Você está na página 1de 7

Endereço da página:

https://novaescola.org.br/conteudo/1168/conhecer-
textos-expositivos-e-instrucionais-para-questionar

Publicado em NOVA ESCOLA 01 de Janeiro | 2010

Prática Pedagógica

Conhecer textos
expositivos e
instrucionais para
questionar
Mergulhar nos textos expositivos e instrucionais é o
caminho para que a garotada compreenda a linguagem da
ciência, seu método de produção e seus limites
Lorena Verli

Antes de começar a ler esta reportagem, pare um pouco. Olhe à sua volta.
Agora, verifique o seguinte: nesse rápido passeio, quanta ciência há ao redor?
Pense nas roupas que usamos, nos móveis do ambiente e, é claro, nas páginas
desta revista - para produzir e levar este exemplar às suas mãos, foram
mobilizados saberes de diversas áreas de conhecimento, da Matemática dos
computadores em que estas letras foram digitadas à Química da composição
dos pneus dos caminhões que transportaram os exemplares até as bancas.
Para onde quer que se olhe, há ciência.

"Hoje, os estudantes já nascem inseridos num mundo científico-tecnológico.


Para que eles o entendam, têm de aprender o conteúdo científico e como ele é
produzido, até para poder criticá-lo", diz Marcos Engelstein, professor de
Biologia e assessor de Ciências do Colégio Anglo-Brasileiro, na capital paulista.
Essa preocupação inclui usar esse saber para fazer escolhas - como comer ou
não alimentos com gordura trans - e também para entender seu limites - como
identificar propagandas em que afirmações como "testado cientificamente"
não passam de engodo. A ciência, afinal, não é neutra nem detentora de
verdades absolutas. Levar a turma a perceber isso é uma das principais tarefas
da leitura na disciplina apoiada principalmente no uso do livro didático (leia o
quadro "Todos os recursos do livro didático").
Em sala de aula, os gêneros mais explorados (veja o quadro abaixo) têm
características próprias do discurso científico: a busca da objetividade, precisão
e uso de terminologia específica, sem espaço para a polissemia (quando uma
palavra assume diversos significados). Embora haja lugar para textos
jornalísticos e até literários, os principais materiais de leitura na disciplina
seguem sendo o texto expositivo e o livro didático. Ao "traduzir" o artigo
científico para um público mais amplo (lembremos que, na academia, um
pesquisador escreve para seus pares, também especialistas no assunto), o livro
didático o modifica, tornando-o mais palatável e compreensível pelo público
leigo na forma de textos expositivos científicos.

Usar esse recurso como um material de apoio para ensinar o conteúdo faz
todo o sentido. O problema é que muitos professores acabam transformando-
o na aula em si. Isso faz com que o livro seja a única fonte de conhecimento e,
nesse caso, em vez de contribuir para ampliar a visão de mundo do aluno,
acaba por fechá-la. Tanto pior se o docente apenas pedir à turma para que leia
determinado capítulo e responda um questionário sem se preocupar com a
compreensão do conteúdo lido.

Há ainda outra consideração importante: mesmo que seja mais simplificado, o


texto do livro didático requer um processo de interpretação complexo. Por
envolver diversos gêneros tanto em linguagem verbal quanto imagética, sua
leitura exige do aluno um conjunto de habilidades que permitem a ele
contemplar a diversidade de cada tipo de texto e perceber as relações entre
eles. Por isso, vale a pena criar oportunidades para que, no início do ano, todos
possam explorar o livro. Algumas perguntas ajudam a chamar a atenção para
as condições de produção e para a organização da obra. Quem são os autores?
Eles deixam alguma mensagem para nós? Que assuntos vamos estudar? Há
figuras e tabelas? Para que servem?

Gêneros privilegiados em Ciências

Texto instrucional
Típico das experiências práticas, caracteriza-se por uma sequência de
instruções que, se mal interpretadas, podem levar a conclusões incorretas.
Investigar as imagens que geralmente acompanham o texto escrito,
complementando seu sentido, auxilia na compreensão do conteúdo.

Texto jornalístico
Ao aproximar o conteúdo escolar dos fatos cotidianos, reportagens de jornais e
revistas (sobretudo as de divulgação científica) possibilitam discussões sobre
saúde, alimentação, meio ambiente e tecnologia.

Ele têm linguagem mais simples e permitem que assuntos controversos entre
os cientistas sejam discutidos pelos alunos.

Texto expositivo
Característico dos artigos científicos, também aparece nos livros didáticos. É
um texto fechado, sem espaço para várias interpretações. "Baseado em
comprovações obtidas por meio de experiências, o autor deixa claro o
caminho que fez para chegar à conclusão, comprovando ou refutando uma
hipótese inicial", diz Marcos Engelstein. O livro didático tem a vantagem de
simplificar o discurso científico. Mas, para fazer os alunos avançarem, é preciso
colocá-los em contato com textos que circulam no meio acadêmico, mais
complexo.

Todos os recursos do livro didático

Foto: Marcos Rosa

Na EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, a professora promove uma


exploração das páginas antes de ler um texto sobre a água

1 - Destaque
As palavras grafadas no texto em cores diferentes fornecem pistas sobre o
tema tratado ("a água está presente na sua vida", "salvar nossas fontes de
água")

2 - Texto
Com informações sobre o uso da água no planeta, funciona como uma
amarração entre os recursos gráficos e textuais da página

3 - Fotos
As três abordam o tema água, cada uma de uma perspectiva (histórica,
econômica e ambiental). As legendas contextualizam o local de produção -
somos informados que a imagem da poluição, por exemplo, é do rio Tietê

4 - Atividades
As duas propostas de trabalho (elaboração de lista e produção de um texto)
pedem a participação ativa do aluno, incentivando a ampliação de
conhecimentos

5 - Tabela
Recurso bastante presente nos textos científicos, apresenta dados numéricos
para comprovar uma ideia ou fazer uma comparação

Antes da leitura, explorar textos e imagens do capítulo

Nesse caminho, antes de pedir que os estudantes leiam, questione-os sobre os


elementos mais chamativos da página. Mostre o título, as imagens, os gráficos
e as tabelas que aparecem no livro e pergunte: do que esses elementos
tratam? Anote no quadro as principais hipóteses - que, aliás, são características
fundamentais na prática da disciplina. Considerá-las no início da leitura reforça
o aprendizado do próprio método científico. Maurina Izabel, professora da
EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, na capital paulista, adota essa
perspectiva. "Antes da leitura, promovo uma análise exploratória dos gêneros e
recursos gráficos das páginas estudadas para aproximá-los do assunto que
será tratado", explica.

Durante a leitura, sua tarefa principal é levar os alunos a comprovar ou refutar


as hipóteses prévias. "Se a opção for uma leitura compartilhada, paradas
estratégicas para ver como eles estão compreendendo o conteúdo evita que se
percam em meio a tantas proposições, algo comum nos textos de livros
didáticos", comenta a professora Raquel Suiene, que usa esse procedimento
com as turmas de 7ª série da EE Ministro Jarbas Passarinho, em Camaragibe,
na região metropolitana de Recife.

Para auxiliar na construção do sentido global do texto, uma boa estratégia é


sugerir que destaquem as partes do texto que trazem respostas para as
dúvidas principais. Se o tema for a presença da água no cotidiano, por
exemplo, você pode incentivar a localização de dados que mostram a
importância desse recurso na vida das pessoas, além de trechos sobre os
problemas do mau uso dele. Em seguida, a elaboração de um esquema ajuda a
compreender as relações de causa e efeito. Uma possibilidade de realização é
a seguinte:
Resumos e relatos também são procedimentos de estudo que ajudam na
compreensão do texto. No caso dos resumos, para evitar as cópias, vale
apostar na estrutura sugerida na reportagem O Desafio de Ler e Compreender
(leia reportagem). Quanto aos relatórios (veja o quadro abaixo), eles são
especialmente úteis para organizar as informações de atividades práticas, em
que os alunos precisam seguir textos instrucionais. Muito comuns em
experiências e atividades práticas, eles também merecem atenção em sala.
Uma primeira decisão importante é justificar a própria função das instruções,
mostrando a relevância de cada uma. Isso evita que os alunos as executem
como se fossem uma receita sem significado.

Outra necessidade é explicar palavras técnicas que invariavelmente aparecem.


Nesse ponto, uma saída é combinar a leitura do texto com as imagens que
geralmente o acompanham, o que já ajuda a esclarecer muitas dúvidas.
Trabalhando assim, Maria Regina Martins, da EE Professor Leon Renault, em
Belo Horizonte, consegue esclarecer muitas dúvidas. "Nos casos em que a
imagem não ajuda, debatemos as possibilidades e registramos o significado
mais adequado em um banco de palavras, que cresce a cada experiência",
explica.

Procedimento de estudo - Relatório

Comum em laboratórios e centros de pesquisa, ele resume e sistematiza o passo a


passo das experiências da moçada

Ter clareza: Linguagem objetiva


e descrição clara de tudo o que ocorreu
na atividade são o segredo para a classe
produzir relatórios de boa
qualidade. Foto: Leo Drummond

Texto típico da área científica, pede uma linguagem precisa, sempre deve ser
vinculado a algum experimento ou observação de campo e serve para
apresentar os resultados que foram coletados durante esses procedimentos. A
precisão e a objetividade na escrita dos relatórios garantem que todas as
etapas da atividade prática sejam transmitidas de maneira compreensível e
exata pelo autor da pesquisa. Você deve deixar claro que as opiniões pessoais
dos alunos não devem ser apresentadas nesse tipo de texto, já que a ênfase
recai na observação de tudo o que ocorreu durante o procedimento. Uma
sugestão interessante de organização para apresentar as informações é dividi-
las em tópicos: hipótese (a suposição provisória do resultado da experiência),
objetivo da experiência (uma descrição resumida do que se pretende
investigar), desenvolvimento (a descrição do passo a passo do experimento) e
resultados e conclusão (parte em que se discute a hipótese à luz dos
resultados). Essa estrutura é comum em trabalhos acadêmicos, aproximando a
moçada dos procedimentos usados pelos cientistas.

No fim, pesquisar para cobrir lacunas do livro didático

Depois da leitura, tanto de textos expositivos como de instrucionais, é hora de


fazer uma síntese do que foi lido. Retome as hipóteses iniciais e questione
quais foram comprovadas e quais foram refutadas. Também é o momento de
preencher certas lacunas decorrentes da simplificação, especialmente nos
livros didáticos. Ao traçar um histórico da construção de uma teoria, por
exemplo, é comum que os livros mencionem apenas os "figurões" e deixem de
lado diversas contribuições de muitos outros cientistas igualmente
importantes para que o conhecimento avançasse. Cabe a você identificar esses
buracos e orientar formas de mostrar as condições de produção do saber
científico. Do contrário, vai prevalecer a ideia de que ele é composto somente
de uma sequência específica de procedimentos, desenvolvida por alguns
poucos iluminados - quando o processo geralmente envolve muita discussão,
observação, estudo e diálogo para aceitar ou combater as hipóteses que foram
apresentadas.

Além disso, você não deve se contentar apenas com o texto oferecido pelos
livros didáticos. Para preparar a moçada para a vida acadêmica, é fundamental
apresentar, pouco a pouco, textos realmente utilizados nos meios acadêmicos.
A medida é ainda mais importante porque a leitura de textos mais complexos
é um dos gargalos na passagem do Ensino Fundamental para o Médio -
justamente por encontrarem muitos problemas para interpretar os tipos mais
complicados, vários jovens acabam engrossando as taxas de evasão. No dia a
dia da sala de aula, a leitura de textos difíceis pode ocorrer em diversas
situações, como nas pesquisas que complementam as informações dos livros,
em atividades de compartilhamento de curiosidades científicas lidas em
revistas especializadas ou na análise de artigos de divulgação científica em
jornais, por exemplo.

Uma maneira de fazer isso é orientar pesquisas para ampliar o entendimento


do texto. "Depois de conversarmos sobre o assunto, levanto as dúvidas que
ainda restam e, com base nelas, indico outras fontes que podem ser
encontradas na internet para complementar a aula", diz a professora Raquel,
da EE Ministro Jarbas Passarinho. Se o assunto for polêmico, vale investir em
textos que discutam as informações a que os alunos tiveram acesso -
reportagens de divulgação científica são uma ótima pedida ( leia a sequência
didática). Assim, você contribui para mostrar que o conhecimento científico, em
vez de se apoiar em verdades eternas, depende do permanente direito à
dúvida.

Quer saber mais?

CONTATOS
EE Ministro Jarbas Passarinho, R. dos Jasmins, 20, 54759-150, Camaragibe, PE, tel. (81) 3458-3023
EE Professor Leon Renault, Av. Amazonas, 5855, 30180-000, Belo Horizonte, MG, tel. (31) 3332-5097
EMEF Mauro Faccio Gonçalves-Zacaria, R. Raquel Alves Moreira, 823, 05821-130, São Paulo, SP,
tel. (11) 5514-3131Marcos Engelstein, marxeng@ig.com.br

BIBLIOGRAFIA
Ciências: Fácil ou Difícil, Nélio Bizzo, 144 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152, 34,90 reais

MAIS CIÊNCIAS NO SITE


Em www.ne.org.br, digite na busca "Sim à Curiosidade" e "Curiosidade de Pesquisador".

Você também pode gostar