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Universidade Federal de Santa Catarina

Centro de Ciências Jurídicas


Departamento de Direito
Direito Civil I - Parte Geral
Docente: Carolina Bahia Medeiros
Discente: Matheus Rocha de Oliveira (matr.: 22201397)

I - INTRODUÇÃO: AS TRANSFORMAÇÕES DO DIREITO PRIVADO E A


PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS (pp. 15-21)

Os autores, Cláudia Lima Marques e Bruno Miragem, introduzem a obra “O Novo


Direito Privado e a Proteção dos Vulneráveis”, afirmando a existência de um direito privado
solidário que emerge da Constituição [de 1988]. Essa definição prefacial é elementar e
constitui a essência daquilo que a obra transmite ao leitor no seu curso: as transformações
sofridas no direito privado, sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, com vistas a torná-lo
cada vez mais sensível à nova realidade global, com destaque para o Brasil, a partir da
segunda metade do século XX.
Inicialmente, os autores perfazem uma breve síntese histórica, calcada na visão de
pessoa e o seu papel no processo de codificação do direito privado. Enquanto a pessoa do
século XIX, que influenciou a construção do Código Civil brasileiro de 1916, era tratada
como homo politicus, um sujeito diante de um modelo de Estado absenteísta, a visão de
pessoa no século XX (homo faber), experimentou fortes modificações, consoante a
promulgação da CLT, da Lei de Introdução ao Código Civil (1942). Finalmente, a
Constituição Federal de 1988 edifica a pessoa humana como homo culturalis e homo
economicus, ou seja, um ser multidimensional que assume diferentes camadas de direitos,
dada a complexidade dos fenômenos que transpassam cada sujeito de direitos na ordem civil.
Por fim, os autores apresentam o Code Civil (1804), na visão de Miguel Reale, como
o marco consolidador do direito moderno, centrado nos ideais revolucionários franceses
(1789-1799) de igualdade, liberdade e fraternidade, sendo, portanto, um verdadeiro parâmetro
de codificação e legislação em matéria de direito privado.

II - O NOVO DIREITO PRIVADO E A PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS


(pp. 22-124)

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Os autores iniciam a segunda parte da obra sustentando que a formação do direito
moderno foi basilar para o processo de cisão entre os direitos público e privado, visto que o
direito privado, nesse momento histórico, centrou-se em cuidar das relações desenvolvidas
entre sujeitos na dimensão privada da vida social.
Essa matriz de cunho liberal, assinalada pelos autores, deu vazão a um paradigma
individualista e voluntarista no âmbito do direito privado, afastando-se, nesse mister, de
qualquer preocupação com a vulnerabilidade de pessoas e grupos sociais inseridos na ordem
civil.
Noutro norte, o texto apresenta um problema ao leitor: o direito privado brasileiro,
com sua nova tendência de valorização dos direitos humanos está ou será em breve o que os
alemães chamam de direito privado solidário? Em suma, o direito privado solidário se trata
de um direito com função social.
A partir da página 25 os literatos iniciam uma breve introdução histórica acerca do
processo de codificação civil empreendido em meados do século XIX e concretizado no
início do século XX com o Código Civil de 1916, cujos efeitos passaram a repercutir no
mundo jurídico a partir de 1917, destacando, de início, o as influências teóricas que
culminaram nessa legislação generalista. Esse Código nasceu do projeto de Bevilaqua de
1899, e buscava sua inspiração em diferentes fontes do direito privado continental europeu.
Outrossim, a ideia de direito privado para os romanos é calcada no fim da realização
do interesse individual. Nas palavras de Weinrib, o direito privado é a mais elementar
manifestação do direito e que primeiro legitima vínculos jurídicos. Essa posição é defensável
do ponto de vista sociológico e antropológico, demonstram os autores. No primeiro, isso se
dá pelo processo de socialização primária, no âmbito familiar. O segundo, por sua vez,
manifesta-se diante do fato de que as trocas individuais e a formação das famílias
antecederam a organização de grupos, tribos e do próprio Estado.
Importante frisar que a distinção clássica entre direito privado e direito público não é
mais admissível no século XXI, como postulam os autores.
Historicamente (p. 31), autores alemães classificam o direito brasileiro como
pertencente à família romana de direitos, enquanto autores franceses o inserem na chamada
família romano-germânica de direitos. Contudo, os autores da obra estabelecem uma síntese:
o direito brasileiro é fruto de uma história colonial e valores jurídicos estrangeiros.
Mais adiante, são expostas três contribuições do direito romano, trabalhadas pela
escola pandectística alemã, para a visão moderna de direito privado, trabalhadas também na
cultura jurídica brasileira, uma vez que foram herdadas da tradição jurídica portuguesa: (i)

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noção de direito privado como subespécie do direito em geral, (ii) o direito como um sistema
racional de diferentes fontes (regras positivadas, doutrina, jurisprudência), (iii) estatização
do direito privado.
Ademais, diversos institutos que compõem o centro das preocupações do direito
privado possuem modelagem advindas de diferentes culturas europeias. Nesses termos, os
autores assinalam a definição romana de justiça (a garantia de cada um do que é seu por
direito) e a ideia de família como produto da pólis grega, através dos seus vínculos religiosos
e políticos que formatam a base de uma sociedade. Desse modo, afirmam, é no âmago da
cultura grego-romana que a concepção de direito privado como regulador das relações entre
civis.
Pontuam os autores que a centralidade do direito romano situava-se no direito civil,
que figura como o direito do cidadão (ius civilis). Durante o Medievo, prosseguem, esse
direito será relido e transformado, constituindo-se em um verdadeiro sistema. É desse
processo que emerge o positivismo jurídico, distinguindo essa tradição europeia continental
(civil law) da tradição europeia insular (britânica, da common law).
A partir da página 36 os autores voltam os seus olhares à ideia de Códex ou Corpus,
altamente presentes na cultura jurídica brasileira, dada a herança portuguesa vista nas
Ordenações. Assim, Código é um pequeno sistema, enquanto um sistema de direito refere-se,
nas palavras de Natalie Sauphanor, a um todo estruturado hierarquicamente e
funcionalmente. Destacam os literatos que são essas as bases de uma visão de direito que
separa aquilo que pertence a um sistema de direito (conceito de direito, regras jurídicas,
princípios, jurisprudência), daquilo que não lhe pertence (moral, religião, regras da
economia etc.).
Continuamente, Norberto Bobbio disserta acerca de duas grandes dicotomias na
evolução histórica das funções do direito privado. A primeira delas reside na dicotomia entre
normas de conduta (Estado-liberal) e normas de organização (Estado-assistencialista), sendo
as primeiras próprias, em sentido clássico, do direito privado e as segundas do direito
público. No entanto, os autores asseveram que essa dicotomia não encontra amparo na
Constituição Federal de 1988. A segunda dicotomia se estabelece na relação direito natural e
direito positivo, subsidiária da primeira questão (público/privado).
A partir de agora (p. 45), os autores iniciam uma digressão mais apurada sobre a
evolução histórica do direito civil brasileiro, alicerçando-se na visão dos interesses dos
indivíduos.

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Ab initio, é salutar enfatizar que o Código Civil de 1916 foi muito criticado pelo seu
caráter individualista, demasiadamente preso a uma sociedade rural e conservadora, como
afirmam os autores.
Por outro lado, o Código Civil de 2002 nasceu diante de uma nova ordem
constitucional (1988), assumindo um caráter geral e não mais total, dada a fragmentação do
direito privado brasileiro em microcódigos.
Os autores pontuam que cabe ao direito civil, enquanto ramo do direito privado em
geral, resguardar os interesses individuais, acompanhando o sujeito de direitos nos mais
diversos campos da vida humana e social, o que resta por lhe constituir como um direito dos
iguais. Nessa esteira, o direito civil brasileiro só pode ser compreendido, reiteram os autores,
a partir das quatro fatores que lhe dão substância.
O primeiro desses fatores é a influência portuguesa, dado o fato de o Brasil ter sido
uma colônia de Portugal, e cujas contribuições teórico-jurídicas se assentam na incorporação
de valores típicos do direito romano e do direito canônico da época. O segundo fator exposto
no texto é o forte contato entre juristas brasileiros com ideias e ideais das chamadas “nações
civilizadas”, ocasião em que é oportuno apresentar a grande influência da Universidade de
Coimbra nesse processo. O terceiro fator citado respalda-se na tradição colonial brasileira em
valorizar os costumes. Finalmente, o quarto fator se origina no momento político que
antecedeu a elaboração do Código Civil de 1916. Nesse quarto ponto, os autores perfazem
duas fases importantes: a imperial e a republicana. Na primeira é possível perceber uma
resistência de juristas, como Teixeira de Freitas, e políticos do Império ao processo de
codificação nos moldes do Code Civil francês. No segundo período histórico, onde o
supracitado projeto de Código Civil brasileiro de 1899 ganhou força a ponto de ser aprovado,
pôde-se perceber mais nitidamente a influência da referida legislação civilista francesa, uma
vez que, no fim do século XIX, o Brasil já era uma República Federal.
Na página 54 os autores indagam acerca das razões que levaram o processo de
codificação civil brasileiro do início do século XX a adotar a sistemática da ciência jurídica
alemã de parte geral e parte especial, sem, todavia, incorporar o ideário civilista germânico
de proteção dos mais vulneráveis. Essa preocupação só ganhará tônica, no caso brasileiro, a
partir do desenvolvimento do direito social do trabalho e, mais tarde, com a proteção dos
consumidores.
A influência germânica na formatação do direito brasileiro pode ser observada nos
escritos de vários juristas brasileiros de renome ao longo do século XX, dos quais
destacam-se Teixeira de Freitas, cujo projeto civilista empreendia uma unificação das

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normas civis e comerciais, bem como dos contratos comuns a ambos os ramos jurídicos;
Tobias Barreto, responsável pela fundação do chamado culturalismo jurídico, que consistiu
em um chamado à renovação da cultura jurídica brasileira por intermédio de uma cultura
jurídica humanista, além de figurar como fundador da Escola de Recife; além desses, há
Clóvis Bevilaqua, autor do projeto de Código Civil aprovado em 1916, mas que data
originalmente de 1899; por fim, outro jurista de renome no período foi Rui Barbosa,
constitucionalista a quem incumbiu a elaboração da primeira constituição republicana.
Segundo Pontes de Miranda (p. 62), o Código Civil de 1916 possui um caráter pouco
social, como se pode colher das normas sobre incapacidade civil dos indígenas e a regras
sobre divisão e função da propriedade, marcas legislativas que sugeriam um atributo
continuísta social ao Códex.
A divisão empreendida por Bevilaqua no seu projeto de codificação, e que acabou
por estruturar o Código Civil de 1916 o organizava em pessoas, bens e fatos jurídicos,
enquanto seu sistema se organizava nos seguintes termos: Parte Geral e Parte Especial,
sendo a última subdividida em quatro livros (família, coisas, obrigações e sucessões).
Os autores afirmam que o Código Civil de 1916 sofreu severas críticas de Pontes de
Miranda, em que pese o seu conteúdo excessivamente liberal e individualista.
Importante enfatizar que o CC/1916 não possuía uma cláusula geral de boa-fé,
como, mais tarde, constou no CDC e o CC/2002.
Em face do exposto até aqui, os autores consignam que a sociedade brasileira do
início do século XX é uma sociedade pós-escravista, que convive com uma brutal
desigualdade material, acirrada formalmente por um Código Civil centrado no subjetivismo.
Essa visão, demonstram, modifica-se no curso do século XX, com uma nova abordagem
sobre a função reguladora do direito.
Ao discorrer sobre novos paradigmas do direito privado atual, os autores
demonstram que a dimensão extrapatrimonial, de existência da pessoa e de suas necessidades,
ganha centralidade com o Novo Código Civil (2002). Nesse sentido, o NCC/2002 unifica
obrigações civis e comerciais, cria um novo direito contratual brasileiro, preocupa-se
extremamente com os direitos da personalidade e preserva legislações especiais, como o
CDC, logo, pretende-se não como um código totalizante, mas generalista.
Dado o caráter globalizado da economia contemporânea, o NCC/2002 inclui um
Livro para tratar do direito de empresa, engessando, como demonstram os autores, as
sociedades estrangeiras (arts. 1134 a 1141).

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Segundo Miguel Reale, o NCC/2002 pauta-se em três princípios fundamentais:
eticidade, socialidade e operabilidade. Enquanto o princípio da eticidade busca a inclusão de
valores éticos por meio da introdução de cláusulas gerais, favorecendo a hermenêutica
favorável à atualização dos preceitos legais; exemplos de dispositivos legais desse princípio
são a interpretação segundo a boa-fé (art. 113) e a cláusula geral de boa fé (art. 422).
Complementarmente, nasce o princípio da socialidade, que busca a superação do caráter
subjetivista do antigo Código Civil, em prol de um predomínio do social sobre o individual,
como vê-se no caso da função social do contrato (art. 421) e da função social da propriedade
(art. 1228). Por fim, figura o princípio da operabilidade, que almeja facilitar a aplicação do
NCC/2002 à luz da dinamicidade da sociedade atual, com vistas à efetividade da prestação
jurisdicional.
Os autores sustentam que o novo direito privado baseia-se na filosofia kantiana e na
identificação da diferença, com o objetivo de se alcançar um ideal de igualdade, consagrando
a existência da pessoa livre, autônoma e capaz. Logo, percebe um destaque aos direitos da
personalidade, inseridos na parte geral do Códex (arts. 11 a 21).
A partir da página 88, os autores tratam dos ramos do direito que nascem do direito
civil (empresarial, consumerista, internacional privado e família).
O primeiro e o segundo guardam estrita relação, à medida em que sua competência é
definida pela finalidade; assim, se a finalidade de uma determinada relação jurídica é o
consumo, ainda que sua natureza seja empresarial, a tutela pertence ao direito do consumidor.
O direito empresarial moderno nada mais é do que uma evolução do direito comercial, visto
que a sociedade atual se dinamizou ao ponto de necessitar de novos institutos jurídicos com o
fim de regular os conflitos que nela se reproduzem. Em suma, os autores expõem que o
CC/2002 é um Código para relações entre iguais, estabelecendo um critério de desigualdade
quando necessário para fazer triunfar a equidade nas relações desenvolvidas na ordem civil.
O terceiro, enquanto disciplina, nasce dos escritos de Savigny, em 1849. No texto, os
autores assinalam o caráter de auxílio aos mais vulneráveis na esfera do direito internacional
privado, pautado em três princípios básicos: nacionalidade, liberdade (autonomia privada)
e soberania (nacional). Contemporaneamente, no entanto, o direito internacional privado e
o direito privado contemporâneo são regidos por um valor comum: proteção da pessoa
humana (vide DUDH/1948).
O quarto, direito das famílias, busca na própria Constituição de 1988 os seus valores
fundacionais, ao passo em que, como afirmam os autores, vive um renascimento científico. O
direito das famílias, na atualidade, busca a compreensão e a inclusão de novos sujeitos e

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novas formas de constituição familiar na sociedade do presente, uma vez que a tecnologia e
os costumes mudaram.
Superada essa questão, os literatos, na página 104, tratam do pluralismo como valor
do novo direito privado. Quanto a isso, apresentam uma provocação legítima: se os
“subjetivismos” não podem induzir o direito privado a uma fragmentação?
Adiante, refletem sobre os fundamentos ético-jurídicos da proteção dos vulneráveis
no direito privado, afirmando que essa última é um fim do direito atual. Um exemplo pode
ser colhido no próprio abandono do termo “deficiente” e introdução do conceito de portador
de necessidades especiais.
Ao se pensar que a meta do direito atual é a tutela dos socialmente mais “fracos”,
faz-se mister pensar nos instrumentos teórico-jurídicos para fazê-lo. Desse modo, os autores
definem o direito privado como portador de um instrumental reativo, a posteriori. De tal
sorte, o direito privado se ampara na concepção de distinção, ou seja, no reconhecimento da
existência de uma vulnerabilidade que produza algum desequilíbrio nas relações sociais,
como viés da garantia de direitos. Em síntese: é proteger reconhecendo as diferenças e
assegurando as oportunidades de acesso.

3 - A PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS NO DIREITO PRIVADO COMO


GARANTIA CONSTITUCIONAL

Como afirmado até aqui, o direito privado contemporâneo, quer seja no seu Código
principal, quer seja em suas legislações especiais, busca como fonte de inspiração a ordem
constitucional inaugurada com a Constituição Federal de 1988. Nessa linha, a proteção dos
vulneráveis, pelo direito, ampara-se na identificação e no reconhecimento de diversos grupos
sociais marginalizados, inseridos em uma brutal desigualdade, chocando-se frontalmente com
o sistema de valores e objetivos pactuados na Carta Magna brasileira.
A igualdade, afirmam os autores, é uma das grandes metanarrativas da
modernidade. No caso brasileiro, os exemplos são frutíferos: o Código de Defesa do
Consumidor, por exemplo, aplica normas para assegurar direitos ao consumidor (polo
vulnerável na relação consumerista) e, assim, concretiza a igualdade no plano material. Logo,
percebe-se que há uma busca não só por uma igualdade em sentido formal, como via-se no
modelo liberal de Estado do século XIX, mas um verdadeiro empreendimento no sentido de
assentar as garantias legais na esfera material, real, da vida humana.

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Os autores elencam um rol de esferas de atuação dessa concepção da
contemporaneidade internacional e brasileira: a proteção da criança e do adolescente, a
proteção dos idosos, a proteção dos consumidores, a proteção dos deficientes e portadores
de necessidades especiais e a proteção das futuras gerações.
No âmbito de proteção das crianças e dos adolescentes, perfilam a Convenção de
Direitos da Criança da ONU, no plano internacional, e o Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90), no plano interno, como normas jurídicas cuja tutela incide sobre
indivíduos considerados vulneráveis, dado o seu processo de formação e de socialização com
as instituições sociais (família, escola etc.). Um grande avanço, como afirmam os autores, é,
justamente, o reconhecimento da criança e do adolescente como sujeitos de direitos, ou
seja, como membros da ordem civil cujos bens jurídicos que lhe são essenciais ao pleno
desenvolvimento são objeto de preocupação do direito privado na sua dimensão
extrapatrimonial, como, por exemplo, a consequente conquista do direito de filiação como
direito personalíssimo, o que acaba, por se, impondo uma radical transformação do direito da
família contemporâneo.
A proteção dos consumidores, por seu turno, atinge a todos aqueles que integram a
ordem econômica, participando das relações de troca e de consumo inerentes à economia
capitalista dominante no mundo ocidental e, sobretudo, no Brasil. O Código de Defesa do
Consumidor representou, nesses termos, um marco na constitucionalização do direito
privado, uma vez que também trouxe a figura do consumidor como um pilar da proteção da
pessoa humana enquanto partícipe das relações comerciais típicas do sistema econômico
vigente. Trata-se, portanto, da consolidação de um mandamento constitucional (art. 170, V,
CF/88), como frisam os literatos.
No que concerne à proteção dos idosos, há, no plano doméstico, a primazia do
Estatuto do Idoso - Lei 10.741/2003, cuja tutela escora-se nos princípios da solidariedade e da
proteção. Essa virada, em particular, no direito privado deveu-se ao envelhecimento
progressivo da população, o que enseja na necessidade de se desenvolver, dentro do
ordenamento jurídico posto, normas com caráter protetivo a esse grupo social. Como direito
extrapatrimonial, emerge o direito ao envelhecimento sadio, um direito personalíssimo,
indissociável ao pleno desenvolvimento da pessoa idosa na ordem civil. Essa preocupação
transborda, também, para o direito consumerista e à própria garantia do acesso à justiça, com
vistas a inserir a pessoa idosa na centralidade da tutela exercida pelo direito privado
contemporâneo.

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Nesse ínterim, a proteção das pessoas portadoras de necessidades especiais ganha
especialíssima força na quarta parte do século XX (1975), com a aprovação, nas Nações
Unidas, da Declaração de Direitos das Pessoas Deficientes. No direito interno, em 1989
promulgou-se a Lei 7853/89, que instituiu a Política Nacional para Integração da Pessoa
Portadora de Deficiência, bem como, com a Constituição de 1988, diversos dispositivos
constitucionais passaram a se carregar significativa carga de preocupação com a tutela dos
bens jurídicos de interesse desses grupos sociais, como o art. 7º, XXXI, que veda a
discriminação no acesso ao trabalho e diversos outros artigos que visam a competência
concorrente dos entes federados em matéria sanitária e assistencial aos PNE.
Finalmente, a proteção das gerações futuras, uma preocupação que, como postulam
os autores da obra, possibilita o desenvolvimento de um novo princípio, ainda que em estágio
inicial: o princípio da precaução. Essa tutela torna-se salutar, visto que essas gerações
situam-se em posição vulnerável no que se refere à reivindicação dos seus direitos, impondo
às gerações do presente um fidedigno dever em fazê-lo. No direito exclusivamente
patrimonial, os direitos sucessórios são, naturalmente, o primeiro grande front, porquanto
busca-se, como assentam os autores, superar essa visão demasiadamente patrimonialista,
típica do Códex de 1916, para abraçar uma novíssima concepção: a construção de um
princípio da dignidade das gerações futuras, que encontre eco na estruturação do instituto da
responsabilidade civil no direito ambiental, por exemplo, pensando que a preservação do
patrimônio naturalmente constituído perfila como uma da mais significativas heranças sociais
que as gerações do presente podem transmitir às próximas gerações.

4 - O FUTURO DA PROTEÇÃO DOS VULNERÁVEIS PELO DIREITO


PRIVADO

Os autores inauguram a última parte de sua obra apresentando uma brevíssima


conclusão: o direito privado atingiu o seu estado atual graças à garantia de um Estado
Democrático de Direito e a uma Constituição Cidadã, como a de 1988.
Nesse sentido, os autores se baseiam nos escritos de Erik Jayme acerca dos
elementos da pós-modernidade, quais sejam: pluralismo, comunicação, narração, “le
retour des sentiments”, e a valorização dos direitos humanos.
Outrossim, a igualdade assume uma nova faceta, agora atravessada pela
formalização do direito à diferença e à diversidade, fruto das múltiplas realidades que
ganham singular força a partir da construção da subjetividade jurídica de indivíduos

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anteriormente “apagados” na ordem social. Essa “virada” fica nítida quando analisa-se
decisões recentes do Supremo Tribunal Federal em matéria de uniões homoafetivas, por
exemplo.
No direito privado, na seara desse processo, passa a ganhar cada vez mais força o
diálogo das fontes, ou seja, o ideário de que a aplicação do direito não pode considerar uma
única fonte isoladamente, com o conjunto delas, tanto no plano interno, quanto no externo,
com o objetivo de construir a solução jurídica e jurisdicional mais equitativa possível ao
deslinde da questão pertencente a esse ramo do direito. Isso decorre de uma característica
fundacional na pós-modernidade: o pluralismo de fontes de direito.
Os autores assinalam uma tendência do futuro: a qualificação da vulnerabilidade em
hipervulnerabilidade. Essa última, aceita na doutrina e incorporada à jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, cria uma gradação de vulnerabilidades, que recai, por exemplo,
no direito consumerista, com a presunção legal de absoluta vulnerabilidade do consumidor,
exemplificadamente, como também se sobressai a outras fontes legislativas, como
dispositivos do CC/2002 (art. 37, § 2º e art. 39, IV). Hipervulnerabilidade figura aqui como a
situação fática e objetiva de agravamento da pessoa física consumidora, afirmam os autores.
Se a igualdade sofreu significativas mudanças, a própria ideia clássica de
liberdade… também. Com o advento da pós-modernidade, a liberdade assume uma feição de
autonomia do mais fraco e inclusão dos diferentes, impondo uma funcionalização ao direito
privado. A liberdade, portanto, sai do pedestal do mero formalismo para procurar um
conteúdo material no mundo fenomênico. Como exemplo, os autores citam a liberdade
econômica, que apenas se realiza com o acesso ao trabalho. Nesse ponto, as duas outras
características pós-modernas de Erik Jayme (comunicação e narração) aparecem: a
comunicação é um valor caro à pós-modernidade, associado ao direito à informação, uma
faceta da liberdade, enquanto a narração se torna uma consequência da própria comunicação,
um impulso dela proveniente.
A valorização do tempo também surge como uma tendência futura, à medida em que
a morte e a finitude da vida são temas próprios da pós-modernidade. O tempo, como diria
Habermas, é visto de forma mais racional, econômica, como fonte à solução de problemas. O
tempo passa a ser um dos critérios considerados pelo próprio direito, por exemplo em casos
de condenação por danos morais ou até mesmo em danos decorrentes de contratos de longa
duração.

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Por fim, o último valor da Revolução Francesa não escapa às transformações do
direito privado. A fraternidade assume, na pós-modernidade, o objetivo de construir uma
origem comum e um diálogo das diferenças.
Os autores discorrem em referência a uma pretensa emocionalidade nos discursos
jurídicos (le retour des sentiments) e a procura por novos elementos sociais e ideológicos, por
vezes fora do sistema, que passam a fazer parte da argumentação jurídica e das decisões
judiciais.
A última grande tendência futurista ecoa no ideal contemporanizado da fraternidade:
diálogo das fontes e cooperação do direito público para realização de um direito privado
solidário. Nesse ponto, a clássica fronteira entre os direitos público e privado parece não
fazer mais sentido, quando ambos comungam os mesmos objetivos e funções no sentido de
proteger o vulnerável. Por um lado, implica no reconhecimento da limitação do direito
privado constitucionalizado e a busca por soluções na seara do direito público. Aqui, o
diálogo das fontes ganha especial ênfase, na medida em que as soluções de direito passam a
objetivar um mesmo anseio: colocar o direito em geral à serviço dos vulneráveis, dando-lhes,
na forma e na substância da solução disponível, a necessária visibilização na ordem social.

COMENTÁRIOS FINAIS (BREVES NOTAS DO DISCENTE)

Brevemente, considero que o texto, apesar de curto, possui uma grandeza


fundamental, pois preocupa-se, por um lado, em historicizar acerca da codificação do direito
civil brasileiro, e, de outro, refletir sobre o direito privado (de forma mais ampla) atual e
traçar possíveis tendências e diagnósticos com vistas a aperfeiçoá-lo.
O diálogo das fontes me parece, sob o ângulo da construção da solução jurídica
mais equitativa, um caminho natural de aperfeiçoamento do instrumental prático-jurídico de
que dispõem o Estado e os juristas. Mas figura, também, como uma verdadeira conquista
civilizatória, pois reconhece os limites do direito privado constitucionalizado e busca em
outras fontes, reitero, o aperfeiçoamento dos institutos presentes.
Portanto, o caminho atual do direito privado, qual seja o de estabelecer uma tutela
sobre os mais vulneráveis, ainda carece de melhorias, como a própria ampliação e
consolidação dos direitos dos povos indígenas e originários, desafio esse que, por exemplo,
assinala um importante e indispensável emprego do diálogo das fontes para que se opere uma
profícua revolução no direito brasileiro de modo geral.

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