Você está na página 1de 28

Brazilian Journal of Development 15349

ISSN: 2525-8761

Entrevista na Inteligência Policial Militar: uma abordagem sobre o


método cognitivo e a linguagem não verbal

Interview in Military Police Intelligence: an approach on cognitive


method and nonverbal language

DOI:10.34117/bjdv9n5-060

Recebimento dos originais: 04/04/2023


Aceitação para publicação: 06/05/2023

Rafael Cordasco Penkal


Mestre em Psicologia
Instituição: Academia Policial Militar do Guatupê (APMG)
Endereço: BR-277, Km 72, Afonso Pena - PR, CEP: 83075-000
E-mail: rafaelpenkal@yahoo.com.br

Ricardo Caron
Bacharel em Administração de Empresas
Instituição: Academia Policial Militar do Guatupê (APMG)
Endereço: BR-277, Km 72, Afonso Pena - PR, CEP: 83075-000
E-mail: caron.ricardo@pm.pr.gov.br

RESUMO
O presente artigo investiga a relação entre o método cognitivo e a análise da linguagem
não-verbal na busca de dados negados em entrevistas de Inteligência Policial Militar,
avaliando o impacto da combinação desses dois aspectos na precisão e confiabilidade das
informações coletadas. Através de uma revisão sistemática da literatura, o estudo busca
responder como essa combinação pode impactar a precisão e a confiabilidade dos dados
obtidos. A discussão aborda a relação entre Inteligência Policial Militar, técnicas de
entrevista e comunicação não verbal, analisando como a leitura adequada do
comportamento não verbal pode melhorar práticas de entrevista e detecção de mentiras.
A revisão da literatura foca em técnicas de entrevista, como ação de busca, entrevista
cognitiva e método PEACE, e no papel da comunicação não verbal no contexto da
Inteligência Policial Militar. O estudo conclui que ao integrar o conhecimento da
linguagem não verbal e técnicas cognitivas nas entrevistas, os profissionais de
Inteligência Policial Militar podem aprimorar suas habilidades de detecção de mentiras e
obter dados mais precisos e confiáveis. A pesquisa também destaca a necessidade de
treinamento específico e pesquisas adicionais nesta área.

Palavras-chave: Inteligência da Polícia Militar, entrevista, método cognitivo, linguagem


não-verbal.

ABSTRACT
This article investigates the relationship between the cognitive method and the analysis
of non-verbal language in the search for denied data in Military Police Intelligence
interviews, evaluating the impact of the combination of these two aspects on the accuracy
and reliability of the collected information. Through a systematic literature review, the
study seeks to answer how this combination can impact the accuracy and reliability of the
data obtained. The discussion addresses the relationship between Military Police

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15350
ISSN: 2525-8761

Intelligence, interview techniques and non-verbal communication, analyzing how the


proper reading of non-verbal behavior can improve interview practices and lie detection.
The literature review focuses on interview techniques, such as search action, cognitive
interviewing and the PEACE method, and on the role of non-verbal communication in
the context of Military Police Intelligence. The study concludes that by integrating non-
verbal language knowledge and cognitive techniques into interviews, Military Police
Intelligence professionals can improve their lie detection skills and obtain more accurate
and reliable data. The survey also highlights the need for specific training and further
research in this area.

Keywords: Military Police Intelligence. interview, cognitive method, non-verbal


language.

1 INTRODUÇÃO
A atividade de inteligência é crucial para garantir a segurança da sociedade e do
Estado, e envolve ações especializadas para produzir e salvaguardar conhecimentos com
vistas ao assessoramento do processo decisório e de planejamento. A tarefa da
Inteligência ainda inclui a detecção e neutralização de ameaças externas. Dentro dessas
ações, a entrevistas é uma das técnicas mais utilizadas na coleta de dados. O sucesso
desses processos depende da capacidade dos entrevistadores em formular perguntas
relevantes.
A comunicação humana é uma questão determinante na interação social e o
comportamento não-verbal desempenha um papel significativo nesse fenômeno
complexo. A linguagem não-verbal é capaz de transmitir informações valiosas sobre o
estado emocional e as intenções das pessoas, e pode ser uma ferramenta útil para
aprimorar a precisão e a confiabilidade da coleta de dados durante entrevistas de
Inteligência Policial Militar.
A análise da linguagem não-verbal, portanto, pode ser considerada um
complemento importante ao método cognitivo de entrevista, uma vez que permite aos
entrevistadores obter uma compreensão mais completa e precisa dos indivíduos
entrevistados. A combinação desses dois aspectos pode ser extremamente valiosa na
coleta de dados relevantes e precisas, e pode contribuir para o sucesso da Atividade de
Inteligência.
Nesse contexto, o presente artigo tem como objetivo investigar a relação entre o
método cognitivo e a análise da linguagem não-verbal na coleta de dados em entrevistas
de Inteligência Policial Militar, e de forma específica, avaliar o impacto da combinação
desses dois aspectos na precisão e na confiabilidade da ação de coleta. Este estudo busca

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15351
ISSN: 2525-8761

responder à seguinte pergunta: Como a combinação do método cognitivo e da análise da


linguagem não-verbal pode impactar a precisão e a confiabilidade da coleta de dados em
entrevistas de Inteligência Policial Militar?
O método utilizado será a revisão sistemática da literatura que aborda as técnicas
de entrevistas de Inteligência Policial Militar, entrevista cognitiva, linguagem e
comportamento não-verbal. Para tanto, as fontes selecionadas serão lidas e analisadas
para compreensão da temática pesquisada. Os resultados da análise serão sintetizados
para identificar padrões, tendências e lacunas na literatura, e para responder à pergunta
de pesquisa.
A justificativa social da pesquisa, é proporcionar uma contribuição para o
desenvolvimento de práticas mais eficazes na coleta de informações em entrevistas
policiais militares, o que poderá ter impactos positivos na segurança pública.
Esta pesquisa inovadora busca preencher lacunas no conhecimento que poderá ser
útil para profissionais de Inteligência de Segurança Pública, bem como para a comunidade
acadêmica interessada no estudo relacionadas à obtenção de dados e à Atividade de
Inteligência.

2 INTELIGÊNCIA POLICIAL MILITAR E A TÉCNICA DE ENTREVISTA


A Atividade de Inteligência entendida como organização, produto e processo é o
exercício permanente de ações especializadas destinadas à produção de conhecimentos e
à proteção da sociedade e do Estado, visando dar suporte às autoridades na tomada de
decisões, na elaboração de planejamentos, na definição de diretrizes e objetivos (FERRO
JÚNIOR, 2008). Esse assessoramento abrange: a identificação de oportunidades e
ameaças à consecução das políticas de governo; o planejamento e a execução de ações
que viabilizem a obtenção de vantagens; a segurança de conhecimentos e dados sensíveis
e das pessoas, áreas, instalações e dos meios que os guardam ou veiculam; e a prevenção,
detecção, obstrução e neutralização de ações da Inteligência adversa e de outras ameaças.
(BRASIL, 2016).
Compreende-se por ações especializadas a coleta sistemática de dados de livre
acesso e a busca de dados negados (protegidos por seu detentor) mediante o emprego
sigiloso de técnicas operacionais, além da adoção de medidas de proteção e outros
procedimentos metodológicos próprios da Inteligência (BRASIL, 2016).
Inteligência constitui-se em um processo de redução de incertezas, pois o
conhecimento (produto) permite que a autoridade (cliente) compreenda as consequências

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15352
ISSN: 2525-8761

de se adotar uma determinada ação (FERRO JÚNIOR; OLIVEIRA FILHO; PETRO,


2008). Desta feita, se revelam três características fundamentais da atividade: previsão,
antecipação e assessoramento (FERRO JÚNIOR; OLIVEIRA FILHO; PETRO, 2008);
ressaltando que o último é feito nos níveis político, estratégico, tático e operacional
(BRASIL, 2015).
Cabe à Inteligência acompanhar permanentemente o ambiente interno e externo
buscando identificar oportunidades e ameaças e, por meio de conhecimentos, assessorar
os tomadores de decisão de forma antecipada (BRASIL, 2017). Além disso, a atividade
assegura a possibilidade objetiva de verificação, constatação, controle, descrição e
previsão sobre coisas, fatos ou eventos (BRASIL, 2016).
Segundo Sherman Kent (1967) a Inteligência pode ser compreendida sob uma
tríade: produto, organização e processo. Inteligência como produto é o conhecimento
produzido, que tem como cliente o tomador de decisão em diferentes níveis. Inteligência
como organização refere-se aos órgãos que de maneira permanente e sistemática obtém
dados e produzem conhecimentos com vistas ao assessoramento do processo decisório.
Inteligência como processo diz respeito à busca de dados negados e/ou não disponíveis e
a metodologia própria da atividade, que transforma dados e/ou conhecimentos anteriores
em conhecimentos avaliados, significativos, úteis, oportunos e seguros (BRASIL, 2015;
GONÇALVES, 2010). Para que o produto da inteligência assessore adequadamente o
processo decisório é determinante o correto uso de metodologia, procedimentos e
técnicas, excluindo a prática de ações meramente intuitivas, opiniões pessoais e
procedimentos sem orientação racional (BRASIL, 2015). Sobre o método utilizado pela
inteligência, Almeida Neto (2009, p. 50) complementa:

Despiciendo lembrar que o método de construção do conhecimento de


inteligência e, por conseguinte, o ciclo de tal atividade, foram forjados a partir
de um específico critério de aceitabilidade da verdade, imbuído da primazia
dos princípios da oportunidade e utilidade sobre a própria verificabilidade do
conhecimento produzido (possibilidade do conhecimento ser testado).

Portanto, é necessário ter esses critérios em mente ao avaliar a precisão e a


confiabilidade das informações obtidas através do processo de inteligência.
A atividade de Inteligência possui dois ramos: a inteligência e a contrainteligência.
Aquele destina-se a produção de conhecimento para identificação de oportunidades e
ameaças, enquanto o este, em neutralizar as ações adversas e proteger a atividade e a
instituição a que pertence. Os dois ramos estão intrinsicamente ligados, uma vez que o

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15353
ISSN: 2525-8761

ramo Inteligência se vale de medidas de salvaguarda e o ramo Contrainteligência produz


conhecimentos para neutralizar ações adversas (BRASIL, 2015).
Além de produzir e salvaguardar conhecimentos, a atividade desenvolve ações
especializadas para a obtenção de dados negados de difícil acesso e/ou para neutralizar
ações adversas. As denominadas Operações de Inteligência exigem, pelas dificuldades
e/ou riscos iminentes, um planejamento minucioso, um esforço concentrado, e o emprego
de pessoal, técnicas e material especializados (BRASIL, 2015).
À vista do exposto, Pacheco (2006, p. 632) ensina:

Um órgão de inteligência se subdivide em três áreas: a) análise ou atividade


de inteligência stricto sensu (produção de conhecimento, que é documentado
e disseminado na forma de relatórios de inteligência, a saber - informe,
apreciação, informação e estimativa); b) contrainteligência (proteção dos
dados, informações e conhecimentos de uma instituição, por meio da
segurança do pessoal, segurança da documentação e material, segurança das
áreas e instalações, e segurança dos sistemas de informações - comunicações
e informática); c) operações de inteligência (busca do dado e/ou da informação
negados ou não disponibilizados).

O desígnio da Atividade de Inteligência está na obtenção e análise de dados, para


a produção de conhecimentos que subsidiem o processo decisório de diferentes atividades
e níveis (GONÇALVES, 2008). Isto posto, “onde houver planejamento e processo
decisório, a atividade de inteligência – em suas diferentes modalidades – mostra-se útil”
(GONÇALVES, 2008, p. 143).
São várias as modalidades de emprego da Inteligência, não havendo entre autores
uma uniformidade na classificação de gêneros e espécies. Gonçalves (2008) reconhece as
seguintes formas: inteligência militar e de defesa (defesa nacional em tempos de guerra e
paz), inteligência policial (prevenção e repressão das ações criminosas), inteligência
financeira (delitos financeiros, mormente a lavagem de dinheiro), inteligência fiscal
(delitos contra a ordem tributária), inteligência econômica, inteligência competitiva e
inteligência estratégica, a última habitualmente relacionada a inteligência de estado
(interna ou externa). Já Almeida Neto (2009, p. 62) classifica as modalidades
mencionadas por Gonçalves (2008) em duas grandes categorias, “de acordo com o âmbito
da decisão que se pretende assessorar e da natureza jurídica das funções exercidas pelos
profissionais”: público ou privada. Além disso, o autor subdivide a pública em clássica
(ou de Estado) e de segurança pública. A clássica com vistas ao assessoramento de
assuntos relativos às questões típicas de Estado como política externa, defesa nacional e
formulação de políticas públicas, pode estar em dois grupos: militar de Estado e civil de

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15354
ISSN: 2525-8761

Estado. Por sua vez, a inteligência de segurança pública pode ser segmentada em policial
(ostensiva e judiciária), fiscal, financeira e ministerial (ALMEIDA NETO, 2009).
Especificamente a Inteligência de Segurança Pública é o exercício permanente e
sistemático de ações especializadas para identificar, avaliar e acompanhar ameaças reais
ou potenciais na esfera de Segurança Pública, basicamente orientadas para produção e
salvaguarda de conhecimentos necessários para subsidiar os tomadores de decisão, para
o planejamento e execução de uma política de Segurança Pública e das ações para prever,
prevenir, neutralizar e reprimir atos criminosos de qualquer natureza que atentem à ordem
pública, à incolumidade das pessoas e do patrimônio (BRASIL, 2015).
Na seara do gênero Segurança Pública, a espécie Inteligência Policial objetiva
assessorar a atividade policial na elaboração de informações com significado; auxiliar a
produção de provas, por meio da coleta de elementos de convicção para robustecer a
investigação criminal e gerar conhecimento pertinente para os tomadores de decisão na
política de Segurança Pública (FERRO JUNIOR, 2008). Neste sentido, a Inteligência não
se concerne a uma modalidade ou especialidade de investigação, mas em uma
metodologia de caráter assessorial, que objetiva a produção de conhecimentos com
conteúdo preciso, oportuno, útil e significativo, cuja finalidade precípua é auxiliar o
processo decisório. Entretanto, subsiste a compreensão, que conhecimentos de
Inteligência contribuem com o processo investigatório, através da formulação de
convicção fundamentada, essa capaz de auxiliar a tomada de decisão, e em alguns casos,
antecipar-se ao cometimento de condutas. Sobre isso, Ferro Júnior (2007) afirma que
métodos de Inteligência ampliam a capacidade da investigação e de solução de crimes
complexos e por intermédio dela, “as organizações policiais buscam obter o poder de
antecipação” (p. 117). Logo, resta evidenciado que a Inteligência detém importância na
atuação repressiva, mas é insigne na preventiva, antecipando-se ao cometimento de fatos,
tendo grande utilidade no planejamento de estratégias de ação (GONÇALVES, 2010).
No âmbito das Polícias Militares a Inteligência tem por atribuição identificar,
avaliar e acompanhar ameaças reais ou potenciais na esfera de Segurança Pública,
orientadas para produção e salvaguarda de conhecimentos necessários para assessorar o
processo decisório; para o planejamento, execução e acompanhamento de assuntos de
Segurança Pública e da Polícia Ostensiva, subsidiando ações para prever, prevenir e
neutralizar ilícitos e ameaças de qualquer natureza, que possam afetar a ordem pública e
a incolumidade das pessoas, do patrimônio e do meio ambiente (PMPR, 2021b; BRASIL,
2015). No que se refere as ameaças, a Estratégia do Sistema de Inteligência da Polícia

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15355
ISSN: 2525-8761

Militar do Paraná identifica as principais com potencial lesivo à sociedade paranaense:


criminalidade violenta, criminalidade organizada, ações contrárias à segurança pública
no espaço cibernético, corrupção, sabotagem, ações contrárias ao estado democrático de
direito (PMPR, 2021a). Por outro lado, o documento estratégico também menciona as
oportunidades, que sob auxílio da Inteligência Policial Militar, têm potencial de contribuir
para o desenvolvimento do estado do Paraná e da Polícia Militar: ampliação da prevenção
da criminalidade; cooperação de nível regional e internacional; projeção positiva da
imagem da Polícia Militar do Paraná (PMPR, 2021a).
Como já mencionado o escopo da atividade de Inteligência está na obtenção e
análise de dados, para a produção de conhecimentos. Para que a Inteligência possa dispor
dos dados necessários e suficientes para a elaboração de seu produto, são adotados
procedimentos e medidas denominados Ações de Inteligência, centradas em dois tipos:
coleta e busca (BRASIL, 2015).
Coleta são os procedimentos realizados por uma Agência de Inteligência a fim de
obter dados depositados em fontes disponíveis ou abertas. Ao passo que, busca são os
procedimentos realizados a fim de reunir dados protegidos e/ou negados em um universo
antagônicos. Entre outras a entrevista é um tipo de ação de busca.

2.1 AÇÃO DE BUSCA DE ENTREVISTA


Entrevista é técnica de Inteligência que objetiva a obtenção de dados por meio de
uma conversação mantida com propósitos definidos, planejada e controlada pelo
entrevistador. Caracteriza-se como o método que utiliza meios diretos, ou seja, o contato
pessoal entre entrevistador e entrevistado, para obtenção de dados e informações.
Geralmente, a verdadeira identidade do entrevistador, sua ligação com o órgão de
Inteligência e o propósito da entrevista estarão encobertos por uma estória-cobertura1, em
virtude do necessário sigilo que reveste as Operações de Inteligência. A profundidade
desta cobertura estará diretamente relacionada com a sensibilidade do alvo e dos dados a
serem obtidos (dados negados).
A entrevista se assenta sob três aspectos: a busca de dados negados, a motivação
e o interesse do entrevistado despertados pelo entrevistador e, a obtenção dos dados com
a colaboração do entrevistado. Durante o transcorrer da entrevista, o entrevistador
necessita maximizar o fluxo de informações relevantes, além de manter o melhor

1
Estória-cobertura é conceituada como uma identidade de proteção para proteção para pessoas, instalações
e organizações, visando encobrir seus propósitos ou atos nas Operações de Inteligência

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15356
ISSN: 2525-8761

relacionamento possível, ou seja, uma ação de produção e outra de manutenção. Esta


relação entre entrevistado e entrevistador, envolve custos e recompensas, entre os
primeiros estão ameaças à segurança e ao sigilo, esquecimentos, falsas memórias, os
traumas e outras experiências negativas. Pelo lado das recompensas, o altruísmo,
compreendido como o desejo de ajudar, o reconhecimento, a catarse, a satisfação
emocional e intelectual. Compete ao entrevistador minimizar os custos e maximizar as
recompensas. Importante assinalar que o êxito de uma entrevista não é mensurado apenas
pela obtenção ou não do dado desejado, ou por sua quantidade, mas sim, pela qualidade,
caracterizada pela precisão, pertinência e utilidade dos dados obtidos.
A condução da entrevista e a formulação de perguntas deve prover a base para que
o entrevistador obtenha respostas às suas necessidades, assim como, possibilitar a livre
comunicação. Sobre isso, Lodi (1977) identifica três fatores de influência: utilização de
linguagem adequada que minimize incompreensões, a escolha entre formular perguntas
abertas ou fechadas e, a seleção entre uma abordagem direta ou indireta a um determinado
objetivo. A pergunta é a principal ferramenta do entrevistador e sua eficácia está
condicionada na utilização do questionamento certo, da maneira certa, no momento certo.
Assim, pode-se afirmar que a responsabilidade por respostas inadequadas perpassa pelo
entrevistador.

2.2 ENTREVISTA COGNITIVA E MÉTODO PEACE


Entrevistas com o emprego de técnicas inadequadas tendem a gerar baixa
obtenção de dados e potencialmente imprecisos, por outro lado, o emprego de métodos e
técnicas apropriadas possibilitam melhores resultados quanto a quantidade e qualidade
dos dados captados (CECCONELLO; MILNE; STEIN, 2022).
A entrevista é uma conversação mantida com o propósito de se buscar dados
negados ou não-disponíveis a partir da memória de fatos ou eventos vividos ou
presenciados, denominado memória episódica. Esse é um subsistema mnemônico
responsável por receber e armazenar dados sobre determinado fato ou evento datado
temporalmente, e relação espaço temporal entre eles (SILVA, 2016).
Os primeiros modelos teórico-práticos adotavam o estabelecimento de um
processo comunicativo no qual o entrevistado era instigado a relatar, e as confirmações
de detalhes e veracidade ocorriam pela utilização de técnicas que exploravam a mudança
de contexto, perspectiva e ordem cronológica. Com o tempo percebeu-se a necessidade

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15357
ISSN: 2525-8761

de adicionar componentes sociais e comunicativos, como fatores determinantes ao êxito


da entrevista (PAULO; ALBUQUERQUE, BULL, 2014).
Entrevista Cognitiva é um método que utiliza conhecimentos da psicologia
cognitiva e social, empregando técnicas que buscam maximizar a quantidade e a
qualidade dos dados obtidos. Sua origem remonta os anos 80, por meio dos estudos dos
psicólogos americanos Ronald P. Fisher e Edward Geiselman, tendo como fundamento a
estruturação da entrevista mais compatível com a forma com o que o cérebro recupera
memórias (AMBRÓSIO, 2015; PAULO; ALBUQUERQUE, BULL, 2014). Embora sua
concepção tenha sido para a aplicação na investigação criminal, é consenso entre os
pesquisadores que sua estrutura pode ser aplicada para outras finalidades, como na busca
de dados negados durante a produção de Conhecimentos de Inteligência (AMBRÓSIO,
2015).
Dentro do método cognitivo, a partir de 1992, na Inglaterra e País de Gales, surge
o modelo de entrevista baseado no acrônimo PEACE, em que cada letra representa uma
etapa da ação de busca: P – Planejamento e preparação (planning and preparation); E –
Engajar e explicar o processo de entrevista (engage and explain); A – Obtenção do relato
(account); C – Fechamento da entrevista (closure); E – Avaliação da entrevista
(evaluation) (CECCONELLO; MILNE; STEIN, 2022). Essa nova abordagem é
desprovida de táticas persuasivas e manipulativas (AMBRÓSIO, 2015) utilizadas nos
modelos confrontacionais, até então utilizados nos interrogatórios, como o Método Reid.
O modelo PEACE foi desenvolvido a partir do método cognitivo, assim os princípios e
etapas podem ser estudados de forma integrada (AMBRÓSIO, 2015).
Os resultados deste modelo originaram na obtenção de um número mais relevante
de dados (identificação de pessoas, locais, objetos), com maior credibilidade, em
diferentes alvos de entrevista, incluindo suspeitos de terrorismo, de crimes sexuais,
vítimas e testemunhas de diferentes crimes, crianças, adultos ou idosos (CECCONELLO;
MILNE; STEIN, 2022; PAULO; ALBUQUERQUE, BULL, 2014).
No que tange a entrevista como uma ação de busca da Inteligência Policial Militar
algumas situações necessitam ser adaptadas especialmente em face do princípio do sigilo.
Na grande maioria das entrevistas, o entrevistado desconhece o fato de estar sendo
submetido a ela, seus propósitos e a verdadeira identidade do entrevistador.
As etapas da entrevista são interconectadas e podem ser comparadas como uma
reação em cadeia, onde um planejamento e preparação bem-feitos aumentam a
probabilidade de um maior engajamento, facilitando a obtenção do dado pelo relato livre

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15358
ISSN: 2525-8761

e espontâneo. Se uma etapa anterior falhar, o processo comunicativo resta prejudicado,


reduzindo a qualidade do dado obtido (CTI, 2017)
A Entrevista Cognitiva através do modelo PEACE para a Inteligência envolve
algumas etapas:
a) Planejamento e preparação
O planejamento e a preparação estão intimamente relacionados com o êxito da
entrevista, ou seja, a obtenção de dados com qualidade (CIT, 2017). O planejamento visa
organizar o processo da entrevista, com vista ao atingimento de seus objetivos,
possibilitando ao entrevistador o preparo mental e a escolha da estratégia e das técnicas.
Complementarmente, a preparação, abrange o que precisa ser feito para que a entrevista
transcorra como planejado, englobando aspectos de logística e adequação de ambiente
b) Aproximação e engajamento através da construção do Rapport
Rapport é o estabelecimento de uma relação harmoniosa, empática e de conexão
(BALLARDIN, 2010). O entrevistador deve buscar desde o início da entrevista a criação
e manutenção de um ambiente colaborativo e de respeito com o entrevistado
(CECCONELLO; MILNE; STEIN, 2022). Na construção do rapport, o comportamento
não verbal do entrevistador favorece o surgimento de uma atmosfera favorável
(AMBRÓSIO, 2015). Três elementos compõem o rapport: atenção, demonstrando o
interesse em ouvi-lo; positividade, visando diminuir tensões; e coordenação,
demonstrando um perfil empático e que é capaz de compreender o que o entrevistado tem
a dizer (CECCONELLO; MILNE; STEIN, 2022).
O rapport assegura o engajamento do entrevistado, reduzindo a ansiedade e as
tensões, permitindo que os dados sejam fornecidos de maneira mais espontânea e precisa,
assim, é considerado um componente determinante para a obtenção de dados fidedignos
CECCONELLO; MILNE; STEIN, 2022).
c) Relato livre ou espontâneo
A escuta ativa favorece a livre manifestação do entrevistado e a formulação de um
relato completo e preciso, sobre esse aspecto, Ambrósio (2015) ensina que “o
inconsciente manifesta-se quando não há censura que cerceie o pensamento” (p. 40).
Sinais de encorajamento e links para seguimento são importantes elementos na
demonstração da escuta ativa (ibid.). A método baseado no acrônimo TED´S PIE 2: tell,

2
TED´S PIE: Tell (fale), Explain (explique), Describe (descreva), Show (mostre), Precisely
(precisamente), In detail (em detalhes), Exactly (exatamente)

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15359
ISSN: 2525-8761

explain, describe, show, precisely, in detail, exactly; é uma importante ferramenta para
estimular o relato, confirmar dados e esclarecer pontos obscuros.
d) Clarificação e revelação
Geradas de maneira espontânea, as falsas memórias são barreiras a obtenção de
dados precisos. Com o passar do tempo, certos detalhes se apagam da memória e a
lembrança de um fato ou evento torna-se fragmentado, ao tentar reestabelecer um
acontecimento ou aspecto específico, fatos estranhos ao original podem ser utilizados,
obtendo-se assim, dados não condizentes com a verdade real. As falsas memórias também
podem ser resultantes de sugestões feitas do modo acidental ou deliberado (AMBRÓSIO,
2015).
Estudos apontam que pessoas com menor capacidade intelectual são mais
suscetíveis para falsas memórias, por confiarem menos em seus julgamentos, bem como,
aquelas que tem a tendência a agradar aos outros, pelo desejo de aceitação. Além desses,
a ansiedade facilita a criação de falsas memórias, pois pessoas com essas características
têm dificuldade em depositar confiança nas suas memórias e menor capacidade de
atenção para tarefas (AMBRÓSIO, 2015).
A etapa da clarificação e revelação objetiva explorar tópicos relevantes, que levem
a obtenção e validação do dado negado, além de atuar para minimizar os efeitos das falsas
memórias. Através da formulação de perguntas que englobam o método TED´S PIE, o
entrevistador estimula relatos detalhados, coordena o ataque aos aspectos relevantes e
pertinentes daquilo que se deseja obter.
e) Fechamento da entrevista
O encerramento da entrevista necessita respeitar a conexão e a relação de
confiança estabelecida entre os interlocutores. O resfriamento do entrevistado deve
ocorrer no período de tempo necessário para não gerar tensões, pois essas poderão se
transformar em ameaças a preservação do necessário sigilo e a integridade dos
envolvidos.
f) Avaliação (debriefing)
A avaliação visa examinar se os objetivos da entrevista foram alcançados,
analisando a quantidade, e principalmente, a qualidade dos dados obtidos, tudo isso
dentro das medidas de proteção e preservação do sigilo.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15360
ISSN: 2525-8761

3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DO COMPORTAMENTO E


COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL
O comportamento não-verbal e a comunicação não-verbal estão estreitamente
vinculados e exercem influência no comportamento dos destinatários da mensagem.
Meyer (2017) destaca que o comportamento não verbal abrange elementos como
posturas, gestos, entonação, expressões faciais e movimentos, que transmitem a maior
parte de nossas mensagens. Apenas dominar as palavras empregadas não é suficiente em
contextos comunicativos, pois cerca de 95% das informações são transmitidas pelo não-
verbal, que é influenciado por variáveis internas como crenças, valores, histórico pessoal
e cultura, tornando-se crucial em situações como falar em público ou em negociações
(SILVIA et al., 2000).
A comunicação não-verbal engloba todas as formas de interação que não
envolvem o uso de palavras, incluindo comportamentos conscientes e inconscientes ou
subconscientes. Entre os exemplos, estão o vestuário do interlocutor, a postura adotada,
as expressões faciais e os gestos. Além disso, a comunicação não-verbal também pode
estar presente na comunicação verbal, por meio de aspectos implícitos, como tom, ritmo,
volume, entonação, alcance vocal ou até mesmo o silêncio do falante (MESQUITA, 1997;
CARVALHO, 2020)
Hall e Knapp (2013) categorizam o comportamento não verbal em cinco classes
principais: kinesics (movimentos corporais), vocalics (aspectos vocais), proxemics
(espaço físico), chronemics (tempo) e haptics (toque). Ambas as perspectivas
demonstram que a comunicação não verbal é um aspecto relevante da interação
interpessoal, envolvendo diferentes comportamentos não verbais que podem influenciar
a transmissão de informações, emoções e intenções entre os indivíduos envolvidos.
Navaro e Karlins (2020) afirmam que em uma comunicação interpessoal, cerca de
60 a 65% das informações são transmitidas por meio de comportamentos não verbais, e
durante uma relação sexual, podem representar 100% da comunicação entre os parceiros.
Corraze (1982) ressalta que a comunicação não verbal é um meio de transmitir
informações que vai além da linguagem escrita ou falada, abrangendo também outras
espécies animais, como a dança das abelhas e os ruídos dos golfinhos. Essa forma de
comunicação é composta não apenas pelo corpo, mas também pelos objetos associados a
ele e pelo espaço que o cerca, o que indica a complexidade e a variedade de formas que
a comunicação não verbal pode adotar.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15361
ISSN: 2525-8761

Por conseguinte, pode-se afirmar que a comunicação não verbal é uma ferramenta
essencial em diversos contextos da vida, desde as interações sociais mais cotidianas até
as relações íntimas. Essa forma de expressão é tão antiga e complexa quanto a própria
humanidade, e seu domínio é fundamental para se estabelecer uma comunicação clara e
efetiva.
Diversos teóricos têm investigado a comunicação não verbal e seus impactos na
transmissão de informações entre os indivíduos. Mehrabian (1971), por exemplo, propõe
que a comunicação interpessoal é formada por elementos distintos, nos quais somente 7%
da informação é transmitida por meio de palavras, enquanto a entonação e a expressão
vocal influenciam 38%, e a linguagem corporal representa 55%.
Por sua vez, Birdwhistell (2021) enfatizou a importância do comportamento não
verbal na comunicação humana, levando-o a desenvolver sua teoria da cinésica, que
consiste no estudo do movimento corporal e dos gestos como forma de comunicação não
verbal. O trabalho de Birdwhistell teve uma grande relevância no avanço da investigação
sobre comunicação não verbal e exerceu uma forte influência em campos como a
antropologia, a psicologia e a linguística.
A teoria do espaço proxêmico de Hall e Knapp (2013) identificou quatro regiões
de proximidade que afetam a comunicação não verbal entre indivíduos. Essas regiões são
condicionadas culturalmente e podem apresentar variações em diferentes contextos. Além
disso, o autor enfatiza que gestos emblemáticos específicos de uma cultura, pintura,
dança, música, escultura, artes marciais, roupas, maquiagem, tatuagem, silêncios, rituais
e espaço são considerados modos de comunicação não verbal.
Portanto, os principais elementos da comunicação não verbal incluem gestos,
postura, movimentos corporais, expressões faciais, entre outros, que juntos transmitem
informações cruciais para a comunicação interpessoal. A compreensão desses elementos
é fundamental para o entendimento da cultura e do comportamento humano em geral,
pois permitem a identificação de padrões e significados comunicativos.

4 A IMPORTÂNCIA DA ANÁLISE INTEGRADA DA COMUNICAÇÃO NÃO


VERBAL
A comunicação não verbal é um meio efetivo de expressar ideias, emoções e
intenções autênticas de um indivíduo. Comportamentos não verbais são frequentemente
descritos como sinais, visto que podem fornecer informações valiosas sobre o estado
emocional e psicológico de uma pessoa. Diferentemente da comunicação verbal, a

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15362
ISSN: 2525-8761

linguagem corporal é geralmente mais genuína, uma vez que nem sempre os indivíduos
têm consciência das mensagens que estão transmitindo.
É de extrema importância destacar que a avaliação da linguagem corporal deve
ser feita de forma integrada, não baseando-se em gestos isolados. Os gestos devem ser
encarados como palavras em uma frase, compreendendo um todo é que se revela a real
postura e sentimentos do indivíduo. A interpretação de um gesto isolado pode levar a mal-
entendidos e conclusões equivocadas (HOLM, 2017).
O autor ressalta ainda, que existem gestos recorrentes que as pessoas tendem a
executar quando estão entediadas ou sob pressão. Por exemplo, tocar o cabelo de forma
repetitiva ou girar os dedos pode indicar hesitação ou ansiedade. Os gestos mencionados
são comumente empregados com o objetivo de proporcionar conforto e reduzir a tensão,
tal como ocorre com as mães em relação aos seus filhos (HOLM, 2017).
Alguns gestos, de acordo com Navaro e Karlins (2020), são frequentemente
utilizados para lidar com insegurança, desconforto emocional e estresse:
• Cobrir o sulco do pescoço ou mexer em um colar;
• Passar a mão na testa;
• Tocar ou cobrir o pescoço com mais intensidade;
• Tocar a bochecha ou o rosto;
• Expirar com as bochechas infladas;
• Massagear ou esfregar o pescoço;
• Encobrir o pescoço com mais força;
• Tocar ou esfregar o rosto;
• Coçar a testa;
• Tocar os lábios;
• Esfregar uma mão na outra;
• Puxar ou massagear o lóbulo da orelha com o polegar e o indicador;
• Passar a mão no rosto ou na barba;
• Ajeitar o cabelo.
Ainda, conforme os mesmos autores, especificamente os homens, geralmente
costumam massagear ou esfregar o pescoço para reduzir a tensão, visto que essa área
apresenta grande quantidade de terminações nervosas, incluindo o nervo vago, cuja
massagem pode diminuir a frequência cardíaca. Além disso, os homens tendem a cobrir
o pescoço com mais vigor do que as mulheres quando lidam com desconforto ou
insegurança.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15363
ISSN: 2525-8761

Apesar de ser possível obter informações valiosas sobre os sentimentos e


intenções de uma pessoa através da linguagem corporal, é crucial evitar a interpretação
exagerada de gestos isolados. Por exemplo, durante uma entrevista de Inteligência, se o
entrevistado tocar o cabelo de maneira constante, isso pode sinalizar que ele está sob
pressão. No entanto, quando esse gesto é realizado isoladamente, pode indicar dúvida ou
até mesmo ansiedade.

5 A COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL: GESTOS E POSTURAS


A comunicação não verbal é uma forma rica e complexa de expressão que envolve
diversos gestos e posturas, capazes de transmitir informações importantes sobre a
personalidade, estado emocional e intenções de um indivíduo. A postura pode indicar a
presença ou ausência de autoconfiança, insegurança, receptividade ou defensividade
(CARVALHO, 2020)
Pease e Pease (2006) salientam que determinadas posturas podem indicar
hostilidade e discordância, como pernas rigidamente cruzadas e braços cruzados sobre o
peito, bem como inclinar a cabeça para baixo. Tais gestos podem veicular sentimentos
negativos em relação ao que está sendo dito e indicar uma postura defensiva em relação
à comunicação.
De acordo com Navarro e Karlins (2020) é inegável, que em certas situações,
cruzar os braços seja um comportamento de defesa e desconforto. Embora possamos
adotar essa posição confortavelmente em público ao aguardar ou escutar alguém, em casa,
raramente a utilizamos, a não ser que algo nos incomode, como impaciência devido a um
táxi atrasado. É importante ressaltar que quando os braços estão cruzados e as mãos estão
segurando firmemente, isso pode indicar uma postura de desconforto e defensividade.
Os autores, enfatizam que a postura de braços para trás é frequentemente utilizada
como uma demonstração territorial poderosa para estabelecer domínio ou comunicar que
há problemas. Essa postura é conhecida como a "postura real" e é comumente empregada
pela realeza para manter as pessoas à distância.
Segundo Robert Phipps (2012), a posição sentada com as mãos atrás do pescoço
ou da cabeça é uma postura predominantemente masculina que transmite autoconfiança,
superioridade e arrogância. Essa posição é frequentemente adotada quando alguém está
falando sobre si mesmo ou sobre seu trabalho e pode indicar uma atitude de confiança.
Embora essa postura possa ser assumida após um alongamento, é importante destacar a

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15364
ISSN: 2525-8761

diferença entre uma postura natural e essa, que é mais rígida e acompanhada de mudanças
na expressão facial e no corpo (PHIPPS, 2012).
Entretanto, Navarro e Karlins (2020) também observam que a posição das mãos
na cintura pode transmitir diferentes mensagens, dependendo da posição dos polegares.
Por exemplo, quando os polegares estão voltados para a frente, isso indica uma postura
mais inquisitiva e menos autoritária. Já quando os polegares estão voltados para trás a
posição isso transmite uma mensagem mais agressiva e dominante.
Além disso, Pease e Pease (2006) observam que as pessoas frequentemente
colocam seus polegares para fora dos bolsos, às vezes até dos bolsos traseiros, como uma
forma de dissimular sua atitude dominante. Esse gesto é comumente usado por mulheres
agressivas ou dominantes, e aqueles que mostram seus polegares muitas vezes balançam
sobre os pés para dar a impressão de possuir uma estatura maior (PEASE; PEASE, 2006)
Ao fornecer informações importantes sobre as emoções e intenções das pessoas,
a postura, bem como as pernas e os pés, desempenham um papel crucial. Fexeus (2013)
destaca que a postura pode indicar interesse ou desinteresse em uma interação social, com
uma postura alerta sinalizando interesse e uma postura recuada sugerindo desinteresse.
Infelizmente, muitas vezes, somos completamente negligenciados das mensagens
que transmitimos através de nossas pernas e pés, visto que passamos a maior parte do
tempo com eles ocultos sob mesas e cadeiras.
Conforme destacado por Navarro e Karlins (2020), os pés podem ser considerados
como a parte mais genuína do corpo, capazes de fornecer informações valiosas sobre as
intenções das pessoas durante uma interação social. A seguir, apresentamos alguns
exemplos das posições dos pés e seus possíveis significados:
• Quando uma pessoa movimenta o pé apontando e se afastando durante
uma conversa, pode ser interpretado como a intenção de sair na direção em que o
pé está apontando;
• Apertar os joelhos e alternar o peso entre os pés pode ser considerado um
sinal de intenção de se levantar e ir embora.
• Se a pessoa aponta os pés para cima, pode indicar que ela está de bom
humor ou pensando em algo positivo, enquanto a mudança de uma posição fixa
para uma posição de partida pode ser interpretada como a intenção de deixar o
local;
• O cruzamento de pernas é outro gesto que pode fornecer informações
valiosas sobre as emoções e intenções das pessoas em uma interação social. Por

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15365
ISSN: 2525-8761

exemplo, o cruzamento de pernas em uma conversa entre duas pessoas pode


indicar conforto e intimidade, enquanto a mudança da posição das pernas pode
indicar desconforto ou desaprovação;
• O cruzamento de pernas padrão, com uma perna claramente cruzada sobre
a outra, é comum em algumas culturas e pode indicar uma atitude reservada,
defensiva ou nervosa;
• O cruzamento de pernas em 4 pode indicar uma atitude de competência ou
discussão;
• O cruzamento de tornozelos, especialmente quando acompanhado de
outros gestos, pode indicar uma atitude defensiva ou dissimulação de emoções
negativas;
• A orientação corporal na direção em que alguém está voltado pode indicar
interesse, engajamento ou desconexão com a pessoa ou assunto em questão.
Por exemplo, se um indivíduo não gosta do tema que está sendo discutido, ele
pode mudar a posição de suas pernas para criar uma barreira entre si e seu interlocutor.
No entanto, Pease e Pease (2006) alertam que o significado dos gestos das pernas e dos
pés pode variar de acordo com a cultura e o contexto.
A distância entre as pessoas pode indicar intimidade, respeito ou desconforto. Na
visão de Pease e Pease (2006) existem diferentes categorias de espaços interpessoais, que
se relacionam com a natureza dos vínculos e interações entre as pessoas:
• Espaço íntimo (15 a 45 cm): considerado o mais pessoal e significativo, é
reservado para relacionamentos emocionalmente próximos, como parceiros, pais,
filhos, amigos próximos e familiares.
• Espaço pessoal (46 cm a 1,22 metros): essa distância é típica em eventos
sociais, locais de trabalho e celebrações, onde as pessoas se mantêm próximas,
mas respeitam a individualidade de cada um.
• Espaço social (1,22 a 3,6 metros): essa faixa de distância nos mantém
afastados de pessoas com as quais não temos uma relação íntima, como
desconhecidos, profissionais que prestam serviços e fornecedores.
• Espaço público (acima de 3,6 metros): essa distância é adequada quando
nos dirigimos a um grupo mais amplo, em situações em que não é necessário ou
esperado ter uma interação direta.
O toque pode transmitir afeto, conforto, domínio ou apoio (HOLM, 2017). Na
maioria dos casos, as pessoas que conseguem tocar outras sem causar desconforto são

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15366
ISSN: 2525-8761

julgadas favoravelmente. Embora os anglo-saxões possam ter dificuldade em aceitar esse


gesto devido à sua cultura, tocar alguém pode indicar: oferecer informações ou conselhos,
dar ordens, fazer um pedido, persuadir, celebrar, transmitir emoções, ouvir problemas ou
assumir uma posição dominante. Se alguém toca você, pode sugerir uma conexão entre
ambos (HOLM, 2017).

6 A COMUNICAÇÃO NÃO VERBAL DAS MÃOS


Gestos realizados com as mãos têm o potencial de enfatizar pontos, expressar
aprovação ou desaprovação e auxiliar na compreensão da mensagem transmitida
(CARVALHO, 2020).
Pease e Pease (2006) ensinam que a orientação das palmas das mãos pode
transmitir uma mensagem de submissão ou autoridade. A seguir, destacamos alguns
exemplos de gestos e suas possíveis interpretações, conforme os autores:
• A palma da mão voltada para cima representa um gesto não ameaçador,
denotando submissão;
• Quando a palma da mão está voltada para baixo, isso confere autoridade e
pode ser interpretado como uma ordem;
• A palma fechada em um punho, com o dedo apontando, simboliza uma
ordem direta para que o receptor obedeça;
• O aperto de mão é uma técnica importante que pode ter um impacto
imediato em um encontro com outra pessoa. O domínio é transmitido quando a
palma da mão fica para baixo, enquanto a palma para cima pode conceder o
controle da situação ao outro;
• Quando duas pessoas dominantes se cumprimentam, ocorre uma luta
simbólica em que cada uma tenta colocar a palma da outra em posição de
submissão. O aperto de mãos vertical é considerado uma forma respeitosa e
amigável de cumprimentar alguém;
• O aperto de mãos conhecido como "tipo luva", utilizado por políticos, pode
transmitir uma mensagem negativa quando usado em um encontro com alguém
que acabou de conhecer;
• Segurar na parte superior do braço transmite mais sentimento do que
segurar no pulso, e agarrar o pulso ou o cotovelo é considerado aceitável apenas
entre amigos íntimos ou parentes. No entanto, utilizar essas técnicas em um

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15367
ISSN: 2525-8761

contexto de negócios pode causar desconforto ao receptor e gerar um efeito


negativo.
Ao interagir socialmente, é crucial estar atento ao uso das mãos e adaptar os gestos
para transmitir a mensagem pretendida. Phipps (2012) enfatiza a importância deste
aspecto e propõe os seguintes significados:
o Gestos com a palma voltada para baixo sugerem confiança e assertividade,
ao passo que gestos com a palma voltada para cima podem transmitir uma
sensação de passividade e submissão.
o Gestos com a palma para baixo podem ser empregados para expressar uma
ordem, enquanto gestos com a palma para cima podem sugerir que alguém está
oferecendo ajuda.
o Apontar o dedo pode ser percebido como um gesto agressivo em
determinadas situações.
Por sua vez, Carvalho (2020) destaca que o contato físico no aperto de mão é um
exemplo comum de comunicação não verbal, influenciado pela cultura e pelas
circunstâncias, segundo o autor:
• Diversidade cultural - há variações nos apertos de mão conforme a cultura,
incluindo aspectos como firmeza, tempo de duração e a presença de outros gestos.
• Normas e expectativas - o aperto de mão pode transmitir informações
sobre o relacionamento entre as pessoas, expressando respeito, confiança e
formalidade.
• Sinais de segurança ou timidez - a postura e a firmeza adotadas ao apertar
a mão podem indicar se uma pessoa é autoconfiante ou tímida.
• Contato visual - manter o olhar fixo na outra pessoa durante o aperto de
mão pode demonstrar interesse, sinceridade e estabelecer uma conexão entre os
envolvidos.
A comunicação não verbal por meio de gestos e apertos de mão desempenha um
papel significativo nas interações sociais e profissionais. As mãos, em particular, têm a
capacidade de transmitir uma ampla gama de mensagens, desde confiança e assertividade
até passividade e submissão.
Para comunicar efetivamente e evitar mal-entendidos é essencial compreender e
adaptar nossos gestos de acordo com a cultura, as normas sociais e as expectativas do
contexto em que nos encontramos. Ao prestar atenção ao uso das mãos e dos gestos,

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15368
ISSN: 2525-8761

podemos melhorar nossas habilidades de comunicação, estabelecer conexões mais fortes


e promover ambientes mais produtivos e respeitosos.

7 COMPORTAMENTO NÃO VERBAL E A DETECÇÃO DE MENTIRAS


Nos ensinamentos de Allen (2016) várias motivações levam indivíduos a mentir,
como busca por atenção, tentativa de encobrir inseguranças, obtenção de vantagens e
desejo de ocultar erros. Para identificar uma mentira, diversas estratégias devem ser
consideradas, sendo a análise da linguagem corporal um componente crucial.
Antes de dominar tais técnicas é relevante considerar outras formas de detecção,
como inconsistências nas narrativas, evasão do tema, fala lenta, ansiedade e falta de
confiança. A menos que uma pessoa seja treinada profissionalmente para mentir, é
provável que ela demonstre menor assertividade ao mentir, evitando contato visual e
utilizando um tom de voz mais baixo (ALLEN, 2016).
A detecção de mentiras e o estudo do comportamento não verbal são áreas de
interesse crescente em psicologia e disciplinas relacionadas. Interpretar o comportamento
humano pode parecer simples, porém é complexo e requer um processo meticuloso de
observação e análise das pistas verbais e não verbais apresentadas em um contexto
específico (HOLM, 2017).
Conforme pesquisa de Matias et al. (2015) é imprescindível reconhecer desafios
e limitações nesta área de pesquisa. Um problema recorrente é a abordagem não científica
de tais temas, levando à propagação de teorias e proposições sem fundamentação em
evidências empíricas ou passíveis de teste por experimentação e replicação. Tais
abordagens não científicas podem levar indivíduos a acreditar em informações falsas ou
imprecisas, prejudicando a habilidade de interpretar adequadamente o comportamento
não verbal e detectar mentiras. O autor ainda ressalta a necessidade de promover a
divulgação de pesquisas científicas nesta área e incentivar a adoção de métodos rigorosos
e baseados em evidências para o estudo do comportamento não verbal e detecção de
mentiras.
Ekman (2009) afirma que há duas maneiras principais de mentir: ocultação,
quando o indivíduo omite informações verdadeiras sem apresentar informações falsas, e
dissimulação, quando o indivíduo apresenta informações falsas como verdadeiras,
retendo conhecimento de informações verdadeiras.
Em uma busca sistemática realizada por Matias et al. (2015) nas bases de dados
Scielo, Lilacs e Pubmed, apenas cinco estudos nacionais sobre a temática da mentira

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15369
ISSN: 2525-8761

foram encontrados. Os estudos apresentaram resultados relevantes para a psicologia,


incluindo a dificuldade de detectar mentiras por meio da comunicação não verbal,
identificação de comportamentos verbais e não verbais associados à mentira, influência
das representações sociais de confiabilidade na percepção da mentira e efeitos do
treinamento na detecção da mentira. Dissertações de mestrado também contribuíram para
o campo, demonstrando efeito positivo do treinamento na detecção da mentira por meio
da observação de expressões faciais e a falta de correlação entre habilidades de detectar
emoções e detectar mentiras.
O autor aponta a importância de investigar a temática da mentira no contexto
brasileiro e aprimorar técnicas de detecção da mentira para melhorar a precisão e eficácia
dessas abordagens. Aprofundar a compreensão do comportamento não verbal e da
detecção de mentiras pode ter aplicações práticas em áreas como segurança, negociações,
psicologia forense, entre outras. Ao desenvolver habilidades de análise e interpretação do
comportamento humano, profissionais dessas áreas podem tomar decisões mais
informadas e efetivas (MATIAS et al., 2015).
Na perspectiva de Pease e Pease (2006), a habilidade de identificar gestos
associados à mentira pode ser relevante para detectar falsidades. Entretanto, os autores
destacam que é fundamental notar que as posições das mãos no rosto são apenas o início
dos gestos enganosos.
Em síntese, a comunicação não verbal desempenha um papel crucial na interação
humana e sua análise adequada pode fornecer insights valiosos sobre as intenções,
emoções e comportamentos das pessoas. O estudo do comportamento não verbal e da
detecção de mentiras é uma área complexa e desafiadora, mas sua compreensão pode ser
aprimorada por meio de pesquisas rigorosas e baseadas em evidências.
Consequentemente, é fundamental promover a divulgação de pesquisas científicas
neste campo e incentivar a adoção de métodos rigorosos para melhorar a precisão e
eficácia das técnicas de detecção de mentiras e interpretação do comportamento não
verbal.

8 DISCUSSÃO
Neste artigo discutiu-se a entrevista no contexto da Inteligência Policial Militar,
como uma ação de busca de grande relevância na obtenção de dados negados e/ou não
disponíveis. Perante a técnica de entrevista, analisou-se a associação do método cognitivo
com o modelo PEACE e, ainda, a agregação de processos de leitura do comportamento

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15370
ISSN: 2525-8761

não verbal e de detecção de mentiras, tudo isso em prol, da melhoria na quantidade e


qualidade dos dados obtidas, especialmente que se refere a precisão.
A Entrevista Cognitiva, desenvolvida nos anos 80 por Ronald P. Fisher e Edward
Geiselman, é um método que se baseia em conhecimentos da psicologia cognitiva e social
para maximizar a quantidade e a qualidade das informações obtidas (AMBRÓSIO, 2015;
PAULO, ALBUQUERQUE, BULL, 2014). Embora tenha sido concebida para uso na
investigação criminal, a estrutura da entrevista cognitiva também pode ser aplicada em
outros contextos, como na busca de dados negados durante a produção de Conhecimentos
de Inteligência (AMBRÓSIO, 2015).
Na Inteligência Policial Militar, a técnica de entrevista desempenha um papel
crucial na obtenção de dados relevantes e confiáveis. A ação de busca de entrevista, a
entrevista cognitiva e o método PEACE são abordagens diferentes que visam melhorar a
eficácia das entrevistas, garantindo que as obtenções sejam precisas e úteis. A
compreensão da comunicação não verbal e do comportamento não verbal é um aspecto-
chave para aprimorar as habilidades de entrevista nesses contextos.
A leitura da comunicação não verbal também é essencial para a detecção de
mentiras, conforme destacado por Allen (2016), Holm (2017) e Matias et al. (2020). A
habilidade de identificar sinais de mentira, como inconsistências nas narrativas, evasão
do tema, fala lenta, ansiedade e falta de confiança, pode ajudar os profissionais de
Inteligência a distinguir entre informações verdadeiras e falsas. Além disso, Ekman
(2009) enfatiza a importância de reconhecer as diferentes formas de mentir, como
ocultação e dissimulação, para melhorar a precisão na detecção de mentiras. Os estudos
nacionais revisados por Matias et al. (2020) também apontam para a necessidade de
pesquisas adicionais e treinamento específico nesta área para melhorar as habilidades dos
entrevistadores.
Os gestos posturais e a comunicação não verbal das mãos, como discutido por
Pease e Pease (2006), Carvalho (2020) e Phipps (2012), podem fornecer informações
valiosas sobre as intenções e emoções dos entrevistados. Ao atentar-se a esses, os
entrevistadores podem adaptar suas técnicas e melhorar a precisão dados obtidos. Pease
e Pease (2006) destacam a importância de compreender os gestos associados à mentira e
como as posições das mãos no rosto são apenas o início dos gestos enganosos. Ao integrar
esse conhecimento às técnicas de entrevista, os profissionais da Inteligência podem
aprimorar suas habilidades de detecção de mentiras e obter informações mais precisas.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15371
ISSN: 2525-8761

A entrevista cognitiva deu origem ao modelo de entrevista PEACE, desenvolvido


na Inglaterra e País de Gales em 1992. O acrônimo PEACE representa as etapas da ação
de busca, na língua inglesa: Planejamento e preparação (P), Engajamanento (E), Obtenção
do relato (A), Fechamento da entrevista (C) e Avaliação da entrevista (E)
(CECCONELLO, MILNE, STEIN, 2022). Esse modelo se distingue dos métodos
confrontacionais, como o Reid, por não utilizar táticas persuasivas e manipulativas
(AMBRÓSIO, 2015). Os resultados alcançados com o modelo PEACE têm demonstrado
sua eficácia na obtenção de dados mais relevantes e confiáveis em diferentes contextos e
populações-alvo (CECCONELLO, MILNE, STEIN, 2022; PAULO, ALBUQUERQUE,
BULL, 2014).
Ao se aplicar a entrevista cognitiva e o modelo PEACE no contexto da
Inteligência Policial Militar, torna-se necessário adaptar algumas práticas para respeitar
o princípio do sigilo. Na maioria das entrevistas conduzidas no âmbito da Inteligência, o
entrevistado não tem consciência de que está sendo alvo de uma ação de busca,
desconhece o propósito daquela conversação e ignora a verdadeira identidade do
entrevistador.
As etapas da entrevista são interconectadas e podem ser comparadas a uma reação
em cadeia: um planejamento e preparação bem executados aumentam a probabilidade de
maior engajamento e facilitam a obtenção de informações por meio de relatos livres e
espontâneos (CTI, 2017). Se uma etapa anterior falhar, o processo comunicativo pode ser
prejudicado, reduzindo a qualidade das informações obtidas.
Dessa forma, é essencial que os profissionais da Inteligência Policial Militar
estejam familiarizados com a entrevista cognitiva e o modelo PEACE, adaptando-os às
suas necessidades específicas e às condições de sigilo. Ao aplicar essas técnicas com
eficácia, eles podem aprimorar a qualidade dos dados obtidos e, consequentemente,
melhor subsidiar o processo de produção de Conhecimentos.
Além disso, a combinação do método cognitiva, com o modelo PEACE e a análise
do comportamento não verbal pode fornecer uma abordagem mais completa para a
obtenção de dados precisos. Ao estar atento aos gestos posturais, comunicação não verbal
das mãos e outros sinais não verbais, os profissionais podem ajustar suas técnicas de
entrevista e melhorar a detecção de mentiras.
Laconicamente, a entrevista cognitiva e o modelo PEACE, ao lado da análise do
comportamento não verbal, têm o potencial de melhorar significativamente a eficácia da
ação de busca em tela no contexto da Inteligência Policial Militar. É crucial que os

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15372
ISSN: 2525-8761

profissionais dessa área estejam bem treinados nessas técnicas e possam adaptá-las às
situações específicas que enfrentam, sempre respeitando o princípio do sigilo.

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A pesquisa e o desenvolvimento contínuo nessas áreas são fundamentais para
aprimorar as técnicas e métodos utilizados na entrevista cognitiva e na detecção de
mentiras. A promoção da divulgação de pesquisas científicas e a adoção de métodos
rigorosos e baseados em evidências são cruciais para garantir a precisão e eficácia dessas
abordagens.
A cooperação entre profissionais da Inteligência Policial Militar, pesquisadores e
especialistas em comportamento não verbal pode contribuir para o avanço das técnicas
de entrevista e detecção de mentiras, bem como, para a criação de protocolos adaptados
às necessidades específicas desse contexto. Essa colaboração multidisciplinar tem o
potencial de melhorar a qualidade dados obtidas e, por consequência, aumentar a
efetividade das ações de Inteligência Policial Militar.
A discussão neste artigo destaca a importância da entrevista cognitiva, do modelo
PEACE e da análise do comportamento não verbal no contexto da Inteligência Policial
Militar. A adoção e adaptação dessas técnicas podem melhorar significativamente a
qualidade dos dados obtidos, logo, aperfeiçoar a produção de Conhecimentos e, em última
análise, contribuir significativamente para o processo de tomada de decisão e
planejamento.
No escopo da Inteligência Policial Militar é imperativo que haja um investimento
contínuo no treinamento e na capacitação dos profissionais envolvidos, não apenas nas
técnicas de entrevista cognitiva e no modelo PEACE, mas também no reconhecimento e
interpretação do comportamento não verbal. A formação de equipes multidisciplinares
que combinem conhecimentos de diferentes áreas, como psicologia, linguística e
comunicação, pode auxiliar na criação de abordagens mais eficazes e aprimoradas para a
obtenção e análise de dados.
Além disso, é importante que os profissionais da Inteligência Policial Militar se
mantenham atualizados sobre as novas descobertas e avanços científicos relacionados às
técnicas de entrevista e detecção de mentiras. Isso permitirá a incorporação de novos
conhecimentos e metodologias, promovendo um maior nível de precisão e eficiência nas
ações de busca.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15373
ISSN: 2525-8761

Por fim, é necessário enfatizar a importância do compartilhamento de experiências


e conhecimentos entre os profissionais da Inteligência Policial Militar, bem como a
criação de uma rede de colaboração entre diferentes instituições e setores. Essas ações
podem auxiliar na disseminação de melhores práticas, no aprimoramento contínuo das
técnicas de entrevista e detecção de mentiras, e na promoção de uma cultura de
cooperação e aprendizado mútuo entre os profissionais envolvidos.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15374
ISSN: 2525-8761

REFERÊNCIAS

ALLEN, S. Linguagem Corporal - Como Detectar Mentiras E Enganos Atraves Da


Linguagem Corporal: manual... para detectar mentiras utilizando a linguagem corp. S.l.:
Createspace Independent P, 2016

ALMEIDA NETO, W. R. de. Inteligência e contrainteligência no Ministério Público:


aspectos práticos e teóricos da atividade como instrumento de eficiência no combate ao
crime organizado e na defesa dos direitos fundamentais. Belo Horizonte: Dictum, 2009.

AMBROSIO, Gr. Psicologia do testemunho: técnicas de entrevista cognitiva. Revista do


Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 46, 2015.

BALLARDIN, M. G.. A entrevista investigativa e o policial entrevistador. Dissertação


de Mestrado (Cognição Humana). Faculdade de Psicologia. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, 2010.

BIRDWHISTELL, R.. Introduction to kinesics: an annotation system for analysis of body


motion and gesture (hardcover). [s.l.] Hassell Street Press, 2021.
BRASIL. Decreto de 15 de dezembro de 2017. Aprova a Estratégia Nacional de
Inteligência. Disponível em: <planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-
2018/2017/dsn/Dsn14503.htm>. Acesso em: 07 mar. 23.

______. Gabinete de Segurança Institucional, Agência Brasileira de Inteligência.


Doutrina nacional da atividade de inteligência. Fundamentos doutrinários. Brasília:
GSI/ABIN: 2016.

______. Ministério da Justiça, Secretaria Nacional de Segurança Pública. Doutrina


nacional de inteligência de segurança pública – DNISP. 4. ed. rev. e atual. Brasília:
Ministério da Justiça, 2015.

CARVALHO, T. Como analisar pessoas: o guia completo para ler a linguagem corporal
e a comunicação não verbal. Aprenda habilidades de inteligência emocional para acelerar
a sua capacidade de ler pessoas. São Paulo: Independently Published, 2020.

CECCONELLO, W. W.; MILNE, R.; STEIN, L. M. Oitivas e interrogatórios baseados


em evidências: considerações sobre entrevista investigativa aplicado na investigação
criminal. Revista Brasileira de Direito Processual Penal, v. 8, n. 1, p. 489-510, jan./abr.
2022. Disponível em: <https://doi.org/10.22197/rbdpp.v8i1.665>. Acesso em: 1 mar. 23.

CORRAZE, J. As comunicações não-verbais. Rio de Janeiro: Zahar, 1982.


CTI. Convention Against Torture Initiative. Entrevista investigativa em casos criminais.
Traduzida pelo Grupo de Pesquisas em Processos Cognitivos, do Pós-graduação em
Psicologia da PUCRS, sob coordenação da Profa. Dra. Lilian Milnitsky Stein. 2017.
Disponível em: <https://cti2024.org/wp-
content/uploads/2017/01/ctitraining_tool_port_braz.pdf>. Acesso em: 7 mar. 23.

EKMAN, P. Telling lies: clues to deceit in the marketplace, politics, and marriage. 4th
ed. New York: W.W. Norton, 2009.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15375
ISSN: 2525-8761

FERRO Jr, C. M. A inteligência e a gestão da informação policial: conceitos, técnicas e


tecnologias definidos pela experiência profissional e acadêmica. Brasília: Fortium, 2008.

______. Inteligência organizacional, análise de vínculos e a investigação criminal: um


estudo de caso da Polícia Civil do Distrito Federal. 2007. 137f. Dissertação (Gestão do
Conhecimento e Tecnologia da Informação) - Universidade Católica de Brasília, Brasília,
2007.

FERRO Jr, C. M.; OLIVEIRA FILHO, E. D. de; PRETO, H. C. F. Colaboração: George


Felipe de Lima Dantas. Segurança pública inteligente: sistematização da doutrina e das
técnicas da atividade. Goiânia: Kelps, 2008.

FEXEUS, H. A arte de ler mentes: como interpretar gestos e influenciar pessoas sem que
elas percebam. Petrópolis: Vozes, 2013.

GONÇALVES, J. B... Atividade de inteligência e legislação correlata. Niterói: Impetus,


2010.

______. SED QUIS CUSTODIET IPSO CUSTODES? O controle da atividade de


inteligência em regimes democráticos: os casos de Brasil e Canadá. 2008. 837p. Tese
(Doutorado em Relações Internacionais) – Instituto de Relações Internacionais,
Universidade de Brasília, Brasília, 2008. Disponível em:
<http://repositorio.unb.br/bitstream/10482/1262/1/TESE_2008_JoanisvalBritoGoncalve
s.pdf> Acesso em: 14 mar. 2019.

HALL, J. A.; KNAPP, M. L. (EDS.). Nonverbal communication. Berlin.  Boston: De


Gruyter Mouton, 2013.

HOLM, M. A Linguagem corporal não mente: A arte de interpretar e dominar a


linguagem não verbal. São Paulo: ebook kindle, 2017.

KENT, S. Informações estratégicas. Tradução: Cel. Hélio Freire. Rio de Janeiro:


Biblioteca do Exército, 1967. (Coleção General Benício). Título original: Strategic
intelligence for american world policy.

LODI. J. B.. A entrevista: teoria e prática. 3. Ed. São Paulo: Pioneira, 1977.

MATIAS, D. W. S. et al. Mentira: aspectos sociais e neurobiológicos. Psicologia: Teoria


e Pesquisa, v. 31, n. 3, p. 397–401, set. 2015.

MEHRABIAN, A. Silent messages. Belmont, Calif: Wadsworth Pub. Co, 1971.

MESQUITA, R. M. Non-verbal communication: relevance in the practitioner’s action.


Revista Paulista de Educação Física, v. 11, n. 2, p. 155, 20 dez. 1997.

MEYER, P.. Detector de Mentiras. Petrópolis: Vozes Nobilis, 2017.

NAVARRO, J.; KARLINS, M. O que todo corpo fala. Rio de Janeiro: Sextante, 2020.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023


Brazilian Journal of Development 15376
ISSN: 2525-8761

PACHECO, D. F.. Atividades de inteligência no Ministério Público. In: CONGRESSO


NACIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO – MINISTÉRIO PÚBLICO E JUSTIÇA
SOCIAL, 16., 2005, Belo Horizonte. Anais...Belo Horizonte: Associação Nacional dos
Membros do Ministério Público/Associação Mineira do Ministério Público, 2006. p. 631-
649.

PAULO, R. M.; ALBUQUERQUE, P. B.; BULL, RAY. A entrevista cognitiva


melhorada: pressupostos teóricos, investigação e aplicação. Revista da Associação
Portuguesa de Psicologia, v. 28, p. 21-30, 2014.

PEASE, A.; PEASE, B. The definitive book of body language. Bantam hardcover ed ed.
New York: Bantam Books, 2006.

PHIPPS, Robert. Body language. Unidet Kingdom: Capstone, 2012.

PMPR. POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Portaria do Comando-Geral nº 611, de 29


de junho de 2021. Aprova a Estratégia do Sistema de Inteligência da Polícia Militar do
Paraná (SIPOM/PMPR). Boletim-Geral nº 118, Curitiba, 29 jun. 2021a.

______. POLÍCIA MILITAR DO PARANÁ. Portaria do Comando-Geral nº 612, de 29


de junho de 2021. Aprova a Política de Inteligência da Polícia Militar do Paraná. Boletim-
Geral nº 118, Curitiba, 29 jun. 2021b.

SILVA, L. M. G. DA et al. Comunicação não-verbal: reflexões acerca da linguagem


corporal. Revista Latino-Americana de Enfermagem, v. 8, n. 4, p. 52–58, ago. 2000.

SILVA, J. S. CAZÉ da. Efeitos da idade na memória episódica: uma análise através dos
paradigmas “que-onde-quanto” e “que-onde-qual contexto”. Dissertação (mestrado).
UFPB/CCHL. 142f. 2016.

Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.9, n.5, p. 15349-15376, may., 2023

Você também pode gostar