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ensinar-as-irregularidades-ortograficas

Publicado em NOVA ESCOLA Edição 240, 01 de Março | 2011

Prática pedagógica

Como ensinar as
irregularidades
ortográficas
A ausência de regras ortográficas para algumas palavras
faz com que as crianças (e muitos adultos) tenham
dúvidas sobre como escrevê-las. A consulta ao dicionário
e a produção de cartazes ajudam a turma a aprender
como usar as grafias corretas com segurança
Camila Monroe

"O omem saiu de caza e foi pacear de ônibus


pela sidade." Essa frase, cheia de erros
ortográficos, causa estranhamento para
muitas pessoas, mas certamente não para
você, professor. Muitos alunos já escreveram
coisas parecidas, não?

Mesmo trabalhando as regras de ortografia,


como as que determinam o uso de R e RR, a
turma continua grafando alguns termos de
maneira equivocada. Natural. A Língua
Na Escola Projeto Vida, a professora
Portuguesa tem muitas palavras que não
Edivânia
ajudou a turma a identificar palavras que obedecem a nenhuma regra.
fugiam
às regularidades. Os alunos registraram
A regularidade existe quando é possível prever
todas
a escrita de um termo sem nunca tê-lo visto
elas em um cartaz. Edivânia acompanhou
a graças a normas que se aplicam a todos ou a
frequência do uso do material até que os
muitos casos - como ocorre com o uso do R
estudantes memorizassem as grafias.
em "carro". Já os termos irregulares - definição
de Artur Gomes de Morais, da Universidade
Federal de Pernambuco (UFPE), no livro Ortografia: Ensinar e Aprender - têm
sua escrita justificada apenas pela tradição do uso ou pela origem das
palavras. É o caso de "passear" e "casa", que aparecem no início desta
reportagem, e de outras mais, como os casos a seguir:

- Som de S: Seguro, cidade, auxílio, cassino, piscina, cresça, giz, força e exceto.

- Som de G: Girafa, jiló, geração e jeito.

- Som de Z: Zebra, casa e exercício.

- Som de X: Enxada e enchente.

- H inicial: Hora, homem e hino.

- Com disputa entre E e I e O e U em sílabas átonas que não estão no fim:


Violino (que pode ser confundida com veolino), seguro (siguro), bonito
(bunito) e tamborim (tamburim).

- Com disputa do L com o LH diante de certos ditongos: Julho (que pode


ser confundida com julio), família (familha) e toalha (toália).

- Com alguns ditongos da escrita, que modificam a pronúncia: Caixa (que


pode ser confundida com caxa), madeira (madera) e vassoura (vassora).

Com a aprovação da Nova Reforma Ortográfica, que entrou em vigor em


2009, novas dificuldades surgiram. A exclusão do trema e do acento agudo
em alguns casos, por exemplo, pode confundir quem está aprendendo a
escrever. "As crianças vão questionar, por exemplo, por que 'frequente' é
falado de um jeito e 'quente' de outro, mesmo ambas tendo a mesma grafia.
Para aprender a forma correta, elas terão de memorizar", explica Beth Salum,
doutora em Filologia em Língua Portuguesa e professora da Universidade de
São Paulo (USP).

Para ajudar a turma em tarefas como essas, nem pense em solicitar que
escrevam repetidamente uma lista de palavras. Também não adianta planejar
ditados - eles são úteis para avaliar o que está sendo aprendido, não para
ensinar algo que ainda não se sabe. Existem duas atividades permanentes
específicas para explorar bem a questão das irregularidades com os
estudantes e ensiná-los a escrever com segurança e autonomia (leia as
próximas páginas) .

Consulta ao dicionário

Oportunidade para os alunos que já conhecem a ordem das letras no alfabeto


compreenderem como o material é útil para informar a grafia correta das
palavras e também para aprenderem a consultá-lo mesmo sem saber como
se escreve determinado termo. Nessa
atividade, o importante é a frequência de
propostas. Quando as crianças buscarem por
"omem" e não encontrarem, provavelmente
dirão que a palavra não existe no dicionário.
"Esse é o momento para o professor
perguntar de que forma os colegas
procuraram o termo e se aquela é a única
sugestão de como ele pode ser escrito", diz
Na EM Martha Drummond Fonseca, a José Carvalho, professor do curso de Letras da
professora Universidade Federal de Sergipe (UFS). Esse foi
Luciene diagnosticou as palavras que os
alunos
o procedimento adotado por Luciene Carvalho
escreviam incorretamente. A turma foi Andrade, professora do 3º ano da EM Martha
buscá-las
Drummond Fonseca, em Nova Lima, na região
no dicionário, sempre com orientação. Os
estudantes encontraram os termos e metropolitana de Belo Horizonte. "Fiz o
se familiarizaram com o material. mapeamento ortográfico levantando as
palavras que eram grafadas de forma errada e
pedi que a classe as buscasse no dicionário.
Conforme a procura era feita, discutíamos as possibilidades de escritas até
encontrá-las", diz Luciene (leia a atividade). Outra possibilidade é a consulta
aos dicionários eletrônicos ou online. Eles oferecem sugestões de correção
para a maioria das palavras digitadas equivocadamente. Essa facilidade não
invalida o trabalho em sala. Sua missão nesse caso é fazer com que os
estudantes percebam o erro e ganhem agilidade. Além disso, muitos
oferecem a origem etimológica dos termos buscados, o que, na maioria das
vezes, ajuda a compreensão da grafia convencional.

Elaboração de cartaz

Momento de organizar um material de consulta com palavras irregulares


recorrente. É uma ferramenta útil para memorizar e para firmar combinados
com os alunos sobre quais erros não podem aparecer mais nas produções
deles a partir de certo momento (leia a atividade). A organização das palavras
pode ser feita de várias maneiras. "É possível elencar em ordem alfabética ou
separá-las em categorias, como animais e cores", diz Luiz Cagliari, professor
da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (Unesp), campus
Araraquara. Edivânia de Souza, professora do 3º ano na Escola Projeto Vida,
em São Paulo, ajudou os alunos a elaborar esse recurso de acordo com o tipo
de irregularidade. "À medida que eles reconheciam termos que fugiam às
regras, registravam no cartaz. Ficou claro que o H inicial ocorria somente em
alguns casos e que eles tinham de ser memorizados", ela diz.

Um pouco de teoria

Por que homem se escreve com H


A palavra vem do latim hominem e, por uma questão de tradição, o H se mantém.
Por que família termina em "lia" e quadrilha em "lha"
Família vem do latim familia. Já a grafia de quadrilha tem influência do espanhol,
em que o termo era escrito quadrilla. Por ter o som parecido com LH, a leitura foi
transferida para a grafia em português.

Por que jeito é grafado com J e gente com G


Jeito vem do latim iactus (ou jactus), mas também já foi escrito com G. Reformas
ortográficas modernas fixaram a grafia com J. A palavra gente vem do latim
gentem.

Por que passeio é grafado com SS e não COM C, como parceiro


Passeio vem do latim passus e manteve o SS. Já a palavra parceiro vem do latim
partiarium e no século 14 era traduzida como parçaria. Com o tempo, o termo se
modernizou até virar parceria.

Consultoria Luiz Carlos Cagliairi

Quer saber mais?

CONTATOS
Beth Salum
EM Martha Drummond Fonseca, tel. (31) 3581-2980
Escola Projeto Vida, tel. (11) 2236-1458
José Carvalho
Luiz Cagliari
Regina Scarpa

BIBLIOGRAFIA
Ortografia: Ensinar e Aprender, Artur Gomes de Morais, 128 págs., Ed. Ática, tel. 0800-115-152, 41,90 reais

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