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ATIVIDADE DIAGNÓSTICA PARA ESTUDANTES QUE NÃO SABEM

LER E ESCREVER1

SONDAGEM DE SISTEMA DE ESCRITA


ORIENTAÇÕES PARA O PROFESSOR

A atividade conhecida como sondagem ou diagnóstico de escrita tem por objetivo


avaliar os saberes e necessidades de aprendizagem dos e das estudantes que se
encontram em processo de construção do sistema de escrita alfabético.

O sistema de escrita da língua portuguesa segue o princípio fonográfico, o que


indica que há uma relação entre a grafia e os aspectos sonoros. No processo de
construção desse sistema, as crianças, jovens e adultos elaboram
conceitualizações a respeito do que é a escrita, do que ela representa e como
representa, até chegarem à compreensão de que o nosso sistema de escrita é de
base alfabética, reconhecendo as marcas do princípio fonográfico.

Na tentativa de identificar o que as crianças pensam a respeito da língua, Emília


Ferreiro e Ana Teberosky elaboraram uma teoria denominada “Psicogênese da
língua escrita” (1985). Essa teoria oferece importantes ferramentas para o
professor e para a professora conhecer seus alunos e suas alunas, bem como, seus
respectivos processos ao longo do caminho percorrido para a construção do
sistema de escrita, sendo a sondagem de escrita um importante instrumento a ser
utilizado pelo professor e pela professora alfabetizadora/a.

A partir das pesquisas das autoras foi possível observar o sujeito, o seu processo
de aprendizagem. Trata-se da perspectiva construtivista-interacionista de
aprendizagem. Nela não se supõe que o aluno saiba apenas o que lhe é
formalmente ensinado, ao contrário, o aprendiz é visto como sujeito de sua
aprendizagem que tem como ponto de partida os conhecimentos prévios que ele
possui.

Nesse sentido, a sondagem permite ao alfabetizador/ alfabetizadora analisar os


saberes dos e das estudantes cujas produções cotidianas geraram dúvidas, e/ou
não permitiram perceber quais são as hipóteses que eles/elas revelam sobre o
sistema de escrita. Em se tratando jovens que ainda não se alfabetizaram, será
necessário conversar com eles/elas, em particular,explicitando porque é

1
Proposta adaptada do material da “Estratégia Trajetórias de Sucesso Escolar Práticas de Alfabetização em
contexto de multiletramentos” - Unicef & Instituto Avisa Lá | 2021
importante que revelem seus saberes, relacionando com a proposta de trabalho a
ser realizada para que avancem. Esta conversa é fundamental porque alguns e
algumas estudantes que demoram mais tempo para compreender o sistema de
escrita não querem escrever, alegando nada saberem.

Na conversa, é preciso se colocar como alguém que irá ajudá-lo(a) a resolver os


problemas que apresenta e as dificuldades com a escrita. Ser franco/franca em
relação a explicitar que é preciso aprender a ler e escrever o quanto antes e que
esta será uma tarefa a ser resolvida com empenho do professor/professora e do
aluno/aluna, sendo a sondagem o primeiro passo.

Nessa sondagem, os estudantes escreverão uma lista de quatro palavras de um


mesmo campo semântico (não podem ser palavras aleatórias) e uma frase curta.
Com essa escrita, será possível observar se utilizam letras ou outros grafismos, se
conhecem o valor sonoro de algumas delas (e quais), se buscam informações em
textos ou alfabeto para compor a escrita, se relacionam à escrita à fala entre
outras possibilidades. As palavras a serem ditadas devem seguir alguns
características, conforme será especificado adiante.

No momento do ditado, a cada palavra escrita o professor, a professora deve


solicitar a leitura do aluno/aluna, registrando o modo como lê e a observações que
julgar importante sobre as ideias que a criança / jovem explicita no momento.

Materiais necessários para a sondagem de sistema de escrita

- Lápis e papel sulfite (preferencialmente).


- Lista de palavras que devem ser ditadas, previamente pensada.

Procedimentos gerais

É mais indicado que a sondagem de sistema de escrita seja realizada pelo


professor/professora de Língua Portuguesa nos casos de turmas do Ensino
Fundamental II.

- Realizar a atividade individualmente com cada estudante.


- Pedir que escreva o nome completo na folha.
- Ditar as palavras escolhendo um tema que faça sentido para o/a estudante.
O ditado deve ser da palavra inteira, podendo repetir quantas vezes for
preciso, sem escandir as sílabas.
- Pedir, a cada escrita, que o estudante leia e marque onde leu (no caso do
diagnóstico ser feito remotamente em Google Doc, pedir para usar a
ferramenta grifar quando ler o texto). Perguntar “Onde está escrito? Leia
para mim apontando com o mouse/lápis e marcando a leitura”. O professor
/ a professora deve observar, atentamente, como o aluno/ a aluna lê, que
relações estabelece entre a escrita e a fala, ou se não faz esse tipo de
relação, registrando o modo como a leitura é realizada. Ver exemplo
adiante.

Pontos de atenção: A lista com palavras e frase que apresentamos a seguir é uma
sugestão. Ao montar listas com outros temas, é importante garantir o aspecto
comunicativo para o/a estudante (manter o mesmo campo semântico) e a
presença de pelo menos uma palavra polissílaba (começando o ditado por ela), ao
menos uma trissílaba, uma dissílaba e uma monossílaba, além da frase. Evite ditar
palavras com a mesma vogal em sílabas contíguas. Exemplo: forró/ bolo. Um
estudante que se utiliza apenas das vogais para escrever produzirá uma escrita
com duas letras “O” (O O). A falta de variedade de letras na escrita produzida pode
levá-lo a parar de escrever por saber que a forma produzida não é representativa
do que considera aceitável para estar escrito ou do que reconhece como marca da
escrita convencional, cujas palavras apresentam letras variadas.

Sugestão 1 Sugestão 2
Lista sanduíche Lista ritmos musicais e de dança
brasileira

mortadela sertanejo
mussarela pisadinha
tomate samba
queijo som
pão
Eu danço samba.
Prefiro sanduíche de mortadela.

Prefiro sanduíche de __________.


completar a partir da preferência
do estudante, contanto que esteja
na lista de palavras.
Exemplos de escrita com indicação da leitura e breve análise

O estudante que compreendeu a natureza do nosso sistema de escrita que é de


base alfabética, consegue registrar todos os fonemas da fala, ainda que não o faça
com marcas da convenção.

Veja algumas possibilidades de produção das escritas nos exemplos a seguir. As


setas sob as palavras indicam como o jovem leu a palavra.

Exemplo: para “pisadinha”, produz escritas como:

- PISADIHA; PIZADINHA (escritas alfabéticas)


- PIZAIA; PIADIHA; PISADIA (escritas silábico-alfabéticas)
- P Z I A; I A I A (escritas silábicas com valor sonoro convencional)
- P V L M ; IRLU (escritas silábicas sem valor sonoro convencional)
- BALMSOIMA ; IPOSAVULMO (escrita pré silábica)
→ →
Na escrita pré-silábica, O/a estudante realiza a leitura global e não utiliza as letras
correspondentes às convencionais da palavra.

Geralmente, o estudante que passou pelo fundamental I e chega ao Fundamental


II apresenta muitos saberes em relação ao sistema de escrita, sendo raro alguém
chegar com escrita em hipóteses muito iniciais.

Para saber mais sobre como fazer o diagnóstico e o que é a sondagem leia:
Trecho “Orientações de leitura para realização de Sondagem”, páginas 14 a 16 do
documento Guia de Apoio para Desenvolvimento da Estratégia Trajetórias de
Sucesso Escolar - Anos Iniciais (Programa Sergipe na Idade Certa - SEE/SE).
Sugestão de tabela para registro das informações sobre a sondagem
de sistema de escrita

Critérios
Nomes 1 2 3 4 5 Observações

1.

2.

3.

...

Indicadores

1 ESCRITA PRÉ-SILÁBICA (não escreveu nada, usou letras aleatórias)realiza


leitura global, sem articular a fala à escrita.

2 ESCRITA SILÁBICA SEM VALOR SONORO CONVENCIONAL (escreve usando


letras e faz corresponder a fala à escrita na leitura, com letras aleatórias. Exemplo
para a palavra mortadela: S O L A. Lê uma sílaba para cada letra).

3 ESCRITA SILÁBICA COM VALOR SONORO CONVENCIONAL (escreve usando


letras e faz corresponder a fala à escrita na leitura com algumas letras
convencionais. Exemplo: M T D L ou O A E A).

4 ESCRITA SILÁBICO-ALFABÉTICA (escrita com alguma legibilidade e falhas.


Exemplo: MTADLA, / OTADLAora coloca uma letra, ora coloca duas).

5 ESCRITA ALFABÉTICA (escrita legível com erros ortográficos. Exemplo:


MOTADELA Essa escrita também pode apresentar momentos em que a sílaba é
grafada com falhas usando apenas uma letra, especialmente nos casos do P, B,
D...).

Em todos os casos acima aparecem produções muito inteligentes das crianças,


que revelam diferentes modos de representar a escrita. Por isso, é fundamental
anotar o que dizem, bem como, as observações realizadas enquanto escrevem e
não apenas a hipótese de escrita que revelam.
Sugere-se o uso de um caderno com espaço, algumas páginas, reservado para
cada criança/jovem. Nele devem constar suas observações, ao longo de todo o
ano escolar, sobre cada uma das crianças/jovens da turma, reproduzindo algumas
escritas com suas respectivas leituras, sempre com a data da observação, para
poder ter uma visão de processo.

Vale dizer que os jovens que demoram mais para compreender o sistema de
escrita, não chegam ao Fundamental 2 produzindo escritas em hipóteses iniciais,
ao contrário, apresentam muitos saberes, sendo que suas produções geralmente
são próximas à escrita alfabética e suas dificuldades costumam ser relacionadas à
ortografia e outros aspectos da convenção da escrita.

Um pouco de fundamento
Leia o excerto a seguir, a respeito do que é a escrita e o que ela representa.

Ensinar e aprender práticas de escritor desde os primeiros


traços2

Segundo LERNER (2002) a escola enfrenta atualmente o desafio de incorporar


todos os estudantes como praticantes da cultura escrita. Na Estratégia
Trajetórias de Sucesso Escolar vivemos cotidianamente esse desafio, mas como
fazer isso com aquele grupo de estudante que chega nas salas do Fundamental II
sem compreender o sistema de escrita?

Nas palavras de MOLINARI & CORRAL (s/d), ser praticante da leitura e da escrita

[...] supõe apropriar-se de uma tradição de leitura e escrita, de uma herança cultural e
constituírem-se como membros plenos de uma comunidade de leitores e escritores.
Isto requer que a escola tome como referência as práticas sociais da leitura e da escrita
como objeto de ensino.

Partindo desta concepção de ensino que considera como conteúdo escolar as práticas
sociais da leitura e da escrita3, a língua escrita não pode se reduzir ao conjunto de
elementos gráficos e suas variantes tipográficas. A língua escrita é uma construção
histórica, um objeto social. Supõe práticas particulares de linguagem de acordo com
distintos âmbitos da esfera humana que estão atravessadas pela cultura; práticas com

2
Excerto extraído de: “La escritura en la alfabetización inicial por Claudia Molinari & Adriana
Corral Disponível em: http://abc.gov.ar/lainstitucion/organismos/lecturayescritura/default.cfm
Acesso em 13/06/2021.
3
grifos nossos.
histórias que se comunicam entre usuários e se transformam. Estes usos se
concretizam em gêneros diversos com propósitos particulares que se vinculam a cada
evento comunicativo.

A escrita tem se constituído em objeto de estudo específico de historiadores, linguistas,


sociólogos, antropólogos e psicolinguistas, que contribuíram para abandonar uma
concepção da escrita como mera decodificação que reduz a atividade de escrever a
produzir sequências gráficas de sons. (Cardona, 1999; Catach, 1996; Chartier R.,
2000; Chartier A.M e Hébrard, 2000; Ferreiro, 2000). A escrita se concebe como um
sistema de representações da linguagem e não como um código de transcrição da
oralidade.

Oposta a uma concepção linear da relação entre oralidade e escrita, a concepção da


escrita como sistema de representação da linguagem concebe esta relação em termos
de interação e não de dependência ou derivação (Ferreiro, 1990, 1997, 2004; Blanche
– Benveniste, 1998, 2002). Entre oralidade e escrita existe, segundo assinala Ferreiro,
“uma relação de ida e volta, para a qual o termo ‘dialética’ é o que melhor convém. Um
nível mínimo de reflexão sobre a língua é exigido pela escrita, a qual, por sua vez,
proporciona um ‘modelo’ de análise que exige refinamentos sobre a reflexão inicial, e
assim continuamente.” (Ferreiro, 2004b).

[...] A aquisição do sistema de escrita é concebida como um processo conceitual por


meio do qual as crianças [jovens e adultos]– por aproximações sucessivas – tentam
compreender o que a escrita representa e como. Neste processo de aquisição, [...] não
interpretam a escrita como simples reflexo da oralidade, nem tampouco compreendem
as relações oralidade-escrita de maneira “natural”, por simples demonstração de um
adulto que lhe explicite ou exercite.

O processo de aquisição não pode ser entendido como uma passagem direta do oral ao
escrito, mas como um complexo processo de reconstrução de um domínio a outro;
reconstrução vinculada com o nível de aquisição do sistema de escrita nas crianças a
partir dos problemas que a mesma escrita lhes apresenta. (Ferreiro e Teberosky, 1979;
Ferreiro, 2004 a, 2007 i; Pontecorvo, 2002; Vernon, 1991).

Para saber mais

Ferreiro, Emília Reflexões sobre alfabetização. São Paulo: Cortez, 1993.


Guia de estudo par a o horário de trabalho coletivo P 129 Alfabetizar e AVALIA Texto 16.
Módulo 1, bloco 6. PROFA.Brasília: MEC / SEF, 2001 pp. 129/131.

Propostas de avaliação diagnóstica leitura e escrita”. Formar/Leman, Avisalá 2020.

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