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A tese que 

proponho aqui é a seguinte: mitos e sonhos ambos se constituem do


mesmo modo de pensamento, um pensamento muito dado às imagens concretas
e vividas, à metáfora, e à expressão do sentido através de padrões sensórios. Este
modo de pensar, que também faz parte da criatividade — e,
sobretudo, da criatividade artística — é aquele ao qual Freud deu
a etiqueta de “processo primário”. Só que este processo, a meu ver, não
é “primário” no sentido de desenvolvimento, isto é, de caracterizar o
pensamento infantil e ser superado posteriormente no pensamento adulto. Kracke,
W. Mitos nos Sonhos: Uma contribuição amazônica a teoria psicanalítica do processo
primário. Anuário antropológico. Unb. 1985.

Qual a relação da tese defendida pelo autor de que o processo primário não se
trata de algo "infantil a ser superado" com o conceito de inconsciente?

O autor Waud Kracke (1983), no trecho destacado para análise, questiona uma
leitura evolucionista do psiquismo, isto é, de que o psiquismo iria de um estado mais
primitivo (rudimentar), caracterizado pelo processo primário, para um estado mais
avançado ou desenvolvido, este seria constituído pelo processo secundário. Para ele,
não existe essa ideia de superação, de algo que será suplantado ou substituído por
outro mais aprimorado. Aqui a primariedade do processo é dada somente por ele vir
antes do aparecimento do processo secundário, o qual surgirá no contato com a
realidade e a partir da impossibilidade de cumprir com as exigências imediatistas do
princípio do prazer em se fazer realizar.
Essa tese não desenvolvimentista possui uma relação central para o conceito
de inconsciente, tido agora como um substantivo e não mais somente um adjetivo para
designar o contrário do que seria consciente, ou seja, um inconsciente hipotetizado
como uma tópica, um sistema psíquico regido por leis próprias. Essa importância se
dá ao fato de que o aparelho psíquico é constituído por esses dois processos, primário
e secundário, os quais possuem igual importância para a dinâmica do aparelho. Não é
à toa que (Laplanche e Pontalis, 2016, p. 371) essa distinção, na obra freudiana, se dá
de forma concomitante com a compreensão dos processos inconscientes.

Considerando o aparelho psíquico em Freud quanto à representação da


realidade no inconsciente, como podemos justificar o papel dos mitos nas
construções oníricas apresentadas no texto?

O antropólogo Waud Kracke, em seu artigo, deixa clara a importância que as


narrativas míticas tinham em “emoldurar e dar sentido à experiência da vida” dos
indivíduos imersos na cultura estudada (1985, p. 58). Além disso, haveria uma
semelhança de ordem discursiva, na própria estrutura formativa, entre a maneira como
se narra um mito e a produção onírica. Essa aproximação, obviamente, facilitaria os
sonhos de utilizarem o material dos mitos para expressar no psiquismo as
representações psíquicas presentes no inconsciente. Ou seja, tanto os mitos como as
construções oníricas possuem características semelhantes por serem formas de
expressar representações entranhadas na cultura ou no inconsciente.
[falar das semelhanças: utilização de cenas concretas, ...]

No texto, o autor destaca as "construções gramaticais na narração de sonhos e


mitos”. Qual a importância da narração do sonho para o método psicanalítico?

O destaque do autor sobre as construções gramaticais na narração de sonhos e mitos


(forma linguística que denota que a história foi ouvida de terceiros ou escutada num
estado alterado de consciência; algo que foi dito por outros; proveniente de uma cisão,
de um tempo longínquo que não possuiria uma relação direta com a atualidade)
evidencia que muitas vezes essa construção se dá e é experienciada como não
pertencente ao sujeito que a profere.

Explique a afirmação do autor de que o processo secundário está associado


aquilo que é "mais lógico e realista" a partir do conceito de inconsciente em
Freud.

O processo secundário é um dos modos do funcionamento do aparelho psíquico, que


aparece como derivado do contato deste com a realidade. No início, esse aparelho é
permeado somente pelos processos primários e submetido ao princípio do prazer,
porém o contato com o mundo impõe a impossibilidade de haver um escoamento livre
e imediato do conteúdo energético presente no psiquismo. Isso provocaria uma
clivagem fundadora da divisão entre Inconsciente e Pré-consciente/Consciente, o
recalque originário.
Daí o surgimento do princípio da realidade, ao qual os processos secundários estariam
submetidos. Estes permitiriam um escoamento mais controlado da energia, que
precisaria estar ligada a um representante para ser descarregada. Com isso vem
também a possibilidade de adiamento da satisfação exigida pelo aumento da tensão
do aparelho psíquico e, portanto, com esse espaçamento entre o surgimento da
exigência e a sua satisfação, novos caminhos de descarga são permitidos, abrindo
espaço para novas experiências mentais. É daí a afirmação de que o processo
secundário é associado a um pensamento mais lógico e realista, um pensamento que
está mais de acordo com os imperativos da realidade.

No texto, o autor destaca a importância de mitos na construção de fantasias


presentes nos sonhos dos indígenas escutados.  Em nossa cultura urbana, os
elementos cotidianos podem ser relevantes para análise dos sonhos? Justifique
sua resposta.
Da mesma forma que os mitos eram o substrato utilizado pelos sonhos dos indígenas
escutados para expressar as suas fantasias presentes no inconsciente, a cultura
urbana ocidental fará o papel de resto diurno para os sonhos daqueles imersos nessa
cultura, isto é, a vivência cotidiana fornecerá elementos, matéria representacional, a
ser utilizada pelo aparelho psíquico no intuito de permitir que as fantasias
inconscientes cheguem ou se manifestem no consciente. Portanto, imprescindível a
compreensão desse material cultural para a análise dos sonhos, uma vez que é na
utilização de algum desses significantes cotidianos que um conteúdo latente possa ser
explicitado no conteúdo expresso, permitindo aí a compreensão do que estaria
recalcado no inconsciente.

Bibliografia:

KRACKE, Waud. Mitos nos Sonhos: Uma Contribuição Amazônica à Teoria


Psicanalítica do Processo Primário. Anuário antropológico. Unb. 1985.
LAPLANCHE, J. e PONTALIS, J-B. Vocabulário da Psicanálise. 4ª Edição – São
Paulo: Martins Fontes, 2016.

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