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A DITADURA MILITAR NO BRASIL: OS POSICIONAMENTOS DA

IGREJA CATÓLICA.
SOUZA, João Carlos de1
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RESUMO

O objetivo do estudo foi identificar os posicionamentos da Igreja Católica


durante todo o período de Ditadura Militar no Brasil, (1964-1985). Além de
pontuar as principais movimentações populares contra o Regime Militar que
tiveram algum tipo de apoio ou influência da Igreja Católica antes, durante e
depois às décadas de 60, 70 e metade dos anos 80. Pode-se dividir essa
revisão bibliográfica em três momentos. Em princípio será realizado um
apanhado geral do que foi o golpe militar de 1964, suas causas e
consequências, em seguida a participação ou não da Igreja católica no pré-
golpe, isto é, no final do governo de João Goulart e posteriormente nos
primeiros anos do Regime Militar. Posteriormente foi realizada uma análise do
posicionamento da Igreja católica no período de 1968 (Decreto do AI-5) até
1985 (final da ditadura Militar). Segundo alguns estudos analisados, o
posicionamento da Igreja Católica durante todo o período não foi o mesmo,
variando de um apoio aos golpistas (1964 – 1968) até a participação atuante
em defesa da liberdade e dos Direitos Humanos e apoio aos movimentos
populares de resistência contra a ditadura. Também foi preciso analisar como
se deu esse posicionamento da igreja em cada região do país, durante
determinado período. É importante lembrar que na década de 60 o número de
católicos no Brasil, segundo o IBGE era de aproximadamente 65 milhões de
pessoas, cerca de 93,1% da população, em 1970 eram aproximadamente 85
milhões de pessoas, cerca de 91,8% da população e em 1980
aproximadamente 105 milhões de pessoas, cerca de 89% da população. Daí a
relevância desse estudo, pois os católicos no período estudado eram a grande
maioria da população brasileira. Finalizando fez-se uma análise da atuação de
Dom Paulo Evaristo Arns (Arcebispo de São Paulo), durante o período de 1970
até 1985 e das manifestações e publicações realizadas na Catedral da Sé
nesse intervalo de tempo.

Palavras chave: Ditadura Militar. Igreja Católica. Manifestações Populares.

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Graduado em Educação Física pela ESC/ESEFIC Cruzeiro-SP.
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1- INTRODUÇÃO.

Essa é uma pesquisa de cunho bibliográfico, isto é, uma revisão de


literatura pautada em artigos publicados em revistas e periódicos, sites na
internet, livros, teses e dissertações. Num primeiro momento buscou-se
contextualizar e caracterizar o período de ditadura militar no Brasil que se inicia
com o golpe militar de 31 de março de 1964, mas essa análise começa no ano
de 1961, quando assume o poder o presidente João Goulart e começa a
tentativa de implantar as “Reformas de Base” e se prolonga até o ano de 1985
com a eleição pelo colégio eleitoral de Tancredo Neves, o que marca o fim do
regime ditatorial no Brasil.
Num segundo momento, o foco é o período anterior ao golpe de 1964,
segundo Carvalho (2014), foram várias as explicações para o êxito do golpe e
sua inevitabilidade. Segundo o mesmo autor, fatores externos, como o
imperialismo norte americano e o contexto da guerra fria fomentaram o golpe
para assim impedir a implantação do comunismo em favor do sistema
capitalista norte americano. Outras teses falam de fatores internos, que
identificam como financiadores do golpe as classes dominantes, latifundiários,
grandes empresários e banqueiros. Também o momento econômico por que
passava o país foi citado como causa. Concluindo, ainda segundo Carvalho
(2014), todas essas teses tinham como característica comum o fato de que os
erros cometidos e a responsabilidade pelo golpe não eram dos políticos da
época. O papel da Igreja Católica nesse primeiro momento, segundo Ferreira
Júnior e Barbosa (2018), foi de apoio ao regime militar com a justificativa da
ameaça da implantação de um governo comunista no Brasil. Em 2 de junho de
1964 a Igreja Católica se pronuncia oficialmente a favor do golpe militar através
de um comunicado de agradecimento aos militares emitido pela CNBB,
segundo o conselho, os militares haviam livrado o país da ameaça comunista.
Com o passar do tempo, esse posicionamento da Igreja Católica foi se
modificando à medida que o regime militar também tomava novos rumos, ainda
segundo Ferreira júnior e Barbosa (2018), com o endurecimento e as medidas
autoritárias e até mesmo violenta do governo militar, a igreja católica muda sua
posição e começa um movimento de oposição ao golpe. Documentos
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elaborados pela CNBB como a “Comunicação Pastoral ao Povo de Deus”, dos


Bispos do Nordeste “Eu Ouvi os Clamores do Meu Povo” e “Exigências Cristãs
de Ordem Política”, começam a romper o silêncio imposto pela censura que
pretendia calar qualquer voz contrária aos atos e a ideologia do Regime Militar
(Andrade, 2010, pg 204) apud Ferreira Júnior e Barbosa (2018).
Esse posicionamento da Igreja Católica permanece até a queda da
Ditadura Militar em 1985, à medida que o Regime Militar se fortalecia, e
consequentemente a truculência, a violência e as ilegalidades se tornavam
mais frequentes, movimentos da Igreja Católica se organizavam por todo o país
em parceria com outros setores da sociedade que também lutavam contra os
militares, para protestar e organizar o enfrentamento às medidas de censura e
privação de liberdade do povo brasileiro. Nesse período surgem movimentos
católicos pelo Brasil, como as Pastorais Sociais, composta em sua maioria por
jovens católicos que lutavam pela causa indígena, agraria e social. Através das
pastorais foram criados o CIMI (Conselho Indigenista Missionário) e a CPT
(Comissão Pastoral da Terra), nesse período surgem também nomes que se
destacaram na luta pelos Direitos Humanos e pela liberdade, podemos citar
alguns como Dom Pedro Casaldáliga, prelado de São Félix do Araguaia, Dom
Hélder Câmara Arcebispo de Olinda e Recife, Dom Paulo Evaristo Arns
Arcebispo na Arquidiocese de São Paulo e o Padre Antônio Henrique Pereira
Neto, assassinado em Recife em 1969, entre outros.
Finalmente realizou-se um estudo sobre a defesa da liberdade e dos
Direitos Humanos, além do apoio aos militantes e as manifestações populares
contra o Regime militar realizadas pelo então Arcebispo de São Paulo, Dom
Paulo Evaristo Arns desde 1970, quando assume a diocese até o final da
Ditadura Militar (1985).
O principal objetivo desse estudo foi identificar de que maneira a Igreja
Católica atuou durante todo o período do Regime Militar e como se relacionou
com os outros movimentos que atuaram nessa mesma época, destacando
lideranças e aprofundando num período histórico dos mais relevantes do nosso
país.

2- A DITADURA MILITAR NO BRASIL: UM BREVE RELATO.


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Num primeiro momento é preciso pontuar que até 31 de março de 1964,


nada ainda estava definido. O país passava por um período de incertezas
políticas, sociais e econômicas. O governo de João Goulart estava longe de ser
uma unanimidade, na grande maioria das capitais do país pipocavam
manifestações contra e a favor das reformas propostas por Jango. Podemos
citar como exemplo a “Marcha da Família com Deus Pela liberdade” que reuniu
cerca de 500 mil pessoas em São Paulo contra o governo, em Belo Horizonte
um comício organizado por Leonel Brizola foi atacado por opositores apoiados
pelo governo do estado de Minas Gerais, no Rio de Janeiro em 13 de março,
um comício a favor das reformas propostas por Jango reuniu cerca de 150 mil
pessoas em frente à Central do Brasil, em 02 de abril calcula-se que cerca de 1
milhão de pessoas tenham saído às ruas para comemorar o sucesso do golpe
militar no Rio de Janeiro, por essas e outras percebe-se a polarização política
do momento. Segundo Carvalho (2014):
O dia 31 de março trouxe de volta, de maneira traumática, o princípio
da realidade. Não apareceu o dispositivo militar, não houve greves
importantes, não se verificaram grandes manifestações populares.
Viu-se que a agitação era mais retórica do que indicação de real
capacidade de ação. Não havia bases debaixo das cúpulas, não
havia organização nos movimentos populares. No dia 1º de abril nem
o presidente quis reagir.

Segundo Gorender (2014), após a queda do governo Jango e seu exílio


no Uruguai, a institucionalização do golpe militar se dá com a declaração de
vacância da Presidência da República, pelo então presidente do Congresso
Nacional, Auro de Moura Andrade. No dia 09 de abril, é decretado o Ato
Institucional número 1, que dá início às cassações de mandatos e direitos
políticos, assumindo a chefia do governo o General Humberto de Alencar
Castelo Branco.
O governo de Castelo Branco segundo Guisoni (2014, p. 28) apud Lara
e Silva (2015):
Estabeleceu um regime de completa arbitrariedade. Só nos dois
primeiros meses de presidência ele cassou os direitos políticos de 37
pessoas, entre as quais três ex-presidentes, seis governadores
estaduais e 55 membros do Congresso Nacional. Dez mil funcionários
públicos foram demitidos e cerca de 5 mil inquéritos sumários que
envolveram 40 mil pessoas foram abertos.

Ainda conforme Lara e Silva (2015), Castelo Branco procurou “barrar as


pretensões de conquistas econômicas e sociais do governo João Goulart”,
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através de uma série de medidas que revogavam leis como a de remessa de


lucros para o exterior por empresas internacionais, a desapropriação de terras
às margens das rodovias que serviriam para a reforma agrária, a
nacionalização de refinarias particulares, o decreto que congelava os alugueis
e restringiu o crédito para pequenas e médias empresas, dando garantias ao
capital norte americano através de acordos entre os dois países. No campo
trabalhista o arrocho salarial e as flexibilizações nos direitos já adquiridos pelos
trabalhadores foram a marca registrada do governo Castelo Branco, que em
julho de 1964 altera a lei de greve, proibindo-a no serviço público, nas
empresas estatais e nos serviços essenciais, além de restringir esse direito nas
empresas privadas. Parafraseando Leite Júnior (2014 pg 30), sobre o governo
de Castelo Branco “Durante seu mandato foram abolidos todos os partidos
políticos da época e criados a Arena e o MDB, que se tornaram os únicos
partidos políticos brasileiros até 1979.” Ainda segundo o mesmo autor o plano
era colocar ordem na casa e em seguida restabelecer a democracia. Apesar de
todas arbitrariedades e perdas trabalhistas, o governo Castelo Branco
consegue um crescimento em média anual do PIB de 4,2% e 40% de inflação
no final de seu mandato, o que segundo alguns autores torna possível o
período conhecido como “O milagre econômico brasileiro” que viria a acontecer
nos governos de Costa e silva e Médici, como veremos a seguir.
O governo de Arthur da Costa e Silva vai de 15 de março de 1967 até 31
de agosto de 1969, quando este é afastado por problemas de saúde. Segundo
Cancian (2014), o governo de Costa e Silva foi o responsável pela oficialização
da ditadura no Brasil, “o que antes era um regime militar difuso, transformou-se
numa ditadura que eliminou o que restava das liberdades públicas e
democráticas”. Segundo o mesmo autor em seu governo Costa e Silva
procurou sufocar todo e qualquer foco de oposição através da repressão
policial e militar. Os principais alvos do governo foram a “Frente Ampla”, que
era formada por políticos articulados pelos ex-presidentes João Goulart e
Juscelino Kubitschek, a Frente Ampla reivindicava a anistia, eleições diretas e
uma nova assembleia constituinte. Outro alvo potencial do governo Costa e
Silva foram os grupos e organizações de esquerda, que defendiam um projeto
revolucionário socialista em detrimento ao projeto capitalista vigente no Brasil.
Esses grupos se originaram do PCB (Partido Comunista Brasileiro), mas ao
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contrário desse defendiam a luta armada como forma de implantação do


socialismo no país. O terceiro alvo era o movimento estudantil, na sua maioria
adeptos da ideologia de esquerda e que tinham como principal representante
organizado a UNE (União Nacional dos Estudantes). Já em 1964 a UNE foi
considerada ilegal pelo regime militar, passando a trabalhar na clandestinidade,
mesmo assim as maiores passeatas e manifestações de protesto contra a
ditadura militar foram organizadas pela UNE. A união dessas três forças UNE,
Frente Ampla e os grupos organizados de esquerda foram responsáveis pela
maioria das manifestações populares durante todo o período da ditadura
militar, culminando com a que talvez seja a maior e mais importante
manifestação popular realizada na década de 60, em 26 de junho de 1968
acontece no Rio de Janeiro a “Passeata dos Cem Mil”, organizada pelo
movimento estudantil e com participação de quase todos os setores da
sociedade civil. A reação do governo Costa e Silva é rápida, dura e truculenta,
através do Ato Institucional nº 5 (AI 5), o governo fecha o Congresso Nacional,
suspende as liberdades democráticas e direitos constitucionais, além de
colocar a polícia na rua investigando, perseguindo e realizando prisões sem a
necessidade de mandados judiciais, foi um momento de grande quantidade de
abusos e violação dos direitos humanos no país. (Cancian, 2014).
Após sofrer um derrame cerebral, os militares decidiram que o vice de
Costa e Silva, o civil Pedro Aleixo não deveria assumir a presidência e abre-se
o caminho para o governo do General Emílio Garrastazu Médici (30 de outubro
de 1969 a 15 de março de 1974).
Conforme Cancian (2014), os governos de Castelo Branco e de Costa e
Silva conviveram com desordens e conspirações internas que desestabilizavam
politicamente as administrações. O governo do General Médici conseguiu
apaziguar a ansiedade nos quartéis ao permitir que militares de extrema direita
pudessem colocar em prática o uso da repressão policial-militar contra todo e
qualquer opositor da ditadura, no governo Médici ocorreu a maior onda de
repressão jamais vista na história política do Brasil. De 1964 a 1968, segundo
Cancian (2014), “o trabalho de repressão política ficou sob exclusiva jurisdição
civil, destacando-se nesse período as atuações do Dops (Departamento de
Ordem Política e Social) em cada estado, Secretarias estaduais de segurança
pública (Sesps) e Departamento de Polícia Federal (DPF).” A partir de 1969
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entram em campo os serviços de inteligência das forças armadas, Exército,


Aeronáutica e Marinha, além disso são criados o DOI-CODI (Departamento de
Operações e Informações e o Centro de Operações de Defesa Interna) e
também órgãos paramilitares clandestinos.
Os principais alvos da repressão foram os grupos armados, chamados
de organizações guerrilheiras, como o MR8 (Movimento Revolucionário 8 de
Outubro), o PC do B (Partido Comunista do Brasil), a ALN (Aliança Libertadora
Nacional) e a VAR-Palmares (Vanguarda Armada Revolucionária). Essas
organizações tinham como objetivo implantar o Socialismo no Brasil através da
luta armada e para isso precisava primeiro acabar de vez por todas com a
ditadura militar. Todos esses grupos foram aniquilados e totalmente
desarticulados pelo regime militar, enquanto que a maioria dos militantes foram
mortos em combate, dados como desaparecidos, presos ou banidos do país.
Conforme Cancian (2014):

Um dos aspectos mais desumanos e cruéis da repressão policial-


militar foi o emprego da tortura como método para eliminar e
neutralizar qualquer forma de oposição ao governo dos Generais.
Diversos instrumentos e técnicas de castigos corporais e psicológicos
faziam parte dos métodos de ação dos agentes dos órgãos de
repressão (choques elétricos, pau-de-arara, afogamento, pancadas,
queimaduras, entre outros).

Os governos militares negavam o uso de qualquer tipo de tortura, mas


posteriormente ficou comprovado que foram criados equipamentos e
instalações especialmente para a prática da tortura, além de agentes treinados
para aplicá-las. O governo Médici foi o período em que foram registrados os
maiores índices de tortura, morte e violação dos Direitos Humanos da Ditadura
Militar.

Segundo Leite Júnior (2014) o período de maior endurecimento e


violação de direitos da história, coincide com o maior crescimento da economia
brasileira. O Brasil viveu nesse período o famoso “Milagre Econômico”,
aumento substancial do Produto Interno Bruto (PIB), queda da inflação e um
crescimento maior do que o crescimento econômico mundial. Nesse período a
equipe econômica era liderada por Antônio Delfim Neto que propôs mudanças
econômicas e administrativas que possibilitaram a criação de grandes
empresas estatais como a Embraer, a Telebrás, a Embrapa e a Embratel.
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Delfim Neto teve uma longa carreira, trabalhando em vários governos, tanto
federais quanto estaduais.

O sonho do “Milagre Econômico”, começa a ruir quando a economia


internacional entra em crise na década de 1970, o Brasil tinha uma grande
dívida externa e com o aumento dos juros internacionais passa a ser refém dos
bancos internacionais. As crises do petróleo em 1973 e 1979 ajudam a agravar
a situação financeira brasileira.

Em março de 1974, assume a presidência o General Ernesto Geisel, que


mantém seu mandato até março de 1979. Segundo Duarte (2011), Geisel
assume a presidência já pensando em abertura política gradual e um futuro
presidente civil para o Brasil, para o Presidente o grande problema estava em
assegurar uma abertura tranquila e naquele momento achava que um civil não
seria capaz de assegurar essa tranquilidade na transição de um governo militar
para um governo civil. Geisel era contra as eleições diretas pois achava que o
país não tinha a maturidade nem educação necessárias para essa realidade.
Na sua opinião democracia plena no Brasil, naquele momento era uma “ficção”.

Ainda segundo Duarte (2011), ao longo do seu governo Geisel utilizou-


se várias vezes do AI-5, cassando mandatos, decretando intervenções em
prefeituras e recesso no Congresso Nacional. Em 1º de abril de 1977, Geisel
decretou recesso do Congresso Nacional, para aprovar medidas do chamado
“Pacote de Abril”, mudanças na legislação eleitoral e reforma do Poder
Judiciário, com essas mudanças o mandato do presidente passou de 4 para 6
anos e os governadores dos estados continuavam a ser eleitos indiretamente
pelo colégio dos deputados e delegados das câmaras de vereadores. Em julho
de1978 Geisel envia ao Congresso Nacional a Mensagem nº 203 que revoga
os atos institucionais e leis complementares que contrariassem a constituição,
portanto não era mais competência do Presidente decretar recesso do
Congresso Nacional, intervenção em estados e municípios, suspender direitos
políticos e cassar mandatos eletivos. Traduzindo esse foi um passo muito
importante pois colocou fim ao famigerado Ato Institucional nº 5.
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No campo econômico Geisel foi responsável pelo que se chamou de


“Crescimento forçado”, um projeto que trouxe desenvolvimento ao país, mas a
um custo muito pesado, principalmente no que se refere ao aumento da dívida
externa brasileira. Foram feitos investimentos no setor energético, na indústria
de base e no setor de insumos industriais. Durante o governo Geisel o PIB
industrial cresceu 45,5% e o PIB agropecuário 26,46%.

Conforme sua vontade Geisel não fez a transição de seu governo para
um civil, em seu lugar assume o General João Baptista de Oliveira Figueiredo.

Com a posse do Presidente Figueiredo é assegurada a continuidade da


abertura política iniciada no Governo Geisel. Na verdade, as marcas
registradas desse governo são a abertura política e a grave crise econômica
que assola o país. No campo da política, em 28 de agosto de 1979 o
Presidente assina a lei Nº 6683, que concede anistia aos principais líderes de
oposição ao regime militar.

Segundo Cancian (2014), aos poucos os presos políticos foram sendo


libertados e os exilados começaram a retornar ao país, mas os movimentos de
oposição queriam uma anistia “ampla, geral e irrestrita”, a lei não absolvia os
manifestantes condenados por atos terroristas, mas perdoava os agentes
militares envolvidos em assassinatos e tortura. Ficava claro que os militares
não iriam permitir punição legal às Forças Armadas.

Dando continuidade ao processo de abertura , o Governo Figueiredo


extingue os partidos Arena e MDB e promove uma reforma partidária, os
partidos comunistas continuaram na ilegalidade, o partido do governo se torna
o Partido democrático Social (PDS), e vários partidos de oposição surgem
liderados por Luís Inácio Lula da Silva (PT) Partido dos Trabalhadores, Leonel
Brizola (PDT) Partido Democrático Trabalhista, liderado por arenistas menos
influentes (PTB) Partido trabalhista Brasileiro e o MDB muda para PMDB,
Partido do Movimento Democrático Brasileiro. Em novembro de 1985
acontecem as primeiras eleições diretas para governador (algo que não
acontecia desde 1967), para deputados federais e estaduais, prefeitos e
vereadores. O PDS, partido do governo elege 12 governadores e os partidos
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de oposição 10, mas a oposição consegue vitórias em estados mais ricos e


populosos do Brasil, como Rio de Janeiro e São Paulo.

Com a grave crise econômica no país, a insatisfação da população e


principalmente dos trabalhadores organizados vem à tona e começam a
acontecer greves principalmente na região do ABC em São Paulo, as
reinvindicações já não são mais apenas por melhores salários, os
trabalhadores buscam por mudanças políticas, liberdade nas negociações
entre sindicatos e empresas, além da legalização do direito de greve.

O que era previsto na constituição seria que o sucessor do General


Figueiredo fosse eleito de forma indireta pelo colégio eleitoral, em março de
1983 o Deputado Dante de Oliveira (PMDB), cria uma emenda parlamentar que
previa eleições diretas para Presidente da República. Nasce assim o
movimento popular das “Diretas Já”. Todos os setores da sociedade civil e
milhares de populares saem às ruas pedindo eleições diretas para Presidente,
mas apesar de todo o clamor popular a Emenda Dante de Oliveira é derrotada
no Congresso Nacional e as eleições ocorrem de maneira indireta (via colégio
eleitoral). Candidatam-se pelo partido governista (PDS), o paulista Paulo Salim
Maluf e pelos oposicionistas o mineiro Tancredo de Almeida Neves (PMDB).
Em 15 de janeiro de 1985 é eleito pelo Congresso Nacional Tancredo Neves e
seu vice José Sarney. Assim após 21 anos o Brasil volta a ter no poder um
Presidente da República civil.

3- A IGREJA CATÓLICA NOS PRIMEIROS MOMENTOS DO GOLPE


MILITAR (1964-1968).
Segundo Estevez (2015), com o objetivo de acompanhar as
mudanças da sociedade política, a Igreja Católica tende a optar por um
movimento progressivo para se adequar às transformações ocorridas em
outros campos da sociedade. Ainda segundo a mesma autora, nos anos 60 a
igreja é marcada por uma profunda polarização interna, entre agentes
eclesiásticos e movimentos leigos gestados na ação católica e na hierarquia.
Ainda conforme Estevez (2015, p.212):

Logo após a instalação do Regime Militar, A igreja oficialmente


ofereceria apoio ao novo bloco histórico, demonstrando a hegemonia
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do bloco conservador no interior da instituição católica. Nesses


primeiros anos tem lugar uma cooperação entre as hierarquias militar
e eclesiástica. Pode-se falar, portanto, em uma proximidade de
objetivos – manutenção da ordem e da disciplina e defesa da
autoridade e do capitalismo – e de ideologia – rejeição de qualquer
experiência socialista ou comunista e colaboração entre as classes.

Segundo Gonçalves e Mezzano (2016), a campanha nacional


anticomunista iniciada em meados de 1960, atinge seu ápice nos primeiros
meses de 1964. É nesse contexto de “Não ao Comunismo” que surge a
“Marcha da Família com Deus pela Liberdade”, movimentos que se
constituíram em uma série de manifestações organizadas por setores do clero
e por organizações femininas, congregando setores da classe média
temerosos do perigo comunista e favoráveis à deposição do então Presidente
João Goulart. A primeira dessas manifestações ocorreu em São Paulo no dia
19 de março de 1964 e reuniu cerca de 300 mil pessoas, contando inclusive
com a presença do Presidente do Senado Auro de Moura Andrade e do
Governador do Rio de Janeiro (na época Guanabara), Carlos Lacerda. No final
da caminhada foi celebrada uma missa em intenção da “Salvação da
Democracia” e distribuído à população o “Manifesto ao Povo do Brasil”, contra
o governo de João Goulart. Essas manifestações, apoiadas pela Igreja Católica
e principalmente pelo público feminino se repetiu por várias capitais e grandes
cidades do Brasil, já após o golpe militar em 2 de abril de 1964 uma
manifestação conseguiu levar às ruas cerca de 1 milhão de pessoas no Rio de
Janeiro, nesse momento as marchas já eram chamadas de “marchas da
Vitória”.
Segundo Gonçalves e Mezzano (2016), apud Presot (2010, p.74):
Tais passeatas surgiram como uma espécie de pedido às
forças armadas por uma intervenção salvadora das instituições
e, posteriormente ao 31 de março de 1964, passaram por uma
ressignificação de seu discurso, transformando-se numa
demonstração de legitimação do golpe civil-militar. As marchas
acabaram por construir algumas das maiores manifestações
públicas da nossa história política e tornaram-se emblemáticas
não só pelo número de manifestantes como também pela
notável estrutura de propaganda a serviço de seus
organizadores e capacidade de mobilização popular para a
ação política.

Em Curitiba, os Bispos lançaram um manifesto ao povo católico


paranaense, denominado “Manifesto aos paranaenses – Perigos da hora
presente – Reformas, sim. Subversão, não – A hora é de vigilância e de luta”,
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segundo Gonçalves e Mezzano (2016), o documento assinado por 11 Bispos


faz críticas ao comunismo e apela à intervenção das forças armadas. Segue
trecho do documento assinado pela Arquidiocese de Curitiba:
Mais do que nunca é preciso que estejam os Pastores bem
unidos aos seus fiéis na salvaguarda e defesa dos sagrados
patrimônios de liberdade, de justiça e de religião [...] Devemos,
pois acautelarmos da impaciência, confusão e agitação no
tratamento de nossos problemas, se não quisermos precipitar a
vitória dos inimigos da Pátria [...] queremos apelar e dar o
nosso apoio mais uma vez às autoridades constituídas, ao
Congresso Nacional e às Forças Armadas a fim de que zelem
pelos altos interesses de um Brasil que nasceu sob o signo da
Cruz de Cristo. De seu devotamento e patriotismo temos o
direito de esperar solução para a hora dramática que
atravessamos (BOLETIM ECLESIÁSTICO DA
ARQUIDIOCESE DE CURITIBA, 1964, p. 16-19).

Segundo Presot (2010), essas manifestações se intensificam após o


31 de março de 1964, tornando-se uma ferramenta de apoio à “revolução
anticomunista”. Santos Júnior (2006), apud Gonçalves e Mezzano (2016), cita a
marcha de 21 de abril de 1964 realizada em Campo Mourão – PR, que contou
com grande número de católicos liderados pelo Bispo Eliseu Simões Mendes,
essa marcha gerou o seguinte comentário em uma matéria do jornal Folha do
Norte do Paraná da cidade de Maringá:

Mais uma demonstração da euforia do povo brasileiro pela volta da


tranquilidade espiritual e moral ao seu lar em virtude do
desmantelamento da grande conspiração comunista efetivada pelos
traidores da pátria com o intuito de nos atrelar ao carro de Moscou.

Segundo Reis (2017), Bispos da província eclesiástica da Bahia,


alertam os fiéis que a situação de injustiça social no Brasil, estava servindo de
pretexto para interesses políticos obscuros, ligados à um esquerdismo exaltado
pelo fervor comunista. Esses Bispos apoiados pela imprensa de orientação
conservadora fazem um chamado à população católica para “a volta decidida e
heroica do fervor democrático cristão, repudiando o comunismo e seu
ameaçador avanço nas terras do Brasil”. Na verdade, “havia um grande temor
de setores da direita, ligados à Igreja Católica em relação às reformas
pretendidas por Goulart”, Ângelo (2009), apud Reis (2017, p. 44).
Ainda segundo Reis (2017) a CNBB (Confederação Nacional dos
Bispos do Brasil), por um lado reafirmou sua aliança com o Estado, através de
pronunciamentos como o de 3 de junho de 1964:
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Atendendo à geral e angustiosa expectativa do povo brasileiro, que


via a marcha acelerada do Comunismo para a conquista do poder, as
Forças Armadas acudiram em tempo, e evitaram que se consumasse
a implantação do regime bolchevista em nossa terra. [...] Logo após o
movimento vitorioso da revolução verificou-se uma sensação de alívio
e esperança. Mais uma demonstração da euforia do povo brasileiro
pela volta da tranquilidade, sobretudo porque, em face ao clima de
insegurança e quase desespero em que se encontravam as
diferentes classes ou grupos sociais, a Proteção Divina se fez sentir
de maneira sensível e insofismável. [...] Ao rendermos graças a Deus,
que atendeu as orações de milhões de brasileiros e nos livrou do
perigo comunista, agradecemos aos militares que se levantaram em
nome dos supremos interesses da nação.

Por outro lado, a CNBB nesse mesmo documento lembra que os


acusados deveriam ter direito à defesa e não serem punidos com a utilização
de força ou violência. Ainda segundo Reis (2017), isso mostra que o ponto
comum entre Igreja Católica e Regime Militar era o combate ao comunismo,
mas a igreja não silenciaria sua voz em favor dos pobres e das vítimas de
injustiça e perseguição. Segundo o mesmo autor citado acima, a igreja não
ficou satisfeita com o fato do novo governo não ter buscado seu apoio para sua
legitimação. Pois conforme o Ato Institucional Nº 1: “A Revolução Vitoriosa,
enquanto poder constituinte, se legitima a si própria”.
De 1964 a 1968 segundo Mainwaring (1989) apud Reis (2017, p.46), a
CNBB preocupa-se mais com sua organização e estabilização interna do que
com a política e com a ação social. Isso permanece inalterado até meados de
1968 quando a truculência, a violência e as injustiças sociais se acentuam por
parte do Governo Militar e a Igreja Católica é forçada a tomar partido e mostrar
uma nova faceta no seu relacionamento com o Regime Militar.

4- OS ANOS MAIS TENEBROSOS DO REGIME MILITAR E O NOVO


POSICIONAMENTO DA IGREJA CATÓLICA (1968 – 1985).

Segundo Reis (2017), no final da década de 60 até a década de 80 a


Igreja Católica estava dividida em como deveria se posicionar em relação ao
Regime Militar. Os Bispos estavam divididos em três vertentes, um grupo era
denominado Progressista, liderado por Dom Helder Câmara, Arcebispo de
Olinda e Recife, outro era o grupo conservador, liderado por Dom Geraldo de
Proença Sigaud, Arcebispo de Diamantina – MG, e o terceiro grupo ficou
conhecido como moderado, que temiam pela sobrevivência da Igreja num
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eventual confronto com os militares. O grupo progressista liderado por Dom


Hélder, pregava contra a violência do governo e a injustiça social e atacava
diretamente as políticas econômicas e sociais do governo, por isso também era
chamado de radical, já o grupo conservador representava o pensamento de
direita e apoiava as medidas do governo. Os moderados eram o fiel da
balança, também defendiam mudanças na politica social do governo e, mais
importante, se uniam aos progressistas formando maioria, quando o clero era
vítima de opressão. Quando defendiam a si mesmos, estendiam seus
discursos a todos os segmentos sociais que sofriam com as medidas do
governo.

O ano de 1968 foi o marco da mudança de posicionamento da Igreja


Católica em relação ao Regime Militar. Segundo Reis (2017, p.47), “a
decretação do AI-5 provocou grande agitação na relação Estado e Igreja.”
Ainda segundo o mesmo autor o AI-5 foi recebido pela CNBB, que estava
sobre a Presidência de Dom Aloísio Lorscheider e tinha como Secretário Geral
Dom Ivo Lorscheiter, como um ato de privação de todo e qualquer tipo de
liberdade social. A CNBB luta bravamente e consegue formar uma comissão
informal composta por Bispos e Militares, chamada de Comissão Bipartite. A
partir de 68 a CNBB deixa de generalizar e parte para uma defesa direta dos
Direitos Humanos, são formalizadas as CEBs (Comunidades Eclesiais de
Base), e pela primeira vez a CNBB publica um parecer oficial crítico sobre a
DSN (Doutrina de Segurança Nacional). Com a chegada da chamada “Linha
Dura Militar” ao poder através do Marechal Costa e Silva, a DSN ensinada até
então somente nos meios militares, começa a ser usada em larga escala por
Costa e Silva como instrumento de repressão e cerceamento de liberdade, fato
que surpreende a sociedade civil e principalmente a parte conservadora do
clero. Já em 1963 a CNBB, apesar de apoiar o governo militar, havia emitido
um documento que em parte falava sobre o direito à liberdade como mostrado
a seguir por Reis (2017):

[...] Como pastores da igreja, os Bispos não são movidos por motivos
políticos – partidários, mas unicamente pelo bem comum, que inclui a
dimensão política. Por vezes, seu dever de colaborar pode assumir a
denúncia franca e leal contra a violação dos direitos ou das liberdades
fundamentais. Para que esta necessária colaboração seja possível,
deve ser assegurada à igreja (como a qualquer outro grupo ou
15

associação), liberdade e respeito. [...] O diálogo entre Igreja e Estado


se tornou mais difícil, nesses últimos tempos. [...], nota-se nos
militares e no governo a preocupação de limitar a ação da igreja à
esfera do estritamente espiritual. (PETRUCCI; PRANDINI E ROMEU,
1986, p. 128).

Ainda segundo Reis (2017), ao longo dos anos 70 os conflitos entre


Igreja e Estado se intensificam, padres são presos com uma certa constância e
Bispos progressistas fazem inúmeras denúncias contra o uso de tortura e
arbitrariedades cometidas pelo governo. O aumento da repressão sobre a
igreja é proporcional ao aumento da oposição da igreja católica ao regime,
inclusive da ala conservadora do clero.

Muito importante ressaltar segundo Cancian (2011, p. 75) apud Reis


(2017), a aproximação dos movimentos sociais, sindicatos, movimentos
estudantis e alguns setores da esquerda com a Igreja Católica, pois esses
movimentos entenderam que a igreja se tornou o mais importante centro de
oposição pública ao regime militar, era a igreja, portanto, um espaço de
liberdade de organização que contava com a proteção da hierarquia.

Vale ainda lembrar, conforme Reis (2017), que mesmo assumindo um


papel de oposição ao governo militar a CNBB mantém em seu discurso um tom
de moderação, procurando evitar um confronto direto com os militares e ao
mesmo tempo buscando a simpatia das elites conservadoras e da classe
média através de um certo distanciamento da esquerda mais radical e
condenando também atos radicais como sequestros de embaixadores, assaltos
a bancos e a guerrilha armada. Muitas foram as lideranças católicas que
surgiram no Brasil na época, podemos citar alguns exemplos como Dom Helder
câmara (Arcebispo de Olinda e Recife), Dom Waldyr Calheiros ( Diocese de
Barra do Piraí e Volta Redonda), Padre Henrique Pereira Neto (Secretário de
Dom Helder) assassinado pelos militares, Dom Aloísio Lorscheider (Secretário
Geral da CNBB), Dom Eugênio Sales (Arcebispo do Rio de Janeiro), Dom
Pedro Casaldáliga (Bispo Emérito de São Félix do Araguaia - MT) e Dom Paulo
Evaristo Arns (Arcebispo de São Paulo), entre outros. Como o objetivo desse
estudo é analisar o posicionamento da Igreja Católica durante a ditadura militar,
não será possível nem necessário analisar as obras de cada um dos citados
acima. Será feita uma análise da trajetória de Dom Paulo Evaristo Arns no
16

enfrentamento à ditadura militar e na defesa da liberdade e dos direitos


humanos, principalmente a partir de 1968, pois através de sua obra pode-se
entender o posicionamento da Igreja Católica frente ao regime durante o
período de 1968 até 1985.

Segundo o “Programa Lugares da Memória” do Memorial da Resistência


de São Paulo (2014), “a Catedral da Sé, tornou-se um polo aglutinador de
manifestações de massa que encontraram ali espaço de reunião e protesto”.
Em 1970, assume a arquidiocese Dom Paulo Evaristo Arns, a praça em frente
a catedral passou a ser uma extensão da igreja e quando os militares tentavam
reprimir a população em protesto, os padres abriam as portas da igreja e
abrigavam os manifestantes, Dom Paulo vai ficar conhecido como destaque na
denúncia dos crimes da ditadura e no apoio a seus familiares. No livro “Brasil
Nunca Mais” editado em 1985, Dom Paulo relata a importância do trabalho
realizado na Catedral da Sé em defesa dos direitos humanos:

As angústias e as esperanças do povo devem ser compartilhadas


pela igreja [...] Durante os tempos da mais intensa busca dos assim
chamados “subversivos”, atendia eu na Cúria Metropolitana,
semanalmente, a mais de vinte senão cinquenta pessoas. Todas em
busca do paradeiro de seus parentes. [...] A senhora mais idosa me
fez a pergunta que vinha repetindo há meses: “O senhor tem alguma
notícia do paradeiro do meu filho?” Logo após o sequestro, ela vinha
todas as semanas. Depois reaparecia de mês em mês. Sua figura
parecia sempre mais com a de todas as mães de desaparecidos.
Durante mais de cinco anos, acompanhei a busca de seu filho,
através da Comissão Justiça e Paz e mesmo do Chefe da Casa Civil
do Presidente da República. O corpo da mãe parecia diminuir, de
visita em visita. Um dia também ela desapareceu. Mas seu olhar
suplicante de mãe jamais se apagará de minha retina. (Brasil Nunca
Mais, p.12).

Segue adiante, uma linha do tempo com as principais ações de


enfrentamento ao regime militar, realizadas durante o arcebispado de Dom
Paulo segundo o documento “Programa Lugares da Memória”. Em 1970, Dom
Paulo é nomeado Arcebispo de São Paulo, já em 1972 cria a Comissão Justiça
e Paz de São Paulo, que tem o objetivo de auxiliar juridicamente os
perseguidos militares e seus familiares, composta basicamente por juristas, a
comissão dispunha ainda de um estudante, uma mulher e um operário
(conforme estatuto) e ajudou presos políticos, militares estrangeiros exilados no
Brasil e familiares de desaparecidos políticos.
17

Em março de 1973, quando da celebração dos militares pelos 9 anos do


regime a arquidiocese de São Paulo distribui 500 panfletos da Declaração dos
Direitos Humanos elaborada pela ONU em 1948. Além disso são também
distribuídos 500 mil livretos de uma versão ecumênica da declaração. Ainda em
1973, canais de comunicação da Igreja Católica como a Rádio 9 de julho e o
Jornal “O São Paulo” foram fechados pelo governo militar, na rádio Dom Paulo
transmitia seus sermões em defesa dos Direitos humanos e da liberdade e o
jornal seguia a mesma linha em defesa dos menos favorecidos. Em outubro de
1975 o jornalista Vladimir Herzog é assassinado e com a Catedral da Sé
tomada por cerca de 8 mil fiéis e militantes, mesmo cercada por forças policiais
que tentavam reprimir o ato, Dom Paulo celebra um culto ecumênico que mais
tarde seria reconhecido como a primeira manifestação aberta contra a ditadura
desde o final dos anos 60.

Já em 1978, outra importante organização é criada na Catedral da Sé, o


“Comitê de Defesa dos Direitos Humanos para os países do cone sul”
(CLAMOR). Em 1976 a Argentina também sofre um golpe militar e alguns
refugiados buscam a ajuda de Dom Paulo na Arquidiocese da Sé. Através do
CLAMOR boletins com denúncias e dados de desaparecidos políticos de
países do cone sul são distribuídos por toda América Latina e Europa. Ainda
em 1978 é publicado pela Comissão de direitos Humanos da Arquidiocese de
São Paulo em parceria com a CNBB o livro “Repressão à Igreja no Brasil:
reflexão sobre uma situação de opressão (1968 – 1978).

Em 1979, em uma manifestação em frente uma fábrica o operário Santo


Dias é atingido pelas costas por policiais e chega morto ao hospital, seu corpo
foi velado na Igreja da Consolação e conduzido até a Catedral da Sé por cerca
de 30 mil pessoas que protestavam contra sua morte, pelo direito de greve e
pelo direito de livre associação sindical. Na sequencia em 1983, acontece a
missa em homenagem a Frei Tito. Preso e barbaramente torturado pelo
delegado do Deops/SP Sérgio Paranhos Fleury, o Frei Dominicano é banido do
país em 1970. Exilado na França Frei Tito é incluído numa lista de presos
políticos a serem trocados pelo embaixador suíço Giovanni Bucher, porém
antes de ser efetuada a troca o Frei comete suicídio em consequência das
graves torturas físicas e psicológicas impostas a ele pelo delegado do
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Deops/SP. A missa quando os restos mortais de Frei Tito voltam ao Brasil é


realizada na Catedral da Sé por Dom Paulo Evaristo Arns. Finalmente em 1985
é publicado o livro “Brasil Nunca Mais”, de Dom Paulo Evaristo Arns, resultado
de pesquisas e análises pela Comissão Justiça e Paz.

5- METODOLOGIA.
Para a composição da presente revisão, foi realizado um levantamento
bibliográfico de artigos, monografias, livros e dissertações, através de sites de
busca na internet, com destaque para o Google acadêmico. Foram utilizados
os seguintes descritores combinados: Ditadura Militar, Igreja Católica e
manifestações populares.

Foram efetivamente utilizados na presente revisão catorze estudos,


sendo onze artigos, um livro, um boletim eclesiástico e um programa do
“Memorial da Resistência de São Paulo”. Além dos efetivamente utilizados
foram lidos e analisados dezoito artigos, dissertações e teses sobre a Ditadura
Militar de modo geral e oito artigos sobre a relação da Igreja católica com a
Ditadura Militar que não foram citados nesse trabalho de pesquisa.

6- CONSIDERAÇÕES FINAIS.

Os resultados da pesquisa permitem concluir que o golpe militar de 1964


tem sua origem alguns anos antes, com a eleição e a renúncia do Presidente
Jânio Quadros. Com a posse do Vice-Presidente João Goulart, num contexto
mundial de incertezas devido à Guerra Fria e a polarização do mundo em dois
blocos, o capitalismo representado pelos Estados Unidos da América e o
socialismo/comunismo representado pela União das Repúblicas Socialistas
Soviéticas, alguns setores da sociedade brasileira entre eles a elite dominante,
a classe média, os militares, políticos de direita e a própria Igreja Católica, não
acreditam nas reformas de base e na ideologia política de João Goulart,
temendo a implantação de um governo comunista no Brasil. Em 13 de março
de 1964 Jango organiza um comício na central do Brasil, no Rio de janeiro e
sua repercussão é extremamente negativa em setores da sociedade já citados
acima. O clima no Congresso Nacional e nas ruas é totalmente adverso ao
Presidente. A oposição com o apoio da Igreja Católica e outros setores da
sociedade organizam as “Marchas da Família com Deus pela liberdade” que
19

acontecem na maioria das grandes cidades do país, reunindo milhares de


pessoas, em sua maioria mulheres, pedindo a renúncia de João Goulart e o fim
do Comunismo. Nesse contexto de oposição popular, o Presidente resolve
deixar o país e se exilar no Uruguai, O Senado Federal decreta vago o cargo
de Presidente mesmo antes da partida de Jango. Está aberto o caminho para a
implantação da ditadura militar no Brasil.
Através dessa pesquisa pode-se observar que alguns autores dividem o
posicionamento da Igreja Católica em dois períodos distintos, o primeiro vai de
1964 até 1968, momento em que a igreja apoia o golpe militar e em algumas
publicações agradece aos militares por terem livrado o país do “fantasma
comunista”. Com o desenvolvimento da ditadura militar e a posse do General
Costa e Silva como presidente do país em 15 de março de 1967, há um
endurecimento do regime contra seus opositores na forma de torturas, mortes,
desaparecimento de pessoas e exílio de opositores ao governo para outros
países, embasados no famoso Ato Institucional número 5 (AI-5). Nesse
momento a postura da Igreja Católica muda de rumo e começa o período de
manifestações, oposição e resistência ao golpe. A igreja passa a apoiar
movimentos de oposição ao regime como a união Nacional dos Estudantes
(UNE), os Movimentos Sindicais, artistas e intelectuais que se movimentavam
contra o Regime Militar. Vários Bispos e Padres são perseguidos e alguns
mortos como o Frei Dominicano Tito de Alencar Lima que após ser torturado e
exilado do país, comete suicídio na França e o Padre Henrique Pereira Neto.
Figuras importantes da Igreja Católica se levantam contra a Ditadura
Militar como Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga, Dom Aloísio
Lorscheider e Dom Paulo Evaristo Arns, entre outros. Finalizando essa
pesquisa foi enfatizado o trabalho de Dom Paulo Evaristo Arns, Arcebispo de
São Paulo e o uso da Catedral da Sé como referência e polo aglutinador das
manifestações de massa contra o regime, Dom Paulo fez da Praça da Sé uma
extensão da catedral e um palco onde os manifestantes se sentiam protegidos
da violência policial. Esse posicionamento da Igreja Católica permaneceu até a
eleição pelo Congresso Nacional da chapa oposicionista formada por Tancredo
Neves e José Sarney em 1985 que finalmente colocava no cargo um
Presidente da República civil.
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