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CONTRATOS MERCANTIS

FERNANDO NETTO BOITEUX

CONTRATOS MERCANTIS

[[D~ICA[f
São Paulo- 2001
© by Fernando Netto Boiteux

II~TICAII é marca registrada de


Oliveira Rocha- Comércio e Serviços Ltda.

Todos os direitos desta edição reservados


Oliveira Rocha - Comércio e Serviços Ltda.
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CEP 04021-000 - São Paulo- SP
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ISBN nº 85-7500-032-2

Na capa, reproduz-se, em destaque,


obra de Marola Omartem.

Projeto (miolo}/Editoração Eletrônica


Mars

Fotolito da Capa
Duble Express

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP}


(Câmara Brasileira do livro, SP, Brasil)

Boiteux, Fernando Netto


Contratos mercantis I Fernando Netto Boiteux.
São Paulo : Dialética, 2001.

1. Contratos- Brasil 2. Contratos-


Formulários- Brasil 3. Direito comercial - Brasil
4. Direito comercial- Legislação- Brasil I.
Título.

CDU-34 7.7 4(81 }(083.2}


01-2996 -347.74(81}

Índices para catálogo sistemático:


1. Brasil : Contratos comerciais : Modelos:
Direito comercial 347.7 4(81 }(083.2}
2. Brasil : Contratos mercantis : Direito
comercial 347.74(81}
Sumário

Introdução......................................................................................... 7

I. Características Gerais e Forma dos Contratos Mercantis ...... ....... 9

2. Evolução do Contrato................................................................... 21

3. Principais Modalidades de Contratação ....................................... 26

4. Uniformização Internacional dos Contratos................................. 32

5. A Formação dos Contratos: o Silêncio na Formação do Contrato;


o Contrato por Correspondência; Contratos Celebrados por meio de
Computador...................................................................................... 37

6. A Formação dos Contratos: Oferta ao Público e Declaração Uni-


lateral de Vontade .............................................................................. 44

7. A Formação dos Contratos: Contrato-Tipo e Adesão Contratual. 51

8. Interpretação e Prova dos Contratos.............................................. 57

9. Prescrição e Decadência............................................................... 63

1O. Compra e Venda Mercantil: Características e Elementos Essen-


ciais................................................................................................... 67

11. Compra e Venda Mercantil. Obrigação do Vendedor. A Tradição


da Coisa e a Responsabilidade pelos Vícios Ocultos e pela Evicção 74

12. Compra e Venda Mercantil. Obrigações do Comprador. Paga-


mento do Preço e Recebimento da Coisa. Cláusulas Especiais Rela-
tivas ao Transporte da Coisa............................................................. 80

13. Compra e Venda Mercantil. Modalidades Específicas. Contrato


de Fornecimento. Venda Pública ...................................................... 82

14. Compra e Venda Mercantil. Inadimplemento Contratual........... 88

15. A Consignação ou Contrato Estimatório .................................... 92


16. Concessão de Venda com Exclusividade .. .... ... ... .. ... .. .. .... .. .. .. ..... 99

17. Locação Comercial ..... ... .. .... .... .. ... .. ..... ... .. .. ... ...... .. ........ ....... ...... I 07

18. Shopping Centn· ......................................................................... 116

19. Arrendamento Mercantil (Leasing) ............................................ 120

20. Transporte de Coisa. Elementos. Direitos e Obrigações do Reme-


tente, do Transportador e do Consignatário. Transporte Cumulativo 143

21. Transporte de Passageiros........................................................... 157

22. Depósito. Obrigações do Depositante e do Depositário. Os Ar-


mazéns Gerais................................................................................... 161

23. Seguro. Natureza e Elementos. Os Riscos. O Prêmio. O Co-Se-


guro e o Resseguro. O Sinistro e a Indenização. Modalidades Espe-
cíficas................................................................................................ 173

24. Penhor Mercantil. Modalidades Específicas .............................. 183

25. Alienação Fiduciária em Garantia .............................................. 192

26. Mandato Mercantil ........... ....... .. ... ..... ....... .. ... .. ............... .. .......... 204

27. Gestão de Negócios.................................................................... 211

28. A Representação Comercial Autônoma...................................... 213

29. Comissão Mercantil.................................................................... 225

30. Faturização (Factoring) .............................................................. 230

31. Franquia Empresarial (Franchising) ........................................... 238

32. O Contrato de Engenharia (Engineering) e a Empreitada Mer-


cantil ................................................................................................. 247

Índice Sistemático ............................................................................ 251

Bibliografia....................................................................................... 263
Introdução

Este livro segue o programa de direito comercial adotado em


nossas faculdades e analisa os contratos celebrados pelo empresário
no exercício de sua atividade: na formação de seu estabelecimento e
na distribuição de seus produtos.
Para isso analisa a legislação em vigor, à luz da doutrina e em
confronto com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, e, à
falta desta, de outros tribunais.
As referências ao Código de Defesa do Consumidor, ao Proje-
to do Código Civil e ao direito comparado foram utilizadas apenas
nos casos em que as questões que desafiam o intérprete não foram
ainda examinadas pelos nossos doutrinadores, para buscar a solução
para interpretações contraditórias ou para assinalar tendências nas
questões mais recentes.
A bibliografia complementar vem indicada nas notas de roda-
pé, com a finalidade de facilitar a localização do tema de interesse
do leitor. Ela se destina tanto aos estudantes como aos profissionais
e remete tanto aos livros quanto aos artigos doutrinários publicados
nas principais revistas jurídicas.
O livro se inicia com uma parte geral, na qual são examinadas
as distinções entre os contratos civis e mercantis, seguindo em dire-
ção ao estudo da evolução do contrato, das novas modalidades de
contratação, da uniformização internacional dos contratos, das vá-
rias questões suscitadas na etapa de formação dos contratos e na sua
interpretação. Analisa a prescrição mercantil, na sua especificidade.
Na parte especial são examinados os contratos em espécie: a
compra e venda mercantil e suas diversas modalidades, bem como o
possível inadimplemento de quaisquer das partes; a consignação, ou
contrato estimatório; a concessão de venda com exclusividade; a lo-
cação comercial; a locação no shopping center; o arrendamento mer-
cantil (leasing); o transporte; o depósito; o seguro; o penhor mercan-
til; a alienação fiduciária em garantia; o mandato mercantil e ages-
8 CONTRATOS MERCANTIS

tão de negócios; a representação comercial autônoma; a comissão


mercantil, a faturização, ou factoring; a franquia comercial, oufran-
chising, e o contrato de engenharia, ou engineering.
Dado que os nossos tribunais têm revelado a tendência de ir
além da forma, examinando o conteúdo das relações contratuais para
determinar o alcance da tributação, examinamos algumas questões
tributárias mais freqüentes.
Por último, mas não menos importante, gostaria de agradecer
à Elza, por tudo.
9

1. Características Gerais e Forma dos


Contratos Mercantis

A parte do direito civil mais próxima do direito comercial é o


direito das obrigações, com uma diferença determinante: o direito ci-
vil cuida sempre de atos isolados, enquanto o direito comercial tem
por objeto uma atividade.
Relativamente aos contratos e obrigações contraídas no curso
de uma atividade empresarial, a regulação de base está no Código
Civil, atuando as normas do Código Comercial como alterações e
restrições para os casos especificados (Código Comercial, arti-
go 121), salvo em matéria de sociedades mercantis, na qual o recur-
so às normas do direito civil só é possível na falta de lei ou de costu-
me mercantil, ainda que não invocado expressamente pela lei comer-
cial (Código Comercial, artigo 291).

1.1. Interesse Atual da Distinção entre Direito Civil e


Comercial
Nem toda atividade empresarial (produção e distribuição or-
ganizada de bens, ou prestação de serviços no mercado, com intuito
lucrativo) é considerada em lei como mercantil 1•
Consta do artigo 4° do Código Comercial que ninguém é re-
putado comerciante sem que faça da mercancia profissão habitual.
Portanto, o Código, nessa passagem, não discrimina os atos que qua-
lificam o comerciante, referindo-se ao exercício de uma atividade
comercial.
Como à época da edição do Código Comercial havia no Bra-
sil uma dualidade de jurisdição, sendo as causas comerciais decidi-
das pelos Tribunais do Comércio e as demais pelo Juízo cível, o le-
gislador processual, buscando facilitar a sua interpretação, sentiu a
necessidade de especificar o que seriam os atos sujeitos a jurisdição
especial. Editou, assim, o Regulamento no 737, de 1859, lei proces-
sual que regulava o processo aplicável aos tribunais comerciais e
enumerava os chamados "atos de comércio", seguindo a matriz do
direito francês.
1
Fernando Netto Boiteux, "A Cofins e os chamados imóveis 'próprios", Revista Dia-
lética de Direito Tributário, no 52, p. 71.
10 CONTRATOS MERCANTIS

A utilidade dessa distinção foi efêmera, pois, quinze anos


após, a Lei no 2.662, de 9 de outubro de 1875, suprimiu os Tribunais
do Comércio, transferindo o julgamento das causas comerciais para
os juízes de Direito, continuando, no entanto, o Regulamento no 737
em vigor até 1930, como estatuto processuaF.
A crítica de nossos maiores comercialistas a essa enumeração
- que não está presente no próprio Código - foi rigorosa, pois a no-
ção de mercancia é mais abrangente que a noção de atos de comér-
cio, como já assinalava Carvalho de Mendonça, criticando a inclu-
são da expressão "atos de comércio" no artigo 19 do Regulamento
no 737, chamando o seu emprego de "incorreto" por ser por demais
restrito 3 .
Waldemar Ferreira também criticou o uso da expressão "atos
de comércio" por outro motivo, esclarecendo que não trata o Códi-
go apenas de atos de comércio, mas sim de "empresas, universalida-
des de fato, ou estabelecimentos mercantis ou industriais" 4 .
Hoje, Fábio Comparato, aproximando-se do pensamento de
Ascarelli e reafirmando a crítica de Carvalho de Mendonça, demons-
tra que o conceito de mercancia se equipara ao conceito de ativida-
de comercial, e não ao de atos de comércio 5 .
Inexplicável, portanto, permanecer por um século a tendência
de uma parte de nossos escritores de buscar no Regulamento no 737,
lei processual revogada, bem como no antigo direito francês, a inter-
pretação do Código Comercial - sabendo-se que essa interpretação,
desde aquele tempo, já era rejeitada pela nossa melhor doutrina-, em
vez de interpretar o Código do século passado em consonância com
os dias de hoje, em nosso país e no direito comparado.

Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 1960, v. I, p.


118.
1 J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 7' ed., Rio de
Janeiro, Freitas Bastos, 1963, v. I, item 312, p. 451 e 452, cuja crítica merece ser
transcrita (ob. cit., item 301, p. 442): "O Regul. 737, de 1850, também não se ocu-
pou, especial e diretamente, de atos de comércio; nem este assunto se conciliaria com
o seu objeto que, conforme a sua ementa, era determinar a ordem do Juízo no pro-
cesso comercial" (grifas no original).
' Waldcmar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., v. 1, item 97, p. 246.
5 Fábio Konder Comparato, "A cessão de controle acionário é negócio mercantil?",
Novos ensaios e pareceres de direito empresarial. Rio de Janeiro, Forense, 1981, p.
245 e segs.
FERNANDO NETIO BOITEUX 11

1.2. A Comercialidade dos Contratos e Obrigações


O Código Comercial, nos artigos 191 a 220, não define o que
seja o contrato de compra e venda mercantil, trazendo apenas prin-
cípios essenciais ao seu aperfeiçoamento. Nem, por extensão, distin-
gue o que sejam contratos civis e mercantis. Transcrevemos o Códi-
go Comercial, art. 191, segunda parte:
"É unicamente, considerada mercantil a compra e venda de
efeitos móveis ou semoventes, para os revender por gros-
so ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados, ou
para alugar o seu uso; compreendendo-se na classe dos pri-
meiros a moeda metálica e o papel-moeda, títulos de fun-
dos públicos, ações de companhias e papéis de crédito co-
merciais, contanto que nas referidas transações o compra-
dor ou o vendedor seja comerciante."
É comercial, sempre, a compra e venda que tem por objeto
coisas móveis, sendo o vendedor ou o comprador uma empresa mer-
cantil, com a finalidade de revenda. Fábio Comparato, citando Vivan-
te, ensina que 6 :
"a intenção de revender pode ser reconhecível pela quanti-
dade e qualidade das mercadorias, pela expressa declaração
dos contraentes, pelo modo de pagamento, pela profissão
comercial do comprador, pelas anteriores relações de negó-
cio, pela forma do contrato, pelo lugar em que o negócio é
concluído ou deve ser feita a entrega das mercadorias.
Quando a intenção de revender emerge das circunstâncias
contratuais que todas as partes podem perceber, a compra
não perde o caráter comercial, somente porque, no caso, o
vendedor não as percebeu".
No entanto, mesmo os autores que negam a possibilidade de
negócios imobiliários sujeitos ao direito comercial, como Eunápio
Borges, reconhecem que 7 :
"sob o ponto de vista estritamente econômico, constitui ato
de comércio qualquer mediação especulativa, seja sobre
móveis seja sobre imóveis".
6
Fábio Konder Comparato, "A Cessão de Controle Acionário é Negócio Mercantil?",
cit., p. 256.
7
João Eunápio Borges, Curso de direito comercial terrestre, 1• ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1959, p. 185.
12 CoNTRATos MERCANTIS

O óbice que encontrava o saudoso mestre em admitir esse en-


tendimento em nosso direito positivo estava no Regulamento no 737
de 1850, cuja revogação- nas suas palavras- era "urgente". Como o
referido Regulamento foi revogado na década de 1930 fica afastado
esse óbice à interpretação que adotamos.
Por outro lado, ao longo do tempo, sucessivas leis vieram a
ampliar as categorias de pessoas que se consideram praticantes da
mercancia; desta forma, é à luz dessas leis que deve ser interpretado
o artigo 4° do Código Comercial, incorporando a ele outras ativida-
des que, à época de sua edição, no século passado, eram considera-
das civis.
Nada a estranhar, tendo em vista que o mesmo ocorreu em
diversos países, como na França e na Itália, duas matrizes do nosso
direito comercial, sendo que esta considera, hoje, todas as atividades
exercidas de forma empresarial como sujeitas ao direito comercial.
Na França, desde o século passado a jurisprudência vem con-
siderando as atividades de construção como comerciais, não restan-
do hoje qualquer dúvida naquele país sobre esse entendimentox, ain-
da que essa evolução tenha passado desapercebida em grande parte
de nosso país.
Na Itália, desde o Código Comercial de 1882 as vendas de
imóveis feitas no contexto de uma atividade empresarial são regula-
das por este ramo do direito 9 . No Código Civil em vigor a noção de
empresário não faz distinção entre a comercialização de bens móveis
ou imóveis, como se vê no artigo 2.082:
"2.082: lmprenditore. - E imprenditore (2086) chi esercita
professionalmente una attività economica organizzata ai
fine della produzione o deilo scambio di beni o di servizi
( ... )".
Em nosso direito, leis especiais vieram a modificar o caráter
civil de algumas atividades imobiliárias, especialmente as de cons-
trução civil e de incorporação imobiliária, que passaram a ser consi-
deradas comerciais. Portanto, essa legislação vigente é o direito po-
8 Como atesta René Roblot, no Traité élémentaire de droit commercial de Georges
Ripert, 12• ed., tomo I, Paris, LGDJ, 1986, item 158, p. 112, que registra os primei-
ros precedentes ainda no século passado, em 1869.
9 Nesse sentido Fábio Konder Comparato, "As empreitadas de construção imobiliária
e o art. 138 do Código Comercial", Direito empresarial: estudos e pareceres, São
Paulo, Saraiva, 1990, p. 426 e segs.
FERNANDO NETIO BOITEUX 13

sitivo a ser aplicado na resposta à questão sobre a comercial idade das


operações imobiliárias, não o Regulamento no 737.

1.2.1. A construção civil


A construção civil para revenda posterior dos bens tem todas
as características de atividade empresarial, ou seja, é uma atividade
econômica, na medida em que cria riqueza; é dirigida à produção ou
à troca; e tem por objeto bens ou serviços 10 , em nada diferindo, em
sua essência, das demais atividades comerciais.
A Lei no 4.068, de 9 de junho de 1962, artigo 1°, declarou co-
merciais as empresas de construção. A partir dessa lei, portanto, a
construção civil passa a ser considerada mercancia, e os imóveis
construídos, quando destinados à alienação, mercadorias. Em conse-
qüência, o artigo 191 do Código Comercial, que considerava "unica-
mente mercantil" a compra e venda de móveis ou semoventes, ficou
parcial e tacitamente revogado, de forma a tomar-se compatível com
as leis novas.
A revogação do artigo 191, no caso, só se aplica à expressão
"unicamente" para permitir a inclusão dessa categoria e de outras que
venham a ser criadas pelo legislador.
Por outro lado, a Lei no 4.068/62, acima referida, veio a ser ex-
pressamente revogada pela Lei no 5.474/68 (Lei de duplicatas), mas
esta revogação não produziu conseqüências sobre a interpretação do
artigo 191 do Código Comercial, pois o nosso direito não conhece
efeito repristinatório, seja a revogação expressa ou tácita.
Além disso, também na década de 60, a Lei no 4.591164 (Lei
de Condomínios e Incorporações) criou uma nova categoria de co-
merciantes, as incorporadoras de imóveis. Ao fazê-lo, teria amplia-
do a categoria dos comerciantes, revogando a expressão "unicamen-
te" do artigo 191 do Código Comercial, se ela ainda estivesse em
vigor.
A partir dessa legislação não resta, portanto, nenhum argu-
mento que nos permita restringir a interpretação dos artigos 4° e 191
do Código Comercial à enumeração do Regulamento no 737: seja por
revogação deste; seja pela superveniência de legislação posterior
com ele incompatível; seja pelo desaparecimento das razões históri-
10 Tullio Ascarelli, Iniciación al estudio del derecho mercantil, Barcelona, Bosch, 1964,
p. 151 e segs.
14 CoNTRATos MERCANTIS

cas que lhe deram origem, inclusive pela modificação do direito es-
trangeiro que era sua matriz.

1.2.2. A incorporação imobiliária


A incorporação de imóveis foi considerada mercantil, em vir-
tude dos artigos 28 c/c os artigos 29 e 43, inciso II, da Lei no 4.591,
de 16 de dezembro de 1964, prevendo o artigo 43, inciso III, a falên-
cia do incorporador, seja ele pessoa física ou jurídica. Transcreve-
mos:
"Art. 28- ...
Parágrafo único. Para efeito desta Lei, considera-se incor-
poração imobiliária a atividade exercida com o intuito de
promover e realizar a construção, para alienação total ou
parcial, de edificações, ou conjunto de edificações compos-
tas de unidades autônomas (Vetado).
Art. 29 - Considera-se incorporador a pessoa física ou ju-
rídica, comerciante ou não, que, embora não efetuando a
construção, compromisse ou efetive a venda de frações
ideais de terreno objetivando a vinculação de tais frações
a unidades autônomas (Vetado), em edificações a serem
construídas ou em construção sob regime condominial, ou
que meramente aceita propostas para efetivação de tais
transações, coordenando e levando a termo a incorporação
e responsabilizando-se, conforme o caso, pela entrega, a
certo prazo, preço e determinadas condições, das obras
concluídas.
Parágrafo único ...."
O mesmo entendimento se deduz de Rubens Requião 11, bem
como é afirmado por J. A. Penalva Santos 12 •
Como na atividade do incorporador estão presentes todas as
características da atividade comercial, descritas acima, e a ela tam-
bém se aplica o regime da falência, a incorporação é atividade co-
mercial, para todos os efeitos.
A citada ressalva do artigo 29, caput, da Lei no 4.591, citada,
com o uso da expressão "comercian.te ou não", significa apenas que
11 Rubens Requião, Curso de direiwfalimenta/; 9' ed., São Paulo, Saraiva. 1984, p. 54.
12 J. A. Penalva Santos, Direito comercial- estudos, Rio de Janeiro, Forense, 1991, p.
276 e segs.
FERNANDO NEnO BOITEUX 15

tendo o incorporador, ou não, a qualidade de comerciante antes de


realizar a incorporação, a partir daí ele passará a tê-la. A interpreta-
ção que sugere uma sociedade civil sujeita à falência conduz ao ab-
surdo e deve ser rejeitada, pois pretende a aplicação de dois regimes
distintos e incompatíveis a um só tempo e a um mesmo fato.

1.2.3. O imóvel como mercadoria na legislação comercial em vigor


Menos explicável, ainda, é a interpretação restritiva da noção
de mercadoria. O artigo 191 do Código Comercial não diz que a
mercadoria vendida tenha que ser a mesma que foi adquirida. O
empresário pode comprar tijolo e vender casa construída, que, ainda
assim, nesta operação caracteriza-se a intermediação.
Este é o conceito de mercadoria que sempre esteve presente
em nossa legislação e doutrina, desde o Regulamento no 737, pois
este considerava as fábricas comerciantes e os bens que elas produ-
zem, quando destinados à venda, mercadorias, como explica Carva-
lho de Mendonça 13 • O argumento da ausência de intermediação não
serve, portanto, à tese de que o imóvel construído não é mercadoria.
Evidentemente, alterado que foi o conceito de comerciante
pelas leis especiais, de forma a abranger também algumas atividades
imobiliárias, fica certo que os bens comercializados por essas empre-
sas passaram a ser mercadorias, à luz das mesmas leis.
Em resumo, são consideradas civis as seguintes atividades:
a) as desenvolvidas por cooperativas, em razão de lei 14 ;
b) as atividades imobiliárias (compra e venda de imóveis,
loteamento e urbanização, administração imobiliária);
c) as atividades agropecuárias (incluindo florestamento,
silvicultura e piscicultura; mas não as empresas madeirei-
ras nem as de pesca);
d) as profissões liberais, como tais entendidas as que se
exercem autonomamente, com base em diploma de curso
supenor.
13
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, citado, vol. V,
Livro III, parte I, item 5, p. 10, verbis: "A coisa, enquanto se acha na disponibilida-
de do industrial, que a produz, chama-se produto, manufato ou artefato; passa a ser
mercadoria logo que é objeto de comércio do produtor ou do comerciante ( ... )".
14
Lei no 5.764, de 16 de dezembro de 1971, artigo 4°: "As cooperativas são socieda-
des de pessoas, com forma e natureza jurídica próprias de sociedade civil, não su-
jeitas à falência, constituídas para prestar serviços aos associados( ... )".
16 CONTRATOS MERCANTIS

Quanto às profissões liberais, a sua exclusão do âmbito da


comercialidade só deveria fazer-se quando a prestação de serviços
se funda numa relação de confiança pessoal entre o profissional e o
cliente; não nas hipóteses em que os serviços são despersonalizados,
quando o cliente procura uma sociedade renomada, sem conhecer o
profissional que irá atendê-lo. Mas essa distinção ainda não foi re-
conhecida no direito brasileiro.
Assim podemos afirmar, em resumo, serem mercantis as se-
guintes atividades:
a) as desenvolvidas por sociedade anônima, qualquer que
seja o seu objeto, em razão de dispositivo expresso da Lei
de Sociedades por Ações 15 ;
b) as industriais ("manufatura de bens" e "empresas de fá-
bricas");
c) as de distribuição de bens móveis, ou seja, o comércio
no sentido estrito ("a compra e venda ou troca de efeitos
móveis ou semoventes, para os vender por grosso ou are-
talho");
d) a prestação de serviços em geral (as empresas de loca-
ção de bens) e de corretagem ("as empresas de comissões,
de depósito, de expedição, consignação e transporte de
mercadorias, de espetáculos públicos"; "a armação e expe-
dição de navios");
e) as atividades bancárias em geral;
f) a atividade seguradora em geral (embora o § 4° do Re-
gulamento no 737 só se refira aos seguros marítimos);
g) a atividade de mineração;
h) as atividades de construção de imóveis e de engenharia
civil;
i) a incorporação de imóveis.
Como se vê, a delimitação do campo próprio do direito comer-
cial funda-se em razões históricas e não lógicas. Logicamente, com
fundamento na identidade de natureza e de princípios, o direito co-
mercial deveria ter por objeto todas as atividades empresariais, sem
exceção 16 •
15 Lei no 6.404, de 1976, artigo 2°. § I 0 .
16 Como ensina Tullio Ascarelli, Origem e evolução histórica do direito comercial, tra-
dução de Fábio Konder Comparato: "O direito, e portanto também o direito comer-
FERNANDO NETIO BOITEUX 17

O nosso direito deu um passo na década passada, ainda que


tímido, no sentido do reconhecimento da unidade das atividades de
cunho empresarial ao determinar um registro único empresarial que
se aplica às sociedades comerciais; a algumas sociedades civis
(como as cooperativas, por exemplo); e a alguns entes sem persona-
lidade jurídica, como os consórcios e os grupos de sociedades pre-
vistos na Lei de Sociedades por Ações. Este registro se encontra a
cargo das Juntas Comerciais 17 •

1.3. Forma dos Contratos Mercantis


O direito comercial é conhecido pela sua informalidade, pela
característica de dispensar as solenidades que acompanham muitos
dos atos da vida civil. Isto porque a rapidez característica das nego-
ciações entre comerciantes não se coaduna com a necessidade de atos
solenes.
Assim, em princípio a forma é livre para os contratos em ge-
ral, sendo exceção os casos em que a lei exige formas e solenidades
especiais para sua eficácia (artigos 124 e 126 do Código Comer-
cial). Por exemplo, no contrato de sociedade (artigo 300 do Código
Comercial), nenhuma prova testemunhal será admitida contra e além
do conteúdo no instrumento do contrato social.
É relevante notar que, com a progressiva importância das ne-
gociações massificadas, cresce, também, a necessidade do uso de
contratos padronizados e de uma certa solenidade nas negociações,
a fim de que se possa determinar com segurança a responsabilidade
dos contratantes e das próprias Bolsas pelos negócios nela realizados.
Assim, tanto a negociação de ações em Bolsas de Valores,
quanto a negociação de mercadorias na Bolsa de Mercadorias & Fu-
turos - BM&F são realizadas em lotes padronizados e as próprias
Bolsas são responsáveis pelas operações nelas realizadas.
cial, não pode ser compreendido fora da história e a sua especialidade não pode ser
posta em relação com exigências técnicas imutáveis, mas com o desenvolvimento
histórico da nossa experiência jurídica, que vem gradativamente afirmando - por isso
primeiramente em campos determinados - novos princípios, depois suscetíveis de
aplicações mais gerais, justamente porque o direito não obedece no seu desenvolvi-
mento a pré-ordenadas simetrias sistemáticas, mas à necessidade e à consciência dos
homens, cujas relações regula, no ordenamento da convivência social".
17
Lei no 8.934, de 18 de novembro de 1994 (dispõe sobre o registro público de empre-
sas mercantis e atividades afins e dá outras providências), regulamentada pelo De-
creto no 1.800, de 30 de janeiro de 1996.
18 CONTRATOS MERCANTIS

Tomemos como exemplo dessa padronização a negociação de


boi gordo na BM&F. A Bolsa publica, inclusive pela Internet, um
modelo de contrato denominado "Especificações do Contrato Futu-
ro de Boi Gordo Denominado em Reais", no qual está especificado
o objeto da negociação: "boi gordo acabado para abate" 18 • O tipo, o
peso e a idade máxima do animal admitido para negociação estão
nele descritos. A denominada "unidade de negociação", e as normas
complementares a que ele deve atender, também. Transcrevemos as
principais cláusulas do contrato:
"1. Objeto de negociação
Boi gordo acabado para abate.
Tipo: bovinos machos, castrados, bem acabados (carcaça
convexa), em pasto ou confinamento.
Peso: vivo individual entre o mínimo de 450 quilos e o má-
ximo de 550 quilos, verificado na balança do local de en-
trega.
Idade máxima: 42 meses.

5. Unidade de negociação
330 arrobas líquidas.

18. Normas complementares


Fazem parte integrante deste contrato o Anexo I e, no que
couber, a legislação em vigor, as normas e os procedimen-
tos da BM&F, definidos em seus Estatutos Sociais, Regu-
lamento de Operações e Ofícios Circulares, bem como nor-
mas específicas das autoridades governamentais que pos-
sam afetar os termos do mesmo.
Última Atualização: Ofício Circular 116/2000-DG, de
06.09 .2000."

1.4. Questões Tributárias


Vem sendo amplamente discutida no Judiciário a tributação da
Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social - Cofins
sobre operações com imóveis, especialmente sobre os denominados

18 Arquivo capturado no site da Bolsa de Mercadorias & Futuros, www.bmf.com.br ,


em 20 de junho de 200 I.
FERNANDO NETIO BOITEUX 79

imóveis "próprios", que seriam aqueles construídos pelo próprio in-


corporador.
Conforme expusemos acima, consideramos as operações rea-
lizadas com imóveis como comerciais; portanto, os imóveis, nesse
sentido, são "mercadorias", incidindo sobre essas operações a Co-
fins, na forma da Lei Complementar no 70/91, artigo 2° 19 •
A tese não é pacífica, mas a jurisprudência do Superior Tribu-
nal de Justiça, ainda que não tenha abordado especificamente a tese
da tributação dos chamados imóveis "próprios", já deixa entrever a
sua admissibilidade, como se deduz das decisões abaixo transcritas.
O Recurso Especial no 207 .818/PE tem o seguinte voto con-
dutor20:
"Certo é que, em se tratando de incidência da Cofins sobre
transações com imóveis, há de se estabelecer a sua incidên-
cia quando os referidos bens são comercializados por em-
presas porque representam mercadorias componentes do
seu ativo patrimonial".
O Recurso Especial no 168.627/PR reconhece que "as empre-
sas imobiliárias e outras da mesma natureza, que operam com imó-
veis com o fim especulativo" vendem mercadorias e devem recolher
a Cofins 21 •
O Recurso Especial no 112.122/PR, Relator Ministro Garcia
Vieira, tem o seguinte voto condutor22 :
"( ... )as atividades desenvolvidas pela recorrente, de cons-
truir e alienar, comprar, alugar, vender imóveis e interme-
diar negócios imobiliários, estão sujeitas ao Cofins, porque
caracterizam a compra e venda de mercadorias, em senti-
do amplo, como o empregou o legislador( ... )."
19
Para uma exposição mais abrangente veja-se Fernando Netto Boiteux, "A Cofins e
os chamados imóveis 'próprios'"', Revista Dialética de Direito Tributário. no 52, p.
71.
20
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 207.818/PE (99/0022455-8), Re-
lator Ministro José Delgado, publicado no Diário da Justiça de 1°.07.1999. O intei-
ro teor deste acórdão e dos demais citados neste livro sem referência aos locais de
publicação, bem como as datas de suas publicações, foram capturados na Internet,
no site do Superior Tribunal de Justiça, http://www.s0.gov.br .
21
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 168.627/PR (98.0021300-7), Re-
lator Milton Luiz Pereira. publicado no Diário da Justiça de 17.08.1998.
22
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 112.122/PR (96.0068787-0), Re-
lator Ministro Garcia Vieira, publicado no Diário da Justiça de 05.10.1998.
20 CoNTRATOS MERCANTIS

No mesmo sentido o Recurso Especial no 203.318/RS 23 .

1.5. Temas para Estudos Complementares


Os temas para estudos complementares destinam-se a indicar
um caminho para o estudo de questões recentes, que vem despertan-
do o interesse dos doutrinadores ou da jurisprudência, sem que se
tenha, ainda, uma posição consolidada sobre o assunto. Por esse
motivo, também não comportam uma resposta única, admitindo en-
tendimentos divergentes e fundamentados. Na maioria das vezes irão
representar pontos de intercessão entre diversos ramos do direito,
como, por exemplo, o direito civil, o comercial e o do consumidor.
Com esse espírito, podem servir para trabalhos em sala de aula,
como questões para seminários ou como mais um caminho para a
complementação dos estudos de direito comercial.
Exemplificando, o primeiro dos temas abaixo requer a discus-
são da qualificação dos contratos civis, mercantis e aqueles regidos
pelo direito do consumidor, valendo ressaltar que as regras sobre
vencimento, mora, vícios do produto e outros levarão a entendimen-
to radicalmente diferente conforme os contratos examinados perten-
çam a um ou outro ramo do direito.
O segundo tema, que vem sendo discutido pela jurisprudência,
revela interessante caso que tem conseqüências exatamente opostas
conforme o ramo do direito que lhe seja aplicável: se for regido pelo
direito civil, estará absolutamente vedada a venda de ascendente a
descendente; se for regido pelo direito comercial a mesma operação
será absolutamente válida, visto que sobre ela não incidirá qualquer
restrição.
Os primeiros temas propostos são:
I. Distinguir os contratos regidos pelo direito civil, pelo direi-
to comercial e pelo direito do consumidor.
2. Transferência de quotas de sociedade comercial de ascen-
dente a descendente: aplica-se a restrição prevista no artigo 1.132 do
Código Civil?

23 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 203.318/RS (99/00 I 0070-0), Re-


lator Ministro Demócrito Reinaldo, publicado no Diário da Justiça de 28.06.1999.
Foram interpostos embargos de divergência ao acórdão, que tomaram o no EREsp
203.318, pendentes de julgamento nesta data.
21

2. Evolução do Contrato

Contrato é conceito jurídico, mas para conhecê-lo verdadeira-


mente é necessário considerar a realidade econômico-social da qual
ele representa a tradução 24 . Por esta razão é essencial examinarmos
as diversas teorias que, ao longo do tempo, presidiram a sua elabo-
ração.

2.1. Teoria Clássica


Segundo a doutrina clássica o contrato era sempre justo, pois
o legislador se limitava a reconhecer a igualdade formal dos contra-
tantes, supondo que todos contavam com o mesmo poder. Desta for-
ma, a liberdade de contratar só estava limitada por considerações de
ordem pública e pelos bons costumes 25 .
Numa perspectiva mais ampla, este entendimento decorre da
visão do homem em uma perspectiva individualista, que concebia o
"indivíduo como sendo essencialmente o proprietário de sua própria
pessoa e de suas próprias capacidades, nada devendo à sociedade por
elas". Assim, o indivíduo não era visto como parte de um todo social,
mas, isoladamente, como proprietário de si mesmo 26 , razão pela qual,
se era capaz, o contrato que celebrava era justo.
A vontade do empregado e a do empregador, por exemplo,
desde que ambos fossem capazes, tinha a mesma força vinculante
para o legislador do início do nosso século, pois a desigualdade de
poder econômico entre as partes não era considerada por ele. Pores-
ta razão o Código Civil regulava o contrato de trabalho como uma
modalidade de locação de serviços, apenas, sem nenhuma proteção
especial ao trabalhador, que só veio a surgir, em nosso direito, na dé-
cada de quarenta.
Quanto ao conceito de "bons costumes" a expressão tem ori-
gem no direito romano, que não definia a imoralidade, apenas se re-
feria à violação dos bani mores, algo exterior. Por si, eles não pres-

24
Enzo Roppo, O contrato, Coimbra, Almedina, 1988, capítulo I.
25
Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 31.
26
C.B. Macpherson, A teoria política do individualismo possessivo de Hobbes até
Locke, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1979, p. 15.
22 CONTRATOS MERCANTIS

crevem o teor do comportamento a assumir 27 . São normas morais,


portanto.
Em resumo, para a doutrina clássica o contrato é uma entida-
de abstrata, isolada do contexto econômico e político, manifestando-
se acentuada preocupação com o aspecto técnico-jurídico.

2.2. Teorias Modernas


As teorias modernas sobre o contrato estão baseadas na fun-
ção econômica e social do contrato (preocupação com fato econômi-
co e social subjacente e conseqüências). Assim, o contrato, centro das
atividades negociais e instrumento jurídico fundamental no relacio-
namento humano, não mais atua como instrumento da vontade indi-
vidual, mas visa a atender interesses gerais.
As restrições à autonomia da vontade e à liberdade de inicia-
tiva atuam como meio de equilibrar o contrato diante da desigualda-
de econômica dos contratantes, dispondo o Projeto do Código Civil
que "A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites
da função social do contrato" 28 .

2.2.1. Dirigismo contratual


Denomina-se dirigismo contratual a intervenção do Estado na
liberdade contratual, reduzindo a liberdade dos contratantes, como
meio de controle da economia. O Estado passa a dirigir o contrato,
não tanto segundo a vontade comum e provável dos contratantes, mas
visando às necessidades gerais da sociedade29 • Legisla em nome da
ordem pública, cuja noção se alarga e enriquece. A lei deixa de ser a
regra abstrata e permanente para se tornar um regulamento tempo-
rário e detalhado 30 •
27
Antônio Menezes Cordeiro, Da boa fé no direito civil, Coimbra, Almedina, 1984, v.
11, p. 1.210 e segs. Para Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, cit., p. 32, com
apoio na doutrina clássica, "os bons costumes identificam-se com a moral geralmente
observada e representativa das idéias dominantes entre as pessoas honestas", não se
confundindo com o direito positivo, como querem outros autores.
28
Texto Consolidado do Projeto de Lei da Câmara- PLC no 118, de 1994, artigo 420,
mantida a redação do Projeto da Câmara.
29
Desta forma reconhece o legislador "que ao Estado devem ser cometidas tarefas de
realização do bem-estar dos cidadãos em sectores considerados fundamentais, prio-
ritários, vitais, ao mesmo tempo que lhe incumbe intervir nas relações interindivi-
duais de forma a, pelo assegurar de valores mínimos de sã convivência, corrigir as
conseqüências que a situação de real desigualdade dos sujeitos acarreta" (Ana Pra-
ta, A tutela constitucional da autonomia privada, Coimbra, Almedina, 1982, p. 38 e 39).
30
Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, cit., p. 45.
FERNANDO NETIO BOITEUX 23

Exemplo dessa intervenção é a prorrogação legal das locações


que, no caso das locações comerciais, se dá mediante a previsão le-
gal da renovação compulsória do contrato de locação do imóvel onde
o comerciante mantém o seu estabelecimento (ação renovatória).

2.2.2. Contratos obrigatórios


No exemplo acima, da renovação compulsória da locação, o
Estado facultou ao locatário prorrogar compulsoriamente o prazo do
contrato de locação que havia sido livremente contratado com o lo-
cador. Portanto, no momento da formação do contrato a liberdade
contratual se exerceu em sua plenitude.
No caso dos contratos obrigatórios propriamente ditos a liber-
dade de contratar sofre limitações ou restrições desde o momento da
formação do contrato, dado que está presente um dever de contra-
tar31.
A regra geral em nosso direito é a resolução da obrigação não
cumprida em perdas e danos. Todavia, nos casos de promessa nego-
cia! de contratar o Estado intervém para dar execução específica à
promessa realizada livremente.
No caso dos serviços públicos manifesta-se a intervenção do
Estado ao impor o dever de contratar, nos casos em que o ato cons-
titutivo da concessão ou os regulamentos aplicáveis não lhes permi-
tem recusar a celebração do contrato, sem especial causa justificati-
va.
Determinadas profissões, como é o caso dos médicos, são de
"exercício condicionado". Os médicos, por exemplo, têm o dever de
atendimento.
Questiona-se, hoje, a existência, ou não, de um dever de for-
necer bens essenciais à vida das pessoas.

2.2.3. Contratos atípicos


O Código Civil não limita a liberdade contratual aos esquemas
que ele especifica, admitindo ampla liberdade dos contratantes para
regularem seus interesses que podem afastar-se, parcial ou totalmen-
te, dos tipos contratuais. O Projeto do Código CiviJ3 2 , no entanto, no
31
João de Matos Antunes Varei a, Das obrigações em geral, 5' ed. rev. e atual., Coim-
bra, Almedina, 1986, v. I, p. 236 e segs.
32
Texto Consolidado do Projeto de Lei no 118, de 1984, mantida a redação do Projeto
da Câmara.
24 CONTRATOS MERCANTIS

seu artigo 424, trata o tema de maneira mais detalhada e estabelece


normas gerais, possibilitando expressamente novas figuras negociais,
esquemas abstratos aos quais devem adaptar-se esquemas específi-
cos de cada contrato, com a seguinte redação:
"Art. 424. É lícito às partes estipular contratos atípicos, ob-
servadas as normas gerais fixadas neste Código".
A atipicidade contratual pode se colocar em dois planos: ati-
picidade legal e atipicidade social. Temos os contratos legalmente
típicos; os contratos legalmente atípicos mas socialmente típicos e os
contratos legal e socialmente atípicos 33 •
Assim, "para que um contrato seja tido como legalmente típi-
co é necessário que se encontre na lei o modelo completo da disci-
plina típica do contrato"; "para que possa ser tido como socialmente
típico, o contrato tem de ter, na prática ou nos usos, um modelo de
disciplina que seja pelo menos tendencialmente completo" 34 .

2.2.4. Contratos com conteúdo predeterminado


Quando uma pessoa se encontra com necessidade de estabe-
lecer uma série indefinida de relações negociais, homogêneas em seu
conteúdo, com uma série indefinida de contrapartes, predispõe, an-
tecipadamente, um esquema contratual, com cláusulas aplicáveis
indistintamente a todas as relações da série, que são assim sujeitas a
uma mesma regulamentação 35 • Estamos diante dos chamados contra-
tos com conteúdo predeterminado.
A época atual é marcada pela proliferação dos contratos com
conteúdo predeterminado: contratos obrigatórios, contratos por ade-
são (contratos bancários, de seguro etc.) e cláusulas gerais de contra-
tação, por exemplo. Em todos esses casos fica reduzido o espaço re-
servado no direito do século dezenove para a liberdade contratual,
levando alguns autores a questionar a própria permanência da idéia
de liberdade contratual.

2.2.5. Novas figuras contratuais


No exercício da liberdade contratual surgem, a cada dia, no-
vas figuras contratuais para atender às necessidades do comércio,
33 Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, Coimbra, Almedina, 1995, Introdu-
ção, p. I.
34 Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, cit., p. 210 e 211.
35 Enzo Roppo, O contrato, cit., p. 312.
FERNANDO NEnO BOITEUX 25

muitas delas nascidas no estrangeiro e importadas para o nosso di-


reito - nem sempre revelando o cuidado necessário na adaptação de
um sistema de common law para o nosso. Assim encontraremos em
nosso direito os contratos de leasing, factoring, merchandising, cré-
dito documentado (documentário), franchising etc.
Nestes casos vemos serem incorporados ao nosso direito con-
tratos que tinham tipicidade legal em seus países de origem e que
deixam de tê-lo quando transplantados para países de sistema jurí-
dico diverso (de common law para direito legislado, na maioria dos
casos). Por outro lado, passam muitos deles a gozar de tipicidade
social em nosso país, trazendo problemas particulares em sua inter-
pretação. Cada um deles será examinado sob título próprio.

2.3. Temas para Estudos Complementares


Ambos os temas que seguem têm por objetivo questionar
os limites da liberdade contratual: o primeiro questiona se já existe
um dever de contratar, que obrigue ao fornecimento de bens essen-
ciais à vida das pessoas; o segundo, se o Estado pode intervir na li-
berdade contratual para impor esse dever.
1. Existe o dever de fornecer bens essenciais à vida das pes-
soas?
2. O Estado pode intervir no domínio econômico para obrigar
o fornecimento de bens essenciais à vida das pessoas?
26

3. Principais Modalidades de Contratação

3.1. Contratos sobre Documentos


Na elaboração de um contrato de compra e venda, o compra-
dor tem como preocupação imediata o recebimento da mercadoria,
nas especificações contratadas; o vendedor, o recebimento do preço.
Se o contrato é internacional, além das preocupações naturais de-
vemos acrescentar a distância e a diversidade da legislação aplicável
a cada caso.
A busca de garantias válidas no comércio internacional con-
duziu à elaboração do denominado crédito documentário, que se dá,
especialmente, no comércio internacional a curto prazo, em razão da
distância, da diversidade de sistemas jurídicos e das incertezas polí-
ticas que separam os contratantes 36 .
O crédito documentário nasce com o contrato de compra e
venda, no qual estarão descritas as características do bem negociado
ou do serviço prestado, o tempo de entrega, a modalidade de entrega
e as condições de pagamento, bem como influi na sua execução.
Por meio da abertura de crédito documentário, vendedor e
comprador convencionam que a conclusão do pagamento ou do re-
cebimento se fará a partir da retirada e controle de documentos por
meio de um banco, eliminando dessa forma a subjetividade de cada
um deles quanto ao cumprimento da prestação. Como explica Lígia
Maura Costa 37 :
"Na sua forma mais simples, a operação de crédito tem
apenas três personagens: o tomador de crédito, o beneficiá-
rio e o banqueiro. Sem dúvida, é fundamental a substitui-
ção da solvabilidade do comprador pela do banco ofereci-
da pelo mecanismo do crédito documentário.

De fato, o banco é o intermediário em quem comprador e


vendedor 'vão confiar para vencer a desconfiança recípro-
ca'. Assim, é de grande importância atribuir-se ao banquei-
16 Irineu Strenger, Contratos internacionais do comércio, 3' ed. rev. e ampl.. São Pau-
lo, LTr, 1998, p. 441.
17 Lígia Maura Costa. O crédito documentário e as novas regras e usos uniformes da
Câmara de Comércio Internacional, São Paulo, Saraiva, 1994, p. 2.
FERNANDO NETIO BüiTEUX 27

ro o poder de controle dos documentos que comprovam a


entrega da mercadoria. Este papel concedido ao banco de
'mercador de documentos' toma o crédito documentário
um método confiável de pagamento internacional, pois o
pagamento ao devedor só se efetua em troca de documen-
tos conformes às estipulações previstas pelo comprador na
carta de crédito.

É importante ressaltar a autonomia do crédito documentá-


rio em relação ao contrato comercial subjacente. A abstra-
ção do envolvimento do banqueiro numa operação de cré-
dito impede qualquer discussão sobre sua causa. Esta obri-
gação abstrata dá ao beneficiário toda a segurança de que
ele necessita, mas também é necessário proteger o tomador
do crédito. De fato, a abstração do envolvimento do banco
tem limites: os documentos apresentados pelo beneficiário
que comprovarão a boa execução do contrato comercial de
base".

3.2. Contratos Plurilaterais


A característica dos contratos em geral é a presença de duas
partes. O contrato plurilateral, diferentemente, tem como principal
característica a possível participação de mais de duas partes, possi-
bilidade que está excluída nos demais.
O exemplo mais conhecido de contrato plurilateral é o contra-
to de sociedade, no qual podem estar presentes duas, ou mais de duas
partes. Por outro lado, cada uma das partes do contrato de sociedade
pode ser representada por mais de uma pessoa, como no caso de uma
sociedade anônima em que cada ação pertença a dois ou mais con-
dôminos38.
A segunda característica destes contratos é de unificar os in-
teresses contrastantes de cada uma das partes por meio de uma fina-
lidade comum, o objetivo comum dos sócios na realização de uma
finalidade. Calixto Salomão Filho esclarece que, "enquanto a função
dos contratos de permuta é a criação de direitos subjetivos entre as

38
Tullio Ascarelli, Problemas das sociedades anônimas e direilo comparado, São Pau-
lo, Saraiva, 1945, p. 285 e segs.
28 CONTRATOS MERCANTIS

partes, a dos contratos associativos é a criação de uma organiza-


ção"39.
O contrato plurilateral tem uma função instrumental, de reali-
zação de uma determinada finalidade; portanto, ele não termina
quando executadas as obrigações das partes, como ocorre nos con-
tratos sinalagmáticos, mas a execução das prestações das partes se
constitui em condição para a realização da finalidade comum. Por
esta razão, todas as partes gozam de direitos de um mesmo tipo, po-
dendo-se afirmar que a diferenciação entre os direitos de cada uma
das partes é quantitativa, e não, qualitativa. Por exemplo:
a) nos contratos de sociedade os direitos de cada sócio são
de mesma natureza, mas o poder de cada um de intervir na
vida social se mede em função da porcentagem que ele
detém no capital social;
b) nos contratos bilaterais, ao contrário, os direitos são dis-
tintos para cada parte. Na compra e venda, por exemplo,
uma parte tem direito ao recebimento do preço e a outra o
dever de entrega da coisa.
O contrato plurilateral apresenta-se com uma estrutura aber-
ta, na medida em que novas partes podem entrar na sociedade ou al-
gumas partes podem dele sair, a qualquer tempo (ainda que parais-
to se exija uma alteração do contrato social), o que não é possível nos
contratos bilaterais ou sinalagmáticos.
O vício de uma das manifestações que concorreram para a for-
mação do contrato plurilateral também não anula o contrato, mas,
simplesmente, anula aquela manifestação de vontade. Por exemplo,
o consentimento viciado de um sócio menor ou incapaz não anula o
contrato, se existem ao menos duas outras partes capazes. Este prin-
cípio, em nosso direito, está expresso no artigo 153 do Código Ci-
vil, que determina: "A nulidade parcial de um ato não o prejudicará
na parte válida, se esta for separável".

3.3. Contratos Bilaterais com Parte Plúrima


Os contratos bilaterais, melhor dizendo, sinalagmáticos 40 , têm
sempre duas partes, mas cada parte pode ser representada por mais
19 Calixto Salomão Filho, A sociedade unipessoal, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 58.
40
António Menezes Cordeiro, Direito das obrigações, I • ed., Lisboa, Associação Aca-
démica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, vol. I, p. 423.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 29

de uma pessoa. Ocorrendo esta hipótese nos encontraremos na pre-


sença de um contrato bilateral com parte plúrima. Por exemplo, o
contrato de compra e venda no qual existem vários vendedores ou
vários compradores: nele só estão presentes duas partes, mas em
cada parte podem encontrar-se diversas pessoas.

3.4. Contratos a Favor de Terceiro e por Conta de quem


Pertencer
A regra geral é que o contrato só produz efeitos entre as par-
tes, sendo o contrato a favor de terceiro uma exceção. Nesta modali-
dade de contrato as partes atribuem uma vantagem a um terceiro,
estranho à relação contratual, que passa a ter um direito autônomo a
exigir a prestação. Na definição de Antunes Varela41 :
"O contrato a favor de terceiro é o contrato em que um dos
contratantes (promitente) atribui, por conta e à ordem do
outro (promissário), uma vantagem a um terceiro (benefi-
ciário), estranho à relação contratual."
Antunes Varela distingue o contrato a favor de terceiro do con-
trato realizado em nome próprio mas por conta de outrem (represen-
tação indireta ou mandato sem representação), como ocorre com os
corretores em Bolsas de Valores. Os corretores de valores negociam
em nome próprio, assumindo toda a responsabilidade pelo negócio
realizado, mas atendendo à ordem de seus clientes. Esclarece o au-
tor que neste caso:
"( ... ) nenhum direito nasce diretamente do contrato para
terceiro; só numa fase ulterior, em cumprimento da relação
de mandato, o mandante tem direito de exigir do mandatá-
rio (e não do outro interveniente no contrato) a transmis-
são dos direitos e obrigações que advieram deste, mas nes-
sa altura assume toda a posição do contraente (e não ape-
nas a titularidade de um direito derivado do contrato). No
contrato a favor de terceiro, o direito do beneficiário resulta
imediatamente do contrato, pois o promitente fica vincula-
do perante ele à prestação".

41
João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, 5' ed. rev. e atual, Coim-
bra, Almedina, 1986, p. 358. No mesmo sentido, em nosso direito, Orlando Gomes,
Obrigaçües, 23' ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 165.
30 CONTRATOS MERCANTIS

Nosso Código Civil trata dos contratos a favor de terceiro


corno estipulação a favor de terceiro, nos artigos 1.098 e seguintes.
Exemplos de contratos a favor de terceiro são o seguro de vida
e o transporte de objetos para terceiros destinatários.

3.5. Contratos com Pessoa a declarar


A regra de que o contrato só produz efeitos entre as partes tam-
bém sofre exceção, esta ainda mais marcante, nos contratos com pes-
soa a declarar, ou a nomear. Estes contratos, ainda que não previstos
em nosso Código Civil, são utilizados na prática negociai e previs-
tos no Projeto do Código Civil42 .
Nesta modalidade de contratação urna das partes se reserva a
possibilidade de nomear quem assuma a posição de contratante. Por
esta razão a pessoa designada torna o lugar da parte que a nomeou
na relação contratual, como se ela própria houvesse celebrado o con-
trato, deixando o designante a relação sem deixar vestígios 43 . Na de-
finição de Antunes Varela44 :
"O contrato para pessoa a nomear é o contrato em que urna
das partes se reserva a faculdade de designar urna outra
pessoa que assuma a sua posição na relação contratual,
como se o contrato tivesse sido celebrado com esta última."
Diversas teorias buscam explicar esta modalidade de contra-
tação, sendo ela melhor explicada pela existência de uma condição
em relação à pessoa do titular do contrato, determinando, quanto a
urna das partes, dois sujeitos em alternativa. Esta teoria é conhecida
como da alternatividade subjetiva da aquisição 45 •

3.6. Contratos em Conta Corrente


O contrato em conta corrente não é regulado sistematicamen-
te em nosso direito, sendo que o nosso Código Comercial a ele faz
referências esparsas nos artigos 253, 432 e 445 46 •
42
Projeto de Lei no 118/84, artigos 466 a 4 70.
41 Orlando Gomes, Obrigaçr)es, cit., p. 166 e 167.
44
João de Matos Antunes Yarela, Das obrigações em geral, cit., p. 378.
45 Miguel Maria de Serpa Lopes, Curso de direito civil, 4• ed., Rio de Janeiro, Freitas
Bastos, 1963, v. 3, p. 139 e segs.
46 Paulo Maria de Lacerda, Do contrato de conta-corrente, 2• ed., Rio de Janeiro, Ja-
cintho Ribeiro dos Santos, 1928, p. 27 e segs., faz um histórico do contrato de conta
corrente.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 31

Na definição de Luiz Gastão Paes de Barros Leães 47 :


"O contrato de conta corrente mercantil é aquele celebra-
do entre dois comerciantes, que mantêm relações nego-
ciais continuadas entre si, e que, ao invés de satisfazerem,
de imediato, todas as operações de crédito e débito recípro-
cas, vão registrando, graficamente, as sucessivas remessas
de valores em suas respectivas contabilidades, de modo que
somente por ocasião do balanceamento da conta entre as
duas pessoas é que se verificará qual o saldo devedor e o
credor."
Sua característica essencial, portanto, é a concessão de crédi-
tos recíprocos entre os comerciantes que podem definir antecipada-
mente, ou não, um prazo para o encerramento da conta corrente.
Já podemos verificar, portanto, que o contrato de conta corren-
te propriamente dito é distinto do contrato de conta corrente bancá-
ria. A sua característica principal, que é a concessão de créditos re-
cíprocos, não existe na conta corrente bancária. Esta pode ser garan-
tida ou não, mas, se for, isso se dará em virtude de um contrato de
abertura de crédito que estará coligado ao de conta corrente bancá-
ria, dois contratos distintos, portanto.

3.7. Temas para Estudos Complementares


O primeiro tema proposto envolve o questionamento do pró-
prio conceito de contrato - entendido, em sua expressão mais sim-
ples, como um acordo de duas vontades; o segundo induz à compa-
ração entre dois tipos contratuais utilizados, especificamente, pelo
direito comercial.
I. A Lei de Sociedades por Ações admite que a sociedade anô-
nima fique reduzida, durante um determinado período, a um único
acionista. A jurisprudência estende essa possibilidade às sociedades
por quotas de responsabilidade limitada. Podemos afirmar que, du-
rante esse período em que a sociedade está reduzida a um único só-
cio, continua a existir um contrato plurilateral?
2. Contratos em conta corrente e sociedade em conta de parti-
cipação: semelhanças e diferenças.

47
Luiz Gastão Paes de Barros Leães, "O contrato de conta corrente", Revista dos Tri-
bunais, v. 738, abril de 1997, p. 93.
32

4. Uniformização Internacional
dos Contratos

A uniformização internacional dos contratos pode dar-se me-


diante a aplicação dos tratados internacionais; das leis nacionais que
determinam o direito aplicável; do direito internacional costumeiro,
também conhecido como !ex mercatoria; e da aplicação de leis-tipo,
ou modelo, que não tem força obrigatória, dependendo, portanto, de
sua aceitação pelos Estados.

4.1. Os Tratados: Bilaterais e Multilaterais


Vale distinguir, nesse passo, entre os tratados de natureza nor-
mativa e de natureza contratual, antigamente denominados tratados-
leis e tratados-contratos 4x, que têm fundas raízes no direito interna-
cional. Nos tratados de natureza normativa a vontade manifesta é de
criar uma situação jurídica impessoal e objetiva; os de natureza con-
tratual criam situações jurídicas subjetivas.
Os tratados-leis obrigam os países signatários a incluírem em
seu direito interno os textos de lei uniforme acordados. Exemplo de
tratado-lei é a Convenção de Genebra que dispôs sobre a Lei Unifor-
me sobre Letras de Câmbio e Notas Promissórias, ou seja, por meio
dela o Brasil se obrigou a incluir no seu direito interno a referida Lei
Uniforme.
Outro exemplo são as convenções internacionais que unifi-
quem determinadas atividades como, por exemplo, a Convenção de
Varsóvia para o transporte aéreo, que se aplica a 49
"todo transporte internacional de pessoas, bagagens ou
mercadorias, efetuado por aeronave, mediante remunera-
ção. Aplica-se igualmente aos transportes por aeronave efe-
tuados gratuitamente por empresa de transportes aéreos".
Exemplo de tratado-contrato é o Acordo Geral sobre Tarifas
Aduaneiras e Comércio - GATT, hoje sucedido pela Organização
Mundial do Comércio - OMC, que se destina, em linhas gerais, a
igualar as vantagens comerciais conferidas pelos seus participantes,
48 Alfred Verdross, Derecho Internacional Público, Madrid, Aguilar, 1972, p. 92.
49
Convenção de Varsóvia, artigo I 0 •
FERNANDO NETIO BOITEUX 33

impedindo a existência de preferências. No entanto, o GATT não


estabelece quais ou quantas devem ser as isenções de tributos con-
cedidas por cada Estado signatário, mas, tão-somente, um sistema
destinado a igualar os tributos incidentes sobre o comércio interno e
o comércio internacional entre os signatários. Não exige um compor-
tamento específico, mas, sim, uma equivalência de comportamentos.

4.2. As Leis Nacionais


Em se tratando de contratos internacionais, a execução do con-
trato estará sujeita, a não ser em caso de aplicação de direito unifor-
me, a diversos regimes jurídicos. Neste caso, duas hipóteses podem
ocorrer: ou o contrato é omisso quanto à lei aplicável ou, fundadas
no princípio da autonomia da vontade, as partes elegem a lei aplicá-
vel.
Os contratos que não prevêem a lei aplicável estão sujeitos aos
elementos de conexão vigentes no ordenamento jurídico de cada
país 50 , indicados pelas regras nacionais de solução de conflitos de leis
no espaço (direito internacional privado).
Em nosso país a Lei de Introdução ao Código Civil determina
(artigo 9°) que, para qualificar e reger as obrigações, aplicar-se-á a
lei do país em que se constituírem e, em outra hipótese, que a obri-
gação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que
residir o proponente (artigo 9°, § 2°).

4.3. O Direito Convencional ou Costumeiro (Lex Mercatoria)


O termo !ex mercatoria indica "a existência de uma ordem
jurídica privativa dos agentes do comércio internacional" 51 • Este
novo direito comercial internacional, com algumas das mesmas ca-
racterísticas daquele que vigorou na Idade Média, onde inexistia uma
jurisdição estatal, tem sua expressão jurisdicional na arbitragem.
Como esclarece José Alexandre Tavares Guerreiro52 :
"Nos domínios da moderna lex mercatoria, as partes- in-
clusive na estipulação da arbitragem- teriam liberdade de

50
Irineu Strenger, Contratos internacionais do comércio, 3• ed. rev. e amp., São Pau-
lo, LTr, 1998, p. 113.
51
Irineu Strenger, Contratos internacionais do comércio, cit., p. 35.
52
José Alexandre Tavares Guerreiro, Fundamentos da arbitragem do comércio inter-
nacional, São Paulo, Saraiva, 1993, p. 83 a 85.
34 CONTRATOS MERCANTIS

contratar até o próprio ponto de submeterem-se a normas


não-estatais, localizáveis em um conjunto normativo for-
mado pelas práticas profissionais, pelos usos e costumes e
princípios gerais."
No direito internacional costumeiro se incluem:
a) os contratos-tipo ou padronizados como, por exemplo,
os formulados pela lATA (International Air Transport
Association);
b) os Incoterms (International Commerce Terms);
c) o costume ou prática internacional constante.
Os Incoterms são o conjunto de termos técnicos uniformes,
catalogados pela Câmara de Comércio Internacional - CCP 3 , usados
por compradores e vendedores em escala mundiaP 4 •
Sua gênese é encontrada no comércio marítimo internacional,
que se intensificou a partir da segunda metade do século passado. Em
um primeiro momento as partes contratantes dedicaram-se a uma
regulamentação minuciosa e individual das cláusulas dos contratos
de transporte; num segundo momento passaram a recorrer a cláusu-
las-padrão, "cujo significado preciso pode ser buscado em uma sé-
rie de práticas e de regras interpretativas, que se foram desenvolven-
do mais ou menos espontaneamente nas principais praças de comér-
cio"55. Essas cláusulas, devidamente catalogadas e interpretadas pela
Câmara de Comércio Internacional, deram origem às Incoterms.
A força obrigatória das Incoterms decorre, exclusivamente, da
referência expressa ou tácita que lhe façam as partes, mas os usos
comerciais lhe dão, de fato, grande autoridade 56 • Os Incoterms mais
conhecidos são as cláusulas CIF ( Cost, lnsurance and Freight), FOB
(Free on Board), FAS (Free Alongside Ship) e DAF (Delivered at
Frontier), que passamos a transcrever, a título exemplificativo 57 :

51 A Câmara de Comércio Internacional - CCI é um centro de arbitragem fundado em


1923.
54
A publicação das Incoterms em vigor é a de no 460, de 1990.
55 Irineu Strenger, Contratos internacionais do comércio, cit., p. 89.
56 Jacques Guestin et alii, "La vente", Traité des contrais, Paris, LGDJ, 1990, p. 100.
57 A descrição das cláusulas abaixo foi tomada do Ministério do Desenvolvimento In-
dústria e Comércio Exterior- MDIC, lncoterms, termos internacionais de comércio
-exportação, disponível na Internet no site http://www.desenvolvimento.gov.br/pu-
blicalsecex/pag/icoterms.html , ar qui vo capturado em 20 de junho de 200 I.
FERNANDO NEnO BOITEUX 35

CIF - Cost, lnsurance and Freight (... named port of destina-


tion)
CIF - Custo, seguro e frete (porto de destino designado)
Mediante esse termo o vendedor assume todos os custos, in-
clusive a contratação de frete internacional e o seguro marítimo con-
tra perdas e danos durante o transporte, para transportar a mercado-
ria até o porto de destino indicado.
FOB - Free on Board (... named port of shipment)
FOB- Livre a bordo do navio (porto de embarque designado)
Mediante esse termo a responsabilidade do vendedor (expor-
tador) vai até a colocação da mercadoria a bordo do navio, no porto
de embarque.
FAS - Free Alongside Ship (... named port of shipment)
FAS -Livre no costado do navio (porto de embarque designa-
do)
Mediante esse termo a responsabilidade do vendedor (expor-
tador) se encerra quando a mercadoria for colocada ao longo do na-
vio transportador, no porto de carga. A contratação do frete e do se-
guro internacionais fica por conta do comprador (importador).
DAF- Delivered at Frontier (... named place)
DAF - Entregue na fronteira (local designado)
Mediante esse termo, o vendedor completa suas obrigações
quando entrega a mercadoria, pronta para a exportação, em um pon-
to da fronteira indicado e definido da maneira mais precisa possível.
A entrega da mercadoria ao comprador ocorre em um ponto anterior
ao posto alfandegário do país limítrofe.

4.4. As Leis-Tipo, ou Modelo


As leis-tipo, ou modelo, elaboradas por organismos interna-
cionais, não têm, por si, força obrigatória, dependendo de sua ado-
ção pelos Estados.
Exemplo de lei-tipo, ou modelo, é a lei-tipo da Comissão das
Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional - Uncitral
sobre o comércio eletrônico, adotada pela Assembléia Geral de 16 de
dezembro de 1996 (Relatório da Sexta Comissão- A/511628), para
ser aplicada às mensagens internacionais58 • Ela vem influenciando a

58
O inteiro teor desta lei-tipo pode ser encontrado no site www.uncitral.org .
36 CONTRATOS MERCANTIS

regulamentação do comércio eletrônico em nosso país, na medida em


que alguns dos projetos de lei sobre a matéria adotam os seus prin-
cípios.

4.5. Temas para Estudos Complementares


O primeiro tema induz à reflexão das relações entre o direito
estatal e os usos e costumes internacionais, questionando a possibi-
lidade de afastamento do primeiro pelos usos e costumes.
O segundo tema leva à análise de uma questão cada vez mais
freqüente nas relações internacionais: uma parte de um contrato co-
mercial é um Estado soberano, que repele a idéia de sujeitar-se a um
direito estrangeiro; a outra parte é uma sociedade comercial, que re-
pele a idéia de sujeitar-se a um direito que desconhece. Questiona-
se, nesse contexto, se existe, ou não, a possibilidade de ambos afas-
tarem-se de seus direitos nacionais para facilitar a realização do con-
trato.
I. É juridicamente possível um contrato regido, exclusivamen-
te, pelos usos e costumes internacionais, no qual fique afastada, ex-
pressamente, a aplicação de qualquer direito nacional?
2. O Brasil (Estado brasileiro) poderia ser parte de um contra-
to estabelecido na forma acima?
37

5. A Formação dos Contratos: o Silêncio na


Formação do Contrato; o Contrato por
Correspondência; Contratos Celebrados por
meio de Computador

Elemento essencial do contrato é o acordo de vontades; assim,


exige-se que duas ou mais vontades se manifestem no sentido de
concluir o contrato.
As duas declarações de vontade podem ser simultâneas, for-
mando-se contrato instantaneamente, ou sucessivas, quando uma
declaração precede a outra, havendo entre elas um lapso de tempo.
Neste caso podemos individualizar as duas fases da formação do
contrato: a proposta ou oferta e a aceitação.
A proposta e a aceitação de um contrato são declarações de
vontade, definindo-se a aceitação como "a declaração do destinatá-
rio duma proposta, dirigida ao proponente, de querer concluir o con-
trato conforme a mesma proposta" 59 .
A chamada fase de formação do contrato, portanto, é a fase
que antecede o encontro da vontade das partes.

5.1. Contratos Consensuais e Reais


Modemamente, a regra é o contrato consensual, aquele que se
forma pelo simples acordo de vontades, independentemente de ou-
tras formalidades. Excepcionalmente, a formação do contrato depen-
derá da entrega da coisa (tradição) ou de solenidades especiais. Os
contratos que dependem, para a sua formação, da entrega da coisa,
denominam-se contratos reais (por exemplo, o mútuo (empréstimo)
bancário, que não se forma sem a entrega da quantia emprestada).
Deve-se distinguir, nesse passo, a etapa de formação e a de
aperfeiçoamento do contrato. Os contratos pessoais, ainda que já es-
tejam formados pelo simples acordo de vontades, obrigando as par-
tes contratantes, podem vir a se aperfeiçoar pela entrega da coisa.

59
Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 190,
citando Cunha Gonçalves e Vivante, no mesmo sentido.
38 CoNTRATOS MERCANTIS

5.2. A Manifestação de Vontade: Expressa e Tácita


A manifestação da vontade pode ser expressa ou tácita. O con-
sentimento expresso pode dar-se por meio da linguagem falada, da
escrita ou da mímica 60 .
Como regra geral a vontade deve ser declarada, mas a vonta-
de manifestada para a outra parte também produz efeitos jurídicos.
Por exemplo, um aceno com a cabeça pode equivaler a um sim, con-
forme o costume. A manifestação de vontade, seja declarada ou ma-
nifestada por sinais, é expressa.
Em outros casos a vontade não é comunicada, mas resulta de
um comportamento do sujeito: é a manifestação tácita de vontade 61 •
É o caso de quem coloca dinheiro em máquinas automáticas, espe-
rando receber um determinado bem. A vontade de aceitar não é ex-
pressa, mas decorre da atitude do sujeito (artigo 1.079 do Código
Civil).
O artigo 1.292 do Código Civil prevê a manifestação tácita do
consentimento do mandatário.
O silêncio, no caso do artigo 1.084 do Código Civil, é enten-
dido como manifestação tácita de consentimento(\2 •

5.3. O Silêncio na Formação dos Contratos


A manifestação da vontade é elemento indispensável para a
formação do vínculo contratual, e o silêncio não é manifestação de
vontade tácita. Silêncio significa abstenção completa, tanto de pala-
vras quanto de atos ou fatos 63 • Portanto, em princípio, o silêncio não
tem valor jurídico, pois não se pode presumir nada do não compor-
tamento; o silêncio não equivale à manifestação tácita da vontade.
Passamos a examinar se e quando pode o silêncio ser a mani-
festação exterior da vontade, ou melhor, se poderá o consentimento
manifestar-se pelo silêncio da parte.

60 Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, cit., p. 151.


61 José Alexandre Tavares Guerreiro, "Contrato Mercantil - Proposta- Aceitação - Ine-
xistência de manifestação expressa- Art. 1.079 do CC- Silêncio circunstanciado que
significa manifestação tácita da vontade - Cobrança procedente - Recurso não pro-
vido". Revista de Direi/O Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, 53 Nova
Série, 1984,p. 119.
62 Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado, Rio de
Janeiro, Ed. Rio, edição histórica, vol. 2, p. 198 e 199.
63 Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, cit., p. 152.
FERNANDO NETIO BOITEUX 39

5.3.1. Casos de silêncio qualificado


Chamam-se casos de silêncio qualificado aqueles em que o
silêncio equivale a consentimento, que são a presunção legal, o acor-
do anterior entre as partes e a existência de relações anteriores entre
as partes, freqüentes e sucessivas.
Existe presunção legal quando a lei expressamente prevê que
o silêncio representa manifestação positiva da vontade, estabelecen-
do uma presunção legal de vontade.
Nos casos em que as partes convencionaram que o silêncio
valeria como expressão do consentimento a aceitação existe por for-
ça de uma convenção precedente que fixa o significado da não con-
duta.
Existindo relações anteriores entre as partes, freqüentes e su-
cessivas, pode-se inferir a vontade daquela que se absteve. É o que
ocorre na recondução tácita da locação e no fornecimento habitual
de mercadorias.

5.3.2. Conseqüências jurídicas do silêncio


Existem duas correntes que buscam esclarecer os efeitos do
silêncio sobre as obrigações: para a primeira corrente, ele sempre dá
lugar à reparação de perdas e danos; para a segunda, leva à forma-
ção do contrato proposto.
Não se encontra, na realidade, uma regra geral aplicável a to-
dos os casos, enumerando Darcy Bessone algumas hipóteses de si-
lêncio qualificado 64 :
"a) preexistência de convenção entre as partes, estabelecen-
do que o silêncio, em face de dada proposta, equivalerá a
aceitação;
b) relações anteriores entre as partes, freqüentes e sucessi-
vas, permitindo inferir-se a vontade do abstencionista;
c) provocação da proposta por quem silencie;
d) ser a oferta do interesse exclusivo de quem não se ma-
nifesta".
A tendência mais recente, manifestada inclusive no Código de
Defesa do Consumidor, é de ampliar os casos de execução específi-
ca das obrigações contratuais.

64
Darcy Bessone, Do contrato - teoria geral, cit., p. 153 a 155.
40 CONTRATOS MERCANTIS

5.4. Contratos entre Ausentes


Como vimos, a lei não exige que as vontades se manifestem
num mesmo momento (contratos de formação simultânea), poden-
do manifestar-se em momentos diferentes (contratos de formação
sucessiva). Nessa última hipótese, estão os chamados contratos en-
tre ausentes.
Saber tanto o lugar quanto o momento em que o contrato se
forma é importante pelas seguintes razões 65 :
a) até o momento da conclusão do contrato, cada uma das
partes pode revogar a sua declaração de vontade;
b) a capacidade e o estado da vontade dos contratantes,
bem como a competência dos tribunais e a aplicação das
leis novas, serão questões cuja solução resultará da deter-
minação do momento da conclusão do contrato;
c) o lugar em que houver se verificado essa conclusão in-
fluirá sobre a escolha da lei reguladora, no tocante ao es-
paço;
d) os riscos, o início dos prazos, inclusive de prescrição
etc., também dependerão da data do contrato;
e) por fim, a própria interpretação do contrato poderá, em
determinadas ocasiões, ser auxiliada pela·· solução dos re-
feridos problemas.
A melhor doutrina classifica como coptratos entre ausentes
aqueles em que a manifestação da vontade não é simultânea; ou seja,
o importante não é o elemento espacial, mas o temporal 66 . Assim,
dizem-se ausentes os contratantes, quando não se podem comunicar
imediatamente. Consideram-se presentes, no entanto, as partes que
contratam por telefone (Código Civil, artigo 1.081, inciso I, segun-
da parte), por telex ou por computadores interligados em tempo real.
A modalidade corrente dos contratos entre ausentes é a dos
contratos por correspondência, que são os concluídos por carta, de
modo que os dois contratantes não se encontram fisicamente presen-
tes no mesmo local e nem a proposta, nem a aceitação se dão no
mesmo momento. Todavia, a cada dia são mais freqüentes os contra-
tos formados por meio de computador.

65 Darcy Bessone. Do contrato - teoria geral. cit., p. 194.


66 Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral. cit., p. 194, nota 145.
FERNANDO NEnO BüiTEUX 41

As principais teorias que buscam indicar o lugar e momento


da conclusão do contrato são:
a) teoria da declaração, que considera o contrato formado
desde o momento em que o destinatário da oferta formula
a declaração de aceitação;
b) teoria da emissão ou expedição, pela qual o contrato
considera-se formado no momento do envio da carta de
aceitação, não podendo mais o remetente destruir a carta;
c) teoria da recepção, para a qual não basta que o aceitante
escreva a carta e envie; é necessário que o proponente a
receba, mesmo que ainda não tenha conhecimento de seu
conteúdo;
d) teoria da informação, pela qual o contrato se forma no
momento em que o proponente tem conhecimento da acei-
tação de sua proposta.
O direito brasileiro adota a teoria da emissão ou expedição, no
artigo 1.086, mas não em sua forma pura, tendo em vista que admite
a inexistência da aceitação quando a retratação chegar antes dela,
mas após a expedição da resposta (artigo 1.085).
O Código Comercial, ao contrário do Civil, não admite a re-
tratação da proposta após a expedição, como se vê no artigo 127.

5.5. Contratos Celebrados por meio de Computador


O termo "contratos celebrados por meio de computador" vem
delimitar o tema, tendo em vista que chamamos contratos de infor-
mática aqueles que têm por objeto a própria informática (a informa-
tização de uma empresa, por exemplo). Estes, na realidade, não es-
tão sujeitos a um estatuto especial em razão de seu objeto, nem per-
tencem a uma categoria homogênea. Se uma das partes é um consu-
midor, ela será protegida pelo direito do consumidor; se ambas são
profissionais, aplica-se o princípio da autonomia da vontade, como
nos demais contratos empresariais.
Por outro lado, é muito difícil, na prática, saber se os danos
decorrentes de um contrato de informática decorreram de um vício
qualquer, de um erro de manipulação de peças, de um fenômeno ele-
trostático, da instalação elétrica do local ou de todas essas circuns-
42 CONTRATOS MERCANTIS

tâncias ao mesmo tempo, e essa vulnerabilidade não se conforma


bem ao princípio da autonomia da vontade 67 .
No que se refere a contratos negociados por meio de compu-
tador, seja qual for o seu objeto e a maneira pela qual eles se forma-
ram, seja por e-mail, web sites ou outros serviços on-line, é necessá-
rio saber que tipo de contratos podem ser negociados por essa for-
ma: não resta dúvida sobre os contratos consensuais, estando excluí-
dos, desde logo, os solenes, dada a exigência da presença, na forma-
ção destes, de um tabelião 6x.
Quanto aos contratos reais, ainda que alguns autores entendam
em sentido contrário 69 , não vemos impedimento à sua formação, pois
a negociação pode ser feita por meio eletrônico (on-line), ao passo
que a entrega do bem pode ser feita fisicamente (off-line), quando o
contrato, então, se aperfeiçoará 70 . É necessário ressaltar que, em se
tratando de contrato de compra e venda, a entrega do bem estará vin-
culada à fase de execução do contrato, e não à de sua formação.
No entanto, algumas dificuldades podem se fazer presentes:
por exemplo, nos créditos documentários sua validade está sujeita à
entrega de documentos no original que, em princípio, são em papel,
exigindo-se o seu envio físico.
Atendendo a algumas dificuldades trazidas pelo envio de do-
cumentos por meios eletrônicos o direito francês procurou minimi-
zar a necessidade de entrega de documentos nos negócios bancários
pela criação, por exemplo, da lettre de change relevé, uma letra de
câmbio que não circula materialmente: o cliente já remete ao banco
os seus créditos sob a forma de fitas magnéticas, acompanhadas de
um borderô de cobrança71 , inexistindo a circulação do título.

07
Como esclarece François Collart-Dutulleul, "Les apports des contrats de
l'informatique au droit des contrats", In: Lo"ic Cadiet (coordenador), Le droit con-
temporain des contrais- bilan et perspectives, Paris, Economica, 1987, p. 224 a 227.
68 Centro de Estudios Comerciales, La validez de los contratos internacionales nego-
ciados por medias eletronicos, Lider, Madrid, 1988, p. 26.
69 Centro de Estudios Comerciales, La validez de los contratos internacionales nego-
ciados por medias eletronicos, cit., p. 27.
70 Elizabeth S. Purdue, "Creating contracts on-line", In: Thomas J. Smedinghoff, edi-
tor. On-line law: the SPA 's legal guide to doing business on the Internet, second
printing, Addison-Wesley Publishing Company, 1996, p. 80.
71 Michel Vasseur, La lettre de change-relevé, Paris, Sirey, 1976. Em nosso direito
Newton De Lucca, A cambial-extrato, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1985, p. 78.
FERNANDO NETIO 80iTEUX 43

5.6. Temas para Estudos Complementares


Em face das novas formas de comunicação, cada vez mais rea-
lizadas por meio de computadores, e da ausência de leis especiais
que a regulamentem, torna-se imperioso aplicarem-se as teorias tra-
dicionais aos contratos celebrados por meio de computadores. As-
sim, pergunta-se:
1. Os contratos celebrados com o uso de e-mail devem ser con-
siderados como contratos entre presentes ou entre ausentes?
2. Na compra (download) de um programa de computador via
Internet aplicam-se as regras do direito civil, do direito comercial, ou
do direito do consumidor? Quando? Por quê?
44

6. A Formação dos Contratos: Oferta ao


Público e Declaração Unilateral de Vontade

6.1. Oferta ao Público


Oferta é manifestação de vontade unilateral pela qual uma
pessoa dá a conhecer a outra sua intenção de contratar e as condições
essenciais do contrato. Para Jacques Guestin 72 :
"On peut a priori définir l' offre ( on dit aussi pollicitacion)
comme une manifestation de volonté unilatérale par
laquelle une personne fait connâitre son intention de
contracter et les conditions essencielles du contrat.
L' acceptation de ces conditions par Ie destinataire de
I' offre formera le contrat.
L' offre ne peut contribuer à la formation du contrat et en-
gager éventuellement, en tant que telle, la responsabilité de
son auteur, qu'à la condition d'être précise etferme afin
d'exprimer un véritable engagement. Autrement il ne
s'agirait d'une simple invitation à entrer en pourparlers ou
d'un appel d'offres".
O autor refere, ainda, o texto da Convenção de Viena sobre
Venda de Mercadorias, de 11 de abril de 1980, que tem a seguinte
redação:
"I) Une proposition de conclure un contrat adressée à une ou
plusieurs personnes déterminées constitue une offre si elle
est suffisammement précise et si elle indique la volonté de
son auteur d' être lié en cas d'acceptation. Une proposition est
suffisamment précise lorsqu' elle désigne les marchandises
et, expressément ou implicitement, fixe la quantité et
le prix ou donne des indications permettant de les
déterminer.
2) Une proposition adressée à des personnes indéterminées
est considérée seulement com me une invitation à I' offre,
à moins que le personne qui a fait la proposition n' ait
clairement indiqué le contraíre".

72 Jacques Guestin et alii, "La vente", Traité des contrats. Paris, LGDJ, 1990, p. 110.
FERNANDO NETTO 80ITEUX 45

6.1.1. Conceito
A oferta é ao público, quando não se dirige a pessoas determi-
nadas, mas, sim, a uma generalidade de pessoas. Todavia, esse pú-
blico pode ser determinável, pela própria natureza da proposta (por
exemplo, na oferta pública de aquisição de ações de determinada
companhia). Para António Menezes Cordeiro 73 :
"A oferta ao público equivale a uma proposta contratual ca-
racterizada por ser dirigida a uma generalidade de pessoas.
A oferta ao público não deve confundir-se com o contrato
celebrado por adesão: este traduz o acto jurídico bilateral
caracterizado por ter, na sua base, uma proposta genérica
e rígida; aquela implica uma proposta contratual genérica.
Assim, se normalmente as condições gerais de contratação
são carreadas por ofertas ao público, nada impede que elas
sejam especificamente enviadas a determinadas pessoas,
genericamente tomadas; por outro lado, a oferta ao públi-
co pode não ser rígida, antes admitindo negociações bila-
terais posteriores, em que ambas as partes possam usar de
liberdade de negociação."
A oferta ao público, portanto, não é um contrato, mas uma
forma de contratação que pode aplicar-se a vários tipos de contrato:
compra e venda, empreitada, fiança, prestação de serviços, transpor-
te, seguro, promessa de recompensa etc. Como proposta de contra-
tar, é obrigatória (Código Civil, artigo 1.080) quando seja precisa
quanto aos elementos essenciais do contrato. Como declaração uni-
lateral de vontade cria obrigações para o ofertante, ainda que o con-
trato não venha a se realizar.

6.1.2. Convite a contratar


A invitação pública à oferta, ou convite genérico a ofertas, ou
convite a contratar, com fins publicitários ou outros 7\ distingue-se da
oferta pública, porque não contém precisões quanto aos elementos
essenciais do contrato, mas simples delimitações do quadro geral,
dentro do qual devem ser feitas propostas. É o que ocorre, por exem-
plo, quando um banco publica um anúncio nos jornais oferecendo
73
António Menezes Cordeiro, Direito das obrigações, I • ed., Associação Acadêmica
da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, vol. I, p. 445.
74
Na expressão de António Menezes Cordeiro, Direito das obrigações, cit., p. 446.
46 CONTRATOS MERCANTIS

crédito: não se deve entender que ele está oferecendo crédito a qual-
quer interessado, mas, sim, que estará analisando o cadastro de cada
um deles para determinar a quais irá emprestar.
As principais características do convite a contratar (invitação
pública à oferta) são:
a) dirige-se a pessoas determinadas ou indeterminadas;
b) pode dar origem a uma concorrência pública de ofertas
(leilão, licitação) ou não;
c) a obrigação do invitante é, unicamente, a de levar em
consideração as propostas que forem feitas de acordo com
a invitação pública.

6.1.3. Força vinculante da oferta


A oferta ao público, como uma declaração unilateral de von-
tade que irá formar o contrato, obriga o proponente, nos termos do
artigo I .080 do Código Civil, "se o contrário não resultar dos termos
dela, da natureza do negócio ou das circunstâncias do caso"; assim,
retirada a oferta, o contrato não se constitui, mas o proponente incor-
re em responsabilidade civil pelos danos a que tiver dado causa.
No regime do Código de Defesa do Consumidor, no entanto,
o convite a contratar é considerado proposta e obriga o proponente 75 .
Procurou o legislador, desta forma, substituir, sempre que possível,
o regime da responsabilidade civil (indenização) pela execução es-
pecífica das obrigações contratuais.
Entretanto, são inúmeros os casos em que a oferta ao público
não se constitui verdadeiramente numa proposta, mas num simples
convite a tratativas, não sendo a oferta precisa e completa, faltando-
lhe elementos que permitam uma aceitação pura e simples, ou vindo
acompanhada de reservas implícitas ou explícitas: contratos intuitu
personae (locação, abertura de crédito etc.); limites quantitativos,
oferta feita nos limites de disponibilidade do ofertante (bens em nú-
mero limitado); nesses casos, não sendo propriamente uma propos-
ta, não tem força vinculante, como visto no item anterior.

75 Nelson Nery Junior. "A Proteção Contratual", In: Ada Pellegrini Grinover et alii,
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteproje-
to, 6' ed. rev., atual e ampl., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000, p. 439.
FERNANDO NETTO SOITEUX 47

6.1.4. Revogação da oferta


A revogação da oferta é regulada pelo artigo 1.514 do Código
Civil, que dispõe (primeira parte): "Antes de prestado o serviço, ou
preenchida a condição, pode o promitente revogar a promessa, con-
tanto que o faça com a mesma publicidade". A hipótese prevista pelo
legislador, nesse artigo, é de oferta feita a pessoa indeterminada; a
determinação da pessoa só iria realizar-se no futuro, pela execução
do serviço, ou pela verificação de se terem preenchido as condições
do anúncio 76 •

6.1.5. Contratos concluídos mediante oferta ao público


São cada vez mais numerosos os contratos elaborados em
massa e ofertados ao público em geral, como passamos a exemplifi-
car.

6.1. 5.1. Serviços essenciais


Há empresas que estão em estado de oferta permanente de ser-
viços, como as que exercem serviços essenciais à população. São
detentoras de monopólio de fato (por serem as únicas em condições
de prestar o serviço) ou de direito (por determinação legal), não po-
dendo recusar-se a contratar, salvo por razões graves. É o que ocor-
re, por exemplo, com os serviços de água e luz.
Em decorrência da essencialidade do serviço prestado tem
entendido a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que o for-
necimento dos serviços não pode ser interrompido, ainda que por
falta de pagamento, ainda que haja decisões divergentes nos tribunais
estaduais. Restaria, nesse caso, a cobrança pela via da ação de exe-
cução.
No caso de serviços essenciais, a questão tem sido julgada
com fundamento nos artigos 22 e 42 do Código de Defesa do Con-
sumidor. Assim, decidiu o Superior Tribunal de Justiça, ainda quan-
do estes serviços eram prestados exclusivamente pelo Poder Públi-
co, ser ilegal o corte de água ou luz, ainda que o usuário deixe de
pagar pelo serviço 77 , ou mesmo quando desvia o consumo para se
76
Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil, comentado, Rio de
Janeiro, Ed. Rio, edição histórica, vol. 2, p. 656 e 657.
77
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 201.112-SC, Primeira Turma, Re-
lator Ministro Garcia Vieira, acórdão unânime de 20 de abril de 1999.
48 CONTRATOS MERCANTIS

furtar ao pagamento, apesar de estar este ato sujeito a sanção penal 78 ,


entendendo que o corte sujeita o usuário ao ridículo e ao constrangi-
mento e que o Poder Público tem meios próprios para receber os seus
créditos.
Entendemos que os argumentos continuam a se aplicar aos
serviços privatizados, pois eles não perdem a qualidade de serviços
públicos, ainda que prestados por concessionários. Nesse sentido, o
artigo 22, caput, do Código de Defesa do Consumidor exige que a
prestação dos serviços públicos essenciais seja contínua, e a Lei no
7.783, de 1989, no seu artigo 10, regulamentando a Constituição
Federal, diz que a distribuição de energia elétrica é serviço essencial.
O Superior Tribunal de Justiça tem mantido o seu entendimen-
to, ao decidir os casos em que são parte as concessionárias de servi-
ços públicos, pelos mesmos fundamentos 79 admitindo, inclusive, o
uso do mandado de segurança pelo interessado em impedir o corte
de luzx 0 .
Ao nosso argumento se contrapõe o das concessionárias, sus-
tentando estas que estes serviços são pagos mediante tarifa, razão
pela qual a suspensão dos serviços deve ser permitida, em caso de
falta de pagamento.

6.1.5.2. Serviços não essenciais


Há empresas que estão em permanente oferta, devendo con-
cluir contratos com quantos queiram sujeitar-se às suas condições,
mas que não gozam de monopólio como, por exemplo, as segurado-
ras.

6.1.5.3. Ofertas reguladas em lei especial


Algumas ofertas ao público são regulamentadas em lei espe-
cial. Por exemplo, na oferta pública de aquisição de ações (Lei no

78 Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Mandado de Segurança no 8.915 - MA,


Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, acórdão unânime de 12 de maio de
1998.
79 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 209.652-ES, Registro no
99/0029864-0, Primeira Turma, Relator Ministro Milton Luiz Pereira, julgamento
unânime em 19 de outubro de 1999.
80 Superior Tribunal de Justiça, Recurso em mandado de segurança no 8.915-MA, Re-
gistro no 97/0062447-1, Primeira Turma, Relator Ministro José Delgado, julgamen-
to unânime em 12 de maio de 1998.
FERNANDO NEnO BOITEUX 49

6.404 de 197 6, artigo 257) o legislador determina as condições sob


as quais se deve dar a proposta, tendo em vista assegurar a igualda-
de de oportunidade e de tratamento dos interessados na venda e, até
mesmo, a igualdade entre os eventuais concorrentes, interessados na
compra.
Nestes casos o ofertante não pode discriminar eventuais inte-
ressados que preencham as condições da oferta, preferindo uns acio-
nistas a outros, por exemplo.

6.2. Oferta no Código de Defesa do Consumidor


Sob o título "Da oferta" o Código do Consumidor engloba
quatro expressões diversas: oferta, informação, publicidade e apre-
sentação. Nesse sentido é de se entender que todas elas "constituem
modalidades de ofertas públicas, efetuadas pelos fornecedores aos
consumidores, relativamente aos contratos de que se trata, no contex-
to das relações de consumo" 81 .
A redação do artigo 30 do Código de Defesa do Consumidor,
sobre os efeitos vinculantes da oferta, é bastante ampla, abrangendo
"toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veicula-
da por qualquer forma ou meio de comunicação", considerando Her-
man Benjamin 82 que, no regime do Código de Defesa do Consumi-
dor, oferta:
"é sinônimo de marketing, significando todos os métodos,
técnicas e instrumentos que aproximam o consumidor dos
produtos e serviços colocados à sua disposição no merca-
do pelos fornecedores. Qualquer uma dessas técnicas, des-
de que 'suficientemente precisa', pode transformar-se em
veículo eficiente de oferta vinculante. Aí reside uma das
maiores contribuições do direito do consumidor à reforma
da teoria clássica da formação dos contratos.
Vê-se, então, que a oferta, nesse sentido moderno, abran-
ge não apenas as técnicas de venda pessoal, como ainda
outras mais coletivas e difusas, como as promoções de ven-
das e a própria publicidade".
81
José Alexandre Tavares Guerreiro, In: Geraldo Magela Alves (organizador), Comen-
tários ao código do consumidm; Rio de Janeiro, Forense, 1992, p. 112.
82
Antônio Herman de Vasconcellos Benjamin, Código brasileiro de defesa do consu-
midor comentado pelos autores do anteprojeto, cit., p. 226.
50 CONTRATOS MERCANTIS

6.3. Temas para Estudos Complementares


Tanto o nosso direito obrigacional quanto o processual tem
caminhado no sentido de admitir com maior vigor a execução espe-
cífica das obrigações. Aponte, à vista do disposto no Código Civil,
no Código de Processo Civil, no Código Comercial e no Código de
Defesa do Consumidor, as semelhanças e diferenças entre a execu-
ção específica das obrigações no regime do direito comercial e no
direito do consumidor.
51

7. A Formação dos Contratos: Contrato-Tipo


e Adesão Contratual

O regime dos contratos que emerge do Código Civil é o dos


contratos realizados em bases individuais, com concessões recípro-
cas de ambas as partes, e tem como modelo o contrato de compra e
venda.
Hoje, todavia, com as relações massificadas, revela-se cada
vez mais uma predisposição das cláusulas contratuais; esse fenôme-
no não ocorre somente nas relações entre produtores e consumido-
res, mas também entre comerciantes, por exemplo, entre a indústria
automobilística e os seus fornecedores de autopeças, tais como pneus
e partes mecânicas.
É possível, inclusive, que se encontrem cláusulas predispostas
em ambos os lados das relações contratuais.
Os denominados contratos-tipo e contratos por adesão repre-
sentam formas de predeterminação do conteúdo contratual. Distin-
guem-se ambos, no entanto, sob dois aspectos 83 :
a) sob o aspecto funcional, a diferença reside no fato de
que o contrato-tipo se emprega quando os futuros contra-
tantes pertencem a categorias contrapostas e organizadas
de interessados. Por exemplo, um grupo de industriais e
diversos fornecedores de matéria-prima;
b) sob o aspecto estrutural, diferenciam-se porque no con-
trato por adesão o conteúdo é preestabelecido sempre por
uma das partes, enquanto no contrato-tipo ele pode ser ne-
gociado pelas partes em igualdade de condições.

7.1. Contrato-Tipo (Cláusulas Gerais de Contratação)


Para M. Garcia-Amigo o contrato-tipo é apenas um formulá-
rio, ou seja, "uma fórmula externa e puramente formal da técnica
contratual: se refere à forma pela qual aparecem redigidas as estipu-

83
Orlando Gomes, Contratos, Rio de Janeiro, Forense, 23" ed. atual., 2001, p. 127.
Darcy Bessone, Do contrato- teoria geral, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 78, fala
na unilateralidade ou bilateralidade de sua criação.
52 CONTRATOS MERCANTIS

]ações contratuais formuladas em um contrato normativo" 84 . Esta-


mos usando o termo em sentido diverso, ou seja, no sentido de cláu-
sulas gerais de contratação, denominado pelo autor condições gerais
dos contratos, ressaltando que a distinção é necessária, em nosso di-
reito, pois as cláusulas gerais de contratação estão excluídas da pro-
teção do Código de Defesa do Consumidor 85 .
Na definição do autor as cláusulas gerais de contratação repre-
sentam86:
"uma série de cláusulas formuladas previamente em forma
geral e abstrata tendo em vista a celebração de uma série
indefinida de contratos que ao ser aceitas pelas partes pas-
sam a regular a relação contratual que aquelas desejam
criar, estabelecendo seu conteúdo normativo - e, por efeito
reflexo, o conteúdo obrigacional ou subjetivo - sem que,
por outro lado, coincidam com normas legais ou consuetu-
dinárias".
O contrato de adesão é sempre unilateral, imposto por uma das
partes, ao passo qué 7 :
"no contrato-tipo há a apresentação das cláusulas pré-redi-
gidas por uma das partes, mas podendo ser alteradas me-
diante discussão entre as partes. Sobre tal aspecto tem-se
normalmente que o contrato de adesão é sempre apresen-
tado como contrato-tipo, ao passo que os contratos-tipo não
se caracterizam, necessariamente pela adesão".
O contrato-tipo não é contrato preliminar ou pactum de con-
trahendo, porque as partes não se obrigam a contratar. É pactum de
modo contrahendi, uma vez que preestabelece o conteúdo para os
contratos que as partes venham a querer concluir88 •
84 M. Garcia-Amigo, Condiciones generales de los contratos (civiles y mercantiles),
Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1969.
85 Nelson Nery Junior, "A Proteção Contratual", In: Ada Pellegrini Grinover et alii,
Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteproje-
to, 6• ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro, Forense Universitária, 2000, p. 447 a
451.
86 M. Garcia-Amigo, Condiciones generales de los contratos (civiles y mercantiles),
cit., p. 138. O autor anota que está usando as palavras cláusulas, condições e estipu-
lação indistintamente, mas a precisão é necessária em nosso direito, para distinguir
as cláusulas gerais de contratação dos contratos por adesão, estes previstos no Có-
digo de Defesa do Consumidor.
87 Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, 11 • ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 99.
88 Darcy Bessone, Do contrato - teoria geral, cit., p. 78.
FERNANDO NETTO BOITEUX 53

7.1.1. Interpretação das condições gerais de contratação


Como as condições gerais de contratação, propriamente ditas,
se referem a contratos realizados entre profissionais, a elas não se
aplicam as regras de interpretação previstas no Código de Defesa do
Consumidor, que só se aplica a relações de consumo (artigo 4 7, por
exemplo).

7.1.2. Modelo de Condições Gerais de Contratação


O modelo que segue é adotado pela Petrobrás e estabelece as
condições gerais de contratação que se consideram integradas a to-
dos os contratos de fornecimento que esta vier a estabelecer com os
seus fornecedores. Transcrevemos a finalidade e o índice das cláu-
sulas89;
Modelo de "Condições de Fornecimento de Material da
Petrobrás"
1. Finalidade
1. 1. Estabelecer as condições que regulam o fornecimento
de bem à Petrobrás, qualquer que seja a modalidade de li-
citação utilizada na contratação.
1.2. Quando necessário, poderão constar do contrato cláu-
sulas que diferem destas condições, desde que a ressalva
esteja previamente definida no instrumento convocatório.
2. Definições
3. Utilização de Documentos e Informações Contratuais
4. Direitos de Patente
5. Obrigações e Responsabilidade do Fornecedor
6. Obrigações e Responsabilidades da Petrobrás
7. Inspeções
8. Embalagem para Transporte
9. Entrega
1O. Garantia de Funcionamento
11. Aditivos Contratuais
12. Cessão
13. Prazos de Entrega
14. Pagamentos

89
O inteiro teor pode ser capturado no si te www.petrobras.com.br .
54 CONTRATOS MERCANTIS

15. Sanções
16. Rescisão Contratual
17. Idioma Predominante
18. Legislação Aplicável e Foro
Anexo- Modelo de Aviso de Embarque
Anexo I- Modelo de Aviso de Embarque Internacional"

7.2. Adesão Contratual


A adesão contratual não representa um contrato em si, mas
uma forma de manifestação da vontade dentro da mesma categoria
contratual: mera adesão a cláusulas já estabelecidas e de cuja elabo-
ração a parte não participou; reflexo, no plano jurídico, de fenôme-
nos econômico-sociais; imposição de uma economia de massa, em
que produtos e serviços são distribuídos em larga escala, não haven-
do possibilidade de elaboração de contratos individualizados. É pos-
sível, inclusive, que um contrato contenha cláusulas por adesão e
cláusulas livremente negociadas entre as partes.
Chama-se contrato por adesão aquele cujas cláusulas gerais e
uniformes, dirigidas a pessoas indeterminadas, foram previamente
elaboradas unilateralmente, e cujo consentimento se manifesta pela
simples adesão 90 . Na definição do Código de Defesa do Consumidor
(artigo 54):
"Art. 54 - Contrato de adesão é aquele cujas cláusulas te-
nham sido aprovadas pela autoridade competente ou esta-
belecidas unilateralmente pelo fornecedor de produtos ou
serviços, sem que o consumidor possa discutir ou modifi-
car substancialmente seu conteúdo."
O contrato de adesão não é uma categoria contratual autôno-
ma, nem mesmo um tipo contratual: é somente um modo de for-
mação do contrato 91 • A declaração negociai nestes contratos carac-
teriza-se tanto pela generalidade (dirigida a todos que se encontram

°
9 Contratos "de adesão", na clássica expressão de Saleilles, ou "por adesão", com a
melhor doutrina, considerando que esta atende melhor ao modo de sua formação
(António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigaç6es, ! 0 volume, 1• ed., reimp., Lis-
boa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1986, p. 98).
91 Guido Alpa e Mario Bessone, Tecnica e conrrollo dei contratti standard, Rimini,
Maggioli, 1984, p. 8. No mesmo sentido, em nossa doutrina, Nelson Nery Junior, "A
Proteção Contratual", cit., p. 290.
FERNANDO NETTO BOITEUX 55

em determinada situação), quanto pela rigidez, visto que as cláusu-


las gerais de contratação devem ser em bloco recebidas ou rejeitadas
pela outra parte 92 •
Na interpretação dos contratos por adesão tem-se em vista
principalmente a tutela de interesses socialmente relevantes, pois são
contratos elaborados em série cujos efeitos se estendem a um gran-
de número de pessoas - trata-se de proteger o público e não indivi-
dualmente cada pessoa. No direito brasileiro, o Código de Defesa do
Consumidor tem cláusula geral de interpretação de todos os contra-
tos de consumo, não só dos contratos de adesão, dispondo:
"Art. 47 -As cláusulas contratuais serão interpretadas de
maneira mais favorável ao consumidor".
Além disso, nos principais contratos por adesão (crédito, se-
guro, transporte etc.), o poder público intervém por meio de leis es-
pecíficas à finalidade de cada contrato e em função da atividade eco-
nômica à qual se referem, mediante a exigência de sua autorização
prévia a ser concedida por órgãos da administração pública, ou, ain-
da, estabelecendo a proibição de determinadas cláusulas.
A atividade de concessão de crédito, por exemplo, necessita de
autorização do Banco Central do Brasil. Isto porque é uma atividade
financeira, que implica em intermediação de recursos: a instituição
financeira capta recursos do público e os empresta aos interessados.
A proteção do Poder Público, portanto, se dá nos dois sentidos: ga-
rante que o público que entregou seus recursos à instituição financei-
ra tenha a garantia de recebê-los de volta e que os tomadores de re-
cursos sejam protegidos contra a imposição de cláusulas abusivas.
Na atividade seguradora, por exemplo, faz-se necessária a in-
tervenção do Poder Público, por meio da Superintendência de Segu-
ros Privados - Susep, para garantir a solidez patrimonial das socie-
dades seguradoras, que operam com contratos de longo prazo, de
forma a garantir que elas possuam recursos para pagar as indeniza-
ções devidas ao longo dos anos.
Nos contratos de transporte, uma das modalidades pelas quais
se dá a intervenção do Poder Público se revela na vedação das cláu-
sulas de exoneração de responsabilidade por danos causados, che-

92
António Menezes Cordeiro, Direito das Obrigações, cit., p. 99.
56 CONTRATOS MERCANTIS

gando o legislador a determinar a responsabilidade objetiva do trans-


portador, como ocorre na exploração das estradas de ferro.

7.3. Temas para Estudos Complementares


Tanto nas cláusulas gerais de contratação quanto nos contra-
tos por adesão iremos encontrar cláusulas predispostas por uma das
partes. Distinguir as semelhanças e diferenças entre o regime das
cláusulas gerais de contratação e o dos contratos por adesão.
57

8. Interpretação e Prova dos Contratos

A interpretação, seja da lei ou de um negócio jurídico é, sem-


pre, interpretação de um ato de vontade. A lei, no entanto, manifesta
uma vontade geral e abstrata, e o negócio jurídico uma manifestação
in concreto. Portanto, nem todas as regras de interpretação aplicáveis
à lei são aplicáveis aos negócios jurídicos. Entre as regras aplicáveis
aos negócios jurídicos, nem todas são aplicáveis aos contratos 93 .

8.1. Interpretação dos Contratos Comerciais


A questão da interpretação dos contratos acompanha sua evo-
lução histórica; assim, quando vigoravam os princípios clássicos do
contrato, também os princípios de interpretação baseavam-se na li-
berdade total de contratar e na autonomia da vontade individual. À
medida que se acentuavam o intervencionismo do Estado e a busca
dos fins sociais do Direito, também se modificavam os padrões in-
terpretativos, procurando-se atender, primeiramente, à função social
do contrato. Transcrevemos o artigo 85 do Código Civil:
"Art. 85 - Nas declarações de vontade se atenderá mais à
sua intenção do que ao sentido literal da linguagem".
Fábio Comparato ressalta que o legislador, nesta parte, não
tomou partido entre a teoria da vontade e a da declaração, "segundo
pareceu a juristas pedantes", mas guiou o intérprete para uma inter-
pretação concreta do negócio, "fugindo a uma leitura abstrata do tex-
to convencional" 94 •
Dois são os principais critérios de interpretação: o critério sub-
jetivo induz ao exame da intenção comum dos contratantes 95 ; o cri-
tério objetivo busca "dar ao contrato o sentido, entre os expostos em
juízo pelas partes, que melhor corresponda a valores de objetiva sen-
satez, eqüidade, funcionalidade" 96 .

93
Darcy Bessone, Do Contrato- teoria geral, Rio de Janeiro, Forense, 1987, p. 215 e
216.
94
Fábio Konder Comparato, Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janei-
ro, Forense, 1978, p. 180.
95
Enzo Roppo, O contrato, Coimbra, Almedina, 1988, p. 170 a 172.
96
Enzo Roppo, O contrato, cit., p. 172 a 174.
58 CONTRATOS MERCANTIS

Por outro lado, podemos distinguir interpretação e integração


dos negócios jurídicos. O termo interpretação refere-se ao sentido do
contrato e das declarações nele contidas. O termo integração refere-
se ao preenchimento de lacunas ou casos omissos, para a perfeita
execução do contrato. A integração dos contratos se faz aplicando-
se normas supletivas (diretamente ou por analogia), e os princípios
gerais de direito, respeitando-se os usos e costumes e a vontade das
partes.
O princípio genérico de interpretação dos contratos (civis e
mercantis) induz o juiz a ter sempre em vista a função social do con-
trato, suafinalidade econômica e seus possíveis efeitos na coletivi-
dade.
Os princípios gerais que devem nortear a interpretação dos
contratos mercantis estão previstos nos artigos 130 e 131 do Código
Comercial, transcritos:
"Art. 130. As palavras dos contratos e convenções mercan-
tis devem inteiramente entender-se segundo o costume e
uso recebido no comércio, e pelo mesmo modo e sentido
por que os negociantes se costumam explicar, posto que
entendidas de outra sorte possam significar coisa diversa".
"Art. 131. Sendo necessário interpretar as cláusulas do con-
trato, a interpretação, além das regras sobreditas, será re-
gulada sobre as seguintes bases:
I. a inteligência simples e adequada, que for mais confor-
me à boa-fé, e ao verdadeiro espírito e natureza do contra-
to, deverá sempre prevalecer à rigorosa e restrita significa-
ção das palavras;
2. as cláusulas duvidosas serão entendidas pelas que o não
forem, e que as partes tiverem admitido; e as antecedentes
e subseqüentes, que estiverem em harmonia, explicarão as
ambíguas;
3. o fato dos contraentes posterior ao contrato, que tiver re-
lação com o objeto principal, será a melhor explicação da
vontade que as partes tiverem no momento da celebração
do mesmo contrato;
4. o uso e prática geralmente observada no comércio nos
casos da mesma natureza, e especialmente o costume do
lugar onde o contrato deva ter execução, prevalecerá a qual-
FERNANDO NEnO BOITEUX 59

quer inteligência em contrário que se pretenda dar às pala-


vras;
5. nos casos duvidosos, que não possam resolver-se segun-
do as bases estabelecidas, decidir-se-á em favor do deve-
dor".
Os princípios que se podem deduzir destes artigos são:

8.1.1. Boa-fé
A boa-fé pode ser entendida em seu sentido subjetivo ou ob-
jetivo. A regra objetiva de boa-fé, como critério exegético das con-
venções mercantis, faz pressupor que no comércio domina a regra da
lealdade recíproca, destinada a lhes imprimir segurança jurídica.
Como ensina Darcy Bessone97 :
"O princípio da boa-fé domina o comércio jurídico, como
regra de recíproca lealdade, destinada a dar-lhe segurança.
Não é necessário apurar se cada um dos contratantes se
encontrava de boa-fé ao contratar. O intérprete deve enten-
der as disposições contratuais como exige a boa-fé".
No Código Civil, para Luiz Gastão Leães, ela aparece no seu
sentido subjetivo, quando "a má-fé (subjetiva) é sancionada pelo me-
canismo da responsabilidade extracontratual do art. 159 do Código
Civil" 98 • Diferentemente, existe regra genérica no artigo 421 do Pro-
jeto do Código Civil.
No Código Comercial, artigo 131, no 1, ela aparece em seu
sentido objetivo, pois o padrão para se avaliar a existência de boa-fé
se encontra nos usos e costumes da praça (artigo 131, no 4 ), que po-
dem ser nacionais ou internacionais.
No Código de Defesa do Consumidor a boa-fé, em seu senti-
do objetivo, aparece em diversas passagens, como nos artigos 6° e 39,
IV99.

8.1.2. Prevalência dos usos e costumes comerciais


O Código Comercial dispõe que na interpretação das declara-
ções de vontade deve ter-se em vista os usos e costumes do lugar e
97
Darcy Bessone, Do Contrato- teoria geral, cit., p. 226.
98
Luiz Gastão Paes de Barros Leães, "Notas sobre boa-fé e lealdade negociai", In: M.
Joachim Bonell (a cura di), Principi per i comratti commerciali intemazionali e il
sistema giuridico latinoamericano, Milano, Cedam, 1996, p. 72.
99
Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Notas sobre boa~fé e lealdade negociai, cit.,
p. 73.
60 CONTRATOS MERCANTIS

do momento em que foram emitidas (artigos 130 e 131, no 4). Apli-


ca-se este dispositivo, também, aos usos e costumes internacionais,
segundo Luiz Gastão Leães 100 .

8.I.3. Conduta anterior das partes


A conduta anterior das partes é elemento interpretativo funda-
mental quando revela a vontade real das partes no momento de ce-
lebração do contrato diante do resultado e alcance que se lhe quer
atribuir, artigo 131, no 3, do Código Comercial.

8.I.4. Interpretação do contrato como um todo


O princípio da interpretação do contrato como um todo deter-
mina que as cláusulas não devem ser interpretadas isoladamente, mas
de acordo com o contexto geral do contrato (artigo 131, no 2, do Có-
digo Comercial).

8.I.5. Interpretação em favor do devedor


O princípio da interpretação em favor do devedor, nos dias de
hoje, deve ser entendido da seguinte forma: nos casos de dúvida, os
contratos serão sempre interpretados em favor da parte mais fraca
(devedor, aderente etc.), ou seja, o contrato se interpreta contra o
estipulante (artigo 131, no 5, do Código Comercial).

8.2. Prova dos Contratos Mercantis


Desde o início do movimento codificador o Código Napoleão
estabeleceu a regra de que a prova de certos atos jurídicos teria que
ser feita por escrito. Esta regra se propagou pelos demais Códigos,
como os nossos Códigos Civil (artigo 141) e Comercial (artigo 123),
em dispositivos hoje revogados pelo disposto no artigo 401 do Có-
digo de Processo Civil, mantido o mesmo sentido.
A lei só admite a prova dos contratos mercantis mediante do-
cwnentos escritos no contrato de sociedade: artigos 304, 305 e 325
do Código Comercial.
Portanto, a prova por testemunhas só é admitida nos casos aci-
ma em caráter supletivo, visando a dar maior garantia e segurança
aos negócios.
H<l Luiz Gastão Paes de Barros Leães. Noras sobre boa~fé e lealdade negocia!, cit., p.
72.
FERNANDO NETTO BOITEUX 61

Há uma tendência jurisprudencial, registrada por Theotonio


Negrão, de considerar que, quanto aos efeitos pretéritos do contrato,
é admissível a prova exclusivamente testemunhal, qualquer que seja
o seu valor 101 •
Em matéria de prova, o Código de Processo Civil, ao admitir
a reprodução fonográfica (artigo 383), veio obviar dificuldades na
contratação por telefone, importantíssima em certas negociações
cambiais ou com valores mobiliários. O mesmo Código, no entanto,
omitiu a referência ao telex, meio ainda indispensável de comunica-
ção comercial, que deve ser admitido no campo da prova documen-
tal. A única dificuldade, que é a ausência de assinatura, que pode ser
substituída, quando necessário, pelas "chaves" (senhas convencio-
nais e sigilosas), como na intercomunicação bancária.

8.3. Prova dos Contratos Celebrados por Meio de Computador


O contrato celebrado por meio de computador configura um
documento?
A definição do que seja documento não preocupou os legisla-
dores, razão pela qual os ordenamentos em geral não o definem. As-
sim, por exemplo, nem a legislação italiana 102 nem a nossa o fazem.
A doutrina também não se deteve sobre o tema até época re-
lativamente recente, identificando, como regra geral, o conceito de
documento com o de documento escrito. Os estudos mais represen-
tativos são os elaborados por Carnelutti 103 •
Para Camelutti documento é a coisa que nos permite conhe-
cer outra 104 . Por exemplo, aquele que participou de uma ligação te-
lefônica e a descreve para alguém é uma testemunha; se ele a gravou,
nós temos uma representação da conversa e, portanto, um documen-
to. Toda representação é obra humana, pois na natureza só existem
coisas iguais e diferentes, representações não existem.

101 Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor,
32• ed. atual. até 9 de janeiro de 2001, nota I "b" ao artigo 401.
102 Ettore Giannantonio, "E! valor jurídico de! documento electrónico", Informática y
derecho- aportes de doctrina internacional, v. I, Buenos Aires, Depalma, 1991, p.
88 e segs., citação de p. I 00.
103
Ettore Giannantonio, El valor jurídico dei documento electrónico, cit., p. 100 e 101.
1
0l Francesco Carnelutti, verbete "Documento", Nuovo Digesto Italiano, v. V, Torino,
Utet, 1938, p. 105 a 109.
62 CONTRATOS MERCANTIS

Dado o princípio da livre valoração das provas, não se pode


restringir o conceito de documento, pois sua apreciação cabe ao juiz,
tanto no direito italiano (artigo 116 do CPC) quanto no nosso (arti-
gos 130 e 131 do Código de Processo Civil). Por esta razão, enten-
demos aplicável ao nosso direito o conceito proposto por Camelutti,
acima exposto.
Estes elementos permitem-nos afirmar que não há restrição à
apresentação de documentos eletrônicos em juízo, que serão valora-
dos como as demais provas.
No documento se distinguem a matéria, o meio e o conteúdo.
Na maioria das vezes o papel é a matéria utilizada para documentar,
mas nada impede que seja uma tela, cera, pedra etc. Leães sustenta
que "a fita magnética, por exemplo, se constitui num material plena-
mente apto a produzir um documento, tão válido e eficaz quanto o é
o papel"'os_
O meio pode ser verbal ou figurativo. O termo verbal é usado
aqui em sentido amplo, para significar o que decorre do uso da lin-
guagem, e pode ser um documento escrito. Exemplo de meio figu-
rativo é a fotografia.
Quanto ao conteúdo, qualquer que seja ele, pode ser documen-
tado.

8.4. Temas para Estudos Complementares


Nosso direito consagra regras de interpretação aplicáveis a
todos os contratos e outras aplicáveis, especificamente, aos contra-
tos comerciais. Distinguir, nesse contexto, as semelhanças e diferen-
ças entre as regras de interpretação dos contratos civis, mercantis e
aqueles sujeitos ao Código de Defesa do Consumidor.

105 Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas,
São Paulo, Revista dos Tribunais, 1989. p. 58.
63

9. Prescrição e Decadência

A prescrição e decadência são institutos distintos, embora


apresentem traços comuns (são causas extintivas; baseiam-se na inér-
cia do titular; e fundam-se na decorrência de certo lapso de tempo) 106 •
No ensinamento de Antônio Luís da Câmara Leal 107 , a prescri-
ção apresenta as seguintes características: a) tem por objeto a ação;
b) supõe um direito já exercido pelo titular, cujo exercício foi obs-
tado por terceiro; c) supõe uma ação, cuja origem é distinta da ori-
gem do direito; d) o exercício da ação não se confunde com o exer-
cício do direito.
Por outro lado, a decadência: a) tem por objeto o direito; b)
supõe um direito que não foi exercido pelo seu titular; c) supõe uma
ação, cuja origem é idêntica à origem do direito; d) o exercício da
ação e o exercício do direito se confundem.
Assim sendo, "prescrição é a extinção de uma ação ajuizável,
em virtude da inércia de seu titular durante um certo lapso de tem-
po, na ausência de causas preclusivas de seu curso". E "decadência
é a extinção do direito pela inércia de seu titular, quando sua eficá-
cia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de
um prazo prefixado, e este se esgotou sem que esse exercício se ti-
vesse verificado" 108 .
Em princípio, não se distingue a prescrição mercantil da civil,
a não ser em matéria de prazos, que são, em regra, mais longos em
matéria civil. A exceção encontra-se no artigo 442, que concede à
prescrição ordinária comercial prazo superior à prescrição ordinária
civil das ações reais entre presentes, como já observava Carvalho de
Mendonça 109 • O Código Comercial também não distinguiu prescri-
ção e decadência, cabendo a distinção à doutrina.

106
Antônio Luís da Câmara Leal, Da prescrição e da decadência, 3' ed., Rio de Janei-
ro, Forense, 1978, p. 397.
107
Antônio Luís da Câmara Leal, Da prescrição e da decadência, cit., p. 398.
108
Antônio Luís da Câmara Leal, Da prescrição e da decadência, cit., p. 12 e 101.
109
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, 6' ed. atual.,
1961, v. VI, Livro IV, p. 456.
64 CONTRATOS MERCANTIS

9.1. No Código Comercial


O Código Comercial trata da prescrição em seu Título XVIII,
nos artigos 441 a 456. O artigo 441 assim dispõe:
"Art. 441. Todos os prazos marcados neste Código para
dentro deles se intentar alguma ação ou protesto, ou prati-
car algum outro ato, são fatais e improrrogáveis, sem que
contra a sua prescrição se possa alegar reclamação ou be-
nefício de restituição, ainda que seja a favor de menores.
Além dos casos de prescrição especificados em diversos ar-
tigos deste Código (artigos 109, 211, 512, 527 e 618), tam-
bém se dá prescrição nos de que tratam os seguintes."
Não há no Código referência expressa à decadência, mas, de
acordo com Wa1demar Ferreira, esse artigo prevê duas espécies de
prescrição: a) a prescrição especial consignada na alínea do artigo
441; b) a prescrição geral tratada nos artigos seguintes ao artigo 441 .
Portanto, os casos de prescrição previstos nos artigos 109, 211,
512, 527 e 618 do Código Comercial são, na verdade, prazos deca-
denciais, pois verifica-se a caducidade dos direitos neles conferi-
dos''o.
Acrescenta, ainda, outros casos de decadência previstos no
Código Comercial, no artigo 348 e na alínea do artigo 444, bem
como de outros previstos na legislação especial, como o artigo 32 do
Decreto no 2.044, de 31 de dezembro de 1908.
Por fim, há diversas causas que impedem, suspendem ou inter-
rompem a prescrição. O Código Comercial as dispõe nos seguintes
artigos:
"Art. 450. Não corre prescrição a favor de depositário, nem
de credor pignoratício, prescreve, porém, a favor daquele,
que, por algum título legal, suceder na coisa depositada ou
dada em penhor, no fim de 30 (trinta) anos, a contar do dia
da posse do sucessor, não se provando que é possuidor de
má-fé.
Art. 451. O capitão de navio não pode adquirir por título de
prescrição a posse da embarcação em que servir, nem de
coisa a ela pertencente".

110 Waldemar Ferreira, Tratado de Direito Comercial, li o vol., São Paulo, Saraiva, 1963,
p. 650 a 656.
FERNANDO NETTO BOITEUX 65

O artigo 452 foi revogado pelo disposto no artigo 169, in-


ciso III, do Código Civil.
"Art. 453. A prescrição interrompe-se por algum dos mo-
dos seguintes:
1 -Fazendo-se novação da obrigação, ou renovando-se o tí-
tulo primordial dela.
2 - Por via de citação judicial, ainda mesmo que tenha sido
só para juízo conciliatório.
3 - Por meio de protesto judicial, intimando pessoalmente
ao devedor, ou por éditos ao ausente de que se não tiver no-
tícia.
A prescrição interrompida principia a correr de novo: no
primeiro caso, da data da novação, ou reforma do título; no
segundo, da data do último termo judicial que se praticar
por efeito da citação; no terceiro, da data da intimação do
protesto.
Art. 454. A citação ou intimação de protesto feita a deve-
dor ou herdeiro comum, não interrompe a prescrição con-
tra os mais co-réus da dívida. Excetuam-se os sócios, con-
tra os quais ficará interrompida a prescrição sempre que
um dos sócios for pessoalmente citado ou intimado do pro-
testo.
Art. 455. Aquele que possui por seus agentes, prepostos ou
mandatários, pais, tutores ou curadores, entende-se que
possui por si.
Quem provar que possuía por si, ou por seus antepossuido-
res, ao tempo do começo da prescrição, presume-se ter
possuído sempre sem interrupção".
Inexistindo diferença essencial entre a prescrição civil e mer-
cantil é de se entender que as disposições em matéria prescricional
constantes no Código Civil e no Código de Processo Civil, especial-
mente sobre a interrupção da prescrição, aplicam-se, subsidiariamen-
te, à legislação comercial 111 •

111
Alguns autores fundamentam a aplicabilidade das normas sobre interrupção da pres-
crição previstas no Código Civil às obrigações comerciais no disposto no Decreto no
21.638, de 18 de julho de 1932, que determina a aplicação às obrigações comerciais
do disposto no artigo 172, inciso V, do Código Civil ("a prescrição interrompe-se por
qualquer ato inequívoco, ainda que extrajudicial, que importe reconhecimento do
66 CoNTRATos MERCANTIS

Os dispositivos que tratam de prazos de prescrição ou de de-


cadência nas leis especiais sobre contratos mercantis serão analisa-
dos nos capítulos próprios.

9.2. Na Lei de Falências


A Lei de Falências (Decreto-lei no 7.661145) também trata da
prescrição das obrigações, durante o processo de falência (artigos 47
e 134).

direito pelo devedor"). Este Decreto, no entanto. está revogado pelo Decreto n• 11,
de 21 de janeiro de 1991, conforme informação do Prodasen no site www.
senado.gov.br .
67

10. Compra e Venda Mercantil:


Características e Elementos Essenciais

Compra e venda é o contrato pelo qual uma das partes se obri-


ga a entregar uma coisa à outra, com o fim de aliená-la, mediante o
pagamento de certo preço (Código Civil, artigo 1.122).
A compra e venda é contrato bilateral, oneroso, comutativo ou
aleatório, de execução instantânea, ou diferida. É contrato simples-
mente consensual, pois, para sua perfeição, basta o acordo de vonta-
des. O artigo 191 do Código Comercial reforça este entendimento ao
considerar o contrato perfeito "ainda que a coisa se não ache entre-
gue nem o preço pago".
Contrato, em regra, comutativo, podendo ser aleatório, quan-
do a obrigação de uma das partes fica sujeita a acontecimento incer-
to, o que ocorre na venda de coisas incertas ou futuras 112 , como a
venda da safra em formação, cuja existência vai depender de fatores
climáticos.
Se o preço pago for irrisório não haverá venda 113 , podendo se
falar em doação simulada.

10.1. Mercantilidade da Compra e Venda


A comercialidade dos contratos mercantis, em geral, foi exa-
minada no item 1.2, acima, e essas regras se aplicam, integralmente,
ao contrato de compra e venda. Caso particular em matéria comer-
cial é o da oferta pública de aquisição de controle de companhia aber-
ta, regulada pelo artigo 257 da Lei n° 6.404/76 (Lei de Sociedades
por Ações).
Esta modalidade de oferta é utilizada quando existe uma pes-
soa (física ou jurídica) interessada no controle de uma companhia
que tem o seu capital pulverizado entre um número muito elevado de
acionistas. O interessado realiza a oferta diretamente aos investido-
res, propondo, mediante edital, a compra de ações em número sufi-
ciente para a assunção do controle da sociedade.
112
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, 10" ed., Rio de Janei-
ro, Forense, 2000, p. 60.
113
Orlando Gomes, Contratos, 23• ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 229.
68 CONTRATOS MERCANTIS

A destinação de revenda, elemento essencial dos contratos


comerciais, não fica caracterizada, pois o ofertante tem a intenção de
incorporar os títulos ao seu patrimônio. A finalidade da oferta é as-
segurar o controle da companhia 114 .
Modesto Carvalhosa entende tratar a oferta pública de contrato
mercantil, em razão de seu objeto, ações de sociedades 115 • O argu-
mento não procede, pois, como demonstra Fábio Comparato, desde
a unificação da Justiça Cível, em 1875, com a supressão dos Tribu-
nais de Comércio, deixou de existir a questão da delimitação da
matéria de comércio em razão da competência judiciária. Reduziu-
se a distinção entre as duas disciplinas, portanto, a duas questões: a
definição de mercancia e a distinção entre contratos e obrigações
mercantis e civis. Recorda, ainda, que não há, "no Código Comer-
cial, uma definição geral do que deve ser considerado como contra-
to mercantil", para concluir 116 :
"Onde não existe a indicação deste critério distintivo -
como na locação e no mútuo- deve-se admitir que a comer-
cialidade do contrato resulta de sua inserção no fluxo da
atividade empresarial ou mercancia.
Delimitados, assim, os campos respectivos do direito co-
mercial e do Civil, em matéria obrigacional, importa assi-
nalar que, no próprio regime do Código Comercial, o prin-
cípio é a aplicação das normas civis, figurando os disposi-
tivos do Código de Comércio como autênticas normas de
exceção - não no sentido de restrição de direito, mas de
aplicação especial a casos determinados."
Repassando, após, os requisitos da compra e venda mercantil,
presentes no artigo 191 do Código Comercial, fixa-se no elemento
114
Lei no 6.404/76, artigo 257, § 2°.
115
Modesto Carvalhosa, Oferta Pública de Aquisição de Ações, Rio de Janeiro, IBMEC,
1979, p. 53, entende que: "Trata-se de contratos mercantis. A comercialidade do
contrato advém de seu objeto, ou seja, ações de companhias (art. 191 do Código
Comercial), enquadrando-se, portanto, dentro da teoria dos atos de comércio, den-
tre os considerados mercantis por força da lei. Como tal, reger-se-á o contrato pela
lei própria do comércio e pelas leis civis (art. 121 e 428 do Código Comercial), in-
dependentemente, portanto, de serem ou não o ofertante ou o aceitante comercian-
tes."
116
Fábio Konder Comparato, "A Cessão de Controle Acionário é Negócio Mercantil?",
Novos Ensaios e Pareceres de Direito Empresarial, Rio de Janeiro, Forense,
1981, p. 250.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 69

"intenção de revenda", esclarecendo como se externa a intenção de


revender. Conclui, finalmente, com apoio em Vivante e em Carvalho
de Mendonça 117 :
"Por isso, ambos os autores frisam que compra e venda
mercantil tem por objeto mercadorias (como estava, aliás,
no texto do revogado Código Comercial italiano de 1882),
e não quaisquer coisas móveis."

10.2. Contrato Preliminar


A promessa de compra e venda admite execução específica,
por meio de uma sentença "que produza o mesmo efeito do contrato
a ser firmado" (Código de Processo Civil, art. 639). Todavia, é ne-
cessário saber quando estamos diante de um contrato que admita
execução específica ou de outro que represente mera promessa de
contratar, com menor grau de efetividade, portanto.
Em caso que se tornou leading case entendeu o Supremo Tri-
bunal Federal que essas condições são diversas, conforme se trate de
contrato civil ou comerciaii 18 . No primeiro caso, bastaria o consen-
so sobre a coisa e o preço (Código Civil, artigo 1.126); no segundo,
haveria necessidade de acordo sobre a coisa, o preço e "as condições"
(Código Comercial, artigo 191, primeira parte).
Sob este fundamento, decidiu o Tribunal, pelo voto do Minis-
tro Moreira Alves, que só se forma o vínculo contratual "quando as
partes chegam a acordo sobre todas as cláusulas que devem constar
do contrato, sejam elas relativas aos denominados elementos essen-
ciais, sejam elas referentes aos denominados elementos acidentais,
ambos objetivamente considerados" 119 •
Esta interpretação, no entanto, não é pacífica, pois, como afir-
ma Fábio Comparato 120 : "a expressão 'condições' no texto do art. 191
do mesmo Código não se refere a outros bens ou interesses, diver-

117
Fábio Comparato, "A Cessão de Controle Acionário é Negócio Mercantil?", cit., p.
256.
118
Supremo Tribunal Federal, Revista Trimestral de Jurisprudência, 921250.
119
Mauro Rodrigues Penteado, "Formação de contrato preliminar suscetível de adjudi-
cação compulsória". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Finan-
ceiro, 39 Nova Série, 1980, p. 136.
12
° Fábio Konder Comparato, "Reflexões sobre as promessas de controle societário",
Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, I 98 I, p.
228 e segs., transcrição de p. 241.
70 CONTRATOS MERCANTIS

sos dos essentialia negotii, mas aos próprios elementos do preço e da


coisa, objeto principal do sinalagma contratual".
Por outro lado, decidiu o Superior Tribunal de Justiça que o
juiz não poderá dar à vontade da parte "conteúdo que importe inclu-
são de cláusulas de que não cogitou a inicial" 121 .

10.3. Elementos Essenciais


O contrato está perfeito e acabado quando se verifica o acor-
do quanto à coisa e ao preço; assim, são elementos essenciais: coi-
sa, consentimento, preço.

10.3.1. Coisa ou direito


Para que a coisa possa ser elemento do contrato de compra e
venda mercantil, exige-se que:
a) seja móvel ou semovente;
b) seja legalmente alienável (livremente disponível por
parte de seu proprietário);
c) não esteja fora do comércio, por sua natureza inapro-
priável;
d) possua valor intrínseco ou estimativo que possa ser de-
terminado, para possibilitar uma contraprestação em di-
nheiro.
A coisa ou o direito que é objeto do contrato de compra e ven-
da deve ser especificada; todavia, admite-se a venda de coisa gené-
rica, podendo o gênero ser limitado ou ilimitado (Código Civil, arti-
go 874). O vendedor pode se comprometer a vender um número de-
terminado de sacas de café, indicando, pelo menos, o gênero e a
quantidade (Código Civil, artigo 874); ou pode se obrigar a vender
tantas sacas de café "Santos tipo 4" indicando, neste caso, a quali-
dade. No primeiro caso a especificação da coisa a ser entregue cabe
ao vendedor (Código Civil, artigo 875).
Em princípio, todas as coisas no comércio podem ser objeto
de venda, os bens corpóreos e os incorpóreos; as coisas presentes e
as futuras; as próprias e alheias; e as universalidades de direito ou de
fato.

121 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 4.743-RS, Terceira Turma, Rela-
tor Ministro Eduardo Ribeiro, j. 10 de dezembro de 1990, unânime.
FERNANDO NETIO BOITEUX 71

Corpóreas são as coisas que têm existência material (merca-


dorias) e incorpóreas as que, embora não tendo existência material,
possuem valor econômico e estão sujeitas à propriedade (por exem-
plo, a patente de invenção). Poderão ser vendidas, ainda, coisas abs-
tratas, mas representadas por um documento.
Podem ser vendidas coisas que existem no momento da for-
mação do contrato ou que existirão posteriormente; não sendo exi-
gível imediatamente o cumprimento da obrigação, é admissível a
venda de coisa futura como, por exemplo, a mercadoria a ser produ-
zida.
Assim, admite-se a venda de coisa alheia, desde que o vende-
dor venha a adquiri-la, tomando-se seu proprietário para poder trans-
feri-la (porque o contrato tem efeito obrigacional e não real).
Uma modalidade corrente de venda de coisa alheia ocorre no
mercado de capitais, com a chamada venda a descoberto, aquela na
qual "o vendedor não seja, no momento da celebração, titular dos
valores mobiliários que se obriga a entregar" 122 • Nesta modalidade de
negociação o vendedor oferece apenas uma garantia, comprometen-
do-se a entregar a coisa na data determinada pelo regulamento da
Bolsa de Valores.
A venda de bens incorpóreos, compreendidos os direitos, de-
nomina-se cessão 123 •
Podem ser vendidas, ainda, as universalidades de direito ou de
fato, sendo exemplo de universalidade de fato o fundo de comércio,
que é formado pela vontade do seu titular.

10.3.2. Preço
Preço é o valor em dinheiro que o comprador se obriga a pa-
gar ao vendedor em troca da propriedade da coisa. Deve ser em di-
nheiro: se for outra coisa, caracteriza a permuta ou troca. Deve ser
real ou verdadeiro, pois caso contrário não se tratará de uma com-
pra e venda, mas de doação simulada.
Em regra, o preço é livremente estipulado pelas partes, mas
elas podem convencionar que a fixação do preço fique a cargo de
terceiros (Código Comercial, artigo 194) 124 •
122
Raquel Sztajn, "Os contratos de bolsa", In: Carlos Alberto Bittar (coordenador),
Novos contratos empresariais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 175.
123
Orlando Gomes, Contratos, cit., item 172, p. 222.
124
As questões referentes à moeda de pagamento serão examinadas no item 11.1.3.
72 CONTRATOS MERCANTIS

Há casos em que o preço é fixado pelo Estado, ou sujeito à sua


autorização, conforme previsão genérica na Lei no 7.776 de 16 de
junho de 1989, que "dispõe sobre a Secretaria Especial de Abasteci-
mento e Preços - SEAP, e dá outras providências", artigo I 0 , trans-
crito abaixo. Nestes casos será necessário examinar se a atuação do
Estado é constitucionaJI 25 .
"Art. I o - À Secretaria Especial de Abastecimento e Preços
- SEAP, órgão integrante da estrutura básica do Ministério
da Fazenda, compete assessorar o Ministro de Estado na
formulação e execução da política nacional de abasteci-
mento e preços e coordenar sua execução".
São requisitos do preço: deve ser em dinheiro; deve ser sério,
sendo necessário que o vendedor tenha a intenção de exigi-lo; e deve
ser certo, isto é, determinado ou determinável (podendo ser deixado
à estimação de terceiros ou de arbitradores), mas não se requer que
ele seja justo, salvo nos casos em que se reconhece a lesão 126 , ressal-
vando-se que o Código Comercial não admite a rescisão do contrato
de compra e venda por lesão, salvo provando-se erro, fraude ou si-
mulação (artigo 220).
Todavia, há casos em que o poder público intervém para fixar
preços ou para garantir que ele seja justo. Assim, a Lei sobre Econo-
mia Popular já considerava crime vender mercadoria por preço mais
alto que o fixado pelo poder público, ou mais baixo que o valor
do custo se o intuito fosse eliminar a livre concorrência. A Lei no
8.884/94, que regula as infrações contra a ordem econômica, consi-
dera infração o acordo sobre preços para impedir a concorrência.
No regime da Lei no 1.521 de 26 de dezembro de 1951 (Alte-
ra Dispositivos da Legislação Vigente sobre Crimes contra a Econo-
mia Popular) são tipificadas como crimes, dentre outras, as seguin-
tes condutas:
a) vender por preço superior ao tabelado (artigo 2°);
b) transgredir tabelas oficiais de gêneros e mercadorias, ou
de serviços essenciais (artigo 2°, inciso VI);

125 Fernando Netto Boiteux, "Intervenção do Estado no Domínio Econômico na Cons-


tituição Federal de 1988, In: Marco Aurelio Greco (coordenador), Contribuições de
intervenção no domínio econômico e figuras afins, São Paulo, Dialética, 2001, p. 62
e segs.
126 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, cit., p. 111.
FERNANDO NETTO BOITEUX 73

c) vender mercadorias abaixo do preço de custo com o fim


de impedir a concorrência (artigo 3°).
A Lei no 8.884 de 11 de junho de 1994, que "transforma o
Conselho Administrativo de Defesa Econômica - Cade em Autar-
quia, dispõe sobre a Prevenção e a Repressão às Infrações contra a
Ordem Econômica e dá outras providências", prevê em seu artigo 21
diversas condutas que caracterizam infração da ordem econômica.
Quanto à moeda, dispõe o artigo 195 do Código Comercial:
"Art. 195 - Não se tendo estipulado no contrato a qualida-
de da moeda em que deve fazer-se o pagamento, entende-
se ser a corrente no lugar onde o mesmo pagamento há de
efetuar-se, sem ágio ou desconto".

10.3.3. Consentimento
Para validade do contrato, em geral, é necessário que o con-
sentimento seja manifestado por pessoa capaz; no entanto, como vis-
to, não se exige a capacidade de ambas as partes nos contratos de
massa.
Além disso, o consentimento na compra e venda, como em
qualquer ato jurídico, não deve estar viciado por erro, dolo ou coa-
ção (Código Civil, artigos 86 a 1O1), ou ainda, por simulação ou frau-
de (Código Civil artigos 102 a 113; Código Comercial, artigo 129,
no 4; Lei de Falências, artigo 53), sob pena de ser anulável (Código
Civil, artigo 147, II).

10.4. Vendas Internacionais


As vendas internacionais, dado que realizadas entre partes su-
jeitas a ordenamentos jurídicos diversos, trazem como principal difi-
culdade a determinação da lei aplicável. Assim, aplicam-se às vendas
internacionais tanto convenções internacionais quanto os termos téc-
nicos uniformes, denominados Incoterms (International Commerce
Terms), catalogados pela Câmara de Comércio Internacional- CCI.

10.5. Temas para estudos complementares


Em face da divergência entre doutrina e jurisprudência, expli-
que se existem diferenças de regime entre as obrigações civis e mer-
cantis, no que se refere à efetividade do contrato preliminar e, em
caso positivo, informe quais são elas e quais os seus efeitos.
74

11. Compra e Venda Mercantil.


Obrigação do Vendedor. A Tradição da
Coisa e a Responsabilidade pelos
Vícios Ocultos e pela Evicção

Com o consentimento o comprador não se torna imediatamen-


te proprietário da coisa, e sim, credor do vendedor da entrega da
coisa (o que justifica a responsabilidade do vendedor por vícios ocul-
tos e evicção). Assim, as principais obrigações do vendedor são 127 :
a) entregar a coisa, transferindo ao comprador a sua pro-
priedade;
b) garantir-lhe a efetividade do direito sobre a coisa.
A obrigação de garantia se desdobra em três pontos principais:
a) de fazer boa, firme e valiosa a coisa vendida, ou seja, de
assegurar o seu uso e gozo pacífico;
b) de responder pelos vícios ocultos;
c) de responder pela evicção.

11.1. A Entrega da Coisa ou a Tradição


A obrigação de entregar a coisa vendida, "no prazo, e pelo
modo estipulado no contrato", está prevista no artigo 197 do Código
Comercial.
Em regra, a transferência do domínio de coisas móveis se ope-
ra pela tradição (Código Civil, artigo 675). São exceções, por exem-
plo, a transferência de propriedade das ações nominativas de socie-
dade anônima, que se efetua mediante termo lavrado em livro espe-
cial (Lei no 6.404 de 1976, art. 31); a transferência dos títulos de cré-
dito nominativos é feita por endosso; e a dos navios se dá por termo
em registro especial.

11.1.1. Formas de tradição


a) real: efetiva entrega da coisa;
b) simbólica: não há entrega da coisa, mas de um docu-
mento que a representa (Código Comercial, artigo 200,
127 Orlando Gomes, Contratos, 23' ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 232.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 75

cuja redação confusa, no entanto, é ressaltada por toda a


doutrina). Exemplo de tradição simbólica é o conhecimen-
to de depósito dos armazéns-gerais;
c) consensual: declaração do vendedor, pondo a coisa ven-
dida à disposição do comprador, como previsto no artigo
206 do Código Comercial.

11.1.2. Os riscos da coisa e a tradição


Para J. X. Carvalho de Mendonça "a expressão riscos signifi-
ca, nesta matéria, os perigos pela perda ou pela avaria (deterioração)
da coisa, sem culpa de qualquer dos contratantes, ou, em frase mais
positiva, os perigos decorrentes do caso fortuito ou força maior" 128 •
Na expressão mais sintética de Fran Martins, risco é qualquer peri-
go que a coisa venha a sofrer sem que para isso concorra culpa dos
contratantes, ou seja, a possibilidade de ocorrência de caso fortuito
ou força maior 129 •
As normas sobre a tradição não são de ordem pública, portan-
to, as partes podem convencionar de forma diversa da que prevê o
Código 130 •
O direito romano passava os riscos para o comprador desde a
formação do contrato 131 ; o Código Civil (artigo 1.127) prevê o opos-
to, dispondo que até o momento da tradição os riscos da coisa cor-
rem por conta do vendedor.
O Código Comercial tem regra diversa (artigos 206 e 207):
concluído o contrato, se o comprador põe a coisa vendida certa, in-
dividualmente determinada, à disposição do comprador no lugar e
tempo ajustados, desde logo correrão por conta deste todos os riscos
e despesas de conservação 132 • Não se aplica, portanto, o disposto no
128
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janei-
ro, Freitas Bastos, 1960, v. VI, parte II, item 705, p. 108.
129
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11• ed. rev., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1990, p. 198.
130
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., v. VI, parte
II, item 708, p. 110.
131
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., v. VI, parte
II, item 708, p. 110, e Clóvis Beviláqua, Código Civil dos Estados Unidos do Brasil,
comentado, Rio de Janeiro, Editora Rio, edição histórica, 1976, v. 11, p. 239.
132
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., v. VI, parte
II, item 708, p. 110, e Luiz da Cunha Gonçalves, Da compra e venda no direito co-
mercial brasileiro, São Paulo, Editora Monteiro Lobato, s/ data.
76 CONTRATOS MERCANTIS

artigo 1.127 do Código Civil, como assinalou Carvalho de Mendon-


ça. No entanto, modernamente, a doutrina é pacífica em afirmar a
aplicação da regra geral do Código Civil. A diferença reside em que
"pôr à disposição" (tradição ficta), não é o mesmo que entregar (tra-
dição real).
O Código Comercial discrimina os riscos que cabem a cada
parte, sempre segundo o princípio de que, até a tradição, o vendedor
mantém a posse da coisa e, dessa forma, responde por ela (artigos
206, 207 e 208).

1 1.1.3. Modo, lugar e tempo


Modo significa a maneira como deve ser entregue a coisa, ou
seja, encaixotada, ensacada ou em vasilhames, por exemplo 133 .
O modo será aquele que as partes estipularem; se nada foi es-
tipulado a respeito faz-se pelo modo usual no lugar (Código Comer-
cial, artigos 197 e 199).
Lugar é o da venda (Código Comercial, artigo 199).
Tempo (prazo): na falta de estipulação, aplica-se o disposto no
artigo 137 do Código Comercial, devendo a entrega ser feita dentro
de 1O (dez) dias. Todavia, nas vendas a varejo a entrega deve ser fei-
ta na data do pagamento, por aplicação dos artigos 198 do Código
Comercial e 1.130 do Código Civil 134 •
Na venda a distância, quando a mercadoria já foi expedida
(tradição simbólica) e o preço ainda não foi pago, em caso de mu-
dança de estado patrimonial do comprador o vendedor pode obstar a
entrega da mercadoria antes do recebimento do preço. É o chamado,
no direito inglês, right of stoppage in transitu, consagrado em nosso
Código Comercial (artigo 198) e na Lei de Falências.
Miranda Valverde qualifica este direito como um direito de
resolução do contrato por falta de pagamento do preço, anotando que
para Carvalho de Mendonça seria uma aplicação da exceptio non
adimpleti contractus e para Cunha Gonçalves, direito de retenção 135 .
Cabe lembrar que o protesto é ato extrajudicial e solene; ser-
ve de prova da apresentação da letra, no prazo de vencimento, para
aceite, ou para pagamento; serve de prova de inadimplemento da
133
Fran Martins. Contratos e obrigaçiies comerciais. cit., p. 201.
13
" Fran Martins, Contratos e obrigaçiies comerciais. cit., p. 202.
115
Miranda Vai verde, Comentários à lei de falências. 4' ed. atual. por J. A. Penalva San-
tos et alii. Rio de Janeiro. Forense, 1999, v. I, p. 328 e 329.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 77

promessa cambiária; serve de prova, ainda, para o requerimento da


falência do aceitante comerciante. Parece exagerada a afirmação de
que o simples protesto, sem requerimento de falência, já justifique o
direito à stoppage in transitu, visto que ainda não está declarada a
insolvência do devedor (Código Comercial, artigo 198, Lei de Falên-
cias, artigo 44, I).
É questionável o exercício desse direito na concordata. Ele não
decorre do disposto na Lei de Falências, mas deve ser examinado à
luz do artigo 198 do Código Comercial.

11.1.4. Despesas com a tradição


A responsabilidade pelas despesas com a tradição se apura
conforme as partes pactuarem. Se não houver estipulação, as despe-
sas com a tradição ficam a cargo do vendedor e com o recebimento
da coisa por conta do comprador (Código Civil, artigo 1.129 e Códi-
go Comercial, artigo 196).

11.2. Responsabilidade por Fato Próprio


A entrega da coisa vendida é a execução do contrato por parte
do vendedor. Por essa razão ele deve entregar a coisa com tudo o que
estiver destinado permanentemente ao seu uso. Se violada essa obri-
gação caracteriza-se a responsabilidade por fato próprio, prevista nos
artigos 209 e 214 do Código Comercial.

11.3. Responsabilidade pelos Vícios Ocultos


O vício oculto é também chamado redibitório. Para Caio Má-
rio da Silva Pereira 136 :
"Vício redibitório é o defeito oculto de que portadora a
coisa objeto de contrato comutativo, que a torna imprópria
ao uso a que se destina, ou lhe prejudica sensivelmente o
valor. É assim que, mutatis mutandis, todos os escritores o
definem, e que o Código Civil o entende no art. 1.1 O1".
O disposto no artigo citado do Código Civil é genérico, apli-
cando-se a todos os contratos comutativos. O fundamento é a obri-
gação de garantia, independendo de prova da culpa, portanto 137 •
136
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, cit., p. 73.
137
Tanto para Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, cit., p. 74,
quanto para J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro,
cit., v. VI, parte II, p. 79 e segs.
78 CONTRATOS MERCANTIS

Os prazos para alegação do vício são de 15 dias se o bem é


móvel e de 6 meses se o bem é imóvel, contados da tradição (Códi-
go Civil, artigo 178).
No Código Comercial, a responsabilidade está regulada no
artigo 21 O. Portanto, o comprador não deve ter conhecimento do ví-
cio, pois não poderá reclamar se examinou previamente a mercado-
ria. Se a embalagem impedia o exame adequado da mercadoria apli-
ca-se o disposto no artigo 211 do Código Comercial.
Segundo Carvalho de Mendonça o comprador pode optar pela
rescisão do contrato (Código Comercial, artigo 213) ou pelo abati-
mento do preço (ação redibitória ou quanti minoris, respectivamen-
te), com fundamento no artigo 1.105 do Código Civil 138 •
No regime do Código de Defesa do Consumidor não importa,
para efeito de garantia contra os vícios ocultos, se a coisa é móvel ou
não, importa se ela é durável. Anota Herman Benjamin, reafirman-
do a distinção entre as noções de produtos não-duráveis (Código de
Defesa do Consumidor) e perecíveis, ou consumíveis (Código Civil,
artigo 51) 139 :
"Por bens não duráveis entenda-se todos aqueles que se
exaurem ao primeiro uso ou em pouco tempo após a aqui-
sição. Aí cabem, entre tantos outros, os alimentos, medica-
mentos, cosméticos, serviços de lazer e de transporte".
O prazo previsto pelo Código Comercial é para a propositura
da ação, sob pena de decadência, ao passo que o prazo previsto no
Código do consumidor é para reclamação (Código de Defesa do
Consumidor, artigo 26).

11.4. A Responsabilidade pela Evicção


A evicção dá-se quando o adquirente sofre perda total ou par-
cial da coisa em virtude de sentença judicial que a atribui a outrem
por direito anterior ao contrato, entendendo o Superior Tribunal de
Justiça que a evicção também pode se dar em razão da apreensão por
autoridade policiaJI 40 .
138 J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., v. VI, parte
II, p. 85.
139 Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin, In: Juarez de Oliveira (coordenador),
Comentários ao código de proteção do consumido!; São Paulo, Saraiva, 1991, p. 131.
140 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n° 51.875-RJ, também referido por
Theotonio Negrão, Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigm;
cit., nota 9a ao artigo 70.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 79

A garantia contra evicção é princípio que se aplica a todos os


contratos onerosos (Código Civil, artigo 1.1 07), prevista especifica-
mente no artigo 215 do Código Comercial, cabendo a denunciação
da lide (Código de Processo Civil, artigos 70 e seguintes).
O comprador, em caso de evicção, tem direito à indenização
sobre benfeitorias feitas enquanto estava na posse do bem (Código
Civil, artigo 1.112; Código Comercial, artigo 216), tendo, inclusive,
direito de retenção.
80

12. Compra e Venda Mercantil.


Obrigações do Comprador. Pagamento do
Preço e Recebimento da Coisa.
Cláusulas Especiais Relativas ao
Transporte da Coisa

São obrigações do comprador: pagar o preço e receber a coisa


objeto do contrato.

12.1. Pagamento do Preço


O pagamento do preço é a contraprestação devida pelo com-
prador à qual fica subordinada a entrega da coisa (artigo 1.130 do
Código Civil).
O preço deve ser pago ao próprio vendedor ou a pessoa por ele
autorizada (Código Comercial, artigo 429 e Código Civil, artigo
934).

12.1.1. Lugar do pagamento


O lugar do pagamento, em regra, é estipulado no contrato.
Nas vendas à vista o pagamento é feito contra entrega, portan-
to, no local em que o comprador recebeu a coisa. Na falta de ajuste,
o pagamento se fará no domicílio do devedor (Código Comercial,
artigo 430).

12.1.2. Modo de pagamento


De acordo com o ajustado pelas partes, podendo ser: paga-
mento integral ou por inteiro; pagamento parcelado, nas compras a
prestação.

12.1.3. Moeda de pagamento


Segundo o artigo 195 do Código Comercial é a moeda corren-
te no lugar do pagamento. No Brasil, moeda nacional; fora do Bra-
sil, moeda local.
O pagamento em moeda estrangeira deve ser efetuado através
de estabelecimentos bancários autorizados, pois o contrato de câm-
FERNANDO NETIO BOITEUX 81

bio é dirigido, vale dizer, é estritamente regulado pelo Estado (Lei n°


4.728, de 14 de julho de 1965, artigo 9°).
A Lei n° 7 .492, de 16 de junho de 1986, em seu artigo 22, con-
sidera crime, punido com reclusão e multa, o fato de alguém "efe-
tuar operação de câmbio, com o fim de promover evasão de divisas
do País". Submete às mesmas penas "quem, a qualquer título, pro-
move, sem autorização legal, a saída de moeda ou divisa para o ex-
terior, ou nele mantiver (sic ... ) depósitos não declarados à repartição
fiscal competente".

12.2. Recebimento da Coisa


O recebimento da coisa obedece às mesmas regras relativas a
entrega da coisa pelo vendedor, se nada foi estipulado no contrato.

12.3. Cláusulas Especiais Relativas ao Transporte da Coisa


As despesas com o recebimento da coisa cabem ao comprador,
conforme disposto no artigo 196 do Código Comercial, sendo cor-
rente o uso das Incoterms, conforme já examinado no item 2.2.3,
aCima.
82

13. Compra e Venda Mercantil.


Modalidades Específicas. Contrato de
Fornecimento. Venda Pública

De acordo com a quantidade das mercadorias adquiridas po-


demos classificar a compra e venda como por atacado (em grosso)
ou a varejo (a retalho), de acordo com o prazo em à vista ou a pra-
zo.
Temos a compra e venda pura e simples com a entrega da coi-
sa pelo vendedor mediante o recebimento do preço do comprador,
prevista no artigo 1.126 do Código Civil. As demais modalidades
previstas em lei serão examinadas adiante.

13.1. Modalidades da Compra e Venda


13.1.1. Compra e venda sob amostras
Na compra e venda sob amostras o vendedor não apresenta ao
comprador a própria coisa, mas apenas uma amostra da mesma. No
dizer de Fran Martins 141 :
"Na realidade, o contrato se faz com a simples troca do
consentimento, assegurando o vendedor que entregará a
coisa com as mesmas qualidades da amostra apresentada.
Se, por acaso, o vendedor assim não fizer, o contrato não
se desfaz; poderá o vendedor ser demandado pela entrega
da coisa com os requisitos da amostra ou por perdas e da-
nos em caso do não cumprimento do contrato (Código Ci-
vil, art. 1.056). Já na venda condicional tal não se verifica".
Por esta razão, entende-se que a compra e venda sob amostras
não é condicional, mas pura e simples 142 . No entanto, é possível que
as partes estabeleçam como condição que o contrato só se aperfei-
çoará se a coisa a ser entregue coincidir com a amostra (Código Co-
mercial, artigo 201).
141
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11" ed. rev., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1990, p. 172.
142
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 170 e J. X. Carvalho de
Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janeiro, Freitas Bastos,
1960, v. VI, parte II, p. 124.
FERNANDO NETIO BOITEUX 83

13.1.2. Compra e venda condicional


Na compra e venda condicional, o contrato só produzirá efei-
tos após verificarem-se as condições estabelecidas (Código Comer-
cial, artigo 191). Exemplo: venda a contento (Código Comercial, ar-
tigo 207, n° 2).

13.1.3. Venda a termo propriamente dita


Como explica Waldirio Bulgarelli 143 :
"Trata-se de uma modalidade de venda que diz respeito à
execução do contrato, a exemplo do que ocorre com as ven-
das complexas. Nas vendas a termo, após a conclusão do
contrato, comprador e vendedor acordam que a execução
se fará dentro de certo tempo, o qual se desenvolverá den-
tro de termos, inicial (suspensivo ou principal) e extintivo
(final)."
Podemos citar como exemplo a venda a termo de títulos em
bolsas de valores, sendo que uma operação é denominada a termo
quando a prestação e a contraprestação são contemporâneas no fu-
turo, ou seja, aquela cuja liquidação se realiza após cinco dias de seu
fechamento.

13.1.4. Vendas complexas


Trata-se de uma modalidade de compra e venda que, na exe-
cução do contrato, se decompõe em várias outras, conexas e depen-
dentes da principal que lhe deu origem 144 • Exemplo desta é o contra-
to de assinatura (jornais, revistas etc.).

13.1.5. Contrato de fornecimento


No contrato de fornecimento uma das partes (vendedor) obri-
ga-se a fornecer periodicamente e continuamente coisas determina-
das, mediante o pagamento de preço correspondente pela outra par-
te (comprador).
É necessário, portanto, que haja repetição das prestações, seja
em intervalos regulares (na hipótese de contrato firmado entre um
fabricante de determinada mercadoria e seus revendedores), seja de

143
Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, 11• ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 265.
144
Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, cit., p. 253.
84 CoNTRATOS MERCANTIS

modo contínuo e ininterrupto (como no caso de fornecimento de


energia elétrica, gás, água etc.).
O pagamento do preço deve ser efetuado também em interva-
los regulares, proporcionalmente ao consumo do produto ou às mer-
cadorias fornecidas.
O prazo de duração do contrato pode ser determinado ou in-
determinado.
Reveste-se muitas vezes da forma de contrato por adesão,
como no caso do fornecimento de serviços públicos de água e luz,
ainda que realizado o serviço por meio de empresas privadas.
É considerado por alguns autores como uma espécie do gêne-
ro "vendas complexas". Segundo esse entendimento o contrato de
fornecimento seria um único contrato cuja execução se desdobraria
em inúmeras prestações com características de compra e venda.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu que o fornecimento
de serviços públicos, como o de água e luz, não pode ser interrom-
pido por falta de pagamento, devendo o credor usar de ação de exe-
cução145.

13.1.6. Vendas públicas


Elemento essencial das vendas públicas, como o seu próprio
nome indica, é a publicidade.
Sua principal característica é a interferência de várias pessoas
no momento da formação do contrato, como pretendentes. Os pre-
tendentes oferecem preços determinados pela coisa oferecida, pre-
ços que são aceitos com a condição suspensiva de que não haja me-
lhor oferta. O comprador será aquele que tiver feito melhor oferta,
ficando os outros desobrigados de suas ofertas anteriores.
Podem as vendas públicas ser forçadas e voluntárias.

13.1.6.1. Vendas públicas forçadas


As vendas públicas forçadas realizam-se por força de lei e di-
videm-se em administrativas (leilões realizados pelas repartições fis-
cais ou aduaneiras) e judiciais (por determinação ou autorização ju-
dicial, como em alguns casos previstos na Lei de Falências, artigos
73 e 117, em execuções de sentenças e outros). Exceção, em nosso

15
" A jurisprudência foi analisada no item 6.2.5.1.
FERNANDO NEno BoiTEux 85

direito, é a venda forçada extrajudicial das ações do acionista remis-


so, examinada abaixo.
A venda judicial diz-se realizada em hasta pública, que é a
solenidade utilizada pelo Estado para concretizar a expropriação e
que pode realizar-se por três modalidades:
a) praça, quando se tratar de bens imóveis (artigo 697 do
Código de Processo Civil);
b) leilão 146 , quando se tratar de bens móveis, à exceção dos
títulos cuja alienação competir a corretores de Bolsa de
Valores (artigo 704 do Código de Processo Civil);
c) pregão da Bolsa de Valores, quando se tratar de títulos
emitidos por pessoas de direito público interno e aqueles
que lhe são equiparados 147 •
Existe um caso particular de venda pública forçada extrajudi-
cial em nosso direito, que também se realiza em Bolsa de Valores: é
a execução pela sociedade anônima do débito do acionista remisso,
ou seja, daquele que não integralizou o valor de suas ações. Esta exe-
cução se dá pela venda de suas ações em Bolsa de Valores, sem in-
tervenção do Judiciário.
Observe-se a ocorrência de mora ex re e não ex persona 148 (Lei
no 6.404/76, artigo 106, § 2°), ao contrário da regra geral do direito
comercial e o fato de que a companhia pode promover contra o acio-
nista remisso uma execução privada, além da execução judicial (Lei
no 6.404/76, artigo 107).
A venda das ações do acionista inadimplente em Bolsa repre-
senta a sua exclusão da companhia. Dada a natureza estatutária e

146
A profissão de leiloeiro é regulada pelo Decreto no 21.981, de 19 de outubro de 1932.
147
Humberto Theodoro Jr., Processo de execução, 20• ed. atual., São Paulo, Leud, 2000,
p. 348.
148
Para Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 3° ed. rev. e atual.,
Rio de Janeiro, Forense, 1972, vol. li, p. 267, "conforme seja proveniente da própria
obrigação, ao revés de uma provocação da parte a quem interessa, diz-se que a mora
pode ser ex re ou ex persona. Dá-se a mora ex persona, na falta de termo certo para
a obrigação. O devedor não está sujeito a um prazo assinado no título, o credor não
tem um momento predefinido para receber. Não se poderá falar então em mora au-
tomaticamente constituída. Ela começará da interpelação, notificação ou protesto que
o interessado promover, e seus efeitos produzir-se-ão ex nunc, isto é, a contar do dia
da intimação (Código Civil, art. 960, 2• parte).
A mora ex re vem do próprio mandamento da lei, independentemente de provoca-
ção da parte a quem interesse, nos casos especialmente previstos ( ... )".
86 CONTRATOS MERCANTIS

capitalista da sociedade anônima, entende-se que este é o único caso


de exclusão de acionista admitido em lei, não podendo o estatuto
criar outros.

13.1.6.2. Vendas públicas voluntárias


Vendas públicas voluntárias são aquelas que se realizam por
vontade do vendedor e por meio de leilões, verificando-se a concor-
rência de ofertas prevista no item 13.2.6, acima.

13.2. Opção e Preferência: Distinções


Os pactos de preferência podem ter por objeto diversos con-
tratos, e não apenas os de compra e venda. Na definição de Antunes
Varela, são 149 :
"os contratos pelos quais alguém assume a obrigação de,
em igualdade de condições, escolher determinada pessoa (a
outra parte ou terceiro) como seu contraente, no caso de se
decidir a celebrar determinado contrato".
Exemplos de pactos de preferência são aqueles presentes em
estatutos sociais ou contratos de sociedades limitadas nos quais de-
terminados acionistas, ou quotistas, outorgam preferência a outros
para adquirirem as suas ações, ou quotas, nas mesmas condições de
preço e prazo oferecidas por terceiros.
Na opção, ainda segundo Antunes Varela 150 :
"( ... )mais até do que uma obrigação de contratar, há uma
proposta contratual que, para se aperfeiçoar e converter
num contrato definitivo, necessita apenas da aceitação da
contraparte, já determinada. No pacto de prelação há, pelo
contrário, a simples promessa de escolher um contraente,
entre todos, em vista da celebração eventual de um contra-
to futuro".
A distinção entre direito de preferência e de opção é funda-
mental no direito societário, à vista do chamado direito de preferên-
cia de subscrição de ações em aumento de capital, esclarecendo Fá-

149 João de Matos Antunes Varela, Das obrigações em geral, 5' ed. rev., Coimbra, AI-
medina, v. I, 1986, p. 324.
150 João de Matos Antunes Vare! a, Das obrigações em geral, cit., p. 342.
FERNANDO NETIO BOITEUX 87

bio Comparato que no direito de preferência há uma concorrência de


ofertas; no direito de opção há um verdadeiro poder 151 •

13.3. Temas para Estudos Complementares


Distinga a venda a contento e a hipótese de arrependimento do
consumidor prevista no Código de Defesa do Consumidor.

151
Fábio Konder Comparato, Novos ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de
Janeiro, Forense, 1981, p. 177, com ampla citação doutrinária.
88

14. Compra e Venda Mercantil.


Inadimplemento Contratual

14.1. Violação do Contrato de Compra e Venda e Mora


As regras relativas ao vencimento distinguem particularmen-
te as obrigações civis e mercantis, na medida em que a mora nas
obrigações civis se dá pelo simples decurso do prazo (mora ex re) e
nas obrigações comerciais a constituição do devedor em mora depen-
de de notificação com esse fim (mora ex persona) (Código Comer-
cial, artigos 137 e 138).
Como o contrato de compra e venda é bilateral, qualquer das
partes pode incorrer em mora, pois ambos são, ao mesmo tempo,
credor e devedor do outro 152 . O Código Comercial, no entanto, só se
referiu expressamente à mora na entrega da coisa (relativamente ao
vendedor) e à mora no pagamento do preço (relativamente ao com-
prador).
Assim, incorre em mora a parte que não cumpre a obrigação
no tempo devido, regulando-se a mora do vendedor pelo disposto nos
artigos 202 e 203 do Código Comercial e a mora do comprador pelo
disposto no artigo 204 do mesmo diploma legal.
No entanto, pode revelar-se a mora solvendi, se qualquer con-
tratante não cumpre a sua obrigação no tempo devido, por exemplo:
- se o vendedor deixa de entregar a coisa no lugar, no tem-
po e pelo modo do ajuste;
- se o comprador não efetua o pagamento;
- se o comprador deixa de cumprir outra obrigação que lhe
caiba.
Exemplo de outra obrigação que caiba ao comprador é a não
devolução da duplicata ao vendedor, no prazo legal.
Isto porque o prazo de devolução pelo comprador do título
assinado ao apresentante (que pode ser o sacador ou a instituição fi-
nanceira intermediária) é de 10 dias (Lei no 5.474/68, artigo 7°, ca-
put); o sacado só tem o direito de reter a duplicata se comunicar, por

152 J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janei-


ro, Freitas Bastos, 1960, vol. VI, parte li, 1960, itens 789 e segs., p. 188 e segs.
FERNANDO NETTO BOITEUX 89

escrito, à apresentante, o aceite e a retenção (Lei no 5.474/68, artigo


7°, § I 0 ), contrariamente ao que ocorre com a letra de câmbio (Lei
Uniforme, artigo 24, segunda alínea).
Pode revelar-se a mora accipiendi, também chamada mora
creditoris, nos seguintes casos: vendedor que não recebe o preço na
época própria; comprador que não recebe a mercadoria.

14.2. Interpelação
O artigo 205 do Código Comercial prevê a necessidade de in-
terpelação para que a parte seja considerada em mora, que não se
confunde com a citação para responder à ação proposta.
A necessidade de notificação foi reafirmada pelo Superior Tri-
bunal de Justiça, sendo que a citação inicial para a ação não supre a
necessidade de notificação prévia 153 ; todavia, o mesmo Tribunal en-
tende que ela pode ser feita por qualquer meio idôneo, especialmen-
te por Cartório de Títulos e Documentos 154 .
151
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 19.110-0-SP, Registro no
92.0004179-5, Quarta Turma, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo, julgamento em
23 de agosto de 1994, unânime, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a.
7, (68): 169-400, abril 1995, p. 186, com a seguinte ementa: "Direito Comercial.
Ação indenizatória. Alegado inadimplemento de obrigação estipulada em contrato
de compra e venda mercantil. Constituição em mora. Necessidade de interpelação.
Art. 205, CCom. Recurso provido.
I - Ao credor de obrigação assumida em pacto de compra e venda mercantil incum-
be, para constituir de pleno direito em mora o devedor, proceder à interpelação a que
alude o art. 205, CCom, salvo se o contrário resultar de expressa estipulação contra-
tual.
II- A disciplina estatuída em referido artigo não restou superada pelo advento do Có-
digo Civil (art. 960), frente ao qual guarda relação de especialidade.
Ili - A citação para a ação não supre a falta de interpelação".
154
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 11.717- RJ, Registro no
91.0011491-0, Quarta Turma, Relator Ministro Athos Carneiro, julgamento em 25
de fevereiro de 1992, unânime, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a.
4, (31): 281-471, março 1992, p. 401, com a seguinte ementa: "Dação em Pagamen-
to, em 'Garantia de Dívida'. Discussão sobre a Incidência dos Arts. 138 e 205 do
Código Comercial.
Análise da qualificação jurídica de contratos de dação em pagamento, para extinção
total ou parcial de débitos decorrentes de financiamentos bancários.
Não incidência do artigo 205 do Código Comercial, que aliás pela interpretação mais
adequada permite a interpelação extrajudicial, dês que idônea, como a realizada por
intermédio do ofício de Títulos e Documentos.
Art. 138 do C. Comercial. Cabimento da exigência judicial de pagamento através da
própria citação inicial para a ação.
Recurso especial conhecido e provido".
90 CoNTRATOS MERCANTIS

No entanto, decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal


"ser desnecessária a interpelação para constituição em mora, se o
promitente vendedor estabeleceu a data da entrega do bem mediante
publicação em jornal", independentemente da aplicação do Código
de Defesa do Consumidor, entendendo que "os anúncios veiculados
através dos meios de comunicação incorporam-se aos contratos não-
solenes"155.
A lei não exige prazo, mas as partes devem cuidar para evitar
que "no silêncio se entreveja aquiescência à rescisão amigável" 156 .

14.3. Violação do Contrato antes do Vencimento das


Obrigações
Se provado que uma das partes não cumprirá o contrato, isto
é, ser impossível a execução de sua obrigação no modo e tempo de-
vidos, poderá ser proposta contra ela ação de responsabilidade por
perdas e danos.

14.4. Ações Contra o Inadimplente


14.4.1. No caso de mora do vendedor
O comprador, desde que tenha cumprido su!ls obrigações e o
vendedor se encontre em mora, pode exigir (Código Comercial, ar-
tigos 202 e 197):
- a rescisão do contrato mais perdas e danos (não de pleno
direito; deve, sempre, ser decretada pelo Judiciário);
-o cumprimento do contrato mais perdas e danos.

14.4.2. No caso de mora do comprador


No caso de mora do comprador o vendedor pode demandar
(Código Comercial, artigo 204):
- a rescisão do contrato mais perdas e danos (deverá ser de-
cretada pelo Judiciário);
- o preço ajustado mais juros, desde que tenha feito depó-
sito judicial das coisas vendidas.
155 Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Apelação cível no 0033416/94-DF, Acórdão
no 75.848, Quinta Turma Cível, Relator Desembargador Romão C. Oliveira, julga-
mento em 20 de março de 1995, unânime, Diário da Justiça, Seção ll I Seção III, de
!9 de abril de 1995, p. 4.860.
156 J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., vol. VI,
parte 11, 1960, item 792, p. 190, com apoio em jurisprudência.
FERNANDO NETIO BOITEUX 91

14.5. Execução Coativa do Contrato


Em regra, o inadimplemento contratual somente dá lugar à
rescisão e indenização por perdas e danos. Em alguns casos, no en-
tanto, a parte é obrigada a cumprir coativamente o prometido.
Por exemplo, a promessa de compra e venda admite execução
específica, por meio de uma sentença "que produza o mesmo efeito
do contrato a ser firmado" (Código de Processo Civil, artigo 639) 157 .
Nas relações de consumo o cumprimento específico das obrigações
foi valorizado pelo legislador (Código de Defesa do Consumidor,
artigos 48 e 84).

157
A eficácia do contrato preliminar e os requisitos para a sua execução específica são
analisados no item 9.4, acima.
92

15. A Consignação ou Contrato Estimatório

O termo consignação não é unívoco em nosso direito, signifi-


cando a entrega de alguma coisa, como se vê, por exemplo, em Tei-
xeira de Freitas 158 :
"Consignação é a remessa de gêneros de uma pessoa a ou-
tra, de ordinário comerciantes, ou para vendê-los, ou para
qualquer outro fim.
Também chama-se consignação o ato de pôr em depósito,
público ou particular, qualquer coisa para fim determina-
do".
Estamos analisando a consignação enquanto contrato estima-
tório, que se insere entre os contratos onerosos de alienação, sem
serem de compra e venda. O elemento mais freqüente é o intuito de
alienar, que tem o tradens, e a livre disponibilidade da coisa, que tem
o accipiens 159 •
Por meio dele uma das partes (consignante) entrega coisa
móvel a outra (consignatário), que fica autorizada a vendê-la a ter-
ceiro por conta própria, dentro de certo prazo, ocasião em que se
aperfeiçoa também a compra e venda entre consignante e consigna-
tário, salvo se este preferir, no prazo fixado, devolver a coisa ao con-
signante.
Passado o prazo fixado no contrato não cabe mais ao consig-
natário devolver a coisa, ficando obrigado a comprá-la. Vendendo a
terceiro as coisas consignadas, o consignatário conclui, ao mesmo
tempo, a compra delas do consignante.

15.1. Qualificação
O contrato estimatório é originário do direito romano, no qual
a sua natureza era objeto de divergência 160 , e, apesar de ser bem co-

158
Augusto Teixeira de Freitas, Vocabulário Jurídico, São Paulo, Saraiva, 1983.
159 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3' ed., 2' reimp., São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1984, v. 39, p. 391 e 392.
160 Registrada tanto por Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 395 como
por Luiz da Cunha Gonçalves, Da compra e venda no direito comercial brasileiro,
São Paulo, Editora Monteiro Lobato, s/ data, p. 35 e 36.
FERNANDO NETIO BOITEUX 93

nhecido em doutrina, só ressurgiu, sob forma legislativa, no Código


Civil Italiano de 1942 (artigo 1.556) 161 •
Em nosso direito o contrato permanece legalmente atípico,
apesar das inúmeras referências que lhe fez o legislador, inclusive na
Constituição Federal de 1946, que criou um imposto sobre vendas e
consignações. No entanto, tipicidade social ele sempre teve 162 , e ela
é tão marcante que a legislação tributária federal, por meio da Lei no
9.716, de 26 de novembro de 1998, equipara determinadas operações
à consignação, para o fim de conferir benefícios fiscais, sem defini-
la.
Entende Cunha Gonçalves que o contrato estimatório "nada
mais é do que o contrato de comissão" 163 • Alguns autores sustentam
que o Código Comercial a ela se referiu, como modalidade de comis-
são, nos artigos 170 a 173; outros que o Código a desconhece 164 , ra-
zão pela qual obedeceria, exclusivamente, ao costume mercantil. No
Esboço, Teixeira de Freitas distingue a consignação do mandato e da
comissão, regulando-a como modalidade de compra e venda, nos
artigos 2.105 a 2.1 08. O autor ressalta o caráter real do contrato com
os verbos "dar" e "receber" a coisa.
Waldirio Bulgarelli, com apoio em Messineo (o qual, depois
de admitir o caráter consensual do contrato, passou a defender a po-
sição oposta), considera a consignação contrato real, por ser a entre-
ga das mercadorias essencial à formação do contrato 165 •
Caio Mário da Silva Pereira admite que 166 :
"( ... ) dentro da terminologia tradicional classificar-se-ia o
contrato como 'real', para nós é um contrato consensual e
condicional, uma vez que a obrigação do consignatário res-
tituir ou pagar gera-se do inadimplemento da condição da
entrega pelo consignante."

161
Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 1963, vol. 11,
item 2.413, p. 119.
162
A distinção foi tomada de Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, cit., p. 210.
163
Luiz da Cunha Gonçalves, Da compra e venda no direito comercial brasileiro, cit.,
p. 36.
164
Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., item 2.411, p. 114.
165
Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, cit., item 2.6.2, p. 262.
166
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, cit., item 230-A, p.
145.
94 CONTRATOS MERCANTIS

Em sentido contrário, Pontes de Miranda sustenta ser o con-


trato puramente consensual, esclarecendo que se assim não fosse 167 :
"( ... ) somente se teria contrato estimatório quando o co-
merciante recebesse a mercadoria, por exemplo quando os
livros enviados pelo editor chegassem à livraria, e não po-
deria o outorgado contar com os livros que ele, sabendo
que viriam, ou estariam a chegar, para atender à freguesia.
O contrato estimatório de livros, como os demais contra-
tos estimatórios, conclui-se antes de ser feita a tradição, se
essa não foi simultânea."
Entendo, com a maioria da doutrina, que não tem razão Pon-
tes de Miranda, devendo-se considerar o contrato como real. Refor-
çando essa posição, ainda que sem regulamentação legislativa em
nosso direito, o Código Civil Italiano faz referência à "consignação"
do bem (artigo 1.556) e o Projeto do Código Civil à entrega do bem
(artigo 533).
O Projeto do Código Civil 16x regula expressamente o contrato
estimatório (artigos 533 a 536), com a seguinte redação:
"Art. 533. Pelo contrato estimatório, o consignante entre-
ga bens móveis ao consignatário, que fica autorizado a ven-
dê-los, pagando àquele o preço ajustado, salvo se preferir,
no prazo estabelecido, restituir-lhe a coisa consignada."
Admitidas as distinções acima o contrato de consignação se
caracteriza como oneroso, bilateral e real.

15.2. Elementos
15.2.1. Partes
Partes, no contrato de consignação, são o consignante (outor-
gante), que é o titular do direito de propriedade sobre a coisa e o con-
signado (outorgado), que recebe o poder de dispor. A obrigação do
consignante é alternativa, podendo ele, dentro do prazo que lhe foi
determinado, optar pela devolução da coisa ou o pagamento do pre-
ço estimado.

167 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 396, com evidente erro de
impressão no item 2, segundo parágrafo, terceira linha, onde está "real" em vez de
"pessoal".
168 Projeto de Lei da Câmara- PLC no 118, de 1984.
FERNANDO NETTO 80ITEUX 95

15.2.2. Objeto do contrato


Objeto do contrato é a coisa a ser vendida ou restituída, divi-
dindo-se a doutrina sobre a possibilidade de o contrato ter por obje-
to bem imóvel, assumindo posição restritiva Teixeira de Freitas e
admitindo a possibilidade, à falta de lei que a impeça, Pontes de
Miranda 169 •

15.2.3. Propriedade das coisas


A propriedade das coisas permanece com o consignante, até a
tradição conseqüente à venda. Em conseqüência, as coisas consigna-
das não podem ser penhoradas pelos credores do consignatário.
Por outro lado, os credores podem depositar o preço ao con-
signante, transferindo a propriedade das mercadorias ao consignatá-
rio, se esta operação for do seu interesse.

15.2.4. Risco das coisas


Apesar de não adquirir a propriedade das coisas consignadas,
o consignatário suporta os riscos que sobre elas pesam, ainda que
esteja isento de culpa, salvo na ocorrência de caso fortuito ou de for-
ça maior (Código Comercial, artigo 170).

15.2.5. Distinção entre comissão e consignação


O contrato de comissão não se confunde com o de consigna-
ção. Adoto a posição de Carvalho de Mendonça, que afirma que
quando "a mercadoria destinada a ser vendida em ocasião oportuna
é entregue ou remetida ao comissário dá-se à comissão o nome de
consignação e ao comissário o de consignatário" 170 •

15.2.6. Distinção entre o contrato de consignação e outros


O contrato de comissão não se confunde com o de consigna-
ção, pois neste não existe obrigação alternativa: o bem é entregue
para que o outorgado o venda 171 •
169
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, v. 39, cit., p. 406.
170
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janei-
ro, Freitas Bastos, 1960, vol. VI, parte 11, 1960, item 893, p. 290 (grifas no original).
No mesmo sentido Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, São Paulo, Sa-
raiva, 1963, vol. 11, item 2.411, p. 114 a 117.
171
Estas e as demais distinções foram feitas a partir de Pontes de Miranda, Tratado de
direito privado, v. 39, cit., p. 398 e 399.
96 CONTRATOS MERCANTIS

Se o outorgante entregou o bem para ser vendido sem qualquer


vantagem para o outorgado, trata-se de mandato.
Se o outorgante prometeu pagar pelo serviço deve-se pensar
em locação de serviços, não em consignação.
Também se distingue a consignação do depósito, pois na con-
signação não se encontra caracterizada a custódia.

15.3. Questões Tributárias


15.3.1. Operações com veículos usados- notafiscal
Entendeu o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo
que a entrega de veículo na agência de venda de automóveis confi-
gura consignação 172 • Como a venda de veículo exige um documento
de transferência, se ele estava assinado previamente, entendo que não
fica configurada a consignação, pois jamais existirão as duas vendas
que a caracterizam.
O contrato me parece ser de locação de serviços, em que o
pagamento pelo serviço é o lucro que vier a ser realizado na venda.
Se o veículo é efetivamente adquirido para revenda existe um
incentivo fiscal para essa operação, previsto na Lei no 9.716, 26 de
novembro de 1998, que admite, para efeitos fiscais, sejam equipara-
das à consignação "as operações de venda de veículos usados, adqui-
ridos para revenda, bem assim dos recebidos como parte do preço da
venda de veículos novos ou usados" (artigo SO).

15.3.2. Prazo para devolução da mercadoria e ICMS


A legislação comercial não estabelece prazo para a consigna-
ção, entendendo-se que o prazo deve ser compatível com a operação.
A legislação fiscal estadual, no entanto, impõe prazo e condições às
referidas operações, a fim de evitar a sonegação fiscal disfarçada de
consignação.
O Regulamento do ICMS do Estado de São Paulo estabelece
um regime específico para a saída e a devolução de mercadorias em
consignação (artigos 465 a 469), com a emissão de notas fiscais a
cada operação.

172
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação Cível no 0679624-9, 12"
Câmara Extraordinária, Relator Souza Oliveira, julgamento em 07 de abril de 1988,
unânime.
FERNANDO NETIO BOITEUX 97

Pode-se supor, no entanto, que a saída da mercadoria se dê, por


exemplo, para "demonstração", sem a emissão de nota fiscal de re-
messa para consignação, para burlar a incidência do regime tributá-
rio próprio.
Para coibir hipóteses como esta o artigo 319 do Regulamento
do ICMS do Estado de São Paulo (redação da Lei no 6.374/89, arti-
go 59) prevê um prazo máximo de 60 (sessenta) dias para o retomo
da mercadoria ao estabelecimento de origem, sob pena de cobrança
do imposto.

15.3.3. PIS e Cofins


Têm alegado os contribuintes que o PIS e a Cofins devem ser
calculados sobre a diferença entre o preço praticado pela montadora
e o valor pago pelo consumidor, pois essa diferença é que constitui
o real faturamento ou a receita auferida pelo concessionário. Reco-
nhecem estar a operação submetida aos termos da Lei no 6.729179,
acima referida, mas sustentam que esta lei afasta o direito de pro-
priedade do concessionário.
Entendem caracterizar esse contrato um verdadeiro contrato
de mediação e a hipótese de incidência tributária uma venda por con-
signação.
Entendeu a Sexta Turma do Tribunal Regional Federal da Ter-
ceira Região que o contrato é de compra e venda, entre o produtor e
o distribuidor, e não de mera intermediação 173 , com argumentos que
merecem ser transcritos:
"( ... )decorrendo desta venda faturamento ao concessioná-
rio por recaírem os efeitos do negócio jurídico celebrado
diretamente na sua esfera jurídica, descaracterizando a ale-
gada intermediação. O artigo 13 da Lei 6.729179 consagra
o concessionário como titular da relação jurídica, ao esta-
belecer poder o preço de venda ao consumidor ser fixado
livremente por este. Por seu turno, o artigo 23 da referida
lei, prevê na hipótese de não prorrogação da concessão, re-
adquirir o estoque de veículos automotores, demonstrando
a não existência de intermediação no caso( ... )."
173
Tribunal Regional Federal da 3' Região, Sexta Turma, Processo no
I 999.03.00.016759-3, Agravante Campinas Veículos, Relator Desembargador Fede-
ral Mairan Maia, despacho de 28 de julho de 1999 indeferindo o efeito suspensivo
ao agravo.
98 CONTRATOS MERCANTIS

15.4. Emissão de Nota Fiscal, Fatura e Duplicata


A nota fiscal não representa um contrato, mas prova o acordo
de vontades, como entendeu o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de
São Paulo 174 :
Na consignação, a duplicata será emitida sempre pelo consig-
natário, sendo vedada a emissão pelo consignante, como decidiu o
mesmo Tribunal, "posto que esse título só pode ser emitido em de-
corrência de compra e venda mercantil ou prestação de serviço" 175 .

174 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação Cível no 549.014-2,
8' Câmara Especial, Relator Costa Telles, julgamento em 16 de agosto de 1995, unâ-
nime, transcrição parcial do voto do relator.
175 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação Cível no 0000396-6/25,
I' Câmara, Relator Celso Bonilha, julgamento em 27 de fevereiro de 1989, unâni-
me, transcrição parcial do voto do relator.
99

16. Concessão de Venda com Exclusividade

A concessão comercial tem origem recente, e pode ser encon-


trada na distribuição de automóveis no mercado norte-americano.
Claude Champaud ressalta que não se trata apenas de um contrato
novo, mas de uma noção nova para o direito. O próprio termo "con-
cessão" provém do direito administrativo, sendo estranho ao direito
privado 176 •

16.1. Função Econômica da Concessão Comercial e Formas


que assume
Para Fábio Comparato "a concessão de venda é, exclusiva-
mente, contrato de distribuição de produtos" 177 •
O uso do termo distribuição em vez de comércio está ligado a
uma alteração da relação entre a produção e a intermediação comer-
cial que data de aproximadamente um século 178 • Antes da revolução
industrial o comerciante produzia, essencialmente, bens de primeira
necessidade e vendia diretamente no mercado. A atividade comer-
cial independente da produção dizia respeito a bens não essenciais,
vindos de regiões distantes.
Com a produção em série (revolução industrial) o produtor
passa a ter a capacidade de produzir mais do que os seus clientes
habituais podem consumir, substituindo-se a relação tradicional fa-
bricante-consumidor pela relação fabricante-distribuidor-consumi-
dor.
A distribuição produz utilidades próprias, assegurando a con-
servação e venda dos produtos, financiando as tarefas que normal-
mente o industrial não está apto a desempenhar.
Podemos distinguir a distribuição direta e a indireta.
A chamada distribuição direta é realizada por empregados ou
por auxiliares dependentes do produtor, como os representantes co-
176
Claude Champaud, "La concession commerciale", Revue Trimestrielle du Droit
Commercial, no 3,jul./set. 1963, p. 451 e segs., citação de p. 453.
177
Fábio Konder Comparato, "Franquia e concessão de venda no Brasil: da consagra-
ção ao repúdio", Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Foren-
se, 1978, p. 372.
178
Estas considerações são um resumo de Maria Helena Brito, O contrato de conces-
são comercial, Coimbra, Almedina, 1990, p. 1 e segs.
100 CONTRATOS MERCANTIS

merciais não-autônomos, em filiais ou sucursais. Maria Helena Bri-


to considera nesta categoria a sociedade controlada, chamada "so-
ciedade-filha" no direito alemão, bem como a chamada "filial co-
mum", constituída em comum entre vários produtores, os quais de-
têm, normalmente, participação igual no capital da nova sociedade 179 •
Nestes casos, à independência jurídica não corresponde uma
efetiva independência econômica e, dado que a empresa se integra na
organização comercial da empresa produtora, entende-se que a dis-
tribuição é direta.
A chamada distribuição indireta baseia-se no princípio da dis-
tribuição do trabalho e numa idéia de especialização.
Neste caso a comercialização é confiada a empresas especiali-
zadas na execução de cada uma das funções (transporte, depósito,
armazenagem etc.) e cada uma destas empresas contrata com o pro-
dutor garantindo a sua independência, jurídica e econômica. Os dis-
tribuidores podem ser empresas atacadistas, varejistas ou represen-
tantes comerciais autônomos, categoria na qual estão incluídos, para
este efeito, o corretor, o comissário e o representante comercial pro-
priamente dito, que colocam a sua atividade a serviço de diversas
empresas.
Vantagens para o produtor: acesso ao mercado consumidor,
sem necessidade de investimento em filiais, sucursais e agências.
Vantagens para o distribuidor: revenda exclusiva de produtos
de renome; utilização do prestígio de marcas notórias.
Utilização mais freqüente desse contrato: distribuição de veí-
culos automotores, de derivados de petróleo, de produtos eletrônicos.

16.2. Qualificação e Distinção entre Contratos Afins


Para Claude Champaud é 180 :
"( ... )uma convenção pela qual um comerciante, denomina-
do concessionário, põe sua empresa de distribuição a ser-
viço de um comerciante ou industrial, denominado conce-
dente, para assegurar, com exclusividade sobre um territó-
rio determinado, durante um período limitado e sob a vi-
gilância do concedente, a distribuição dos produtos cujo
monopólio de revenda lhe é assegurado."
179 Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial. cit., p. 3.
° Claude Champaud, La concession commerciale. cit., p. 471.
18
FERNANDO NETIO BOITEUX 101

No que se refere à concessão comercial de veículos automo-


tores de via terrestre é contrato típico, porque regulado em lei, per-
manecendo atípico no que se refere a outras modalidades.
A concessão comercial se distingue dos contratos afins pelas
seguintes características:
Em relação à compra e venda, pela regulação da atividade do
concessionário como revendedor, tabela de preços de venda ao con-
sumidor, assistência técnica, uso de marcas, estabelecimento de quo-
tas de aquisição de produtos.
Em relação à consignação ou contrato estimatório distingue-
se pela efetivação da venda antes da revenda; ausência de exclusivi-
dade na consignação; o consignatário não se obriga à prestação de
assistência técnica.
Em relação à franquia (jranchising), distingue-se porque na
concessão de venda "o fundamental não é o uso da marca, mas a dis-
tribuição dos produtos assinalados" 181 • Rubens Requião concorda em
que o "objetivo final é colocar seguramente o produto ou a merca-
doria no mercado" mas, ainda assim, afirma: "não nos convence a
distinção de nomenclatura entre concessão ou franquia" 182 •
O franqueado não é simples distribuidor dos produtos do fran-
queador, mas é, ele mesmo, produtor ou prestador de serviços.
Objeto da franquia é a licença de utilização de marcas do fran-
queador e a assistência técnica deste para o exercício, pelo franquea-
do, de sua atividade empresarial.
A concessão pode ser vista, ainda, por outro ângulo, como um
contrato de participação. Raquel Sztajn compara a concessão de ven-
da com exclusividade aos contratos societários imaginando a possi-
bilidade de, se vierem estas a ser consideradas sociedades atípicas,
ficarem sujeitas ao direito societário, como nova espécie de grupo 183 •

16.3. Relações com o Direito da Concorrência


As relações contratuais entre concedente e concessionário não
excluem a intervenção do Conselho Administrativo de Defesa Eco-
181
Fábio Konder Comparato, Franquia e concessão de venda no Brasil: da consagração
ao repúdio, cit., p. 387.
182
Rubens Requião, "Concessão comercial atípica e seus efeitos", Aspectos modernos
de direito comercial: estudos e pareceres, 3° vol., São Paulo, Saraiva, 1986, p. 251.
183
Raquel Sztajn, Contrato de sociedade e .formas societárias, São Paulo, Saraiva, 1989,
p. 133 a 137. Maria Helena Brito, O contrato de concessão comercial, cit., p. 204 e
segs., analisa o contrato de concessão como um contrato de participação.
102 CONTRATOS MERCANTIS

nômica - Cade, "para alterar aspectos de relacionamentos contra-


tuais que se afigurem anticompetitivos" 184 •
Dois exemplos principais de infringência aos princípios da li-
vre-concorrência são referidos por Fábio Comparato:
a) utilização abusiva da cláusula de exclusividade 185 , que
pode resultar no abuso de poder econômico no mercado
consumidor, sobretudo pela exclusividade de marca e pela
exclusividade geográfica;
b) dominação do concessionário pelo concedente, que
pode ocorrer no estabelecimento de quotas, na fixação das
margens de lucro na revenda, nos contratos paralelos de
comodato ou mútuo e na resilição do contrato.

16.4. Regime Jurídico da Concessão Exclusiva de Venda de


Veículos Automotores
A concessão exclusiva de venda de veículos automotores de
via terrestre no Brasil é denominada "concessão comercial" e é re-
gulada pela Lei no 6.729, de 28 de novembro de 1979, com altera-
ções.
A exclusividade essencial existe na distribuição indireta obri-
gatória dos produtos: o produtor ou concedente não pode, salvo ca-
sos excepcionais expressamente previstos, vender diretamente ao
consumidor.
Exclusividade de marca: proibição de o concessionário ven-
der produtos de concorrentes do concedente.
Exclusividade local: delimitação de áreas de atuação da con-
cessão. Essa exclusividade local pode ser bilateral ou unilateral (nes-
te último caso, só o concessionário é limitado pela área demarcada).
A concessão comercial envolve, ainda, a prestação de assis-
tência técnica pelo concessionário aos adquirentes do produto e a
utilização das marcas do concedente pelo concessionário.

16.4.1. Elementos do contrato


Partes no contrato são o produtor, também chamado conceden-
te, e o distribuidor, também chamado concessionário. Para esse efeito
considera-se (Lei no 6.729, artigo 2°):
184 José Inácio Gonzaga Franceschini, Lei da concorrência interpretada pelo CADE,
São Paulo, Singular, 1998, p. 730.
185 Sobre esta e outras modalidades de abuso, Fábio Konder Comparato, "Franquia e
concessão de venda no Brasil: da consagração ao repúdio", cit., p. 383 e segs.
FERNANDO NEno BoiTEUX 103

a) produtor, a empresa industrial que realiza a fabricação


ou montagem de veículos automotores;
b) distribuidor, a empresa comercial pertencente à respec-
tiva categoria econômica, que realiza a comercialização de
veículos automotores, implementas e componentes novos,
presta assistência técnica a esses produtos e exerce outras
funções pertinentes à atividade.

16.4.2. A regulamentação da lei - convenções e cláusulas


contratuais
A Lei prevê a regulamentação, em caráter supletivo, das rela-
ções entre as partes (produtor e concessionário) por meio de conven-
ção celebrada com as associações representativas dos concessioná-
rios e, ainda, no que não for regulado pela convenção, por meio de
disposições contratuais, nos contratos celebrados entre fabricante e
concessionário (Lei no 6.729/79, art. 1°).
Partes na convenção serão, de um lado, o produtor e, de outro,
a associação civil, de âmbito nacional, formada pelos concessioná-
rios. Qualquer um dos dois interessados pode solicitar a celebração
da convenção, o seu registro em cartório e a publicação no Diário
Oficial, com o que ela passa a valer contra terceiros e em todo o ter-
ritório nacional (Lei no 6.729/79, artigo 17).
Quanto ao alcance das convenções, decidiu o Superior Tribu-
nal de Justiça que, se elas limitam os direitos dos concessionários,
devem ser interpretadas restritivamente, "sem abarcar hipóteses ou-
tras não previstas no texto legal" 186 •
Por outro lado, entendeu o mesmo Tribunal que as convenções
não podem criar títulos executivos extrajudiciais 187 •

16.4.3. Objeto do contrato


Na forma da Lei no 6.729 de 28 de novembro de 1979 consti-
tui objeto da concessão (artigo 3°):

186
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 59.382-4-SP (95/0002865-4), Ter-
ceira Turma, Relator Ministro Waldemar Zveiter, julgamento em 24 de junho de
1996, unânime.
187
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 2.661-MG (9000030781), Tercei-
ra Turma, Relator Ministro Gueiros Leite, julgamento em 29 de junho de 1990, unâ-
nime.
704 CONTRATOS MERCANTIS

-a comercialização de veículos automotores, implementas


e componentes fabricados ou fornecidos pelo produtor;
-a prestação de assistência técnica a esses produtos, inclu-
sive quanto ao seu atendimento em garantia ou revisão;
-o uso gratuito da marca do concedente, como identifica-
ção.

16.4.4. Cláusula de exclusividade


A cláusula de exclusividade é elemento essencial do contrato
(Lei no 6.729 de 28 de novembro de 1979, artigo 3°, § 1°, alínea "b")
e está delimitada na lei da seguinte forma (artigo 5°):
"Art. 5° - São inerentes à concessão 1x8 :
I - área operacional de responsabilidade do concessioná-
rio para o exercício de suas atividades;
li - distâncias mínimas entre estabelecimentos de conces-
sionários da mesma rede, fixadas segundo critérios de po-
tencial de mercado.
§ 1o A área poderá conter mais de um concessionário da
mesma rede.
§ 2° O concessionário obriga-se à comercialização de veí-
culos automotores, implementas, componentes e máquinas
agrícolas, de via terrestre, e à prestação de serviços ineren-
tes aos mesmos, nas condições estabelecidas no contrato de
concessão comercial, sendo-lhe defesa a prática dessas
atividades, diretamente ou por intermédio de prepostos,
fora de sua área demarcada.
§ 3° O consumidor, à sua livre escolha, poderá proceder à
aquisição dos bens e serviços a que se refere esta Lei em
qualquer concessionário.
§ 4° Em convenção de marca serão fixados os critérios e as
condições para ressarcimento da concessionária ou servi-
ço autorizado que prestar os serviços de manutenção obri-
gatórios pela garantia do fabricante, vedada qualquer dis-
posição de limite à faculdade prevista no parágrafo ante-
rior."

188 Artigo com redação determinada pela Lei no 8.132, de 26 de dezembro de 1990.
FERNANDO NETIO BOITEUX 105

Entendeu Waldirio Bulgarelli, em parecer, que a violação da


cláusula de exclusividade dá direito a execução específica, ou seja,
ao fechamento da concessionária concorrente, na área de exclusivi-
dade, não se admitindo seja o pedido convolado em perdas e danos 1R9 •
Waldirio Bulgarelli distingue a exclusividade simples e dúpli-
ce, dividindo-se a primeira em dois tipos:
a) o concessionário se obriga a não comercializar ou fa-
bricar outro produto do mesmo tipo daquele indicado no
contrato;
b) o concedente se obriga a não vender a outro, na zona de
exclusividade.
A cláusula de exclusividade dúplice envolve obrigação de não
fazer, por parte de cada um dos contratantes 190 .
Por outro lado, o consumidor não mais está impedido de pro-
curar adquirir o bem onde lhe aprouver (artigo 5°, § 3°), nem pode
ser obrigado a procurar assistência técnica em determinada conces-
sionária (artigo SO, § 4°) 191 .

16.4.5. A dissolução do contrato


A concessão comercial pressupõe uma relação permanente,
razão pela qual o contrato, em regra geral, é de prazo indeterminado
(Lei no 6.729/79, artigo 21, caput). A lei excepciona, no entanto, o
primeiro período contratual, que pode ter prazo determinado, desde
que este não seja menor que cinco anos (Lei no 6.729/79, artigo 21,
parágrafo único).
Se nenhumas das partes manifestar à outra a intenção de não
prorrogá-lo, com antecedência mínima de 180 dias do vencimento do
prazo inicial, ele ficará prorrogado por prazo indeterminado (Lei no
6.729/79, artigo 21, parágrafo único).
Outras possibilidades de rescisão estão previstas no artigo 22
da mesma Lei no 6.729/79, transcrito:
"Art. 22 - Dar-se-á a resolução do contrato:
I- por acordo das partes ou força maior;

189
Waldirio Bulgarelli, Questões atuais de direito empresarial, São Paulo, Malheiros,
1995, p. 31 e segs.
190
Waldirio Bulgarelli, Contratos mercantis, li' ed., São Paulo, Atlas, 1999, item
2.11.3, p. 459.
191
Nesse sentido Waldirio Bulgarelli, Questões atuais de direito empresarial, cit., p. 51.
106 CONTRATOS MERCANTIS

II - pela expiração do prazo determinado, estabelecido no


início da concessão, salvo se prorrogado nos termos do art.
21, parágrafo único;
III - por iniciativa da parte inocente, em virtude de infra-
ção a dispositivo desta Lei, das convenções ou do próprio
contrato, considerada infração também a cessação das ati-
vidades do contraente.
§ 1o A resolução prevista neste artigo, inciso III, deverá ser
precedida da aplicação de penalidades gradativas.
§ 2° Em qualquer caso de resolução contratual, as partes
disporão do prazo necessário à extinção das suas relações
e das operações do concessionário, nunca inferior a 120
(cento e vinte) dias, contados da data da resolução."
A impetração de concordata preventiva não é motivo para a
rescisão do contrato, pelas seguintes razões, segundo Waldirio Bul-
garelli 192 :
a) porque não acarreta a paralisação das obrigações da con-
cessionária;
b) porque não se trata de infração, mas, de situação de fato
momentânea que não gera nenhum prejuízo nem afeta o
interesse da concedente;
c) porque a concordata foi requerida pela concessionária
em decorrência de imposições da própria concedente e esta
certamente não pode alegar fato próprio (ou sua torpeza em
seu favor);
d) porque se constituindo a impetração da concordata em
mera faculdade da concessionária, ela está no exercício de
seu direito; a concedente, no entanto, está rescindindo o
contrato com caráter meramente emulatório, violando, por-
tanto, os deveres de conduta.

16.5. Questões Tributárias


Sobre a questão do faturamento para efeitos tributários (PIS e
Cofins), os contribuintes entendem que devem ser tributados como
se fosse uma consignação, o que contraria a própria natureza do con-
trato, como examinado no item 15.3.3., acima.
19 ~ Waldirio Bulgarelli, Problemas de direiw empresarial moderno, São Paulo, Revista
dos Tribunais, I 989, p. 32.
707

17. Locação Comercial

17 .1. Características
Dentre os múltiplos aspectos que envolvem a locação comer-
cial estamos examinando o direito à renovação compulsória de arren-
damento do imóvel em que tem o comerciante instalado o seu esta-
belecimento, bem como os aspectos gerais da ação revisional.
Segundo o artigo 1.188 do Código Civil, "na locação de coi-
sas, uma das partes se obriga a ceder à outra, por tempo determina-
do, ou não, o uso e gozo de coisa não fungível, mediante certa retri-
buição".
O contrato é sempre oneroso (se for gratuito, caracteriza-se o
comodato) e bilateral, pois gera obrigações interdependentes (rece-
ber a coisa e pagar o preço, entregar a coisa e receber o aluguel).
O contrato de locação de imóveis comerciais refere-se ao imó-
vel em que o comerciante tem instalado o seu estabelecimento, en-
tendendo-se o estabelecimento, ou fundo de comércio, como a orga-
nização dos bens, materiais e imateriais, para o exercício da ativida-
de empresarial. Ele compreende coisas, ou melhor, direitos reais e
obrigações propter rem 193 , além de direitos pessoais de natureza con-
tratual. Exemplo destes últimos são as relações trabalhistas, que se
consideram, em certas hipóteses, ligadas ao estabelecimento, e não
à empresa.
O fundo de comércio está ligado a uma clientela, como deci-
diu o Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo 194 :
"Não se pode reconhecer, data venia, fundo de comércio
ou indústria, em favor de pessoa jurídica cuja atividade é
exercida com os mesmos resultados, em qualquer lugar, in-
dependentemente de localização."

193
Obrigações propter rem são as assumidas em razão da propriedade de determinada
coisa. Elas seguem esta última, como autênticos vínculos reais. É o caso, por exem-
plo, das obrigações tributárias, como se vê no artigo 133, do Código Tributário Na-
cional.
194
Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação c/ revisão n° 250.113/4,
Relator Juiz Narciso Orlandi, Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e
Financeiro, nova série, v. 77, janeiro-março 1990, p. 79.
108 CONTRATOS MERCANTIS

17.2. Histórico
Até 1934 a locação de imóveis era regida pelo Código Civil,
que não assegurava nenhum direito ao comerciante criador do fundo
de comércio. Pois, em regra geral, no regime do Código Civil, que
representa o pensamento jurídico do liberalismo, o contrato é forma-
do pela livre manifestação dos interessados, sem qualquer interven-
ção do Estado.
Pelo Código Civil (artigo 1. I 92, inciso IV), findo o contrato o
comerciante estava obrigado a devolver o imóvel; para renovar o
contrato, o proprietário costumava exigir uma quantia extra, chama-
da "luvas" em função do comércio, locupletando-se, assim, do esfor-
ço do comerciante.
Ainda pelo Código Civil (artigo 1.197), caso o imóvel fosse
alienado, o adquirente não estava obrigado a respeitar o contrato;
assim, nem mesmo durante a sua vigência o comerciante tinha ga-
rantias.
Quando a empresa é locatária de um imóvel, onde tem insta-
lado estabelecimento seu, ela cria, em relação a esse imóvel, um so-
brevalor econômico, correspondente à clientela vinculada ao estabe-
lecimento. Não é justo, portanto, que o locador possa, depois de cria-
do esse sobrevalor, dele se aproveitar pessoalmente, retomando o
imóvel para uso próprio ou exigindo, para a renovação da locação, o
pagamento de uma quantia adicional dos aluguéis: as luvas.
Assim, o Decreto 24.150, de 1934, disciplinou a renovação de
locação de imóveis comerciais, com o objetivo de defender os inte-
resses dos comerciantes tendo em vista o valor incorpóreo do fundo
de comércio que foi por ele criado.
O contrato continua a ser formado pela vontade individual,
mas tem a sua continuidade determinada por lei, restringindo-se a
possibilidade de rescisão àquelas admitidas pelo legislador.
De qualquer forma, ao direito do locatário à renovação do ar-
rendamento corresponde, por parte do locador, uma obrigação de
contratar. Temos uma intervenção do Estado sobre a vontade dos
contratantes, tendo em vista a finalidade social do direito de proprie-
dade.
Direito à renovação do contrato: nós o entendemos como um
direito propter rem, chamado por Alfredo Buzaid 195 de direito misto.
195 Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contratos de
locação de imóveis destinados a fins comerciais, 3' ed. rev. e aum., São Paulo, Sa-
raiva, 1988, vol. I, p. 203.
FERNANDO NEno BoiTEux 109

A Lei no 8.245, de 18 de outubro de 1991, revogou expressa-


mente a Lei de Luvas, mas manteve a maior parte de seus princí-
pios, no que se refere à locação comercial, adaptando-os à realidade
atual.

17.3. Requisitos da Renovação Compulsória da Locação e


Legitimação
Pode ser exigida pelo locatário comerciante a renovação do
contrato de locação do imóvel em que tem instalado o seu estabele-
cimento, desde que obedecidos os seguintes requisitos (Lei no 8.245,
artigo 51) 196 :
a) existência de contrato escrito, por prazo determinado;
b) prazo de vigência do contrato.
O contrato deve estar vigorando por prazo não inferior a 5
(cinco) anos, já que o ponto comercial só adquire valor econômico
depois de decorrido certo tempo.
Para evitar a fraude admite a lei, confirmando antiga orienta-
ção jurisprudencial, que "a soma dos prazos ininterruptos dos con-
tratos escritos seja de cinco anos".
c) prazo de exercício da atividade, no mesmo ramo.
É requisito legal que "o locatário esteja explorando seu comér-
cio, no mesmo ramo, pelo prazo mínimo e ininterrupto de três anos",
pois só o exercício ininterrupto do mesmo tipo de atividade, por um
certo prazo, pode criar um valor à propriedade comercial.
d) prazo para o pedido de renovação.
A renovação do contrato deve ser pedida no período que vai
de um ano antes do término do contrato até 6 meses dessa data, ou
seja, penúltimo semestre de vigência do contrato 197 ; fora ou além
196
De acordo com a Súmula n" 485, do Supremo Tribunal Federal, "nas locações regi-
das pelo Decreto 24.150, de 20 de abril de 1934, a presunção de sinceridade do re-
tomante é relativa, podendo ser ilidida pelo locatário", e já decidiu o mesmo Tribu-
nal (Revista Trimestral de Jurisprudência, n" 119/840) que "a presunção de verdade
do pedido formulado pelo retomante inverte o ônus da prova quanto à sinceridade".
Contudo, deve haver prova pelo locador no caso do artigo 52, inciso I (ver artigo 72,
§ 3").
197
O prazo é de decadência (artigo 51,§ 5", da Lei n" 8.245, de 1991). A jurisprudência
já vinha entendendo que bastava o ajuizamento da ação no prazo legal, sendo rele-
vante que o despacho ou a citação ocorressem quando já decorrido o semestre (Su-
perior Tribunal de Justiça, 4' Turma, Recurso Especial n" 2.686-SP, Rei. Min. Athos
Carneiro, j. 21 de agosto de 1990, não conheceram, v.u., Diário da Justiça da União
110 CONTRATOS MERCANTIS

desse prazo o comerciante não tem o direito de intentar a ação reno-


vatória, como disposto no artigo 51, § SO, da Lei no 8.245. Tal requi-
sito é exigido para que o proprietário possa inteirar-se, em tempo, das
intenções do locatário.
Em primeiro lugar, legitimado para a propositura da ação está
o locatário. Todavia a lei admite, em seu artigo 11, que, morrendo o
locatário, ficará sub-rogado nos seus direitos e obrigações o espólio.
Esta relação rege-se pelas regras da sucessão hereditária.
Está legitimado, também, a propor a ação, o seu sucessor no
negócio, pessoa física ou jurídica (artigo 11, inciso li).
Questão diversa é a do comerciante que cede o seu estabele-
cimento. A lei admite que a ação renovatória seja proposta pelo ces-
sionário ou pelo sucessor, "em virtude de título oponível ao proprie-
tário" (artigo 71, inciso VII). Por outro lado proíbe "a cessão da lo-
cação, a sublocação e o empréstimo do imóvel" (artigo 13). Importa
distinguir, portanto, a cessão do contrato de locação - que é vedada,
salvo com o consentimento do locador-, da cessão do estabelecimen-
to comercial.
A posição do sucessor causa mortis foi vista no item 16.4.2.
Em primeiro lugar, o empresário que assume a titularidade de
um fundo de comércio já existente não exerce a empresa como su-
cessor do outro e, sim, em nome próprio, pois a empresa já é o exer-
cício da atividade 1n.
Devemos pensar, portanto, na hipótese de o estabelecimento
pertencer a uma sociedade, que foi sucedida por outra, pois a simples
mudança na pessoa dos sócios ou acionistas não traria qualquer al-
teração na propriedade do estabelecimento. Exemplos de sucessão
em matéria de sociedades são: a incorporação, a fusão e a cisão.
Em segundo lugar, devemos pensar na transferência inter vi-
vos do estabelecimento, melhor denominada trespasse 199 . Também
de 17 de setembro de 1990, p. 9.513, I' co!., em.); a nova lei parece ter acolhido esta
jurisprudência a julgar pela expressão "propuser a ação".
Para contagem de prazo ver a Lei no 810, de 6 de setembro de 1949; a nova lei fala
em "finalização do prazo" e no mesmo sentido havia jurisprudência, entendendo que
se deveria considerar o prazo e não o termo inicial ou final do contrato.
198 Veja-se Tullio Ascarelli, Jniciación ai estudio dei derecho Mercantil, Barcelona,
Bosch, 1964, p. 239.
199 Como ensina Oscar Barreto Filho. Teoria do estabelecimento comercial, São Paulo,
Max Limonad, 1969, p. 208, "deve-se falar de trespasse do estabelecimento somen-
te quando o negócio se refere ao complexo unitário de bens instrumentais que ser-
FERNANDO NETIO BOITEUX 111

neste caso serão assegurados ao novo locatário (empresário) os mes-


mos direitos reconhecidos ao anterior.
Entenda-se que este direito não se refere à transferência do
contrato de locação em si e, sim, à transferência do estabelecimento
que tem como conseqüência a transferência da locação.

17.4. Casos em que não cabe a Renovação Compulsória


Os casos, previstos em lei, em que não cabe a renovação com-
pulsória, só amparam o locador para evitar a renovação judicial, mas
não o autorizam a pedir o imóvel durante o prazo determinado da
locação; se a locação estiver vigendo por prazo indeterminado pode-
rá o locador denunciá-la, sem necessidade de especificar o motivo,
pela chamada "denúncia vazia" (Lei no 8.245, artigo 57).

I 7.4.1. Proteção do interesse público


Configura caso de proteção do interesse público aquele em
que, por determinação do Poder Público, o proprietário "tiver que
realizar no imóvel obras que importarem na sua radical transforma-
ção" (artigo 52, inciso I, da lei citada).

17.4.2. Modificação que aumente o valor do negócio ou da


propriedade
A modificação que aumente o valor do negócio ou da proprie-
dade como causa que impeça a renovação compulsória do contrato
de locação está prevista no artigo 52, inciso I. Não é necessário, con-
forme a Súmula no 374, do Supremo Tribunal Federal, "que a obra
tenha sido ordenada pela autoridade pública".
Não sendo iniciada a obra no prazo de 60 dias da entrega do
imóvel, haverá crime, punível com detenção de 3 meses a um ano,
que poderá ser substituída pela prestação de serviços à comunidade
(artigo 44, inciso III, da Lei citada).

17.4.3. Uso próprio


O uso próprio, enquanto motivo de negativa de renovação da
locação comercial, estende-se ao uso pelo cônjuge, ascendente ou
descendente (artigo 52, inciso II).
vém à atividade empre;arial, nece;;ariamente caracterizado pela existência do avia-
mento objetivo".
112 CONTRATOS MERCANTIS

O uso pretendido poderá ser comercial ou residenciaF 00 com


a restrição de que o imóvel não poderá ser destinado ao uso do mes-
mo ramo do locatário, salvo se a locação também envolvia o fundo
de comércio, com as instalações e pertences (artigo 52, § 1°).
O conceito de locação que envolve fundo de comércio é o se-
guinte: se o contrato de locação envolve um fundo de comércio cria-
do pelo próprio locador (por exemplo, uma sala de cinema comple-
tamente equipada, um teatro ou um hotel) a lei admite, fazendo ex-
ceção à regra acima, a sua retomada para uso próprio 201 .

17.4.4. Transferência de fundo de comércio


O locador não está obrigado a renovar o contrato se o imóvel
vier a ser utilizado por ele próprio. Igualmente, se ele quiser trans-
ferir para esse imóvel um fundo de comércio já existente há mais de
um ano. Isto significa que o estabelecimento comercial do locador
deve existir há, pelo menos, um ano, ou seja, o próprio locador deve
ser comerciante, há mais de um ano, e ele tem intenção de transferir
o seu estabelecimento comercial para o imóvel que antes alugava.
Na hipótese de o fundo de comércio pertencer ao próprio lo-
cador, o pedido não traz qualquer dúvida. No caso de esse fundo de
comércio pertencer a uma sociedade comercial, é necessário que o
locador, seu cônjuge, ascendente ou descendente sejam detentores da
maioria do capital dessa sociedade.
A Lei no 8.245/91 não faz menção à companheira do locador,
como no artigo 11, inciso I, mas poder-se-ia admitir também essa
hipótese, tratando-se de união estável, nos termos da norma do arti-
go 226, § 3°, da Constituição Federal

17.4.5. Melhor oferta de terceiro


A lei exige, para admitir a melhor oferta de terceiro como
motivo impediente da renovação da locação, a prova documental
dessa proposta de terceiro "subscrita por ele e por duas testemunhas"
(artigo 72, § 2°). A matéria será alegada na contestação.
Se houver descumprimento do alegado, que se verifica após
três meses da entrega do imóvel (artigo 52, § 3°, da lei citada), o
200
Segundo Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Lei n" 8.245 anotada: atualizada
até 31.1.1996. São Paulo, Saraiva, 1996, p. 74.
201 Supremo Tribunal Federal, Súmula no 481.
FERNANDO NETIO BOITEUX 113

locatário terá direito à indenização (artigo 75), que já será fixada na


sentença.

17.4.6. Aluguel oferecido pelo comerciante inferior ao valor


locativo atual do imóvel
A lei determina que seja excluída a valorização trazida pelo
locatário ao ponto ou lugar. O que se leva em conta é a valorização
do imóvel que beneficia o titular da propriedade imobiliária.

17.5. Aluguel Provisório na Pendência da Ação Renovatória


A possibilidade de cobrança de aluguéis provisórios na pen-
dência da ação renovatória não existia na lei anterior. Segundo o dis-
posto no artigo 72, § 4°, da lei citada, o pedido de fixação provisória
de aluguel será apresentado na contestação, pelo locador ou sublo-
cador "para vigorar a partir do primeiro mês do prazo do contrato a
ser renovado, não excedente a 80% do pedido, desde que apresenta-
dos elementos hábeis para aferição do justo valor do aluguel".

17.6. Outros Direitos do Comerciante


17.6.1. Venda em conjunto, por ocasião da falência
No caso de falência, o comerciante falido poderá exigir que o
síndico venda seus bens em conjunto, de modo que, nessa venda,
possa também estar incluída a transferência do contrato de locação.

17.6.2. Direito à indenização


No caso de não renovação do contrato, em razão de melhor
proposta, o comerciante locatário terá direito a uma indenização cor-
respondente às despesas de mudança e ao ressarcimento dos danos
sofridos, em conseqüência da perda do lugar de comércio. O mesmo
ocorre se o locador não der ao imóvel o destino alegado ou não ini-
ciar as obras determinadas pelo Poder Público (artigo 52, § 3°, da lei
citada) 202 •

17.7. Ação Revisional de Aluguel


A lei prevê a possibilidade de revisão do valor do aluguel após
3 (três) anos de vigência do contrato, ou do último acordo (artigo 19
202
Portanto, só cabe indenização na locação de imóvel comercial e não cabe indeniza-
ção em caso de denúncia vazia, conforme Segundo Tribunal de Alçada Civil de São
Paulo, Lei no 8.245 anotada: atualizada até 31.1.1996, cit., p. 76 e 77.
114 CONTRATOS MERCANTIS

da lei citada). A ação própria chama-se Ação Revisional e está regu-


lada nos artigos 68 a 70 da lei em estudo.
Hoje a referida ação aplica-se tanto às locações comerciais
quanto às residenciais, com as seguintes particularidades.

17.7.1. Aluguel provisório


Na ação revisional, a petição inicial deve indicar o valor do
aluguel cuja fixação é pretendida (artigo 68, inciso I), podendo o juiz
fixar um aluguel provisório, desde que este não exceda a 80% do pe-
dido.
Não caberá a ação revisional na pendência de prazo para a
desocupação do imóvel.
O aluguel provisório será reajustado na periodicidade pactua-
da ou naquela que for fixada por lei (artigo 68, § 2°).
A Lei no 8.245/91, artigo 69, § 1°, admite que, na sentença que
vier a ser proferida na ação revisional, seja determinada uma perio-
dicidade de reajustamento diferente da prevista no contrato originá-
rio. A sentença pode determinar, ainda, um indexador diverso do pre-
visto no contrato.
O artigo 69 estabelece que o aluguel fixado na sentença re-
troage à data da citação, sendo as diferenças devidas durante a ação
de revisão. Se não forem pagas desde logo serão corrigidas e devi-
das após o trânsito em julgado da sentença (artigo 69).

17. 7. 2. O termo inicial da periodicidade


Na data da citação é que se considera iniciado o prazo para o
próximo pedido de revisão.

17. 7.3. A proposta da inicial, aceita pelo locatário


Deverá sempre haver proposta de um novo aluguel na petição
inicial. Se o réu a aceita, o locador fica obrigado a respeitá-la, pois
proposta é ato unilateral de vontade 203 •

203 Como decidiu, em acórdão unânime, a 1• Câmara do Tribunal de Alçada Civil do Rio
de Janeiro, na Apelação Cível no 85.218, Relator Laerson Mauro (acórdão transcrito
por João Carlos Pestana de Aguiar, Nova Lei de Locações comentada, Rio de Janei-
ro, Lumen Juris, 1992, p. !50).
FERNANDO NETTO BOITEUX 175

17.8. Cláusulas Nulas


São nulas as cláusulas que:
- estabelecerem pagamento antecipado de aluguéis, por
qualquer forma (artigo 43, inciso UI, da lei citada);
-proibirem a renovação da locação (artigo 45 da lei cita-
da);
- impliquem na renúncia aos direitos tutelados por lei (ar-
tigo 45 citado);
- estipularem a rescisão do contrato em caso de falência.
A lei atual não mais contempla com a nulidade a cláusula que
considerasse rescindida a locação em caso de falência ou concorda-
ta do locatário, significando, à primeira vista, a sua possibilidade.
No entanto, a matéria é regulada, como já o era antes, pela Lei
de Falências 204 , e esta dispõe que o contrato de locação é arrecadado
e faz parte da massa falida, donde se conclui que "a venda do esta-
belecimento em sua integridade abrange a transferência do contrato
de locação, salvo se se verificar a inconveniência dessa forma de alie-
nação"205. Portanto, entendemos, à vista da lei falimentar, que a sim-
ples declaração da falência não tem o dom de romper a locação e,
desta forma, a vontade de uma das partes nesse sentido poderia ser-
vir para elidir os objetivos da lei, incidindo na nulidade prevista no
artigo 43, inciso UI, da Lei no 8.245, como observa Alfredo Buzaid206 .

204
Decreto-lei no 7.661, de 1945, artigo 116, § 1°.
205
Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriundas de contratos de
locação de imóveis destinados afins comerciais, cit., vol. I, p. !58.
206
No mesmo sentido Alfredo Buzaid, Da ação renovatória e das demais ações oriun-
das de contratos de locação de imóveis destinados afins comerciais. cit., vol. I, pp.
294 e 295.
116

18. Shopping Center

18.1. Noção
O shopping center tem como característica o planejamento da
atividade empresarial. Assim, às lojas de menor porte se alinham
outras de grandes dimensões, conhecidas como lojas "âncora", co-
mumente filiais de lojas de departamentos, que são estrategicamen-
te localizadas, de forma a estimular a circulação dos consumidores.
Estes, por sua vez, passam a dispor de outros serviços como o de
caixas eletrônicos de bancos ou até mesmo agências bancárias. A
estes serviços se somam os de lazer, como os de restaurante (praças
de alimentação), cinemas etc., e até mesmo os de consertos de rou-
pas, por exemplo, característicos do comércio de bairro.
Este planejamento do conjunto permite a otimização dos ga-
nhos não só de cada lojista individualmente, como também do pro-
prietário do shopping, que ganha tanto um valor fixo pela locação das
lojas, bem como um percentual pelo seu faturamento. O que atrai a
clientela não é uma loja em particular, mas o shopping center como
um todo.

18.2. Qualificação
Sob o aspecto puramente imobiliário o shopping center pode
constituir-se em propriedade unipessoal ou de condomínio pro indi-
viso, por um lado, ou constituir-se em condomínio por unidades au-
tônomas, com partes próprias e partes comuns 207 , por outro.

18.3. Locação em Shopping Center


O contrato celebrado entre o lojista e o shopping center traz
algumas particularidades, que já levaram os juristas a questionar até
mesmo se se tratava de um verdadeiro contrato de locação. Na sua
composição entra a locação de prédio, mas este elemento não é úni-
co. Nele se somam duas categorias de interesses: a) a do titular de
cada unidade autônoma; b) a do proprietário do shopping, que lucra
com a sua organização.
207 Fábio Konder Comparato, "As cláusulas de não-concorrência nos 'shopping centers"',
Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nova série, v. 97,
janeiro-março/1995, p. 24.
FERNANDO NETTO BOITEUX 117

Nesse sentido podemos afirmar 208 :


"( ... ) que o shopping center tem o seu próprio aviamento
em razão do conjunto de elementos que o compõem, como
o capital investido e o pessoal que nele trabalha. É, pois,
muito distinta a locação de um prédio em um ponto comer-
cial para cujo sucesso concorre o proprietário isoladamen-
te e a posição de uma loja num shopping center, onde o seu
proprietário se beneficia da sua estrutura e organização."
A existência de um fundo de comércio exclusivo do locatário,
a par do fundo de comércio do próprio shopping, foi confirmada pelo
Superior Tribunal de Justiça, que admite, inclusive, a sua penhora209 •

18.4. Ação Renovatória na Locação em Shopping Center


A lei do inquilinato considera a relação entre o lojista e o
shopping como de locação, submetendo-a às regras da locação não-
residencial, como se vê no artigo 54, admitindo, em conseqüência, a
ação renovatória.
Por outro lado, não pode o locador recusar a renovação do
contrato com fundamento no uso próprio ou para transferência de
fundo de comércio existente há mais de um ano (artigo 52, § 2°).
Resta indagar da possibilidade de propositura da ação renova-
tória na hipótese de o lojista, com a anuência do locador, ceder seu
ponto a terceiros que não irão exercer a mesma atividade comercial.
Como esses terceiros obtiveram a anuência do locador, a mu-
dança de ramo não deve ser impedimento à renovatória, ainda que
não se configure o exercício do comércio no mesmo ramo por três
anos, ao menos 210 •
Por outro lado, não pode o locador recusar a renovação do
contrato com fundamento no uso próprio ou para transferência de
fundo de comércio existente há mais de um ano (artigo 52, § 2°).

208
Alfredo Buzaid, "Estudo sobre 'Shopping Center"', In: Roberto W. R. Pinto et alii
(coordenadores), Shopping centers: questões jurídicas: doutrina e jurisprudência,
São Paulo, Saraiva, 1991, p. 13.
209
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 189.380-SP, Sexta Turma, Relator
Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro, julgamento em 20 de maio de 1999, unânime.
210
Nesse sentido Mário Cerveira Filho, Shopping centers: direitos dos lojistas, 2• ed.,
São Paulo, Saraiva, 2000, p. 35.
118 CONTRATOS MERCANTIS

18.5. Outras Questões Referentes à Locação


A lei de locações não regula integralmente as relações envol-
vidas nos shopping centers, mantendo, com poucas exceções, o con-
teúdo do contrato. Além da possibilidade de ação renovatória as prin-
cipais exceções encontram-se abaixo transcritas (Lei n° 8.245, de 18
de outubro de 1991, artigo 54 ) 211 :
"Art. 54- Nas relações entre lojistas e empreendedores de
shopping center, prevalecerão as condições livremente pac-
tuadas nos contratos de locação respectivos e as disposi-
ções procedimentais previstas nesta Lei.
§ I o O empreendedor não poderá cobrar do locatário em
shopping center:
a) as despesas referidas nas alíneas 'a', 'b' e 'd' do parágra-
fo único do art. 22; e
b) as despesas com obras ou substituições de equipamen-
tos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial des-
critivo da data do habite-se e obras de paisagismo nas par-
tes de uso comum.
§ 2° As despesas cobradas do locatário devem ser previs-
tas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior,
devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada
sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a compro-
vação das mesmas."

18.6. O Contrato de Reserva da Localização


Muito se discutiu sobre se o contrato de direito de reserva da
localização se caracterizava como pagamento de luvas, vedado pela
chamada Lei de Luvas (Decreto no 24.150/34), com respeitáveis opi-
niões em sentido contrário212 Ocorre que a lei atual não mais contém
dispositivo que vede, expressamente, o pagamento de luvas, razão
pela qual a discussão perdeu o sentido 213 •
211 Cf. Paula Castello Miguel, "Contratos de 'shopping center'", Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nova série, v. 107,julho-setembro/1997,
p. 172 e 173.
212 As posições divergentes são noticiadas por Antonio de Pádua Ferraz Nogueira,
"Shopping center: características do contrato de direito de reserva da localização
('Res sperata')". Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro,
nova série, v. 77, janeiro-março/1990, p. 82 e segs.
213 Neste sentido Paula Castello Miguel, "Contratos de 'shopping center"', cit.
FERNANDO NEnO BOITEUX 119

18.7. Cláusulas de Não-Concorrência


Entendo que a cláusula de não-concorrência é válida, pois não
cerceia a liberdade de concorrência prevista no artigo 170 da Cons-
tituição Federal, tendo em vista que se trata de um contrato de co-
munhão de finalidades (a do shopping e a do lojista), no qual se ad-
mitem restrições convencionais à concorrência214 •

Fáb!~ Konder Comparato, "As cláusulas de não-concorrência nos 'shopping cen-


214

ters , Clt., p. 23.


720

19. Arrendamento Mercantil (Leasing)

19.1. Mecanismo Operacional, Utilidade e Função


Em vez de adquirir a propriedade de bens, pagando com recur-
sos próprios ou financiados, o empresário contrata com uma empre-
sa de leasing a aquisição, por esta, de determinado bem, que é em
seguida dado em locação ao empresário em questão, por certo pra-
zo. Ao final do prazo de locação, o empresário locatário tem a alter-
nativa de devolver a coisa à empresa de leasing, ou de comprá-la,
pagando um preço residual (os alugueres já pagos são imputados no
preço final).
A utilidade e função principais do contrato de leasing são:
- evitar a imobilização, em detrimento do capital de giro;
- poder adquirir a prazo, sem financiamento bancário, coi-
sa que só é vendida à vista;
- poder trocar, em prazo curto, equipamentos de rápido ob-
soletismo (computadores, por exemplo);
- imputar como despesa operacional para fins de tributação
da renda as quantias pagas à empresa de leasing, que po-
dem se tomar preço de aquisição do bem (Lei no 6.099, de
1974).

19.2. Qualificação
A característica principal do contrato de leasing é de represen-
tar uma operação financeira. É contrato bilateral, porque impõe obri-
gações a ambas as partes, oneroso, comutativo e de execução suces-
siva sendo, na maior parte das vezes, por adesão. Essas característi-
cas serão detalhadas abaixo.
A Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, que "Dispõe so-
bre o Tratamento Tributário das Operações de Arrendamento Mer-
cantil e dá outras Providências", prevê 215 :
"Art. 1o - ...
Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil,
para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado en-

215 Parágrafo único com a redação determinada pela Lei no 7.132, de 26 de outubro de
1983.
FERNANDO NETIO BOITEUX 121

tre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa


física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha
por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arren-
dadora, segundo especificações da arrendatária e para uso
próprio desta".
É negócio jurídico complexo, e não, simplesmente, coligação
de negócios, na expressão de Fábio Konder Comparato, ainda que
nele predomine a locação de coisa216 .
Esclarece Fábio Comparato que 217 :
"a verdadeira causa, o escopo permanente do negócio, em
todos os casos, é justamente essa alternativa deixada à es-
colha do arrendatário. É ela, como elemento in obligatio-
ne - e não apenas in executione - que diferencia substan-
cialmente o leasing de todos os demais negócios típicos. É
a sua diferença específica, para usarmos da clássica termi-
nologia aristotélica.
Nessas condições, a distinção largamente utilizada nos Es-
tados Unidos entre operating lease e financing lease - o
primeiro assimilado a um arrendamento (bailment) e o se-
gundo a uma aquisição financiada do bem - só faz sentido
como análise a posteriori das operações já encerradas. Se,
desde o início, o interesse dos empresários fosse apenas o
de receber a coisa em arrendamento, não teria surgido o
negócio de leasing. Os contratos de locação e de crédito ou
financiamento (seja do próprio vendedor, seja de uma ins-
tituição financeira) bastariam completamente".
Essa é também a posição do Superior Tribunal de Justiça, afir-
mando o Ministro Humberto Gomes de Barros 218 : "Contrato misto,
216
Fábio Konder Comparato, "Contrato de leasing", Ensaios e pareceres de direito
empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 329, antes publicado na Revista dos
Tribunais, v. 389, p. 7, de 1968. O autor confirma esse entendimento em "O irreden-
tismo da 'nova contabilidade' e as operações de 'leasing"', Direito empresarial: es-
tudos e pareceres, São Paulo, Saraiva, 1990, p. 418 e segs.
217
Fábio Konder Comparato, "O irredentismo da 'nova contabilidade' e as operações
de 'leasing", Direito empresarial: estudos e pareceres, São Paulo, Saraiva, 1990, p.
420 (grifos nossos).
218
Superior Tribunal de Justiça, Embargos de Divergência em Recurso Especial no 341-
0- SP, (Registro no 92.0009904-1), Primeira Seção, Relator Ministro Humberto Go-
mes de Barros, julgamento em 8 de novembro de 1994, por maioria, Revista do Su-
perior Tribunal de Justiça, Brasília, a. 8, (80): 143- 204, abril 1996, p. 145, com a
122 CONTRATOS MERCANTIS

em sua origem, o Leasing tornou-se, entre nós, um negócio típico,


nominado e autônomo: a 'locação mercantil' definida e regida pela
Lei no 6.099/74".
As empresas de leasing exercem atividade financeira, como
ensina Luiz Gastão Leães, dado que a219 :
"( ... )função econômica do leasing ( ... ),buscada pelas par-
tes, reside, não na locação do bem de produção mas na li-
beração de recursos financeiros que essa operação propicia.
A própria denominação do instituto no Direito compara-
do (hire purchase; locazione finanziarie; crédit-bail;
Mietfinanzierung) está a indicar que trata, antes de tudo, de
uma operação financeira. Com efeito, a demonstrar que
não se cuida de simples locação, dos contratos de leasing
necessariamente deve constar a opção de compra, por pre-
ço residual, que pode transmudá-la em compra e venda
( ... )"
No mesmo sentido o Superior Tribunal de Justiça220 .

19.3. Modalidades Específicas


Admite-se o contrato de leasing tanto de coisas móveis quan-
to de imóveis. Quando incide sobre imóveis segue a modalidade
de leasing financeiro, seja em sua modalidade típica, seja com
lease-back.
seguinte ementa (transcrição parcial): 'Tributário- Arrendamento mercantil - Natu-
reza jurídica - Lei no 6.099174 - LC no 56/87 - Incidência do ISS.
Contrato misto, em sua origem, o Leasing tornou-se, entre nós, um negócio típico,
nominado e autônomo: a "locação mercantil" definida e regida pela Lei no 6.099174.
Não faz sentido, atualmente, a pesquisa em torno de qual contrato prepondera na for-
mação deste novo instituto ( ... )".
219 Luiz Gastão Paes de Barros Leães, "O 'leasing' é uma operação financeira?", Revis-
ta de Direi lO Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, nova série, n° 35, jul./
set. 1979, p. 11.
220 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 5.508- SP, Registro no 90.10241-3,
Terceira Turma, Relator Ministro Cláudio Santos, julgamento unânime em 30 de
outubro de 1990, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, 3(20): 141-430,
abr. 1991, p. 379, com a seguinte ementa: "Arrendamento mercantil ('Leasing').
Arrendadora. Responsabilidade. Teoria do risco. Inaplicabilidade.
A arrendadora não é responsável pelos danos provocados pelo arrendatário. O
'leasing' é operação financeira, na qual, o bem em regra objeto de promessa unilate-
ral de venda futura, tem a sua posse transferida antecipadamente. A atividade, aliás,
própria do mercado financeiro, não oferece potencial de risco capaz de por si acar-
retar a responsabilidade objetiva, ainda que a coisa arrendada seja automotor.
Recurso especial conhecido e provido".
FERNANDO NETTO BOITEUX 123

Desde 1999 foi estatuído o leasing de imóveis residenciais,


denominado "Arrendamento imobiliário especial com opção de com-
pra", destinado a pessoas físicas, exclusivamente, hoje regulado pela
Lei no 10.188, de 12 de fevereiro de 2001. Esta lei determina que se
apliquem ao leasing residencial as disposições referentes ao leasing
comercial.
As modalidades usuais do contrato de leasing são as que se
seguem221 :

19.3.1. Leasingfinanceiro
Nesta modalidade o financiador (empresa de leasing) adquire
um bem de um fabricante para conceder os direitos de utilização so-
bre o bem a um terceiro (utilizador). É a principal operação. Na for-
ma da Resolução no 2.309, de 28 de agosto de 1996, do Conselho
Monetário Nacional (artigo 5°),
"Art. 5°. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a
modalidade em que:
I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no
contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente
suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem
arrendado durante o prazo contratual da operação e, adicio-
nalmente, obtenha um retorno sobre os recursos investi-
dos;
II - as despesas de manutenção, assistência técnica e servi-
ços correlatos a operacionalidade do bem arrendado sejam
de responsabilidade da arrendatária;
III - o preço para o exercício da opção de compra seja li-
vremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mer-
cado do bem arrendado."
A modalidade lease-back, ou seja, a venda de um conjunto de
bens, em geral um estabelecimento, para que o comprador os dê, em
seguida, em locação ao vendedor, com o objetivo de desmobilizar o
patrimônio do vendedor, aumentando o volume de seu capital circu-
lante, em nosso direito, ao menos, só pode ser efetivada na modali-

221
Aldo Frignani, Factoring, leasing, franchising, venture capital, concorrenza, 3• ed.
ampl. e atual., Torino, Giappichelli, 1987, p. 336, analisando o direito comparado,
consigna estas três modalidades como sendo as utilizadas na prática.
124 CoNTRATOS MERCANTIS

dade de leasing financeiro. Nesse sentido a Resolução no 2.309 do


Conselho Monetário Nacional (artigo 13):
"Art. 13. As operações de arrendamento mercantil contra-
tadas com o próprio vendedor do bem ou com pessoas a ele
coligadas ou interdependentes somente podem ser contra-
tadas na modalidade de arrendamento mercantil financei-
ro, aplicando-se a elas as mesmas condições fixadas neste
Regulamento.
§ 1°. As operações de que trata este artigo somente podem
ser realizadas com pessoas jurídicas, na condição de arren-
datárias.
§ 2°. Os bancos múltiplos com carteira de investimento, de
desenvolvimento e/ou de crédito imobiliário, os bancos de
investimento, os bancos de desenvolvimento, as caixas
econômicas e as sociedades de crédito imobiliário também
podem realizar as operações previstas neste artigo."

19.3.2. Leasing operacional


O arrendador é fabricante ou importador do bem e o dá em
locação, mediante aluguel determinável em função do uso do mate-
rial, incluída a manutenção; o contrato pode ser rescindido a qual-
quer momento e está, em regra, ligado a uma opção do arrendatário
para compra da coisa por preço do mercado. Na forma da Resolução
n° 2.309 do Conselho Monetário Nacional (artigo 6°):
"Art. 6°. Considera-se arrendamento mercantil operacional
a modalidade em que:
I- as contraprestações a serem pagas pela arrendatária con-
templem o custo de arrendamento do bem e os serviços
inerentes a sua colocação a disposição da arrendatária, não
podendo o total dos pagamentos da espécie ultrapassar
75% (setenta e cinco por cento) do custo do bem arrenda-
do;
II- as despesas de manutenção, assistência técnica e servi-
ços correlatos a operacionalidade do bem arrendado sejam
de responsabilidade da arrendadora ou da arrendatária;
III - o preço para o exercício da opção de compra seja o
valor de mercado do bem arrendado.
FERNANDO NETIO BOITEUX 125

Parágrafo único. As operações de que trata este artigo são


privativas dos bancos múltiplos com carteira de arrenda-
mento mercantil e das sociedades de arrendamento mer-
cantil."

19.4. Regime Jurídico


19.4.1. Responsabilidade por vícios redibitórios
A empresa de leasing não responde pelos vícios redibitórios.
Neste sentido Aldo Frignani222 e Fábio Comparato, entendendo este
serem inaplicáveis as regras referentes a vício redibitório nas rela-
ções entre a instituição financeira e a empresa utilizadora do equipa-
mento, pois 223 :
"sendo o material adquirido segundo as precisas indicações
da empresa utilizadora, a instituição financeira exerce em
última análise a função de mero intermediário entre aque-
la e o vendedor do material não se lhe podendo imputar
qualquer responsabilidade na escolha".
Entende, no entanto, Fábio Comparato que nenhuma das par-
tes no contrato de leasing terá, isoladamente, legitimidade para acio-
nar o vendedor, sustentando existir litisconsórcio ativo necessário.
Em sentido diverso, a nosso ver com razão, o Tribunal de Al-
çada de Minas Gerais, entendendo que 224 :
222
Aldo Frignani, Factoring, leasing, franchising, venrure capital, concorrenza, cit., p.
312.
223
Fábio Konder Comparato, "Contrato de leasing", cit., p. 331.
224
Tribunal de Alçada de Minas Gerais, Apelação Cível no 0243618-0/00- Juiz de Fora,
6' Câmara Cível, Relator Juiz Belizário de Lacerda, julgamento em 13 de novembro
de 1997, decisão unânime, acórdão não publicado, com a seguinte ementa: "Indeni-
zação - Veículo - Defeito de fabricação - Lucros cessantes - Substituição do bem -
Dano moral - Código de defesa do consumidor - Responsabilidade solidária -
Leasing- Alienação fiduciária- Ônus da prova- Apelação Cível- Fato novo- Os for-
necedores são solidariamente responsáveis pelos defeitos dos produtos por eles co-
mercializados - O fato de o veículo defeituoso estar alienado fiduciariamente ou ar-
rendado não retira a legitimidade do consumidor para reclamar os prejuízos sofridos,
pois tem ele o dever de guarda e conservação do bem, o qual adquirirá, ao final. Se
o veículo novo retornar à concessionária exageradamente, em curto espaço de tem-
po, é de se concluir que possui defeitos gerais de fabricação, que o torna imprestá-
vel ao consumo normal, devendo substituí-lo os fornecedores. Revestindo-se as ale-
gações do consumidor de verossimilhança e sendo ele hipossuficiente, deve o ônus
da prova ser invertido, cabendo aos fornecedores providenciar perícia técnica para
demonstrar que os vícios decorreram de culpa exclusiva daquele. Só a dor real e pro-
funda enseja danos morais, não mero aborrecimento ou desgaste emocional. Nenhum
126 CONTRATOS MERCANTIS

"O fato de o veículo defeituoso estar alienado fiduciaria-


mente ou arrendado não retira a legitimidade do consumi-
dor para reclamar os prejuízos sofridos, pois tem ele o de-
ver de guarda e conservação do bem, o qual adquirirá, ao
final."

19.4.2. Bens que podem ser objeto de leasing


Podem ser objeto de contrato de leasing quaisquer bens, mó-
veis ou imóveis.
As benfeitorias feitas pelo locatário (por exemplo, troca de
peças) incorporam-se à coisa e não são indenizadas pela empresa de
leasing (Código Civil, artigo 63).

19.5. O Contrato
19. 5.1. Características
O contrato é solene, exigindo forma escrita, por instrumento
público ou particular, impondo-se o registro junto ao Cartório de Tí-
tulos e Documentos.
É contrato bilateral, consensual, oneroso, comutativo, de exe-
cução sucessiva e nominado. Quase sempre se forma por adesão.
A arrendadora é instituição financeira ou sociedade que se
dedique ao arrendamento mercantil.
A arrendatária pode ser pessoa física ou jurídica.
A publicidade do contrato se impõe, principalmente, para que
se evitem alienações fraudulentas dos bens arrendados.

19.5.2. Cláusulas Obrigatórias


Do contrato devem constar obrigatoriamente as cláusulas
abaixo 225 :
a) descrição dos bens que constituem o objeto do contrato com
todas as características que permitam sua perfeita identificação;

empecilho existe no art. 18 da Lei 8.078/90 para a cobrança dos lucros cessantes,
devendo a indenização contemplar todos os prejuízos efetivamente sofridos pelo
consumidor. Não se pode trazer ao processo, em fase de apelação, questões fáticas
não levantadas no juízo anterior, salvo quando se provar que não foram argüidas
antes por força maior, máxime se a pretensão envolve mudança na causa de pedir e
no pedido".
225
Resolução n" 2.309, de 28 de agosto de 1996, do Banco Central do Brasil, artigo 7".
FERNANDO NETIO 80ITEUX 127

b) prazo do arrendamento, que, na forma da Resolução no


2.309 do Conselho Monetário Nacional (artigo 8°), deve ser, no mí-
nimo, um dos seguintes:
"I- para o arrendamento mercantil financeiro:
a) 2 (dois) anos, compreendidos entre a data de entrega dos
bens a arrendatária, consubstanciada em termo de aceita-
ção e recebimento dos bens, e a data de vencimento da úl-
tima contraprestação, quando se tratar de arrendamento de
bens com vida útil igual ou inferior a 5 (cinco) anos;
b) 3 (três) anos, observada a definição do prazo constante
da alínea anterior, para o arrendamento de outros bens;
II- para o arrendamento mercantil operacional, 90 (noven-
ta) dias".
c) valor das contraprestações ou fórmulas de cálculo das con-
traprestações, bem como o critério para o seu reajuste;
A principal controvérsia sobre o critério de reajuste das pres-
tações se refere aos contratos de leasing com correção cambial, e
será examinada no item 17.7 .2, retro.
d) forma de pagamento;
e) tríplice opção, a favor do arrendatário: adquirir o bem, re-
novar o contrato ou devolver o bem.
Esta opção deve ser exercida somente ao final do contrato, sob
pena de a operação vir a ser considerada como compra e venda a
prestação, como dispõe a Resolução no 2.309, de 28 de agosto de
1996, do Conselho Monetário Nacional (artigo 10):
"Art. I O. A operação de arrendamento mercantil será con-
siderada como de compra e venda a prestação se a opção
de compra for exercida antes de decorrido o respectivo pra-
zo mínimo estabelecido no art. 8° deste Regulamento."
No entanto, a própria Resolução admite que o valor residual
seja pago em qualquer momento do contrato, a título de garantia,
sem que este pagamento tenha a característica de exercício da opção
(artigo 7°, inciso VII, alínea "a").
A meu ver essa tese não se sustenta, pois o pagamento total do
preço é característica da compra e venda. Se exigirmos o pagamento
total do preço antecipadamente esvaziamos o conteúdo econômico
da opção do arrendatário, o que retiraria do leasing a sua caracterís-
tica essencial, transformando-o em contrato de compra e venda.
128 CoNTRATOS MERCANTIS

A posição contrária sustenta que a lei atribui competência para


regular aspectos particulares das operações de leasing, entre eles a
natureza e os efeitos do pagamento antecipado do valor residual: a
questão do Valor Residual Garantido- VRG não está prevista na lei;
logo, o Conselho Monetário Nacional seria competente para regulá-
la.
Dada a polêmica em torno do tema ele será analisado tanto
em suas implicações comerciais quanto tributárias no item 19.6.1,
adiante.
f) fixação do preço de compra ou critério para a sua fixação;
g) despesas e encargos adicionais, inclusive despesas de as-
sistência técnica, manutenção e serviços inerentes à operacionalida-
de dos bens arrendados, admitindo-se, ainda, para o arrendamento
mercantil financeiro:
g 1) a previsão de a arrendatária pagar valor residual garan-
tido em qualquer momento durante a vigência do contra-
to, não caracterizando o pagamento do valor residual ga-
rantido o exercício da opção de compra;
g2) o reajuste do preço estabelecido para a opção de com-
pra e o valor residual garantido;
h) condições para eventual substituição do bem arrendado por
outro da mesma natureza que melhor atenda às conveniências da ar-
rendatária, devendo a substituição ser formalizada por intermédio de
aditivo contratual;
i) responsabilidades adicionais, que vierem a ser convencio-
nadas, em decorrência de: uso indevido ou impróprio dos bens arren-
dados; seguro previsto para cobertura de risco dos bens arrendados;
danos causados a terceiros pelo uso dos bens.
Para a caracterização do ato ilícito o que importa é a conduta
do agente, razão pela qual, em princípio, a arrendadora, que jamais
tem a posse do bem, não deve responder pelo ilícito.
A Súmula 492 do Supremo Tribunal Federal dispõe que "a
empresa locadora de veículos responde civil e solidariamente com a
locatária, pelos danos por este causados a terceiros, no uso do carro
locado". Pela semelhança entre a locação e o leasing, já se preten-
deu aplicar a Súmula à espécie. No entanto, o próprio Tribunal rejei-
tou esta interpretação.
FERNANDO NETIO BOITEUX 129

No mesmo sentido, de que a arrendadora não é responsável


pelos danos provocados pelo arrendatário, entende o Superior Tribu-
nal de Justiça, pois 226 :
"A atividade, aliás, própria do mercado financeiro, não ofe-
rece potencial de risco capaz de por si acarretar a respon-
sabilidade objetiva, ainda que a coisa arrendada seja auto-
motor."
Entre as responsabilidades adicionais devem constar, ainda, os
ônus advindos dos vícios dos bens arrendados.
j) faculdade de a arrendadora vistoriar os bens objeto de ar-
rendamento e de exigir da arrendatária a adoção de providências in-
dispensáveis à preservação da integridade dos referidos bens;
1) obrigações da arrendatária nas hipóteses de inadimplemen-
to, destruição, perecimento ou desaparecimento do bem arrendado;
m) faculdade de a arrendatária transferir a terceiros no País,
desde que haja anuência expressa da entidade arrendadora, os seus
direitos e obrigações decorrentes do contrato, com ou sem co-res-
ponsabilidade solidária.

19.6. Questões Polêmicas


19.6.1. O pagamento antecipado do valor residuaP 27
Há na nossa jurisprudência muita controvérsia sobre a carac-
terização do contrato de leasing, especialmente em duas hipóteses:
quando o valor residual é ínfimo em relação ao valor de mercado do
bem ou ao valor total do contrato e quando este valor é pago anteci-
padamente. Buscamos examinar se, nessas hipóteses, temos presen-
te um contrato de leasing ou uma outra figura contratual.
Uma parte da jurisprudência entende que à criatividade dos
empresários o legislador não pode impor limites, entendendo que, se
estão presentes no contrato um fornecedor de bem de consumo du-
rável, um financiador como arrendante e um arrendatário - e virtual
adquirente do bem - está caracterizado o leasing, independentemen-
te do conteúdo das cláusulas contratuais; outra parte analisa o con-
teúdo do contrato para, após, determinar se ele deve ser entendido
como leasing, ou não.
226
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 5.508 - SP, citado.
227
Fernando Netto Boiteux, "Contrato de leasing e valor residual - seus efeitos tributá-
rios", Revista Dialética de Direito Tributário, v. 66, p. 36 e segs.
130 CONTRATOS MERCANTIS

A partir da qualificação jurídica do contrato de leasing, exa-


minada no item 19 .2, acima, iremos propor a solução que nos pare-
ce conforme ao nosso direito.
Na modalidade que examinamos -leasing financeiro- o finan-
ciador (empresa de leasing) adquire um bem de um fabricante para
conceder os direitos de utilização sobre o bem a um terceiro (utili-
zador). É a principal operação de leasing.
Na forma da Resolução no 2.309, de 28 de agosto de 1996, do
Conselho Monetário Nacional (artigo 5°):
"Art. 5°. Considera-se arrendamento mercantil financeiro a
modalidade em que:
I - as contraprestações e demais pagamentos previstos no
contrato, devidos pela arrendatária, sejam normalmente
suficientes para que a arrendadora recupere o custo do bem
arrendado durante o prazo contratual da operação e, adi-
cionalmente, obtenha um retorno sobre os recursos inves-
tidos;
II- as despesas de manutenção, assistência técnica e servi-
ços correlatos a operacionalidade do bem arrendado sejam
de responsabilidade da arrendatária;
III - o preço para o exercício da opção de compra seja li-
vremente pactuado, podendo ser, inclusive, o valor de mer-
cado do bem arrendado."
Entre as cláusulas que devem constar obrigatoriamente do
contrato, na forma da Resolução no 2.309 do Conselho Monetário
Nacional (artigo 8°), está a que determina a possibilidade de uma trí-
plice opção, a favor do arrendatário: adquirir o bem, renovar o con-
trato ou devolver o bem.
Esta opção deve ser exercida somente ao final do contrato, sob
pena de a operação vir a ser considerada como compra e venda a
prestação, como dispõe a própria Resolução no 2.309, de 28 de agos-
to de 1996, do Conselho Monetário Nacional (artigo 10):
"Art. 1O. A operação de arrendamento mercantil será con-
siderada como de compra e venda a prestação se a opção
de compra for exercida antes de decorrido o respectivo pra-
zo mínimo estabelecido no art. 8° deste Regulamento."
Alguns magistrados têm se sentido influenciados pela origem
do instituto, no direito norte-americano, um sistema de common law,
FERNANDO NETTO BOITEUX 131

descorando dos limites da atividade do intérprete em nosso sistema


legal.
A extensão da autonomia privada (a chamada "criatividade"
em alguns acórdãos) não condiz com a perspectiva adotada pelo di-
reito neste século quando não mais se reconhece à vontade, exclusi-
vamente, o poder de produzir efeitos jurídicos 228 •
A tipicidade normativa, por outro lado, não veda a existência
de contratos atípicos mas, impede os particulares de criar novos
modelos para regular aquelas operações já tipificadas 229 • Se o legis-
lador criou uma determinada estrutura para o contrato de leasing que
se distingue da compra e venda a prazo pelo motivo (ou causa), não
pode o particular pretender criar o seu próprio contrato, afastando-
se dessa estrutura, e denominá-lo leasing.
Interpretar o contrato no qual o arrendatário paga a totalidade
do preço, antecipadamente, ao arrendador, em troca da simples pos-
sibilidade de aquisição do bem como leasing quando este poderia,
pela compra a prazo, pagar o mesmo valor e garantir a propriedade,
significa que se está retirando do contrato o seu conteúdo econômi-
co. E essa interpretação é vedada porque conduz ao absurdo, como
já assinalava Carlos Maximiliano 230 , sempre citado, no mesmo sen-
tido do que afirma Karl Larenz 231 :
228
Por toda a doutrina Ana Prata, A tutela constitucional da autonomia privada, Coim-
bra, Almedina, 1982, p. 23: "Autonomia privada e negócio jurídico são hoje, como
sempre, meio e instrumento de composição jurídica de interesses de natureza essen-
cialmente privada, mas, diferentemente do que antes acontecia, não são um meio e
um instrumento deixados na exclusiva disponibilidade das partes. Ao Estado incum-
bem deveres que ele há de perseguir (também) através deste meio e deste instrumen-
to".
229
Raquel Sztajn, Contrato de sociedade e formas societárias, São Paulo, Saraiva, 1989,
p. 8: "Observe-se que a existência de um núcleo de contratos nominados nos códi-
gos de direito privado, e que formam um numerus clausus de tipos, não constitui um
sistema completamente fechado. Denota apenas a impossibilidade de que os parti-
culares criem novos esquemas para regular aquelas operações já tipificadas, ficando
compelidos a limitar-se à escolha de um dos tipos do catálogo legal".
23
° Carlos Maximiliano, Hermenêutica e aplicação do Direito, 9• ed., Rio de Janeiro,
Forense, 1980, p. 166: "Deve o direito ser interpretado inteligentemente: não de
modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a
conclusões inconsistentes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de quere-
sulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que torne aquela sem efeito, inó-
cua, ou este juridicamente nulo".
231
Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, 2• ed., Lisboa, Calouste Gulbenkian,
1989, p. 391.
132 CONTRATOS MERCANTIS

"Entre várias interpretações possíveis segundo o sentido li-


teral, deve por isso ter prevalência aquela que possibilita a
garantia de concordância material com outra disposição."
A outra interpretação possível seria imaginar que ambas as
partes no contrato de compra e venda estão ganhando algo - e aí o
interesse econômico estaria presente - pois, valendo-se de um "pla-
nejamento", o arrendatário compensaria o pagamento feito à arren-
dante com a criação de um prejuízo fiscal. Essa interpretação, no
entanto, só seria admissível em duas hipóteses: se a lei expressamen-
te o permitisse ou se existisse uma lacuna que permitisse aos parti-
culares regular seus interesses sem violação da lei, pois não se pode
dispensar o contribuinte do pagamento de imposto sem amparo le-
gal.
Ocorre que esse comportamento é vedado pelo artigo 11, § 1°,
da mesma Lei no 6.099, de 1974, ao estabelecer as sanções para o uso
da compra e venda como se fosse leasing, dispondo: "A aquisição
pelo arrendatário de bens arrendados em desacordo com as disposi-
ções desta lei será considerada operação de compra e venda a pres-
tação"232.
A lei, nessa passagem, nada mais fez, portanto, que explicitar
o que se observa no confronto da qualificação do leasing na Lei no
6.099 com a da compra e venda no Código Civil.
Reconhecendo o benefício econômico do contrato de leasing
para a atividade empresarial o legislador permite imputar como des-
pesa operacional para fins de tributação da renda, as quantias pagas
à empresa de leasing, e que podem se tornar preço de aquisição do
bem, dentro das condições que especifica (Lei no 6.099, de 1974, ar-
tigo 11, caput):
"Art. 11 - Serão considerados como custo ou despesa ope-
racional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações
pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamen-
to mercantil."
Ora, o exame dessa isenção tributária- e estamos denominan-
do-a isenção porque, em regra, o valor pago a título de locação não

212 Dispositivo consolidado no artigo 356 do Decreto no 3.000, de 26 de março de 1999


(Regulamento do Imposto de Renda - RIR).
FERNANDO NETIO BOITEUX 733

é dedutível para fins tributários - deve ser feito à luz do disposto no


artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional segundo o qual
a outorga de isenção se interpreta literalmente.
Para os juristas a interpretação literal "tem por objetivo com-
patibilizar a letra com o espírito da lei" 233 . O espírito da lei, no caso,
só pode ser entendido como conformidade com a natureza do insti-
tuto que ela regula, pois, como afirma Karl Larenz 234 :
"Uma interpretação que se não situe já no âmbito do senti-
do literal possível, já não é interpretação, mas modificação
de sentido."
Ainda que o termo "interpretação literal" seja muito combati-
do hoje, em razão de seu sentido restritivo, esclarece Ricardo Lobo
Torres, citando Aliomar Baleeiro, que 235 :
"Quando o art. 111 do CTN prescreve a interpretação lite-
ral das isenções está apenas impedindo, em homenagem ao
princípio da legalidade, o recurso à analogia e à eqüidade,
como formas de integração, mas não está impondo qual-
quer método específico de interpretação."
Por esta razão, não cabe ao intérprete se socorrer da suposta
eqüidade para contrariar a letra e o espírito da Lei no 6.099/74 pois,
desta forma, negará vigência ao disposto no artigo 111 do Código
Tributário Nacional.
Demonstramos acima a qualificação do contrato de leasing,
ficando certo que a causa deste contrato, que é única, é garantir ao
arrendatário a tríplice opção: adquirir o bem, devolvê-lo ou substi-
tuí-lo por outro de sua maior conveniência. Passaremos a demonstrar
de que forma o pagamento antecipado do valor residual, chamado
"valor residual garantido", contraria o disposto no artigo I o da Lei no
6.099/74.
A Lei no 6.099, de 12 de setembro de 1974, que "Dispõe so-
bre o Tratamento Tributário das Operações de Arrendamento Mer-
cantil e dá outras Providências", prevê 236 :
233
Ricardo Lobo Torres, Normas de interpretação do direito tributário, Rio de Janeiro,
Forense, 1991, p. 99.
234
Karl Larenz, Metodologia da Ciência do Direito, cit., p. 387.
235
Ricardo Lobo Torres, Normas de interpretação do direito tributário, cit., p. 102.
236
Parágrafo único com a redação determinada pela Lei no 7.132, de 26 de outubro de
1983.
134 CONTRATOS MERCANTIS

"Art. 1o- ...


Parágrafo único. Considera-se arrendamento mercantil,
para os efeitos desta Lei, o negócio jurídico realizado en-
tre pessoa jurídica, na qualidade de arrendadora, e pessoa
física ou jurídica, na qualidade de arrendatária, e que tenha
por objeto o arrendamento de bens adquiridos pela arren-
dadora, segundo especificações da arrendatária e para uso
próprio desta."
O artigo de lei acima transcrito refere-se a "arrendamento de
bens". Arrendamento significa aluguel e não transferência de pro-
priedade: não bastam as partes e o bem para a caracterização do
leasing. Na expressão de Fábio Konder Comparato 237 :
"Se é mais do que uma locação, o arrendamento mercan-
til, por outro lado, é menos que uma compra e venda. Nin-
guém põe em dúvida que a causa desta (no sentido do es-
copo econômico do negócio) é a transferência da proprie-
dade da coisa. Ora, a operação de leasing não tende, neces-
sariamente, a uma translação do domínio."
Portanto, só é contrato de leasing aquele que confere a trípli-
ce opção ao comprador. Como o leasing não tende, necessariamen-
te, a uma transferência do domínio, fica evidente que não se pode ad-
mitir como normal que a arrendatária pague, antecipadamente, o pre-
ço integral do bem, ou a sua maior parte.
Não é necessário, também, que a lei impeça, expressamente,
a antecipação do valor residual; o preço e o momento do pagamento
é que indicam a qualificação jurídica do contrato. Por exemplo: a
transferência de domínio da coisa com o pagamento em dinheiro é
compra e venda; se o preço for pago em outra coisa que não dinhei-
ro é troca; se o preço não for real ou verdadeiro, não se tratará de uma
compra e venda, mas de doação simulada238 .

237 Fábio Konder Comparato, Direito empresarial: estudos e pareceres, São Paulo, Sa-
raiva, 1990, p. 419.
238 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 3' ed., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1975, vol. IIJ, p. 156: "O preço tem de ser sério, traduzindo a intenção efetiva
e real de constituir uma contraprestação para a obrigação que o vendedor assume de
entregar a coisa. Se for fictício, não há venda, porém doação simulada, e por tal ra-
zão atacável por este defeito do negócio jurídico. Se for irrisório, venda também não
há, porque um contrato em que se presencia o contraste aberrante entre valor da coi-
sa e o preço nega-se a si mesmo".
FERNANDO NETIO 80ITEUX 135

Isto significa que, se o preço da coisa em um contrato intitu-


lado leasing for pago antecipadamente estaremos diante de uma
compra e venda.
Todavia, a existência do direito de opção, que é a causa do
contrato, vem sendo desvirtuada pelas empresas de leasing, de uma
forma mais elaborada, na medida em que exigem o valor da "opção"
antecipadamente, ainda que sob o nome singelo de "valor residual
garantido- VRG". Querem fazer crer, dessa forma, que o arrendatá-
rio, voluntariamente, pretendeu garantir a instituição financeira de
que, se, ao final do contrato, pretender adquirir o bem terá meios fi-
nanceiros para tanto.
Essa interpretação omite fato da maior relevância: a garantia
da empresa de leasing já existe. Se o arrendatário não tiver recursos
para exercer a opção de compra ele não se tornará proprietário do
bem, que voltara à propriedade da arrendadora.
Por outro lado, se, no curso do contrato ele se tornar inadim-
plente poderá até ser preso se não devolver o bem, como entende
parte de nossa jurisprudência. Portanto, se fosse possível entender
que o pagamento antecipado do valor residual tem o caráter de ga-
rantia, ainda assim seria uma garantia excessiva, injustificável.
Evidentemente, nessas condições, é descabido sustentar a ne-
cessidade de uma outra garantia, a do pagamento antecipado do va-
lor da opção de compra, o chamado "valor residual garantido".
Rodolfo de Camargo Mancuso demonstra bem de que forma
o exercício antecipado da opção desnatura o contrato, contrariando
o disposto no artigo 1o da Lei n° 6.099/74 239 :
"( ... ) se as leis de regência previram um único valor resi-
dual a ser pago, cujo momento azado seria o do exercício
da opção de compra pelo arrendatário, parece claro que ja-
mais o não-exercício dessa faculdade poderia ser erigido
como causa para um ônus financeiro diverso daquele pre-
visto legalmente. Se a norma legal estabeleceu umafacul-
tas agendi, um poder de agir- e não uma obrigação- se-
gue-se que o não-exercício de uma faculdade não pode en-
gendrar encargo algum, e é por isso que se encontra em
nossa cultura jurídica o aforisma: 'quem exerce direito não
239
Rodolfo de Camargo Mancuso, Leasing, 2" ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Re-
vista dos Tribunais, 1999, p. 154 e 155.
136 CoNTRATOS MERCANTIS

causa gravame'. Ao deliberar pela não-aquisição da coisa,


ao final do contrato, o arrendatário exerce opção que, em
termos de valor jurídico, é equivalente àquela pela qual
poderia ter adquirido a coisa; se, neste último caso, só lhe
poderia ser exigido o valor residual pré-fixado em contra-
to, não há justificativa para que, na hipótese anterior, lhe
seja exigido como um plus, o valor residual garantido".
No mesmo sentido, ainda, Arnaldo Rizzardo ressalta que a
Resolução do Banco Central do Brasil introduziu uma obrigação não
prevista em lei, "descaracterizando a própria natureza do leasing" 240 .
Por estas razões, a interpretação que admite como sendo lea-
sing contrato que tem causa diversa da prevista em lei contraria fron-
talmente o disposto no artigo I o da Lei no 6.099/7 4.
Por outro lado, dispõe o artigo II da Lei no 6.099174 (grifos
nossos):
"Art. II - Serão considerados como custo ou despesa ope-
racional da pessoa jurídica arrendatária as contraprestações
pagas ou creditadas por força do contrato de arrendamen-
to mercantil.
§ I o A aquisição pelo arrendatário de bens arrendados em
desacordo com as disposições desta Lei será considerada
operação de compra e venda a prestação.
§ 2° O preço de compra e venda, no caso do parágrafo an-
terior, será o total das contraprestações pagas durante a vi-
gência do arrendamento, acrescido da parcela paga a título
de preço de aquisição.
§ 3° Na hipótese prevista no § I o deste artigo, as importân-
cias já deduzidas, como custo ou despesa operacional pela
adquirente, acrescerão ao lucro tributável pelo Imposto de
Renda, no exercício correspondente à respectiva dedução.
§ 4o O imposto não recolhido na hipótese do parágrafo an-
terior será devido com acréscimo de juros e correção mo-
netária, multa e demais penalidades legais."
Como analisado acima, concede a lei nessa passagem uma
isenção fiscal, sujeita ao cumprimento de seus requisitos.

240 Arnaldo Rizzm·do, Leasing: arrendamento mercantil no direito brasileiro, 4' ed. rev.,
atual. e ampl.. São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 85.
FERNANDO NETIO BOITEUX 137

Já vimos, ainda, que o denominado leasing com pagamento


antecipado é uma compra e venda, ainda que o legislador, por defei-
to de técnica, tenha repetido essa afirmação como se estivesse tratan-
do de uma ficção legal.
Portanto, a simples leitura da lei é suficiente para determinar
que o pagamento de um valor residual abaixo do valor de mercado
desnatura o contrato - ainda que este pagamento ocorra em razão de
ter havido um pagamento anterior com a finalidade de "garantia".
As decisões contrárias ressaltam a origem norte-americana do
leasing, entendendo que a liberdade da common law permitiria aos
empresários e aos intérpretes o comportamento que mais lhes aprou-
vesse. Sem razão, no entanto, pois no direito norte-americano a re-
pressão à fraude em matéria de leasing é mais rigorosa que no nosso
em matéria de preço para o exercício da opção de compra, exigindo
que esta se faça pelo valor de mercado 241 .
Por fim, uma parte da jurisprudência do Superior Tribunal de
Justiça entende, acertadamente, que o pagamento antecipado desca-
racteriza o contrato de leasing, além de prejudicar o arrendatário
(transcrição parcial do voto do Relator) 242 .
"3. A opção de compra tem sido definida como um fator de
máxima importância na caracterização do leasing financei-
ro' (op. cit., p. 17). Isso porque, esclareceu o il. Prof. Pe-
nalva Santos, 'com boa razão, no parágrafo único do art.
1O, a Resolução (no 351175) capitulou que o exercício da
opção, em desacordo com o disposto no caput do artigo, ou
seja, antes do término da vigência do contrato (rectius: da
opção) será considerado como de compra e venda a pres-
tação. A ratio de tal dispositivo tem por finalidade evitar a
prática de expediente como uma simples compra e venda
mascarada de arrendamento mercantil.' (SANTOS, J. A.

w Aldo Frignani, Factoring. leasing. franchising, venture capital, crmcorrenza, 3• ed.,


Torino, Giappichelli, 1987, cap. 28, "Profili comparatistici delleasing finanziario",
p. 337, nos seguintes termos: "Per comune riconoscimento della prassi la peculiarità
de! leasing si ritrova nel momento terminale, che prevede (quasi sempre) l'opzione
di acquisto de! bene a favore dell'utilizzatore, ad un prezzo residuale, fissato ai mo-
mento de! contratto (oppure, come negli USA, in base a! valore di mercato)".
242
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 178272- RS, Registro 98/0043759-
2, Quarta Turma, Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, j. 18 de março de 1999,
por maioria.
138 CONTRATOS MERCANTIS

Penalva. Leasing. In Revista Forense, abril - maio -junho


de 1975. p. 48)
4. A Lei no 6.099, de 12.09.74, alterada pela Lei no 7.312,
de 26.1 0.83, dispondo sobre o leasing, estabelece no seu
art. 5o que os contratos de arrendamento mercantil conte-
rão, entre outras disposições, a cláusula de 'opção de com-
pra ou renovação de contrato, como faculdade do arrenda-
tário'.
No art. 11, § I o a lei dispõe que 'a aquisição pelo arrenda-
tário de bens arrendados em desacordo com as disposições
desta Lei será considerada operação de compra e venda a
prestação'.
5. Além das razões de ordem fiscal que levaram o legisla-
dor a manter a opção de compra, com o pagamento do va-
lor residual como uma das características do contrato de
leasing operacional, existem outras duas a considerar: a) o
negócio do leasing fica sem causa, isto é, desaparece ara-
zão do negócio se o arrendatário paga integralmente o pre-
ço do bem no curso da execução do contrato, uma vez que
a finalidade básica do leasing financeiro é 'sempre o fi-
nanciamento de investimentos produtivos' (Fábio Konder
Comparato, Contrato de 'Leasing ', Forense, 25011 O) e não
a compra e venda, sendo que a existência de uma promes-
sa unilateral de venda por parte da instituição financeira
serve para diferenciá-lo da locação e da compra e venda a
crédito; b) o arrendatário perde com a inclusão na presta-
ção mensal da parcela correspondente ao valor residual,
pois desembolsa antecipadamente aquilo que pagaria ape-
nas no caso de exercer uma das três opções que a lei lhe
reserva, ao final do contrato. E isso lhe pode ser ainda mais
prejudicial se considerarmos que tal parcela serve para
compor o valor da prestação mensal, sobre a qual incidirão
juros e outros acréscimos. E a inadimplência, que resulta
do não pagamento da prestação mensal assim composta,
terá graves reflexos na economia do contrato, com possi-
bilidade de perda da posse do bem, embora uma parte do
valor não pago constitua cobrança antecipada do que so-
mente seria exigível a final.
FERNANDO NETIO BOITEUX 139

Uma conseqüência dessa cobrança antecipada é que se eli-


mina a opção de compra, pois é a única alternativa que res-
ta a quem já pagou antecipadamente o preço. O em. Minis-
tro José Augusto Delgado, ao considerar a hipótese de ser
imposta ao arrendatário a obrigação de aquisição, com eli-
minação da opção, assim se manifestou: 'Tenho a cláusula
que impõe obrigatoriedade do exercício de tal manifesta-
ção (compra) como leonina. Não se pode deixar de consi-
derar que essa opção deve ser entendida como em harmo-
nia com os interesses negociais do arrendatário, inclusive
de suas condições financeiras. A imposição do arrendador
viola o princípio da livre manifestação e o da razoabilida-
de negociai' ('Leasing ', Doutrina e jurisprudência, Juruá,
1997, p. 128)."
Apesar da lei o Banco Central do Brasil, ao editar a Resolu-
ção no 2.309, de 28 de agosto de 1996, admitiu que o valor residual
seja pago em qualquer momento do contrato, a título de garantia,
sem que este pagamento tenha a característica de exercício da opção
(artigo 7°, inciso VII, "a").
Ocorre que o Conselho Monetário Nacional, cujas resoluções
são baixadas pelo Banco Central do Brasil, não tem poderes para
caracterizar, e ainda menos para descaracterizar o contrato de lea-
sing.
A Constituição de 1988 define a competência legislativa do
Congresso Nacional no artigo 48, declarando que é da competência
"especial" do Congresso dispor sobre: "matéria financeira, cambial
e monetária, instituições financeiras e suas operações" (inciso XIII),
matérias que dizem respeito à composição e funcionamento do sis-
tema financeiro nacional.
Ao pretender regulamentar estas matérias desconsiderando o
disposto em lei federal incorre o Conselho Monetário Nacional em
ilegalidade, pois edita norma regulamentar que, por um lado, exce-
de o âmbito da norma legal e por outro a contraria, pois desvirtua a
natureza ou qualificação do contrato de leasing, tal como disposto no
artigo 1o da Lei no 6.099174.
Em conclusão, a operação na qual o valor da opção é pago
antecipadamente, ainda que com o nome de "valor residual garanti-
do - VRG", bem como aquela na qual o valor residual propriamente
140 CONTRATOS MERCANTIS

dito é ínfimo em relação ao valor de mercado do bem arrendado ou


do valor total do contrato, devem ser consideradas uma simulação de
contrato de compra e venda. O cumprimento da lei, nesse caso, não
depende de qualquer margem de discricionariedade do intérprete,
representando, pura e simplesmente, o cumprimento do disposto na
própria Lei n° 6.099/74.

19.6.2. Contratos de leasing com correção cambial


Esta operação é regulada pela Resolução no 2.309 do Banco
Central do Brasil ("Disciplina e consolida as normas relativas as ope-
rações de arrendamento mercantil"), que, ao prever o cálculo da cor-
reção cambial, dispõe (grifos nossos):
"Art. 9°. Os contratos de arrendamento mercantil de bens
cuja aquisição tenha sido efetuada com recursos prove-
nientes de empréstimos contraídos, direta ou indiretamen-
te, no exterior devem ser firmados com cláusula de varia-
ção cambial.

Art. 26. Os bancos múltiplos com carteira de investimento


ou de desenvolvimento, os bancos de investimento e os
bancos de desenvolvimento podem utilizar recursos oriun-
dos de empréstimos externos, contraídos nos termos da
Resolução n. 63, de 21.08.67, em operações de arrenda-
mento mercantil de que trata o art. 13 deste Regulamento.
§ 1°. As operações realizadas nos termos deste artigo so-
mente podem ser contratadas tendo como arrendatárias
pessoas jurídicas.
§ 2°. A parcela dos recursos externos que for amortizada
pelo pagamento das contraprestações pode ser utilizada em
novas operações de arrendamento mercantil, em repasses
a clientes ou em aplicações alternativas autorizadas para os
recursos externos destinados a repasses.
§ 3°. Respeitados os prazos mínimos previstos no art. 8°,
inciso I, deste Regulamento, as operações referidas neste
artigo somente podem ser realizadas por prazos iguais ou
inferiores ao da amortização final do empréstimo contrata-
do no exterior, cujos recursos devem permanecer no País
consoante as condições de prazo de pagamento no exterior
FERNANDO NETIO BOITEUX 141

que forem admitidas pelo Banco Central do Brasil na épo-


ca da autorização de seu ingresso."
Desta forma, a validade desta operação decorre de dispositivo
legal expresso e está vinculada a negócio realizado no exterior.
Todavia, ainda que presentes estes requisitos legais, a desva-
lorização abrupta da moeda nacional ocorrida em janeiro de 1999
levou ao Judiciário a questão de quem deveria suportar os riscos da
desvalorização cambial, se os devedores das operações de leasing ou
as instituições financeiras.
A Ordem dos Advogados do Brasil - Seção de São Paulo in-
gressou no Judiciário com Ação Civil Pública em defesa dos consu-
midores prejudicados 243 , sustentando que o prejuízo da desvaloriza-
ção cambial deveria ser suportado, exclusivamente, pelas instituições
financeiras.
O Juiz Federal José Henrique Prescendo, em sentença de 27
de março de 2001, julgou procedente a ação, nos seguintes termos:
"( ... )julgo procedente o pedido em face das demais Rés,
declarando nula a cláusula de variação cambial inserida nos
contratos de arrendamento mercantil de veículos envolven-
do consumidores finais domiciliados no Estado de São
Paulo, firmados antes de maxidesvalorização do real ocor-
rida em janeiro de 1999. Essa cláusula fica substituída pela
de correção monetária, adotando-se para esse fim, desde o
início do contrato, a variação mensal da inflação medida
pelo INPC do IBGE. Em conseqüência, fica assegurado aos
consumidores o direito à restituição do que eventualmente
pagaram a maior, devidamente atualizado, ressalvados os
casos de acordo ou de sentença proferida em ação indivi-
dual proposta pelo consumidor (art. 104, CDC)".
Entende o juiz que o cumprimento do disposto na Resolução
no 2.309 do Banco Central do Brasil revela apenas a boa-fé das ins-
tituições financeiras, mas não as exime do risco cambial; bem como
que a variação cambial era previsível, mas não no percentual que
ocorreu (maxidesvalorização). Sustenta, contudo, que:
"( ... )uma análise mais acurada do inciso V do artigo 6° do
CDC revela que para o reconhecimento do direito do con-
243 Processo no 1999.61.00.004437-1, 1• Vara Cível Federal de São Paulo, hoje em fase
de apelação.
142 CONTRATOS MERCANTIS

sumidor à revisão do contrato, basta tão-somente o surgi-


mento de um fato superveniente que torne as prestações
excessivamente onerosas. A lei não exige a total imprevi-
sibilidade do fato ao tempo da contratação e nem que o
fornecedor tenha experimentado um ganho extra com o
fato. Neste ponto o legislador avançou em relação à clássi-
ca teoria da imprevisão, aplicável agora apenas nas rela-
ções jurídicas que não envolvam os consumidores finais".
A par desses argumentos entende que a natureza jurídica dos
contratos foi alterada em razão da presença nos referidos contratos
da "cláusula de pagamento antecipado e obrigatório do valor resi-
dual". Passariam os contratos, em razão dessa cláusula, a ser "de
compra e venda a prazo, o que, por si só, toma nula a cláusula de cor-
reção das prestações pela variação cambial, face à vedação nesse sen-
tido, constante no artigo 53, § 3° do CDC".
Pelas razões já expostas entendemos ponderáveis os argumen-
tos expostos na sentença, com a ressalva da necessidade de se exa-
minar, em cada caso, quanto à aplicação do Código de Defesa do
Consumidor, se se trata efetivamente de uma relação de consumo.
Quanto à alteração da qualificação jurídica dos contratos em razão
da antecipação do valor residual garantido - VRG, entendemos que
ela efetivamente ocorreu, retirando da cláusula de correção cambial
a legitimidade que lhe emprestaria a Resolução no 2.309 do Banco
Central do Brasil, ainda que se possa examinar, sob outros funda-
mentos, a possibilidade de correção cambial em nosso direito.

19.7. Temas para Estudos Complementares


Diversos temas polêmicos foram examinados neste capítulo,
especialmente a possibilidade de prisão do devedor, o pagamento
antecipado do valor residual e alguns aspectos da correção cambial.
Em cada um deles, a cada dia, surgem abordagens novas. Eleja um
dos temas e sistematize os argumentos de ambas as partes, à luz da
doutrina e da jurisprudência mais recentes.
143

20. Transporte de Coisa. Elementos. Direitos e


Obrigações do Remetente, do Transportador e
do Consignatário. Transporte Cumulativo

O transporte pode ser de pessoas ou coisas. A definição do ar-


tigo 729 do Projeto do Código Civil é genérica, abrangendo tanto
pessoas quanto coisas 244 :
"Pelo contrato de transporte alguém se obriga, mediante re-
tribuição, a transportar, de um lugar para outro, pessoas ou
coisas".
A definição de Ripert e Roblot é semelhante, frisando a exis-
tência de um itinerário determinado 245 .
O Código Comercial não regula especificamente o contrato de
transporte porque, ao seu tempo, não havia estradas de ferro- a pri-
meira foi construída em 1854, pelo Barão de Mauá -, e o transporte
enquanto atividade comercial, massificada, se inicia com as estradas
de ferro. Todavia, a ele faz referência nos artigos 99 a 118, "Dos con-
dutores de gêneros e comissários de transporte", ainda que confun-
dindo, por exemplo, transportador com comissário.
Já em 1857 foi baixado um regulamento sobre transportes fer-
roviários, inaugurando uma tradição de nosso direito de normatizar
os transportes por meio de regulamentos. Está hoje em vigor o De-
creto no 1.832, de 4 de março de 1996 (Aprova o Regulamento dos
Transportes Ferroviários).

20.1. Qualificação Jurídica


Os autores procuram incluir o contrato de transporte ora entre
os contratos de locação de serviços, ora como modalidade de depó-
sito, "sob o fundamento de que a pessoa ou empresa que se encarre-
ga de transportar a coisa recebe-a e se incumbe de guardá-la, até que
seja entregue ao destinatário, obrigação semelhante à do depositá-
rio"246.
244
Projeto de Lei da Câmara- PLC no 118, de 1994.
245
Georges Ripert e René Rob1ot, Traité élémentaire de droit commercial, 10• ed., Pa-
ris, LGDJ, 1986, p. 605.
246
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11 • ed. rev., Rio de 1aneiro, Fo-
rense, 1990, p. 244.
144 CoNTRATos MERCANTIS

Na realidade é contrato autônomo, que obedece a algumas re-


gras do depósito (guarda da coisa para entrega a outro) e da presta-
ção de serviços (transporte da coisa, de um lugar a outro). Contudo,
difere de ambos. Na locação de serviços, a prestação deve ser exe-
cutada pessoalmente pelo locador e no transporte pode ser feita por
meio de outrem; o depositário, por sua vez, deve entregar a coisa no
lugar em que ela foi depositada e o transportador em lugar diverso 247 .
É contrato mercantil em essência e, portanto, não regulamen-
tado pelo Código Civil. É contrato típico, bilateral, comutativo e one-
roso, remanescendo, todavia, dúvida sobre o seu caráter consensual
ou reaF 4s. Entendemos que é consensual, pois a entrega da coisa diz
respeito à execução do contrato, e não à sua formação 249 . Como o
consentimento se dá antes da entrega da coisa só podemos entender
que, quando o artigo 20 do Decreto no 1.832/96 afirma que "o conhe-
cimento de transporte é o documento que caracteriza o contrato de
transporte", ele se refere, na realidade, à prova do contrato.
Atualmente transporte é atividade profissional, que se realiza
em regra sob a forma de contrato de adesão 250 .
Existe transporte civil, a par do comercial, que é absorvido
pelo contrato de locação, como é o caso do transporte de encomen-
das feito por carregadores (locação de serviços) ou por táxis (loca-
ção de coisa) 251 •

20.2. Modalidades
20.2.1. Transportes terrestres
São transportes terrestres os que se realizam por terra firme.
Subdividem-se em rodoviários, feitos por estradas de rodagem e fer-
roviários, através de estradas de ferro.

20.2.1.1. Transporte ferroviário


O transporte ferroviário é regulado pelo disposto no Decreto
no 1.832, de 04 de março de 1996 (Aprova o Regulamento dos Trans-
247
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 244.
248 Waldirio Bulgarelli, Comratos mercantis, 11' ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 636 e
637.
249 Georges Ripert e Renê Roblot, Traité élémentaire de droit commercial, cit., p. 607.
250 Orlando Gomes, Contratos, 23' ed., atual. por Humberto Theodoro Júnior, Rio de Ja-
neiro, Forense, 200 I, p. 306.
251 Fran Martins, Contratos e obrigaç6es comerciais, cit., p. 248 e 149.
FERNANDO NETIO BOITEUX 145

portes Ferroviários), que tem como Anexo o Regulamento dos Trans-


portes Ferroviários. Dispõe o seu artigo I 0 :
"Art. I o - Este Regulamento disciplina:
I- as relações entre a Administração Pública e as Adminis-
trações Ferroviárias;
II - as relações entre as Administrações Ferroviárias, inclu-
sive no tráfego mútuo;
III - as relações entre as Administrações Ferroviárias e os
seus usuários; e
IV - a segurança nos serviços ferroviários.
Parágrafo único. Para os fins deste Regulamento, entende-
se por:
a) Poder Concedente: a União;
b) Administração Ferroviária: a empresa privada, o órgão
ou entidade pública competentes, que já existam ou ve-
nham a ser criados, para construção, operação ou explora-
ção comercial de ferrovias."
Visa, portanto, o Regulamento em vigor, a atender as necessi-
dades da política de privatização dos transportes ferroviários, preven-
do um órgão regulador do setor.
A responsabilidade dos transportadores, por sua vez, continua
a ser objetiva, na forma do Decreto no 2.68I, de 7 de dezembro de
I912 (Regula a responsabilidade civil das estradas de ferro), trans-
crito:
"Art. I o- As estradas de ferro serão responsáveis pela per-
da total ou parcial, furto ou avaria das mercadorias que re-
ceberem para transportar. Será sempre presumida a cul-
pa e contra esta presunção só se admitirá alguma das se-
guintes provas:
I) caso fortuito ou força maior;
2) que a perda ou avaria se deu por vício intrínseco da mer-
cadoria ou causas inerentes à sua natureza;
3) tratando-se de animais vivos, que a morte ou avaria foi
conseqüência de risco que tal espécie de transporte faz na-
turalmente correr;
4) que a perda ou avaria foi devida ao mau acondiciona-
mento da mercadoria ou a ter sido entregue para transpor-
146 CONTRATOS MERCANTIS

tar sem estar encaixotada, enfardada, ou protegida por


qualquer outra espécie de envoltório;
5) que foi devida a ter sido transportada em vagões desco-
bertos, em conseqüência de ajuste ou expressa determina-
ção do regulamento;
6) que o carregamento e descarregamento foram feitos pelo
remetente, ou pelo destinatário ou pelos seus agentes e dis-.
to proveio a perda ou avaria; ·
7) que a mercadoria foi transportada em vagões ou plata-
forma especialmente fretada pelo remetente, sob a sua cus-
tódia e vigilância, e que a perda ou avaria foi conseqüên-
cia do risco que essa vigilância devia remover".
Limitando essa responsabilidade, no que diz respeito à carga,
exclusivamente, vem a Súmula 186 do Supremo Tribunal Federal:
"Não infringe a lei a tolerância de quebra de 1% no transporte por
estrada de ferro, prevista no Regulamento de Transportes".

20.2.1.2. Transporte rodoviário


O transporte rodoviário de cargas é regulado pela Lei n° 6.813,
de 1O de julho de 1980 (Dispõe sobre o Transporte Rodoviário de
Cargas, e dá outras Providências).
O transporte de produtos considerados perigosos foi regula-
mentado pelo Decreto no 96.044, de 18 de maio de 1988 (Aprova o
Regulamento para o Transporte Rodoviário de Produtos Perigosos,
e dá outras providências). Neste decreto está prevista delegação de
competência para o Ministro dos Transportes definir quais produtos
devem ser considerados perigosos para efeito de incidência do Re-
gulamento (norma em branco), nos seguintes termos:
"Art. 1o - Fica aprovado o Regulamento para o Transporte
Rodoviário de Produtos Perigosos que com este baixa, as-
sinado pelo Ministro de Estado dos Transportes".
Regulamento:
"Art. 1o- O transporte, por via pública, de produto que seja
perigoso ou represente risco para a saúde de pessoas, para
a segurança pública ou para o meio ambiente, fica subme-
tido às regras e procedimentos estabelecidos neste Regula-
mento, sem prejuízo do disposto, em Legislação e discipli-
na peculiar a cada produto.
FERNANDO NETTO BOITEUX 147

§ 1o Para os efeitos deste Regulamento é produto perigoso


e relacionado em portaria do Ministro dos Transportes.
§ 2° No transporte de produto explosivo e de substância ra-
dioativa serão observadas, também, as normas específicas
do Ministério do Exército e da Comissão Nacional de
Energia Nuclear, respectivamente."

20.2.2. Transportes aquáticos ou aquaviários


Transportes aquaviários são os realizados por via líquida
(aquavia), isto é, por mares, rios, lagos e canais. Subdividem-se em
marítimos e hidroviários, conforme ocorram nos mares ou em águas
interiores (rios, lagos e canais).
Sua regulamentação encontra-se na Lei n° 9.432, de 8 de ja-
neiro de 1997 (Dispõe sobre a Ordenação do Transporte Aquaviário
e dá outras providências), nos seguintes termos:
"Art. 5° - A operação ou exploração do transporte de mer-
cadorias na navegação de longo curso é aberta aos armado-
res, às empresas de navegação e às embarcações de todos
os países, observados os acordos firmados pela União,
atendido o princípio da reciprocidade.
§ 1o As disposições do Decreto-lei no 666, de 2 de julho de
1969, e suas alterações, só se aplicam às cargas de impor-
tação brasileira de países que pratiquem, diretamente ou
por intermédio de qualquer benefício, subsídio, favor go-
vernamental ou prescrição de cargas em favor de navio de
sua bandeira.
§ 2° Para os efeitos previstos no parágrafo anterior, o Po-
der Executivo manterá, em caráter permanente, a relação
dos países que estabelecem proteção às suas bandeiras.
§ 3° O Poder Executivo poderá suspender a aplicação das
disposições do Decreto-lei no 666, de 2 de julho de 1969, e
suas alterações, quando comprovada a inexistência ou in-
disponibilidade de embarcações operadas por empresas
brasileiras de navegação, do tipo e porte adequados ao
transporte pretendido, ou quando estas não oferecerem
condições de preço e prazo compatíveis com o mercado
internacional."
148 CONTRATOS MERCANTIS

20.2.3. Transportes aéreos ou aeroviários


Transportes aéreos são os que se fazem através do ar, sem de-
pendência da superfície terrestre.
A responsabilidade sobre o extravio de bagagem é controver-
sa e, segundo entendeu o Superior Tribunal de Justiça, a solução para
os casos de extravio de bagagem, em se tratando de consumidor, deve
seguir o Código de Defesa do Consumidor, ficando afastado o dis-
posto na Convenção de Varsóvia e no Código Brasileiro de Aeronáu-
tica. Como reconhece o Tribunal, "havendo antinomia, o previsto em
tratado perde eficácia, prevalecendo a lei interna posterior que se re-
vela com ele incompatível" 252 •
Em se tratando do chamado "risco do ar", no entanto, a solu-
ção pode ser diversa.

20.2.4. Transportes por dutos ou dutoviários


Transporte dutoviário é o que se faz através de dutos, como é
o caso do álcool e do petróleo. Passamos a transcrever a principal
legislação aplicável.

20.2.4.1. Transporte de álcool


O transporte de álcool é regulado pela Lei no 7.029, de 13 de
setembro de 1982 (Dispõe sobre o Transporte Dutoviário de Álcool
e dá outras Providências), nos seguintes termos:
"Art. 1o - A construção e a operação de alcooldutos serão
objeto de concessão da União, conforme estabelecido no
Regulamento desta Lei, o qual disporá, inclusive, quanto
aos direitos e obrigações dos concessionários e das unida-
des industriais produtoras de álcool, existentes na área de
influência do alcoolduto.
Art. 2°- É considerada caso de utilidade pública a constru-
ção de duto destinado ao transporte de álcool (alcoolduto)."

20.2.4.2. Transporte de petróleo


O transporte de petróleo é regulado pela Lei no 9.478, de 6 de
agosto de 1997 (Dispõe sobre a Política Energética Nacional, as Ati-
vidades Relativas ao Monopólio do Petróleo, Institui o Conselho
252 Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial n" 169.000. Terceira Turma, Relator
Ministro Paulo Costa Leite, julgamento em 4 de abril de 2000, unânime.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 149

Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo, e


dá outras providências), nos seguintes termos:
"Capítulo III - Da Titularidade do Monopólio do Petróleo
e do Gás Natural (artigos 3° a 6°)
Seção I- Do Exercício do Monopólio (artigos 3° a Y)
Art. 4° - Constituem monopólio da União, nos termos do
art. 177 da Constituição Federal, as seguintes atividades:

IV - o transporte marítimo do petróleo bruto de origem na-


cional ou de derivados básicos de petróleo produzidos no
País, bem como o transporte, por meio de conduto, de pe-
tróleo bruto, seus derivados e de gás natural.

Capítulo VII - Do Transporte de Petróleo, seus Derivados


e Gás Natural (artigos 56 a 59)
Art. 56 - Observadas as disposições das leis pertinentes,
qualquer empresa ou consórcio de empresas que atender ao
disposto no art. 5° poderá receber autorização da ANP para
construir instalações e efetuar qualquer modalidade de
transporte de petróleo, seus derivados e gás natural, seja
para suprimento interno ou para importação e exportação.
Parágrafo único. A ANP baixará normas sobre a habilita-
ção dos interessados e as condições para a autorização e
para transferência de sua titularidade, observado o atendi-
mento aos requisitos de proteção ambiental e segurança de
tráfego.
Art. 57 - No prazo de cento e oitenta dias, a partir da pu-
blicação desta Lei, a Petrobrás e as demais empresas pro-
prietárias de equipamentos e instalações de transporte ma-
rítimo e duto viário receberão da ANP as respectivas auto-
rizações, ratificando sua titularidade e seus direitos.
Parágrafo único. As autorizações referidas neste artigo ob-
servarão as normas de que trata o parágrafo único do arti-
go anterior, quanto à transferência da titularidade e à am-
pliação da capacidade das instalações.
Art. 58 - Facultar-se-á a qualquer interessado o uso dos
dutos de transporte e dos terminais marítimos existentes ou
750 CONTRATOS MERCANTIS

a serem construídos, mediante remuneração adequada ao


titular das instalações.
§ 1o A ANP fixará o valor e a forma de pagamento da re-
muneração adequada, caso não haja acordo entre as partes,
cabendo-lhe também verificar se o valor acordado é com-
patível com o mercado.
§ 2° A ANP regulará a preferência a ser atribuída ao pro-
prietário das instalações para movimentação de seus pró-
prios produtos, com o objetivo de promover a máxima uti-
lização da capacidade de transporte pelos meios disponí-
veis.
Art. 61 -A Petróleo Brasileiro S.A. - Petrobrás é uma so-
ciedade de economia mista vinculada ao Ministério de Mi-
nas e Energia, que tem como objeto a pesquisa, a lavra, a
refinação, o processamento, o comércio e o transporte de
petróleo proveniente de poço, de xisto ou de outras rochas,
de seus derivados, de gás natural e de outros hidrocarbone-
tos fluidos, bem como quaisquer outras atividades correla-
tas ou afins, conforme definidas em lei.
§ I o As atividades econômicas referidas neste artigo serão
desenvolvidas pela Petrobrás em caráter de livre competi-
ção com outras empresas, em função das condições de
mercado, observados o período de transição previsto no
Capítulo X e os demais princípios e diretrizes desta Lei.
§ 2° A Petrobrás, diretamente ou por intermédio de suas
subsidiárias, associada ou não a terceiros, poderá exercer,
fora do território nacional, qualquer uma das atividades
integrantes de seu objeto social.
Art. 65- A Petrobrás deverá constituir uma subsidiária com
atribuições específicas de operar e construir seus dutos, ter-
minais marítimos e embarcações para transporte de petró-
leo, seus derivados e gás natural, ficando facultado a essa
subsidiária associar-se, majoritária ou minoritariamente, a
outras empresas".

20.3. Elementos do Contrato de Transporte


20.3.1. Partes
São partes no contrato de transporte o remetente ou expedidor
(quem entrega mercadoria para ser transportada) e o transportador ou
condutor (quem recebe a mercadoria para transportar).
FERNANDO NETIO BOITEUX 151

Outras partes: o destinatário ou consignatário (a quem a mer-


cadoria é destinada) não intervém na formação, mas na execução do
contrato.
O comissário de transporte (ou expedidor253 ), referido no Có-
digo Comercial, artigos 99 e segs.) recebe a mercadoria para fazê-la
ser transportada por outro, em nome dele, comissário, e não no do
remetente ou expedidor.

20.3.2. Consentimento
Consentimento é o acordo de vontades entre as partes que in-
tervêm na formação do contrato.

20.3.3. Entrega da coisa


A entrega da coisa é, muitas vezes, o modo de expressão do
consentimento, mas o contrato é consensual e não real.

20.3.4. Remuneração
A remuneração (frete) é elemento essencial, porque o contra-
to é oneroso.

20.4. Obrigações do Remetente


20.4.1. Entregar a coisa
A coisa deve ser entregue bem embalada, não para perfeição
do contrato, que é consensual, mas para sua execução.

20.4.2. Pagar o preço


O preço deve ser pago pelo modo e nas condições ajustadas.

20.4.3. Declarar o valor e natureza da coisa


É necessária a declaração do valor para efeito de responsabi-
lidade sobre a perda da coisa e da natureza para que se possa deter-
minar o regulamento aplicável (os produtos perigosos, por exemplo,
estão sujeitos a regulamento especial).

253
O comissário de transporte também é denominado empresa de expedição. Com esse
nome o contrato é analisado por Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, São
Paulo, Revista dos Tribunais, 1984, vol. 44, 3• ed., 2• reimp., p. 3.
152 CONTRATOS MERCANTIS

20.5. Obrigações do Transportador


20.5.1. Receber a coisa
O transportador tem o dever de receber a coisa (salvo se mal
embalada), transportá-la e entregá-la, conforme o que foi conven-
cionado.

20.5.2. Expedir conhecimento de transporte


Conhecimento de transporte é o documento emitido por trans-
portador no momento em que recebe a coisa, no qual estão mencio-
nados os dados necessários à qualificação da mercadoria.
Como regra geral é título à ordem, regulado pelo Decreto no
19.473 de 1930. O conhecimento não à ordem, que é exceção, depen-
de de cláusula expressa inserida no próprio documento, que é regu-
lado pelo Decreto no 20.454, de 29 de setembro de 1931.

20.5.3. Responder por perdas ou avarias


O transportador tem o dever de responder por perdas ou ava-
rias causadas na mercadoria pelo transporte, salvo a ocorrência de
caso fortuito ou de força maior.
O Superior Tribunal de Justiça entendeu como motivo de for-
ça maior o furto de mercadoria por ato de terceiro, em acórdão com
a seguinte ementa 254 :
"Responsabilidade civil. Transporte. Furto de mercadoria.
Ato de terceiro. Inexistência de conexidade. Ausência do
dever de ressarcir.
Não há que se falar em responsabilidade da transporta-
dora, eis que o ato lesivo fora praticado por terceiro e não
guarda conexidade com o transporte em si. Demais disso,
a prevenção contra eventos danosos como o furto de mer-
cadoria transportada por via terrestre é incumbência da au-
toridade pública competente, que tem o poder de polícia.
Recurso não conhecido."
No entanto, a culpa de terceiro, para excluir a responsabilida-
de do transportador, deve ser absoluta, como decidiu o mesmo Tri-
bunal, com a seguinte ementa255 :
25" Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 38.891-0-SP, Registro no
93.0026053-7, Terceira Turma, Relator Ministro Cláudio Santos, unânime, julgado
em 22 de fevereiro de 1994, Revista do Superior Tribunal de Jusliça, Brasília, a. 6,
(62): 191-451 outubro 1994, p. 344.
255 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 78.458-RJ, Registro no
95.0056705-9. Terceira Turma, Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito,
FERNANDO NETIO BOITEUX 153

"Responsabilidade civil. Explosão de pacote contendo ar-


tefatos pirotécnicos dentro de ônibus. Responsabilidade da
transportadora. Fato de terceiro. Prova dos autos. Prece-
dentes.
1. O julgado que examina cuidadosamente a prova dos au-
tos para afastar a ocorrência de fato de terceiro e conclui
pela responsabilidade do preposto da transportadora, que
autorizou o ingresso de passageiro portando pacote de di-
mensão a exigir expressa autorização, e que entrou em
combustão durante o trajeto, não autoriza o trânsito do es-
pecial.
2. A peculiaridade do caso sob julgamento não enseja sua
equiparação com outras hipóteses, assim a de assalto, de
pedras atiradas contra o veículo e, ainda, a de assassinos
que, dissimulados de passageiros, praticam atos de violên-
cia no interior do transporte coletivo.
3. A divergência jurisprudencial só é possível havendo se-
melhança fática dos paradigmas com o Acórdão recorrido,
o que não ocorre no caso concreto.
4. Recurso especial não conhecido."
Quanto à responsabilidade por avarias aplica-se a Súmula no
261 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte teor: "Para a ação
de indenização, em caso de avaria, é dispensável que a vistoria se
faça judicialmente".

20.5.4. Limitação de responsabilidade


São nulas as cláusulas que afastam a responsabilidade, como
decidiu, na Súmula no 161, o Supremo Tribunal Federal, com a se-
guinte ementa: "Em contrato de transporte, é inoperante a cláusula
de não indenizar".
Todavia, permite-se sua limitação, como decidiu o Superior
Tribunal de Justiça256 • Lê-se no voto do Relator designado a tese ven-
cedora:
julgado em 9 de junho de 1997, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a.
10, (103): 145-237, março 1998, p. 190.
256
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 39.082-6-SP, Registro no
93.0026559-8, Segunda Turma, Relator Originário Ministro Nilson Naves, Relator
p/ Acórdão Ministro Fontes de Alencar, por maioria, julgado em 9 de novembro de
1994, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a. 7, (69): 199-497, maio
1995, p. 353.
154 CONTRATOS MERCANTIS

"( ... ) Penso que a Súmula no 161 do STF não tem aquela
extensão que se pretende dar, data venia. Sem dúvida al-
guma, qualquer cláusula nula, é cláusula contra a moral, é
cláusula à qual não se pode emprestar nenhuma validade.
Mas uma coisa é cláusula dessa natureza, já vedada no di-
reito brasileiro e outra são cláusulas limitativas de respon-
sabilidade em contratos firmados entre partes igualitárias,
entre profissionais, que naturalmente têm a oportunidade
de discuti-Ia ou, de alguma forma, têm a liberdade de con-
tratar e a liberdade contratual amplamente assegurada. Não
se trata de contrato regido pelo Código de Defesa do Con-
sumidor, porque se assim fosse, se, no caso, estivesse de
um lado um profissional e do outro um consumidor, eu não
teria dúvida nenhuma em examinar a questão com outros
olhos, por outros aspectos. Mas, no caso, trata-se de um
contrato de transporte entre uma empresa de transportes
marítimos e uma outra empresa importadora de automó-
veis. Os automóveis foram danificados; e a empresa impor-
tadora teve o cuidado de segurá-los pelo seu valor total. A
companhia seguradora honrou esse compromisso. Agora,
regressivamente, pretende ressarcir-se junto à companhia
de transportes marítimos. É essa a questão, não se trata de
um exame de um contrato onde se possa falar em desigual-
dade das partes: ao contrário.
A respeito do tema proferi, no REsp no 13.656, voto que
ora apenso a este.
No caso dos autos, tive oportunidade de examinar um as-
pecto fático que acho muito relevante. O proprietário das
mercadorias transportadoras teve a oportunidade de decla-
rar o valor dos bens e pagar um determinado frete; mas não
o fez, preferiu pagar um frete menor e concordar com a
empresa de transportes marítimos que, neste caso, sem a
declaração de valor da mercadoria, estabelecia um valor x
para indenização por cada produto danificado.
Ora, cuida-se de opção do dono da empresa importadora
que pagou um frete menor, e em contrapartida, foi estabe-
lecida a cláusula limitativa de responsabilidade( ... )."
FERNANDO NETIO BOITEUX 155

20.6. Direitos e Obrigações do Destinatário


20.6.1. Direitos
O destinatário tem o direito de receber a mercadoria contra a
entrega do conhecimento de transporte, bem como o direito de acio-
nar diretamente transportador porque ele tem o poder de disposição
da mercadoria transferida com o conhecimento.

20.6.2. Obrigações
O destinatário tem o dever de receber a mercadoria, mas só
tem a obrigação de pagar o preço se houver acordo nesse sentido com
o remetente.

20.7. Forma
20.7.1. Modais
Transportes modais são os que se realizam mediante uma só
modalidade. São regulados pela Lei no 9.611, de 19 de fevereiro de
1998 (Dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas e dá outras
providências).

20. 7.2. Multimodais ou intermodais


São denominados intermodais os transportes para os quais
concorrem duas ou mais modalidades. Estão regulados pela Lei no
9.611, de 19 de fevereiro de 1998 (Dispõe sobre o Transporte Multi-
moda! de Cargas e dá outras providências), nos seguintes termos:
"Art. 2°- Transporte Multimodal de Cargas é aquele que,
regido por um único contrato, utiliza duas ou mais moda-
lidades de transporte, desde a origem até o destino, e é exe-
cutado sob a responsabilidade única de um Operador de
Transporte Multimodal.
Parágrafo único. O Transporte Multimodal de Cargas é:
I - nacional, quando os pontos de embarque e de destino es-
tiverem situados no território nacional;
II - internacional, quando o ponto de embarque ou de des-
tino estiver situado fora do território nacional".
A Lei acima referida foi regulamentada pelo Decreto no 3.411,
de 12 de abril de 2000 (Regulamenta a Lei no 9.611, de 19 de feve-
reiro de 1998, que dispõe sobre o Transporte Multimodal de Cargas,
156 CONTRATOS MERCANTIS

altera os Decretos n°S 91.030, de 5 de março de 1985, e 1.910, de 21


de maio de 1996, e dá outras providências).

20. 7.3. Segmentados


Denominam-se transportes segmentados aqueles nos quais são
contratados separadamente os diversos transportadores que realiza-
rão o deslocamento da pessoa ou da coisa ao seu destino.

20. 7.4. Sucessivos ou cumulativos


São denominados sucessivos aqueles em que há um contrato
único de transporte, com sua realização por vários transportadores.
O remetente contrata apenas com o primeiro transportador, que as-
sume, pelos outros, responsabilidade de fazer a entrega e transporte
da mercadoria.
Responsabilidade: a indenização pode ser exigida de qualquer
transportador, que terá ação regressiva contra os outros, na forma do
Decreto abaixo transcrito.
Decreto no 2.681, de 7 de dezembro de 1912 (Regula a respon-
sabilidade civil das estradas de ferro):
"Art. 14 - Quando mais de uma estrada de ferro tiver con-
corrido para o transporte de uma mercadoria, a ação de in-
denização por perda, furto ou avaria terá lugar contra a es-
trada que aceitou a expedição, ou contra a que entregou
avariada, ou contra qualquer das estradas intermediárias
em cuja linha se provar que teve lugar a perda, furto ou
avaria."

20.8. Temas para Estudos Complementares


Para melhor compreensão da distinção entre o contrato de
transporte (contrato comercial) e o contrato de serviços de transpor-
te, pergunta-se: distingue-se o contrato de transporte de pessoas da
locação de veículo que inclua serviços de motorista?
157

21. Transporte de Passageiros

21.1. Qualificação Jurídica


É contrato consensual, que se conclui no momento em que o
passageiro ou viajante aceita a oferta ao público que lhe é feita pelo
transportador. "A aceitação pode ser com o pagamento do preço,
como pode ser por palavra, ou por gesto, ou por simples entrada no
veículo" 257 •
Difere da prestação de serviços, pois, nesta, "uma pessoa se
obriga a prestar um serviço a outra, eventualmente, em troca de de-
terminada remuneração, executando-os com independência técnica
e sem subordinação hierárquica" 258 • Mas, aproxima-se da empreita-
da, na qual "uma das partes obriga-se a executar, por si só, ou com o
auxílio de outros, determinada obra, ou a prestar certo serviço, e a
outra, a pagar o preço respectivo. Obriga-se a propiciar a outrem,
com trabalho, certo resultado" 259 •
Ou seja, o que se presta na locação é a própria atividade, no
contrato de transporte há prestação de obra260 . Mas, aproxima-se da
empreitada, na qual "o trabalhador obriga-se a( ... ) realizar certo ser-
viço, mediante preço ajustado; trabalha, pois, por conta própria, as-
sumindo os riscos inerentes à sua atividade".
Distingue-se o contrato de transporte do contrato de serviço de
transporte. Para Ripert2 61 , se o locatário não é quem dirige as opera-
ções de transporte, mesmo que forneça o carro e o condutor, não se
caracteriza o contrato de transporte. Do mesmo modo se é o passa-
geiro que determina o itinerário, como nos táxis. Em sentido contrá-
rio, a nosso ver sem razão, Pontes de Miranda262 .

21.2. Responsabilidade do Transportador


A responsabilidade é de conduzir o passageiro são e salvo a
seu destino e é regida pelos artigos 1.518 a 1.532 do Código Civil ou,
257
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, vol. 45, p. 46 e 47.
258
Orlando Gomes, Contratos, 23' ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 292.
259
Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 297.
260
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit.
261
Ripert e Roblot, Traité Élémentaire de Droit Commercial, cit., p. 605.
262
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 17.
758 CONTRATOS MERCANTIS

se o transporte é aeronáutico, pelo Código Brasileiro de Aeronáuti-


ca2(Í3. Não cabe exoneração da responsabilidade por cláusula contra-
tual.
Segundo entendeu o Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Es-
tado de São Paulo, examinando questão sobre atraso de vôo 2M:
"O contrato de transporte aéreo, -consoante doutrina e ju-
risprudência majoritária, - é de resultado, respondendo o
fornecedor do serviço pelos 'vícios de qualidade' que o tor-
nem impróprio para o consumo ou lhes diminua o valor.
Por outro lado, não se trata de obrigação aleatória, caben-
do ao transportador, além da 'obrigação de segurança' o de
'prestabilidade', sob pena de ter o dever de indenizar, in-
dependentemente de qualquer discussão de culpa do con-
tratante faltoso. Basta, assim, que o resultado, porque fal-
toso, não tenha sido alcançado."
O Código Brasileiro de Aeronáutica deixa claro que é trans-
portador a pessoa física ou jurídica, proprietário ou explorador da
aeronave (Código Brasileiro de Aeronáutica, artigo 222).
Se o nome do explorador está registrado no Registro Aeronáu-
tico, mediante qualquer contrato de utilização, exclui-se a responsa-
bilidade do proprietário da aeronave (Código Brasileiro de Aeronáu-
tica, artigo 124, caput).
Se há explorador não registrado, há solidariedade entre ele e
o proprietário por qualquer infração ou dano (Código Brasileiro de
Aeronáutica, artigo 124, § 2°), nos seguintes termos:
"Art. 124 - Quando o nome do explorador estiver inscrito
no Registro Aeronáutico Brasileiro, mediante qualquer
contrato de utilização, exclui-se o proprietário da aerona-
ve da responsabilidade inerente à exploração da mesma.
§ 1o O proprietário da aeronave será reputado explorador,
até prova em contrário, se o nome deste não constar no
Registro Aeronáutico Brasileiro.
§ 2° Provando-se, no caso do parágrafo anterior, que havia
explorador, embora sem ter o seu nome inscrito no Regis-
263 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 54.
2"' Primeiro Tribunal de Alçada Civil do Estado de São Paulo, Apelação no 795.922-2-
SP, Décima Câmara de Férias Janeiro/99, Relator Antonio de Pádua Ferraz Noguei-
ra, unânime, julgado em 28 de janeiro de 1999, com grifas nossos.
FERNANDO NEnO BOITEUX 159

tro Aeronáutico Brasileiro, haverá solidariedade do explo-


rador e do proprietário por qualquer infração ou dano re-
sultante da exploração da aeronave".

"Art. 222 - Pelo contrato de transporte aéreo, obriga-se o


empresário a transportar passageiro, bagagem, carga, enco-
menda ou mala postal, por meio de aeronave, mediante
pagamento.
Parágrafo único. O empresário, como transportador, pode
ser pessoa física ou jurídica, proprietário ou explorador da
aeronave".

Capítulo I - Da Responsabilidade Contratual (artigos 246


a 266)
Seção I- Disposições Gerais (artigos 246 a 251)
"Art. 246 - A responsabilidade do transportador (artigos
123, 124 e 222, parágrafo único), por danos ocorridos du-
rante a execução do contrato de transporte (artigos 233,
234, § 1°, e 245), está sujeita aos limites estabelecidos neste
Título (artigos 257, 260, 262, 269 e 277)".

21.2.1. Transporte desinteressado, ou de simples cortesia


Entende Pontes de Miranda que transporte amigável (carona)
não é contrato; por esta razão, a responsabilidade só pode ser extra-
contratuaJ265. Não existe, portanto, responsabilidade contratual no
transporte clandestino nem no de favor (carona) 266 .
O Superior Tribunal de Justiça, na Súmula 145, entendeu que:
"No transporte desinteressado, de simples cortesia, o trans-
portador só será civilmente responsável por danos causa-
dos ao transportado quando incorrer em dolo ou culpa gra-
ve."

21.2.2. Culpa de terceiro


Se o dano resultou de culpa de terceiro, o transportador tem a
ação regressiva de que fala o artigo 1.520 do Código CiviJ2 67 .
265
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 52 e 53.
266
Orlando Gomes, Contratos, 23' ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 312.
267
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 54.
160 CoNTRATOS MERCANTIS

21.3. Regulamentação
Segundo Pontes de Miranda o nosso. Código Comercial foi o
primeiro, no mundo, a regular o transporte de passageiros, nos arti-
gos 629 a 632 268 •
Hoje a matéria está regulada pelo Decreto no 2.521, de 20 de
março de I 998 (Dispõe sobre a exploração, mediante permissão e
autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e in-
ternacional de passageiros e dá outras providências).
"Art. 1o - Cabe à União explorar, diretamente ou mediante
permissão ou autorização, os serviços rodoviários interes-
tadual e internacional de transporte coletivo de passagei-
ros."

21.4. Temas para Estudos Complementares


No transporte de passageiros inclui-se o despacho da bagagem
acompanhada. Para melhor compreensão do tema sugere-se respon-
der à seguinte questão: parte da bagagem pessoal transportada por
uma passageira, que fazia o percurso entre São Paulo e Salvador,
perde-se durante escala no Rio de Janeiro. A mala, que continha jói-
as e valores, foi encontrada no saguão do aeroporto, completamente
vazia. Imediatamente a passageira reclama da companhia aérea in-
denização pelos valores e jóias desaparecidos, dizendo que a escala
no Rio não fora prevista e que apenas em conseqüência disso é que
sofrera a perda de seus bens.
Quais os argumentos que podem ser usados, em defesa do in-
teresse de cada uma das partes?

268 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., p. 45.


161

22. Depósito. Obrigações do Depositante e do


Depositário. Os Armazéns-Gerais

Depósito é o contrato pelo qual uma pessoa (depositante) con-


fia a outra (depositário) a guarda de um objeto móvel, que deveres-
tituí-lo quando reclamado (artigos 1.265 do Código Civil e 280 do
Código Comercial).

22.1. Características do Depósito Mercantil


Depósito mercantil é aquele "feito por causa proveniente de
comércio, em poder de comerciante, ou por conta de comerciante",
na linguagem do Código Comercial (artigo 280), ou seja, vinculado
à atividade do comerciante.

22.1.1. Contrato real


Sempre foi considerado contrato real, que, para tomar-se per-
feito e acabado, necessita da efetiva entrega da coisa ao depositário.
No direito civil isto é sempre verdade, em face do artigo 1.265 do
Código Civil.
No depósito mercantil a entrega pode ser real ou simbólica
(Código Comercial, artigo 281). O sentido do termo entrega simbó-
lica foi questionado por Carvalho de Mendonça, que entendia ser "da
essência do depósito a entrega material da coisa ao depositário" 269 •
A doutrina atual não questiona o sentido da tradição simbólica, como
se vê, por exemplo, em Fran Martins 270 •
Entrega simbólica não é a entrega da coisa, mas de um docu-
mento que a representa, como previsto no artigo 200 do Código Co-
mercial. Todavia, a redação confusa deste artigo é ressaltada por toda
a doutrina, que considera alguns de seus itens incompreensíveis 271 •
269
1. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, cit., p. 428.
Para ele o Código teria querido referir-se à tradição brevi manu, que se verifica quan-
do o adquirente, que já é detentor da coisa, passa, pela simples vontade do alienan-
te, a possuí-la como proprietário.
27
° Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11• ed. rev., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1990, p. 401.
271
Mauro Rodrigues Penteado, Comentário ao acórdão "Depósito - Contrato configu-
rado, pois o Diretor-Presidente da firma mutuária assinou duas vezes o respectivo
instrumento, na condição de representante da devedora e de fiel depositário, decla-
162 CoNTRATOS MERCANTIS

Na jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça, decidindo


em relação ao penhor, cujas regras se aplicam ao depósito, por ex-
pressa disposição de lei (Código Comercial, artigo 286) entendeu,
ainda, que:
a) não há contrariedade ao artigo 274 do Código Comer-
cial se a tradição se aperfeiçoou pela entrega da coisa a ter-
ceiro, que a teve "em nome e à ordem do credor" 272 ;
b) a aceitação do encargo pelo depositário faz presumir a
tradição dos bens dados em garantia273 ;
c) a circunstância de ser o depositário o dono da coisa de-
positada não desfigura o contrato de depósito 274 .

rando ter recebido em depósito os bens dados em penhor''. Revista de Direito Mer-
cantil, Industrial, Econômico e Financeiro, 40 Nova Série, 1980, p. li O.
272
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 5.177-SP, Terceira Turma, Lex-
Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e Tribunais Regionais Federais, n°
23, julho de 1991, p. 189 e segs., com a seguinte ementa: "Direito Privado. Penhor
Mercantil. Tradição Real. Entrega da Coisa a Terceiro. Responsabilidade do Credor.
Pagamento da Dívida. Devolução do Penhor.
Não há contrariedade ao art. 274 do Cód. Comercial se a tradição do penhor aper-
feiçoou-se, de forma efetiva ou real, pela entrega da coisa a terceiro, que a teve 'em
nome e à ordem' do credor pignoratício, consoante entendimento de antiga, porém
boa, doutrina e jurisprudência.
O titular de direito real de penhor com a posse mediata da coisa continua equipara-
do, nos termos da lei comercial (art. 276 do Cód. Com.), ao depositário, responden-
do pela devolução ou indenização da coisa após o pagamento da dívida".
m Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 7.187-0-SP, Quarta Turma, Lex,
citada, no 40, dezembro de 1992, p. 65 e segs., com a seguinte ementa: "Direito Co-
mercial. Penhor mercantil. Tradição simbólica. Admissibilidade. Código Comercial,
art. 274. Vigência. Ação de depósito. Boa-fé. Recurso provido.
I - Em se tratando de penhor mercantil, admissível é a entrega simbólica dos obje-
tos, estando em vigor a norma do art. 274 do Código Comercial.
11 - A aceitação do encargo de depositário, no penhor mercantil, faz presumir a tra-
dição dos bens dados em garantia, caracterizando infidelidade do depositário a falta
de entrega dos objetos.
III - A realidade das relações de comércio dos tempos atuais repudia os formalismos
injustificáveis, instalando-se na boa-fé a 'consagração do dever moral de não enga-
nar a outrem".
274 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no I 0.494-0-SP, Quarta turma, Recur-

so Especial no 10.494-0- SP (Registro no 91.8135-3), Relator Ministro Barros Mon-


teiro, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a. 5, (46): 121-400, junho
1993, p. 160 e segs., com a seguinte ementa: "Depósito. Bem dado em Penhor Mer-
cantil. Tradição Simbólica.
A entrega simbólica do bem e a circunstância de ser o depositário o dono da coisa
depositada não desfiguram o contrato de depósito. Precedentes do STF e STJ".
FERNANDO NETIO 80ITEUX 163

22.1.2. Onerosidade do contrato


A onerosidade não serve como critério único para a distinção
entre o depósito civil e o comercial, porque o depósito civil pode ser
oneroso ou gratuito (Código Civil, artigo 1.265, parágrafo único).
Entretanto, o depósito comercial será sempre oneroso, pois, ainda
que a remuneração não tenha sido fixada, ela será estipulada por ar-
bitragem (Código Comercial, artigo 282).
Dado que o depósito comercial é por natureza oneroso, o con-
trato caracteriza-se como bilateral ou sinalagmático, pois impõe obri-
gações para ambas as partes (Código Comercial, artigo 284; Código
Civil, artigo 1.287). Se o depósito for gratuito, será unilateral.

22.1.3. Outras características


Se o depósito é gratuito o contrato é unilateral, pois só o de-
positário assume obrigações; se é oneroso, o contrato é bilateral 275 •
O depósito se classifica, ainda, como contrato temporário e
intuitu personae.
Não é contrato solene (ou formal, conforme a terminologia
adotada), pois a exigência de forma escrita só se refere à prova (ad
probationem tantum). A forma coexiste com o momento da forma-
ção do contrato, a prova é posterior à sua formação. Assim, o con-
trato se forma pelo simples consentimento, mas, se não existir prova
escrita, ele só poderá ser provado por meio de confissão do deposi-
tário (Código Civil, artigo 1.281; Código Comercial, artigo 281).

22.2. Objeto do Contrato


Podem ser objeto do contrato coisas móveis, fungíveis ou não,
inclusive títulos de crédito 276 • Admite-se a incidência sobre imóvel no
depósito judicial e no seqüestro 277 •

22.3. Classificação
Pode o depósito ser voluntário ou obrigatório, subdividindo-
se este em depósito legal e depósito necessário.

275
Orlando Gomes, Contratos, 23• ed., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 339.
276
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janei-
ro, Freitas Bastos, 1960, v. VI, parte 11, p. 425.
277
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, 10• ed., Rio de Janeiro,
Forense, 2000, v. III, p. 226.
164 CONTRATOS MERCANTIS

Voluntário é o que se faz espontaneamente, mediante contra-


to (Código Comercial, artigo 283).
Obrigatório, na expressão de Orlando Gomesm (também cha-
mado, pela lei e por Caio Mário da Silva Pereira279 , necessário) é o
que se realiza em virtude de circunstâncias que o impõem e se divi-
de em (art. 1.282 do Cód. Civil):
a) legal, o que se efetua em conseqüência de obrigação
prescrita em lei, como o das bagagens nos hotéis;
b) miserável, o que se faz em razão de alguma calamida-
de, como o dos móveis retirados da casa que está incen-
diando.
O depósito judicial tem natureza controvertida. O direito que
tem o depositário de depositar em juízo a coisa que o depositário não
pode guardar e o depositante não quer receber (Código Civil, artigo
1.270), que Fran Martins chama de "depósito judicial" 2x0 , para Or-
lando Gomes é, simplesmente, uma modalidade de extinção das obri-
gações do depositário 281 .
O depósito judicial propriamente dito, para Caio Mário da Sil-
va Pereira, ocorre quando os contendores ajustam o depósito judi-
cial de coisa litigiosa. Ele se assemelha ao depósito voluntário; quan-
do se trata de seqüestro seria depósito legaJ2 82 (o nome seqüestro só
se aplica ao depósito de coisa litigiosa).

22.4. Obrigações Recíprocas das Partes


As obrigações recíprocas do depositante e do depositário re-
gulam-se pelo regime legal dos comitentes e mandatários, em tudo
o que lhes for aplicável (Código Comercial, artigo 283).
Aplicam-se ao depósito as disposições referentes ao penhor,
em razão do disposto no artigo 286 do Código Comercial; aplica-se,
ainda, o Código Civil.

278
Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 339.
279 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, cit., p. 323.
28° Fran Martins, Contratos e obrigaçiies comerciais, cit., p. 453.
281 Orlando Gomes, Contratos, cit., item 276, p. 343.
282 Caio Mário da Silva Pereira, Jnstituiçiies de direito civil, cit., p. 326 e 327.
FERNANDO NETIO BOITEUX 165

22.5. Obrigações do Depositante


22.5.1. Pagar ao depositário a comissão estabelecida
A obrigação de pagar a comissão estabelecida decorre da one-
rosidade do contrato. Na falta de ajuste, a comissão será estabeleci-
da por usos e costumes ou arbitrada por peritos, mas, admite-se a
hipótese de gratuidade (artigos 282 do Código Comercial e 1.265,
parágrafo único, do Código Civil) que, por ser exceção à regra, deve
vir expressa.

22.5.2. Indenizar o depositário pelas despesas e por prejuízos


O depositante tem a obrigação de indenizar o depositário pe-
las despesas feitas com a coisa e por prejuízos, como decorre do dis-
posto no artigo 154 do Código Comercial, aplicável em razão do dis-
posto no artigo 283 do mesmo Código e, ainda, do disposto no arti-
go 1.278 do Código Civil.

22.6. Obrigações do Depositário


22.6.!. Guardar e conservar a coisa depositada
A obrigação de guarda e conservação da coisa depositada de-
corre do disposto nos artigos 1.266 do Código Civil e 283 do Códi-
go Comercial. Responde o depositário por danos, salvo caso fortui-
to ou força maior, na forma da regra geral de exoneração de respon-
sabilidade do artigo 1.058 do Código Civil, que se aplica a todos os
contratos bilaterais, por disposição expressa do disposto no artigo
1.057 do mesmo Código.
Todavia, se o depositário que houver perdido a coisa, por for-
ça maior, e houver recebido outra em seu lugar, "é obrigado a entre-
gar a segunda ao depositante, e ceder-lhe as ações, que no caso tiver
contra o terceiro responsável pela restituição da primeira" (Código
Civil, artigo 1.271).
O depositário não pode devassar invólucro da coisa, usá-la
(salvo com ordem expressa do depositante), aliená-la ou consumi-la,
respondendo nesses casos por perdas e danos (Código Civil, artigos
1.267 a 1.275).
O depositário pode requerer depósito judicial se não puder
mais guardar a coisa e o depositante não quiser recebê-la, libertan-
do-se de suas responsabilidades (Código Civil, artigo 1.270), que se
exerce por meio da ação de depósito, entendendo o Superior Tribu-
166 CONTRATOS MERCANTIS

nal de Justiça que "A ação de depósito é adequada para o cumprimen-


to da obrigação de devolver coisas fungíveis, objeto de contrato de
depósito clássico, ainda que seja o irregular, e não o propriamente
dito" 283 .

22.6.2. Restituir a coisa


A restituição deve se dar quando exigida pelo depositante e,
ainda que o contrato tenha prazo determinado, o depositante pode
exigir a devolução a qualquer tempo (Código Civil, artigo 1.268), a
si ou a seu representante (Código Civil, artigo 1.289).
O depositário que deixar de restituir a coisa é considerado de-
positário infiel (Código Comercial, artigo 284; Código Civil, artigo
1.287), estando sujeito a pena de prisão (Constituição Federal, arti-
go 5°, inciso LXVII). Todavia, o Superior Tribunal de Justiça vem
decidindo ser ilegal a prisão do depositário infiel, com fundamento
no Pacto de São José da Costa Rica. O Supremo Tribunal Federal, ao
contrário, admite amplamente a constitucionalidade da prisão 284 .
Se o objeto do depósito foi entregue fechado, ele deve ser de-
volvido nas mesmas condições, presumindo-se a culpa do depositá-
rio pela violação do invólucro (Código Civil, artigo 1.267).
As coisas objeto do depósito devem ser devolvidas acrescidas
dos frutos produzidos, se for o caso, e no mesmo estado em que fo-
ram entregues (Código Civil, artigo 1.266).
Casos em que o depositário pode deixar de entregar a coisa:
- se for judicialmente embargada ou executada, como, por
exemplo, se foi vendida judicialmente para saldar débito do
depositante;
- se a recolher a depósito público por suspeita de ser coi-
sa roubada;
- se a coisa se perder por caso fortuito ou força maior (ar-
tigo 1.277 do Código Civil).

283 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 50.830 - PR, Registro no


94.0020253-9, Quarta Turma, Relator Ministro César Asfor Rocha, unânime, julga-
do em 7 de outubro de 1997, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a. I O,
(I 06):287-363, junho 1998, p. 313.
2&4 O tema foi analisado em detalhe no item 25.7, infra.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 167

22.7. Tipos de Depósito


22.7.1. Depósito regular
Depósito regular é o de coisa individuada, não consumível.

22. 7.2. Depósito irregular


O depósito irregular é o depósito de coisas fungíveis, em que
o depositário se obriga a restituir coisa do mesmo gênero, quantida-
de e qualidade. Portanto, o depositário tem o poder de uso da coisa,
pois não é devedor da própria coisa, mas do gênero.
Segundo o disposto nos artigos 1.280 do Código Civil e 285
do Código Comercial, aplicam-se as regras do mútuo, no que cou-
ber. Entendeu o Superior Tribunal de Justiça que o artigo 1.280 do
Código Civil, ao pontificar que o depósito de coisas fungíveis "regu-
lar-se-á pelo disposto acerca do mútuo", não leva à conclusão que o
depósito irregular e o mútuo tenham a mesma identidade285 .

22. 7.3. Custódia de ações fungíveis


A custódia implica nos deveres de guardar, conservar, devol-
ver, defender, administrar.
Não parece restar dúvida na doutrina de que (ao contrário do
que pareceu ao legislador), as ações fungíveis não são apenas uma
nova modalidade de registro das ações existentes, mas, sim, uma
modalidade de ações nominativas. Pois, na realidade, os títulos es-
criturais não podem ser ao portador (pois a lei de sociedades por
ações fala em conta aberta em "nome" do acionista, em seu artigo
35) e não são passíveis de transferência por meio de endosso 286 . Es-
clarece Fábio Comparato que:
"O que incorpora os direitos de acionista, no caso da ação
escriturai, não é um certificado, isto é, documento autôno-
mo transferível por simples tradição manual ou via de en-
dosso. O título incorporador dos direitos acionários é acha-
mada conta de depósito, aberta nos livros da instituição fi-
nanceira dita depositária, conta essa que, como é óbvio,
não constitui documento circulante."
285
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 50.830-PR, citado.
286
Fábio Konder Comparato, Direito empresarial: estudos e pareceres, São Paulo, Sa-
raiva, 1990, p. 354 e segs. No mesmo sentido Luiz Gastão Paes de Barros Leães,
Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1989, p. 61, que concorda, ainda, com Modesto Carvalhosa.
168 CONTRATOS MERCANTIS

Na Lei de Sociedades por Ações, o artigo 34, caput, criou uma


nova modalidade de ações nominativas. Ao tratar do regime jurídico
das ações escriturais, dispõe que estas sejam mantidas "em contas de
depósito, em nome de seus titulares, na instituição que designar, sem
emissão de certificados" 287 . Esta "conta de depósito", explica Fábio
Comparato 288 , é uma "mera conta gráfica de registro de titularidade
de ações". Luiz Gastão Leães 289 parece entender que esta "conta de
depósito" caracteriza um depósito irregular, ressalvando o entendi-
mento de Modesto Carvalhosa e Tavares Guerreiro em sentido con-
trário, ou seja, de que existiria aí uma conta corrente. Fran Martins 290
não questiona a característica do depósito.
José Alexandre Tavares Guerreiro 291 explica o seu entendimen-
to, com o qual concordamos, dizendo que a instituição financeira
nada recebe para guardar, muito menos uma coisa móvel corpórea e
que, em comentários ao artigo 1.265 do Código Civil, exige Clóvis
Beviláqua que a coisa dada em depósito seja corpórea.
Por outro lado, a Lei de Sociedades por Ações não prevê qual-
quer possibilidade de "o acionista depositante reclamar da institui-
ção financeira depositária a restituição de qualquer coisa móvel". Ao
contrário, diz, as ações escriturais "nascem de lançamentos contábeis
nas contas da instituição financeira depositária( ... )".
O contrato, para Tavares Guerreiro, seria de prestação de ser-
viços.
O depósito irregular, que L. G. Leães parece admitir, é o de-
pósito de coisa fungível, em relação ao qual o Código Civil manda
aplicar as regras do mútuo, pois, no caso de coisas fungíveis, a trans-
ferência da propriedade se opera. Este é o caso do depósito bancá-
rio292.
287 Para a doutrina francesa, os títulos materializados em um documento são objeto de
depósito regular; os que não se materializam não caracterizam depósito (Georges
Ripert e René Roblot, Traité élémentaire de droit commercial, 10• ed., Paris, LGDJ,
1986, v. 2, item 2.592, p. 541).
288
Fábio Konder Comparato, Direito empresarial: estudos e pareceres. cit., p. 354.
289 Luiz Gastão Paes de Barros Leães, Estudos e pareceres sobre sociedades anônimas,
cit., p. 60.
290
Fran Martins, Novos estudos de direito societário, São Paulo, Saraiva, 1988, p. 65 e
segs.
291 Egberto Lacerda Teixeira e José Alexandre Tavares Guerreiro, Das sociedades anô-
nimas no direito brasileiro, São Paulo, Bushatsky, 1979, vol. 1, p. 218.
292 Jacques Ferroniere et alii, Les opérations de banque, 6° ed., Paris, Dalloz, 1980, p.
14.
FERNANDO NEnO BOITEUX 169

22.8. Depósito em Armazéns-Gerais


A regulamentação especial imposta pelo legislador à ativida-
de dos armazéns-gerais representa uma intervenção do Estado no
domínio econômico, visando a garantir a segurança do exercício de
sua atividade, em benefício dos depositantes. Eles estão sujeitos,
portanto, a um regime especial de responsabilidade.
Sua origem encontra-se na antiga Roma, e nessa época eles
eram administrados pelo Estado, que os destinava "à acumulação e
conservação de provimentos" 293 •
Armazéns-gerais são empresas mercantis que têm por finali-
dade a guarda e a conservação de mercadorias com a faculdade de
emissão, quando requerida, de títulos de crédito que as representam
(conhecimento de depósito e warrant) 294 •
Hoje, sua atividade é regulada pela Lei no 9.973, de 29 de maio
de 2000, que, no entanto, não revogou expressamente o Decreto no
1.102 de 1903, razão pela qual entendemos continuar o mesmo em
vigor, no que não for incompatível com a nova lei.
Estão sujeitos os armazéns-gerais a uma regulação especial, a
ser estabelecida mediante um "sistema de certificação" a ser criado
pelo Ministério da Agricultura e do Abastecimento (Lei no 9.973/00,
artigo 2°), permanecendo sujeitos ao registro na Junta Comercial.

22.8.1. Características
Como contrato comercial, o contrato de depósito em arma-
zéns-gerais é sempre oneroso (Lei no 9.973/00, artigo 3°, caput; De-
creto no 1.102, artigo 2°, alínea 2•, "b").
O preço dos serviços, em regra geral, é fixado pelas partes,
podendo ser subvencionado pelo Estado (Lei no 9.973/00, artigo 3°,
§ 30).

22.8.2. Direitos do depositário


22.8.2.1. Receber remuneração
O direito de receber remuneração decorre da onerosidade do
contrato.
293
J. C. Sampaio de Lacerda, Dos armazéns-gerais· seus títulos de crédito (conheci-
mento de depósito e warrant), Rio de Janeiro, Forense, s/data, p. 11.
294
O conceito é dado pelo Decreto no !.! 02, de 21 de novembro de 1903, artigo 1°, que
regula o funcionamento, direitos e obrigações dos armazéns-gerais.
170 CoNTRATOS MERCANTIS

22.8.2.2. Vender em público mercadoria considerada abandonada


O prazo legal do depósito é de seis meses, podendo ser pror-
rogado. Vencido este prazo a mercadoria reputa-se abandonada, dan-
do direito ao armazém de notificar o depositante, via correio, para
que este, no prazo de oito dias, retire a mercadoria. Se ele não o fi-
zer o armazém poderá vender a mercadoria, por corretor ou leiloei-
ro, em leilão público, anunciado com antecedência de três dias, pelo
menos. Esta venda não depende de procedimento judicial (Decreto
no 1.102 de 1903, artigo 10).

22.8.2.3. Direito de retenção


O depositário tem direito de retenção sobre as mercadorias
depositadas para garantia do pagamento de (Lei no 9.973/00, artigo
90):
- armazenagem e demais despesas tarifárias;
- adiantamentos feitos com fretes, seguros e demais despe-
sas e serviços, desde que devidamente autorizados, pores-
crito, pelo depositante;
- comissões, custos de cobrança e outros encargos, relati-
vos à operação com mercadorias depositadas.
Esse direito de retenção pode ser oposto à massa falida do de-
vedor (Lei no 9.973/00, artigo 9°, § 1°).

22.8.2.4. Direito de indenização


O depositário tem direito de indenização pelos prejuízos que
lhe ocorram por culpa ou dolo do depositante (Decreto no 1.1 02, de
21 de novembro de 1903).

22.8.3. Obrigações do depositário


Duas são as obrigações principais do depositário: guardar as
mercadorias e emitir os títulos correspondentes. Obrigações acessó-
rias são: a contratação de seguro, que é obrigação que visa a garantir
a primeira delas; a prestação de informações sobre a emissão dos tí-
tulos; e o encaminhamento de informações ao Ministério da Agricul-
tura e do Abastecimento, na forma que este regulamentar.

22.8.3.1. Guardar as mercadorias


A empresa de armazéns-gerais responde pela guarda, conser-
vação e pronta entrega das mercadorias recebidas em depósito (Lei
FERNANDO NETIO BOITEUX 171

n° 9.973/00, artigo 6°, caput; Decreto no 1.102 de 1903, artigo 11, n°


1o).
Responde o depositário, ainda, pela culpa, fraude ou dolo de
seus empregados e prepostos e pelos furtos ocorridos dentro dos ar-
mazéns, "bem como os danos decorrentes de seu manuseio inadequa-
do, na forma da legislação específica" (Lei no 9.973/00, artigo 6°,
§ 1o).
A questão do manuseio inadequado se refere ao armazena-
mento de produtos perigosos, regido por legislação específica.
A lei atual não se refere aos casos de força maior como exclu-
dente de responsabilidade, ao contrário da anterior, mas, a simples
omissão não tem o dom de afastar a excludente de responsabilidade,
que é regra geral nos contratos bilaterais. No entanto, a ressalva de
força maior não é norma imperativa, podendo as partes prever, de
comum acordo, a responsabilidade do armazém, ainda nesses casos
(Decreto no 1.102 de 1903, artigo 11, no 1o c/c art. 37, parágrafo úni-
co).
Todavia, entendemos que não cogitou o legislador de respon-
sabilidade objetiva, que exigiria dispositivo expresso.
A lei atual prevê, ainda, a responsabilidade do presidente, do
diretor e do sócio-gerente do armazém, ou daqueles que detiverem
cargos semelhantes aos seus nas cooperativas, e, ainda, do titular de
firma individual. Eles respondem, integral e solidariamente, com o
fiel do armazém pelas mercadorias recebidas em depósito.
Aqui, ainda, entendemos que a responsabilidade é subjetiva,
tendo que ser provada a culpa.

22.8.3.2. Emitir títulos


A emissão dos títulos pelos armazéns-gerais permite uma
maior mobilidade às mercadorias neles depositadas, que são substi-
tuídas pelos títulos que as representam: o conhecimento de depósito
e o warrant. Desta forma, a posse dos títulos representa a posse das
mercadorias, permanecendo o armazém-geral na qualidade de sim-
ples detentor das mesmas 295 •
O conhecimento de depósito e o warrant podem ser transferi-
dos unidos ou separados, por endosso.
295
J. C. Sampaio de Lacerda, Dos armazéns-gerais- seus títulos de crédito (conheci-
mento de depósito e warrant), cit., p. 51 e 52.
172 CONTRATOS MERCANTIS

22.8.4. Proibições
Entendemos que a proibição de recusa de depósito de merca-
dorias, prevista no artigo 8° do Decreto no 1.102 de 1903, continua
em vigor. As demais proibições estão expressamente revogadas.
A legislação anterior vedava o estabelecimento de preferência
entre os depositantes, o abatimento do preço marcado na tarifa em
benefício de qualquer depositante e o exercício do comércio de mer-
cadorias idênticas às que se propõe receber em depósito (Decreto no
1.102 de I 903, artigo 8°).
Essas restrições estão revogadas, pois a lei atual admite ex-
pressamente a possibilidade de estabelecimento de preferências, que
devem constar do Regulamento Interno do armazém (Lei no 9.973/
00, artigo 5°); admite, ainda, o exercício do comércio de mercado-
rias da mesma espécie das que tem o armazém-geral em depósito (ar-
tigo 8°); bem como admite que o preço seja fixado por livre acordo
entre as partes (artigo 3°, § 1°).

22.9. Temas para Estudos Complementares


A questão da legalidade da prisão do depositário infiel vem
sendo bastante discutida na jurisprudência em relação ao contrato de
alienação fiduciária em garantia. Em que medida essas teses podem
ser aplicadas ao depósito tradicional?
173

23. Seguro. Natureza e Elementos. Os Riscos.


O Prêmio. O Co-Seguro e o Resseguro.
O Sinistro e a Indenização. Modalidades
Específicas

23.1. As Bases Técnicas da Operação de Seguros


O contrato de seguro, no estado atual de sua evolução, é um
contrato de massa que se funda na mutualidade das pessoas sujeitas
ao mesmo risco e na estatística.
A estatística é essencial, porque o risco assumido deve ter uma
certa freqüência em relação à massa de segurados, de forma que a
seguradora possa ter a maior certeza possível quanto à sua ocorrên-
cia, ainda que para o segurado permaneça a incerteza296 •
Por outro lado, o segurador realiza um agrupamento dos ris-
cos (tratamento atuarial dos riscos), de forma que possa estabelecer
uma previsão de sinistros. Toda operação de seguros exige a existên-
cia de um grupo de pessoas que contribuem, reciprocamente, para
reparar as conseqüências dos sinistros que possam atingir qualquer
uma delas. As contribuições de cada uma delas constituem um fun-
do comum, que deverá ser suficiente para arcar com o pagamento dos
danos 297 •

23.2. Qualificação e Fontes


Os seguros podem ser divididos em dois grandes ramos: o se-
guro social e os seguros privados.
No ramo do seguro social podemos ressaltar o seguro de aci-
dentes do trabalho, que foi transferido, por lei, da área privada para
a área pública. Os seguros privados abrangem os seguros terrestres,
marítimos, mútuos e aeronáuticos.
A atividade seguradora envolve elevado grau de intervenção
do Poder Público, que disciplina as condições gerais das apólices,

296
Isaac Halperin, Seguros, 2• ed. atual. por Juan Carlos Morandi, Buenos Aires, De-
palma, 1986, p. 24 a 26.
297
Vera Helena de Mello Franco, Lições de direito securitário: seguros terrestres pri-
vados, São Paulo, 1993, p. 20 e 21. Também Isaac Halperin, Seguros, cit., p. 26 e 27.
174 CoNTRATos MERCANTIS

fiscaliza a atividade das seguradoras e, em alguns casos, impõe o


dever de contratar (seguros obrigatórios).
Compete à União legislar sobre seguros (Constituição Federal,
artigo 21, inciso VIII).
As principais fontes do direito dos seguros privados são o
Código Civil (artigos 1.432 e segs.), para os seguros terrestres; o
Código Comercial (artigos 666 e segs.), para os seguros marítimos;
e o Decreto-lei no 73, de 1966 (Dispõe sobre o Sistema Nacional de
Seguros Privados, Regula as Operações de Seguros e Resseguros e
dá outras providências) 2n.
O Sistema Nacional de Seguros Privados compreende:
a) o Conselho Nacional de Seguros Privados - CNSP;
b) a Superintendência de Seguros Privados- SUSEP;
c) o Instituto de Resseguros do Brasil - IRB;
d) as sociedades autorizadas a operar em seguros privados;
e) as corretoras de seguros.

23.3. Elementos Objetivos do Contrato de Seguro


23.3.1. Interesse segurável
Para os antigos, o objeto do contrato de seguro era sempre uma
coisa material sujeita ao risco 299 •
O Código Comercial já entendia que o conceito de interesse é
distinto da coisa a que se refere, mas o Código Civil ainda apresenta
uma concepção puramente corpórea do objeto do seguro.
Hoje, o interesse segurável não se confunde com a coisa ou
pessoa sujeita ao risco. É, antes, a relação que une o segurado, ou o
beneficiário, a essa coisa ou pessoa. Daí, a possibilidade de haver
vários seguros, relativamente à mesma pessoa ou coisa, com titula-
res diferentes.
É o caso, por exemplo, do seguro de incêndio contratado pelo
proprietário (ou credor hipotecário), pelo usufrutuário e pelo locatá-
rio com referência ao mesmo imóvel, cada qual protegendo um in-
teresse econômico diverso.

298 Regulamentado pelo Decreto no 60.459, de 13 de março de 1967.


299 Fábio Konder Comparato, O seguro de crédito: estudo jurídico, São Paulo, Revista
dos Tribunais, 1968, p. 24 a 26.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 175

A distinção fundamental entre seguros de danos e seguros de


pessoas é o princípio indenitário, expresso no artigo 1.437 do Códi-
go Civil, transcrito:
"Art. 1.437. Não se pode segurar uma coisa por mais do
que valha, nem pelo seu todo mais de uma vez. É, todavia,
lícito ao segurado acautelar, mediante novo seguro, o risco
de falência ou insolvência do segurador (art. 1.439)."
Assim, no seguro de coisas (interesse sobre a coisa), o valor
da indenização está limitado pelo seu valor; no seguro de vida é li-
vre às partes fixar o valor do seguro (Código Civil, artigos 1.437,
1.438, 1.439 e 1.441).
Tanto o seguro quanto o jogo são contratos aleatórios, razão
pela qual importa distingui-los. A préexistência do interesse à ope-
ração distingue o seguro do jogo 300 •
A distinção entre o jogo e o seguro, ambos contratos aleató-
rios, não está, para Halperin 301 , na estrutura do negócio, no objeto ou
na natureza da condição, mas na causa e na função que desempe-
nham ambos os contratos. No jogo, o risco - não a condição - é arti-
ficial, no seguro a condição é o nascimento da necessidade que ele
satisfaz. O seguro cumpre uma função de previsão, ao passo que o
jogo e a aposta têm um objetivo de lucro.

23.3.2. Risco
O risco é o fato danoso ao interesse do segurado e aleatório,
isto é, provocado não-intencionalmente. Admite-se, por isso, a cober-
tura de riscos ligados à simples culpa (negligência, imprudência, im-
perícia) do segurado, como o seguro de responsabilidade civil.
De acordo com o artigo 1.440 do Código Civil, a vida e as fa-
culdades humanas também podem ser objetos do contrato de seguro
"contra os riscos possíveis, como o de morte involuntária, inabilita-
ção para trabalhar, ou outros semelhantes".
Aqui, vale destacar a questão atinente ao suicídio involuntário.
A Súmula 105 do Supremo Tribunal Federal já admitia que:
"Salvo se tiver havido premeditação, o suicídio do segura-
do no período contratual de carência não exime o segura-
dor do pagamento do seguro".
300
Código Civil, art. 1.479 e Projeto do Código Civil, art. 816, com idêntica redação.
301
Isaac Halperin, Seguros, cit., p. 49 e 50.
176 CONTRATOS MERCANTIS

O Superior Tribunal de Justiça tem seguido o mesmo entendi-


mento, decidindo que o suicídio não premeditado é abrangido pelo
seguro de acidentes pessoais 302 , sendo, inclusive, "inoperante a cláu-
sula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilida-
des de seguradora em casos de suicídio involuntário" 303 •
Dado que incumbe à seguradora o ônus da prova, ela deve pro-
var, para se exonerar do pagamento, que o segurado se suicidou pre-
meditadamente, consciente de seu ato 304 •
Como contrato que se prolonga no tempo, o contrato de segu-
ro está sujeito à mudança das condições que foram contratadas, e que
podem agravar o risco da seguradora. Em nosso direito a solução
para o agravamento dos riscos está prevista nos artigos 1.453 a 1.456
do Código Civil, que possibilita a rescisão do contrato quando o se-
gurado agravar o risco, deixando de comunicá-lo à seguradora.
A interpretação estrita da definição dos riscos está prevista nos
artigos 1.460 e I .46 I do Código Civil.
O dever de comunicação imediata do sinistro atende à neces-
sidade de minimizar os riscos da seguradora (Código Civil, artigo
I .457).
O pagamento da indenização está sujeito a correção monetá-
ria (Lei no 5.488 de 1968).

23.3.3. Garantia
A garantia é uma promessa de indenizar, que tem valor eco-
nômico, mesmo na ausência de realização do risco (sinistro), como
explícita o Código Civil, artigo 1.452, transcrito:
"Art. 1.452 - O fato de se não ter verificado o risco, em pre-
visão do qual se fez o seguro, não exime o segurado de
302
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 16.560-0 (Registro no 91.0023696-9),
Relator Ministro Fontes de Alencar, julgamento em 12 de maio de 1992, unânime,
com a seguinte ementa: "Seguro. Acidentes Pessoais. Suicídio Involuntário. O sui-
cídio desintencional está abrangido pelo seguro de acidentes pessoais. Precedentes
do Superior Tribunal de Justiça. Recurso especial atendido. Unânime".
103 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 194 (Registro no 89.8427-5), Re-
lator Ministro Barros Monteiro, julgamento em 29 de agosto de 1989, unânime, com
a seguinte ementa: "Direito Civil. Seguro. Suicídio involuntário. É inoperante a cláu-
sula que, nos seguros de acidentes pessoais, exclui a responsabilidade de segurado-
ra em casos de suicídio involuntário. À seguradora, ainda, compete a prova de que o
segurado se suicidou premeditadamente, com a consciência de seu ato. Recurso co-
nhecido e provido".
J().l Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 194, citado.
FERNANDO NETTO BOITEUX 177

pagar o prêmio, que se estipulou, observadas as disposi-


ções especiais do direito marítimo sobre o estorno".

23.3.4. Prêmio
O segurador, ao assumir o risco, ou seja, a obrigação de pagar
determinada quantia, recebe uma contraprestação, que é o prêmio. O
prêmio, portanto, é fixado em função do interesse e do risco.

23.4. Partes
O contrato de seguro é uma modalidade de contrato a favor de
terceiro, portanto, apresenta duas partes contratantes e um beneficiá-
rio, que não é parte no contrato. Assim, são partes no contrato:
a) a seguradora, que assume a obrigação de ressarcir o pre-
juízo;
b) a pessoa que pagará a importância para que haja ores-
sarcimento do prejuízo, que se chama segurado.
Só essas pessoas são partes no contrato e assumem obrigações.
O beneficiário é quem efetivamente receberá da seguradora a
importância relativa ao prejuízo; tanto pode ser beneficiário o pró-
prio segurado como uma terceira pessoa, dependendo da indicação
de cláusula contratuaP 05 •

23.5. Instrumentos Contratuais


23.5.1. Proposta
O contrato de seguro se inicia com a proposta, que deve ser
feita por escrito e assinada pelo segurado, seu representante legal ou
por corretor habilitado, com emissão das respectivas apólices (Decre-
to no 60.459, de 13 de março de I 967, artigo 9°), salvo no caso de se-
guros documentados por simples bilhete de seguro, mediante solici-
tação verbal do interessado, caso em que não se aplica o disposto no
artigo 1.433 do Código Civil (Decreto no 60.459, de 13 de março de
I 967, artigo I 0).
Como regra geral, a proposta de seguro é um contrato por ade-
são, que se apresenta por meio de um formulário impresso, reme-
tido pela seguradora ao segurado.

305
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 419.
178 CoNTRATOS MERCANTIS

23.5.2. Apólice
A apólice é o instrumento da constituição do seguro. As apó-
lices podem ser de várias modalidades. Diz-se simples a apólice que
estabelece em seu corpo todas as condições do seguro, sem necessi-
dade de quaisquer atos adicionais. Quando se referem a riscos variá-
veis, admitindo a substituição do interesse segurado, denominam-se
apólices abertas, ajustáveis ou de averbação (Decreto no 60.459, de
13 de março de 1967, artigo 4°) 306 •
Na apólice, além das cláusulas obrigatórias, podem constar
outras, facultativas. As apólices devem, também, mencionar os ris-
cos cobertos e os excluídos.

23.5.3. Bilhete
A lei permite que o seguro seja contratado por simples emis-
são de um bilhete de seguro, por solicitação verbal do interessado 307 •

23.5.4. Certificado
O certificado de seguro é "um documento tipicamente com-
probatório da existência da cobertura com relação a uma pessoa ou
coisa" 308 •

23.6. A Instituição do Beneficiário nos Seguros de Pessoas


A instituição do beneficiário nos seguros de pessoas está limi-
tada pelo disposto no artigo 1.474 do Código Civil, que determina:
"Art. 1.474- Não se pode instituir beneficiário pessoa que
for legalmente inibida de receber a doação do segurado".
O Decreto-lei no 5.384, de 08 de abril de 1943 (Dispõe sobre
os Beneficiários do Seguro de Vida), por sua vez, dispõe:
"Art. 1o - Na falta de beneficiário nomeado, o seguro de
vida será pago metade à mulher e metade aos herdeiros do
segurado.
Parágrafo único. Na falta das pessoas acima indicadas, se-
rão beneficiários os que dentro de 6 (seis) meses reclama-

306 Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11' ed., Rio de Janeiro, Forense,
1990, p. 428 a 430.
307 Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 430.
1°8 Yera Helena de Mello Franco, Liç6es de direito securitário: seguros terrestres pri-
vados, cit., p. 80.
FERNANDO NETTO BOITEUX 179

rem o pagamento do seguro e provarem que a morte do


segurado os privou de meios para proverem sua subsistên-
cia. Fora desses casos, será beneficiária a União."
Boa parte da doutrina vê a designação do beneficiário como
uma estipulação a favor de terceiro 309 , com a qual concordamos.

23.7. O Princípio da Boa-Fé


O contrato de seguro está fundado no princípio da boa-fé nas
declarações constantes da proposta (Código Civil, artigos 1.443 e
1.444; Código Comercial, artigo 678), que deve ser tomada em seu
sentido objetivo, como previsto no artigo 131, no 1, do Código Co-
mercial (item 8.1.1, retro). Por esta razão pode ser anulado quando
o segurado oculta a verdade, afirma o que não é verdade ou faz de-
claração falsa, por exemplo (Código Comercial, artigo 678).

23.8. O Pagamento do Prêmio


O pagamento do prêmio pelo segurado é devido no prazo fi-
xado na proposta (Decreto no 60.459/67, art. 6°, § I 0 ), mas este pra-
zo não pode ultrapassar 30 dias da emissão da apólice (Decreto no
61.589/67, art. 3°), sob pena de cancelamento.
A cobertura do seguro fica suspensa até o pagamento do prê-
mio e demais encargos (Decreto 60.459/67, art. 6°, caput), mas, se o
pagamento for efetuado no prazo determinado, ainda que o sinistro
tenha ocorrido antes, a indenização é devida (Decreto n° 60.459/67,
art. 6°, §§ 3° e 4°). Como observa Fran Martins 310 :
"Tendo a seguradora um prazo ( 15 dias) para enviar a apó-
lice ao segurado, contra o recebimento da qual deve ser
efetuado o pagamento do prêmio, o período que vai até o
pagamento deste não é levado em consideração se o sinis-
tro ocorrer no mesmo e o prêmio for pago na época devi-
da."
Os seguros dos ramos de automóveis e aeronáuticos estão su-
jeitos a disposições especiais sobre o tema311 •

309
Joaquin Garrigues, Contrato de seguro terrestre, Madrid, Aguirre, 1973, p. 565, po-
sição também admitida por Vera Helena de Mello Franco, Lições de direito securi-
tário: seguros terrestres privados, cit., p. 115.
31
311
° Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 431.
Pedro Alvim, O contrato de seguro, 3• ed., Rio de Janeiro, Forense, 1999, p. 286.
180 CONTRATOS MERCANTIS

Se a mora do segurado ocorrer após o sinistro, quando ele já


era credor do pagamento da indenização e devedor do prêmio, a nor-
ma regulamentar diz que "o direito à indenização não ficará prejudi-
cado se o segurado cobrir o débito respectivo ainda naquele prazo"
(Decreto no 61.589).
Esta regra atende ao disposto no artigo 1.092 do Código Ci-
vil. Todavia, há entendimento contrário, sustentando a necessidade
de compensação do valor do prêmio com o da indenização, em ra-
zão da qual o prêmio não seria devido, com fundamento no disposto
nos artigos 1.009 e 1.010 do Código Civil312 •

23.9. O Co-Seguro
O co-seguro é uma das modalidades dos seguros múltiplos. A
cobertura é distribuída simultaneamente entre vários seguradores que
assinam o mesmo contrato, embora possa cada um emitir sua própria
apólice 313 (Decreto no 60.459, de 13 de março de 1967, artigo 5°).
O co-seguro e o resseguro têm a mesma finalidade: a distribui-
ção do risco entre os seguradores 314 • Todavia, eles não se confundem.
Segundo Pedro Alvim 315 :
"tanto no co-seguro, como no resseguro há o fracionamen-
to do seguro, mas naquele o segurado é o centro de conver-
gência de tantas relações jurídicas independentes, quantos
forem os co-segurados; neste a relação jurídica entre o se-
gurado e o segurador não sofre qualquer alteração. A super-
veniência do resseguro é negócio jurídico estranho ao se-
gurado. Embora o segurador compartilhe sua obrigação
com o ressegurador, continua como responsável exclusivo
perante o segurado".
Halperin afirma que o co-seguro e o resseguro devem ser dis-
tinguidos, pois o primeiro é celebrado pelo segurado simultaneamen-
te com mais de um segurador sobre o mesmo risco, ou seja, supõe
uma pluralidade de seguros e requer o consentimento do segurador
(por exemplo, em caso de sinistro requer liquidações distintas); en-
quanto o segundo é o seguro que, mediante uma obrigação de reem-
312 Pedro AI vim, O contrato de seguro, cit., p. 286 e 287.
313
Pedro AI vim, O contrato de seguro, cit .. p. 349.
314
Pedro AI vim, O contrato de seguro, cit., p. 356.
315
Pedro AI vim, O contrato de seguro, cit., p. 356.
FERNANDO NETIO BOITEUX 181

bolso, resguarda o segurador contra uma carga patrimonial prove-


niente dos contratos que celebrou 316 •

23.10. O Resseguro
Por resseguro entende-se o fato de um segurador segurar o ris-
co assumido em outra seguradora.
O resseguro pode ser total ou parcial. No primeiro caso, a to-
talidade do risco passa para o ressegurador, chamado de cessionário;
sendo o resseguro parcial, o ressegurador assume responsabilidade
apenas por parte dos riscos 317 •
Quanto aos efeitos econômicos do resseguro, explica Amadeu
Carvalhaes Ribeiro 318 :
"A capacidade seguradora de uma empresa é medida essen-
cialmente por seu patrimônio líquido. Quando uma segu-
radora direta firma um contrato de resseguro, o principal
efeito desse contrato é a transferência de uma parcela de
seus riscos para a resseguradora.
Essa transferência libera a parcela do patrimônio líquido
até então comprometida. O efeito é óbvio: a seguradora di-
reta passa a dispor de mais recursos financeiros que podem
servir à nova oferta de apólices. É por isso que se diz que
o resseguro aumenta a capacidade seguradora de um deter-
minado mercado."
No Brasil, diferentemente do que ocorre na maioria dos paí-
ses, a atividade de resseguros não é livre, mas há indícios de sua li-
beralização.
Visando à liberalização do mercado de resseguros a Emenda
Constitucional no 13/96 alterou a redação do artigo 192, inciso II, da
Constituição Federal para excluir da exigência de regulação por lei
complementar o funcionamento do "órgão oficial ressegurador".
A seguir, a Lei no 9.932, de 20 de dezembro de 1999 (Dis-
põe sobre a transferência de atribuições da IRB-Brasil Resseguros
S.A. - IRB-BRASIL Repara a Superintendência de Seguros Priva-

316
Isaac Halperin, Seguros, cit., p. 103 e I 05.
317
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 434.
318
Amadeu Carvalhaes Ribeiro, "Um impulso à competição", Gazeta Mercantil, 16, 17
e 18 de junho de 2000, p. A-2.
182 CoNTRATos MERCANTIS

dos- Susep, e dá outras providências) promoveu diversas alterações


no sistema, das quais as principais são 319 :
- atribuição de competência ao Conselho Nacional de Se-
guros Privados - CNSP para estabelecer normas gerais para
o mercado de resseguro;
- transferência à Superintendência de Seguros Privados -
Susep, das funções de regulação e fiscalização do merca-
do de resseguro, antes atribuídas ao IRB; e
- estabelecimento do direito de preferência dos ressegura-
dores locais, pelo período de dois anos, a contar da priva-
tização do IRB, sobre 60% de qualquer operação de resse-
guro que as seguradoras diretas desejem realizar.

23.11. A Retrocessão
Por retrocessão entende-se a cessão de um resseguro a outro
ressegurador. Há, assim, uma transferência de riscos para o retroces-
sionário320.

23.12. A Ação Judicial de Cobrança da Indenização de Seguro


A ação judicial de cobrança da indenização de seguro está su-
jeita a prescrição, que segue os princípios do direito civil. Ela só fica
modificada quanto aos prazos que são, em geral, mais curtos.
A prescrição de curto prazo, de um ano, do segurado contra o
segurador, contado o prazo da data em que o segurado tiver conhe-
cimento do fato, só se aplica à ação movida pelo segurado (Código
Civil, artigo 178, § 6°, 11), não à ação do beneficiário, salvo quando
ele for também o segurado 321 .
A ação da vítima contra o responsável pelo dano está sujeita a
prescrição ordinária.
Quando há resseguro o Instituto de Resseguros do Brasil - IRB
é litisconsorte necessário.

119 Amadeu Carvalhaes Ribeiro, "Um impulso à competição", cit., p. A-2.


12° Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, cit., p. 435.
121 Pedro A! vim, O contrato de seguro, cit., p. 508.
183

24. Penhor Mercantil.


Modalidades Específicas

24.1. Noção
Penhor mercantil é o contrato pelo qual uma pessoa dá à ou-
tra coisa móvel (que não seja escravo ou semovente, segundo o arti-
go 273 do Código Comercial) em garantia ao cumprimento de obri-
gação comercial.
O penhor será, pois, civil ou mercantil, de acordo com a natu-
reza da obrigação a que o penhor serve de garantia; penhor pressu-
põe, portanto, a exigência de uma obrigação principal cujo cumpri-
mento é garantido pela coisa oferecida pelo devedor ao credor.
Pode ser legal (exigência de lei) ou convencional (contrato).

24.2. Disciplina Legal


O Código Comercial (artigos 271 a 279) classifica o penhor
como contrato; o Código Civil (artigos 768 a 804) classifica o penhor
entre os direitos reais de garantia.
Não há conflito entre as normas, pois é um direito real origi-
nado de um contrato e o mesmo nome "penhor" pode significar tan-
to o contrato, quanto o direito real de garantia, e, ainda, o próprio
bem objeto da garantia.
As normas do Código Civil aplicam-se subsidiariamente ao
penhor mercantil.

24.3. Elementos
24.3.1. Objeto móvel
O objeto do penhor é, necessariamente, coisa móvel; a garan-
tia real sobre imóveis é a hipoteca regulada exclusivamente, pelo di-
reito civil.

24.3.2. Tradição do objeto


O artigo 271 do Código Comercial se refere à "entrega" da
coisa, exigindo, portanto, a tradição. Por esta razão se entende que
o penhor é contrato real. No mesmo sentido o Código Civil, artigo
768.
184 CONTRATOS MERCANTIS

A doutrina, inclusive no direito comparado, também o consi-


dera contrato real, em razão do qual se exige a entrega efetiva da
coisa322 • Na jurisprudência, dado que o Código Comercial admite a
entrega simbólica da coisa (artigo 274), tem entendido o Superior
Tribunal de Justiça 323 , registrando também precedentes no Supremo
Tribunal Federal, que o contrato se aperfeiçoa por esta forma 324 •
O penhor também pode ser constituído pela entrega da coisa
a terceiro, agindo este "por conta e ordem" do credor. Neste caso, o
terceiro fica responsável pela devolução do bem325 •
É também um contrato acessório, pois sua existência depende
da obrigação principal, extinguindo-se com a extinção do segundo;
classifica-se entre os contratos de garantia, como a fiança.
Legislação especial admite o penhor sem a entrega da garan-
tia, como visto abaixo, no item 24.5 (Modalidades especiais).

322
Waldirio Bulgarelli, Contratos Mercantis, 11• ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 575 e
576.
321
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no I 0.494-0-SP, citado.
324
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 66.930-8-RS (Registro no
95.0026254-1), Relator Ministro Eduardo Ribeiro, Revista do Superior Tribunal de
Justiça, Brasília, a. 7, (75): 169-446, novembro 1995, p. 442, com a seguinte emen-
ta: "Penhor mercantil - Possibilidade de constituir-se sem a entrega efetiva do bem
empenhado".
Continua em vigor o artigo 274 do Código Comercial, não derrogado pelo Código
Civil. Esse se aplica subsidiariamente, mas não atinge situações especificamente re-
guladas naquela outra codificação.
Igualmente não ocorreu derrogação, por força do artigo 92, I, da Lei de Falências de
1929, que apenas pretendeu discriminar os créditos com privilégios sobre determi-
nados bens.
Hipóteses em que, tratando-se de bens fungíveis, aceitável a descrição genérica fei-
ta no instrumento".
325
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 5.177- SP (Registro no 90 9336-8),
Relator Ministro Cláudio Santos, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília,
a. 3, (21): 223-517, maio 1991, p. 421, com a seguinte ementa: "Direito Privado.
Penhor Mercantil. Tradição Real. Entrega da Coisa a Terceiro. Responsabilidade do
Credor. Pagamento da Dívida. Devolução do Penhor.
Não há contrariedade ao art. 274 do Código Comercial se a tradição do penhor aper-
feiçoou-se, de forma efetiva ou real, pela entrega da coisa a terceiro que a teve 'em
nome e à ordem' do credor pignoratício, consoante entendimento de antiga, porém
boa, doutrina e jurisprudência.
O titular do direito real de penhor com a pcsse medi ata da coisa continua equipara-
do, nos termos da lei comercial (art. 276 do Cód. Com.), ao depositário, responden-
do pela devolução ou pela indenização da coisa após o pagamento da dívida".
FERNANDO NETTO BOITEUX 785

Há hipóteses de penhor de bens futuros (safra em formação),


em que o bem que servirá de garantia ainda não existe, como no pe-
nhor rural.

24.3.3. Instrumento escrito


O instrumento escrito é necessário para o contrato valer con-
tra terceiros (Código Comercial, artigo 271) e deve necessariamente
conter, sob pena de não valer contra terceiros (Código Civil, artigo
761): I- o total da dívida, ou sua estimação; 11- o prazo fixado para
pagamento; 111 - a taxa dos juros, se houver; IV - a coisa dada em
garantia, com as suas especificações.

24.4. Direitos e Obrigações das Partes


24.4.1. Credor
24.4.1.1. Direitos
O credor tem direito de reter a coisa até o vencimento da obri-
gação, podendo exigir indenização pelas despesas com ela efetuadas.
Pode, ainda, requerer a venda judicial do objeto se vencida e não
paga a dívida principal.

24.4.1.2. Obrigações
A principal obrigação do credor é de restituir o objeto (Códi-
go Comercial, artigo 278).
Entende a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça que
a aceitação do encargo pelo depositário faz presumir a tradição dos
bens dados em garantia, caracterizando infidelidade do depositário
a falta de entrega dos objetos" 326 .
326
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 7.187 -0-SP (Registro no
91.0000297-6), Relator Ministro Sálvio de Figueiredo, Revista do Superior Tribunal
de Justiça, Brasília, a. 4, (39): 339-615, novembro 1992, p. 370, com a seguinte
ementa: "Direito Comercial. Penhor mercantil. Tradição simbólica. Admissibilida-
de. Código Comercial, art. 274. Vigência. Ação de depósito. Boa-fé. Recurso provi-
do.
I - Em se tratando de penhor mercantil admissível é a entrega simbólica dos objetos,
estando em vigor a norma do art. 274 do Código Comercial.
11 -A aceitação do encargo pelo depositário, no penhor mercantil, faz presumir a tra-
dição dos bens dados em garantia, caracterizando infidelidade do depositário a falta
de entrega dos objetos.
lii - A realidade das relações de comércio dos tempos atuais repudia os formalismos
injustificáveis, instalando-se na boa-fé a "consagração do dever moral de não enga-
nar a outrem".
186 CONTRATOS MERCANTIS

No mesmo sentido entende o Supremo Tribunal Federal, que


afirma 327 :
"( ... )uma vez celebrado o penhor mercantil e nomeado de-
positário para os bens respectivos, a aceitação do encargo
faz presumir a tradição dos objetos dados em garantia e a
falta de sua entrega caracterizara a infidelidade do depo-
sitário, que assim fica sujeito às sanções previstas (RT
476/235)".
Em segundo lugar, tem o credor o dever de empenhar diligên-
cia na guarda, responsabilizando-se pela devolução da coisa ou pela
indenização dos danos causados 328 .

24.4.2. Devedor
24.4.2.1. Direitos
Os principais direitos do devedor são: receber o objeto, cum-
prida a obrigação principal; e ser indenizado pelo prejuízo sofrido
pela coisa.

24.4.2.2. Obrigações
As principais obrigações do devedor são: submeter-se à reten-
ção da coisa pelo credor, até que seja cumprida a obrigação princi-
pal; indenizar o credor das despesas efetuadas com a guarda da coi-
sa; e responder pelos seus vícios.

24.4.2.3. Depositário infiel e penhor mercantil


Entende o Supremo Tribunal Federal ser cabível a prisão do
depositário infiel na hipótese de penhor mercantil 329 , ainda que se
trate de depósito irregular (coisas fungíveis).

127
Transcrição parcial da ementa do Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus no
71.097-PR, julgamento em 13 de fevereiro de 1996, Relator Ministro Sydney San-
ches.
328
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 35.190-3-SP (Registro no
93.0013889-8), Relator Ministro Nilson Naves, Revista do Superior Tribunal de Jus-
tiça, Brasília, a. 7, (67): 283-521, março 1995, p. 364, com a seguinte ementa: "Pe-
nhor mercantil. Responsabilidade do credor pignoratício, em caso de perda da coi-
sa. Pagamento da dívida. Equiparado ao depositário, responde o credor "pela devo-
lução ou pela indenização da coisa após o pagamento da dívida", conforme estatuí-
do no REsp-5.177. Recurso especial conhecido e provido".
129
Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus no 75.900-9, Primeira Turma, Relator
Ministro limar Galvão, julgamento em 23 de junho de 1998, unânime, com prece-
dentes (Habeas Corpus no 71.097-PR, Revista Trimestral de Jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal no 162/612).
FERNANDO NETTO BOITEUX 187

A posição do Supremo Tribunal Federal tem sido, sistemati-


camente, a favor da prisão do depositário infiel, afastando a aplica-
ção do Pacto de São José da Costa Rica, ao contrário do Superior
Tribunal de Justiça, que tem afastado a prisão.

24.5. Modalidades Específicas


Denominamos modalidades específicas de penhor àquelas nas
quais, em virtude de legislação especial, se admite que o devedor
continue na posse do bem oferecido em garantia. Portanto, nestes
casos, não se efetua a tradição.

24.5.1. Modalidades industriais


O crédito industrial constitui-se, hoje, mediante o uso da "Cé-
dula de Crédito Industrial", conforme disposto no Decreto-lei n° 413,
de 9 de janeiro de 1969, que regula os títulos de crédito industrial.
Entre as garantias admitidas em lei para esta modalidade de crédito
encontra-se o penhor de bens.
A Lei de Registros Públicos 330, nos seus artigos 167, inciso I,
no 4, e 178, determina que sejam feitos, no Tabelionato do Registro
de Imóveis, o registro do penhor de máquinas e de aparelhos utiliza-
dos na indústria, instalados e em funcionamento, com os respectivos
pertences ou sem eles, bem como as cédulas de crédito industrial.

24.5.2. Penhor do sal


O penhor do sal nas salinas constitui-se, hoje, cedularmente,
obedecendo ao disposto no Decreto-lei no 413, de 9 de janeiro de
1969, que regula os títulos de crédito industriaP 31 , não se exigindo a
tradição efetiva da coisa.

24.5.3. Penhor rural (agrícola ou pecuário)


O penhor rural, agrícola ou pecuário, independe, em razão de
dispositivo expresso de lei, da entrega dos bens dados em garantia
(Lei no 492/37, artigo 1°, que revoga o disposto no artigo 781 e se-
guintes do Código Civil).
Na forma da Lei no 2.666/55, artigo 1°, também:
130
Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, com alterações.
131
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11' ed. rev., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1990, p. 414 e 415.
188 CONTRATOS MERCANTIS

"Art. I o- Independe de tradição efetiva o penhor mercantil


dos produtos agrícolas existentes em estabelecimentos des-
tinados ao seu benefício ou transformação.
§ I o Em caso de dúvida quanto à identificação do produto
apenhado em face de outros da mesma espécie existentes
no local, o vínculo real incidirá sobre a quantidade equiva-
lente de bens da mesma natureza, de propriedade e em po-
der de estabelecimento que responderá como fiel depositá-
rio sob as penas da lei.
§ 2° Aplicam-se ao penhor constante deste artigo as dispo-
sições que regem o penhor rural, inclusive os atos de regis-
tro."
A Lei de Registros Públicos 332 , no artigo 167, inciso I, no 15,
determina que seja feito, no Tabelionato do Registro de Imóveis, o
registro dos contratos de penhor rural.
A forma corrente de crédito rural, hoje, se dá mediante o uso
de cédulas de crédito rural, criadas pela Lei n° 4.829, de 5 de novem-
bro de 1965 (Institucionalizao Crédito Rural), que admite, no artigo
25, que poderão constituir garantia dos empréstimos rurais o penhor
agrícola e o pecuário, entre outras modalidades 333 .

24.5.3.1. Objeto do penhor rural


Objeto do penhor rural são as colheitas pendentes; os frutos
armazenados ou beneficiados; a madeira das matas; as máquinas e
instrumentos agrícolas e os animais de estabelecimento agrícola.
É possível o penhor de colheitas pendentes ou em formação,
quer resultem de prévia cultura, quer de produção espontânea do solo
(Lei no 492/37, artigo 6°).

24.5.3.2. Prazo do penhor rural


O prazo do penhor rural é de 3 (três) anos, prorrogáveis, no
penhor agrícola, e de 4 (quatro) no penhor pecuário (Lei no 492/37,
artigo 7°, modificado pelo Decreto-lei no 167/67).

332 Lei no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, com alterações.


333 Regulamentada pelo Decreto no 58.389. de 10 de maio de 1996, artigo 5°, no que diz
respeito a essas operações.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 189

24.5.3.3. Depositário infiel e penhor rural


Dado que os bens objeto de penhor rural, ainda que objetiva-
mente fungíveis são tratados, por força de lei, como coisas infungí-
veis (Lei no 492/37, artigo 2°, incisos V e VI), entendeu o Supremo
Tribunal Federal cabível a prisão do depositário. A tese do voto ven-
cido, proferido pelo Ministro Sepúlveda Pertence, que negava a pos-
sibilidade de prisão no depósito irregular, vem sendo sistematica-
mente rejeitada no Supremo Tribunal Federal 334 •
Em sentido oposto, o Superior Tribunal de Justiça, que vem
revelando entendimento mais liberal, em matéria de prisão do depo-
sitário, que o Supremo Tribunal Federal, assim decidiu 335 :
"Quando o depósito de coisas fungíveis e consumíveis -
como o que se cuida - é mero garantidor de mútuo cele-
brado, não merece nem a proteção austera decorrente da
ameaça de prisão que incide sobre o depositário, nem o rito
sufocante que é imposto pelos arts. 901 e seguintes do Có-
digo de Processo Civil, daí a impropriedade da ação espe-
cial de depósito, pelo que deve ser reconhecida a carência
do autor para a demanda proposta."
Decidiu, ainda, o Superior Tribunal de Justiça que, se ao tem-
po da celebração do contrato, os bens dados em garantia não exis-
tiam, é descabida a prisão, por não caber ação de depósito para a res-
tituição de bem inexistente ao tempo da celebração do contrato de
financiamento 336 •

24.5.4. Penhor de mercadorias depositadas em armazéns-gerais


Como vimos, a emissão dos títulos pelos armazéns-gerais per-
mite uma maior mobilidade às mercadorias neles depositadas, que
334
Habeas Corpus no 75.904-SP, rei. originário Min. Sepúlveda Pertence, redator p/
acórdão Min. Moreira Alves, julgamento em 23 de junho de 1998, por maioria.
335
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 93.032 - RS (Registro no
96.0022560-5), Relator Ministro César Asfor Rocha, Revista do Superior Tribunal
de Justiça, Brasília, a. 9, (98): 267- 323, outubro 1997, p. 297, publicado no DJ de
30 de junho de 1997 (transcrição parcial da ementa).
336
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 47.027-7 - RS (Registro no
94.0011477-0), Relator Ministro Ruy Rosado de Aguiar, Revista do Superior Tribu-
nal de Justiça, Brasília, a. 8, (79): 217- 262, março 1996, p. 243, com a seguinte
ementa: "Depósito. Penhor rural. Safra futura. Não cabe ação de depósito para ares-
tituição de bem inexistente ao tempo da celebração do contrato de financiamento.
Recurso não conhecido. Recurso especial atendido. Unânime".
790 CONTRATOS MERCANTIS

são substituídas pelos títulos que as representam: o conhecimento de


depósito e o warrant. Desta forma, a posse dos títulos representa a
posse das mercadorias, permanecendo o armazém-geral na qualida-
de de simples detentor das mesmas.
O conhecimento de depósito e o warrant podem ser transferi-
dos unidos ou separados, por endosso. O endosso dos títulos unidos
confere ao cessionário o direito de livre disposição da mercadoria
depositada.
Atendendo a essa peculiaridade, o penhor das mercadorias
depositadas em armazéns-gerais se constitui pelo primeiro endosso
do warrant, separado do conhecimento de depósito; não há tradição
da coisa para o credor (Decreto no 1.1 02, de 21 de novembro de 1903,
artigos 18 e 19).

24.5.5. Penhor de títulos de crédito (caução)


No direito brasileiro, tradicionalmente, inclusive no Código
Civil, o penhor de coisas incorpóreas - títulos de dívidas públicas e
particulares, tem a denominação usual de caução (Código Civil, ar-
tigos 789 a 795). No entanto, a denominação é criticada por Cunha
Peixoto 337 , com apoio em J. M. Carvalho Santos, que entende ser
sempre de penhor que se trata. Atualmente, Modesto Carvalhosa ado-
ta a mesma posição 338 •
Objeto do penhor são direitos representados por títulos. Para
efetivar o penhor deve o credor intimar o devedor dos títulos caucio-
nados, para que não pague ao seu credor enquanto durar a caução. Se
a importância dos títulos for paga ao credor da caução, deverá este
restituí-la ao devedor depois de solvida a obrigação garantida pelos
títulos.
Necessário distinguir o penhor de títulos do desconto de du-
plicatas em banco, pois são operações absolutamente diferentes. No
desconto de títulos, o endosso simples transfere a propriedade para
o banco, caracterizando uma operação de crédito, e não de garantia.
A propósito, a cobrança também é absolutamente diversa do descon-
to, sendo que, na cobrança, o endosso-mandato transfere apenas a

13 7 Carlos Fulgêncio da Cunha Peixoto, Sociedades por Ações, São Paulo, Saraiva, 1972,
v. I, p. 318 e 319.
138 Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de sociedades anônimas, ed. de 1997, v. I,
São Paulo, Saraiva, 1997, p. 278.
FERNANDO NETIO BOITEUX 191

posse dos títulos e outorga poderes ao banco, que age em nome de


terceiro, em operação de mera administração 339 •

24.5.6. Penhor de ações de sociedades anônimas


A lei de sociedades anônimas emprega os dois termos (penhor
ou caução), como sinônimos, significando a mesma garantia real.
O penhor de ações não tem validade, nem mesmo entre as par-
tes, sem a averbação. O contrato de penhor tem a única finalidade de
legitimar o pedido de averbação 340 •
Em relação às ações nominativas a caução só se constitui pela
averbação da caução no livro próprio (Lei no 6.404176, art. 39, ca-
put).
Em relação às ações escriturais, pela averbação nos livros de
instituição financeira (Lei no 6.404176, art. 39, § 1°).
A sociedade anônima não pode aceitar suas próprias ações em
penhor, salvo no caso de garantia de gestão de seus diretores (Lei no
6.404176, art. 30, § 3°).

339
Sérgio Carlos Covello, Contratos bancários, 2• ed., São Paulo, Saraiva, 1991, p. 388
e 389.
340
Modesto Carvalhosa, Comentários à Lei de sociedades anônimas, cit., p. 279.
192

25. Alienação Fiduciária em Garantia

25.1. Introdução
A alienação fiduciária em garantia nasce da necessidade da
criação de novas garantias reais para a proteção do direito de crédi-
to.
A hipoteca e o penhor, por exemplo, não mais satisfazem a
uma sociedade industrializada, pois apresentam graves desvantagens
pelo custo e morosidade em executá-Ias, ou pela superposição a elas
de privilégio em favor de certas pessoas, especialmente do Estado.
Por exemplo, o crédito fiscal tem preferência sobre o crédito hipote-
cário, seja qual for a data de sua constituição, por disposição do Có-
digo Tributário Nacional.
Na venda com reserva de domínio, o vendedor mantinha-se na
propriedade do bem até que o preço fosse pago. Na alienação fidu-
ciária em garantia o bem passa ao comprador pela tradição e passa à
propriedade do credor pelo contrato de alienação.
O primeiro caso - venda com reserva de domínio -, pode ser
usado para garantir o vendedor, empresa comercial; o segundo, alie-
nação fiduciária em garantia, para garantir a instituição financeira
que financia a operação.
Todavia, como ensina Moreira Alves, não se trata propriamen-
te de um negócio fiduciário, seja do tipo romano ou germânico,
como segue 341 :
"( ... ) o negócio fiduciário se caracteriza por uma situação
de perigo, limitada pelo jogo de fides. Quando não existe a
possibilidade de abuso e se chega à correspondência exata
dos poderes do fiduciário com o fim do negócio através de
meios jurídicos adequados, e não pelo espontâneo compor-
tamento do fiduciário, se está diante dos casos de 'fidúcia
legal' que não tem nenhum título hábil para a qualificação
fiduciária".
No direito germânico também não há a possibilidade de abu-
so do fiduciário, pois, alcançada a finalidade almejada pelas partes,

141 José Carlos Moreira Alves, Da alienação fiduciária em garantia, 3' ed., Rio de Ja-
neiro, Forense, 1987, p. 30 e 31.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 193

há a resolução do contrato realizado entre o fiduciante e o fiduciá-


no.
Por estas razões é que evitaremos o uso das expressões fidu-
ciante e fiduciário ao tratar da alienação fiduciária em garantia, pre-
ferindo, com o Ministro Moreira Alves, o uso dos termos alienante
e adquirente.
Também não se confunda alienação fiduciária com o trust
receipt do direito americano, pois, nesta operação, a mercadoria pas-
sa direto da propriedade do vendedor para a do financiador, que a en-
trega ao comprador e beneficiário do financiamento, recebendo um
documento (denominado trust receipt), no qual se declara que o com-
prador possui o bem em nome do financiador.
Aproxima-se mais do chattel mortgage, ou hipoteca mobiliá-
ria, do direito norte-americano, em que o devedor transfere ao cre-
dor a propriedade sobre determinadas coisas móveis, conservando-
lhes a posse, sob a condição resolutiva de uma certa soma de dinhei-
ro.

25.2. Qualificação
Trata-se de negócio jurídico bilateral que visa transferir a pro-
priedade de coisa móvel com fins de garantia (esta é a justificativa
para chamar-se a propriedade de fiduciária).
A lei não usa a expressão contrato de alienação fiduciária, ao
contrário do disposto no artigo 761 do Código Civil, que se refere a
contratos de penhor e anticrese. Na alienação fiduciária em garantia,
ao contrário do que sucede com os contratos de penhor e hipoteca,
não se visa à constituição de direitos reais limitados, mas à transfe-
rência do direito de propriedade com o escopo de garantia. Ainda
assim, podemos nos referir a um contrato que visa a produzir efeitos
rems.
Ora, segundo o caput do artigo 66 da Lei no 4. 728/65 a alie-
nação fiduciária em garantia transfere ao credor o domínio resolúvel
e a posse indireta da coisa móvel alienada, independentemente da
tradição efetiva do bem. Para Moreira Alves 342 :
"Antes do registro, o contrato de alienação fiduciária em
garantia é apenas título de constituição da propriedade fi-

342
José Carlos Moreira Alves, Da alienaçãofiduciária em garantia, cit., p. 81.
194 CONTRATOS MERCANTIS

duciária, que ainda não nasceu, porquanto seu nascimento


depende do competente registro desse título. E não se ha-
vendo constituído, ainda, a propriedade fiduciária, inexis-
te, para o credor, garantia real, o que implica a possibilida-
de de que terceiro, com quem posteriormente venha a ce-
lebrar contrato de alienação fiduciária com relação às mes-
mas coisas móveis, se torne o proprietário fiduciário delas
se registrar esse título posterior antes que o faça o primei-
ro credor."

25.3. Disciplina Legal


A alienação fiduciária em garantia foi instituída, em nosso di-
reito, pelo artigo 66 da Lei no 4.728, de 14 de junho de 1965, que
disciplina o mercado de capitais e estabelece medidas para o seu
desenvolvimento.
Hoje, esta legislação deve ser interpretada em conjunto com o
Código de Defesa do Consumidor, quando tivermos presente um
contrato de adesão.
Desde 1997 a alienação fiduciária passou a abranger bens imó-
veis, pela Lei no 9.514/97.

25.4. Distinção entre Contratos Afins


A alienação fiduciária em garantia difere do penhor, pois, nes-
se caso, a propriedade da coisa permanece com o devedor. Difere da
reserva de domínio, pois, por essa cláusula, a propriedade da coisa
não se transfere do vendedor ao comprador a não ser depois de pago
integralmente o preço da coisa vendida.

25.5. Partes
As partes na alienação fiduciária são:
a) o alienante, que é o devedor da dívida resultante do fi-
nanciamento para a aquisição do bem; depois de adquiri-
lo, aliena esse bem ao financiador em garantia da dívida,
continuando, porém, na posse direta da coisa com todas as
responsabilidades do depositário;
b) o credor, ou financiador, ao qual é transferido o domí-
nio resolúvel e a posse indireta da coisa.
FERNANDO NEnD BOITEUX 195

Em princípio, somente as instituições financeiras ou socieda-


des estatais ou paraestatais registradas no Banco Central estão legi-
timadas a realizar tais operações. No entanto, registram-se algumas
exceções: as agências de fomento 343 , o INSS 344 e as sociedades de
crédito ao microempreendedor 345 .

25.6. Coisa
25.6.1. Coisa móvel ou imóvel
No regime da Lei 4.728/65, artigo 66, só podia ser objeto da
alienação fiduciária em garantia coisa móvel. Hoje, no regime da Lei
na 9.514/97, admite-se a alienação fiduciária de coisa imóvel.

25.6.2. Coisa fungível ou consumível


Discutiu-se a possibilidade de ser a coisa fungível ou consu-
mível, com fundamento no artigo 66, § 3°, da citada lei, com a opi-
nião contrária de J. A. Penalva Santos 346 e de Adroaldo Furtado Fa-
brício347. Moreira Alves entendeu que, em boa doutrina, seria impos-
sível, mas admite a possibilidade com fundamento no dispositivo de
lei citado, com precedentes do Supremo Tribunal FederaP48 .
Entende, no entanto, o Superior Tribunal de Justiça ser impos-
sível, em regra, a alienação fiduciária de bens fungíveis e consumí-
veis em razão de serem esses bens "destinados à venda imediata ou,
ainda, a servir de insumo ou matéria-prima nos produtos de sua fa-
bricação ou comércio" 349 .
343
Medida Provisória no 1.938-45, de 10 de dezembro de 1999 (Estabelece mecanismos
objetivando incentivar a redução da presença do setor público estadual na atividade
financeira bancária, dispõe sobre a privatização de instituições financeiras, e dá ou-
tras providências), artigo 1°.
344
O Decreto no 3.048, de 6 de maio de 1999 (Aprova o Regulamento da Previdência
Social e dá outras providências), artigo 260, inciso V, admite que o INSS receba ga-
rantias sob a forma de alienação fiduciária de bens móveis.
345
Por não poderem captar recursos junto ao público não são propriamente instituições
financeiras, mas são a elas equiparadas pela legislação que as criou (Lei no 10.194,
de 14 de fevereiro de 2001, artigo 1°).
346
J. A. Penalva Santos, "Alienação fiduciária em garantia", Forense 253169, jan./fev./
mar./76.
347
Adroaldo Furtado Fabrício, "Alienação fiduciária de coisa fungível". Revista dos
Tribunais, n° 617/16, março de 1987.
348
José Carlos Moreira Alves, Da alienação fiduciária em garantia, cit., p. 124. A edi-
ção é de 1987; em 1988 a competência passou ao Superior Tribunal de Justiça.
349
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 2.431-SP, Registro no 90.0002332-
7, Relator Ministro Athos Carneiro, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasí-
lia, 2(15): 211-479, nov. 1990, p. 366.
796 CONTRATOS MERCANTIS

Todavia, no regime da Lei n° 6.840, de 3 de novembro de 1980


(Dispõe sobre Títulos de Crédito Comercial, e dá outras Providên-
cias) -lei especial, que deve ser interpretada restritivamente-, admi-
te-se que:
"Art. 4°- A não-identificação dos bens objeto da alienação
fiduciária cedular não retira a eficácia da garantia, que in-
cidirá sobre outros de mesmo gênero, quantidade e quali-
dade."

25.6.3. Coisas futuras


Admite-se a garantia sobre coisas futuras - aquelas que ainda
não existem no momento de sua alienação -, embora, nesse caso, a
eficácia do contrato esteja subordinada à sua aquisição por quem as
alienou (Lei no 4.728/65, artigo 66, § 2°).

25.6.4. Coisas do próprio devedor


O Superior Tribunal de Justiça também admite que (Súmula
28): "O contrato de alienação fiduciária em garantia pode ter por
objeto bem que já integrava o patrimônio do devedor".

25.6.5. Títulos de crédito e ações


Os títulos de crédito permanecem objeto de caução, não de
alienação fiduciária, por diversas razões: o legislador não os mencio-
nou expressamente; o Código Civil estabeleceu diversidade de regi-
mes para as coisas corpóreas e incorpóreas, estabelecendo para as
últimas a caução; o Decreto-lei no 911/69 se refere à venda, que não
se aplica aos títulos de crédito; a remissão do Código Civil é ao re-
gime dos direitos reais, não à caução dos títulos de crédito; a regula-
mentação se refere ao financiamento da compra de "bens" (Resolu-
ção no 45, de 30 de dezembro de 1996, do Bacen) 350 .
Quanto às ações, títulos de participação, já entendia Pontes de
Miranda que nada impedia a sua transferência fiduciária 351 • A Lei no
6.404176 veio a permitir expressamente essa possibilidade (artigos
40; 100, inciso I, alínea "f'; e 113, parágrafo único).
350 Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia fiduciária: direito e ações, 3' ed. rev., atual. e
ampl., São Paulo, Revista dos Tribunais, 2000, p. 358.
351 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3' ed., São Paulo, Revista dos Tribu-
nais, 1984, v. 23, § 2.826, item 6, p. 287.
FERNANDO NEnO 80ITEUX 197

Admitiu a mesma lei, ainda, a alienação fiduciária de outros


valores mobiliários: partes beneficiárias (artigo 50, caput), debêntu-
res (artigos 58 e 63, caput) e bônus de subscrição (artigo 78, pará-
grafo único).
A discussão sobre a fungibilidade dos valores mobiliários em
relação à alienação fiduciária é ociosa, pois a fungibilidade de que
se trata é simplesmente econômica, e não jurídica.

25.6.6. Navios e aeronaves


A alienação fiduciária de navios foi bastante questionada em
doutrina, tendo em vista que, apesar de serem bens móveis por natu-
reza, os navios sempre foram considerados imóveis para efeito de sua
transferência, bem como para efeito da constituição de direitos reais
sobre eles. Por exemplo, o navio sujeita-se, tradicionalmente, à hi-
poteca, e não ao penhor.
Posteriormente, o Supremo Tribunal Federal pacificou a ques-
tão, entendendo cabível a alienação fiduciária de navios.
Hoje, admitida a garantia fiduciária tanto sobre bens móveis
quanto imóveis, não resta qualquer dúvida sobre a validade da alie-
nação de embarcações, ressalvada a necessidade de ser averbado o
contrato em sua matrícula.
A Lei no 7.565, de 19 de dezembro de 1986 (Código Brasilei-
ro de Aeronáutica) admite, expressamente, a alienação fiduciária de
aeronaves (artigos 148 a 152) que somente se constitui e tem eficá-
cia de direito real, tanto entre as partes contratantes como em rela-
ção a terceiros, após o registro no Registro Aeronáutico Brasileiro
(Código Brasileiro de Aeronáutica, artigos 115, IV e § 2°, e 116, V e
§ 10)352.

25.6.7. Veículos automotores


A alienação fiduciária de veículos automotores deve constar,
para fins de prova, do Certificado de Registro (Lei n° 4.728/65, art.
66, § 10), entendendo o Superior Tribunal de Justiça (Súmula 92),
que: "A terceiro de boa-fé não é oponível a alienação fiduciária não
anotada no Certificado de Registro do veículo automotor".

352
Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia .fiduciária: direito e ações, cit., p. 385.
198 CoNTRATOS MERCANTIS

25.7. O Instrumento do Contrato


O instrumento do contrato não requer forma especial, mas só
se prova por escrito, através de instrumento arquivado no Registro de
Títulos e Documentos (Lei no 4.728/65, artigo 66, § 1°). O contrato
pode ser firmado no mesmo instrumento em que se estabelece a re-
lação de crédito que a propriedade fiduciária visa a garantir, ou em
instrumento separado.
Efeitos do contrato, após celebrada a alienação fiduciária:
a) o devedor transfere o domínio do bem financiado, no
qual se tinha integrado em virtude da compra, ao credor,
como garantia real da dívida contraída;
b) o credor adquire o direito à constituição da proprieda-
de fiduciária, mediante o registro do contrato; paga a dívi-
da, resolve-se a propriedade.

25.8. Inadimplemento e Mora


Há inadimplemento propriamente dito quando, não paga a
prestação no vencimento, a prestação se torna definitivamente im-
possível de ser cumprida, por fato que lhe seja imputável, ou lhe não
possa ser imputado.
Há mora quando 353 .
A Súmula no 72 do Superior Tribunal de Justiça determina: "A
comprovação da mora é imprescindível à busca e apreensão do bem
alienado fiduciariamente".
Na forma do artigo 2°, § 2°, do Decreto no 911169 "a mora de-
correrá do simples vencimento do prazo para pagamento" (mora ex
re, portanto), com a notificação servindo, apenas, à sua comprova-
ção35\ na qual se exige apenas a referência ao contrato inadimplido,
mas não o demonstrativo da dívida355 .

353 Orlando Gomes, Alienação fiduciária em garantia, 4' ed., Rio de Janeiro, Forense,
1975, p. 98.
354 Revista do Superior Tribunal de Justiça n" 57/402, referida por Theotonio Negrão,
Código de Processo Civil e legislação processual civil em vigor, cit., nota 1d ao arti-
go 2" do Decreto-lei n" 911169.
155 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial n" 164.830-RS, Rei. Ministro Sálvio
de Figueiredo, j. em 18 de agosto de 1998, deram provimento, maioria, Diário da
Justiça da União de 5 de outubro de 1998, p. 100, referido por Theotonio Negrão,
Código de Processo Civil e legislação processual em vig01; cit., nota 1d ao artigo 2"
do Decreto-lei n" 911169.
FERNANDO NEnO BOITEUX 199

Em se tratando de pessoa jurídica, "é suficiente para compro-


var a notificação da devedora o recibo de entrega da carta registrada
no endereço da empresa"356 , pois os empregados do comerciante con-
sideram-se seus prepostos (Código Comercial, artigo 75).
Se o devedor é pessoa física não comerciante a jurisprudência
do Superior Tribunal de Justiça diverge sobre a efetividade da entre-
ga da carta a quem não seja devedor, ainda que no seu domicílio 357 •
Entendemos corretas as decisões que exigem a ciência efetiva
do devedor não comerciante, especialmente em razão da modifica-
ção imposta ao regime da mora pelo Código de Defesa do Consumi-
dor.
O referido Código (artigo 54, § 2°) modificou a estrutura dos
contratos em que há estipulação de cláusula resolutória por mora,
cuja escolha entre a manutenção, ou não, do contrato, não caiba ao
consumidor35 R. Assim a resolução do contrato, se o devedor for con-
sumidor, não é mais direito do credor, mas do devedor, que pode,
sempre, optar pela purgação da mora. Neste caso, também, a mora
deixa de ser ex re, quando se caracteriza pelo simples decurso do
prazo, e passa a ser ex persona, sendo a prova da ciência do devedor
imprescindível ao exercício do direito pelo credor.
Todavia, ao contrário do que pensam alguns autores 359 , as dis-
posições do Decreto no 911169 não estão revogadas pelo Código de
Defesa do Consumidor, pois continuam a ser aplicadas aos devedo-
res comerciantes, sendo simplesmente ineficazes na relação que en-
volva consumidores.
Se tiverem sido emitidas notas promissórias, cabe, em qual-
quer hipótese (devedor comerciante, ou não), o protesto do título,
através do Cartório de Protesto de Títulos, via que se assegura ao
devedor a faculdade de purgação da mora (Lei no 9.492/97, artigos
356 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 154.784-DF, Rei. Ministro Ruy
Rosado, j. em 5 de fevereiro de 1998, não conheceram, maioria, Diário da Justiça
da União de 30 de março de 1998, p. 83, referido por Theotonio Negrão, Código de
Processo Civil e legislação processual em vig01; cit., nota 3 ao artigo 2° do Decreto-
lei n° 911169.
357 Superior Tribunal de Justiça, em diversos acórdãos referidos por Theotonio Negrão,
Código de Processo Civil e legislação processual civil em vig01; cit., nota 3h ao arti-
go 3o do Decreto-lei no 911/69.
358 Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia fiduciária: direito e ações, cit., p. 670.
359
Como, por exemplo, Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia fiduciária: direito e ações,
cit., p. 670.
200 CONTRATOS MERCANTIS

12 a 15) 360 • O mesmo ocorre no caso de documento ou dívida pro-


testável, como é o caso de contrato ou cédula de crédito bancário (Lei
no 9.492/97, artigo 1°).

25.9. Execução Judicial


Em caso de inadimplemento por parte do devedor da obriga-
ção principal (cuja caracterização foi examinada no item anterior),
pode o credor:
a) vender a coisa a terceiro e aplicar o preço da venda no
pagamento de seu crédito e das despesas, entregando ao
devedor o saldo que houver;
b) requerer contra o devedor ou terceiro que detenha a coi-
sa alienada sua busca e apreensão, que será concedida li-
minarmente pelo juiz se provada a mora do devedor;
c) não sendo encontrado o bem, o credor pode propor ação
de execução;
d) tendo o devedor as mesmas responsabilidades do depo-
sitário, poderá ser decretada a sua prisão civil, nos termos
do artigo 1.287 do Código Civil. A controvérsia jurispru-
dencial sobre a admissibilidade da prisão do devedor será
analisada a seguir.

25.10. Prisão do Devedor (Depositário Infiel)


A polêmica sobre o cabimento da prisão civil do devedor em
contrato de alienação fiduciária, como depositário infiel, iniciou-se
na década de 70. Já nessa época se questionava se existiria depósito
na alienação fiduciária, tal como previsto no artigo 1.287 do Código
Civil.
Com a Constituição Federal de 1988 passou-se a questionar se
o artigo 4° do Decreto-lei no 911/69 foi recepcionado pela Constitui-
ção em vigor.
Por outro lado, o Brasil aderiu ao Pacto Internacional sobre
Direitos Civis e Políticos 361 , que no seu artigo 11 dispõe que "nin-
guém poderá ser preso apenas por não cumprir obrigação contra-
tual".
360 Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia fiduciária: direito e aç6es, cit., p. 673.
361 Este Pacto foi aprovado pelo Decreto legislativo no 226, de 12 de novembro de 1991,
e promulgado pelo Decreto no 592, de 6 de julho de 1992.
FERNANDO NEnO BOITEUX 201

Finalmente, o Brasil aderiu, também em 1992, à Convenção


Americana de Direitos Humanos, assinada na Conferência Interame-
ricana sobre Direitos Humanos, de São José da Costa Rica, de 22 de
novembro de 1969, habitualmente referida como Pacto de São José.
Dispõe este, no seu artigo 7°, item 7, que 362 :
"Ninguém deve ser detido por dívidas. Este princípio não
limita os mandados de autoridade judiciária competente
expedidos em virtude de inadimplemento de obrigação ali-
mentar."
Em torno dessas questões estão divididos os nossos tribunais,
especialmente os superiores. O Supremo Tribunal Federal vem en-
tendendo no sentido do cabimento e da constitucionalidade da pri-
são do depositário infiel, ao passo que o Superior Tribunal de Justi-
ça entende em sentido contrário.
Os argumentos do Supremo Tribunal Federal, a favor da cons-
titucionalidade da prisão, são, em resumo, os seguintes:
a) o artigo 4o do Decreto-lei no 911169, que equipara o de-
vedor por alienação fiduciária ao depositário infiel do de-
pósito tradicional (Código Civil, artigo 1.287), foi recep-
cionado pela Constituição de 1998;
b) a Convenção Americana de Direitos Humanos, de São
José da Costa Rica, não revogou, no ponto em discussão,
o Decreto-lei no 911169.
O precedente é o Habeas Corpus no 72.131, relatado pelo Mi-
nistro Moreira Alves 363 ; o acórdão mais recente é o Recurso Extraor-
dinário no 206.482, Relator Ministro Maurício Corrêa.
A tese, no entanto, não é pacífica. O Superior Tribunal de Jus-
tiça, que inicialmente prestigiava a tese, mudou sua orientação, en-
tendendo ser ilegal a prisão, com fundamento:
a) na violação do inciso LXVII do artigo SO da Constitui-
ção de 1988, que alterou cláusula constitucional ante-
rior (art. 153, § 17);
362
Essa Convenção internacional foi ratificada pelo Congresso Nacional, sem reservas
expressas, pelo Decreto Legislativo 27, de 26 de maio de 1992 e promulgada pelo
Presidente da República por meio do Decreto 678, de 6 de novembro de 1992.
363
Supremo Tribunal Federal, Habeas Corpus no 72.131, j. 23 de novembro de 1995,
Plenário, Relator designado Ministro Moreira Alves, mantido em inúmeros preceden-
tes citados por Luiz Rodrigues Wambier, "Busca e apreensão na alienação fiduciá-
ria", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro, v. 114, p. 117
e segs., citação de p. 124.
202 CONTRATOS MERCANTIS

b) em que a prisão civil do devedor fiduciante não foi re-


cepcionada pela atual Constituição FederaP 64 ;
c) no Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políti-
cos36s;
d) na Convenção Americana de Direitos Humanos, de São
José da Costa Rica, que teria revogado a norma geral do
artigo 1.287 do Código CiviP 66 ;
e) no entendimento de que só cabe prisão do depositário no
depósito tradicional, previsto no Código Civil, dado que a
relação que se estabelece na alienação fiduciária não per-
mite que nela se reconheça um contrato de depósito 367 •
Coerente com este entendimento, ainda que permita a aliena-
ção fiduciária de bem que pertencia ao próprio devedor (Súmula 28),
o Superior Tribunal de Justiça nega a sua prisão no caso de inadim-
plemento36s.
No plano processual a Súmula no 619 do Supremo Tribunal
Federal dispõe: "A prisão do depositário infiel pode ser decretada no
próprio processo em que se constitui o encargo, independentemente
da propositura da ação de depósito".

25.11. O Caráter Acessório da Alienação Fiduciária em


Garantia
O contrato de alienação fiduciária, como ocorre com os con-
tratos que são títulos de aquisição de direitos reais de garantia, é con-
364 Superior Tribunal de Justiça, Recurso em Habeas Corpus no 6.593-MG, Registro no
97.0048415-7, Quinta Turma, Relator Ministro Félix Fischer, julgamento em 5 de
agosto de 1997, unânime, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a. 9, (99):
312-353, novembro 1997, p. 323.
365
Superior Tribunal de Justiça, Habeas Cmpus n" 3.294-2- SP, Registro n° 95.0009389-8,
Sexta Turma, Relator Ministro Adhemar Maciel, julgamento em 4 de abril de 1995,
unânime, Revista do Superior Tribunal de Justiça, Brasília, a. 7, (75): 73-103, no-
vembro 1995, p. 91.
366
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 173.181-GO, Relator Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, julgamento em 13 de abril de 1999, unânime, Diário da Justiça
da União de 31 de maio de 1999, referido por Paulo Restiffe Neto et alii, Garantia
fiduciária: direito e ações, cit., p. 920.
367 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 191.407-MG, Relator Ministro Ruy
Rosado de Aguiar, julgamento em 1o de dezembro de 1998, unânime, Diário da Jus-
tiça da União 54-E de 22.03.99, p. 214, referido por Paulo Restiffe Neto et alii, Ga-
rantia{iduciária: direiw e ações, cit., p. 920.
368 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 14.938-PR, Registro n"
91.0019540-5, Quarta Turma, Relator Ministro Bueno de Souza, julgamento em 2 de
junho de 1992, unânime.
FERNANDO NETIO BOITEUX 203

trato acessório daquele de que decorre o crédito que a propriedade


fiduciária visa a garantir. Portanto, se o contrato principal for nulo,
a alienação fiduciária também o será.

25.12. Questões Tributárias


Sobre as operações de alienação fiduciária não incide o ICMS
(Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, que "Dispõe
sobre o Imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre Opera-
ções Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de
Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comuni-
cação, e dá outras providências", artigo 3°).

25.13. Temas para Estudos Complementares


Analisamos, acima, os argumentos favoráveis e contrários à
prisão do denominado depositário infiel na alienação fiduciária em
garantia, demonstrando as posições absolutamente opostas em que se
colocam os nossos tribunais superiores. Analise a jurisprudência
mais recente, apresentando os argumentos favoráveis e contrários à
posição que adotar, considerando, ainda, a nossa legislação e os tra-
tados internacionais firmados pelo Brasil.
204

26. Mandato Mercantil

Mandato mercantil é o contrato pelo qual uma pessoa se obri-


ga a praticar atos ou a administrar interesses de natureza comercial,
em nome e por conta de outrem, mediante remuneração. É discipli-
nado pelos artigos I 40 a I 64 do Código Comercial e 1.288 a 1.330
do Código Civil.
O mandato pode ser distinguido da representação, ainda que
o termo mandato costume designar o mandato com representação 369 •
Isto porque temos o mandato com representação, que é o mandato
propriamente dito; o mandato sem representação, que é a comissão
mercantil; e a representação sem mandato, que é a gestão de negó-
cios.
As instituições financeiras, especialmente, tinham o hábito de
impor um representante de sua confiança, no corpo de contratos por
adesão, às pessoas que com elas contratavam, desconsiderando que
o mandato implica em uma relação de confiança entre mandante e
mandatário, e que a falta dessa confiança dá causa à revogação do
mandato.
Esse representante, denominado procurador, em caráter irre-
vogável, tinha a única finalidade de assumir obrigações pelo outro
contratante, no interesse exclusivo da própria instituição financeira,
tais como aceitar letras de câmbio representativas de débito e demais
encargos contratuais, e até mesmo poderes para receber citação em
processos judiciais.
Ainda que o referido representante fosse denominado procu-
rador, em caráter irrevogável, essa cláusula desnaturava o mandato,
por inexistir a relação de confiança entre mandante e mandatário. O
Código de Defesa do Consumidor passou a vedar, expressamente,
essa cláusula, determinando a sua nulidade (artigo 5 I, inciso VIII).

369 Sobre o poder de representação Santoro Passarelli, Doctrinas generales deZ derecho
civil, Madrid, Editorial Revista de Derecho Privado, 1964, p. 347 e, em nosso direi-
to, sobre a distinção entre mandato e representação Nelson Nery Jr., In Código bra-
sileiro de defesa do consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, Ada Pel-
legrini Grinover et alii, 6' ed. rev., atual. e ampl., Rio de Janeiro, Forense Universi-
tária, 2000, p. 512 a 516.
FERNANDO NETTO BOITEUX 205

26.1. Requisitos do Mandato Mercantil


São requisitos do mandato mercantil que:
a) os atos a serem praticados ou os interesses a serem ad-
ministrados sejam de natureza comercial;
b) o mandato seja remunerado, pois a sua onerosidade se
presume, ao contrário do mandato civil, cuja presunção é
de gratuidade (Código Civil, artigo 1.290, parágrafo úni-
co).

26.2. Características
O mandato é contrato consensual, bilateral e oneroso. Inicia-
se sua formação mediante um ato unilateral do mandante; mas para
gerar vínculo entre as partes é necessária a aceitação expressa ou tá-
cita do mandatário.
Não requer forma especial, podendo ser escrito ou verbal, ex-
presso ou tácito (Código Civil, artigo 1.290, caput). O instrumento
do mandato, que pode existir, ou não, é a procuração, que pode ser
pública ou particular. Para os atos que exigem instrumento não se
admite mandato verbal (Código Civil, artigo 1.291 ).
O mandato pode ser geral (referindo-se a todos os negócios do
mandante) ou especial (referindo-se a um ou mais negócios determi-
nados), conforme artigo 1.294 do Código Civil.

26.3. Obrigações do Mandante


São obrigações do mandante:
a) responder pelos atos do mandatário feitos em seu nome,
pois é ele (mandante) quem se obriga (artigos 149 e 150 do
Código Comercial e 1.309 e 1.313 do Código Civil);
b) fornecer os meios para a execução do mandato, sem os
quais o mandatário não poderá executá-lo (Código Comer-
cial, artigos 144 e 156; Código Civil, artigo 1.309);
c) pagar a remuneração do mandatário, pois é contrato one-
roso; se ela não for previamente ajustada, deverão ser ob-
servados os usos e costumes mercantis (Código Comer-
cial, artigos 146 e 154; Código Civil, artigo 1.310);
d) pagar os juros pelas importâncias adiantadas (Código
Comercial, artigo 155 e Código Civil, artigo 1.311);
e) ressarcir as perdas sofridas pelo mandatário com a exe-
cução do mandato (Código Civil, artigo 1.312), tendo este
206 CONTRATOS MERCANTIS

direito de retenção sobre o objeto do mandato (Código Ci-


vil, artigo 1.315).

26.4. Obrigações do Mandatário


São obrigações do mandatário:
a) executar o mandato segundo as ordens do mandante, não
podendo deixar de cumprir a obrigação, sob pena de res-
ponsabilidade por perdas e danos (artigos 142, 143, 144 e
162 do Código Comercial);
b) pagar juros pelas importâncias recebidas e não restituí-
das no devido tempo ao mandante (Código Comercial, art.
155; artigo 1.303 do Código Civil);
c) guardar as coisas que detém em nome do mandante, res-
pondendo pela sua conservação conforme disposto nos ar-
tigos 164 e 170 do Código Comercial (o mesmo se dedu-
zindo do disposto no artigo 1.300 do Código Civil);
d) prestar contas das operações (Código Civil, artigo
1.301).
O mandato mercantil, ao contrário do civil (artigo 1.300 do
Código Civil), só admite substabelecimento, com expressa autoriza-
ção do mandante (artigo 146 do Código Comercial), sob pena deres-
ponsabilidade (artigo 162 do Código Comercial).
Sobre mandato sucessivo e solidário aplica-se o disposto no
artigo 147 do Código Comercial. Na falta de indicação o mandato
deve ser considerado sucessivo, ou seja, se o primeiro mandatário
nomeado não puder atuar, o segundo irá atuar no seu lugar, confor-
me a ordem de nomeação. A solidariedade, que neste contexto sig-
nifica que cada um dos mandatários pode atuar independentemente
da ordem de nomeação, não se presume, depende de cláusula expres-
sa.
Apesar da previsão legal, presente tanto no Código Civil quan-
to no Código Comercial, esses dispositivos não refletem a prática dos
negócios. Seria melhor estabelecer a solidariedade.

26.5. Extinção do mandato


26.5.1. Revogação do mandato pelo mandante
Salvo casos especiais, o mandato é revogável a qualquer mo-
mento, expressa ou tacitamente, sem prejuízo de terceiros de boa-fé
FERNANDO NETIO BOITEUX 207

que ignorarem a revogação (artigos 157 e 158 do Código Comercial;


Código Civil, artigos 1.316, inciso I, 1.318 e 1.321).

26.5.2. Renúncia do mandatário


O mandatário só pode renunciar ao mandato com justa causa
que o impossibilite de continuar na sua execução (artigo 143 do Có-
digo Comercial). Se a renúncia ocasionar prejuízo para o mandante
o mandatário fica obrigado a indenizar (artigo 1.320 do Código Ci-
vil).
Todavia, se houver alteração das condições patrimoniais do
mandante, ou no caso de o mandatário não receber os recursos ne-
cessários ao cumprimento do mandato, ele pode renunciar ao man-
dato, por ser este de caráter oneroso.

26.5.3. Morte ou incapacidade do mandante ou do mandatário


A morte ou a incapacidade do mandante revoga o mandato
porque a relação é de caráter pessoal (Código Comercial, artigo 157;
Código Civil, artigo 1.316). No entanto, o mandatário deve concluir
o negócio já começado, se houver prejuízo na demora (Código Ci-
vil, artigo 1.308).

26.5.4. Mudança de estado do mandante ou mandatário


A mudança de estado patrimonial do mandante só revoga o
mandato quando o torna incapaz de conferir poderes. A mudança de
estado patrimonial do mandatário revoga o mandato quando o torna
impedido de exercê-los.
Por exemplo, a falência do mandatário revoga o mandato, pois
ele se torna, em razão da sentença que decreta a falência, incapaz de
administrar seus bens. A falência do mandante, no entanto, não o
revoga, se os negócios interessam à massa falida, por disposição ex-
pressa do artigo 49 e parágrafo único da Lei de Falências, que revo-
gou o artigo 157, no 3, do Código ComerciaP 70 •
Aplica-se à hipótese o disposto no artigo 1.308 do Código Ci-
vil.

370
Pela aplicação do artigo 1.316 do Código Civil conjugado com a Lei de Falências,
chega-se à mesma conclusão.
208 CoNTRATOS MERCANTIS

26.5.5. Terminação do prazo ou conclusão do negócio


A terminação do prazo ou a conclusão do negócio são a causa
normal de extinção do mandato (Código Civil, art. 1.316, inciso IV).

26.6. Mandato Irrevogável


A regra geral é a revogabilidade do mandato (Código Civil,
artigo 1.316, inciso I), razão pela qual, "se o constituinte o revogar,
não obstante a proibição convencionada, estará sujeito a pagar ao
procurador a remuneração total, ou indenizá-lo dos prejuízos resul-
tantes da revogação inoportuna ou injusta, como qualquer outro con-
tratante inadimplente" 371 . No entanto, em alguns casos, o mandato
será efetivamente irrevogável, como nos casos de procuração em
causa própria e de ser o mandato acessório de outro contrato (Códi-
go Civil, artigo 1.317).

26.6.1. Procuração em causa própria


A procuração em causa própria, na realidade, não se confun-
de com o mandato, sendo que Pontes de Miranda entende que deve
ser distinguido o mandato in rem suam e a representação in rem
suam. A procuração em causa própria decorre do poder de represen-
tação, não do mandato 372 ; de procuração, na realidade, ele só tem a
forma, ou a aparência 373 .
Pontes de Miranda assinala que "a procuração em causa pró-
pria é abstrata" e que "o poder de representação, em si mesmo e em
sua extensão, independe da relação de direito (mandato, locação de
serviços, sociedade, contrato de trabalho )374 .
Como o conteúdo da procuração em causa própria é determi-
nado pelo outorgante, ela não se confunde com o contrato consigo
mesmo, segundo entendo 375 •
Não há dúvida sobre a sua irrevogabilidade, inclusive na juris-
prudência do Supremo Tribunal Federal, que considera nula a revo-
371 Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, 10' ed., Rio de Janeiro,
Forense, v. III, 2000, p. 265.
172 Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, 3' ed., São Paulo, Revista dos Tribu-

nais, 1984, v. 43, p. 148.


373 Orlando Gomes, Contratos, 23' ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 355.

m Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 43, p. 143.


375 Cf. José Paulo Cavalcanti, O contrato consigo mesmo, Rio de Janeiro, Freitas Bas-

tos, 1956. O autor, que nega a possibilidade de contrato consigo mesmo, abre algu-
mas exceções (p. 72 e 73).
FERNANDO NETTO BOITEUX 209

gação do mandato em causa própria, e não apenas resolúvel em per-


das e danos 376 .
Nelson Nery Junior reconhece que a irrevogabilidade da pro-
curação em causa própria não é vedada pelo Código de Defesa do
Consumidor, "em face de sua natureza híbrida, pois é misto de man-
dato com negócio jurídico de alienação, onde prevalece este último,
não sendo, portanto, mandato puro 377 •

26.6.2. O mandato outorgado como causa de outro negócio


No caso de o mandato ser outorgado como causa de outro ne-
gócio, diverge a doutrina sobre os efeitos de sua irrevogabilidade.
Caio Mário da Silva Pereira378 entende ser o mandato efetivamente
irrevogável, e Orlando Gomes 379 entende em sentido contrário, sa-
lientando que a revogação implica somente em indenização pelos da-
nos que vierem a ser causados.

26.6.3. O mandato conferido ao sócio como administrador


Ainda que a questão pertença mais ao direito das sociedades
que ao mandato, em razão de sua disposição no Código Civil vamos
apreciar a irrevogabilidade do mandato conferido ao sócio como ad-
ministrador.
Vê-se que o Código Civil, como a legislação comercial mais
antiga, se filiava à teoria de que os administradores são mandatários
da sociedade, hoje superada em nosso direito, que entende os admi-
nistradores como órgãos da sociedade380 • Buscando, segundo enten-
demos, compatibilizar a teoria organicista com o Código Civil, Or-
lando Gomes 381 afirma que as normas sobre a representação, em nos-

376
Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n• 107.981-9-GO, 2• Turma,j. 14
de novembro de 1986, Rei. Min. Francisco Rezek, Diário da Justiça da União de 12
de dezembro de 1986 e na íntegra na Revista dos Tribunais n• 616/236, com a seguin-
te ementa: "Procuração em causa própria. Irrevogabilidade. O art. 1.317 do CC es-
tatui que a procuração em causa própria é irrevogável. Assim, nulo é o ato de revo-
gação de tal mandato".
377
Nelson Nery Jr., In Código brasileiro de defesa do consumidor comentado pelos
autores do anteprojeto, cit., p. 516, nota 212.
378
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, cit., p. 265.
379
Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 356.
380
Lei n° 6.404/76 (Lei de Sociedades por Ações).
381
Orlando Gomes, Questões mais recentes de direito privado: pareceres, São Paulo,
Saraiva, 1988, p. 250.
210 CONTRATOS MERCANTIS

so direito, estão sistematizadas "na disciplina do contrato de manda-


to", sustentando que "a designação dos diretores no próprio contra-
to torna irrevogável o seu mandato, em princípio, só se admitindo a
revogação se houver alteração deliberada por unanimidade".

26.7. Temas para Estudos Complementares


Para melhor compreender os institutos do mandato e da repre-
sentação distinga o mandato com representação, o mandato sem re-
presentação e a representação sem mandato.
211

27. Gestão de Negócios

27.1. Noção
Entende-se por gestão de negócios o fato de alguém, por livre
iniciativa, cuidar de interesse de outrem, conforme a presumível von-
tade deste 382 • Não decorre, portanto, de imposição legal ou obrigação
contratual, nem de autorização, nem de mandato.

27.2. Disciplina legal


Ainda que prevista no Código Comercial, tem a gestão de ne-
gócios natureza civil, pois é sempre gratuita (Código Civil, artigos
1.331 a 1.345; Código Comercial, artigo 163).

27 .3. Elementos
A gestão de negócios era tida, no direito romano, como um
quase-contrato, classificação hoje superada383 • Sua natureza, hoje, é
controvertida, entendendo-a alguns autores como contrato, como faz
o Código CiviP 84 , e outros como fonte autônoma de obrigações 385 •
O Projeto do Código Civil classifica a gestão de negócios en-
tre as obrigações por atos unilaterais 386 • Igualmente, o Código Civil
Português de 1966 (artigos 464 e seguintes).
São elementos da gestão de negócios:
a) o gestor age sem autorização do interessado (o dono, ou
dominus);
b) o gestor intervém na gestão de negócio alheio;
c) o gestor age sempre no interesse do dono do negócio;
d) a gestão deve ser motivada por necessidade ou utilida-
de.
382 Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 386.
383
O quase-contrato nasceria de um fato pessoal de quem se acha obrigado, e nesta clas-
sificação se incluía a gestão de negócios e o pagamento indevido. Esta classificação
foi abandonada pela doutrina moderna.
384
Por exemplo, Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 385.
385
Fran Martins, Contratos e obrigações comerciais, 11 • ed. rev., Rio de Janeiro, Fo-
rense, 1990, p. 339, entende que a melhor doutrina, hoje, a considera como fonte
autônoma de obrigações, "visto não haver na gestão, originariamente, um acordo de
vontades, característico dos contratos em geral".
386
Projeto de Lei da Cãmara- PLC no 118, de 1994, artigos 860 e segs.
212 CONTRATOS MERCANTIS

27.4. Temas para Estudos Complementares


Imagine a seguinte situação: o gerente de uma sociedade co-
mercial foi afastado do cargo por ordem judicial; o liquidante no-
meado pelo juiz não tomou posse. Para evitar que os bens da socie-
dade se deteriorassem o gerente afastado encarregou-se dos negó-
cios pendentes, renovando, inclusive, o seguro dos equipamentos da
sociedade, que estava vencido, usando para isso o dinheiro arrecada-
do.
Pergunta-se: trata-se, na hipótese, de gestão de negócios? Ela
deve ser considerada civil ou comercial?
213

28. A Representação Comercial Autônoma

28.1. Noção
A representação comercial autônoma também é conhecida
como contrato de agência, nome pelo qual o contrato de representa-
ção comercial está regulado no Projeto de Código Civil387 •
É essencialmente um contrato de intermediação, mas não de
mediação, dado que o mediador é desinteressado, e não participa do
contrato que vier a ser celebrado, ao passo que o intermediário é par-
cial, é interessado 388 • São intermediários, em direito, os que se in-
cumbem de pôr duas ou mais partes em contato para a conclusão de
negócios, sem serem dependentes ou empregados de nenhuma de-
las389. Vale dizer que o intermediário pode ser representante volun-
tário, mas não preposto ou representante necessário (diretor, por
exemplo) de uma das partes.
Além do representante comercial autônomo, é intermediário
também o corretor.

28.2. Distinção entre Contratos Afins


28.2.1. Entre representante comercial autônomo e empregado
O próprio nome "representação comercial autônoma" exclui
a relação de emprego. A Lei no 4.886/65, artigo 1°, reafirma essa ca-
racterística. No entanto, são relativamente freqüentes as tentativas
dos representantes comerciais de se intitularem empregados, para
obterem a indenização prevista na legislação trabalhista.
A inexistência de subordinação entre o representante comer-
cial autônomo e a empresa que ele representa torna a posição de re-
presentante comercial autônomo incompatível com a de empregado,
razão pela qual o vínculo de emprego deve ser afastado, ainda que

387
Projeto de Lei da Câmara- PLC no 118, de 1994, artigos 110 e segs.
388
No dizer de Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, São Paulo, Revista dos
Tribunais, 1984, v. 43, p. 233 e segs., especialmente p. 243.
Nesse sentido é que, no direito português, em comentário ao Decreto-lei no 178/86,
António Pinto Monteiro, Contrato de agência, Coimbra, Almedina, 1987, p. 20, nega
ao agente a qualidade de mediador.
389
René Roblot, Traité élémentaire de droit commercial, de Georges Ripert, 10' ed.,
Paris, LGDJ, 1986, t. 2, p. 563, inclui o agente entre os intermediários comerciais.
214 CONTRATOS MERCANTIS

as dificuldades de prova dessa autonomia, nos casos em que há ex-


clusividade na representação, sejam de grande monta.
O Tribunal Superior do Trabalho teve oportunidade de fixar as
semelhanças e determinar a distinção entre ambos os contratos, o de
trabalho e o de representação comercial autônoma, ressaltando que
o contrato de representação comercial contém todos os elementos do
contrato de trabalho, à exceção da subordinação. Transcrevemos a
ementa390 :
"Contrato de Representação Comercial Autônoma - Lei no
4.886/65- Não-Configuração da Subordinação Hierárqui-
ca e Jurídica Própria do Contrato de Trabalho.
A delimitação da área de atendimento do representante co-
mercial e das metas e diretrizes de sua atuação pela em-
presa representada, bem como a sujeição de cadastros de
clientes ao crivo desta, não configuram a existência de su-
bordinação hierárquica e jurídica própria da relação de em-
prego. Decorrem, em verdade, de previsão inserta na Lei no
4.886/65, atinente ao contrato de representação comercial,
consoante o disposto nos seus arts. 27 e 28. Assim sendo,
como o contrato de representação comercial contém todos
os elementos do contrato de trabalho, à exceção da subor-
dinação, tem-se justamente neste aspecto o traço distintivo
dos pactos citados. Inexistente, pois, a subordinação hierár-
quica, a partir das premissas fáticas delineadas pelo Re-
gional, não há que se falar em existência de vínculo de em-
prego entre as Partes.
Recurso de revista conhecido em parte e provido."
O mesmo Tribunal Superior do Trabalho, em outro acórdão,
procurou determinar quais características distinguem o contrato de
trabalho do de representação comercial autônoma, induzindo o jul-
gador a entender que existe a subordinação que caracteriza o contra-
to de trabalho. Transcrevemos parcialmente a ementa391 :

390 Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista no 459009, de 1998, Terceira


Região, Quarta Turma, Relator Ministro Ives Gandra Martins Filho, decisão de 23
de agosto de 2000, publicado no Diário da Justiça de 22 de setembro de 2000, p. 557.
391 Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista no 9978, de 1985, Primeira Tur-
ma, Relator Ministro Marco Aurélio, decisão de 5 de agosto de 1986, acórdão pu-
blicado no Diário da Justiça de 24 de outubro de 1986.
FERNANDO NETTO 80ITEUX 215

3. O trabalhador autônomo, que age como representante


comercial, não se submete às determinações da empresa
mas às disposições do contrato, ainda que receba orienta-
ção sobre o serviço a fazer, como deve fazê-lo, qual o ma-
terial a ser empregado. Por seu turno, o representante co-
mercial fornece, quando solicitadas, informações detalha-
das sobre o andamento dos negócios a seu cargo, para nor-
mal controle de sua atividade, sem que isto implique em
subordinação.

Por outro lado, entendeu o mesmo Tribunal que fica caracte-


rizada a relação de emprego quando a prestação de serviços 392 :
"ocorreu com subordinação, pessoalidade, exclusividade,
além de contar com os outros fatores caracterizadores da
relação de emprego".

28.2.2. Entre representante comercial e corretor


A doutrina tem feito a distinção entre mediador, corretor39 \ e
representante comercial, entendendo que a habitualidade é necessá-
ria à configuração do agente 394 • Assim, para Rubens Requião, "a ca-
racterística básica da corretagem é a sua transitoriedade"; já na re-
presentação comercial o autor ressalta "a permanência de sua rela-
ção com a representada" 395 •

392
Tribunal Superior do Trabalho, Recurso de Revista n" 193404, de 1995, Segunda
Região, Quarta Turma, Relator Ministro Leonaldo Silva, decisão de 27 de novem-
bro de 1996, acórdão n" 7996, publicado no Diário da Justiça de 13 de dezembro de
1996, p. 50581.
393
Pontes de Miranda, Tratado de direito privado, cit., v. 43, p. 233 e segs. Esta doutri-
na foi adotada por Rubens Requião.
394
Orlando Gomes, Contratos, 23• ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, p. 365 e
segs. O mesmo no direito português, com António Pinto Monteiro, Contrato de agên-
cia, cit., p. 20.
395
A citação do autor foi tomada como motivo de decidir no Recurso Especial n"
67.486-7-RS, Registro n" 95.0027743-3, Revista do Superior Tribunal de Justiça n"
101, janeiro de 1998, p. 39 e segs., transcrição de fls. 44, reafirmada, por exemplo,
no Recurso Especial n" 53.192-RS, Revista do Superior Tribunal de Justiça, n"
84/90.
216 CONTRATOS MERCANTIS

28.2.3. Entre representante comercial e distribuidor


Ambos os contratos são semelhantes, a ponto de o legislador
no Projeto do Código Civil ter tratado o contrato de agência (repre-
sentação comercial) como gênero, do qual a distribuição é espécie396 .
Assim, no Projeto de Código Civil, a distribuição caracteriza-se
quando o agente tiver à sua disposição a coisa a ser negociada397 •
Na realidade, o contrato de distribuição impõe, como um de
seus requisitos, que uma das partes contratantes seja o fabricante do
produto, o que não ocorre na representação comercial ou agência,
que pode ser pactuada entre dois comerciantes.
Por outro lado, o contrato de distribuição pressupõe a compra
e venda continuada para revenda, sendo que o agente compra o pro-
duto para revendê-lo em uma determinada zona. Enquanto o distri-
buidor realiza vendas a terceiros por conta própria, o agente as reali-
za por conta e ordem do agenciado. Em suma: o distribuidor reven-
de produtos de sua propriedade, e o agente intermedeia a venda de
produtos de terceiros 398 .
O distribuidor não goza da proteção que a lei garante ao repre-
sentante comercial autônomo.

28.3. Função do Contrato


Função do representante comercial autônomo é colaborar na
comercialização dos produtos ou mercadorias da empresa represen-
tada ou no agenciamento de propostas de compra ou prestação de
seus serviços, oriundas de terceiros interessados. Ele não é, portan-
to, integrante da empresa, como o preposto ou o diretor, mas cola-
borador autônomo.
Nessa qualidade, o representante comercial autônomo pode
ser mandatário de seus representados, notadamente para a conclusão
dos negócios; mas não necessariamente.
A Lei n° 4.886/65, artigo 1o (Regula as Atividades dos Repre-
sentantes Comerciais Autônomos), define a representação comercial
autônoma da seguinte forma:
"Art. 1o - Exerce a representação comercial autônoma a
pessoa jurídica ou a pessoa física, sem relação de empre-
396 Claudineu de Melo. Contrato de distribuição, São Paulo, Saraiva, 1987, p. 44.
397 Projeto de Lei da Câmara - PLC no 118, de 1994, artigo 71 O, capttt.
398 Claudineu de Melo, Contrato de distribuição, cit., p. 46.
FERNANDO NEnO BOITEUX 217

go, que desempenha, em caráter não eventual por conta de


uma ou mais pessoas, a mediação para a realização de ne-
gócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos, para
transmiti-los aos representados, praticando ou não atos re-
lacionados com a execução dos negócios.
Parágrafo único. Quando a representação comercial incluir
poderes atinentes ao mandato mercantil, serão aplicáveis,
quanto ao exercício deste, os preceitos próprios da legisla-
ção comercial".

28.4. Exercício Regular da Representação Comercial


Autônoma
A Lei no 4.886 criou o Conselho Federal e os Conselhos Re-
gionais de Representantes Comerciais, sendo o registro dos represen-
tantes obrigatório. Assim o exercício regular da representação co-
mercial exige a inscrição no Conselho Regional dos Representantes
Comerciais do Estado em que está domiciliado. A falta de registro
impede o representante de invocar em seu favor os preceitos da Lei
n° 4.886/65 (artigo 5°).

28.5. Forma de Contratação


A legislação jamais determinou com clareza se o contrato de
representação comercial deveria ser escrito, ou não, ou seja, se era
um contrato solene, ou não.
A redação do caput do artigo 40 da Lei no 4.886/65, como lem-
bra Rubens Requião 399 , previa um prazo dentro do qual os contratos
existentes na data de sua promulgação deveriam ser reduzidos a es-
crito; todavia, já no parágrafo previa a possibilidade de as partes não
usarem dessa "faculdade", especificando inclusive a indenização
devida ao representante na falta de contrato escrito. O artigo 27 da
mesma lei, por sua vez, determinava os elementos que deveriam
constar "obrigatoriamente" do contrato, mas apenas "quando cele-
brado por escrito".
A Lei n° 8.420/92, que alterou a redação de alguns dispositi-
vos da lei anterior, inclusive do artigo 27, suprimiu a ressalva, de-
terminando os requisitos que devem estar obrigatoriamente presen-
399
Rubens Requião, Do representante comercial, 8' ed., Rio de Janeiro, Forense, 2000,
p. 163 e segs.
218 CoNTRATOS MERCANTIS

tes no contrato. Entre esses requisitos encontra-se a indicação dos


produtos ou artigos objeto da representação e a exclusividade.
Nosso direito não exige, em regra, forma escrita para os con-
tratos em geral (Código Civil, artigo 82), nem para os contratos co-
merciais, e esse é o principal argumento adotado por Rubens Requião
para sustentar a possibilidade de contratação verbal, ainda no regi-
me da lei atual. Na posição oposta coloca-se Waldirio Bulgarelli, que
afirma400 :
"penso, pois, que a leitura da Lei deve ser a de que a ativi-
dade de representação comercial autônoma, para ser reco-
nhecida pelas duas leis específicas que a regulam, deve ser
contratada por escrito, seguindo os ditames determinados
por elas".
Visando a uma interpretação sistemática de nosso direito, co-
locamo-nos em posição intermediária. Efetivamente, não se pode
deduzir dos termos da legislação em vigor, nem do sistema de nosso
direito comercial, que a forma escrita seja requisito de validade do
contrato. Todavia, se pactuada a exclusividade em favor de qualquer
das partes, o direito de uma irá representar uma restrição ao direito
da outra parte, e essa restrição deve ser expressa, segundo entende-
mos, por escrito, até mesmo porque influi na segurança de terceiros
com que qualquer uma das partes venha a contratar.
Dentro desse sistema, entendemos que o contrato de represen-
tação comercial será válido, ainda que contratado verbalmente. Isto
porque a nulidade decorre da contrariedade a dispositivo de lei, que
não existe no caso. Todavia, as cláusulas restritivas de direitos de
quaisquer das partes só serão válidas se contratadas por escrito, por-
que o regime das nulidades visa a proteção de terceiros, que pode-
riam ser prejudicados. É o que irá ocorrer com a exclusividade de
zona (a favor do representante) e com o exercício exclusivo da repre-
sentação (a favor do representante), ambas previstas no artigo 27 da
Lei no 4.886/65, com a redação dada pela Lei n° 8.420/92.
No sentido de que a exclusividade no contrato verbal não se
presume decidiu o Tribunal de Justiça do Distrito Federal401 •
400
Waldirio Bulgarelli, "Aspectos jurídicos do sistema de distribuição de produtos no
mercado. Lei 4.886, de 9.12.65 alterada pela Lei 8.420, de 8.5.92", Questões atuais
de direito empresarial, São Paulo, Malheiros, 1995, p. 57.
401 Tribunal de Justiça do Distrito Federal, Apelação Cível no 522049-DF, Terceira Tur-
ma Cível, Relator Wellington Medeiros, julgamento unânime em 14 de outubro de
1999, Diário da Justiça do Distrito Federal de 24 de novembro de 1999, p. 27.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 279

Atendidas a estas considerações, transcrevemos os elementos


que devem constar do contrato de representação comercial (artigo 27
da Lei no 4.886/65):
"Art. 27 - Do contrato de representação comercial, além
dos elementos comuns e outros a juízo dos interessados,
constarão, obrigatoriamente:
a) condições e requisitos gerais da representação;
b) indicação genérica ou específica dos produtos ou artigos
objeto da representação;
c) prazo certo ou indeterminado da representação;
d) indicação da zona ou zonas em que será exercida a re-
presentação;
e) garantia ou não, parcial ou total, ou por certo prazo, da
exclusividade de zona ou setor de zona;
f) retribuição e época do pagamento, pelo exercício da re-
presentação, dependente da efetiva realização dos negó-
cios, e recebimento, ou não, pelo representado, dos valores
respectivos;
g) os casos em que se justifique a restrição de zona conce-
dida com exclusividade;
h) obrigações e responsabilidades das partes contratantes;
i) exercício exclusivo ou não da representação a favor do
representado;
j) indenização devida ao representante pela rescisão do
contrato fora dos casos previstos no art. 35, cujo montante
não será inferior a 1112 (um doze avos) do total da retribui-
ção auferida durante o tempo em que exerceu a represen-
tação.
§ 1o Na hipótese de contrato a prazo certo, a indenização
corresponderá à importância equivalente à média mensal
da retribuição auferida até a data da rescisão, multiplicada
pela metade dos meses resultantes do prazo contratual.
§ 2° O contrato com prazo determinado, uma vez prorro-
gado o prazo inicial, tácita ou expressamente, torna-se a
prazo indeterminado.
§ 3° Considera-se por prazo indeterminado todo contrato
que suceder, dentro de seis meses, a outro contrato, com ou
sem determinação de prazo."
220 CONTRATOS MERCANTIS

28.6. Obrigações Específicas do Representante


São obrigações do representado comercial autônomo:
-expandir os negócios do representante e promover os seus
produtos (artigo 28);
- prestar informações pormenorizadas sobre o andamento
dos negócios a seu cargo (artigo 28);
- não conceder abatimentos, descontos ou dilações, se não
autorizado expressamente pelo representado (artigo 29);
-tomar conhecimento das reclamações atinentes aos negó-
cios, transmitindo-as ao representado e sugerindo as pro-
vidências acauteladoras do interesse deste (artigo 30).
Essas obrigações são consideradas de meios ou de simples
diligência, não obrigações de resultado e decorrem da própria rela-
ção de intermediação.
Quanto à obrigação de não conceder abatimentos, descontos
ou dilações, é de se notar que a possibilidade de conceder essas van-
tagens a terceiro só irá ocorrer quando o representante for mandatá-
rio do representado; caso contrário a sua atividade consistirá, sim-
plesmente, no agenciamento das propostas que serão devidamente
examinadas pelo representado, que poderá aceitá-las, ou não. Se o
representante for também mandatário estará sujeito às regras do
mandato, devendo agir no interesse do mandante, ficando impedido,
portanto, de conceder vantagens sem autorização. Portanto, ainda
que não estivesse especificada na lei, essa obrigação continuaria a
existir, sendo o dispositivo supérfluo.
A redação primitiva da Lei no 4.886/65 previa a possibilidade
de inserção nos contratos de representação comercial da cláusula del
credere, que se caracteriza quando o representante assume a respon-
sabilidade de responder, solidariamente, pela solvência das pessoas
com quem vier a contratar em nome do representado; a atual veda
expressamente essa possibilidade (artigo 43).

28.7. Obrigação Específica do Representado


O representado deve pagar as comissões a que fez jus o repre-
sentante, por negócios realizados por ele, ou em sua zona de exclu-
sividade (Lei no 4.886/65, artigos 31, 32 e 33).
FERNANDO NETIO BüiTEUX 221

28.8. Resilição do Contrato por Prazo Indeterminado


Em se tratando de contrato por prazo determinado, o fim do
prazo é o modo normal de extinção das obrigações e não exige co-
mentários. A lei prevê, no entanto, a possibilidade de denúncia do
contrato (declaração de rescisão) que esteja vigendo por prazo inde-
terminado, sem causa justificada, por qualquer das partes (artigo 34).
A redação do artigo 34 induz a pensar que o legislador está
dando tratamento equivalente a ambas as partes no caso da rescisão
do contrato que esteja vigendo por prazo indeterminado, o que não é
verdade, como passamos a examinar.

28.8.1. Aviso prévio


Se o contrato estiver vigendo por prazo indeterminado e tiver
vigorado por mais de seis meses, a lei exige da parte que pretender
denunciá-lo a concessão de aviso prévio à outra com antecedência
mínima de trinta dias, sem prejuízo de outras garantias previstas no
próprio contrato ou, caso não o faça, o pagamento do valor equiva-
lente a um terço das comissões auferidas pelo representante, nos três
últimos meses (Lei no 4.886/65, artigo 34). É de se entender, portan-
to, que essa indenização deve ser paga também pelo representante
que pretende a resilição do contrato sem justa causa, revelando-se,
neste ponto, um equilíbrio entre os direitos e obrigações de ambas as
partes.

28.8.2. Indenização
Em outro dispositivo (artigo 27, alínea "j"), a lei prevê opa-
gamento de indenização, no valor equivalente a um doze avos do to-
tal da remuneração auferida durante o tempo em que exerceu a re-
presentação, exclusivamente ao representante, sempre que a rescisão
do contrato se der sem qualquer dos motivos para justa causa previs-
tos no artigo 35. Portanto, em relação à indenização devida pelares-
cisão do contrato a lei estabelece uma maior proteção para o repre-
sentante que para o representado.
Entende Rubens Requião que esta indenização "possui um
sentido remuneratório salarial" e a indenização "tem a natureza com-
pensatória de perdas e danos pela violação contratual" 402 • A afirma-

402
Rubens Requião, Do representante comercial, cit., p. 216.
222 CONTRATOS MERCANTIS

ção não nos parece lógica, pois, além de não se caracterizar a viola-
ção contratual pelo exercício de um direito previsto em lei, a inexis-
tência de subordinação do representante ao representado exclui qual-
quer natureza trabalhista do contrato, e, portanto, salarial. Portanto,
a indenização é devida, mas por expressa previsão legal, não poden-
do ser confundida com direitos trabalhistas inexistentes.
A cumulatividade da indenização com o direito ao aviso pré-
vio é amplamente reconhecida pelo Superior Tribunal de Justiça, em
diversos acórdãos. Para compatibilizar os diversos dispositivos legais
vem entendendo o Tribunal que o legislador se equivocou na reda-
ção da lei e que esse equívoco deve ser corrigido por via de interpre-
tação403, em precedente mantido por ambas as Turmas 404 .

28.9. Resolução por Inadimplemento (Justa Causa)


Diversamente do título anterior, trata-se aqui do inadimple-
mento por justa causa, tanto pelo representante como pelo represen-
tado.

28.9.1. Por inadimplemento do representante


A rescisão por inadimplemento do representante vem regula-
da nos artigos 35 e 37 da Lei no 4.886/65. No primeiro, a lei prevê as
causas de rescisão; no segundo, prevê a possibilidade de o represen-
tado reter os valores das comissões devidas ao representante com o
fim de ressarcir-se dos danos por este causados. Segundo o disposto
no artigo 35, são motivos para a rescisão do contrato pelo represen-
tado, por justa causa, os seguintes:

403 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 9144-MG, Registro


199100047414, Terceira Turma, Relator Ministro Nilson Naves, julgamento unâni-
me em lO de junho de 1991, com amparo em precedente do Supremo Tribunal Fe-
deral e a seguinte ementa: "Representação Comercial (Lei no 4.886/65). Denúncia
do Contrato, sem Motivo Justo. Indenização. O contrato dessa espécie há de prever,
e sempre, a indenização devida ao representante, no caso de sua rescisão. É de ter-
se por equivocada a referência ao art. 34, contida no art. 27, letraj; a referência é ao
art. 35 (RE-81.128, RTJ-751619). O pré-aviso não exclui a indenização devida ao
representante; no caso de omissão do contrato, aplica-se o parágrafo único do art. 34.
Recurso especial conhecido, por ambas as alíneas, e provido".
401 Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 4474-SP, Registro 199000077656,
Quarta Turma, Relator Ministro Athos Carneiro, julgamento unânime em 4 de junho
de 1991, entendimento mantido, mais recentemente, no Recurso Especial no 37.620-
SP, Registro 199300220454, Quarta Turma, Relator Ministro Fontes de Alencar.
FERNANDO NETTO 80ITEUX 223

"Art. 35. Constituem motivos justos para rescisão do con-


trato de representação comercial, pelo representado:
a) a desídia do representante no cumprimento das obriga-
ções decorrentes do contrato;
b) a prática de atos que importem em descrédito comercial
do representado;
c) a falta de cumprimento de quaisquer obrigações ineren-
tes ao contrato de representação comercial;
d) a condenação definitiva por crime considerado infaman-
te;
e) força maior."
O disposto no artigo 45 estabelece, no entanto, uma ressalva,
prevendo que:
"Art. 45. Não constitui motivo justo para rescisão do con-
trato de representação comercial o impedimento temporá-
rio do representante comercial que estiver em gozo do be-
nefício de auxílio-doença concedido pela Previdência So-
cial."
Não reconhece o moderno direito penal o crime considerado
infamante, razão pela qual Rubens Requião enumera os crimes de
falsidade, estelionato, apropriação indébita, contrabando, roubo, fur-
to, lenocínio ou crimes também punidos com a perda do cargo pú-
blico como a melhor interpretação para esse dispositivo legal, com
o que concordamos, pois são crimes que, sem dúvida, podem provo-
car o descrédito comercial do representado 405 •
Não podemos concordar, no entanto, inteiramente, com a ne-
cessidade de estar a sentença criminal passada em julgado para que
se caracterize a justa causa para rescisão. Se ela existir, será uma
causa objetiva para justificar a rescisão, mas a simples publicidade
em tomo dos fatos que levaram à abertura de um processo penal pode
levar ao descrédito comercial do representado, causa, em si, de res-
cisão do contrato por justa causa. A maior diferença entre ambas re-
sidirá na necessidade de prova do prejuízo, no segundo caso.

28.9.2. Por inadimplemento do representado


No artigo 36 estão presentes os motivos que caracterizam a
justa causa para a rescisão do contrato pelo representante, por
inadimplemento do representado, que são (artigo 36):
405
Rubens Requião, Do representante comercial, cit., p. 222.
224 CoNTRATos MERCANTIS

"Art. 36 - Constituem motivos justos para rescisão do con-


trato de representação comercial, pelo representante:
a) redução de esfera de atividade do representante em de-
sacordo com as cláusulas do contrato;
b) a quebra, direta ou indireta, da exclusividade, se prevista
no contrato;
c) afixação abusiva de preços em relação à zona do repre-
sentante, com o exclusivo escopo de impossibilitar-lhe
ação regular;
d) o não-pagamento de sua retribuição na época devida;
e)força maior."

28.10. Prescrição
O prazo prescricional, no que se refere ao direito do represen-
tante de reclamar a retribuição que lhe é devida, é de 5 anos (artigo
44, parágrafo único). No entanto, entende Waldirio Bulgarelli que a
ação do representado contra o representante, por falta de norma le-
gal específica, obedece à regra geral do artigo 442 do Código Comer-
cial, sendo de 20 (vinte) anos 406 .

28.11. Temas para Estudos Complementares


Tanto a representação comercial autônoma quanto a comissão
mercantil são contratos que podem servir para a distribuição de pro-
dutos no mercado. Nesse contexto, aponte as semelhanças e diferen-
ças entre ambos.

406
Waldirio Bulgarelli, "Aspectos jurídicos do sistema de distribuição de produtos no
mercado. Lei 4.886, de 9.12.65 alterada pela Lei 8.420, de 8.5.92", cit., p. 64.
225

29. Comissão Mercantil

29.1. Noção
A palavra comissão possui vários significados, designando: o
negócio de comissão; a remuneração devida ao comissário; o próprio
contrato de comissão mercantil.
O negócio de comissão mercantil significa a outorga de pode-
res para alguém praticar atos jurídicos, em nome próprio, no interes-
se de outrem. O comissário é parte em sentido formal; o comitente,
parte em sentido substancial. Para que a comissão seja mercantil, é
preciso que tenha por objeto a prática de "negócios mercantis" e que
o comissário seja comerciante (Código Comercial, artigo 165). A
expressão "negócios mercantis" deve-se entender como contratos
mercantis. O comissário é comerciante quando exerce, profissional-
mente, a atividade de agir, em nome próprio, no interesse de outrem.
Ele recebe, por esse trabalho, uma remuneração percentual sobre o
valor dos negócios concluídos: a comissão.
A distinção entre o mandato e a comissão 407 encontra-se no
poder de representação. Na comissão caracteriza-se o mandato sem
represen tação 408 .
Para alguns autores distingue-se, ainda, a comissão da consig-
nação da seguinte forma: se "a mercadoria destinada a ser vendida
em ocasião oportuna é entregue ou remetida ao comissário dá-se à
comissão o nome de consignação e ao comissário o de consignatá-
rio"4o9.

29.2. Classificação
A comissão mercantil é contrato bilateral, pois gera obriga-
ções para ambas as partes; consensual, pois aperfeiçoa-se com o con-
407
A distinção entre comissão e mandato não é pacífica no direito estrangeiro, como
assinala Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, São Paulo, Saraiva, 1963,
vol. 11, item 2.381 e segs., p. 55 e segs.
408
Na gestão de negócios caracteriza-se a representação sem mandato, pois o gestor de
negócios age no interesse presumido do outro.
409
J. X. Carvalho de Mendonça, Tratado de direito comercial brasileiro, Rio de Janei-
ro, Freitas Bastos, 1960, vol. VI, parte 11, 1960, item 893, p. 290 (grifos no original).
No mesmo sentido Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., vol. 11,
item 2.411, p. 114 a 117.
226 CoNTRATOs MERCANTIS

sentimento; e oneroso, em razão da remuneração devida pelo comi-


tente ao comissário (Código Comercial, artigo 189). Essa remunera-
ção também tem o nome de comissão.

29.3. Relações entre Comitente e Comissário


29.3.1. Tipos de comissão
Waldemar Ferreira distingue os seguintes tipos de comissão410 :
a) imperativa: as instruções imperativas são expressas e de-
vem ser cumpridas exatamente como foram dadas (Códi-
go Comercial, artigos 168 e 169);
b) indicativa: as instruções indicativas são as destinadas a
guiar o comissário, dando-lhe roteiro para suas negocia-
ções;
c) facultativa: são instruções facultativas as que se expri-
mem por fórmulas imprecisas, tais como a de vender pelo
melhor preço, ou comprar pelo preço corrente. Encontra-
se o comissário na situação prevista no final do artigo 168,
ou seja, na de falta de instruções. Na impossibilidade de as
receber em tempo oportuno ou ocorrendo sucesso impre-
visto, o comissário agirá como se fosse seu o negócio.

29.3.2. Direitos e obrigações do comitente


Obrigação do comitente de reembolso de despesas incorri-
das pelo comissário (Código Comercial, artigo 185).
As contas dadas pelo comissário ao comitente devem concor-
dar com os seus livros e assentos mercantis; e no caso de não con-
cordarem poderá ter lugar a ação criminal de furto.

29.3.3. Direitos e obrigações do comissário


O comissário tem direito ao recebimento da comissão (Códi-
go Comercial, artigos 186 a 188).
A obrigação do comissário é de guarda e conservação das coi-
sas recebidas do comitente (Código Comercial, artigos 170 a 173),
bem como do emprego de valores (artigos 180 a 182 do mesmo Có-
digo).

410 Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., vol. 11, item 2.391, p. 76 a 78,
conforme doutrina francesa.
FERNANDO NEnO BOITEUX 227

29.3.4. A comissão del credere


Caracteriza-se a comissão denominada del credere quando o
comissário assume a responsabilidade de responder, solidariamente,
pela solvência das pessoas com quem vier a contratar em nome do
comitente. É, portanto, um pacto adjeto a um contrato pelo qual uma
pessoa assume, perante outra, a responsabilidade da solvência de um
terceiro. Assim, o comissário deixa de ser um simples intermediário
e passa a ser gerente da solvabilidade de terceiro (Código Comer-
cial, artigo 179).
Pode o comissário garantir toda a dívida, ou somente uma par-
te; dando maiores garantias recebe melhores comissões.
A comissão del credere interessa apenas nas relações entre
comitente e comissário; o terceiro não participa dessa relação.
A doutrina diverge entre a natureza jurídica do del credere, se
seria caução, de seguro ou de fiança, entendendo Waldemar Ferreira
que a cláusula tem natureza jurídica específica411 .
Para os que entendem ser seguro, o comissário seria o segura-
dor; a comissão, o prêmio; e a solvabilidade, o risco. Para os que
entendem ser fiança, o comissário seria o fiador.
A cláusula del credere bancária, principalmente no comércio
internacional, garante ao vendedor a solvência do comprador; e, no
desconto, garante ao sacador a solvência do sacado 412 •

29.4. Relações com Terceiros


Nas relações com terceiros, só o comissário responde, confor-
me disposto no artigo 166 do Código Comercial; o comitente, no
entanto, pode assumir a posição do comissário se houver cessão con-
tratual. Neste caso, aplica-se o disposto no artigo 167 do mesmo
Código.

29.5. Comissão e Negócios de Bolsa


O negócio de bolsa é comissão mercantil. É a fórmula ideal
para realização de negócios de massa com um só contrato. Pois, ao
corretor de bolsa, em face da multiplicidade de compradores e ven-
411
Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., vol. 11, item 2.405, p. 102 a
106.
412
Waldemar Ferreira, Tratado de direito comercial, cit., vol. 11, item 2.409, p. 111,
para quem esta operação tem a natureza de fiança.
228 CONTRATOS MERCANTIS

dedores negociando simultaneamente (chamado duplo leilão) seria


efetivamente impossível identificar seus comitentes. Ao negociar em
nome próprio, mas por conta e ordem de terceiro, enquadra-se na fi-
gura negociai do mandato sem representação (não se faz presente o
comitente).
É entendimento pacífico que o contrato de corretagem de bol-
sa se rege pelos princípios que disciplinam o comissário del credere,
mediante o qual o corretor responde pelo crédito concedido, respon-
sabilizando-se por qualquer irregularidade.
Na legislação, os efeitos da cláusula del credere já se encon-
travam no artigo 25 da Resolução no 39 e no artigo 47 da Resolução
no 922 do Conselho Monetário Nacional; hoje, encontram-se no ar-
tigo 40 da Resolução 1.656/89.
A doutrina também entende dessa forma 413 • A jurisprudência
não diverge desse entendimento, conforme voto do Ministro Cunha
Peixoto, do Supremo Tribunal Federal, em acórdão que se tornou
leading case 414 . No direito francês a responsabilidade do corretor de
bolsa tem as mesmas características 415 •
Em relação aos contratos de bolsa, em operações a descober-
to, o comitente, além da obrigação de reembolsar as despesas incor-
ridas, pode ter, também, se isto foi pactuado, a obrigação de prestar
garantia.
No primeiro caso, em que a garantia foi exigida antecipada-
mente, e não foi prestada, o tribunal entendeu que o comissário não
estava obrigado a cumprir a ordem. Neste caso foram aplicadas as
regras do mandato, como se vê na ementa abaixo:
Apelação Cível no 379.468- São Paulo 416
"Compra e Venda - Corretagem - Ações negociáveis na
Bolsa de Valores - Negócio não efetivado pela corretora
contratada porque não prestada caução garantidora da tran-
411 Tullio Ascarelli, Ensaios e Pareceres, São Paulo, Saraiva, 1952, p. 242 e 243; Aloy-
sio Lopes Pontes, Instituições financeiras privadas, 2• ed., Rio de Janeiro, Forense,
1982, p. 417 e segs., nota 179, resume a doutrina.
414 Supremo Tribunal Federal, Recurso Extraordinário n" 86.771-6-RJ, Revista de Di-
reito Mercantil, industrial, econômico e financeiro, no 34, p. 85 e segs., citação de p.
91.
415 René Roblot, no Traité Élémentaire de Droit Commercial, de Georges Ripert, 12• ed.,
Paris, LGDJ, 1986, v. 11, item 2.570, p. 528.
416 Nelson Eizirik, JnstituiçiJes financeiras e mercado de capitais: jurisprudência, Rio
de Janeiro, Renovar, 1996, p. 269.
FERNANDO NETIO BOITEUX 229

sação - Impossibilidade de sua condenação em perdas e


danos - Recurso desprovido".
No segundo caso as garantias não foram exigidas antecipada-
mente, entendendo o tribunal incabível o descumprimento da ordem
sob esse fundamento:
Apelação Cível no 116.181-1- São Paulo 417
"Indenização - Responsabilidade civil- Corretagem- Ope-
rações de venda e compra de opções a descoberto no mer-
cado acionário- Antecipação das vendas por parte da ré em
virtude da falta de garantias - Inadmissibilidade - Correto-
ra que deveria ter exigido garantias adicionais do comiten-
te em tempo oportuno ou ter recusado a operação desejada
-Artigo 4o da Instrução no 14 da Comissão de Valores Mo-
biliários- Verba devida- Recurso não provido".

29.6. Temas para Estudos Complementares


1. Pode o comissário concluir negócios consigo mesmo? O
artigo 1.133, inciso II, do Código Civil é aplicável ao caso?
2. O comissário não responde, em princípio, pela insolvabili-
dade do terceiro com quem contratar (Código Comercial, artigo 175).
Responde, no entanto, pelo simples não pagamento, pelo terceiro
solvável, da obrigação contraída?

417
Nelson Eizirik, Instituições financeiras e mercado de capitais: jurisprudência, cit.,
p. 272.
230

30. Faturização (Factoring)

30.1. Função
A necessidade de proteger e reforçar sempre mais o capital de
giro é uma das características da moderna administração. Esse efei-
to se obtém por meio do ativo realizável, mais especificamente dos
créditos contra terceiros. A grande empresa aumenta seus recursos
financeiros organizando-se em conglomerados; a pequena empresa,
que não dispõe desta sofisticação de meios, utilizava-se, tradicional-
mente, do financiamento bancário e do seguro de crédito. A opera-
ção de factoring "se destaca pelo fato de englobar ambas essas téc-
nicas, além de compreender também um serviço de gestão de crédi-
tos"418.
Por exemplo, uma empresa vende seus produtos a outra, para
receber a prazo, sendo o crédito representado por duplicatas, com
vencimento, em geral, para 30 ou 60 dias. Necessitando do dinhei-
ro, o vendedor vende o seu crédito para a empresa de factoring, sem
os custos da cobrança.

30.2. Origens
Alguns autores procuram as origens do factoring na Babilônia,
ou até mesmo na Roma antiga, onde os comerciantes incumbiam a
seus agentes (jactors) a guarda e venda de mercadorias de sua pro-
priedade. Newton De Lucca, de quem tomamos o exemplo, demons-
tra, no entanto, que essesfactors realizavam uma atividade em nome
de outra pessoa, diferentemente do atual jactar (faturizador) 419 •
Com mais razão, todavia, encontra-se na Inglaterra do século
XVI, a figura assemelhada à do Jactar dos dias de hoje, que se en-
carregava da venda para as colônias das mercadorias produzidas na
metrópole, antecipando os valores das mercadorias a serem vendidas
e antecipando os riscos do negócio.

41 8 As observações acima são de Fábio Konder Comparato, Factoring, Ensaios e pare·


ceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 346 e 347.
419
Newton De Lucca, A faturização no direito brasileiro, São Paulo, Revista dos Tri-
bunais, 1986, p. I O e segs.
FERNANDO NEnO BOITEUX 231

Nos Estados Unidos a atividade de factoring encontrou o seu


grande desenvolvimento e sua forma atual com o desenvolvimento
da indústria automobilística, no início do século XX 420 .

30.3. Características
No Brasil, ainda que não regulamentado em toda a sua ampli-
tude, o factoring já se encontra conceituado pela Lei n° 9.249, de 26
de dezembro de I 995 (que altera a Legislação do Imposto de Renda
das Pessoas Jurídicas, bem como da Contribuição Social sobre o
Lucro Líquido, e dá outras providências), artigo 15, § 1°, inciso II,
alínea "d", com as seguintes características:
"Art. 15 - ...
d) prestação cumulativa e contínua de serviços de assesso-
ria creditícia, mercadológica, gestão de crédito, seleção de
riscos, administração de contas a pagar e a receber, com-
pra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis
a prazo ou de prestação de serviços ('factoring').
§ 2° No caso de atividades diversificadas será aplicado o
percentual correspondente a cada atividade.

Jorge Lobo descreve a atividade de factoring como uma ativi-


dade contínua e cumulativa de 421 :
"I. prestação de:
a) serviço de assessoria creditícia;
b) serviço de assessoria mercadológica (busca de novos
clientes, produtos e mercados);
c) serviços de avaliação de riscos;
d) serviços de seleção de créditos;
e) serviços de gestão de crédito;
f) serviços de acompanhamento de contas a receber e a
pagar;
g) serviços de gestão empresarial ou gerencial (orientação
na administração do fluxo de caixa, na compra de maté-

420
Os exemplos são de Newton De Lucca, Afaturização no direito brasileiro. cit., p. 12
e segs.
421
Jorge Lobo, "Contrato de 'factoring", Revista de Direito Mercantil, Industrial, Eco-
nômico e Financeiro, nova série, v. 112, p. 37.
232 CONTRATOS MERCANTIS

rias-primas e insumos, na orçamentação de custos e na or-


ganização contábil, operacional e fiscal); e
h) outros serviços que vierem a ser solicitados pela empre-
sa-cliente, conjugada com:
II. compra pro soluto de créditos (direitos) resultantes das
vendas mercantis realizadas a prazo pela empresa-cliente".
Atendendo a essa classificação, se os títulos negociados com
o facto r (faturizador) são emitidos pela própria cliente, fica descarac-
terizado o factoring, tratando-se, na realidade, de empréstimo, como
decidiu o Tribunal de Justiça de São Paulo 422 •

30.4. Qualificação
Factoring é, essencialmente, a venda do faturamento de uma
empresa. Segundo Fábio Comparato 423 :
"Há, em primeiro lugar, um serviço de gestão de créditos.
Efetuadas as vendas, ou executados os serviços (se se trata
de empresa de prestação de serviços), a empresa de faturi-
zação se encarrega das demais tarefas: faturamento, emis-
são dos títulos de crédito correspondentes, controle de ris-
cos, cobrança normal, recuperação pela via judicial ou ex-
trajudicial.
Há, também, uma garantia contra o risco de inadimplemen-
to dos créditos transferidos, quer se trate de simples impon-
tualidade dos devedores, quer lhes sobrevenha a impon-
tualidade, reconhecida em Juízo pela concordata ou pela
falência. Com efeito, a transferência de créditos se opera de
modo definitivo, sem direito de regresso. Basta que os cré-
ditos sejam certos quanto à sua existência, lícitos quanto à
sua origem e regulares quanto às suas formalidades. Mas
o factm; como o segurador de crédito, não assume obvia-
mente a garantia dos chamados riscos técnicos, isto é, a
ocorrência de eventos que configurem um inadimplemen-
to por parte da empresa cedente dos créditos perante o seu
cliente( ... )".

422 Tribunal de Justiça de São Paulo, Apelação Cível no 27.646-4-SP, 3' Câmara de Di-
reito Privado, Relator Antonio Manssur, votação unânime em 8 de abril de 1997.
421 Fábio Konder Comparato, Factoring, cit., p. 347.
FERNANDO NEnO BOITEUX 233

Caio Mário da Silva Pereira também ressalta o fato de que a


transferência de créditos se dá sem direito de regresso 424 .
Hoje, inclusive à vista do disposto na Lei no 9.249/95, pode-
mos afirmar ser o factoring contrato típico, distinto do mútuo e da
compra e venda a crédito, entre outros contratos 425 .

30.5. Factoring e Atividade Financeira


O factoring, tal como conceituado pela Lei no 9.249/95, não é
atividade financeira, segundo entendemos, por não envolver interme-
diação. Em sentido oposto coloca-se Newton De Lucca, para quem,
na determinação de ser, ou não, o factoring uma atividade financei-
ra, a tônica está no elemento risco 426 :
"( .... )a assunção do risco do inadimplemento por parte da
empresa faturizadora que operasse regularmente nesse
mercado de aquisição de faturamento, independentemente
do nome que se lhe queira atribuir, interfere necessaria-
mente nos fluxos da moeda e do crédito cuja ordenação
compete, por lei, ao Conselho Monetário Nacional".
Em um primeiro momento, nos idos de 1982, o Banco Central
do Brasil entendeu que as operações de factoring apresentavam ca-
racterísticas de atividade privativa de instituições financeiras, exigin-
do o seu registro 427 • Posteriormente, alterou seu entendimento, ex-
cepcionando das atividades privativas de instituições financeiras a
atividade de factoring tal como prevista na Lei no 9.249/95.
Por meio da Resolução no 2.144, de 22 de fevereiro de 1995
(que esclarece sobre operações de factoring e operações privativas de
instituições financeiras), o Banco Central distingue as operações tí-
picas de factoring, tal como caracterizadas pela lei acima referida, e
as atividades financeiras 428 , dispondo que as atividades que não se
424
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, cit., p. 390.
425
Newton De Lucca, A faturização no direito brasileiro, cit., p. 47 e segs., e Arnaldo
Rizzardo, Factoring, cit., p. 39, distinguem o factoring de diversos contratos e mo-
dalidades de contratação.
426
Newton De Lucca, A.faturização no direito brasileiro, cit., p. 28, entendimento rea-
firmado posteriormente em "O contrato de 'factoring"', In: Carlos Alberto Bittar
(coordenador), Novos contratos empresariais, São Paulo, Revista dos Tribunais,
1990, p. 115 e segs.
427
Circular 703, de 16 de junho de 1982, do Banco Central do Brasil, referida por
Newton De Lucca, Afaturização no direito brasileiro, cit., p. 25.
428
A Resolução no 2.144, de 1995, ainda se refere à Lei no 8.981/95, revogada pela Lei
n° 9.249/95, citada.
234 CONTRATOS MERCANTIS

ajustem ao disposto nessa lei, caracterizando operação privativa de


instituição financeira, nos termos do artigo 17 da Lei no 4.595, de 31
de dezembro de 1964, constituem ilícito administrativo (Lei no
4.595, de 31 de dezembro de 1964) e criminal (Lei no 7.492, de 16
de junho de 1986).
O entendimento do Banco Central vem sendo acatado pelos
tribunais 429 , para os quais a atividade de factoring se distancia da ati-
vidade das instituições financeiras justamente porque seus negócios
não se abrigam no direito de regresso nem na garantia representada
pelo aval ou pelo endosso. Neste sentido o Superior Tribunal de Jus-
tiça430 e o Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo 431 .
A atividade de custódia dos chamados cheques pré-datados
(ou, com melhor expressão, pós-datados) é considerada factoring,
ainda que indiretamente, pelo Banco Central, em razão do disposto
na Carta Circular no 2. 727, de 25 de julho de 1996. Esta Carta Cir-
cular, regulamentando a Resolução no 2.303, que dispõe sobre as ta-
rifas bancárias, determina sejam prestadas ao Banco Central "as in-
formações relativas às tarifas máximas cobradas pela prestação dos
serviços" de "custódia de cheque pré-datado (factoring)".

30.6. Factoring e Sigilo Bancário


O entendimento exposto acima precisa ser confrontado com o
disposto na recente Lei Complementar n° 105, de 1O de janeiro de
2001 (que dispõe sobre o sigilo das operações de instituições finan-
ceiras e dá outras providências), oferecendo o seguinte conceito de
instituições financeiras, para fins de sigilo (artigo 1°, § 1°):

429 Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Processo 00444199-9/00, Apelação
Cível, Origem: São Paulo, 5' Câmara, Relator Marcondes Machado, julgamento 28/
08/1991, ~nânime, publicação JTA 130/75- MF 10611123, com a seguinte ementa:
"Correção Monetária - Anistia - 'Factoring' - Atividade que deixou de ser conside-
rada como financeira diante da Circular no 1.359/88 do Bacen - Irrelevância do mú-
tuo ter sido contraído antes da referida Circular- Artigo 47 das Disposições Transi-
tórias da Constituição Federal - Desacolhimento - Recurso desprovido".
430
Superior Tribunal de Justiça, Recurso de Habeas Corpus no 0006394, ano 97, UF:
RS, 6' Turma, RIP: 00021796, Relator Ministro Fernando Gonçalves, decisão 09 de
junho de 1997, unânime, publicação Diário da Justiça da União de 30 de junho de
1997 PG: 31083.
431
Primeiro Tribunal de Alçada Civil de São Paulo, Apelação Cível no 00582892-4/00,
São Paulo, 7' Câmara Especial, Rei. Jacobina Rabello, Julgamento: 31 de janeiro de
1995, unânime, publicação: MF 3032/NP.
FERNANDO NETTO 80ITEUX 235

"Art. 1°. As instituições financeiras conservarão sigilo em


suas operações ativas e passivas e serviços prestados.
§ 1o São consideradas instituições financeiras, para os efei-
tos desta Lei Complementar:
I - os bancos de qualquer espécie;

XIII - outras sociedades que, em razão da natureza de suas


operações, assim venham a ser consideradas pelo Conselho
Monetário Nacional.
§ 2°- As empresas de fomento comercial ou factoring, para
os efeitos desta Lei Complementm; obedecerão às normas
aplicáveis às instituições financeiras previstas no § r."
(grifamos)
O caput do artigo 1o dá a entender que o legislador está am-
pliando o rol de instituições que devem respeitar o sigilo nas relações
com seus clientes, acrescentando no inciso XIII "outras sociedades"
e no § 2° as empresas de factoring.
Se estivesse, efetivamente, ampliando a garantia de sigilo, o
legislador poderia validamente impor limites à garantia que estava
oferecendo.
Ocorre que, na realidade, o conceito legal de instituição finan-
ceira não pode ser ampliado para nele fazer constar instituições que
não praticam intermediação; a aplicação de recursos próprios - como
é o caso das empresas de factoring que operam legalmente - não ca-
racteriza atividade privativa de instituição financeira. Isto porque o
conceito de empresa de factoring, que é de direito privado, não pode
ser alterado pelo legislador, em razão do disposto nos artigos 109 e
11 O do Código Tributário Nacional.
O que se pode entender deste dispositivo legal, portanto, é que
o legislador procurou oferecer uma suposta garantia de sigilo às ope-
rações realizadas entre as empresas de factoring e seus clientes, sem
que houvesse nenhuma necessidade de qualquer das partes, pois es-
sas operações já estavam adequadamente protegidas pelo sigilo co-
mercial. Ao mesmo tempo, retirou essa garantia por meio do disposto
no artigo 6° da mesma Lei Complementar no 105, de 2001, transcri-
to:
"Artigo 6° - As autoridades e os agentes fiscais tributários
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municí-
236 CONTRATOS MERCANTIS

pios somente poderão examinar documentos, livros e regis-


tros de instituições financeiras, inclusive os referentes a
contas de depósitos e aplicações financeiras, quando hou-
ver processo administrativo instaurado ou procedimento
fiscal em curso e tais exames sejam considerados indispen-
sáveis pela autoridade administrativa competente."
Ora, não defendemos o direito ao sigilo de uma forma indis-
criminada, nem entendemos que possa se revelar um direito à inti-
midade na realização de operações comerciais, mas a forma adotada
pelo legislador, neste caso, merece reparos. Se as empresas de fac-
toring não são instituições financeiras, não podem ter violado o si-
gilo de suas operações com os clientes, podendo este procedimento
revelar inconstitucionalidade.

30.7. Remuneração do Factor (Faturizador)


A remuneração do facto r não se confunde com os juros. Os
juros representam a remuneração pelo uso do capital, e o pagamen-
to devido ao facto r refere-se à contraprestação pela garantia presta-
da contra o risco da inadimplência, bem como do pagamento pela
atividade de gestão do crédito 432 .

30.8. Endosso de Títulos e Factoring


Como visto no item 30.5, acima, a atividade de factoring dis-
tancia-se da atividade das instituições financeiras justamente porque
seus negócios não se abrigam no direito de regresso nem na garantia
representada pelo aval ou pelo endosso.
O factoring pode se dar sobre qualquer tipo de crédito de cur-
to prazo, ainda que não representado por títulos de crédito. Se for tí-
tulo de crédito (essencialmente duplicatas), admite a cláusula "sem
garantia" 433 . Em que pese a divergência doutrinária, esta solução já
era apresentada por Newton De Lucca, com os seguintes argumen-
tos434:
"Caberia perguntar, então, para o desfecho da presente
questão, se às duplicatas mercantis deve ser aplicada a se-
412 Arnaldo Rizzardo, Factoring, 2' ed. rev., atual. e ampl., São Paulo, Revista dos Tri-
bunais, 2000, p. 93.
m Fábio Konder Comparato, Factoring, cit., p. 355 e 356.
434
Newton De Lucca, Afaturização no direi/O brasileiro, cit., p. 45.
FERNANDO NEno 80ITEUX 237

gunda alínea do art. 9° da Lei Uniforme- em razão da nor-


ma remissiva do art. 25 da Lei das Duplicatas - ou se, ao
revés, em virtude da mesma regra remissiva, é de ser invo-
cado o art. 15 da mesma Lei Uniforme.
( .... ) a solução do problema proposto não poderá deixar de
levar na devida consideração a função predominantemen-
te circulatória de nossa duplicata mercantil. Se assim é,
com efeito, parece-nos preferível o entendimento segundo
o qual é possível aplicar-se à duplicata a cláusula 'sem ga-
rantia', implicitamente admitida pelo art. 15 da Lei Unifor-
me, ao pensamento de que tal aplicação estaria excluída ex
vi da segunda alínea do art. 9° da mesma Lei Uniforme.
Exatamente por tratar-se de um título de saque-endosso,
onde a figura do sacador confunde-se com a do primeiro
endossante, há de prevalecer, na duplicata, a regra do art.
15 sobre a da segunda alínea do art. 9° da Lei Uniforme,
pois é tal exegese a mais compatível, como já dissemos,
com a função eminentemente circulatória desse nosso títu-
lo cambiariforme "'.
Por esta razão, entendemos ser esta a forma de transferência
de títulos de crédito nas operações de facto ring 435 •
Entendemos que, ainda que o facto r não tenha a garantia do
direito de regresso ele responde pela existência do crédito que lhe é
transferido. É o que ocorrerá na emissão das chamadas "duplicatas
frias", que não correspondem a uma compra e venda efetivamente
realizada, pela cliente, com o posterior endosso delas ao facto r.
Considere-se que a cliente (cedente dos títulos) não pode pra-
ticar atos que impeçam o recebimento do crédito, sob pena de res-
ponder pessoalmente pelo débito 436 .

435
Arnaldo Rizzardo, Factoring, cit., p. 83 e segs.
436
Superior Tribunal de Justiça, Recurso Especial no 0043914-RS, Ano 94, Terceira
Turma, Relator Ministro Eduardo Ribeiro, acórdão RIP: 00003932, decisão de 28 de
novembro de 1995, unânime, publicação Diário da Justiça de 4 de março de 1996,
p. 05402, com a seguinte ementa: "Frustrada a expectativa do cessionário de títulos,
por força de contrato de "factoring", de receber o respectivo valor por ato imputável
ao cedente, fica esse responsável pelo pagamento. Juros - Cômputo a partir da cita-
ção".
238

31. Franquia Empresarial (Franchising)

31.1. Aspectos Gerais


O franchising nasceu e expandiu-se a partir da década de 30
nos Estados Unidos da América do Norte, tendo sido posteriormen-
te adotado na Europa, onde se expandiu a partir do início dos anos
70.
Utilizamos, aqui, preferencialmente, os termos franchising e
franchise em razão de seu uso estar disseminado na doutrina, e, prin-
cipalmente, de ter sido utilizado até mesmo pelo legislador, que tam-
bém utiliza o termo "franquia empresarial". No entanto, por identi-
dade de razões (o uso comum pela doutrina e pelo legislador), usa-
mos para as partes contratantes os termos franqueador e franqueado,
em vez de franchisor, para o contratante, e franchisees, para os con-
tratados437.
O contrato de franchising, tal como o conhecemos, surgiu em
virtude da alteração do sistema de produção e distribuição que se
segue à revolução industrial quando o produtor, usando da publici-
dade, passa a ter condições de aumentar muito as suas vendas tendo,
ao mesmo tempo, necessidade de controlar o processo de venda de
seus produtos até o consumidor final.
O produtor tem à sua disposição diversas possibilidades de
distribuição de seus produtos, se não quiser vendê-los diretamente:
pode recorrer a intermediários independentes, como os representan-
tes comerciais autônomos, caso em que deixará de ter qualquer con-
trole sobre a forma como a venda é realizada; pode usar o contrato
de concessão comercial (exclusiva, ou não), no qual sempre existe a
possibilidade de o concessionário se preocupar mais com a lealdade
à sua loja que à marca do concedente; ou pode usar do contrato de
franchising, na qual o público tem dificuldade de distinguir se está
adquirindo do próprio produtor ou de um intermediário, tal a identi-
dade entre ambos.
Desta forma, o franqueador - que pode ser o produtor ou o
criador de uma fórmula empresarial de sucesso que dá origem à fran-
quia, ainda que não seja ele mesmo o produtor- pode expandir bas-
437 Como também faz, por exemplo, Adalberto Simão Filho, Franchising, 4• ed. rev. e
atual., São Paulo, Atlas, 2000, p. 20.
FERNANDO NETIO 80ITEUX 239

tante a sua rede, sem ter que recorrer a investimento próprio (seja ao
seu próprio capital, seja ao de terceiros).
Para o franqueado, por sua vez, a vantagem consiste em poder
iniciar um negócio usando uma marca já consolidada no mercado,
que, por si, atrai a clientela, bem como, podendo contar com a assis-
tência do franqueador, melhorar a sua posição frente à concorrência.
Assim, o sistema de franquias traz benefícios à economia como um
todo, na medida em que permite a diversos pequenos empresários
ingressarem no mercado em condições de igualdade com as empre-
sas já estabelecidas 438 •

31.2. Modalidades de Franchising


No direito norte-americano o termo franchising não identifi-
ca uma única realidade, mas realidades diversas, que vão da simples
cessão de marca ao denominado pela United States Federal Trade
Comission "uniform business format franchising ", ou franchising de
negócio uniforme formatado. Esta modalidade, que encontra tradu-
ção legal no Statute da Califórnia439 , é o que se aplica efetivamente
em nosso país 440 , e pode ser dividido emfranchise de produção, de
distribuição e de serviços.

31.3. Mecanismo Operacional


Como visto, o mecanismo operacional do franchising envol-
ve tanto a utilização de uma marca quanto a prestação de serviços
pelo franqueador ao franqueado. Muitas vezes o franqueador deter-
mina o tamanho da loja, a partir de estudos de mercado, de forma a
estimar a sua rentabilidade futura. Fornece elementos para a decora-
ção, padronizando a identidade visual das lojas, favorecendo a leal-
dade do consumidor à marca. Padroniza o sistema de contabilidade,
permitindo uma apuração mais fácil e econômica dos resultados do
negócio. Organiza uma política de estoques, permitindo a melhor
aplicação do capital de giro do franqueado. Na expressão de Fábio
Konder Comparato 441 :
438
L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato de franquia (franchising), Coimbra,
Almedina, 2000, pp. 11 a 15.
439
L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato de franquia (franchising), cit., p. 25.
440
Adalberto Simão Filho, Franchising, cit., p. 43.
441
Fábio Konder Comparato, Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de J anei-
ro, Forense, 1978, p. 374.
240 CONTRATOS MERCANTIS

"( ... )o essencial é a licença de utilização de marca e a pres-


tação de serviços de organização e métodos de venda pelo
franqueador ao franqueado. A finalidade de distribuição da
franchise não abrange, pois apenas produtos, mas também
mercadorias (isto é, revenda de comerciante atacadista e
retalhista) e serviços como a hotelaria, por exemplo.

Esse elemento de prestação de serviços do franqueador ao


franqueado é claramente distinto da simples licença de uti-
lização de marca ou outro sinal distintivo. Ele comporta,
na verdade, três aspectos vulgarmente caracterizados pe-
las expressões consagradas engineering, management e
marketing.

Nada mais natural, portanto, que além da regalia específi-


ca pelo uso dos sinais distintivos, o franqueado contraia,
igualmente, a obrigação de pagar ao franqueador uma re-
muneração adequada pelos serviços acima descritos, sen-
do incontestável que é, justamente, pela prestação desses
serviços que o franchising se diferencia da cessão de uso
de marca, pura e simples".

31.4. Conceito e Características


O contrato de franchising possui, hoje, entre nós, tipicidade
legal, sendo que a Lei no 8.955, de 15 de dezembro de 1994 (que dis-
põe sobre o Contrato de Franquia Empresarial - Franchising - e dá
outras providências) nos dá o seguinte conceito:
"Art. 2° - Franquia empresarial é o sistema pelo qual um
franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca
ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva
ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmen-
te, também ao direito de uso de tecnologia de implantação
e administração de negócio ou sistema operacional desen-
volvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remunera-
ção direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracte-
rizado vínculo empregatício".
O contrato de franchising é consensual, pois se forma pelo
simples acordo de vontades; bilateral, porque impõe obrigações para
FERNANDO NETIO BOITEUX 241

ambas as partes; oneroso; comutativo; formal, pois a lei determina


que seja celebrado por escrito, na presença de duas testemunhas; in-
tuitu personae, pois leva em consideração as características pessoais
dos contratantes; de trato sucessivo; de colaboração (comunhão de
escopo), pela cooperação que deve existir entre ambas as partes; ca-
racterizando-se, ainda, pela autonomia entre as partes 442 •
A idéia de autonomia entre as partes deve ser entendida em seu
contexto. A Lei no 8.955/94 admite um amplo controle do franquea-
dor sobre o franqueado, podendo e devendo o primeiro determinar,
na Circular de Oferta, até mesmo o grau de comprometimento do
segundo com a operação do negócio (artigo 3°, inciso VI, transcrito
no item seguinte). O contrato de cessão de uso de marca, por sua vez,
admite amplo controle sobre o seu uso pelo cessionário. Finalmen-
te, como contrato de cooperação, as partes assumem obrigações re-
cíprocas de agir de forma a permitir a realização do fim comum.
O franqueado, portanto, está sujeito a um amplo controle de
sua atividade pelo franqueador, entendido como um poder-dever,
dado que "não tem em vista a satisfação de um interesse próprio do
franqueador, mas igualmente o interesse de cada um dos membros
da cadeia franqueada", como entende L. Miguel de Vasconcelos.
Entende, ainda, o autor que o franqueado tem ação contra o franquea-
dor que deixa de controlar a atividade de qualquer outro franqueado,
pois esse comportamento se reflete não só na organização do fran-
queador mas nas outras atividades da rede 443 •
Nesse contexto, a autonomia do franqueado deve ser entendi-
da como autonomia de gestão 444 :
"Caso a atividade, em concreto, do franqueador ultrapasse
esse limite, aproximando-se do poder de direção da entidade patro-
nal, aí já estaremos perante um contrato de trabalho".
O controle exercido pelo franqueador sobre o franqueado pode
levar, como assinala Jorge Lobo, a se caracterizar um grupo de em-
presas (não de sociedades, se não existir participação societária en-
tre elas), sob controle extemo 445 •

442
Jorge Lobo, Contrato defranchising, Rio de Janeiro, Forense, 1994, p. 31. O autor
considera o contrato informal, mas a observação é anterior à Lei n" 8.955/94.
443
L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato de franquia (franchising), cit., p. 33.
444
L. Miguel Pestana de Vasconcelos, O contrato de franquia (franchising), cit., p. 33.
445
Jorge Lobo, Contrato defranchising, cit., pp. 44 a 51.
242 CONTRATOS MERCANTIS

31.5. Análise da Estrutura do Negócio


A lei prevê informações detalhadas a serem prestadas pelo
franqueador ao franqueado, por meio da "Circular de Oferta de Fran-
quia" (artigo 3o da Lei no 8.955/94).
Na realidade, segundo entendemos esta Circular representa
mais do que uma simples informação ao franqueado. Ela contém,
também, condições gerais de contratação, pois, ao dispor a Lei no
8.955/94, em seu artigo 3°, inciso IV, que a Circular deve conter a
descrição detalhada da franquia, a descrição geral do negócio e das
atividades que serão desempenhadas pelo franqueado, o seu conteú-
do passa a integrar todos os contratos futuros que vierem a ser cele-
brados com os franqueados, servindo de elemento para a interpreta-
ção destes contratos. Passamos a transcrever:
"Art. 3° - Sempre que o franqueador tiver interesse na im-
plantação de sistema de franquia empresarial, deverá for-
necer ao interessado em tomar-se franqueado uma Circu-
lar de Oferta de Franquia, por escrito e em linguagem cla-
ra e acessível, contendo obrigatoriamente as seguintes in-
formações:
I - histórico resumido, forma societária e nome completo
ou razão social do franqueador e de todas as empresas a
que esteja diretamente ligado, bem como os respectivos
nomes de fantasia e endereços;
li - balanços e demonstrações financeiras da empresa fran-
queadora relativos aos dois últimos exercícios;
III - indicação precisa de todas as pendências judiciais em
que estejam envolvidos o franqueador, as empresas contro-
ladoras e titulares de marcas, patentes e direitos autorais
relativos à operação, e seus subfranqueadores, questionan-
do especificamente o sistema da franquia ou que possam
diretamente vir a impossibilitar o funcionamento da fran-
quia;
IV - descrição detalhada da franquia, descrição geral do ne-
gócio e das atividades que serão desempenhadas pelo fran-
queado;
V- perfil do "franqueado ideal" no que se refere a experiên-
cia anterior, nível de escolaridade e outras características
que deve ter, obrigatória ou preferencialmente;
FERNANDO NETIO 80ITEUX 243

VI- requisitos quanto ao envolvimento direto do franquea-


do na operação e na administração do negócio;
VII - especificações quanto ao:
a) total estimado do investimento inicial necessário à aqui-
sição, implantação e entrada em operação da franquia;
b) valor da taxa inicial de filiação ou taxa de franquia e de
caução; e
c) valor estimado das instalações, equipamentos e do esto-
que inicial e suas condições de pagamento;
VIII - informações claras quanto a taxas periódicas e ou-
tros valores a serem pagos pelo franqueado ao franqueador
ou a terceiros por este indicados, detalhando as respectivas
bases de cálculo e o que as mesmas remuneram ou o fim a
que se destinam, indicando, especificamente, o seguinte:
a) remuneração periódica pelo uso do sistema, da marca ou
em troca dos serviços efetivamente prestados pelo fran-
queador ao franqueado ("royalties");
b) aluguel de equipamentos ou ponto comercial;
c) taxa de publicidade ou semelhante;
d) seguro mínimo; e
e) outros valores devidos ao franqueador ou a terceiros que
a ele sejam ligados;
IX - relação completa de todos os franqueados, subfran-
queados e subfranqueadores da rede, bem como dos que se
desligaram nos últimos doze meses, com nome, endereço
e telefone;
X- em relação ao território, deve ser especificado o seguin-
te:
a) se é garantida ao franqueado exclusividade ou preferên-
cia sobre determinado território de atuação e, caso positi-
vo, em que condições o faz; e
b) possibilidade de o franqueado realizar vendas ou pres-
tar serviços fora de seu território ou realizar exportações;
XI- informações claras e detalhadas quanto à obrigação do
franqueado de adquirir quaisquer bens, serviços ou insu-
mos necessários à implantação, operação ou administração
de sua franquia, apenas de fornecedores indicados e apro-
244 CONTRATOS MERCANTIS

vados pelo franqueador, oferecendo ao franqueado relação


completa desses fornecedores.
XII - indicação do que é efetivamente oferecido ao fran-
queado pelo franqueador, no que se refere a:
a) supervisão de rede;
b) serviços de orientação e outros prestados ao franqueado;
c) treinamento do franqueado, especificando duração, con-
teúdo e custos;
d) treinamento dos funcionários do franqueado;
e) manuais de franquia;
f) auxílio na análise e escolha do ponto onde será instala-
da a franquia; e
g) "layout" e padrões arquitetônicos nas instalações do
franqueado;
XIII - situação perante o Instituto Nacional de Proprieda-
de Industrial- INPI das marcas ou patentes cujo uso estará
sendo autorizado pelo franqueador;
XIV- situação do franqueado, após a expiração do contra-
to de franquia, em relação a:
a) "know-how" ou segredo de indústria a que venha a ter
acesso em função da franquia; e
b) implantação de atividade concorrente da atividade do
franqueador;
XV - modelo do contrato-padrão e, se for o caso, também
do pré-contrato-padrão de franquia adotado pelo franquea-
dor, com texto completo, inclusive dos respectivos anexos
e prazo de validade".

31.5.1. Sanções
As informações acima (Lei no 8.955/94, artigo 3°) devem ser
prestadas, no mínimo, 10 (dez) dias antes da assinatura do contrato
ou pré-contrato de franquia ou ainda do pagamento de qualquer tipo
de taxa pelo franqueado ao franqueador ou a empresa ou pessoa li-
gada a este (artigo 4°, caput).
O descumprimento desta obrigação autoriza o franqueado a
argüir a anulabilidade do contrato e exigir devolução de todas as
quantias que já houver pago ao franqueador ou a terceiros por ele
indicados, a título de taxa de filiação e royalties, devidamente corri-
gidas (artigo 4°, parágrafo único). E esta sanção aplica-se, também,
FERNANDO NEnO BOITEUX 245

ao franqueador que veicular informações falsas na sua Circular de


Oferta de Franquia, sem prejuízo das sanções penais cabíveis (arti-
go 7°).

31.5.2. Aplicabilidade da lei


O disposto nesta Lei aplica-se aos sistemas de franquia insta-
lados e operados no território nacional (artigo 8°), sendo que o ter-
mo franqueado r, quando utilizado em qualquer de seus dispositivos,
serve também para designar o subfranqueador, da mesma forma que
as disposições que se refiram ao franqueado se aplicam ao subfran-
queado (artigo 9°).
Segundo entendemos, esses dispositivos de lei estão determi-
nando a aplicação da lei brasileira a todas as franquias que façam
oferta de seu sistema no Brasil, ainda que o franqueador tenha a sua
sede no exterior, pois o sistema de franquia é o formato que lhe dá o
franqueador e, não, o contrato celebrado com o franqueado.
No plano jurídico, ainda segundo Fábio Comparato, "todo
contrato de franquia deve ser submetido a averbação, como licença
para uso de marca e como 'contrato de serviços técnicos especiali-
zados', no Instituto Nacional da Propriedade Industrial" 446 . Newton
Silveira concorda que este é o franchising que se pratica no Brasil447 .

31.5.3. Validade do contrato e eficácia em relação a terceiros


Dispõe o artigo 6° da Lei no 8.955/94 que o contrato deve ser
celebrado obrigatoriamente por escrito, deve ser assinado obrigato-
riamente por duas testemunhas e terá validade independentemente de
ser levado a registro.
Entendemos, como afirmado acima, que o contrato é formal,
razão pela qual a celebração por escrito é requisito de validade (mes-
mo entre as partes), destinando-se o requisito de assinatura de duas
testemunhas e de registro perante órgão público para que seja eficaz
perante terceiros.
Como a própria definição legal de franchising afasta a possi-
bilidade de vínculo empregatício, compreende-se a preocupação do
legislador em determinar o registro para que possa valer contra ter-
ceiros, afastando a possibilidade de fraude a eventuais direitos tra-
446
Fábio Konder Comparato, Ensaios e pareceres de direito empresarial, cit., p. 380.
447
Newton Silveira, "O contrato de franchising", In: Carlos Alberto Bittar (coordena-
dor), Novos contratos empresariais, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1990, p. 158.
246 CONTRATOS MERCANTIS

balhistas. Ao mesmo tempo, o registro também permitirá ao consu-


midor determinar com maior precisão eventuais responsabilidades
decorrentes da compra que vier a fazer.
Este é, ainda, o entendimento do Tribunal de Justiça de São
Paulo, em acórdão com a seguinte ementa448 :
"Contrato Mercantil - Franchising -Ausência dos requisi-
tos do art. 6° da Lei n. 8.955/94- Inexistência de testemu-
nhas ou registro perante órgão público - Validade exclusi-
vamente entre as partes, não se operando contra terceiros -
Recurso não provido".
O registro pode ser feito tanto em Cartório de Títulos e Docu-
mentos quanto no Instituto Nacional de Propriedade Industrial -
INPI, em virtude do disposto na atual Lei de Propriedade Industrial
que, no seu artigo 211, prevê, de forma genérica, o registro de con-
tratos "de franquia e similares" 449 •

31.5.4. O franchising e a falência


Segundo Jorge Lobo, caso o franqueador vá à falência, apli-
ca-se ao contrato celebrado com o franqueado o disposto no artigo
40 da Lei de Falências, podendo o contrato ser cumprido pelo síndi-
co, se julgar conveniente para a massa falida 450 .
Indo à falência o franqueado, o franqueador igualmente deve-
rá respeitar o disposto no artigo 40 da Lei de Falências.
A concordata do franqueador ou do franqueado não produz
novação das dívidas, de forma que o contrato deverá prosseguir na
forma determinada pelo artigo 167 da Lei de Falências, sendo abu-
siva a cláusula que autorize a rescisão do contrato, nessa hipótese.

31.6. Temas para Estudos Complementares


Como visto, os contratos de distribuição de produtos apresen-
tam elementos comuns entre si. Encontramos, entre nós, alguns ju-
ristas, como Rubens Requião, que não encontram diferenças entre os
contratos de franchising e concessão comercial. Analise os pontos de
semelhança e de divergência entre ambos.
448 Tribunal de Justiça de São Paulo, Agravo de Instrumento no 267.993-1 -São Paulo,
8' Câmara Civil, Relator Osvaldo Caron, julgado em 27 de setembro de 1995, vota-
ção unânime.
449
Adalberto Simão Filho, Franchising, cit., p. 121.
450 Jorge Lobo, Contrato de franchising, cit., p. 76, para todo este item.
247

32. O Contrato de Engenharia (Engineering)


e a Empreitada Mercantil

32.1. Aspectos Gerais


Pelo engineering visa-se a obter uma indústria construída e
instalada, no dizer de Orlando Gomes e Maria Helena Diniz451 • To-
davia a palavra, no direito comparado, indica mais um gênero que
uma espécie de contrato.
No conceito de Maria Helena Diniz452 :
"Engineering é o contrato pelo qual um dos contraentes
(empresa de engenharia) se obriga não só a apresentar pro-
jeto para a instalação de indústria, mas também a dirigir a
construção dessa indústria e pô-la em funcionamento, en-
tregando-a ao outro (pessoa ou sociedade interessada), que,
por sua vez, se compromete a colocar todos os materiais e
máquinas à disposição da empresa de engenharia e a lhe
pagar os honorários convencionados, reembolsando, ainda,
as despesas feitas. A empresa de engenharia deverá prestar
caução, responsabilizando-se pelo atraso na entrega da
obra e pelo mau funcionamento da indústria".
Na realidade, o engineering admite diversas modalidades, que
vão da consultoria ao projeto, da administração da construção, da
chave na mão (turn key) à operação e manutenção, sendo duas as
subdivisões ressaltadas por toda a doutrina453 :
a) consulting engineering, que compreende estudos de ca-
ráter técnico-econômico para a realização de um projeto
industrial ou para a reorganização, modernização ou am-
pliação de uma empresa, investigação de mercado etc.; ou
seja, uma prestação de serviços de natureza intelectual;

451
Orlando Gomes, Contratos, 23• ed. atual., Rio de Janeiro, Forense, 2001, pp. 467 e
468.
452
Maria Helena Diniz, Tratado teórico e prático dos contratos, São Paulo, Saraiva,
1993, v. 4, p. 71.
453
Jacques Fournier, "Engineering (Ingénierie)", Répertoire de Droit Commercial,
Dalloz, 1994; Giorgio De Nova, "Engineering' (Contratto di)", Digesto, 4• ed., Tori-
no, UTET.
248 CONTRATOS MERCANTIS

b) commercial engineering, que abrange, além da etapa de


estudo, uma fase de execução, que pode consistir no fome-
cimento de material ou de um processo de fabricação, vi-
sando à construção e entrega de uma instalação industrial
em funcionamento, como ocorre nos chamados contratos
turn key.
O Brasil, durante o regime militar, procurou reservar para as
empresas nacionais a contratação de serviços de engenharia, com o
Poder Público 454 , em diversas modalidades. São dessa época as refe-
rências legislativas que incluíam, ente os serviços de engenharia, os
seguintes 455 :
"a) elaboração de estudos e projetos de engenharia;
b) execução, supervisão e controle da implantação de obras
de construção civil;
c) execução, supervisão e controle da construção de estra-
das de rodagem e de ferrovias;
d) execução, supervisão e controle da instalação e da mon-
tagem de unidades industriais456 ".
Hoje, revogada a legislação, os seus dispositivos têm, ainda,
valor doutrinário.

32.2. Qualificação Jurídica


Se o contrato de engineering tem por objeto, exclusivamente,
a prestação de serviços, não há dificuldade em determinar sua natu-
reza jurídica. O contrato é de locação mercantil, previsto no artigo
226 do Código Comercial, no qual o que dá a coisa ou presta servi-
ço chama-se locador, e o que a toma ou aceita o serviço, locatário.
Quando, além da prestação de serviços, temos o fornecimen-
to de material ou mesmo de obra completa, temos que determinar se
nos encontramos frente a um complexo de contratos ou de um con-
trato complexo.
454
Decreto no 64.354, de I O de abril de 1969, artigo I 0 , que, inicialmente, estabelecia a
restrição exclusivamente para contratação com o governo federal; posteriormente,
esta foi estendida para Estados, Municípios e respectivas entidades da administra-
ção indireta pelo Decreto no 73.685, de 19 de fevereiro de 1994, artigo ] 0 •
455
Decreto no 66.717, de 15 de junho de 1970, artigo I 0 •
456
Esta modalidade foi definida pelo Decreto no 66.864, de I O de julho de 1970, artigo
I 0 , da seguinte forma: "11 - execução, supervisão e controle da implantação de obras
de engenharia, inclusive da instalação e montagem de unidades industriais".
FERNANDO NETIO BOITEUX 249

Por um lado, podemos pensar o engineering como um com-


plexo de contratos resultante da justaposição de diversos contratos
nominados, à qual não podemos aplicar um regime único, mas as
regras correspondentes a cada um. Assim, poderíamos distinguir a
prestação de serviços para a fase de estudos, um contrato de know-
how se um determinado processo é fornecido; uma venda de bens se
é fornecido o material e assim, a cada passo, podemos acrescentar
uma qualificação às já existentes. As dificuldades vão surgir quando
precisarmos determinar as regras aplicáveis à totalidade do contra-
to.
Por outro lado, podemos pensá-lo como um contrato comple-
xo em que as várias partes, em vez de estarem justapostas, se mes-
clam. Neste caso, a doutrina se divide quanto à sua qualificação ju-
rídica.
Para alguns autores, deve-se estabelecer uma hierarquia entre
as prestações, adotando a qualificação da mais importante. O incon-
veniente deste sistema é que, em alguns casos, teríamos que indagar
da vontade das partes para saber o grau de importância que eles de-
ram a cada uma das prestações.
Para outros, há uma tal interferência entre as prestações que
compõem o contrato que se trata de um contrato inominado 457 • A di-
ficuldade ocorre, em se tratando de contratos internacionais, de de-
terminar qual seria o direito aplicável ao contrato.
A dificuldade em saber onde se encontra uma união de con-
tratos e um contrato misto é, nas palavras de Pedro Pais de Vascon-
celos, "algo que a doutrina tradicional mal consegue expor e dificil-
mente consegue pôr em prática" 458 • Ainda assim, considerando até
mesmo os precedentes de nossa legislação, acima referida, que lhe
davam tipicidade, entendemos que o contrato de engineering confi-
gura um único contrato.
No direito brasileiro, o contrato de engineering, que envolve
fornecimento de material, se aproxima do contrato de empreitada,
contrato pelo qual uma das partes se obriga a executar determinada
obra ou trabalho, mediante preço único, com material próprio ou for-

457
Entre eles Carlos Alberto Bittar, "Engineering", Enciclopédia Saraiva do Direito,
São Paulo, Saraiva, 1977, v. 32, pp. 197 e 198.
458
Pedro Pais de Vasconcelos, Contratos atípicos, cit., p. 218.
250 CONTRATOS MERCANTIS

necido pela outra parte, de acordo com as instruções desta, mas sem
subordinação 459 •
Todavia, a questão não é pacífica, e Orlando Gomes nos apre-
senta três possibilidades de classificação460 :
"O engineering é considerado um contrato atípico da espé-
cie contrato misto, no entendimento de que resulta da jus-
taposição de prestações características de vários contra-
tos típicos. Alguns autores qualificam-no, todavia, como
empreitada em modalidade especial, e outros acham que se
confunde com a venda (empreitada mista), formando uma
entidade original".
Caio Mário da Silva Pereira assimila o contrato de engineering
aos de assistência técnica e de know-how, na medida em que todos
eles tem por objeto a "assistência técnica especializada em engenha-
ria"461; todavia, o contrato de engineering tem objeto mais amplo que
os outros dois. A distinção entre eles é bem definida por Newton Sil-
veira, que explica 462 :
"( ... )nestes, a empresa que transmite os conhecimentos não
se obriga a pô-los em prática. Além disso, o contrato de
engineering adquire contornos de empreitada, responsabi-
lizando-se a empresa de engenharia e consultoria pelos re-
sultados esperados do projeto ou da instalação. Por outro
lado, a fornecedora de engineering não é, necessariamen-
te, a titular dos conhecimentos objeto do contrato. Pode
atuar como mandatária do titular dos conhecimentos".

32.3. Temas para Estudos Complementares


A qualificação jurídica do contrato de engineering suscita in-
teressantes questões de teoria geral dos contratos. Para melhor fixar
os conceitos, sugerimos a classificação do contrato tendo em vista as
seguintes categorias: contratos nominados e inominados; contratos
típicos e atípicos; contratos mistos e união de contratos.

459
Eduardo Espínola, Dos contratos nominados 110 direito civil brasileiro, Rio de Janei-
ro, Gazeta Judiciária, I 953, p. 280.
460 Orlando Gomes, Contratos, cit., p. 468.
461
Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de direito civil, v. III, cit., p. 389.
462
Newton Silveira, "Know-how li", Enciclopédia Saraiva do Direito, São Paulo, Sa-
raiva, 1977, v. 47, p. 506.
251

Índice Sistemático

Sumário.............................................................................. 5

Introdução ........ ....... ..... .. ..... ............. .... ............. ................. 7

I. Características Gerais e Forma dos Contratos Mercan-


tis ...................................................................................... 9
J .I. Interesse Atual da Distinção entre Direito Civil e
Comercial ........ ...................................... ....................... 9
1.2. A Comercialidade dos Contratos e Obrigações..... 11
I. 2.1. A construção civil........................................ 13
I.2.2. A incorporação imobiliária ......................... 14
I.2.3. O imóvel como mercadoria na legislação co-
mercial em vigor ... ..... ......... .... ............... ........... .... 15
1.3. Forma dos Contratos Mercantis .......... .................. I7
1.4. Questões Tributárias ..... ........... ........... ....... ..... ....... 18
1.5. Temas para Estudos Complementares................... 20
2. Evolução do Contrato.................................................... 21
2.1 . Teoria Clássica ... ..... .. ............... ... .... ................ ...... 21
2.2. Teorias Modernas ..... ... ......... ... ......... .... ............. ... . 22
2.2.1. Dirigismo contratual ..... .............................. 22
2.2.2. Contratos obrigatórios .............. ..... .. ............ 23
2.2.3. Contratos atípicos........................................ 23
2.2.4. Contratos com conteúdo predeterminado ... 24
2.2.5. Novas figuras contratuais ...... ...................... 24
2.3. Temas para Estudos Complementares ................... 25
3. Principais Modalidades de Contratação ........................ 26
3.I. Contratos sobre Documentos ................................ 26
3.2. Contratos Plurilaterais ........................................... 27
3.3. Contratos Bilaterais com Parte Plúrima................ 28
3.4. Contratos a Favor de Terceiro e por Conta de quem
Pertencer....................................................................... 29
3.5. Contratos com Pessoa a Declarar.......................... 30
3.6. Contratos em Conta Corrente................................ 30
3.7. Temas para Estudos Complementares................... 31
4. Uniformização Internacional dos Contratos.................. 32
252 CONTRATOS MERCANTIS

4.1. Os Tratados: Bilaterais e Multilaterais.................. 32


4.2. As Leis Nacionais.................................................. 33
4.3. O Direito Convencional ou Costumeiro (Lex Mer-
catoria) ......................................................................... 33
4.4. As Leis-Tipo, ou Modelo....................................... 35
4.5. Temas para Estudos Complementares................... 36
5. A Formação dos Contratos: o Silêncio na Formação do
Contrato; o Contrato por Correspondência; Contratos Ce-
lebrados por meio de Computador .............................. ...... 37
5.1. Contratos Consensuais e Reais.............................. 37
5.2. A Manifestação de Vontade: Expressa e Tácita..... 38
5.3. O Silêncio na Formação dos Contratos................. 38
5.3.1. Casos de silêncio qualificado...................... 39
5.3.2. Conseqüências jurídicas do silêncio ........... 39
5.4. Contratos entre Ausentes....................................... 40
5.5. Contratos Celebrados por meio de Computador... 41
5.6. Temas para Estudos Complementares................... 43
6. A Formação dos Contratos: Oferta ao Público e Decla-
ração Unilateral de Vontade............................................... 44
6.1. Oferta ao Público................................................... 44
6.1.1. Conceito ...................................................... 45
6.1.2. Convite a contratar ... ............ ...... ................. 45
6.1.3. Força vinculante da oferta........................... 46
6.1.4. Revogação da oferta.................................... 47
6.1.5. Contratos concluídos mediante oferta ao pú-
blico....................................................................... 47
6.1.5.1. Serviços essenciais................................... 47
6.1.5.2. Serviços não essenciais............................ 48
6.1.5.3. Ofertas reguladas em lei especial............. 48
6.2. Oferta no Código de Defesa do Consumidor ........ 49
6.3. Temas para Estudos Complementares................... 50
7. A Formação dos Contratos: Contrato-Tipo e Adesão
Contratual .......................................................................... 51
7 .I. Contrato-Tipo (Cláusulas Gerais de Contratação) 51
7 .1.1. Interpretação das condições gerais de contra-
tação...................................................................... 53
7.1.2. Modelo de Condições Gerais de Contratação 53
7 .2. Adesão Contratual ...... ......... .. .... ... ... .. ... .......... .. ... .. 54
7.3. Temas para Estudos Complementares................... 56
FERNANDO NETTO 80ITEUX 253

8. Interpretação e Prova dos Contratos.............................. 57


8.1. Interpretação dos Contratos Comerciais .............. 57
8.1.1. Boa-fé......................................................... 59
8.1.2. Prevalência dos usos e costumes comer-
ciais ...................................................................... 59
8.1.3. Conduta anterior das partes........................ 60
8.1.4. Interpretação do contrato como um todo ... 60
8.1.5. Interpretação em favor do devedor............. 60
8.2. Prova dos Contratos Mercantis ............................ 60
8.3. Prova dos Contratos Celebrados por Meio de Com-
putador......................................................................... 61
8.4. Temas para Estudos Complementares.................. 62
9. Prescrição e Decadência .. .. ..... .. .. .. .. .. .... .. .. .. ... .. .. .. ...... .... 63
9 .1. No Código Comercial........................................... 64
9.2. Na Lei de Falências.............................................. 66
10. Compra e Venda Mercantil: Características e Elemen-
tos Essenciais ... ........ .. .. .. .. .. ....... .. ...... ... ...... ..... .... .. ..... .. .. .... 67
10.1. Mercantilidade da Compra c Venda................... 67
10.2. Contrato Preliminar............................................ 69
10.3. Elementos Essenciais .... ..................................... 70
10.3.1. Coisa ou direito ........................................ 70
10.3.2. Preço......................................................... 71
10.3.3. Consentimento ......................................... 73
10.4. Vendas Internacionais......................................... 73
10.5. Temas para Estudos Complementares................ 73
11. Compra e Venda Mercantil. Obrigação do Vendedor. A
Tradição da Coisa e a Responsabilidade pelos Vícios Ocul-
tos e pela Evicção .............................................................. 74
11.1. A Entrega da Coisa ou a Tradição .... ...... .... .. ...... 74
11.1 .1. Formas de tradição .. .. ... .. .. .. .. .. .. .. .. .. ... .. .. ... 74
11.1.2. Os riscos da coisa e a tradição ................. 75
11.1.3. Modo, lugar e tempo ................................ 76
11.1.4. Despesas com a tradição .......................... 77
11.2. Responsabilidade por Fato Próprio ... ...... ... .. ...... 77
11.3. Responsabilidade pelos Vícios Ocultos ............. 77
11.4. A Responsabilidade pela Evicção ...................... 78
12. Compra e Venda Mercantil. Obrigações do Comprador.
Pagamento do Preço e Recebimento da Coisa. Cláusulas
Especiais Relativas ao Transporte da Coisa ..... .. ....... ..... ... 80
254 CONTRATOS MERCANTIS

12.1. Pagamento do Preço ....... ............... .... .... ....... ...... 80


12.1.1. Lugar do pagamento................................. 80
12.1.2. Modo de pagamento................................. 80
12.1.3. Moeda de pagamento ........ ................... .... 80
12.2. Recebimento da Coisa........................................ 81
12.3. Cláusulas Especiais Relativas ao Transporte da
Coisa............................................................................ 81
13. Compra e Venda Mercantil. Modalidades Específicas.
Contrato de Fornecimento. Venda Pública ........... ............. 82
13.1. Modalidades da Compra e Venda....................... 82
13 .1.1. Compra e venda sob amostras.................. 82
13 .1.2. Compra e venda condicional ...... ...... ..... ... 83
13.1.3. Venda a termo propriamente dita............. 83
13 .1.4. Vendas complexas ..... .... ... ... .. ... ........ ..... ... 83
13.1.5. Contrato de fornecimento ........................ 83
13.1.6. Vendas públicas........................................ 84
13.1.6.1. Vendas públicas forçadas ...................... 84
13.1.6.2. Vendas públicas voluntárias .................. 86
13.2. Opção e Preferência: Distinções ........................ 86
13.3. Temas para Estudos Complementares................ 87
14. Compra e Venda Mercantil. Inadimplemento Contra-
tual ..................................................................................... 88
14.1. Violação do Contrato de Compra e Venda e Mora 88
14.2. Interpelação........................................................ 89
14.3. Violação do Contrato antes do Vencimento das
Obrigações ...... ........... .... ....... ... .......... .. ... ... ... ..... ... .... ... 90
14.4. Ações Contra o Inadimplente .. .......... .. ... ............ 90
14.4.1. No caso de mora do vendedor.................. 90
14.4.2. No caso de mora do comprador............... 90
14.5. Execução Coativa do Contrato........................... 91
15. A Consignação ou Contrato Estimatório ... ........ .......... 92
15.1. Qualificação........................................................ 92
15.2. Elementos........................................................... 94
15.2.1. Partes........................................................ 94
15.2.2. Objeto do contrato.................................... 95
15.2.3. Propriedade das coisas ............................. 95
15.2.4. Risco das coisas ....................................... 95
15.2.5. Distinção entre comissão e consignação.. 95
FERNANDO NETIO 80ITEUX 255

15.2.6. Distinção entre o contrato de consignação


e outros................................................................. 95
15.3. Questões Tributárias........................................... 96
15.3.1. Operações com veículos usados -nota fis-
cal......................................................................... 96
15.3.2. Prazo para devolução da mercadoria e
ICMS.................................................................... 96
15.3.3. PIS e Cofins .............................................. 97
15.4. Emissão de Nota Fiscal, Fatura e Duplicata....... 98
16. Concessão de Venda com Exclusividade..................... 99
16.1. Função Econômica da Concessão Comercial e
Formas que Assume .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .... .. .. .. .. .. .... 99
16.2. Qualificação e Distinção entre Contratos Afins . I 00
16.3. Relações com o Direito da Concorrência........... 101
16.4. Regime Jurídico da Concessão exclusiva de Ven-
da de Veículos Automotores ........................................ 102
16.4.1. Elementos do contrato.............................. 102
16.4.2. A regulamentação da lei - convenções e
cláusulas contratuais .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. ...... .. .. .... .. .. .. .. .. I 03
16.4.3. Objeto do contrato.................................... 103
16.4.4. Cláusula de exclusividade ........................ I 04
16.4.5. A dissolução do contrato.......................... 105
16.5. Questões Tributárias........................................... 106
17. Locação Comercial .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. .. 107
17 .1. Características .. .. .. ...... .... ...... .... .. ...... .... .... ...... .... 107
17 .2. Histórico .. .. .. .. .. .... .... .. .. .. .. .. .. .. .. ...... .... .. .. .. .. .. .. .... . 108
17.3. Requisitos da Renovação Compulsória da Loca-
ção e Legitimação........................................................ 109
17.4. Casos em que não Cabe a Renovação Compulsó-
ria .............................................................................. 111
17 .4.1. Proteção do interesse público................... 111
17 .4.2. Modificação que aumente o valor do negó-
cio ou da propriedade .. ...... .. .. .......... ...... .. .. ........... 111
17.4.3. Uso próprio.............................................. 111
17 .4.4. Transferência de fundo de comércio ........ 112
17 .4.5. Melhor oferta de terceiro .... .. .. .. .. .. .. .. .. ..... 112
17 .4.6. Aluguel oferecido pelo comerciante infe-
rior ao valor locativo atual do imóvel .................. 113
256 CONTRATOS MERCANTIS

17.5. Aluguel Provisório na Pendência da Ação Reno-


vatória ........ ............ ............ ........... .... .............. ......... .. .. 113
17 .6. Outros Direitos do Comerciante......................... 113
17 .6.1. Venda em conjunto, por ocasião da falên-
cia......................................................................... 113
17 .6.2. Direito à indenização ............................... 113
17.7. Ação Revisional de Aluguel ............................... 113
17.7.1. Aluguel provisório.................................... 114
17.7.2. O termo inicial da periodicidade.............. 114
17.7.3. A proposta da inicial, aceita pelo locatário 114
17 .8. Cláusulas Nulas ............... .. ....... .......................... 115
18. Shopping Center ... ...................... ................................. 116
18 .1. Noção .................................................................. I 16
18.2. Qualificação........................................................ 116
18.3. Locação em Shopping Center ............................ 116
18.4. Ação Renovatória na Locação em Shopping Cen-
ter .............................................................................. 117
18.5. Outras Questões Referentes à Locação .............. 118
18.6. O Contrato de Reserva da Localização .............. 118
18.7. Cláusulas de Não-Concorrência......................... 119
19. Arrendamento Mercantil (Leasing) ............................. 120
19 .I. Mecanismo Operacional, Utilidade e Função .... 120
19 .2. Qualificação........................................................ 120
19.3. Modalidades Específicas.................................... 122
19.3.1. Leasing financeiro.................................... 123
19.3.2. Leasing operacional................................. 124
19 .4. Regime Jurídico.................................................. 125
19 .4.1. Responsabilidade por vícios redibitórios . 125
19.4.2. Bens que podem ser objeto de leasing ..... 126
19.5. O Contrato.......................................................... 126
19.5.1. Características.......................................... 126
19.5 .2. Cláusulas obrigatórias .... ....... ... .... .. .. .... .... 126
19.6. Questões Polêmicas............................................ 129
19 .6.1. O pagamento antecipado do valor residual 129
19.6.2. Contratos de leasing com correção cam-
bial........................................................................ 140
19.7. Temas para Estudos Complementares .... ... ... .. ... . 142
20. Transporte de Coisa. Elementos. Direitos e Obrigações
do Remetente, do Transportador e do Consignatário. Trans-
porte Cumulativo ......... .. ....... ............. ..... ..... ... ... .. ......... .. ... 143
FERNANDO NEnO BOITEUX 257

20.1. Qualificação Jurídica.......................................... 143


20.2. Modalidades....................................................... 144
20.2.1. Transportes terrestres ...................... ......... 144
20.2.1.1. Transporte ferroviário ........................... 144
20.2.1 .2. Transporte rodoviário ........................ .... 146
20.2.2. Transportes aquáticos ou aquaviários ...... 147
20.2.3. Transportes aéreos ou aeroviários............ 148
20.2.4. Transportes por dutos ou dutoviários ....... 148
20.2.4.1. Transporte de álcool ........................ ...... 148
20.2.4.2. Transporte de petróleo........................... 148
20.3. Elementos do Contrato de Transporte................ 150
20.3.1. Partes........................................................ 150
20.3.2. Consentimento......................................... 151
20.3.3. Entrega da coisa....................................... 151
20.3.4. Remuneração............................................ 151
20.4. Obrigações do Remetente................................... 151
20.4.1. Entregar a coisa........................................ 151
20.4.2. Pagar o preço............................................ 151
20.4.3. Declarar o valor e natureza da coisa........ 151
20.5. Obrigações do Transportador............................. 152
20.5.1. Receber a coisa......................................... 152
20.5.2. Expedir conhecimento de transporte........ 152
20.5.3. Responder por perdas ou avarias.............. 152
20.5.4. Limitação de responsabilidade................. 153
20.6. Direitos e Obrigações do Destinatário ............... 155
20.6.1. Direitos..................................................... 155
20.6.2. Obrigações ............................................... 155
20.7. Forma.................................................................. 155
20.7.1. Modais...................................................... 155
20.7.2. Multimodais ou intermodais .................... 155
20.7.3. Segmentados ............................................ 156
20.7.4. Sucessivos ou cumulativos....................... 156
20.8. Temas para Estudos Complementares................ 156
21. Transporte de Passageiros............................................ 157
21.1. Qualificação Jurídica.......................................... 157
21.2. Responsabilidade do Transportador................... 157
21.2.1. Transporte desinteressado, ou de simples
cortesia ... ....... .. .. ..... ....... ... .. .... ... .. .. .. .... .. .. .... .. .. .. .. . 159
21.2.2. Culpa de terceiro ...................................... 159
258 CoNTRATos MERCANTIS

21.3. Regulamentação ................................................. 160


21.4. Temas para Estudos Complementares................ 160
22. Depósito. Obrigações do Depositante e do Depositário.
Os Armazéns-Gerais.......................................................... 161
22.1. Características do Depósito Mercantil ............... 161
22.1.1. Contrato real............................................. 161
22.1.2. Onerosidade do contrato .. .... .... .. .... ... ....... 163
22.1.3. Outras características ... .......... .......... ........ 163
22.2. Objeto do Contrato .. ..... ...... ..... ............. .... ... ... ... . 163
22.3. Classificação....................................................... 163
22.4. Obrigações Recíprocas das Partes ...................... 164
22.5. Obrigações do Depositante................................. 165
22.5.1. Pagar ao depositário a comissão estabele-
cida....................................................................... 165
22.5.2. Indenizar o depositário pelas despesas e
por prejuízos......................................................... 165
22.6. Obrigações do Depositário ....... ....... .... ... ... .. .... ... 165
22.6.1. Guardar e conservar a coisa depositada ... 165
22.6.2. Restituir a coisa ... ... .. ... ..... .... .. .. ...... ... ... ... . 166
22.7. Tipos de Depósito............................................... 167
22.7.1. Depósito regular....................................... 167
22.7 .2. Depósito irregular ......... ....... .. .. ... ... ... ....... 167
22.7.3. Custódia de ações fungíveis..................... 167
22.8. Depósito em Armazéns-Gerais .. .... .. .. .. ... ...... ... ... 169
22.8.1. Características .......................................... 169
22.8.2. Direitos do depositário............................. 169
22.8.2.1. Receber remuneração............................ 169
22.8.2.2. Vender em público mercadoria conside-
rada abandonada................................................... 170
22.8.2.3. Direito de retenção................................ 170
22.8.2.4. Direito de indenização .......................... 170
22.8.3. Obrigações do depositário........................ 170
22.8.3.1. Guardar as mercadorias......................... 170
22.8.3.2. Emitir títulos ......................................... 171
22.8.4. Proibições ................................................. 172
22.9. Temas para Estudos Complementares................ 172
23. Seguro. Natureza e Elementos. Os Riscos. O Prêmio. O
Co-Seguro e o Resseguro. O Sinistro e a Indenização. Mo-
dalidades Específicas .... ... .... ... ..... ... ..... ... ... .. .. .... ... ... ... ... .... 173
FERNANDO NETIO BOITEUX 259

23.1. As Bases Técnicas da Operação de Seguros...... 173


23.2. Qualificação e Fontes ......................................... 173
23.3. Elementos Objetivos do Contrato de Seguro ..... 174
23.3.1. Interesse segurável................................... 174
23.3.2. Risco......................................................... 175
23.3.3. Garantia.................................................... 176
23.3.4. Prêmio ...................................................... 177
23.4. Partes .................................................................. 177
23.5. Instrumentos Contratuais ................................... 177
23.5.1. Proposta.................................................... 177
23.5.2. Apólice ..................................................... 178
23.5.3. Bilhete ...................................................... 178
23.5.4. Certificado................................................ 178
23.6. A Instituição do Beneficiário nos Seguros de Pes-
soas .............................................................................. 178
23.7. O Princípio da Boa-Fé........................................ 179
23.8. O Pagamento do Prêmio..................................... 179
23.9. O Co-Seguro....................................................... 180
23.10. O Resseguro ..................................................... 181
23.11. A Retrocessão ................................................... 182
23.12. A Ação Judicial de Cobrança da Indenização de
Seguro.......................................................................... 182
24. Penhor Mercantil. Modalidades Específicas ... ........ .. .. 183
24.1. Noção.................................................................. 183
24.2. Disciplina Legal .... .. .. .. ... .... .... ... .. .. .... .. ..... ... .. ... .. 183
24.3. Elementos ........................................................... 183
24.3.1. Objeto móvel............................................ 183
24.3.2. Tradição do objeto.................................... 183
24.3.3. Instrumento escrito................................... 185
24.4. Direitos e Obrigações das Partes .. ... .... .. ... ... ... .... 185
24.4.1. Credor....................................................... 185
24.4.1.1. Direitos .. ...... ... .. ..... ... .... .. .. .... ... .... ....... .. . 185
24.4.1.2. Obrigações .. .. ... ... ......... .... ... .... .. ... ...... ... 185
24.4.2. Devedor .... ..... .. ..... .. .... .. ... ... .. .... ... ...... .. .. ... 186
24.4.2.1. Direitos ... ..... ... .. .. ... .. .... ... .. ... ... .... ... ..... ... 186
24.4.2.2. Obrigações .... ... .. ... ... ...... ... ...... ... .... .... ... 186
24.4.2.3. Depositário infiel e penhor mercantil ... 186
24.5. Modalidades Específicas.................................... 187
24.5.1. Modalidades industriais ........................... 187
260 CoNTRATOS MERCANTIS

24.5.2. Penhor do sal............................................ 187


24.5.3. Penhor rural (agrícola ou pecuário) ......... 187
24.5.3.1. Objeto do penhor rural .......................... 188
24.5.3.2. Prazo do penhor rural ............................ 188
24.5.3.3. Depositário infiel e penhor rural........... 189
24.5.4. Penhor de mercadorias depositadas em ar-
mazéns-gerais....................................................... 189
24.5.5. Penhor de títulos de crédito (caução)....... 190
24.5.6. Penhor de ações de sociedade anônimas.. 191
25. Alienação Fiduciária em Garantia............................... 192
25.1. Introdução........................................................... 192
25.2. Qualificação........................................................ 193
25.3. Disciplina Legal................................................. 194
25.4. Distinção entre Contratos Afins ......................... 194
25.5. Partes .................................................................. 194
25.6. Coisa................................................................... 195
25.6.1. Coisa móvel ou imóvel ............................ 195
25.6.2. Coisa fungível ou consumível.................. 195
25.6.3. Coisas futuras........................................... 196
25.6.4. Coisas do próprio devedor ....................... 196
25.6.5. Títulos de crédito e ações......................... 196
25.6.6. Navios e aeronaves................................... 197
25.6.7. Veículos automotores............................... 197
25.7. O instrumento do Contrato................................. 198
25 .8. Inadimplemento e Mora ..................................... 198
25.9. Execução Judicial............................................... 200
25.1 O. Prisão do Devedor (Depositário Infiel) ............ 200
25 .11. O Caráter Acessório da Alienação Fiduciária em
Garantia ... .. .... ... . ... .... .. .. .. ... ... .. .. ... . ... ... . ... .. .... .. ... .. .. .. .. .. 202
25.12. Questões Tributárias......................................... 203
25.13. Temas para Estudos Complementares.............. 203
26. Mandato Mercantil ...................................................... 204
26.1. Requisitos do Mandato Mercantil ...................... 205
26.2. Características .................................................... 205
26.3. Obrigações do Mandante.................................... 205
26.4. Obrigações do Mandatário ................................. 206
26.5. Extinção do Mandato ......................................... 206
26.5.1. Revogação do mandato pelo mandante.... 206
26.5 .2. Renúncia do mandatário........................... 207
FERNANDO NETIO 80ITEUX 261

26.5.3. Morte ou incapacidade do mandante ou do


mandatário............................................................ 207
26.5.4. Mudança de estado do mandante ou man-
datário................................................................... 207
26.5.5. Terminação do prazo ou conclusão do ne-
gócio..................................................................... 208
26.6. Mandato Irrevogável .......................................... 208
26.6.1. Procuração em causa própria ................... 208
26.6.2. O mandato outorgado como causa de outro
negócio ..... .. ....... .. ...... .... ........ ........... .. .... ..... .... ..... 209
26.6.3. O mandato conferido ao sócio como admi-
nistrador .......... .... .. ..... .... ...... ...................... ..... ..... 209
26.7. Temas para Estudos Complementares................ 210
27. Gestão de Negócios..................................................... 211
27.1. Noção.................................................................. 211
27.2. Disciplina Legal ................................................. 211
27.3. Elementos........................................................... 211
27.4. Temas para Estudos Complementares................ 212
28. A Representação Comercial Autônoma....................... 213
28.1. Noção.................................................................. 213
28.2. Distinção entre Contratos Afins ......................... 213
28.2.1. Entre representante comercial autônomo e
empregado ............................................................ 213
28.2.2. Entre representante comercial e corretor . 215
28.2.3. Entre representante comercial e distribui-
dor........................................................................ 216
28.3. Função do Contrato............................................ 216
28.4. Exercício Regular da Representação Comercial
Autônoma.................................................................... 217
28.5. Forma de Contratação........................................ 217
28.6. Obrigações Específicas do Representante.......... 220
28.7. Obrigação Específica do Representado.............. 220
28.8. Resilição do Contrato por Prazo Indeterminado 221
28.8.1. Aviso prévio............................................. 221
28.8.2. Indenização .............................................. 221
28.9. Resolução por Inadimplemento (Justa Causa)... 222
28.9.1. Por inadimplemento do representante...... 222
28.9.2. Por inadimplemento do representado....... 223
28.10. Prescrição ......................................................... 224
28.11. Temas para Estudos Complementares.............. 224
262 CONTRATOS MERCANTIS

29. Comissão Mercantil..................................................... 225


29.1.Noção.................................................................. 225
29 .2. Classificação....................................................... 225
29.3. Relações entre Comitente e Comissário............. 226
29.3.1. Tipos de comissão.................................... 226
29.3.2. Direitos e obrigações do comitente.......... 226
29.3.3. Direitos e obrigações do comissário ........ 226
29.3.4. A comissão de! credere ............................ 227
29.4. Relações com Terceiros...................................... 227
29.5. Comissão e Negócios de Bolsa .......................... 227
29.6. Temas para Estudos Complementares................ 229
30. Faturização (Factoring)............................................... 230
30.1. Função .... .................................... ........................ 230
30.2. Origens ...................................................... .. ....... 230
30.3. Características .................................................... 231
30.4. Qualificação........................................................ 232
30.5. Factoring e Atividade Financeira....................... 233
30.6. Factoring e Sigilo Bancário ............................... 234
30.7. Remuneração do Factor (Faturizador) .............. 236
30.8. Endosso de Títulos e Factoring.......................... 236
31. Franquia Empresarial (Franchising) .. ......................... 238
31.1. Aspectos Gerais .. ... ... ...... ........ ........... ... ......... ... .. 238
31.2. Modalidades de Franchising ....... .. ..... .. .... ....... ... 239
31.3. Mecanismo Operacional..................................... 239
31.4. Conceito e Características .................................. 240
31.5. Análise da Estrutura do Negócio........................ 242
31.5.1. Sanções..................................................... 244
31.5.2. Aplicabilidade da lei ................................ 245
31.5.3. Validade do contrato e eficácia em relação
a terceiros ... ....... .. .. .... ... ..... .... .... .. .... ..................... 245
31.5.4. O franchising e a falência ........................ 246
31 .6. Temas para Estudos Complementares................ 246
32. O Contrato de Engenharia (Engineering) e a Emprei-
tada Mercantil.................................................................... 247
32.1. Aspectos Gerais .................................................. 247
32.2. Qualificação Jurídica.......................................... 248
32.3. Temas para Estudos Complementares................ 250

Bibliografia........................................................................ 263
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