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o racional, o irracional, o transcendente e

o imaginário em e.i + 1 = 0

Iran Abreu Mendes


Miguel Chaquiam

1
SUMÁRIO

Introdução, 03
1. Sistema de numeração, 04
2. O zero ao longo da história, 06
2.1. Produto de um número real por zero
2.2. Fatorial de zero
2.3. Elemento oposto
2.4. Divisão de um número real por zero
3. Significados atribuídos aos números, 09
4. O número e, 11

4.1. A irracionalidade de e

4.2. Transcendência de e

4.3. Aplicações envolvendo o numero e


5. O número : histórias e relações matemáticas, 21
5.1. Arquimedes e o método da exaustão
5.2. Um número fascinante está em todos os lugares
5.3. Relações que geram 
5.4. A descoberta teórica do 
5.5. Outras atividades sobre o número .
6. Números complexos: uma abordagem histórica, 35
6.1. Sobre os números imaginários
6.2. Sobre a existência do número imaginário
6.3. Curiosidades
6.4. Exponenciais e logaritmos de Euler
Bibliografia consultada, 56

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Introdução
Este trabalho tem como principal finalidade explorar no contexto
histórico da matemática, aspectos referentes a uma fundamentação
epistemológica referente a ampliação do conceito de número e suas relações
lógico-matemáticas. Nesse sentido tomamos como recorte epistemológico, os
números: racional, irracional, transcendente e o imaginário. O material seguiu
um itinerário metodológico no qual a história do desenvolvimento do
pensamento e práticas matemáticas são continuamente solicitadas para dar as
diretrizes didáticas aqui tomadas para a elaboração deste material.
Iniciaremos com breve história dos números 0, 1, e, π e i e da identidade
eπ.i + 1 = 0. Destacaremos a importância do 0 e 1 no desenvolvimento da
matemática, discutiremos a irracionalidade e transcendência dos números e e π
e apresentaremos cálculos que geram aproximações para e e π. Deduziremos a
identidade eπ.i + 1 = 0 que é elegante, concisa, cheia de significação e que já foi
considerada por alguns como a mais compacta e famosa de todas as identidades
matemáticas. Finalizaremos com atividades voltadas ao ensino da Matemática
envolvendo esses números e a História da Matemática.

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1
Sistemas de Numeração
Acredita-se que por volta do século XV a.C., os primeiros a criarem
formas de escrita tenha sido os fenícios e devido as relações com outros povos
a escrita dos fenícios chegou ao conhecimento das moabitas, edomitas,
amonitas, hebreus e aramaicos. Por volta do século IX a.C. a escrita dos
fenícios havia se difundido pela orla marítima do mediterrâneo e aos poucos foi
sendo adotada com adaptações por povos ocidentais, dentre eles, os gregos.
Não demorou muito para que os gregos criassem um sistema de
numeração baseado no alfabeto, de base decimal e voltado ao principio aditivo.
O termo indo-arábico tem origem com os Hindus, habitantes do norte da
Índia no vale do rio Indo, na criação de um sistema de numeração de base dez e
obedecendo a um principio posicional e de Árabes, pela divulgação desse
sistema na Europa.
Por meio do sistema Indo-arábico era possível representar qualquer
número utilizando-se de apenas dez símbolos, passando a ser considerado um
sistema de numeração completo.
O arcebispo Severus Sebokt numa conferência realizada na Síria, por
volta de 662, faz a seguinte referência aos símbolos criados pelos hindus:

Existem outros povos que também sabem alguma coisa! Os


hindus, por exemplo, têm valiosos métodos de cálculos. São
métodos fantásticos! E imaginem que os cálculos são feitos por
meio de apenas nove símbolos.
(GUELLI, 1994).

A partir da referência de Severus aos nove símbolos e não a dez, pode-se


deduzir que naquele período o zero ainda não tinha sido criado pelos Hindus.

Figura 1: Sistema de numeração Hindu

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Segundo Guelli (1994), o símbolo para representar o zero ocorreu no
século VI. Para Ifrah (1998), os hindus escolheram um símbolo semelhante a
um ponto para indicar o zero.

Figura 2: Símbolo adotado Hindus para o Zero

Os árabes se dedicaram às áreas que relativas à ciência e à tecnologia,


principalmente a matemática, durante o período de difusão da religião
muçulmana. Os muçulmanos traduziram várias obras de filósofos e
matemáticos da cultura grega localizadas na biblioteca de Alexandria no Egito.
Passaram a criar universidades e bibliotecas pelas regiões de seus domínios que
compreendia de Bagdá até Granada, na Espanha, entre os séculos VIII e XIII. O
principal interesse Árabe pela cultura Hindu envolvia a astronomia, a aritmética
e a álgebra por serem bem desenvolvidas para a época.
O sistema de numeração Hindu foi adotado pelos Árabes por volta do
ano 800 e depois difundido noutras regiões, chegando até nós após um processo
de mudanças ao longo dos anos. Gundlach (1992) destaca que os Árabes
atribuíram aos indianos a invenção desse sistema de numeração.
Dentre os estudiosos árabes da antiguidade, destacamos Al-Khowarizmi,
que viveu por volta do século IX, durante o reinado de Al-Mamun. Ele traduziu
para sua língua vários manuscritos de origem grega e indiana. Após
compreender o sistema de numeração dos hindus, publicou o livro Sobre a arte
hindu de calcular explicando detalhadamente o funcionamento desse sistema
de numeração.
Do nome Al-Khowarizmi surgiu o termo latino “algorismus”, hoje,
algarismo - termo usado para fazer referência aos símbolos da atual versão do
sistema de numeração indo-arábico: 0, 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.

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O Zero ao longo da História
Robert Kaplan, em seu livro O Nada Que Existe revela a existência
ZERO nas civilizações antigas de modo isolado em alguns povos, como era
representado e como essa representação desapareceu e surgiu novamente em
outra civilização.
O ZERO era representado pelos mesopotâmios por dois pregos em
diagonal. Acredita-se que a primeira representação para o ZERO na história
tenha surgido entre os mesopotâmios, mais precisamente entre os sumérios. O
povo Maia o representava por meio de uma concha.
Há a hipótese de que os gregos tenham representado o Zero pela letra
“O”, referente à palavra Ômicrom. Os hindus possuíam mais de uma
nomenclatura para indicar o Zero – Bindu (gotícula ou glóbulo); Nabhas
(vapor); e Sunya (vago, vazio).
Entre os árabes, o Sunya hindu passou a ser conhecido como Sifr
(vazio). Após a disseminação dos algarismos indo-arábicos na Europa, o
italiano Fibonacci passou a adotar a palavra Zefirum para indicar a quantidade
vazia, que mais tarde passou a ser Zéfiro, depois Zephyr, Sefro, Zevro, até que,
por volta do século XIV, encontramos o termo Zeviro que evoluiu para Zevero,
Zeuro e chegar ao conhecido ZERO.
O Zero é considerado uma das noções fundamentais da matemática. Na
contabilidade, o Zero era visto como um ponto de equilíbrio no momento em
que a diferença entre os créditos de um investidor e seus débitos resultassem
em saldo Zero, indicando que não houve lucro nem prejuízo.
O Zero contribuiu para evolução da humanidade, principalmente no que
diz respeito às tecnologias. De acordo com Lima (1976) o Zero pode ou não ser
número natural, dependendo do interesse dentro da álgebra ou da análise. Em
Kaplan (2001) encontramos a afirmação de que todo equipamento eletrônico
funciona com base em números reescritos em um código binário de 0 e 1,
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correspondendo a desligado e ligado, e combinando-se 0 e 1, podemos
reescrever qualquer número inteiro, por exemplo, o número 10 no sistema
binário: 1010 → 1× (2)³ + 0 × (2)² + 1 × (2)¹ + 0 × (2)º.

2.1. Produto de um número real por zero


n×0=0×n=0
Demonstração:
Dados n, a  R. Assim,
0 = a + (– a )
n × 0 = n × (a – a)
n×0=n×a–n×a
n×0=0
2.2. Fatorial de zero
0! = 1
Demonstração:
Dado n  N +, n! = n . (n – 1)!
Para n = 2,
2! = 2 . (2 – 1)!  2 . 1 = 2 . 1!  1 = 1!
Desta forma, 1! = 1
Para n = 1,
1! = 1 . (1 – 1)!  1 = 1.0!  1 = 0!
Portanto, 1 = 0!

2.3. Elemento oposto


O elemento oposto de um número é aquele que adicionado a esse
número resulta no elemento neutro da adição, o ZERO.

2.4. Divisão de um número real por zero


Há dois casos para a divisão por ZERO:
Caso 1: x  , x ≠ 0.
x
Considere a função f(y) = y e x uma constante real.

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Calculando o limite desta função quando y tende para ZERO, observa-se
x
que f(y) tende para o infinito, entretanto, é errôneo concluir que 0 é igual ao

infinito, visto que infinito não é número.


Por outro lado, decorre do algoritmo da divisão que, se 0 divide o real
não nulo x, existe o real c tal que x ÷ 0 = c, ou seja, c × 0 = x. Esse fato
contradiz a primeira demonstração apresentada, portanto, essa operação
impossível de ser realizada.

Caso 2: Se x  , x = 0.
0
Analisemos 0 , de modo análogo ao apresentado anteriormente, isto é,

se 0 divide 0, então existe um c  , tal que c × 0 = 0.


O conjunto solução para a operação 0 ÷ 0 é constituído por todos os
números reais, pois qualquer que seja c  , 0 ÷ 0 = c. Assim, diz-se que 0 ÷ 0
é uma operação possível mas indeterminada.
Fazendo uso de uma calculadora constata-se que, quando se efetua uma
divisão por ZERO surge no visor a indicação de erro ou a impossibilidade da
máquina efetuar a operação.
0
Considerando a possibilidade de que resulta uma quantidade não
0
nula poderemos concluir alguns absurdos como o que segue:
Sejam a, b  , a e b diferentes de ZERO.
Se a = b, então,
a2 = ab
a2 – b2 = ab – b2
(a + b) × (a – b) = b × (a – b)
Dividindo ambos os lados por (a – b) temos: a + b = b. Como a = b, temos que:
b + b = b, ou ainda, 2b = b. Dividindo a igualdade por b, chegamos a conclusão
de que 2 = 1.
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Significados atribuídos aos números
Existem povos que atribuem significados de caráter místico, lúdico ou
até poético aos números.
Segundo Chevalier & Gheerbrandt, apud Mendes (2006), o número UM
representa o homem de pé. Vergani (1991) cita o provérbio hermético, o qual
indica que o número um foi o primeiro dos números: “todas as coisas existiram
a partir do Um, pela meditação do Um”. Este número era considerado pelos
pitagóricos como o gerador dos números.
O número DOIS é relacionado por Vergani (1991) à união
(reconciliação) dos opostos: homem/mulher; sol/lua; trevas/claridade;
água/fogo e etc. Em Mendes (2006) encontramos que para os sábios da
antiguidade o número dois representava a justiça. Dentre outros significados
relacionados ao número dois estão o equilíbrio e a parceria.
Mendes (2006) afirma que os sábios antigos relacionavam o número
TRÊS à junção da unidade com a dualidade, formando a santíssima trindade:
Deus Pai, Deus Filho e Deus Espírito Santo.
Identifica-se ao longo da história que os antigos desenhavam o mesmo
objeto três vezes para indicar pluralidade ou para representar uma grande
quantidade de um objeto. A vitalidade, a força interior e a criatividade, assim
como, as trilogias, tais como presente, passado e futuro são associados ao três.
De acordo com VERGANI (1991), na alquimia, o QUATRO era
considerado como o principio básico da matéria. Para os pitagóricos o quatro
era o número da justiça. Em algumas crenças o número quatro é relacionado à
preocupação com detalhes, à energia para concretizar as idéias. Para Mendes
(2006) as simbolizações relacionadas ao quatro indicam a solidez, o sensível, a
totalidade.
São CINCO os dedos em cada mão e em cada pé. Para Chevalier &
Gheerbrandt, apud Mendes (2006), o número cinco representa o número do
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casamento ou da união, podendo também significar habilidade de persuasão,
espontaneidade, os sentidos humanos (olfato, paladar, audição, tato e visão).
Para Mendes (2006) o número SEIS é considerado o número da
perfeição. Relaciona-se também à criação, segundo a Bíblia Sagrada (Velho
Testamento, 2002) o mundo foi criado em seis dias: “E viu Deus tudo quanto
fizera, e eis que era muito bom. E foi a tarde e a manhã, o dia sexto”.
O número SETE pode ser considerado como o numero preferido de
Deus, segundo a bíblia, ao sétimo dia Deus descansou de toda a obra que fizera;
no livro do Apocalipse, o número sete é citado várias vezes: SETE igrejas,
SETE candeeiros, sete estrelas, SETE trombetas, SETE selos... São SETE os
dias da semana, os pecados capitais e os dias para cada uma das fases da lua.
A numerologia associa o número OITO ao carma. Segundo Mendes
(2006), ao oito é associado o significado de igualdade humana. Chevalier &
Gheerbrandt, apud Mendes (2006), afirmam que o oito é considerado o número
do equilíbrio cósmico. É o número das direções cardeais.
Em numerologia associa-se ao número NOVE o altruísmo, a
fraternidade e a espiritualidade. Segundo a visão dos pitagóricos, o DEZ
simboliza a harmonia e a saúde, é o número do universo. Mendes (2006) indica
que o número dez evoca a beleza e perfeição do universo.

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O número e
O limite de (1 + 1/n)n quando n cresce indefinidamente merece atenção
especial, pois o seu resultado é bastante intrigante. Numa primeira análise da
expressão que se encontra dentro dos parênteses, intuitivamente percebe-se que

à medida que o n cresce a fração 1/n se aproxima de 0, ou seja, = 0.


Conseqüentemente, a expressão contida nos parêntesis se aproxima de 1. Sabe-
se que qualquer potência cuja base seja 1, independentemente do expoente, o
resultado sempre será 1, então, para valores crescentes de n pode nos
transparecer parece que:

=1
Esta análise contém um erro conceitual envolvendo limites. Sabe-se que

para valores cada vez maiores de n, a fração se aproxima de 0, porém nunca

assumirá o valor 0. Então podemos concluir que o limite de para


valores crescentes de n será um valor diferente e maior que 1.

Numa análise numérica inicial, a expressão (1 + )n para valores

crescentes de n apresenta uma aproximação de 2,71828. Porém, para


determinar este limite com mais precisão ou mesmo provar sua existência,
recorremos a princípio à fórmula binomial. Usando exemplos claros temos que:
(a + b)0 = 1
(a + b)1 = a + b
(a + b)2 = a2 + 2ab + b2
(a + b)3 = a3 + 3a2b + 3ab2 + b3
(a + b)4 = a4 + 4a3b + 6a2b2 + 4ab3 + b4
(a + b)5 = a5 + 5a4b + 10a3b2 + 10a2b3 + 5ab4 + b5
Os coeficientes binomiais também geram uma seqüência lógica
denominada de Triângulo de Pascal, em homenagem ao filósofo e matemático
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francês Blaise Pascal (1623 – 1662), porém, segundo Maor (2004), o esquema
era conhecido há muito mais tempo pelo matemático Petrus Apianus, nascido
na cidade de Ingolstadt, em 1527, que o utilizou em um de seus trabalhos sobre
aritmética.
O Triângulo de Pascal consiste em formar um triângulo onde cada
número é a soma dos dois números imediatamente à esquerda e à direita da
fileira acima do número, conforme esquema a seguir:
1
1 1
1 2 1
1 3 3 1
1 4 6 4 1
1 5 10 10 5 1
...
Devido a demora em calcular todas as fileiras que nos interessa,
podemos encontrar os coeficientes binomiais utilizando a seguinte fórmula de
expansão binomial:

Aplicando a fórmula binomial à expressão , e considerando a

= 1 e b = , obtém-se:

= .1n+ 1n – 1. + .1n –2. + .1n – 3 +...+

ou ainda, Sn = 1 + 1 + + +...+

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Ao analisarmos os termos , , ..., em cada uma das parcelas acima

quando n tende ao infinito, concluímos que estas tendem a zero. Dessa forma,

a soma Sn gera a soma infinita da série :

S=1+1+ + + +...+ + ...

O próximo passo é provar que esta seqüência converge para um limite,


para isso faremos uso de um teorema de análise real que nos permite afirmar
que toda seqüência monótona crescente e limitada tende para um limite quando
n → ∞. Primeiramente, mostramos que esta soma aumenta com cada termo
adicional, portanto Sn < Sn+1, ou seja, a seqüência Sn aumenta monotonamente.
Também temos que n! = 1 . 2 . 3 ... n > 1 . 2 . 2 ... 2 = 2n-1, portanto:

Sn < 1 + 1 + + + ... +

No segundo membro dessa última desigualdade, os termos a partir da

segunda parcela formam uma progressão geométrica de razão ·. A soma dessa

progressão é dada por: S = = = 2.

Desta forma, conclui-se que Sn < 1 + 2 = 3, mostrando que a seqüência


Sn é limitada superiormente por 3, isso significa que os valores de Sn nunca
excederão 3. Portanto, como Sn é uma seqüência monótona crescente e
limitada, conclui-se que a mesma converge para um limite S.

Considerando a seqüência Tn = , provaremos que esta

seqüência converge para o mesmo limite de Sn, porém, para isso temos que
provar, primeiramente, que Tn converge para um limite à medida que n cresce
indefinidamente.
Como visto anteriormente:

Tn = 1 + 1 + + +...+
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Como a expressão nos parênteses dessa seqüência é menor do que 1,
podemos afirmar que Tn ≤ Sn e Tn < Sn a partir de n = 2.
Portanto, a seqüência Tn também tem um limite superior e é monótona
crescente, pois se substituirmos n por n + 1 temos que Tn < Tn+1. Assim Tn
também converge para um limite à medida que n → ∞, o qual será denominado
de T. Sabe-se que Tn ≤ Sn , portanto para todo n teremos S ≥ T. Seja m um
inteiro fixo e m < n. Os primeiros termos m + 1 de Tn são:

1+1+ + +...+

Como m < n e todos os termos dessa seqüência são positivos, esta última
soma é menor do que Tn. Se deixarmos n aumentar sem limite enquanto
deixamos m fixo, a soma tenderá para Sm enquanto Tn tenderá para T. Desta
forma, temos que Sm ≤ T, como conseqüência S ≤ T. Como já mostramos que
S ≥ T, concluímos que S = T. Assim, = .
Por meio da soma Sn calculamos as dez primeiras somas parciais.
2 2

2+ 2,5

2+ + 2,666...

2+ + + 2,708333...

2+ + + + 2,7166666...

2+ + + + + 2,7180555...

2+ + + + + + 2, 7182539...

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Se adicionarmos mais parcelas à soma, cada vez mais nos
aproximaremos do número 2,71828... , que é denominado por número e.

Portanto, = e.

Este número possui essa notação em homenagem ao matemático suíço


Leonhard Euler (1707 – 1783) que a usou pela primeira vez em seu livro
Mechanica, datado de 1736, e por este motivo o número e é denominado de
Número de Euler. Segundo Garbi (1997), Euler descobriu todos os segredos
daquele número, tornando as funções em que ele aparece uma importantíssima
ferramenta nos campos da Matemática. Em 1727, quando estava na Rússia,
utilizava a notação e para descrever a base do sistema de logaritmos naturais.
Boyer (1974) afirma que o conceito por trás desse número era bem conhecido
desde a invenção dos logaritmos, mais de um século antes; no entanto
nenhuma notação padronizada para ele se tornara comum.
Ainda no século XVIII, conseguiu-se uma aproximação com 23 casas
decimais corretas: e ≈ 2,71828182845904523536028...

4.1. A irracionalidade de e
Em meados do século VI a.C., os matemáticos da escola pitagórica
descobriram que existem números que não podem ser expressos sob a forma de

uma fração , sendo a e b inteiros. A denominação irracional vem exatamente


do fato desses números não serem o resultado da razão entre qualquer par de
números inteiros e o mais antigo dos irracionais encontrados foi a raiz quadrada
de 2. Mas será o número e irracional ou racional?
Presumiremos que e seja racional. Portanto e pode ser escrito na forma

, onde p e q são inteiros. Sabemos que 2 < e < 3, assim e não pode ser inteiro
e conseqüentemente o denominador q ≥ 2. Agora multiplicamos ambos os lados

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da igualdade S = 1 + 1 + + + +...+ + ... por q! = 1. 2. 3. ... . q.

Analisando o lado esquerdo encontraremos:

e. q! = . 1. 2. 3. ... . q = p.1. 2. 3. ... . (q - 1)

enquanto que no lado direito teremos:

q!.(1+ + + + +...+ +...)=[q! + q! + 3.4.5...q + 4.5...q + (q-1).q+ q+1]

Porém, pode acontecer n > q, portanto:

p. 1.2...(q-1)=[q!+q! +3.4...q +4.5...q + (q-1).q +q+1]+ + + ...

O lado esquerdo, por tratar-se de um produto de inteiros, é inteiro. No


lado direito, o resultado da expressão entre as chaves também é um inteiro.
Como estamos supondo que e é um número racional, é necessário apenas gerar
obter um absurdo para comprovar o contrário do suposto, para isso é necessário
analisar os termos remanescentes do lado direito não são inteiros, mais
especificamente é um número positivo menor que 2. De fato, se q ≥ 2, então:

(i) ≤ (ii) < (iii) <

Desta forma:

+ + ... + + ... < + + ... + +...

Aplicando a fórmula da soma dos elementos de uma progressão

geométrica infinita: + + ... + + ... cuja razão é , concluiremos que:

+ +...+ +...< +...+ +...= =

Portanto e é um número irracional.

16
4.2. Transcendência de e
Toda raiz de uma equação polinomial da forma:
anxn + an-1xn-1 + ... + a1x + a0 = 0,
sendo a0, … , an números inteiros, an ≠ 0, é chamado de número algébrico.

Como conseqüência, todo número racional é algébrico, pois é resultado da

equação qx – p = 0 (sendo p, q inteiros e q ≠ 0), portanto se um número não for


algébrico deve ser irracional, porém, o inverso não é verdadeiro, um número
irracional pode ser algébrico haja visto que é algébrico, pois é raiz da
equação x2 – 2 = 0. Os números reais que não são algébricos são denominados
de números transcendentes, em função desses números transcenderem as
operações algébricas.
Em 1844 o matemático francês Joseph Liouville (1809 –1882) provou
que os números transcendentais existiam.
Diferentemente dos números irracionais que resultaram de problemas
geométricos, os números transcendentais foram encarados como números
artificiais, pois segundo Garbi (1997), não apresentavam nenhum vínculo com
os números encontrados na vida prática. Porém, em 1874, o matemático Georg
Cantor (1845 – 1918) provou que existem mais números irracionais do que
racionais, e mais números transcendentais do que algébricos, assim, atraindo a
atenção dos grandes estudiosos da época para as peculiaridades desses
números. A atenção dada para a comprovação da transcendência de números
famosos, tais como o π e o e foi muito grande.
As pesquisas para a comprovação da transcendência do número e
começaram com o próprio Liouville. Este matemático demonstrou a
impossibilidade de e ser a solução de uma equação quadrática com coeficientes
inteiros, entretanto, essa demonstração não é suficiente para comprovar a
transcendência deste numero, devido a necessidade de provar que ele não pode
ser solução de nenhuma equação polinomial com coeficientes inteiros. A
17
demonstração da transcendência do número e só seria publicada em 1873 pelo
matemático Charles Hermite (1822 – 1901).
Segundo Maor (2004), Hermite se revelou um dos matemáticos mais
originais da segunda metade do século XIX. Seu trabalho cobre um grande
número de áreas, incluindo a teoria dos números, álgebra e análise. Sua prova
da transcendência do número de Euler nos permitiu verificar as seguintes
2
aproximações racionais para e e e :

2
e≈ , e ≈

4.3. Aplicações envolvendo o número e


x
A função definida por f(x) = b , onde b > 0 e b ≠ 1, é denominada de
função exponencial de base b e expoente x. Seu domínio compreende todos os
reais e sua imagem os reais positivos, seu gráfico passa pelo ponto (0,1), é uma
função contínua crescente para b > 1 e contínua decrescente para b < 1.
A função exponencial f(x) = ex é crescente, pois, e > 1, donde podemos
afirmar que a função Q(t) = Q0ekt, onde Q0 e kt são constantes positivas, possui
Q(0) = Q0 e Q(t) cresce ilimitadamente à medida que t cresce indefinidamente.
Para estudar a taxa de variação da função Q(t), precisamos derivá-la em
relação a variável t, obtendo:

Q´(t) = (Q0ekt) = Q0 (ekt) = kQ0ekt = kQ(t).

Como Q(t) > 0 (devido a hipótese de Q0 positivo) e k > 0, observamos


que Q´(t) > 0, logo Q(t) é uma função crescente de t, portanto:
Q(t) = Q0ekt (0 ≤ t < ∞)
Sob condições ideais, o número de bactérias em uma cultura cresce de
acordo com a fórmula Q(t) = Q0ekt, onde Q0 denota o número inicial de
bactérias, k é alguma constante determinada pelo tipo de bactéria e t é o tempo
transcorrido em horas.
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Ao contrário do crescimento exponencial, uma grandeza exibe um
decaimento exponencial se ela decresce a uma taxa diretamente proporcional ao
seu valor. Tal grandeza pode ser escrita por uma função exponencial:
-kt
Q(t) = Q0e (0 ≤ t < ∞)

Substâncias radioativas, como o rádio, decaem exponencialmente.


Através desse cálculo podemos achar a meia vida de uma substância radioativa.
Suponhamos que tenhamos 200 miligramas de rádio, sabemos que sua
meia vida é de aproximadamente 1600 anos, então qual seria a quantidade de
rádio existente após 800 anos?
-kt
Q(t) = Q0e
-1600k
Q(1600) = 200e , para k ≈ - 0.0004332
Portanto, Q(800) = 200e-0,0004332(800), ou seja, Q(800) ≈ 141,42.
O teste do carbono 14 é um método bastante conhecido pelos
antropólogos para estabelecer a idade de fósseis e plantas. Este método assume
que a proporção de carbono 14 presente na atmosfera permaneceu constante
nos últimos 50.000 anos. A quantidade de C-14 nos tecidos de uma planta ou
animal vivo é constante, entretanto, quando o organismo morre, ele pára de
absorver novas quantidades de carbono 14, e essa quantidade começa a
diminuir devido ao decaimento natural dessa substância radioativa nos restos
mortais do fóssil. Através de cálculos do decaimento exponencial do carbono
14 é possível determinar a idade dos fósseis.
Considere a função Q(t) = C – Ae-kt, onde C, A e k são constantes
positivas. Observa-se que esta função intersecta o eixo das ordenadas no ponto
de abscissa 0, isto é, Q(0) = C – A. Em seguida, calculamos Q´(t) = kAe-kt.
Pelo fato das constantes k e A serem positivas, vemos que Q´(t) > 0 para
todo valor de t. Portanto, Q(t) é um função crescente de t. Também,

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= = - = C, e
assim y = C é uma assíntota horizontal de Q. Logo Q(t) cresce e se aproxima do
número C à medida que t cresce ilimitadamente.
O comportamento desta função se assemelha ao padrão de aprendizagem
de trabalhadores envolvidos em atividades muito repetitivas. Por exemplo, a
produtividade de um operário de linha de montagem cresce rapidamente nos
primeiros estágios de treinamento. Esta produtividade crescente é fruto do
treinamento e de sua experiência acumulada. Mas o crescimento diminui com o
tempo e o nível de produtividade do funcionário aproxima-se de um certo nível
fixo (C) devido às limitações do trabalhador e da máquina. Devido a esta
característica, a função Q(t) = C – Ae-kt, é freqüentemente chamado de curva de
aprendizagem.
Suponhamos que a divisão de câmeras fotográficas de uma empresa
produza câmera de lente única de 35 mm. O departamento de treinamento
estima que após completar o programa básico, um novo funcionário será capaz
de montar Q(t) = 50 – 30e–0,5t câmeras por dia, t meses após a admissão desse
funcionário. Portanto,
-0,5
Q(0) = 50 – 30 = 20 Q(1) = 50 - 30e ≈ 31,8
Q(2) = 50 - 30e-1 ≈ 38,96 Q(6) = 50 - 30e-3 ≈ 48,51
Q(t) = 50 - 30e-0,5t ≈ 50
podemos dizer que logo após a admissão do funcionário, ele conseguirá
produzir 20 câmeras, após um mês, aproximadamente 32, após 2 meses,
aproximadamente 39. O limite de produção do funcionário será 50 câmeras.

20
5
O número : histórias e relações matemáticas
Comparar uma curva a uma reta, ou seja, retificar uma curva significa
encontrar um segmento retilíneo de sua mesma medida. Seguindo este mesmo
raciocínio podemos dizer que quadrar uma figura plana é encontrar um
quadrado, ou mais propriamente, o lado do quadrado com a mesma área da
referida figura. Essas “retificações e quadraturas” foram insistentemente
tentadas desde a Antiguidade e das maneiras mais distintas possíveis: o método
geométrico com régua e compasso, o aritmo-geométrico com os meios escassos
dos quais a aritmética dispunha antes da criação da análise. (GALLEGO,
1994). Vejamos, então, como surgiram tais relações:
C = 2R D = 2R D
C 2R
= = 
D 2R

A1 R 2 R 2  R
= = =
A2 D2 2R 2 4

Figura 3. Quadratura do círculo

Esses exercícios e práticas de retificações e quadraturas se efetivaram ao


longo dos tempos, mas desde o seu início evidenciaram para a circunferência e
para o círculo uma incerteza na exatidão do cálculo. A relação entre o
comprimento da circunferência e seu diâmetro e a da área do círculo e o
quadrado de seu raio se evidenciaram como sendo constantes e que apesar de
procederem de problemas distintos, as mesmas constantes coincidiam,
recebendo assim o nome de Pi (π).
Uma das necessidades mais antigas das civilizações foi a medição de
áreas. O quadrado é, sem dúvida, a figura mais simples e aquela com que
parece ter sido intuitivamente mais fácil medir áreas desde todos os tempos.
21
Talvez por isso, os antigos geômetras tentaram estudar as áreas de outras
figuras, relacionando-as com o quadrado; por isso se usou a expressão
"quadratura" do retângulo, do triângulo, de um polígono e do círculo no sentido
de procurar um quadrado com área igual à de cada uma daquelas figuras.
A quadratura do círculo é um problema proposto pelos antigos
geômetras gregos consistindo em construir um quadrado com a mesma área de
um dado círculo servindo-se somente de uma régua e um compasso em um
número finito de etapas. Em 1882, Ferdinand Lindemann provou que π é um
número transcendente, isto é, não existe um polinômio com coeficientes
inteiros ou racionais não todos nulos dos quais π seja uma raiz. Como resultado
disso, é impossível exprimir π com um número finito de números inteiros, de
frações racionais ou suas raízes.
A transcendência de π estabelece a impossibilidade de se resolver o
problema da quadratura do círculo: é impossível construir, somente com uma
régua e um compasso, um quadrado cuja área seja rigorosamente igual à área
de um determinado círculo. Na proposição 14 do Livro II de “Os Elementos”,
Euclides apresenta o seguinte problema: “construir um quadrado igual a um
retilíneo dado”. Para explicar a solução Euclides se utiliza de uma
semicircunferência para conduzir toda o processo de construção do quadrado a
partir de um segmento de reta dado. Na proposição 2 do livro XII Euclides
enuncia que “os círculos estão entre si como os quadrados dos seus diâmetros”.
Isso significa que para cada quadrado haverá um circulo correspondente, ou
seja:
C1 Q C1 C
= 1  = 2
C2 Q2 Q1 Q2

Essa quadratura fascinava bastante os geômetras gregos, bem como a de


outras figuras curvilíneas limitadas por arcos de circunferência como as
lúnulas. O problema de achar um quadrado com a mesma área que um círculo
dado, usando os instrumentos de Euclides, atravessou séculos e séculos de
22
história, conheceu inúmeras tentativas de resolução e outras tantas soluções que
mais tarde vieram a ser contrariadas.
A mais antiga referência ao problema da quadratura do círculo que
chegou até aos nossos dias consta do papiro de Rhind, copiado cerca de 1800
anos a. C. pelo escriba Ahmes, a partir de um documento já com um ou dois
séculos de existência nessa altura. Para calcular a área de um círculo de
diâmetro d, Ahmes subtrai de d a d, multiplica a diferença por d e subtrai a este
produto a sua nona parte. Ou seja, o círculo fica associado a um quadrado cujo

lado mede do seu diâmetro. Pode considerar-se que este é um ótimo resultado
para a quadratura do círculo, tendo em conta outras tentativas, entretanto,
conhecidas e cujos resultados estão mais afastados do valor da área do círculo.
Após numerosas pesquisas infrutíferas para encontrar a solução exata
para a quadratura do círculo, começou a levantar-se entre os matemáticos do
séc. XVI a dúvida sobre a existência de tal solução. James Gregory tentou
demonstrar a impossibilidade da quadratura (1667), mas é só em 1882 que o
matemático Lindemann põe fim às dúvidas demonstrando cabalmente a
inexistência de solução para o problema da quadratura do círculo. Essas e
outras informações históricas se constituem em elementos provocadores para
que os professores possam desenvolver atividades investigatórias com seus
alunos de modo a promover a aprendizagem da geometria que envolve a
circunferência e o círculo, evidenciando, daí novos aspectos matemáticos
gerados na investigação em sala de aula.

5.1 Arquimedes e o método da exaustão


Arquimedes de Siracusa (a.C. 287 – 212) é o segundo grande
matemático da chamada primeira escola de Alexandria. Os seus escritos são, de
modo geral, concisos, mas plenos de originalidade. A sua obra prima é o
tratado Da esfera e do cilindro, contendo entre outros, o célebre resultado de
que a razão entre as áreas da superfície de uma esfera e de um cilindro no qual
23
2
a esfera está inscrita é igual a , e é também igual à razão entre os respectivos
3
volumes. Em um importante documento escrito, na forma de uma carta dirigida
a Eratóstenes (bibliotecário no Museu de Alexandria) recuperado num
antiquário em 1887, publicado em 1906 por Heiberg e conhecido por O
Método, Arquimedes descreve como descobria os seus resultados. Os
argumentos que utilizava – decomposição de superfícies e sólidos em faixas ou
fatias infinitesimais e sua colocação judiciosa nos pratos de uma balança (figura
1), entre outros – são precursores das técnicas sofisticadas do cálculo integral
moderno. Num desses argumentos, sendo conhecidos o volume do cone e do
cilindro de bases circulares, Arquimedes equilibra uma esfera e um cone
circular (com altura e raio da base, iguais ao diâmetro da esfera) com quatro
cilindros circulares (também com altura igual ao diâmetro da esfera e raio da
base igual ao raio da esfera) para deduzir a fórmula do volume da esfera
(V  43  π  r 3 ) . (Ver Figura 4)

2a a
Figura 4

Todavia, Arquimedes não confia no rigor justificativo dessas técnicas,


por isso, ao publicar os seus resultados, apresenta junto as suas demonstrações
no estilo euclidiano clássico, usualmente pelo método de exaustão e
compressão (uma dupla redução ao absurdo).
Um exemplo de uma heurística infinitesimal (utilizada por Kepler no
séc. XVII) para descobrir a relação entre a área ( A ) e o perímetro ( P ) de um
círculo de raio r é a seguinte. Imagine-se um polígono regular inscrito na
circunferência do círculo com um número muito grande de lados, e tirem-se
raios do centro da circunferência para os vértices, formando um número igual

24
de pequenos triângulos cujas bases são os lados do polígono. Se o número de
lados for infinitamente grande1, cada lado é infinitamente pequeno, o polígono
confunde-se com a circunferência e a altura de cada triângulo confunde-se (é
infinitamente próxima de) com o raio r da circunferência. Assim, a área de
1 1
cada triângulo é praticamente igual a  (base )  ( altura )   (base )  r , a área da
2 2

região poligonal é a soma das áreas de todos estes triângulos e confunde-se com
a área do círculo. Somando todas as áreas triangulares, a soma das bases dá o

perímetro P da circunferência, donde A  12  P  r . O resultado está correto!

Atividade 1
1. Determine a soma das áreas dos
triângulos da figura 5 e discuta a
relação entre o resultado obtido e a
expressão que determina a área
limitada pela circunferência (circulo)
a qual o polígono está inscrito.
Experimente traçar uma Figura 5
circunferência e dividi-la em um número de partes iguais, cada vez maior e
verifique a relação de determinação da área. Analise os resultados.

2. A partir das experimentações de Arquimedes, verifica-se que ao tomarmos


um círculo como um conjunto de circunferências concêntricas que formam um
disco contínuo, tal como está simulado na figura 6, a seguir, e tentarmos

1
Entidades numéricas infinitamente grandes e pequenas (infinitesimais) foram utilizadas
heuristicamente desde a Antiguidade, e especialmente durante os séculos XVII e XVIII
pelos matemáticos que precederam e pelos que contribuíram para o desenvolvimento do
cálculo infinitesimal, como Newton, Leibniz, Euler, etc. O seu estatuto ontológico foi
sempre objeto de dúvida e polêmica e, na segunda metade do século XIX, durante a
chamada rigorização ou aritmetização da Análise, foram postos de lado a favor da teoria
dos limites.
25
representar a soma de cada comprimento c dessas circunferências na forma da
área de um triângulo de altura r e comprimento c, determine a área do triângulo
retângulo representado e analise os resultados obtidos.

2 2
Figura 6

5.1. Um número fascinante está em todos os lugares


O  é uma das mais antigas tentativas de obtenção de uma constante
matemática que se conhece, apesar de ser conhecido desde a Antiguidade.
Dentre os objetos matemáticos estudados pelos antigos gregos, há mais de 2000
anos, o  é um dos poucos que ainda continua sendo pesquisado: suas
propriedades continuam a ser investigadas e procura-se inventar novos e mais
poderosos métodos para calcular seu valor.
O rolar das ondas numa praia, o trajeto aparente diário das estrelas no
céu terrestre, o espalhamento de uma colônia de cogumelos, o movimento das
engrenagens e rolamentos, a propagação dos campos eletromagnéticos e um
sem número de fenômenos e objetos, do mundo natural e da Matemática, estão
associados às idéias de simetria circular e esférica. Ora, o estudo e uso de
círculos e esferas, de um modo quase que inexorável, acaba produzindo o Pi.
Daí a ubiqüidade desse número.

Atividade 2
1. Faça um rápido levantamento, em sua classe, das fórmulas de áreas e
volumes das figuras da Geometria Euclidiana e que tenham algum tipo de
circularidade ou esfericidade (como é o caso de cilindros e cones circulares).
26
Para cada uma dessas figuras, procure explicar a plausibilidade da ocorrência,
ou não, do  em tais fórmulas.

2. As funções trigonométricas circulares (seno, cosseno, etc.) são definidas em


termos de um círculo unitário. Consequentemente, não deve ser surpreendente a
ocorrência do  em valores dessas funções e nas relações entre elas. Examine
se essa ocorrência também vale para as funções trigonométricas hiperbólicas.

3. Qual será a relação entre o valor de  (3,14...), o ângulo raso (180º), o raio da
circunferência e a semi-soma dos lados de um hexágono regular? Reflita sobre
isto.

5.2. Relações que geram 


Na Geometria Euclidiana, temos quatro relações em que poderíamos
dizer que há evidências do :
 o Pi de circunferências: na relação de proporcionalidade na relação entre a
circunferência de um círculo e seu diâmetro.
 o Pi de áreas de círculos: na relação de proporcionalidade na relação entre a
área de um círculo e o quadrado de seu diâmetro.
 o Pi de áreas de esferas: na relação de proporcionalidade entre a área de
uma esfera e o quadrado de seu diâmetro .
 o Pi de volumes de esferas: na relação de proporcionalidade entre o volume
de uma esfera e o cubo de seu diâmetro.

Usando as fórmulas clássicas da Geometria, fica muito fácil


expressarmos qualquer uma dessas relações de proporcionalidade em termos
das demais. Por questão de tradição, prefere-se trabalhar exclusivamente com o
 da circunferência de círculos, o qual é denotado internacionalmente pela letra
 minúsculo, a letra inicial da palavra grega peripheria que significa perímetro
ou circunferência (essa notação surgiu no início do séc. XVIII e foi adotada e

27
popularizada pelo importante livro Análise Infinitesimal, escrito por Euler c.
1750).

Atividade 3
1. Expresse o  de áreas de círculo, o  de áreas de esferas e o  de volumes

em termos do  de circunferências (o  clássico) e procure mostrar o


verdadeiro porquê de tais relações. Por exemplo: a partir da figura 5 e com base
na atividade 1, podemos "decompor" um disco em infinitos triângulos
retângulos de base infinitesimal e altura igual ao raio do disco.

Consequentemente podemos perceber a área do círculo (ou do disco)


como a soma desses triângulos, conforme a figura 7:

Figura 7

2. A área do circulo = d/2. C/2 = d/2. Pi.d/2 = Pi/4 . d 2. Você seria capaz de
pensar em algo análogo para a área e o volume da esfera?

5.3. A descoberta do Pi
Muitas pessoas acham que precisamos ter o valor do  para calcular
circunferência de círculos. Um exemplo clássico mostrando que isso não é
verdade, é o cálculo da circunferência da Terra por Eratóstenes 250 a.C. Ele
mediu um arco de meridiano terrestre de 5000 estádios e, usando um
instrumento de forma semi-esférica, verificou que esse arco de meridiano era
proporcional a um arco de meridiano que media 1/50 do meridiano da esfera
desse instrumento. Consequentemente, concluiu que o meridiano terrestre e'

28
50*5000 = 250000 estádios. Ou seja, em lugar nenhum precisou saber o valor
do !
Esse exemplo mostra claramente o quanto é bastante surpreendente que
a maioria das pessoas imagine que o  foi descoberto ao se relacionar
circunferências com diâmetros dos respectivos círculos. Embora a definição
usual do  baseie-se na razão circunferência: diâmetro, muito provavelmente

não foi essa a origem do . Com efeito, é difícil imaginarmos situações práticas
reais onde, numa civilização Incipiente, alguém tenha precisado calcular a
circunferência de um círculo de diâmetro conhecido, ou vice-versa. Muito mais
naturais são problemas requerendo achar a área de um campo circular em
termos do diâmetro ou mesmo em termos da circunferência. Em verdade,
devia-se até questionar se a descoberta do Pi realmente ocorreu no contexto de
círculos, e não no de esferas.
Essa inquietação não é só nossa. O famoso historiador matemático
Abraham Seidenberg gastou muitos anos de sua vida vasculhando museus e
lendo trabalhos de Antropologia, em busca dos mais antigos indícios de
envolvimento humano com círculos, esferas e o . O resultado desses estudos
foi resumido nos seus artigos The ritual origin of the circle and square, Archiv.
Hist. Exact Sc. 25, (1981), e principalmente em On the volume of a sphere,
Archiv. Hist. Exact Sc. 39, (1988). Sua conclusão foi que o cálculo do volume
da esfera em termos de seu diâmetro remontaria a antes de 2000 a.C., sendo
anterior a Matemática das antigas civilizações mesopotâmica, indiana, chinesa
e egípcia. O historiador matemático B. van der Waerden identifica essa origem
com o que chamamos de Tradição Origem da Matemática e a localiza no Vale
do Danúbio 4000 a. C. Segundo Seidenberg, nessa tradição também se teria
reconhecido a igualdade da constante de proporcionalidade relacionando
circunferência com diâmetro e área de círculo com quadrado do raio; ou seja, já
nessa tradição, possivelmente lá por 3000 a 4000 a. C., se teria reconhecido que

29
o "Pi da circunferência" é igual ao "Pi da área do círculo". Também é
interessante observar que Seidenberg concluiu que a descoberta dessa igualdade
usou métodos infinitesimais, ao estilo de Cavalieri.
É preciso que fique termos clareza do achado do trabalho de Seidenberg
quando investigou a remota Antigüidade, foram apenas indícios indiretos de
envolvimento com Pi. Os mais antigos documentos concretos que temos e que
tratam explicitamente de Pi são tablitas mesopotâmicas de c. 2000 a.C, como a
mostrada ao lado. Examinando a figura 8, fica fácil ver que a mesma
corresponde a adotar a aproximação grosseira Pi = 3, que é a mais comum das
aproximações para Pi que encontramos nos documentos mesopotâmicos.

C
B Observando a figura 7,
percebemos que:
BC = EF = GI = R
(Raio da circunferência)
D G O A
I

E F Figura 8

A mesma é mencionada em outros episódios narrados no Antigo


Testamento, Livro 1 dos Reis, Capítulo VII, versículo 23 e no livro 2 das
crônicas, capítulo IV, versículo 2, nos quais se fala de uma grande bacia
circular de bronze, de 10 côvados de diâmetro e 30 côvados de contorno,
construída por Salomão, em Jerusalém, entre 1014 e 1007 a.C. Do mesmo
modo, esse valor encontra-se registrado no Talmud2.

2
Doutrina e jurisprudência da lei mosaica, com explicações dos textos jurídicos do
Pentateuco, e a Michná. Essa jurisprudência foi elaborada pelos comentadores entre os
séculos III e o VI.
30
Atividade 4
1. Neugebauer (1986) traduziu vários problemas de tablitas mesopotâmicas
envolvendo aproximação do . Esses problemas pedem para obter a área A de
um círculo a partir do conhecimento da circunferência do mesmo, usando-se a
regra: A = 5/60 C2. Tente mostrar que isso equivale a usar Pi = 3.

2. Por muito tempo, achava-se que a única aproximação do Pi era aquela usada
pelos mesopotâmicos para Pi = 3. Essa visão foi alterada, em 1950, quando o
historiador matemático E. M. Bruins traduziu várias tablitas encontradas em
Suse e datadas de 2000 a.C. Os problemas dessas tablitas pediam para calcular
a área de um campo circular de diâmetro dado, e para tal usavam a
aproximação (em base sexagesimal): Pi = 3;7,30 = 3 + 7/60 + 30/602, o que
equivale a dizer Pi = 3 15/120 = 3 1/8 = 3,125. Verifique esses resultados.

3. A aproximação mesopotâmica acima também aparece nos documentos da


Tradição dos Altares (matemática da Índia védica). Com efeito, os Sulvasutras
c. 400 a. C. faziam a quadratura do círculo tomando como quadrado de área
equivalente a um círculo dado ao quadrado cuja diagonal é 10/8 do diâmetro do
círculo. Tente mostrar que essa regra (sutra) indiana corresponde a usar a
aproximação de Pi encontrada nas tablitas mesopotâmicas de Suse.

4. Um dos mais antigos livros de matemática chineses é o Nove Capítulos da


Arte Matemática (Jiu Zhang Suanshu), de 2000 a. C. O mesmo usa a
aproximação Pi = 3, mas pouco tempo depois disso encontramos matemáticos
chineses usando melhores aproximações. É o caso do famoso Liu Hui o qual,
ao resolver o problema 31 do referido livro, cujo problema é enunciado da
seguinte maneira: Um campo circular tem circunferência de 30 pu e diâmetro
de 10 pu. Qual a área do campo? Ele afirma que a que a resposta anterior
implica que Liu Hui deve ter usado Pi = 157/50, o que equivale a Pi = 3.14. A

31
resposta deste problema é 71 103/157. Tente, a partir da relação entre a área e a
circunferência do círculo, mostrar como ele chegou a esse resultado.

Quem pela primeira vez provou rigorosamente a existência do ? Talvez


essa pergunta nunca possa ser respondida, pois sabemos que a mais antiga
referência de uma demonstração da existência do  fala de Hipócrates de
Chios, c. 430 a.C. Trata-se de uma nota de Simplicius, filósofo grego que viveu
quase mil anos depois de Hipócrates. Simplicius, no seu Comentário sobre o
livro Physis, de Aristóteles, menciona que Eudemos na sua História da
Geometria (escrita 330 a.C. e, hoje, há muitos séculos totalmente perdida) diz
que Hipócrates demonstrou que a razão entre as áreas de círculos é igual à
razão entre os quadrados dos respectivos diâmetros. Por outro lado, o mais
antigo documento ainda existente e que traz demonstração da existência do 
é o livro Elementos de Euclides, escrito em 300 a.C. Na proposição 2 do Livro
XII dos Elementos, Euclides enuncia e prova que círculos estão um para o
outro assim como os quadrados de seus diâmetros, que é o resultado atribuído
anteriormente a Hipócrates. Além disso, na proposição 18 desse Livro XII,
Euclides enuncia e prova que esferas estão uma para a outra assim como a
razão tríplice de seus diâmetros.
Coube a Arquimedes a tarefa de ir mais longe do que Euclides
demonstrando a existência dos Pi's que este não abordou, estabelecendo
resultados que permitem facilmente relacionar os quatro tipos de Pi: o Pi das
circunferências, o Pi de áreas de círculos, o Pi de áreas de esferas e o Pi de
volumes de esferas, demonstrando os seguintes três teoremas:
 a área de cada círculo é igual a de um triângulo reto cujos catetos valem o
raio e a circunferência do círculo (Arquimedes: Sobre a Medida do Círculo,
proposição 1)
 a área de cada esfera é igual a quatro vezes a área de seu círculo máximo
(Arquimedes: Sobre a Esfera e o Cilindro, Livro I, proposição 33)
 a razão entre o volume da esfera e o do cilindro que a circunscreve é 2:3
32
5.4. Outras atividades envolvendo o número 
1. A fração 355/113 foi utilizada no século V d.C. como a aproximação de um
número irracional.
a) De que número se trata? b) Quantas casas decimais coincidem?

2. Calcule sucessivamente:

a) b)

c) d)

3. Identifique o número irracional do qual os valores que você obteve na


questão anterior são aproximações. Para cada caso indica o número de casas
decimais exatas.

4. Um plano que passa pelo centro de uma superfície esférica determina nela
uma secção cujo perímetro é 62,8 cm. Um ponto situado à distância de 8 cm do
centro da superfície esférica será interior ou exterior a ela?

5. Calcule as áreas de hexágonos regulares inscritos e circunscritos num disco


circular e assim deduza as desigualdades a seguir:

a) b)

6. Quanto mede o raio de uma esfera com 1000 cm3 de volume? (Recorde a
fórmula do volume de uma esfera)

Figura 9
33
7. Considere a sucessão de figuras Cn em que C1 é formada por uma
semicircunferência de raio r; C2 por duas circunferências de raio r/2; C3 por
quatro semicircunferências de raio r/4 e assim sucessivamente. Qual é o limite
da sucessão dos comprimentos destas linhas?

Figura 10

Apresentamos alguns artifícios curiosos para obtermos uma


aproximação para este número:
 2 2 4 4 6 6 8
       
2 1 3 3 5 5 7 7

 = SOU O MEDO E PAVOR CONSTANTE DO(A) MENINO(A) VADIO(A)


 = 3 , 1 4 1 5 9 2 6 5

34
6
Números complexos: uma abordagem histórica
A complexidade do conhecimento humano pode apoiar-se no
desenvolvimento do conceito de número, desde o primeiro sinal imaginativo até
a configuração dos números complexos. Nessa configuração, os matemáticos
procuram evidenciar o caráter dialogal entre o real e o imaginário na
perspectiva de generalizar a noção de número (MENDES, 2006).
Conforme Dantzig (1970), esses exercícios imaginativos aplicam-se aos
conceitos de real e imaginário, estabelecidos por Descartes. Isso porque o termo
imaginário, da maneira em que é aplicado à forma a +  b , era justificável
então, já que nenhum substrato concreto poderia ser designado a tais grandezas.
De acordo com essas idéias, um número complexo constitui-se em um
número composto por duas partes, uma real e outra imaginária. Isso significa
que um número é constituído de uma parte concebida na realidade
materializada na mente humana e outra imaginada por essa mesma mente. Sua
representação simbólica é dada sob a forma Z = a + bi, onde a representa a
parte real e bi a parte imaginária.
A questão central deste capítulo é "Como surgiram os Números
Complexos?". A maioria das pessoas, quando confrontadas com esta questão
responde que surgiram para resolver as equações de 2º grau da forma
x2 + a = 0, a > 0.
No entanto, esta ideia está errada! A abordagem aprofundada aos números
complexos, apesar de ter sido feita a partir do séc. XVIII foi mencionada
levemente por outros matemáticos anteriores à data. No entanto, dada a
incompreensão e o desconhecimento destes números, tais matemáticos
abandonaram o seu estudo.

35
O primeiro matemático de que se tem conhecimento de se ter deparado
com um problema que envolvia números complexos foi Héron de Alexandria

(séc. I dC) no livro Stereometrica. Este pretendia resolver 


Mas como não havia o domínio atual sobre esses números, abandonou
os seus cálculos.
Por volta do ano 275 d.C, Diophanto (200 - 284 aprox.) ao resolver um
problema deparou-se com a equação 24x2 – 172x + 336 = 0. Como concluiu que

não tinha soluções reais, não viu necessidade de dar sentido à raiz .
Na Índia, por volta do ano 850 Mahavira (c. 800 – 870) escreveu: “(...)
como na natureza das coisas um negativo não é um quadrado, ela não tem,
portanto, raiz quadrada” (citado em www.educ.fc.ul.pt/icm/icm2000/icm26),
ou seja, negou inicialmente, a existência dos números negativos cuja raiz
quadrada resulta em outro número.
Bhaskara (1114 – 1185 aprox.), um dos indianos que mais perto chegou
das ideias da álgebra moderna (conhecia a regra "menos por menos dá mais",
trabalhava com coeficientes negativos, etc.)
reconhecia que a equação
x2 – 45x = 250
era satisfeita por dois valores x = 5 e x = – 5,
mas, dizia que não considerava a segunda,
pois as pessoas não "apreciavam" raízes
negativas.
Gerônimo Cardano (1501 – 1576)
considerava que o aparecimento de raízes Foto 1. Cardano (1501 - 1576)

quadradas de números negativos na resolução de um problema indicava que o


mesmo não tinha solução. No entanto, foi Cardano que, em 1545, mencionou
pela primeira vez os números complexos. Na sua obra Ars Magna de Cardano,

36
falava do seguinte problema: "Determinar dois números cuja soma seja 10 e o
produto seja 40". Para tal, considerou as expressões 5 + e 5 – .
Cardano ficou por aqui, não dando significado a estas expressões, pondo de
lado a "tortura mental" envolvida, mas, teve o mérito de ter sido o primeiro a
considerá-las, até porque neste tempo os números negativos eram evitados.
A partir disto é possível derrubar a ideia errada de que os números
complexos surgiram com as equações do segundo grau. Os números complexos
apareceram sim, a partir das equações de terceiro grau. Mas, foram preciso
cerca de 25 anos para este tema ser de novo considerado, por Raffaelle
Bombelli (1526 – 1572) numa obra de nome Algebra. Ao resolver a equação x3
= 15x + 4, Bombelli utilizou a "fórmula de Cardano" obtendo a seguinte
solução (em notação moderna):

x= + .
Ele achou estranho este resultado porque conhecia todas as raízes da
equação, entre as quais x = 4. Teve então a estranha ideia de procurar a e b
positivos tais que:

a+b =

a–b =

Com alguma manipulação algébrica, usando as mesmas regras que

usava para os números reais, mais a propriedade ( )2 = 1, chegou ao


resultado a = 2 e b = 1, donde sai x = 4.
O próprio Bombelli não estava bem seguro do que havia criado. Para os
demais matemáticos da época, os números complexos eram vistos com suspeita
e quanto muito tolerados, na falta de melhor coisa.
É de referir que alguns matemáticos da época procuraram maneiras de
evitar o uso de tais números. Entre eles, Cardano foi o que mais tentou evitar as

37
"torturas mentais" envolvidas no uso de raízes quadradas de negativos. No seu
livro De Regula Aliza, de 1570, procurou artifícios que contornassem o uso de
tais raízes na resolução de equações de 3º grau obtendo, somente, resultados
vagos.
Raffaelle Bombelli apresentou na sua obra Algebra as leis algébricas

que regiam os cálculos entre números da forma a + b . Em particular,


mostrou que as 4 operações aritméticas sobre números complexos produzem
números desta forma. Ou seja, o conjunto dos complexos é fechado para estas
operações.
Em 1629, Albert Girard (1595 – 1632) utiliza, efetivamente, o símbolo
quando enuncia as relações entre raízes e coeficientes de uma equação.
Um grande passo no estudo dos números complexos foi a sua
representação visual. Em 1797, o dinamarquês Caspar Wessel (1745 – 1818)
representou, pela primeira vez, geometricamente os números complexos,
estabelecendo uma correspondência bijectiva entre estes e os pontos do plano.
Este trabalho foi levado ao esquecimento, talvez
por ter sido publicado em dinamarquês e só por
volta de 1806, quando publicado em francês por
Jean Argand (1768 – 1822) ganhou o devido
respeito. Por este motivo, esta representação
ficou, indevidamente, ligada ao nome de
Argand.
O símbolo i, para a representação de Foto 2. Gauss (1777 – 1855)

, foi criado por Leonard Euler mas, só após o seu uso por Gauss (1777 –
1855) em 1801, é que foi aceite. A expressão número complexo foi introduzida
em 1832, por Gauss. É, então, possível dizer que, apesar da sua história ser
recente, os números complexos envolveram o trabalho de vários matemáticos
continuando, ainda hoje, muitas questões em aberto.

38
6.1. Sobre os números imaginários
A primeira ideia que nos ocorre ao ouvirmos alguém mencionar
números imaginários é de que são números que não existem e que fazem parte
dum mundo de fantasia. Algo que é criado por nós mesmos no nosso
subconsciente. Talvez prevaleça a ideia de que cada um de nós faz a sua própria
representação de um determinado tipo de números. Ou melhor, cada um de nós
representa o número consoante a nossa imaginação. Todavia, não é isso o
número imaginário.
Antes de explicar o que é o número imaginário, será melhor refletir
sobre a representação que nós fazemos de número em geral. Ou seja, até que
ponto é algo que foi inventado ou construído pelo homem, ou se este existe
independentemente do mundo e do sujeito.
A origem do conceito de número surgiu como expressão de uma
quantidade de elementos, isto é, como resultado do processo de contar. Mas
com o decorrer dos tempos, a definição foi sofrendo alterações, já que do
conceito original se iam obtendo novas definições e interpretações mais gerais.
O conceito de número é de fundamental importância na Matemática, pois pode
dizer-se que esta “(...) ciência nasce com a descoberta (...) [dos números] e a
sua evolução está ligada ao seu desenvolvimento e estudo; por outro lado, o
conceito de número é a primeira abstração da realidade na história da
humanidade.” (Moderna Enciclopédia Universal, vol. XIV).
Da natureza do número, há quem defenda que o número é uma ideia. O
número não é um símbolo escrito como 2 ou dois, é uma ideia que é
simbolizada por 2 ou dois. É algo inatingível. É algo que só existe
mentalmente, e quando falamos ou escrevemos o número, parece-nos mais
alcançável ou real, mas é apenas a representação de uma ideia. A representação
dos primeiros números, os naturais, surgiu para responder a questões de
quantidades. Os menores números reconhecidos são 1, 2, 3, 4, 5 e 6. Os
restantes são obtidos através da soma ou produto destes.
39
Mas, os números não se reduzem aos naturais. A criação de números
mais sofisticados teve a mão do Homem, pois as exigências quotidianas a tal o
obrigaram. Com isto, surgem os números negativos e o zero, dando lugar aos
números inteiros. Como era algo novo houve alguma relutância em aceitar a
existência de números negativos, números que são inferiores ao zero, ao nada.
Mas, as diversas utilidades que estes proporcionaram, ajudaram à aceitação.
Digamos que, no senso comum, não é muito usual falar em – 2 flores. No
entanto, ao falarmos de temperaturas negativas, saldos bancários negativos,
entre outros aspectos do dia-a-dia, já nos parece credível aceitar a existência de
números negativos.
O surgimento dos números fracionários ou racionais provocou alguma
dificuldade. O seu significado é facilmente compreendido, já que estão
intimamente ligados à vida real e à linguagem quotidiana. Intuitivamente,
temos a ideia de fração ligada a algo que é repartido: meia garrafa, um quarto
de laranja, um terço do terreno, etc. Contudo, a sua representação suscitou
algumas barreiras. Estes números são, fundamentalmente, a exteriorização de
conceitos abstratos que representam a razão entre as quantidades de dois
conjuntos.
O conjunto dos números reais é constituído pelos naturais, inteiros,
racionais e irracionais e possui à seguinte definição de número real “(...) é uma
distância, medida em termos de uma dada unidade, com um sentido que lhe é
conferido pelo sinal.” (CONWAY, 1999).
Essencialmente, com o correr dos tempos e à medida que se tornava
necessário, cada um dos conjuntos dos números abordados foi surgindo como
uma ampliação do conjunto anterior. Desta forma, o raciocínio feito até aqui
leva-nos a pensar que os números são representações criadas pelo homem. O
conjunto dos números complexos não é exceção.
O conjunto dos complexos é uma ampliação dos números reais, ou seja,
do conjunto . E é com este alargamento que vai ser possível resolver
40
equações do tipo x2 + a = 0, com a > 0. Mas antes de falarmos concretamente
destes números, devemos definir o que é a unidade imaginária i.
Quando resolvemos a equação x2 + 1 = 0, aplicando o método geral da
resolução da equação deste gênero, temos x2 = -1  x =  . Mas como não
conhecemos raízes quadradas de números negativos, tornou-se necessário
inventar um número cujo quadrado seja igual a – 1. Este número é designado
por i. Assim, podemos escrever que i =  e de acordo com a definição
2
dada, i = 1. Além disto, o conceito de unidade imaginária é ampliado para os
seus múltiplos. Por exemplo, x =   x =  3i.
Assim, o homem foi capaz de produzir ou criar um número que até
então era uma barreira intransponível no cálculo de raízes com números
negativos. Por outro lado, o surgimento destes números foi também provocado
pela necessidade de calcular distâncias no plano cartesiano, sem ser da
esquerda para a direita e vice-versa, ao longo de uma dada linha (no caso da
reta real). Então, esta procura levou à criação dos números complexos. Estes
números, cuja notação é z = a + bi são constituídos por uma parte real a e uma
parte imaginária b.
Desta forma, foi possível representar distâncias entre dois pontos
quaisquer do plano, sem se preocupar com a direção tomada, ou seja, defini-se
assim os números complexos como distâncias ao longo de direções arbitrárias
num plano fixado.

6.2. Sobre a existência do número imaginário


É difícil imaginar que haja algum número que seja a raiz quadrada de –
1. Como tal, é tentador acreditar que o número i não existe, que é só uma
conveniente ficção matemática.
No entanto, este não é o caso. Números imaginários existem. Fora o
nome, não são nada imaginários e sim bastante reais.

41
A origem do seu nome remonta à altura em que foram introduzidos,
quando ainda não eram bem entendidos. Na altura imaginava-se como seria ter
um conjunto onde a raiz quadrada de um número fizesse sentido. Daí o seu
nome. Quando perceberam que tal conjunto existia, o nome já tinha sido
interiorizado.
Mas porque será tão difícil aceitarmos que existem números que são
raízes quadradas de números negativos?
O problema está no que entendemos por existência. Em Matemática, a
existência ou não de um conceito depende do contexto em que se faz a
pergunta. Quando se fala de números temos vários contextos a ter em conta. Há
conceitos que, mesmo, existindo num conjunto podem não existir nos outros.
A pergunta "Existe algum número entre 1 e 2?" não tem resposta nos
conjuntos dos números naturais e inteiros mas, tem no dos números racionais e
reais. Não se pode comprar mais de uma maçã e menos de duas mas, pode-se
comer três metades de maçã, que se encontra entre uma maçã inteira e duas
maçãs inteiras.
Para a maioria das pessoas não é difícil aceitar a existência do número
3/2. Então, porque será tão difícil acreditar na existência de um número que
seja a raiz quadrada de um negativo? Fundamentalmente, é porque nos
esquecemos que conhecemos vários significados para a palavra número.
Os contextos descritos anteriormente relativamente aos números
naturais, inteiros, racionais e reais, tornaram-se tão familiares para nós, que
pensamos neles como se fossem um só. Quando encontramos uma noção como
"raiz quadrada de – 1", que não faz sentido naquilo que conhecemos, temos a
tendência de pensar que não existe, porque achamos que a palavra número é um
conceito que entra apenas nestes quatro contextos.
Em vez disso, deveríamos pensar em algo como:
"Conheço quatro conjuntos distintos onde, em cada um, a palavra número tem
um significado diferente. Em nenhum deles existe a raiz negativa de – 1. Será
42
que existe um quinto conjunto, onde número tenha um significado
completamente diferente daquele que conheço e onde exista a raiz de – 1?"
A resposta a esta questão é "Sim, existe". Chama-se Conjunto dos
Números Complexos e envolve uma noção diferente de número daquela que
conhecemos. No entanto, essa diferença não é maior do que a existente entre
números inteiros e frações.
Vejamos, então, como provar que o número imaginário i existe. Para tal
usaremos o mesmo raciocínio usado para provar que os racionais existem.
(Talvez seja conveniente ver primeiro esse resultado). O que queremos ver é
que existe um número que seja a raiz quadrada de –1. Pensemos no
seguinte argumento: Nos quatro conjuntos de números já falados não existe
nenhum número com esta característica.
No entanto, há um conjunto, o Conjunto dos Números Complexos,
onde tal número existe e onde o significado da palavra "número" será diferente
do usual. Um número aqui será visto como um par de números reais, mas, isso
não fará dele menos real do que os números reais!
Os números complexos existem? Sim!
Formam um conjunto de números? Sim!
Neste conjunto existe algum número que seja a raiz quadrada de – 1?
Sim!
Então, o número i existe!
Provemos agora as três afirmações feitas anteriormente.
Como se disse antes, um número complexo é um par de números reais.
Como os reais existem, os pares de reais também existem. Então, os números
complexos existem.
Qualquer coleção de objetos onde:
 haja uma definição do que é um objeto e de quando dois objetos são iguais;
 haja uma regra para a soma de dois objetos;
 haja uma regra para a multiplicação de dois objetos;
43
 a soma e o produto de dois objetos da coleção resultam sempre um objeto
da coleção;
 as regras acima mencionadas obedeçam às propriedades de comutatividade,
associatividade e distributividade do produto em relação à soma;
 todos os objetos tenham elemento neutro para ambas as operações;
 todos os objetos, não nulos, tenham objeto inverso relativamente ao
produto;
 todos os objetos tenham objeto simétrico relativamente à soma é, por
definição, um conjunto de números (usualmente chamado Corpo)

Vejamos que os números complexos verificam estas condições:


 Um número complexo é representado por um par de números reais, (a, b);
 Dois números complexos são iguais se, e somente se, são representados
pelo mesmo par de números reais;
 Sejam as regras para a soma de dois números complexos
(a, b)  (c. d) = (a + c, b + d) e para a multiplicação
(a, b)  (c, d) = (a.c – b.d, a.d + b.c).

Demonstração
Consideremos dois complexos (a, b) e (c, d).
(a, b)  (c, d) = (a + c, b + d)
(a, b)  (c, d) = (a.c – b.d, a.d + b.c).

Como a, b, c, d são reais, então a + c, b + d, a.c – b.d e a.d + b.c também são
reais, portanto, pela definição, (a + c, b + d) e (a.c – b.d, a.d + b.c) são
complexos.
Como a, b, c, d, e, f são reais e possuem a propriedade comutativa em
relação as operações de adição e produto, concluímos que as operações soma e
o produto de complexos são comutativas, isto é:
44
(a, b)  (c, d) = (a + c, b + d) = (c + a, d + b) = (c, d)  (a, b)
(a, b)  (c, d) = (a.c – b.d, a.d + b.c) = (c.a – d.b, c.b + da) = (c, d)  (a, b).
Da mesma forma, considerando que a, b, c, d, e, f são reais e possuem a
propriedades associativa em relação as operações de adição e produto,
concluímos que as operações soma e o produto de complexos são associativos,
isto é:
(a, b)  [(c, d)  (e, f)] = (a, b)  (c + e, d + f) = (a + c + e, b + d + f) =
= (a + c, b + d)  (e, f ) = [(a, b)  (c, d)]  (e, f).
e
(a, b)  [(c, d)  (e, f)] = (a, b)  (c.e – d.f, c.f + de)
= [a.(c.e – d.f) – b.(c.f + d.e), a.(c.f + d.e) + b.(c.e – d.f)]
= (a.c.e – a.d.f – b.c.f – b.d.e, a.c.f + a.d.e + b.c.e – b.d.f)
= (a.c.e – b.d.e – a.d.f – b.c.f, a.c.f – b.d.f + a.d.e + b.c.e)
= ((a.c – b.d).e – (a.d – b.c).f, (a.c – b.d)f + (a.d + b.c).e))
= (a.c – b.d, a.d + b.c)  (e,f) = [(a, b)  (c, d)]  (e, f).

Verifica-se que em relação a distributividade da multiplicação em


relação a adição de complexos a propriedade é válida, isto é:
(a, b)[(c, d)  (e, f)] = (a, b)(c + e, d + f)
= (a.(c + e) – b.(d + f), a.(d + f) + b.(c + e))
= (a.c + a.e – b.d – b.f, a.d + a.f + b.c + b.e)
= (a.c – b.d + a.e – b.f, a.d + b.c + a.f + b.e)
= (a.c – b.d, a.d + b.c)  (a.e – b.f, a.f + b.e)
= (a, b)(c, d)  (a, b)(e, f).

Como já provamos a validade para a comutatividade e associatividade,


tem-se que [(a, b)  (c, d)]  (e, f) = (a, b)(e, f)  (c, d)(e, f).
Dado um complexo qualquer (a, b).

45
Observa-se que o complexo (0, 0) atua como elemento neutro em
relação a adição de complexos, isto é, (a, b)  (0, 0) = (a + 0, b + 0) = (a, b).
Prove que é o único complexo com essa propriedade.
Tomando o complexo (1, 0), observa-se que é neutro em relação ao
produto, isto e, (a, b)(1, 0) = (a.1 – b.0, a.0 + b.1) = (a – 0, 0 + b) = (a, b).
Prove que é o único complexo com essa propriedade.
Qualquer que seja (a, b) diferente de zero, isto é, diferente de (0, 0), tem
inverso para o produto, que será [a/(a2 + b2), –b/(a2 + b2)], pois multiplicando
ambos obtém-se (1, 0) que é o elemento neutro da multiplicação.
Qualquer que seja o complexo (a, b), existe simétrico para a soma que
será (– a, – b), pois somando ambos, (a, b)  (– a, – b), obtém-se (0, 0) que é o
elemento neutro para a soma. Então, provadas as condições iniciais conclui-se
que os números complexos formam um conjunto de números.
Falta verificar que existe um número deste conjunto que é a raiz
quadrada de –1. Consideremos o número (0, 1). Se o multiplicarmos por ele
próprio obtemos:
(0, 1)  (0, 1) = (0.0 – 1.1, 0.1 + 1.0) = ( 0 – 1, 0 + 0) = (–1, 0).

Mas, sendo rigorosos, (–1, 0) não é –1, porque (–1, 0) é um par de reais
e –1 é só um real. No entanto, os números complexos da forma (a, 0)
comportam-se como os números reais, isto é, somam-se e multiplicam-se
exatamente da mesma forma:
(a, 0)  (b, 0) = (a + b, 0) e
(a, 0)  (b, 0) = (a.b, 0).

O zero não faz nada!


Como os números não passam de conceitos abstratos e como os reais e
os complexos da forma (a, 0), no que diz respeitos às regras da aritmética,

46
funcionam da mesma maneira, podemos assumir que –1 e (–1, 0) representam o
mesmo número. Portanto, existe um número que é a raiz quadrada de –1!
Assim, o número i pode ser considerado simplesmente, no conjunto dos
números complexos, como o par de números reais (0, 1).

6.3. Curiosidades
Outra forma de estudar os números complexos, z = a + bi, é vê-los como
matrizes quadradas 2 x 2 da forma:

Desta forma, todas as propriedades dos números complexos podem ser


obtidas através do estudo matrizes.
Gauss (1777 – 1855) pensava nos complexos como pontos do plano. Por
sua vez de Moivre (1667 – 1754), Euler e Vandermonde (1735 – 1796) tiveram
a mesma idéia, pois, ao tentarem resolver a chamada equação ciclotômica
xn – 1 = 0
imaginaram as soluções como vértices de um polígono regular de n lados.
A álgebra demonstra-nos que qualquer polinômio de grau n em C tem n
soluções. A equação anterior admite 1 como solução e, se desenharmos no
plano complexo um polígono regular com n lados centrado na origem, com um
vértice no ponto 1, os números complexos que correspondem aos demais
vértices são as soluções da equação. Essas soluções são as raízes de índice n
da unidade.
Aos números que são solução de uma equação ciclotômica é costume
denominá-los de Números de De Moivre.
De um modo geral as soluções da equação xn – w = 0, onde n é um
número natural e w um número complexo dado, formam um polígono regular
de n lados centrado na origem. Por exemplo, a equação x4 – 1 = 0 admite como
conjunto solução {1, –1, i, –i}. (Ver figura 11).

47
Figura 11

Obtenha o conjunto solução de números complexos da equação x3 – 2 = 0.

Os números complexos, z = a + b.i, em que tanto a parte real a como a


parte imaginária b são números inteiros, são designados por Inteiros
Gaussianos. Por exemplo: 5 – 8.i é um inteiro gaussiano, ao contrário do
complexo 1/2 + 2.i.
Outro resultado bastante útil é o seguinte, para tem-se

, ou seja, representa um ponto da circunferência de raio 1

centrada na origem do plano complexo.


Na verdade z é o ponto desta circunferência cujo ângulo com o eixo real
positivo é θ. (Figura
12). Eixo Imaginário


Z=e

θ
O Eixo Real

Figura 12
48
Logo, é fácil de verificar que

.
ix
Ressaltamos, no entanto, a notação e  cos x  isenx é atribuída a
Euler, onde, para x   , temos e i  1  0 . Em 1748 Euler publicou o
seguinte resultado: . E por esta razão foi denominada
de equação de Euler. Com esta equação é fácil se compreender a transformação
da forma polar para a cartesiana e vice-versa. Se z é um número complexo
escrito na forma polar

O seguinte exemplo serve para verificar as relações anteriormente para

49
A partir da Igualdade de Euler, é possível

construir a seguinte relação: e + 1 = 0. Esta fórmula junta cinco dos mais
importantes números da matemática: 0, 1, e,   i e ainda três operações
matemáticas - adição, multiplicação e exponenciação
iπ i3π i(2k + 1)π
Da Relação de Euler temos que e = –1, e = –1, ..., e = –1,
com k  , devido à periodicidade das funções trigonométricas. Assim,
log(–1) = i(2k + 1)π, k  ,
o que levou Euler a concluir, sem grande dificuldade, que log(x) tem muitos
valores quando trabalhamos nos complexos.
Da equação de Euler é fácil obter-se as seguintes relações também
bastante conhecidas:

Como exemplo, vamos utilizar estas relações anteriormente obtidas da equação


de Euler para verificar alguns senos e cossenos bastante conhecidos:

50
6.4. Exponenciais e logaritmos de Euler
No livro Introduction to Analysis of the Infinite (v. I), no capítulo VI,
denominado On Exponential and Logarithms, Euler (1988) define exponencial
como potência na qual o expoente é uma variável, explicitando os dois

principais casos, a z e y z . O Logaritmo de y na base a como sendo os

valores de z para os quais a z  y, y  0 .


A partir daí, e por todo o capítulo, descreve as propriedades usuais,
sempre a partir de exemplos aplicados e esclarecedores, como:

A mais importante aplicação dos logaritmos está em resolver equações,


nas quais a quantidade desconhecida envolve expoentes. Por exemplo,
seja a equação a x  b . Queremos determinar o valor de x . A solução
pode ser obtida somente com logaritmos. De fato, como a x  b ,
temos log a x  x log a  log b e, portanto x  log b . (EULER,
log a
1988, p. 87).

Euler estabelece as suas chamadas “regras de ouro” para os logaritmos,


entre as quais destacamos: “Se temos o logaritmo de um número em uma base,
então é fácil determiná-lo em qualquer outra base”, isto é, se z  log b y , temos

51
log a y .
y  b z , assim log a y  log a b z  z log a b e, portanto log b y  z 
log a b
Temos como conseqüência que:
logb y log a y / log a b log a y .
 
log b x log a x / log a b log a x

Euler conclui o referido capítulo com alguns problemas numéricos que


podem ser utilizados atualmente nos livros didáticos.
No capítulo VII, criatividade matemática de Euler se evidencia mais
fortemente com a apresentação de séries infinitas para representar funções
Exponenciais e Logarítmicas sem usar técnicas de diferenciação ou integração.
O que resulta em uma argumentação inteligente, mas pouco rigorosa, com
destaque para uma notação primorosa e fluida.
Ele, inicialmente, desenvolve uma expansão em série para y  a x onde

a  1.

x k 2x 2 k3x3 k 4x 4 .
a  1  kx    
2! 3! 4!

A seguir ele busca uma base particular a onde a ω  1  ω e  é


infinitamente pequeno (a ω  a 0  1) . Assim, fazendo x  k  1 obtemos uma

expressão para esta base especial: a  1  1  1  1  1  


2 6 24
O que Euler computou como, aproximadamente
2,71828182845904523536028 e designou por e.
Aos logaritmos associados com esta base chamamos “logaritmo natural
ou hiperbólico”. Assim, com k = 1 e a = e a série resultante é:

x x2 x3 x4 xr .
e 1 x 
2

6

24
  
r 0 r!

Euler continua, agora buscando uma expansão em série para a função


“logaritmo natural”, isto é, e x  y  ln y  x .

52
Como ω é infinitamente pequeno, ele sabe que e ω  1  ω , segue que
ω  ln(1  ω ) e que jω  j ln(1  ω)  ln(1  ω) j .

Agora, ω é infinitamente pequeno, mas positivo, logo (1  ω ) j  1 .

Assim, para cada x  0 podemos encontrar j tal que x  (1  ω ) j  1 . Como


conseqüência, temos:
ω  (1  x ) 1 / j  1 ,

1  x  (1  ω ) j  e ω j  ln( 1  x )  j ω .

E, finalmente, porque ln(1  x ) é finito e  é infinitamente pequeno, j


deve ser infinitamente grande. (muito intuitivo, mas pouco rigoroso).
Fazendo a expansão do binômio, têm-se:
1 1
( )(  1)
1 j j
ln(1  x )  jω  j(1  x )1 / j  j[1  x  x 2  ]  1
j 2
j  1 2 ( j  1)(2 j  1) 3 ( j  1)(2 j  1)(3 j  1) 4
ln(1  x )  x  x  x  x  .
2j 2 j  3j 2 j 3j 4 j

E como j é infinitamente grande, temos:


j 1 1 ; 2j 1 2 ; 3j 1 3
  
2j 2 3j 3 4j 4

e assim por diante.

Euler determina que

x2 x3 x 4
ln(1  x)  x      ;
2 3 4
isto é, as séries de Newton e Mercator, podem ser usadas para gerar tábuas de
logaritmos.
Agora, como fazemos para calcular ln 5 ?

53
2 3 4
4
Temos que: ln 5  ln(1  4)  4   4 4
  . Um novo problema,
2 3 4
pois, os termos da série continuam grandes, e a soma parece não se aproximar
de nenhum limite. O que fazer?
Euler descreve como contornar este obstáculo. Na expansão da série

x por x , obtemos x 2 x3 x4
ln(1  x) , trocamos ln(1  x )  x     e
2 3 4
subtraímos as séries ln( 1  x )  ln( 1  x ) .

x 2 x3 x4 x 2 x3 x 4 2x3 2x5
ln(1  x)  ln(1  x)  [ x     ]  [ x     ]  2 x   
2 3 4 2 3 4 3 5

3 5
Em outras palavras, ln 1  x  2[ x  x  x   ] .
1 x 3 5
Euler chama estas séries de “fortemente convergentes” para pequenos
valores de x e observa que, com elas, pode efetuar o cálculo de logaritmos de
forma mais simples. Por exemplo3, vamos determinar log 10 5 .

Se 1, temos 1  1/ 3 1 1 1 1
x ln  2[     ] , ou seja,
3 1  1/ 3 3 81 1215 15309

ln 2  0,693135 .

Similarmente, para x  1 a equação nos dá,


9
5 1  1/ 9 1 1 1
ln  ln  2[    ]  0,223143 .
4 1  1/ 9 9 2187 295245

Portanto, ln 5  ln( 5  4)  ln( 5 )  2 ln 2  0,223143  2  (0,693135)  1,609413 e


4 4
ln10  ln 5  ln 2  1,609413 0,693135  2,302548 . Utilizando as “regras de ouro”,

concluímos que: ln 5 1,609413


log 10 5    0,698770 .
ln 10 2,302548

O que nos dá exatamente o valor obtido por Brigss (com seis casas decimais).

3
Já determinado anteriormente, pelo método de Brigss.

54
i
A relação e  1  0 , estabelecida por Euler, reúne cinco das mais
importantes constantes matemáticas: o elemento neutro da adição, o elemento
neutro da multiplicação, a constante circular, a constante imaginária e a base
dos logaritmos naturais.
As conexões existentes entre os logaritmos, as exponenciais e os
complexos, com auxílio da geometria, da trigonometria e da álgebra devem se
articular continuamente objetivando dar aos alunos uma compreensão
relacional do conceito de número complexo como um elemento de unificação
do pensamento numérico e que é através de um trabalho matemático mais
formativo, significativo que se torna possível a ampliação da capacidade de
decisão e investigação dos alunos como, por exemplo, a exploração dos
aspectos geométricos e da representação dos complexos sob diversas
modalidades.

55
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