e também à justiça
(isto é, ao que pertence ao Poder Judiciário), diz Colmeiro, não par-
ticipa nem das veleidades daquela nem da mobilidade desta, porém
obedece ao espírito de transformação lenta e gradual que domina no
maior número dos atos administrativos”75.

Em contrapartida, para Sousa também as instituições políticas deve-


riam se abster de funções administrativas, novamente em conformidade
com os exemplos português, espanhol e francês: “As Câmaras são pouco
próprias para entrarem em minuciosos desenvolvimentos administrati-
vos. O exemplo de Portugal e da Espanha, e mesmo da França o provam,
como teremos ocasião de ver”76.

O objetivo principal era separar as duas funções – política e ad-


ministrativa –, criando-se um novo espaço de atuação para o Estado
Administrativo em construção, que fosse livre das antigas amarras juris-
dicionais e dispusesse dos meios necessários à adequada realização do
interesse geral.

A experiência administrativa espanhola aparece, assim, como im-


portante modelo a ser seguido para a organização dos conselhos adminis-
trativos, em geral, e do conselho de Estado, em particular. A distribuição
dos conselhos por todas as esferas de governo, a obrigatoriedade da au-
diência, e a sua natureza puramente administrativa, são consideradas ca-
racterísticas fundamentais à boa organização da Administração, às quais
o Brasil deveria imitar.
74 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 284.
75 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 285.
76 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 155.

92 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

A Espanha também é citada como exemplo no tema da distinção en-


tre jurisdição graciosa e contenciosa, que para Sousa não era bem compre-
endido no Brasil: segundo o entendimento à época predominante, a mera
reclamação do cidadão já seria suficiente para transformar a jurisdição
graciosa em jurisdição contenciosa. Para Sousa a adoção desse critério
era um erro, pois confundia direitos com interesses e poderia gerar obstá-
culos inadequados à correta marcha de administração. Assim, sustentava
o autor que fosse considerada contenciosa somente aquela jurisdição apta
a afetar direitos, como faziam França, Espanha e Portugal.
Essa ideia do contencioso administrativo confunde os interesses e os
direitos, e o gracioso com o contencioso. Se sujeitarmos sem distin-
ção alguma ao contencioso, ao seu processo e formalidades, o que
é gracioso, somente pelo fato de aparecer reclamação, empeceremos
extraordinariamente a marcha da administração. [...]
A simples reclamação nunca pode tornar contenciosa uma matéria que
é graciosa.
Estes assuntos não estavam em 1841 tão esclarecidos, como o foram
posteriormente, e influiu muito essa circunstância para as imperfei-
ções da lei e regulamento do nosso Conselho de Estado, imperfeições
que não se encontram nos atuais da França, Espanha e Portugal, orga-
nizados ou reorganizados posteriormente77.

Observa-se, assim, que a experiência administrativa espanhola era


vista pelos administrativistas brasileiros, tanto em matéria de conselhos
administrativos quanto em matéria de processo administrativo, como um
importante modelo a ser transplantado ao país.

3.6. Influência sobre o modelo adotado no Brasil


E se Paulino de Sousa propunha que o Brasil inspirasse a sua orga-
nização administrativa no modelo espanhol, não propunha nada de revo-
lucionário. Afinal, ele mesmo reconhecia a efetiva influência do direito
administrativo espanhol sobre a organização administrativa brasileira, o

77 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 141.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 93


Walter Guandalini Junior

que demonstra que o diálogo proposto não era apenas um desejo, mas a
continuação de uma tendência já presente.

É o que se percebe, em primeiro lugar, quando Sousa observa a im-


portante influência das cortes constituintes da Espanha e de Portugal na
ordenação das competências administrativas do Estado brasileiro – que
cumulou indistintamente em suas Câmaras Municipais a ação, o conselho
e a deliberação administrativas. A referência do autor era crítica, não só
porque considerava essa indistinção indesejável, mas também porque as
influências originais já tê-la-iam superado em seus próprios sistemas; ain-
da assim, trata-se do reconhecimento explícito de uma influência direta
da organização administrativa espanhola sobre a brasileira.
Pela Constituição da Assembleia Constituinte da França de 1791, a
ação, bem como o julgamento das questões administrativas, estavam
acumuladas em Corpos coletivos eletivos. Este sistema infelizmen-
te prevaleceu entre nós no princípio. Pelo que respeita aos negócios
municipais ainda a ação, o conselho e a deliberação estão acumula-
dos indistintamente nas nossas Câmaras Municipais Os nossos le-
gisladores deixaram-se dominar muito pelas inexperientes teorias
daquela Assembleia, as quais já muito haviam influído nas Cortes
Constituintes da Espanha e de Portugal78.

Outra influência direta do direito administrativo espanhol sobre a or-


ganização administrativa brasileira é apontada por Furtado de Mendonça,
que enxerga na Constituição de Cádis a fonte do critério de divisão dos
poderes públicos no Brasil, com o consequente estabelecimento de auto-
ridades administrativas representantes do governo central nas províncias:
Consignado o princípio da divisão dos poderes públicos (770) era
consequente estabelecer em cada circunscrição Província, autorida-
des administrativas representantes do governo, e executoras de seus
mandados, com atribuições meramente governativas, isto é, políticas
e econômicas, reservando aos juízes e tribunais o direito exclusivo
de aplicar as leis civis e criminais, e de executar o sentenciado; estas
autoridades foram chamadas presidentes e tiveram regimento. [...]

78 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 179.

94 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Nota 770: V. Const. Espanhola de 1812, art. 13 a 15 adop. Pelo Dec. 2


de 7 de Março 1821; L. 20 Outubro 1823 art. 3379.

3.7. Direito comparado


Por fim, a doutrina jurídico-administrativa brasileira recorre também
ao direito administrativo espanhol como instrumento de direito compa-
rado. Dessa perspectiva, a administração espanhola não representa ne-
cessariamente modelo positivo ou negativo, ou inspiração direta para as
instituições jurídicas nacionais, mas mero instrumento de comparação,
usualmente mencionado em conjunto com as administrações de outros
países europeus e americanos, para a melhor compreensão do direito ad-
ministrativo brasileiro.

O procedimento é considerado por Sousa um importante método de


análise do próprio direito administrativo brasileiro, que somente pode ser
compreendido em suas peculiaridades após o exame das características
próprias das instituições administrativas estrangeiras. Assim, afirma ter
adotado a prática como princípio metodológico para a redação do seu
ensaio, tendo considerado especialmente os regimes administrativos da
França, de Portugal, da Espanha, da Bélgica, da Inglaterra e dos Estados
Unidos:
Tive muitas vezes ocasião de deplorar o desamor com que tratamos o
que é nosso, deixando de estudá-lo, para somente ler superficialmente
e citar coisas alheias, desprezando a experiência que transluz em opi-
niões e apreciações de estadistas nossos.
Organizei em grosso, para depois, repisando-a e desenvolvendo-a,
aperfeiçoá-la, a classificação dos materiais assim reunidos, a fim de
poder facilmente encontrar cada um na ocasião em que me fosse pre-
cioso.
Reuni e estudei, senão todos, quase todos os escritores que escreve-
ram sobre o direito administrativo na França, que é o mais completo
e desenvolvido.

79 – FURTADO DE MENDONÇA, Francisco Maria de Souza. Excerto de Direito Ad-


ministrativo Pátrio. São Paulo: Tipografia Alemã de Henrique Schroeder, 1865, p. 136.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 95


Walter Guandalini Junior

Procurei, para comparar, inteirar-me das principais feições e do jogo


das instituições administrativas em Portugal, na Espanha, na Bélgica,
na Inglaterra e nos Estados Unidos.
Reunidos e dispostos assim esses materiais, faltando-me somente a
mais miúda investigação de um ou outro ponto, que reservei para a
ocasião, dei princípio ao meu trabalho, isto é, comecei a organizar e
a desenvolver o plano, até então mental e geral, dando preferência à
síntese, isto é, descendo das teses e princípios gerais para as aplica-
ções particulares80.

Sousa retorna ao assunto mais tarde, ressaltando que os jus-admi-


nistrativistas tendem a desenvolver suas teorias a partir das caracterís-
ticas específicas das legislações de seus próprios países, e que por isso
elas devem ser tomadas em conta durante a realização da comparação.
Considerando, assim, que os ordenamentos jurídico-administrativos da
França, da Espanha, de Portugal e da Bélgica têm muitos pontos em co-
mum com o Brasileiro, elege-os como parâmetros preferenciais de com-
paração:
As raias do direito administrativo, o qual, como veremos, é uma ciên-
cia muito nova, não estão ainda tão claramente fiadas, que não com-
preendam nela uns autores mais, e outros menos. Por isso as defini-
ções que dela deram são umas mais e outras menos amplas; e é por
isso mais ou menos restrito o círculo das matérias que abrangeram.
Cada um seguiu o seu sistema, o que produz grande confusão no espí-
rito daqueles que procuram iniciar-se na ciência daquele direito.
Demais, conformam-se esses autores com o tipo da legislação espe-
cial que tiveram em vista. O Direito Administrativo da França, o da
Espanha, o de Portugal, o da Bélgica, o nosso mesmo, têm muitos
pontos de semelhança entre si, mas diversifica completamente do da
Inglaterra e dos Estados Unidos, como teremos ocasião de observar81.

E de fato a comparação entre os sistemas espanhol e brasileiro é re-


petida durante toda a sua obra, como já tivemos a ocasião de apontar nas
seções anteriores deste capítulo. Registre-se apenas uma menção ainda
80 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. ix.
81 – Sousa, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janeiro:
Typographia Nacional, 1862, p. 7.

96 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

não apresentada ao direito administrativo espanhol pela obra de Uruguai,


que ocorre de forma neutra na análise enumerativa dos diversos mode-
los de conselho de Estado adotados nos países ocidentais. Nesta ocasião,
sem a pretensão de tomar o regime espanhol como inspiração ou modelo,
Sousa compara os conselhos de Estado da Inglaterra, França, Espanha
e Portugal para depois se debruçar sobre as peculiaridades do conselho
brasileiro.
A nova Constituição Espanhola de 1837, diz Colmeiro, não prescrevia
em sua letra a criação de nenhum alto corpo consultivo do Governo,
mas o seu espírito a reclamava, porque somente com seu auxílio po-
deria manter-se a recíproca independência dos Poderes, e dirigir-se a
ação administrativa com acerto. Assim o governo, pouco depois de
publicada aquela Constituição, nomeou uma comissão para preparar
um projeto de lei, criando um Conselho de Estado82.

Também Ribas examina o ordenamento jurídico espanhol com os


métodos do direito comparado. Ao tratar dos critérios de atribuição da
nacionalidade brasileira, examina primeiramente os regimes da França,
da Espanha, do Reino das Duas Sicílias, da Sardenha, da Holanda, da
Áustria, dos Estados Unidos, da Argentina, da Bolívia, da Inglaterra, do
Uruguai e da Alemanha, para apenas então analisar a legislação brasileira
sobre o assunto.
A legislação espanhola considerava como nacionais todos os nascidos
em Espanha e os estrangeiros domiciliados nesse país; mas, em virtu-
de das reclamações da legação francesa em 1837, declararam as cortes
que esta disposição legislativa era apenas facultativa, e que aqueles
que têm direito a outra nacionalidade podem preferi-la à que houve-
rem adquirido na Espanha83.

Observa-se, assim, que o recurso ao direito administrativo espanhol


ocorre em conjunto com as referências ao ordenamento de outros países,
como instrumento de direito comparado para a melhor compreensão das
peculiaridades do ordenamento jurídico-administrativo brasileiro.
82 – SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de Janei-
ro: Typographia Nacional, 1862, p. 231.
83 – RIBAS, Antonio Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: F. L.
Pinto & C. Livreiros Editores, 1866, p. 264.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 97


Walter Guandalini Junior

5. Conclusões
Como se pode ver, o insight do Visconde de Uruguai não estava
equivocado. Os regimes jurídico-administrativos da Espanha e do Brasil
realmente possuíam “muitos pontos de semelhança entre si”, o que con-
tribuiu, senão para o “diálogo”, ao menos para o “uso” da doutrina e da
experiência jurídica espanhola durante o período de formação da ciência
brasileira do direito administrativo.

Ambos os países enfrentavam, em meados do século XIX, dificulda-


des para a implementação de um moderno Estado Administrativo, o que
os tornava mais parecidos entre si do que ao modelo francês que a todos
servia, então, de exemplo. Ainda que as dificuldades não fossem as mes-
mas, eram análogas, e consistiam essencialmente nos limites objetivos
impostos aos esforços de implementação da autoridade estatal por todo o
território sob seu governo – no caso espanhol, por um “espaço resistente”
herdado das sociedades corporativas do antigo regime, e que se recusava
a ceder suas prerrogativas ao Estado centralizado ainda em formação; e
no caso brasileiro por um “espaço excedente” às condições materiais de
ação estatal, e que simplesmente não podia ser alcançado pela ação admi-
nistrativa proveniente da capital. Num caso como noutro, o espaço sobre
o qual a ação administrativa pretendia se desenvolver se mantinha hostil
à sua ação, o que contribuía para a persistência das práticas tradicionais
de governo por jurisdição e impossibilitava a liberdade de movimentos
assegurada à administração francesa pelo processo revolucionário, que no
século XVIII havia destruído as principais instituições do antigo regime.

Desse modo, ao recorrer ao pensamento e à experiência jurídica


espanhola, a doutrina jurídico-administrativa brasileira parecia buscar
soluções mais adequadas às dificuldades práticas que enfrentava, e para
as quais talvez a doutrina francesa não fosse capaz de contribuir: que
papel atribuir ao direito administrativo de um Estado que não se deixa
administrar?; que práticas adotar para viabilizar a organização do Estado
Administrativo nessas condições?; e como estender os efeitos da ação
administrativa a todo o território sob o seu controle?

98 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

Este conjunto de interesses se reflete nos diversos modos como o


direito administrativo espanhol é pensado, interpretado e utilizado pela
doutrina jurídico-administrativa brasileira: como referência científico-
-doutrinária, como fundamento teórico, como instrumento de crítica da
organização administrativa brasileira, como realidade semelhante a pro-
piciar a busca de soluções semelhantes, como modelo inspirador, como
influência efetiva e, por fim, como mero instrumento metodológico de
comparação.

A partir do momento em que os administrativistas brasileiros co-


meçaram a enfrentar esses problemas, na década de 1860, o Brasil ain-
da levaria pelo menos cinquenta anos para iniciar a implementação das
soluções propostas – muitas delas já realizadas na Espanha, pelo menos
desde os anos 1840. Se por um lado esse descolamento pode contribuir
para enxergarmos as peculiaridades do processo de construção do Estado
brasileiro durante o século XIX, por outro, o diálogo proposto nos ajuda a
observar a complexidade das relações entre a doutrina administrativa eu-
ropeia e a doutrina administrativa brasileira, a importância relativa atribu-
ída à doutrina francesa e às demais doutrinas disponíveis, a variedade dos
fluxos de sua circulação internacional, e as sofisticadas ressignificações e
usos concretos que delas fizeram os autores brasileiros durante o penoso
e criativo trabalho de construção das estruturas administrativas que julga-
vam mais adequadas à ordenação jurídica de sua própria realidade.

Referências Bibliográficas
ANASTÁCIO, Vanda. A Glória do Reino Unido. Reflexões em torno de um texto
dramático de Francisco Joaquim Bingre, in: Revista Convergência Lusíada, nº
19. Rio de Janeiro: Real Gabinete Português de Leitura do Rio de Janeiro, 2002,
p. 398-412.
ARANGUREN, Juan-Cruz Alli. La Construcción del concepto de derecho
administrativo español. Aranzadi: Cizur Menos, 2006.
BURDEAU, François. Histoire du Droit Administratif. Paris: PUF, 1995.
CABRERO, José Luis Bermejo. Derecho y Administración Publica en la España
del Antíguo Régimen. Madrid: Centro de Estudios Históricos, 1985.
CARVALHO, José Murilo. Entre a autoridade e a liberdade, in: Paulino José

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 99


Walter Guandalini Junior

Soares de Sousa, Visconde do Uruguai. São Paulo: Ed. 34, 2002.


COS-GAYON, Fernando. História de la Administración Publica de España.
Madrid: Instituto de Estudios Administrativos, 1976.
ENTERRÍA, Eduardo García. La lengua de los derechos: la formación del
Derecho Publico europeo tras la Revolución Francesa. Madrid: Alianza,
1994.
ESCUDERO, José Antonio. Administración y Estado en la España Moderna.
Madrid: Juan de Castilla y León, 1999.
ESTRADA, Liniers. Manual de Historia del Derecho (Español – Indiano –
Argentino). Buenos Aires: Abeledo Pernot, 1993.
FERNANDEZ, Tomas Ramon. La “Década Moderada” y la emergencia de la
Administración Contemporánea. Madrid: Iustel, 2021.
FERNANDEZ, Tomas Ramon; SANTAMARIA, Juan Alfonso. Legislación
Administrativa- Española del siglo XIX. Madrid: Instituto de Estudios
Administrativos, 1977.
FONSECA, Ricardo Marcelo. Os Juristas e a Cultura Jurídica Brasileira na
Segunda Metade do Século XIX, in: Quaderni Fiorentini per la storia del
pensiero giuridico moderno, n. 35. Milano: Dott. A. Giuffrè Editore, 2006, p.
339-371.
FURTADO DE MENDONÇA, Francisco Maria de Souza. Excerto de Direito
Administrativo Pátrio. São Paulo: Tipografia Alemã de Henrique Schroeder,
1865.
GUANDALINI JR., Walter. Espécie invasora – história da recepção do conceito
de direito administrativo pela doutrina jurídica brasileira no século XIX, in:
Revista de Direito Administrativo, v. 268, jan./abr. Rio de Janeiro: FGV, 2005,
p. 213-247.
GUANDALINI JR., Walter. História do Direito Administrativo Brasileiro:
Formação (1821-1895). Curitiba: Juruá, 2016.
GUANDALINI JR., Walter. O Poder Moderador: ensaio sobre o debate jurídico-
constitucional no século XIX. Curitiba: Prismas, 2016.
GUANDALINI JR., Walter. Chave ou Fecho? O debate juridico erudito sobre a
responsabilidade do poder moderador, in: Quaestio Iuris, vol. 09, nº 02. Rio de
Janeiro: UERJ, 2016, p. 1031-1059.
GUANDALINI JR., Walter. A tradução do conceito de direito administrativo pela
cultura jurídica brasileira do século XIX, in: Revista da Faculdade de Direito da
UFMG, nº 74. Belo Horizonte: UFMG, 2019, p. 473-498.

100 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

GUANDALINI JR., Walter. As razões do direito administrativo na doutrina


brasileira do século XIX (1857-1884), in: Revista do Instituto Histórico-
Geográfico Brasileiro, a. 180, n. 481, set.-dez. 2019, p. 219-254.
GUANDALINI JR., Walter. Raízes históricas do direito administrativo
brasileiro: fontes do direito administrativo na doutrina brasileira do século XIX
(1857-1884). Curitiba: Appris, 2019.
GUANDALINI JR., Walter. Temas do direito administrativo na doutrina jurídica
brasileira do século XIX: análise quantitativa (1857-1884), in: Revista do
Instituto Histórico-Geográfico Brasileiro, a. 183, n. 488, jan.-abr. 2022, p. 197-
232.
GUANDALINI JR., Walter; TEIXEIRA, Livia Solana Pfuetzenreiter de Lima.
Um Direito Administrativo de Transição: o conceito de direito administrativo
na cultura jurídica da Primeira República Brasileira (1889-1930), in: Direito,
Estado e Sociedade, n. 58, jan.-jun. 2021, p. 422-459.
HAMER-FLORES, Adolfo. El Fuero de las Nuevas Poblaciones de Sierra Morena
y Andalucía (1767): aproximación a sus ediciones impresas em recopilaciones
legislativas de los siglos XVIII y XIX, in: Codex: boletín de la Ilustre Sociedad
Andaluza de Estudios Histórico-jurídicos, n. 8. Córdoba: Instituto Español de
Ciencias Histórico-Jurídicas, 2018, p. 141-158.
LLINÁS, Jaime Ignacio Muñoz. La función pública en España (1827-2007).
Madrid: Boletín Oficial del Estado, 2019.
LYNCH, Christian Edward Cyril. O Momento Monarquiano: o poder moderador
e o pensamento político imperial. Tese (Doutorado em Ciência Política). Rio de
Janeiro: Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, 2007.
LYNCH, Christian Edward Cyril. O Império da Moderação: agentes da recepção
do pensamento político europeu e construção da hegemonia ideológica do
liberalismo moderado no Brasil Imperial, in: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, v. 452, jul./set. 2011, p. 311-340.
MADARIA, José Maria Garcia. Estructura de la Administración Central (1808-
1931). Madrid: Instituto Nacional de Administración Publica, 1981.
MANNORI, Luca e SORDI, Bernardo. Storia del Diritto Amministrativo. 4. ed.
Milano: Laterza, 2006.
MARTÍN, Sebastián. Liberalismo e historia en el derecho político. Semblanza
de Manuel Colmeiro y Penido (1818-1894), in: UNED. Teoría y Realidad
Constitucional, n. 31, 2013, p. 637-668.
MEDINA ALCOZ, Luis. Historia del Derecho Administrativo Español. Madrid:
Marcial Pons, 2022.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 101


Walter Guandalini Junior

PÉREZ, Manuel Mateo. Cuando Carlos III fundó las Nuevas Poblaciones, in: El
Mundo. Publicado em 23 de agosto de 2021 no endereço eletrônico https://www.
elmundo.es/andalucia/2021/08/23/611f9ff1e4d4d8904d8b4604.html. Acessado
em 28 de outubro de 2022.
PIMENTA BUENO, José Antônio. Direito Público Brasileiro e Análise da
Constituição do Império. Rio de Janeiro: Tipografia Imp. E Const. De J.
Villeneuve E. C., 1857.
RAPHAEL, Lutz. Ley y Orden: dominación mediante la administración en el
siglo XIX (trad. Jesús Alborés). Madrid: Siglo XXI, 2008.
REBOLLO, Enrique Orduña. Historia del Estado Español. Madrid: Marcial
Pons, 2015.
REGO, Vicente Pereira. Elementos de Direito Administrativo Brasileiro, para
uso das Faculdades de Direito do Império. 2. ed. Recife: Tipografia Comercial
de Geraldo Henrique de Mira & C., 1860.
RIBAS, Antonio Joaquim. Direito Administrativo Brasileiro. Rio de Janeiro: F.
L. Pinto & C. Livreiros Editores, 1866.
RUBINO DE OLIVEIRA, José. Epítome de Direito Administrativo Brasileiro
segundo o Programa do Curso de 1884. São Paulo: Leroy King Bookwalter,
1884.
SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil (edição revista por Capistrano de
Abreu). Brasília: Edições do Senado Federal, 2010.
SANTAMARÍA PASTOR, Juan Alfonso. Sobre la Génesis del Derecho
Administrativo Español en el siglo XIX (1812-1845). Madrid: Iustel, 2006.
SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. A Polícia e o Rei-Legislador: notas
sobre algumas tendências da legislação portuguesa no Antigo Regime, in:
História do Direito Brasileiro: leituras da ordem jurídica nacional (Eduardo
Bittar, org.). São Paulo: Atlas, 2008, p. 91-108.
SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. As prelecções de Ricardo Raymundo
Nogueira (1746-1827): alguns aspectos do discurso pró-absolutista na literatura
jurídica portuguesa do final do antigo regime, in: Revista do Instituto Histórico e
Geográfico Brasileiro, v. 452, jul./set. 2011, p. 87-113.
SEELAENDER, Airton Cerqueira-Leite. O Direito Administrativo e a Expansão
do Estado na Primeira República: notas preliminares a uma história da doutrina
administrativista no Brasil, in: Revista do Instituto Histórico e Geográfico
Brasileiro, v. 485, jan./abr. 2021, p. 165-202.
SERNA, Pedro Gomez. Instituciones del Derecho Administrativo Español.
Madrid: Imprenta de Vicente de Zalama, 1843.

102 R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023.


“Muitos pontos de semelhança entre si”: representações do direito
administrativo espanhol pela doutrina administrativista brasileira
no século XIX (1854-1889)

SESMA, Daniel Guerra. El Pensamiento Territorial del siglo XIX español (1812,
1869, 1873). Estudio y antología de textos. Sevilla: Athenaica, 2018.
SOUSA, Paulino José Soares. Ensaio sobre o Direito Administrativo. Rio de
Janeiro: Typographia Nacional, 1862.
SOUSA, Paulino José Soares. Estudos Práticos sobre a Administração das
Províncias no Brasil. Rio de Janeiro: B. L. Garnier, 1865.
SUBTIL, José Manuel Louzada Lopes. Actores, territórios e redes de poder,
entre o antigo regime e o liberalismo. Curitiba: Juruá, 2011.
TOMÁS Y VALIENTE, Francisco. Manual de Historia del Derecho Español. 4ª
ed. Madrid: Tecnos, 1986.
VEIGA CABRAL, Prudêncio Giraldes Tavares. Direito Administrativo
Brasileiro. Rio de Janeiro: Tipografia Universal de Laemmert, 1859.
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Direito e Justiça no Brasil Colonial:
o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro (1751-1808). Rio de Janeiro: Renovar,
2004.
WEHLING, Arno; WEHLING, Maria José. Justiça ordinária e justiça
administrative no Antigo Regime – o caso brasileiro, in: Revista do Instituto
Histórico e Geográfico Brasileiro, v. 452, jul./set. 2011, p. 177-200.

Texto apresentado em novembro de 2022. Aprovado para publicação


em janeiro de 2023.

R. IHGB, Rio de Janeiro, a. 184 (491):55-104, jan./abr. 2023. 103

Você também pode gostar