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a-segmentacao-convencional-das-palavras

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 261, 01 de Abril | 2013

Prática Pedagógica

Como trabalhar a
segmentação convencional
das palavras
"É para escrever tudo junto ou separado?". Confira como
trabalhar essa dificuldade tão comum na alfabetização inicial
Elisa Meirelles

Rutinalva usou Mulher Rendeira, que a sala de EJA sabia de cor, para discutir a
segmentação
Em duplas, os alunos discutiram a separação das palavras para chegar a um
acordo

Uma das atividades para refletir sobre a segmentação foi a escrita de bilhetes

A separação entre as palavras de uma frase, embora automática para um escritor


proficiente, pode causar dúvidas nos alunos que estão começando a ter contato
com a língua escrita. Cabe ao professor criar oportunidades e propor atividades
sobre o tema.

Na EMEF Senhora Valentina Silvina Santos, em Lauro de Freitas, região


metropolitana de Salvador, Rutinalva Sena planeja situações para trabalhar o
tema nas aulas para os anos iniciais da Educação de Jovens e Adultos (EJA). Uma
delas é apresentar um texto memorizado pelos estudantes, sem espaços entre as
palavras, e questioná-los sobre o que fazer para separá-las.

Antes de conhecer o passo a passo da sequência dela, é essencial entender como


os alunos, independentemente da idade, lidam com a questão. Eles procuram
reproduzir no papel o que escutam e falam. Mas nem sempre essa estratégia
funciona. Como mostram Emilia Ferreiro e Ana Teberosky no livro Psicogênese da
Língua Escrita (300 págs., Ed. Artmed, tel. 0800-703-3444, 52 reais), "os espaços
em branco entre as palavras não correspondem a pausas reais na locução, mas
separam entre si elementos de um caráter sumamente abstrato".

Quando a turma está começando a escrever, podem surgir dois fenômenos: a


hipossegmentação (as palavras são escritas juntas, como eraumavez) e a
hipersegmentação (os termos são separados de modo excessivo, como em baixo).
É possível ainda haver textos com os dois fenômenos: aí temos a hipo-
hipersegmentação.

Certamente você já se deparou com esses casos: muitos estudantes, quando


começam a escrever, põem uma letra seguida da outra, sem espaços. Aos poucos,
no entanto, vão se dando conta de que as divisões existem e tentam utilizá-las.
Surgem aí as primeiras dúvidas. Palavras com poucas letras, por exemplo,
tendem a ser aglutinadas à seguinte: acasa e tecontar. À medida que deixam essa
ideia de lado e compreendem que existem artigos, preposições e palavras
pequenas, eles começam a aplicar a mesma lógica em outras situações e às vezes
chegam ao extremo oposto (a hipersegmentação). Passam, assim, a fazer
separações além do necessário, de acordo com Marly Barbosa, professora na
EMEF Antônio Carlos Andrada e Silva, em São Paulo, e formadora de professores
do Programa Ler e Escrever da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo.

Mais que um problema, esses deslizes são a prova de que a turma está pensando
sobre a divisão das palavras. A aprendizagem leva tempo e atividades específicas
devem ser incluídas no planejamento das aulas.

Pensar sobre segmentação em duplas

Rutinalva Sena reuniu os estudantes em duplas e apresentou uma estrofe, sem


separações entre as palavras, da música Mulher Rendeira, de Alfredo Ricardo do
Nascimento (1908-1979). Entregou cópias do trecho a todos e lançou o desafio de
separar os termos. A atividade põe a segmentação no centro da reflexão. "A
escolha de um texto familiar é fundamental. Caso contrário, a turma tem de lidar
com uma dificuldade a mais: compreender o que está escrito", explica Beatriz
Gouveia, docente do curso de pós-graduação em Alfabetização do Instituto
Superior de Educação Vera Cruz (Isevec). Um cuidado valioso é agrupar quem faz
hipossegmentações com quem escreve com hipersegmentação.

As duplas conversaram e chegaram a um acordo sobre a divisão dos termos.


Algumas intervenções enriquecem a aula: "O que vocês levaram em conta para
separar aqui?" e "Por que deixaram esse trecho todo sem espaço?" Em seguida,
Rutinalva perguntou quantas palavras cada dupla encontrou e colocou as
respostas em debate. Por fim, a classe voltou ao texto fonte para checar se as
conclusões estavam de acordo com ele.

Outra atividade feita pela turma estava relacionada à escrita de bilhetes.


"Reproduzi no quadro os textos que estavam com algumas palavras sem
separação e outras separadas indevidamente e pedi que o grupo descobrisse os
erros." Também é possível explorar a reescrita de um texto conhecido como
contos, adivinhas e ditos populares. Conforme o trabalho se desenrola, selecione
algumas produções para uma discussão coletiva.

A professora Marly ainda sugere trabalhar o ditado com focalização. Entregue


uma adivinha para os estudantes lerem, recomende que observem as palavras e
antecipem os erros que podem cometer quando tiverem de escrevê-las. Peça que
guardem o texto e dite. A chance de antecipar abre espaço para a reflexão e dá a
oportunidade de a turma ficar mais atenta a eles : "Com certeza, vou errar essa
palavra. É muito difícil". Ela também recomenda usar os nomes dos estudantes.
"Eles sabem que o colega se chama Raul, por exemplo. Então não podem escrever
oraul, embora falem assim." Beatriz dá mais ideias, como estabelecer um acordo
com os estudantes sobre os termos usados frequentemente que não podem ser
escritos de maneira não convencional dali em diante. "Cabe ao professor propor
algumas expressões para iniciar a lista e pedir sugestões do grupo para
complementá-la."

Além de aulas com atividades como essas, é fundamental planejar situações em


que os alunos tenham contato com a leitura a fim de que se familiarizem com a
maneira como as palavras são grafadas. A tendência é que, com a fluência na
leitura e na escrita, os problemas de segmentação desapareçam aos poucos.

Em meio ao trabalho, vale tomar muito cuidado para que a preocupação com a
divisão correta não iniba os estudantes, fazendo com que tenham medo ou
vergonha de experimentar ao escrever. É fundamental avaliar os momentos em
que devem se concentrar em colocar as ideias no papel, focando tarefas de
produção de texto, e quando vale problematizar questões gramaticais e
ortográficas. E mais: um acompanhamento individualizado pode revelar os
problemas que são comuns à maioria (e merecem pausas para discussões
coletivas) e as dificuldades de poucos (e por isso pressupõem ações
individualizadas ou realizadas em pequenos grupos).

1 Seleção cuidadosa Selecione um material que a classe conheça de memória. Para


os pequenos, pode ser uma parlenda ou uma adivinha. Para os adultos, uma música
ou uma piada. Reproduza-o sem deixar espaços entre as palavras e faça cópias.

2 Separação de palavras Organize a classe em duplas, distribua a cópia do texto e


proponha que discutam como devem ser separadas as palavras, marquem as
separações e contem as palavras encontradas.

3 Hora da discussão Peça que cada dupla diga quantas palavras encontrou e
justifique a resposta. Coloque os resultados em discussão e ajude o grupo todo a
entender a origem das dúvidas.

4 Consulta ao texto fonte Retome o material original e instrua os estudantes a


observar como é a segmentação convencional.

5 Escrita de bilhetes Oriente a produção individual, selecione alguns textos para


discutir como foram separadas as palavras, considerando as dificuldades
apresentadas pela maioria da classe.

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