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TEXTOS DE APOIO DIREITO DO COMÉRCIO

INTERNACIONAL

Maputo, Setembro de 2023

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 1


ÍNDICE

1. Introdução ao Direito do Comércio Internacional ............................................... 4


1.1 Âmbito, conceito e autonomia do Direito do Comércio Internacional ....... 4
a) Âmbito e conceito do Direito do Comércio Internacional ............................... 4
b) Autonomia do DCI ............................................................................................................. 5
c) O papel de instituições chave na harmonização das normas do DCI ......... 5
1.2 Distinção DCI e demais ramos de direito................................................................. 7
1.3 Princípios e características do DCI ....................................................................... 8
2. Fontes do DCI, a Lex mercatoria: origem, definição e alcance ............................ 9
2.1 Características da Lex Mercatoria ............................................................................. 10
2.2 Lex Mercatoria e autonomia da vontade ................................................................ 10
2.3 Nova Lex Mercatoria ........................................................................................................ 11
3. Fontes do DCI............................................................................................................................ 13
4. Modos de Regulamentação das relações comerciais internacionais ................ 14
4.1 Regulação na ordem jurídica interna ....................................................................... 14
a) Designação das partes do direito aplicável ....................................................... 15
b) Criação de direito material especial de fonte interna ..................................... 15
c) Aplicação de direito material especial de fonte supraestadual ................ 16
4.2 Regulação na ordem jurídica internacional e na ordem jurídica
comunitária ................................................................................................................................. 17
4.3 Regulação pela lex mercatoria .................................................................................... 19
5.1 Conceito e elementos de contrato internacional ............................................... 19
5.2 Características e natureza jurídica do contrato internacional de
comércio ....................................................................................................................................... 20
a) Carácter comercial do contrato: ............................................................................ 20
b) A internacionalidade do contrato .......................................................................... 21
5.3 Outras especificidades e natureza jurídica do contrato internacional ..... 23
5.4 A natureza documentária da contratação internacional ................................. 24
6. A formação dos contratos internacionais ..................................................................... 25
6.1 As partes e as negociações ........................................................................................... 25
6.2 Fases da formação do contrato ........................................................................... 25
a) Pré – negociação ............................................................................................................ 26
ii. Quid pro Quo e Caviet Emptor ................................................................................ 29
iii. Mirror of Image .............................................................................................................. 30
iv. The Battle of Forms - A Batalha de formas ....................................................... 30

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 2


b) Negociação ....................................................................................................................... 33
vii. A questão de responsabilidade por rompimento das negociações .......... 34
a) Decisão sobre as negociações ...................................................................................... 37
b) Celebração do contrato .................................................................................................. 38
6.3 Regime jurídico aplicável em Moçambique ........................................................... 39
7. A Lei aplicável ........................................................................................................................... 40
7.1 Breve introdução a lei aplicável ................................................................................. 40
7.2 Direito Internacional Privado ...................................................................................... 41
a) A Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei aplicável as obrigações
contratuais ............................................................................................................................... 42
b) A Convenção Interamericana sobre o direito aplicável aos contratos
internacionais – Convenção de México ....................................................................... 44
b) A Convenção de Haia de 1986 sobre a lei aplicável aos contratos de
compra e venda de mercadorias ..................................................................................... 44
7.5 Ordem Pública e Fraude a Lei ..................................................................................... 45
a) Ordem Pública ................................................................................................................... 45
b) Fraude a Lei ..................................................................................................................... 45
7.6 Tipos de clausulas do Contrato de CV Internacional de mercadorias ....... 48
ii. Cláusulas Típicas dos contratos internacionais .......................................... 49

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1. Introdução ao Direito do Comércio Internacional

1.1 Âmbito, conceito e autonomia do Direito do Comércio Internacional

a) Âmbito e conceito do Direito do Comércio Internacional

O Direito do Comércio Internacional (DCI) pode ser entendido em dois


sentidos. No primeiro, como o ramo de direito que regula o conjunto de
transacções económicas realizadas entre Estados enquadrando-se nas
relações macroeconómicas. Neste caso, o DCI é entendido na perspectiva do
Direito Internacional Económico (DIE) como o conjunto de normas princípios
do Direito Internacional Público (DIP) que regulam directamente as
transacções económicas entre sujeitos de direito internacional.

No segundo sentido, o DCI pode ser entendido como o conjunto de


normas que regulam as relações entre operadores económicos que entram em
contacto com a vida económica de mais de um Estado – relações
microeconómicas. Neste caso, o DCI é o conjunto de normas e princípios que
regulam as relações entre operadores económicos que estão em contacto com
a vida económica de mais de um Estado. Estas relações extravasam a esfera
social económica de um Estado. Enquadra-se no âmbito do direito privado
das relações comerciais internacionais.

Face a dispersão das normas do DCI, algumas instituições


desenvolveram trabalhos visando trazer um conceito harmonizador, é o caso
da United Nations Comission on Internacional Trade Law (UNCITRAL)1 -
Comissão das Nações Unidas sobre o Direito do Comércio Internacional
(CNUDCI), estabelecida pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1966,
que tem desempenhado um papel fundamental na promoção, harmonização
e unificação do Direito do Comércio Internacional. A UNCITRAL é composta
por 70 países representando diferentes regiões geográficas eleitos para um
mandato de seis anos.

1
https//uncitral.un.org//en/about/faq/mandate_composition

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Pelo conceito da UNCITRAL, o DCI é entendido como o conjunto de
regras aplicáveis as relações comerciais de direito privado envolvendo
diversos países. Esta definição não restringe o DCI à regulação das relações
estabelecidas entre operadores económicos baseados em diversos países, mas
inclui todas as relações comerciais de direito privado que envolvem diferentes
países, sejam ou não os seus operadores económicos.

É nossa percepção que o DCI é o conjunto de regras e princípios de


carácter privado que regulam as relações comerciais internacionais que
envolvem entes empresariais, baseados em Estados diferentes, no
exercício da sua actividade mercantil.

b) Autonomia do DCI

O DCI tem autonomia em relação ao direito interno, distinguindo-se de


outros ramos de direito como o Direito Comercial, pois regula as relações
“business to business”.

O DCI é uma disciplina com autonomia científica e pedagógica.


Contudo, deve ser estudada tendo em atenção as relações importantes com
outros ramos de direito.

Deste modo, num sentido restrito, excluem-se do âmbito do DCI a


regulação das relações entre consumidores finais pois há desigualdade
económica entre as partes, excluem-se as relações laborais.

c) O papel de instituições chave na harmonização das normas do DCI

Algumas instituições desempenharam um papel chave na


harmonização das normas do DCI.

Como já referimos, a CNUDCI joga um papel fundamental na


harmonização das normas do DCI, produzindo instrumentos que norteiam a
definição de normas internas. Por exemplo, definiu o Legal Guide on
Countertrade Transactions – o Guião Legal sobre as transacções de
Countertrade, que orienta as transacções comerciais internacionais deste tipo
de contrato.

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O International Institute for the Unification of Private Law -
Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (UNIDROIT),
desempenha igualmente um papel relevante na harmonização das normas do
DCI, através da produção dos Princípios de UNIDROIT, importante
instrumento que prevê os usos e costumes dos comerciantes e que inspiram
a maior parte das normas do DCI.

No exercício da harmonização das normas do DCI, igualmente tem


desempenhado um papel relevante a United Nations Conference on Trade
and Development (UNCTAD) – Conferência das Nações Unidas para o
Comércio Internacional e Desenvolvimento (CNUCID). Este é um fórum onde
se debatem as questões sobre o comércio internacional incentivando que os
Estados membros das Nações Unidas ratifiquem os instrumentos aprovados
por esta organização.

A UNCTAD sensibilizou os Estados membros das Nações Unidas para


a ratificação da Convenção internacional sobre a compra e venda
internacional de mercadorias de 1980 – Convention on International Sales on
Goods (CISG).

A Câmara de Comércio Internacional (CCI) é outra importante


organização, sediada em Paris, fundada em 1922, que tem exercido uma
marcante influência nas transações económicas internacionais e no Direito
Internacional. Esta organização é reconhecida pela publicação dos
International Commercial Terms (INCOTERMS).

A CCI é um órgão de direito privado e a sua acção, como entidade


privada, é exercida em coordenação com outros órgãos que intervêm na área
do direito público. As normas por si emanadas não são obrigatórias,
constituem lex mercatoria, soft law mas uma vez acolhidas são respeitadas e
aplicadas em inúmeras transações económicas.

Os sujeitos do DCI são maioritariamente entes empresariais


funcionando o princípio da autonomia da vontade.

Em termos de âmbito de aplicação espacial, o DCI actua em espaços


transaccionais.

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1.2 Distinção DCI e demais ramos de direito

Face as matérias abordadas no DCI, em alguns casos existem dúvidas


sobre o enquadramento desta disciplina. Por isso, torna se importante
apresentar algumas disciplinas que estabelecem uma relação com o DCI mas
não retiram a autonomia do DCI deste ramo de direito.

Direito Internacional Privado - regula as situações transnacionais da


resolução de conflitos, orientando sobre a lei aplicável nestas situações. Ex.
de áreas comuns com DCI, direito de conflito de sociedades e das obrigações
voluntárias, competência internacional em matéria contractual,
reconhecimento de decisões estrangeiras em matéria contractual. Ex. Artigos
41 e 42 do CC artigo 6 C.Comercial.

Direito Comercial – tem em comum a abordagem das questões de


comércio mas distinguem-se porque o DCI põe em causa sistemas jurídicos
diferentes, complexos e por vezes conflituosos, regula relações transacionais.
Há relações que podem ser comerciais no DCI mas não no direito interno.

Direito Internacional Económico – o DIE é entendido como o conjunto


de regras e princípios de DIP que regula as transacções económicas entre
sujeitos de Direito Internacional. O DCI regula as relações transacionais entre
operadores do comércio internacional. O DIE e DCI distinguem-se pelo objecto
e destinatários das suas normas.

Direito Económico Internacional – é o direito público da economia -


legislação sobre investimento estrangeiro, direito de concorrência, direito
fiscal.

Direito Comunitário, regula a liberdade de circulação de pessoas,


mercadorias, serviços e capitais.

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1.3 Princípios e características do DCI

A constituição e vida do DCI é regida por princípios dos quais destacamos


quatro:

• Liberdade contractual/Autonomia da vontade – previsto no artigo 1.1


dos Princípios do UNIDROIT, princípio previsto no artigo 42 do Regime
Jurídico dos Contratos Comerciais (RJCC).

• Liberdade formal – previsto no artigo 1.2 dos Princípios do UNIDROIT.


Decorrente da liberdade formal, o RJCC. prevê no seu artigo 6 o princípio
da liberdade de forma, e ainda no artigo 38 prevê o contrato electrónico.
• Boa fé – previsto no artigo 1.7 dos Princípios do UNIDROIT, artigo 3 do
RJCC.

• Pacta sunt servanda – previsto no artigo 1.3 dos Princípios do UNIDROIT.

Estes princípios norteiam a constituição e vida dos contratos


internacionais de comércio orientando as partes no processo de negociação,
execução e resolução de disputas que podem emergir, dentre outras questões.

Dentre as principais características do DCI destacamos:

• A informalidade, para a maior parte das transações do DCI não se


impõem procedimentos predefinidos;

• A flexibilidade, as normas do DCI podem sempre ser adaptadas. O artigo


6 da CISG é dos exemplos que permite a possibilidade de adaptação das
suas normas;

• A liberdade, as partes podem definir livremente o conteúdo do seu


contrato escolhendo a lei aplicável, o foro, procedimentos para a resolução
de disputas, dentre outras questões.

Podem ainda ser apontadas outras características do DCI, a onorosidade


pelo facto nas relações entre as partes haver contrapartidas avaliáveis em
dinheiro, a consensualidade, pelo facto dos acordos serem sempre
alcançados pelo consenso entre as partes impondo que cada uma delas exerça
a sua vontade.

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2. Fontes do DCI, a Lex mercatoria: origem, definição e alcance

Não se pode falar da história do DCI sem apontar o papel


desempenhado pela lex mercatoria.

Tradicionalmente os mercadores organizavam feiras, atracando os seus


navios em portos, que constituíam sedes de centros de comércio, onde eram
celebrados contratos de vendas, fixavam-se condições do mercado,
alcançavam-se consensos sobre preços dos produtos, facto que veio a originar
um tipo de comércio transfronteiriço e a criar um serviço bancário para
financiar este tipo de comércio.

Foi com o desenvolvimento do comércio na Europa que a lex mercatoria


surgiu e consolidou a base jurídica internacional sobre o comércio.

Os tribunais, ao julgarem litígios, não utilizavam a "Common Law" mas


sim a lex mercatoria, entendida como o costume dos comerciantes, o direito
dos contratos aplicado independentemente da lei do lugar e da lei pessoal das
partes que agiam em pé de igualdade no processo.

Com a criação do Estado, a lex mercatoria foi lentamente perdendo lugar


para as legislações nacionais, que de certa maneira, tem incorporado os
costumes dos comerciantes no seu sistema jurídico.

A codificação do direito comercial trouxe, como consequência, o


enfraquecimento do poder dos comerciantes de livremente estipularem as
suas regras de conduta, uma vez que os procedimentos estavam previstos na
legislação nacional.

O DCI moderno deve alguns dos seus princípios fundamentais à Lex


mercatoria desenvolvida na Idade Média, que destaca, dentre outras, a
questão da escolha de instituições e procedimentos arbitrais, a lei aplicável.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 9


As regras usadas para negociação possuíam, características que
procuravam suprir a dificuldade de se efectuar negócios com comerciantes
advindos de outros países por isso, lex mercatoria desempenhava um papel
preponderante na colmatação de lacunas.

2.1 Características da Lex Mercatoria

Dentre as características da lex mercatoria destacam-se as seguintes:

• São regras que não seguem a lei nacional de nenhum Estado-nação,


sendo, portanto, transnacionais;

• Instituem um processo rápido e informal, dada à necessidade de se


dirimir os conflitos imediatamente; as corporações ou “tribunais”
constituídos nas feiras aplicavam as mencionadas regras, dirimindo
conflitos;

• A fidelidade aos costumes mercantis era a base que preconizava a


liberdade contratual na regulação dos contratos como requisito
fundamental.

Na idade moderna, o Estado invocou o monopólio legislativo com o


objectivo de fortalecer as nações, tomando como incompatíveis as normas
emanadas dos usos e costumes dos comerciantes.

As legislações nacionais se fortaleceram nesse período, ficando cada vez


mais claro que a lex mercatoria era incompatível com o direito soberano de
cada Estado produzir as suas leis, ou seja, que um direito baseado em
práticas, usos e costumes mercantis, de cunho supranacional, não poderia
sobrepor-se a força normativa das leis nacionais.

A CCI organizou debates acerca do desfasamento da produção normativa


nacional em virtude das novas práticas do comércio mundial.

2.2 Lex Mercatoria e autonomia da vontade

A autonomia da vontade, princípio fundamental na realização dos


contratos internacionais, permite às partes a escolha da lei que irá reger o
seu contrato.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 10


A lex mercatoria, entendida como um novo direito surgido da
comunidade de comerciantes pode ser chamada, segundo alguns
doutrinadores, a regular o contrato como complemento à lei aplicável por
força da autonomia da vontade das partes.

Através da autonomia da vontade as partes encontrariam na lex


mercatoria um veículo eficaz para regular as suas negociações e reger
eficazmente os seus contratos e negócios.

Deste modo, as regras específicas criadas pela própria comunidade de


comerciantes nas relações de comércio internacional, seriam a resposta
adequada para os novos desafios do mundo globalizado.

2.3 Nova Lex Mercatoria

A existência de uma nova lex mercatoria, entendida como um direito


autónomo, independente das legislações nacionais, e nascido dos usos e
costumes internacionais é defendida por eminentes doutrinadores como
Berthold Goldman, Philippe Khanm e Clive M. Schimitthoff.

Para Berthold Goldman, a lex mercatoria seria um conjunto de princípios,


instituições e regras provenientes de diversas fontes, que nutre constantemente
as estruturas legais e a actividade específica da colectividade dos operadores
do comércio internacional.

Goldman defendia inicialmente que a lex mercatoria era um corpo


autónomo de direito formado graças à autonomia da vontade, pela repetida
aplicação e eficácia nas operações do comércio e arbitragem internacional. O
autor entendia que a lex mercatoria possui âmbito e finalidade compatíveis
com a qualificação de sistema jurídico.

Em 1985, o autor oferece uma definição mais pragmática para o


conceito de lex mercatoria, que seria entendido como um conjunto de
princípios gerais e regras costumeiras referidas espontaneamente ou criadas
dentro da estrutura do comércio internacional, sem referência a um sistema
jurídico nacional em particular.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 11


Nessa nova definição de Goldman, vê-se a lex mercatoria como um
conjunto de princípios e regras de costume, e não mais um sistema ou ordem
jurídica supranacional. Neste caso o autor altera fundamentalmente a sua
doutrina. Opõem-se à teoria da nova lex mercatoria como sistema
supranacional Henri Batiffol, Loussouarn, Kleins e F.A. Mann.

Os autores acima defendem que a lex mercatoria não pode ser


considerada ordem jurídica por lhe faltar organização suficiente, com a
comunidade de comerciantes não possuindo coesão social para criação de
uma nova ordem jurídica.

Além disso, não há uma única sociedade organizada de mercadores,


mas várias delas, com isso, ao invés de um, ter-se-ia uma pluralidade de
direitos "mercatórios" das diferentes áreas do comércio internacional.

Para Cleive Schmitthoff, quando se fala de lex mercatoria trata-se de


princípios comuns de leis relacionados aos negócios comerciais
internacionais, ou regras uniformes aceitas por todos os países.

Concluindo:

Parece prudente afirmar que a lex mercatoria não possui o status de um


novo direito. Os princípios, instituições e regras costumeiras advindas da
comunidade de comerciantes, ainda que possuam relevância para a vida dos
negócios internacionais não possuem autonomia perante os direitos estatais,
desempenha um papel fundamental na colmatação de lacunas diante do caso
concreto.

Ninguém duvida da importância dos usos e costumes para o comércio


internacional. Não podemos, todavia, considerá-los integrantes de um novo
direito nacional por faltar-lhe legitimidade. Tanto que tais usos e costumes
somente podem existir se a ordem jurídica de um Estado lhes reconhecer a
validade. Do confronto entre normas provenientes da lex mercatoria e o direito
estatal, este último sempre irá prevalecer.

A lex mercatoria não pode existir fora de um ordenamento jurídico que


lhe sirva de suporte. A arbitragem internacional, seu principal veículo de

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difusão, não pode estar alheia ao sistema estatal, seja como estrutura
organizada, seja como norma aplicável.

A lex mercatoria é conhecida como soft law ou droit mou, muito comum
em direito internacional público, são regras cujo valor normativo é limitado e
que não são juridicamente obrigatórias. Igualmente são entendidas como
normas provenientes de entidades com legitimidade para as emitir, como as
organizações internacionais ou outras como a Camara de Comércio
Internacional, mas que não tem carácter de obrigatoriedade.

Não são tratados internacionais ou convenções internacionais. Estas


contrastam com a hard law que tem carácter obrigatório e as suas
consequências levam a sanções de diversa ordem.

3. Fontes do DCI

Os contratos- tipo ou standards, seriam regulamentações ou


fórmulas de contratos, padronizadas com inúmeros pontos em comum,
somente se diferenciando nas particularidades de cada ramo de comércio.
Normalmente são elaborados por organizações ou associações internacionais
que buscam uniformizar a prática comercial, por exemplo, pode-se citar a
London Corn Trade Association que somente para o comércio de trigo fornece
cerca de 60 contratos-tipo.

A Jurisprudência arbitral, principalmente aquela emanada de


importantes instituições de arbitragem internacional como a CCI. Inúmeros
casos solucionados pela jurisprudência arbitral inspiram as regras de DCI.

Direito do Comércio Internacional tem também fontes nacionais ou de


direito interno, os Estados emitem actos unilaterais que afectam o comércio
internacional. Ex. regras que disciplinam os empréstimos externos.

As Convenções internacionais, por exemplo:

• Convenção de Viena de 11 de Abril de 1980 sobre a compra e venda


internacional de mercadorias – CISG na sigla inglesa;

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• Convenção das Nações Unidas em matéria de prescrição nos contratos
de compra e venda internacional de mercadorias, de Nova York, em 14
de Junho de 1974.

• Convenção Interamericana de direito Internacional Privado sobre o


Direito Aplicável aos Contratos Internacionais (denominada CIDIP – V);

• Convenção de Roma de 1980, sobre a lei aplicável as obrigações


contractuais.

• Lex Mercatoria – Ex: Princípios de UNIDROIT sobre contratos comerciais


internacionais, INCOTERMS, Regras e práticas uniformes em matéria
de créditos documentários, o Legal Guide sobre o Countertrade.

4. Modos de Regulamentação das relações comerciais internacionais

4.1 Regulação na ordem jurídica interna

No caso do DCI, o contrato é a fonte primária de regulação do direito


entre as partes. Os órgãos estaduais ou órgãos transnacionais (arbitragem
transnacional) podem aplicar as normas relativas aos contratos vigentes na
ordem interna de um Estado.

Os tribunas estaduais que dirimem o conflito resultante da


implementação do contrato podem ter como base as normas internas
escolhidas pelas partes. É preciso ter em conta que vigoram também na ordem
interna normas supra estaduais - Convenções internacionais de sejam
acolhidas pelos Estados. Contudo, há uma regulação limitada dos contratos
comerciais internacionais na ordem jurídica estadual.

O direito de conflitos de uma ordem jurídica interna de um Estado tem


sido alternativo na regulação dos contratos internacionais, em especial
quando as partes nada dizem sobre a lei aplicável.

Muitos ordenamentos tem o direito de conflitos interno que regulam as


relações obrigacionais. Em Moçambique a questão da escolha da lei aplicável
nos contratos internacionais encontra se regulada nos artigos 582 e seguintes
do Regime Jurídico dos Contratos Comerciais (RJCC). Quando as partes nada

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 14


se referem a lei aplicável é relevante a norma do artigo 42 do Código Civil (C.C)
moçambicano.

A Convenção de Roma sobre a Lei aplicável as obrigações contractuais


(1980), a Convenção Interamericana sobre a Lei aplicável as obrigações
contractuais (conhecida como Convenção de México) e a Convenção de Haia
de 1986 sobre a Lei aplicável aos contratos internacionais de compra e venda
para alguns países podem ser fontes.

a) Designação das partes do direito aplicável

A priori, não existe uma lei competente para reger o contrato. Existe a
autonomia da vontade na determinação do direito aplicável aos contratos
comerciais internacionais – princípio comum do Direito Internacional Privado
que muitos países acolhem. Podem ser designadas quaisquer ordens jurídicas
as relações de comércio internacional.

O artigo 3 da Convenção de Roma sobre a Lei aplicável 1980, o artigo 7


da Convenção intermericana e da Convenção de Haia de 1986 inspira nesta
matéria.

Neste caso, salvaguarda-se o interesse das partes- auto determinação


das partes, há certeza previsibilidade e facilidade das partes, protecção
recíproca. Muitas partes remetem a regulação do seu contrato a lex
mercatoria.

Existem limitações da autonomia da vontade, a ofensa a ordem pública


do foro e fraude a lei.

É importante verificar salvaguarda de normas imperativas de cada


Estado – artigo 7 Convenção de Roma 1980.

b) Criação de direito material especial de fonte interna

Esta técnica tem sido usada quando as partes definem cláusulas


específicas nos contratos internacionais que indicam uma determinada
ordem jurídica para reger a relação e apontam uma lei material especial de
fonte interna como a aplicável a relação. Funciona em sistemas em que a lei

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 15


é a principal fonte de direito comercial internacional. Ex. O Código de
Comércio Internacional da ex-Checoslováquia de 1964 e a Lei sobre os
Contratos Internacionais da ex-RDA de 1976.

A aplicação desta técnica ajuda na identificação da lei aplicável para os


casos em que as partes nada se referirem sobre a matéria. Sendo uma das
normas de conexão especial. Algumas críticas apontadas é que esta técnica
compromete a continuidade das situações transnacionais colocando em risco
a segurança jurídica e harmonia internacional de soluções. Só se explica a
sua aplicação em casos excepcionais.

Certas normas de direito material especial de fonte interna servem de


instrumentos de intervenção dos Estados sobre as relações económicas
transnacionais. Ex; Lei de investimentos. Podem ser de 2 tipos, as normas de
aplicação dependente do sistema de direito de conflitos e as normas cuja
aplicação resulta de normas cuja aplicação resulta de normas de conexão
especiais.

Para este modo, é importante tomar em conta os seguintes aspectos:

• Relevância das normas imperativas estrangeiras. As normas


estrangeiras que não são chamadas pelo direito de conflitos- Ex. artigo
7, nº1 prevê respeito de normas imperativas, artigo 1.4 Princípios de
UNIDROIT.
• O reconhecimento de decisões estrangeiras pelo país, relativa a um
conflito envolvendo contrato comercial internacional.

c) Aplicação de direito material especial de fonte supraestadual

A CNUDCI e o UNIDROIT procuram harmonizar o DCI promovendo a


aprovação de normas que constituem direito material especial de fonte supra
estadual- Convenções internacionais - Ex: CISG de 1980.

As convenções internacionais são aqui chamadas, elas delimitam a esfera


de aplicação de regulação dependem das normas de conexão que especiais
que são úteis na definição do critério da determinação da internacionalidade,

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 16


na ligação com um Estado contratante e que remetem ao sistema do direito
de conflitos.

Os tribunais estaduais e a arbitragem transnacional devem respeitar as


normas do direito unificado quando aplicáveis a uma relação contractual em
DCI e devem contribuir para a uniformidade internacional de interpretação.

Como críticas a este modo de regulamentação, entende-se que há


limitações do direito unificado como a falta de regulação de determinados
aspectos como a CISG só se dedica a formação dos contratos. Entende se que
a unificação não é universal, permite remeter a lei de um Estado mas não ao
direito de um Estado que não seja parte. O direito unificado cria divergências
de interpretação e integração da CISG.

Os tribunais estaduais e a arbitragem transnacional são chamados a


interpretar normas e integrar lacunas.

4.2 Regulação na ordem jurídica internacional e na ordem jurídica


comunitária

Neste caso, temos a regulação do contrato na esfera da ordem jurídica


internacional assim como a aplicação directa ao contrato do Direito
Internacional Público (DIPu) aos litígios resolvidos por instituições criadas no
âmbito do DIPu –Ex: estatuto do Tribunal Internacional de Justiça.

Há contratos em que uma das partes é o Estado despido do seu ius imperi
enquadrando-se em actos ius gestionis, que se aplica o DIPu e que há
necessidade de determinar o direito aplicável. Às relações do DCI e DIPu
remissão do DIPu a regulação de certo contrato na ordem estadual.

Temos aqui a arbitragem quasi-internacional pública que se trata da


arbitragem do direito internacional que visa dirimir litígios estabelecidos entre
particulares que podem recorrer a estas jurisdições embora não se
debruçando sobre o fundo da causa.

Um contrato conformado pelo direito público do Estado envolvido pode


ser encarado pelos tribunais de outro Estado perante o DIP como resultante
de uma relação ius gestiones e não beneficia de imunidade de jurisdição.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 17


Os Estados devem abster-se de impor a sua lei, há a internacionalização
dos contratos – contratos quasi internacionais públicos. Nestes casos, pode
colocar-se problemas de determinação do direito aplicável aos contratos
celebrados entre particulares e organizações internacionais;

Nestes casos, aborda-se o acesso de particulares a jurisdições


internacionais como o Centro Internacional de Resolução de Disputas sobre
o Investimento (CIRDI) também conhecido por Centro Internacional para a
Arbitragem de Disputas sobre Investimentos, este que é uma instituição de
arbitragem internacional estabelecida em 1965 para a resolução jurídica de
disputas para a conciliação entre investidores internacionais e oferece apoio
institucional e operacional a comissões de conciliação, a tribunais arbitrais e
a outros comités.

Neste caso, temos a internacionalização dos contratos de Estado -


contratos de investimento celebrados pelo Estado jurisdição internacional
pode dirimir conflitos resultantes destes contratos.

Neste caso, abordamos a eficácia das freezing clauses, muito comuns


nos Host Government Agreements (HGA) ou contratos/acordos internacionais
de investimento estabelecidos entre um governo e um investidor estrangeiro
relativo a um projecto que fixam ou congela durante o período de vigência do
projecto, a legislação aplicável.

Existem dois tipos de cláusulas de petrificação: as total freezing clauses


- cláusulas de petrificação total e as limited freezing clauses - cláusulas de
petrificação limitada2.

As cláusulas freezing podem ser cláusulas de estabilização ou de


intangibilidade. As freezing clauses estabilizam o direito aplicável e reflectem
a autonomia da vontade. Esta é uma técnica de petrificação direito aplicável
por exemplo, quando as partes definem que o direito a reger o contrato será
o que vigora no momento da celebração do contrato, as cláusulas de

2https://uk.practicallaw.thomsonreuters.com/. Understanding Stabilization


Clauses in International Investment Agreements

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 18


inaplicabilidade que referem que as modificações posteriores do direito
aplicável não interferem no contrato.

As cláusulas de intangibilidade obrigam as partes no contrato, em


especial, aquelas que podem ter uma supremacia sobre a outra (o Estado ou
uma grande empresa) a omitir actos normativos ou individuais que
modifiquem ou extingam a relação contractual.

4.3 Regulação pela lex mercatoria

Existe uniformidade internacional sobre o papel da lex mercatoria como


reguladora das relações de comércio internacional.

Neste caso, arbitragem internacional desempenha um papel relevante.

5. Estrutura e contexto das transacções comerciais internacionais

5.1 Conceito e elementos de contrato internacional

Contrato é o negócio jurídico bilateral consensual que consiste na


manifestação do acordo de vontade entre duas partes, que constituiu,
modifica ou extingue um direito produzindo efeitos de natureza patrimonial
para os contratantes.

Contrato Internacional por definição é toda relação jurídica


obrigacional estabelecida entre o importador e o exportador que, pelos actos
concernentes à sua conclusão ou execução, ou ainda tendo em conta a
situação das partes quanto à sua nacionalidade ou seu domicílio, ou à
localização de seu objecto, tem relações com mais de um ordenamento
jurídico. Diferenciam-se dos contratos domésticos.

Os contratos internacionais do comércio, como uma espécie de


contrato internacional, são todas as manifestações de vontade de duas ou
mais partes, baseadas em Estados diferentes, que criam relações
patrimoniais. Essas relações estão potencialmente sujeitas a dois ou mais
sistemas jurídicos.

Elementos essenciais de um contrato

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 19


Sujeitos contratantes – que participam no processo de contratação. A
aferição da sua capacidade e legitimidade é fundamental.

Objecto que deve ser lícito e juridicamente possível;

Garantia - que se traduzem nas cláusulas contractuais acordadas que visam


salvaguardar o cumprimento das orbigações manifestadas pela oferta e
aceitação.

Questiona-se, se DCI regula os contratos celebrados entre organizações


internacionais e entes empresariais e os Contratos entre Estados e entes
empresariais particulares. Nestes casos, tem havido um entendimento
dominante que nestes contratos o Estado ou ente público deve estar despido
do ius imperi praticando actos de gestão (ius gestionis).

Tem sido posição dominante que não são comerciais os contratos


celebrados com consumidores finais ou entre consumidores finais, os contratos
de trabalho, devido a situação de desigualdade económica entre as partes.

5.2 Características e natureza jurídica do contrato internacional de


comércio

O contrato internacional é um negócio jurídico bilateral, consensual,


oneroso e sinalagmático.

A comercialidade e a internacionalidade destes contratos são as


características específicas marcantes.

a) Carácter comercial do contrato:

Analisando o carácter comercial dos contratos, temos o caso de


contratos celebrados entre entes empresariais de direito privado diferenciado
-se daquelas efectuadas no exercício de actividades económicas por
profissionais independentes que não dispõem de uma organização
empresarial.

Nestes casos temos também os contratos celebrados pelo Estado em


actos ius gestiones sujeitando-se as normas aplicáveis aos particulares e
agindo como se fosse um particular. Estamos perante a renunciabilidade dos

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 20


actos praticados ius imperi sujeitando-se a arbitragem – em Moçambique tem
uma Lei da arbitragem Lei n.º 11/99 de 08 de Julho, artigos 52 e seguintes.

Em Direito Internacional Privado (DIPriv.) não há impedimentos de


aplicação do direito público vigente na ordem estrangeira designada pela
norma de conflitos que seja aplicável a situação privada internacional. Os
litígios emergentes nos contratos em que o Estado intervêm são arbitráveis.

Entendemos que a classificação do contrato como comercial no DCI não


pressupõe necessariamente o carácter jurídico privado do mesmo. O contrato
que intervêm o Estado não é comercial quando se submete a sua regulação
do direito publico interno, o contrato por forca do DIP se insira na ordem
jurídica de um Estado estrangeiro por se tratar de uma actuação ius imperi
não ter sido celebrada convenção de arbitragem ou renuncia a imunidade de
jurisdição.

A classificação de um contrato como comercial no DCI não pressupõe


necessariamente o carácter jurídico-privado do mesmo.

A participação de um sujeito público só obsta a classificação de um


contrato como comercial quando:

• O contrato fique directamente submetido ao direito público interno;

• O contrato por força do DIPu se insira exclusivamente na ordem jurídica


de um Estado estrangeiro por se tratar de um acto ius imperii, não ter
sido celebrado convenção de arbitragem válida nem ter ocorrido
renúncia a imunidade de jurisdição.

b) A internacionalidade do contrato

Podem ser usados o critério objectivo (elementos de conexão que


reportam ao objecto e aos factos como o lugar da celebração do contrato, o
lugar da execução e o lugar da situação da coisa objecto do contrato) e o
critério subjectivo (elementos de conexão pessoal, como a nacionalidade, o
domicílio, a sede do centro das actividades das partes).

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 21


Critério subjectivo de internacionalidade do contrato, baseia-se em
elementos de conexão pessoais como a nacionalidade, o domicílio, a sede, o
centro organizado de actividades das partes (estabelecimento). Ex: CISG -
pode ser internacional um contrato celebrado por uma sociedade sedeada e
estabelecida em Moçambique e uma sociedade sedeada e estabelecida na
Inglaterra.

Critério objectivo do contrato, quando atende elementos de conexão que se


reportam a objectos ou factos como o lugar da celebração do contrato, o lugar
da execução do contrato e o lugar da situação da coisa que seja objecto do
contrato. Ex: um contrato celebrado por duas sociedades namibianas para
realizar uma empreitada de obras públicas em Zimbabwe. Neste caso, o local
da execução do contrato pode chamar a internacionalidade este contrato.

Os contratos internacionais podem colocar em jogo interesses do comércio


internacional. Por isso, há necessidade de ver os níveis da internacionalidade
do contrato que podem ser determinados pelo direito de conflitos aplicado
pelos tribunais estaduais, direito da arbitragem transnacional e regime da
CISG.

Direito de conflitos aplicado pelos tribunais estaduais: Fonte


Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei aplicável as obrigações contratuais,
a Convenção de México sobre a aplicável aos contratos internacionais e a
Convenção de Haia de 1986 inspiram sobre esta matéria.

Para saber se um contrato coloca a questão de conflito de leis e necessário


recorrer a critérios de intencionalidade do contrato:

✓ Escolha do direito aplicável não afasta a aplicação das normas


imperativas do Estado onde o contrato se encontra localizado.

✓ Artigo 3, nº3 Convenção de Roma. Contratos internos de um Estado


apenas fazem referencia material a uma lei estrangeira.

✓ Ex: empresas A e B sedeadas na África do Sul celebram um contrato


para ser executado na África do Sul escolhem lei Inglesa para dirimir
conflito atribuindo aos tribunais ingleses competência para dirimir

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 22


conflitos. Este e um contrato interno na ordem sul africana, onde se
localiza a situação, mas estrangeiro para ordem jurídica inglesa. Há
aqui conflitos de leis - artigo 1 Convenção de Roma.

✓ Casos de contratos internos que tenham um nexo funcional com um


contrato internacional. Ex: um contrato de fornecimento de materiais
da empresa A para a empresa B baseadas em Zâmbia, porque a
empresa B tem um contrato celebrado com Tanzânia na construção de
uma ponte. O contrato de fornecimento são contratos internos com um
nexo funcional com um contrato internacional.

5.3 Outras especificidades e natureza jurídica do contrato internacional

Os contratos internacionais apresentam especificidades, das quais


podemos citar:

• O alcance, tendo em conta que ele é necessariamente extraterritorial,


sendo influenciado por sistemas jurídicos distintos;

• A submissão, considerando que a parte se submeterá ao ordenamento


jurídico da outra parte ou de uma outra nação neutra;

• O idioma, considerando que um contrato internacional normalmente


envolve um idioma que não o oficial do país, sendo o inglês o idioma
mais utilizado. Há também a possibilidade de um instrumento
contratual ser firmado em mais de um idioma, sendo necessário
determinar qual idioma prevalecerá em caso de controvérsia;

• A lei aplicável, uma vez que já que há autonomia para que as partes
escolham qual lei aplicar, possibilidade que não existe em um contrato
nacional;

• O foro e jurisdição competente, já que ficam a escolha das partes.

• A definição dos procedimentos de resolução de disputas, que não devem


se confundir com a escolha do foro. Os mecanismos de resolução de
disputas podem ser os comuns, recurso ao meio judicial (tribunais) ou
a escolha da arbitragem. As partes podem optar por recorrer a

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 23


mecanismos alternativos de resolução de disputas tais como a
mediação e a conciliação de modo a aproximar as partes antes do
recurso aos meios judiciais ou a arbitragem.

A validade dos contratos em geral advém de alguns elementos


essenciais, os quais estão divididos em condições e requisitos. Dentre as
condições usualmente necessárias para o contrato estão a capacidade das
partes, a sua legitimidade para intervir, a licitude do objecto do contrato.

Dentre os requisitos, estão o consentimento das partes (livre e


consciente manifestação de vontade das partes), o objecto (possível, lícito e
determinado) e a forma (autonomia das partes para determinar a forma do
contrato).

5.4 A natureza documentária da contratação internacional

Em muitos casos os contratos internacionais implicam não só a entrega


de mercadorias, mas também de documentos. Ex: artigo 34 CISG. O vendedor
está obrigado a entregar os documentos relacionados com as mercadorias e
deve fazê-lo no momento, lugar e forma previstos no contrato.

A qualquer momento o vendedor pode sanar qualquer falta e


conformidade dos documentos desde que o exercício deste direito não cause
ao comprador inconvenientes ou despesas irrazoáveis, pois neste caso, o
comprador tem o direito de pedir indemnização por perdas e danos.

Estes contratos implicam registo, em alguns casos, dos acordos sobre


as condições de venda, transporte, seguro e meios de pagamento (que muitas
vezes envolvem serviços financeiros), além de estabelecer a divisão dos ónus
por serviços portuários e custos alfandegários, sem esquecer de eventuais
obrigações adicionais, tais como a preparação de documentos e licenças
governamentais.

Apesar de um dos princípios fundamentais ser o da liberdade formal –


Ex: nos contrato de compra e venda de mercadorias – CISG –artigos 11, 12,96,
artigo 1.2 Princípios UNIDROIT, os contratos internacionais requerem a
preparação de documentação relacionada com o processo de contratação.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 24


Em Moçambique, está prevista uma modalidade especial de compra e
venda mercantil, a venda sob documentos e prevê o artigo 486 C.Com que
achando-se a documentação em ordem, não pode o comprador recusar o
pagamento sob pretexto de defeito ou do estado da coisa vendido salvo se o
defeito tiver sido anteriormente comprovado e comunicado, por escrito, ao
vendedor.

O preceito legal acima de certa forma está em consonância com o artigo


34 da CISG que se refere a obrigação de entrega de mercadorias acompanhada
da entrega de documentos.

6. A formação dos contratos internacionais

6.1 As partes e as negociações

Ė importante pesquisar sobre a condicionalidade de cumprimento das


obrigações contractuais assumidas em determinados países, pois é comum
para as partes que firmem contratos impondo que cumprimento de algumas
obrigações depende de autorização governamental difíceis de se obter, factos
que podem conduzir a resolução do contrato.

O encontro das partes pode ocorrer através de diversas formas, como


câmaras de comércio, feiras, convenções, publicações ou, pela simples
necessidade de adquirir determinados bens.

As partes do contrato devem ser 2 entes empresariais (proponente


(vendedor/exportador) e comprador/importador) residentes Estados
diferentes, os seus ordenamentos jurídicos devem ser distintos.

Manifestado o interesse das partes em efectivar uma operação


comercial, inicia-se a fase de negociação, que pode assumir vários aspectos,
dependendo da dimensão do negócio e das particularidades do
empreendimento.

6.2 Fases da formação do contrato

Destacamos quatro fases da formação dos contratos internacionais:

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 25


3. Decisão
1. Pré – 4. Celebração
2.Negociação sobre as
negociação do contrato
negociações

a) Pré – negociação

Esta fase é marcada pelo encontro das partes que pode incorporar ou
seguir-se das fases da determinação de conceitos, princípios e a análise de
detalhes do processo de negociação, o tipo de contrato, formulação da oferta,
dentre outros aspectos relevantes.

i. Princípios a serem definidos na fase da pré negociação

Destacamos os seguintes princípios a serem definidos na fase da pré


negociação que devem ser observados na fase de negociação

Boa fé das partes e o equilíbrio contratual - As discussões devem ser


francas e a aceitação do contrato deve ser livre por ambas as partes. Deve-se
fazer do contrato uma comunidade de interesses, pois um contrato muito
vantajoso a uma só parte não tem previsão de vida feliz- Art. 1.7 UNIDROIT.

Liberdade contratual e autonomia da vontade - Esta é a procura de


soluções jurídicas para um contrato, estabelecendo a extensão de suas
obrigações respectivas, desde que não constatem a existência de qualquer
obstáculo de ordem legal ou ética- Art. 1.1 UNIDROIT.

Na common law, o Bargaining Power of Suppliers - Poder de Negociação


dos Fornecedores, é uma das forças do Quadro de Análise da Indústria
fornecida pelo Modelo das Cinco Forças de Porter, serve como o mirror of
image/a imagem espelhada do poder de negociação dos compradores e refere-
se à pressão que os fornecedores podem exercer sobre as empresas,
aumentando os seus preços, baixando a sua qualidade ou reduzindo a

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 26


disponibilidade dos seus produtos. Esta estrutura é uma parte padrão da
estratégia de negócios3.

O modelo das cinco forças de Porter apresenta as seguintes cinco


forças:

• Intensidade da rivalidade;
• Ameaça de novos operadores potenciais;
• Poder de negociação dos compradores;
• Poder de negociação dos fornecedores; e
• Ameaça de bens e/ou serviços substitutos.

O poder de negociação do fornecedor numa indústria afecta o ambiente


concorrencial e o potencial lucro dos compradores. Os compradores são as
empresas e os fornecedores são aqueles que fornecem as empresas.

Segundo o CFI O poder de negociação dos fornecedores é uma das


forças que moldam o cenário competitivo de uma indústria e ajudam a
determinar a atractividade de uma indústria. É neste contexto que, no
processo de negociações é relevante o uso do método de negociação Principled
Negociation (negociação baseada por méritos) desenvolvido pelo Projecto de
Negociações de Harvard, Wharton School, e através da sua aplicação na
resolução de conflitos internacionais. Neste método defende-se que é
necessário separar as pessoas dos problemas sendo para isso importante:

• Focalizar nos interesses e não nas posições;


• Apresentar opções que tragam vantagens mútuas para as partes;
• Insistir no critério objectivo.

As partes devem definir de forma criteriosa e estudada a sua melhor


alternativa para alcançar um acordo negociado The Best Alternative for a
Negotiated Agreement (BATNA) sob pena do contrato ser firmado sustentando-

3
CFI team, publicado aos 12 de Julho 2020, revisto aos 9 de Maio de 2023

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 27


se na por alternativa para um acordo negociado The Worst Alternative for a
Negotiated Agreement (WATNA).

A BATNA e a WATNA devem ser definidas de forma estratégica na fase


da pré negociação por isso se impõe uma criteriosa preparação do processo
de negociação visando alcançar melhores acordos entre as partes.

Exemplo 1, o comprador oferece um preço mais baixo do que a pior


proposta de preço apresentada pelo vendedor, neste caso o comprador
apresenta uma BATNA e o vendedor aceitando a proposta leva uma WATNA,
por isso querendo estar próximo da sua BATNA o vendedor deve definir uma
outra opção como alternativa que seja melhor que a proposta do comprador.

Exemplo 2, quando o vendedor oferece ao comprador um preço mais


alto do que o pior preço oferecido pelo comprador, neste caso o vendendor
apresenta uma BATNA e o comprador aceitando levará uma WATNA, por isso,
o comprador deve definir outra alternativa que seja melhor que a proposta do
vendedor.

Como desenhar a melhor alternativa a um acordo negociado segundo a


Havard Law School:

• Alistar todas as alternativas a serem levadas à negociação – o que você


poderia fazer/oferecer se as negociações fracassarem?
• Avaliar o valor de cada alternativa – quanto vale cada alternativa para
mim?
• Selecionar a alternativa que lhe proporcionaria o valor mais elevado
(esta é a sua melhor alternativa a um acordo negociado).
• Depois de determinar a sua BATNA, calcular o negócio de menor valor
que você está disposto a aceitar.

A BATNA e a WATNA relacionam-se com a definição da Zone Of


Potential Agreement (ZOPA)- Zona de Acordo Potencial. Esta, é a
sobreposição entre o intervalo de liquidação do vendedor e do comprador.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 28


O intervalo de liquidação do vendedor é um intervalo aceitável para o
vendedor. O intervalo de liquidação do comprador é um intervalo aceitável
para o comprador.

Alternativa do vendedor Intervalo de liquidação

BATNA do vendedor ZORPA Alternativa do comprador

Intervalo de liquidação BATNA do comprador

ii. Quid pro Quo e Caviet Emptor

Quid pro Quo

Ainda na fase das negociações e ainda na execução do contrato é


importante que as partes definam e respeitem o princípio do quid pro quo que
significa que as partes devem receber algo em troca nas transações que
efectuam, deve-se dar algo em troca de algo sendo esta a expectativa que cada
uma das partes tem ao celebrar um contrato.

Caveat Emptor

Caveat Emptor é uma expressão em língua latina que significa de forma


prática que o comprador deve tomar todas as deligências para eliminar os
riscos no contrato. Pode significar de forma directa que o risco é do
comprador.

No processo de negociações ao aceitar determinadas cláusulas, é


importante que se tenha em conta a situação de negociação da compra de um
produto sob as regras do Caveat Emptor, onde o vendedor não garante a
qualidade do produto. Cabe ao comprador avaliar a situação do bem e
entender que defeitos ocultos não serão reembolsados. Esse tipo de venda é
comum na venda a leilões onde não é possível fazer um teste ao bem
comprado. Cabe ao consumidor/comprador munir-se de informações e
cuidados para tomar a decisão de compra, não recaindo sobre o vendedor
responsabilidades maiores, além de actuar dentro dos limites da lei.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 29


iii. Mirror of Image

A Mirror of Image é uma regra muito usada na common law e encontra-


se plasmada no artigo 19 da CISG.

Os contratos são constituídos por uma oferta e uma aceitação.

A oferta contém, de uma forma geral, todos os aspectos a serem


contidos no contrato devendo, em princípio, ser aceite sem mudanças.

Acontece porém, que a aceitação é feita com algumas modificações


constantes na oferta – nº2 do artigo 19 da CISG. Segundo Lookofsky, Joseph
estamos perante uma excepção à ao princípio do mirror of image4.

Nestes casos, defende-se que estamos perante uma contraproposta, e


a consequente rejeição da oferta, não se estabelecendo um contrato entre as
partes.

Cada parte pode usar o seu padrão de contrato, esta tem sido a base de
muitas vezes o vendedor fazer uma oferta de determinada forma e o
comprador aceitá-la de outra. Assim, o princípio do Mirror of Image, defende
que a oferta deve ser aceite tal como ela é apresentada. Deve-se ter aqui uma
aceitação inequívoca e absoluta da oferta nos exactos termos que ela é feita.

A aceitação com modificações é contraproposta e constitui negação a


oferta inicial.

Esta é uma regra que permite a negociação criteriosa do contrato,


permite a flexibilidade do negócio e protege os vendedores de alterações
desnecessárias das suas ofertas.

iv. The Battle of Forms - A Batalha de formas

A battle of forms “batalha dos modelos contratuais” constitui uma das


áreas mais complexas do processo de formação dos contratos internacionais.

44
Vide Lookofsky, Joseph, Understanding the CISG – A Compact Guide to the 1980 United Nations Convention
on Contracts for the International Sale of Goods, Wolters Kluwer, 2012, p. 94

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 30


Surge quando no processo da formação de contratos uma resposta que
pretenda ser aceitação contém modificações.

Referem-se as disputas reais, que os homens de negócio se envolvem


no processo de formação dos contratos internacionais.

Solução:

Como solução para a battle of forms, para os casos das partes serem
regidas pela CISG, aplica-se o regime legal Artigo 19 desta Convenção, que no
seu n.º 2 prevê solução caso a diferença dos modelos não sejam substanciais.
O n.º 1 artigo do 19 da CISG prevê a solução em caso de diferenças
substanciais e conflito surge antes da execução do contrato.

Se o litígio surge depois da execução do contrato mesmo que parcial


podem aplicar-se duas teorias:

– teoria da ultima palavra - last shot rule prevalecem as clausulas gerais


da parte que submeteu em último lugar sem oposição da outra parte
sobre o seu modelo contratual aceitação tacita ou

– teoria da neutralização – knock out rule – artigo 2.1.22 princípios


UNIDROIT- que prevê que as clausulas gerais em conflito excluem-se
mutuamente e em seu lugar intervêm regras legais supletivas e os usos
do comercio. As clausulas que são comuns para ambas as partes e que
sejam mutuamente acordadas.

v. Limites da vontade das partes

Há limites para a vontade das partes no momento da contratação.


Alguns dos principais elementos desses limites, são as leis imperativas
internas do território no qual o contrato deve ser executado e as regras de
ordem pública.

A ordem pública é estabelecida por cada Estado, através de sua


legislação interna, assim, não é possível anexa-las, nem identificar e conhecer
o conteúdo da ordem pública interna e internacional, concernente ao
contrato.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 31


Todavia, não sendo determinável, a verdade é que cada Estado estabelece a
sua ordem pública, e os tratados internacionais, porventura existentes, só
terão força jurídica, em virtude da adesão dos Estados.

vi. Condições de validade

O mútuo consentimento das partes num contrato, pressupõe a validade deste.


Assim, para que este seja validamente formado, tem que conter estipulações
lícitas, tais como:

• as partes devidamente qualificadas;

• o objecto de matéria explicita e detalhada;

• as diferentes cláusulas; e

• as sanções, expressamente previstas.

Outro aspecto importante a ser ressaltado, é o relativo aos costumes,


línguas e sistemas jurídicos, além do império da autonomia da vontade entre
as partes.

A língua a ser adoptada pelos Contratos Internacionais deve ser objecto


de cuidados especiais.

O contrato deve definir a(s) língua(s) oficiais de redacção do contrato,


para questões que possam surgir quanto á interpretação deste.

Além dos aspectos acima, os negociadores de um contrato


internacional, devem sempre, estar muito atentos às partes técnicas do
contrato, como a natureza das prestações dos fornecedores, as componentes
dos produtos, condições financeiras e, sempre que possível, os critérios de
performance, como também ao sistema cambiário.

Tendo em vista os requisitos acima mencionados, vez que estes geram


certa demora e dificuldade nas negociações, é comum que entre as partes
exista certa insegurança. Quando isso ocorre, é conveniente que seja feito
entre as partes uma carta de intenção, onde as partes enunciam as questões
básicas relacionadas com a negociação, conforme mencionado anteriormente.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 32


As cartas de intenções, em princípio, não criam obrigações entre as
partes na conclusão efectiva do contrato definitivo, mas constitui um facto
jurídico que pode justificar uma acção de responsabilidade para reparação do
prejuízo sofrido em caso de ruptura das negociações.

Cada parte deve informar a outra todos os factos impeditivos do


contrato, devendo fornecer os elementos dos quais dependam o seu
consentimento, mas que não está em condições de conhecer e verificar por si
só.

A falta de informação de factos impeditivos ao contrato pode gerar a


aplicação das seguintes sanções:

• o contrato concluído nessas condições pode ser anulado por dolo (culpa
in contrahendo),
• a vítima do comportamento desleal pode requerer reparação das perdas
e danos. – vide para todos efeitos o artigo 2.1.15 dos Princípios de
UNIDROIT.

b) Negociação

A negociação formal (oferta formal, aceitação, declaração de vontade,


equilíbrio contratual, sigilo de informação, língua do contrato). Rege-se pelos
princípios do contrato. Para o caso de Moçambique as qyestões jurídicas e
questões a serem consideradas na fase de negociação encontram se previstos
nos artigos 42 e seguinte do RJCC.

Nos termos da CISG, o contrato torna-se concluído quando a proposta


se tornar eficaz – artigo 23 da CISG.

As negociações incluem, indispensavelmente, a apresentação de


propostas que devem ser atenta e minuciosamente examinadas,
principalmente, para evitar futuros desentendimentos de interpretação.
Alguns aspectos devem ser considerados na fase de negociações:

1) A capacidade das partes e o poder que as mesmas são investidas para


participar nas negociações;

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 33


2) A negociação sobre objecto lícito e legalmente possível;
3) O respeito da liberdade contractual e o equilíbrio entre as partes
suportados pelo quid pro quo, a definição da BATNA e a necessidade das
partes alcançarem vantagens recíprocas;
4) A eficácia das negociações respeitando o mirror of image e evitando
battle of forms;
5) A determinação de parâmetros para os casos em que o sujeito é o
Estado, ou uma das partes em negociação é dominante evitando o
exercício do ius imperii e o equilíbrio económico;
6) A necessidade das partes não negociarem visando obter vantagem
excessivas/situações de abuso;
7) A definição de cláusulas típicas para a sustentabilidade do contrato;
8) A informação das partes garantindo a previsão da logística comercial;
9) A definição da eficácia do contrato.

vii. A questão de responsabilidade por rompimento das negociações

O conceito de culpa in contrahendo aparece pela primeira vez em 1861,


por obra de RUDOLPH VON JHERING, como solução para a total ausência de
regulamentação jurídica existente sobre a matéria da responsabilidade
durante as negociações e formação do contrato.

Quando as negociações são interrompidas inesperadamente e


unilateralmente por uma das partes, pode acarretar responsabilidade in
contrahendo face aos danos causados à outra.

A responsabilidade pré-contratual por ruptura das negociações, deriva do


incumprimento de deveres concernentes à formação dos contratos, limitando
a vontade das partes. Esta impõe o respeito dos deveres de protecção,
informação e lealdade apanágios da boa fé.

É importante compreender de que forma a CISG disciplina a


responsabilidade pré-contratual das partes pela ruptura das negociações
preparatórias na formação do contrato de compra e venda internacional de
mercadorias, em conjugação com os Princípios UNIDROIT e com os

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 34


ordenamentos jurídicos nacionais aplicáveis. Para este efeito são relevantes
os artigos 2.1.15 dos P. de UNIDROIT e artigo 8 da CISG.

Na interpretação da matéria no que a CISG for omissa, os Princípios


UNIDROIT e os ordenamentos jurídicos nacionais podem assumir especial
relevância- vide n.º2 do artigo 7 da CISG.

Apesar dessas dificuldades, os princípios UNIDROIT fornecem algumas


orientações que podem ser seguidas para a fixação de um mínimo de
responsabilidade pré-contratual a ser aplicada aos casos de ruptura
injustificada das negociações preparatórias dos contratos de compra e venda
internacional, artigo 1.7, artigo 2.1.15.

Diferentemente da Convenção de Viena, os Princípios UNIDROIT


dispõem de forma expressa em seu artigo 1.7, que as partes estão obrigadas
a actuar no comércio internacional, conforme os ditames da boa-fé.

A culpa in contrahendo por ruptura das negociações que emerge de um


acto meramente culposo, isto é, quando uma das partes cria negligentemente
na adversária uma convicção de que o contrato será concluído, mas mesmo
assim rompe as negociações sem um justo motivo, lamentavelmente não foi
contemplada pelos Princípios UNIDROIT.

Importa considerar a seguinte circunstância, na qual a lei aplicável ao


mérito da causa é a Convenção de Viena: uma empresa sediada na Itália,
visando vender determinada mercadoria, mantém negociações com uma
empresa localizada em Moçambique e repentinamente as interrompe,
causando danos patrimoniais à última. Poderia a primeira empresa ser
responsabilizada por tais danos? Caso positivo, qual seria a extensão dessa
responsabilidade?

Em face do exposto, pode-se asseverar que actualmente a culpa in


contrahendo é compreendida como uma responsabilidade decorrente da
culposa ou dolosa inobservância dos deveres de protecção, informação e
lealdade, que são imputados pelo princípio da boa-fé, durante a fase da
negociação e decisão da formação contratual.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 35


Em Moçambique o n.° 1, do artigo 227, do Código Civil prevê a culpa in
contrahendo, estipulando que as partes negociantes devem tanto nos
preliminares como na formação do contrato, proceder segundo as regras da
boa-fé, sob pena de responderem pelos danos que culposamente causarem à
outra.

No direito inglês, a Casa dos Lordes recusou expressamente a


inexistência de um dever de negociar de boa-fé, reconhecendo que às partes
é licito o rompimento das negociações a todo tempo e por qualquer razão, sem
que recaia sobre elas a obrigação de indemnizar. Neste caso, como regra, se
as partes entram em negociações e uma delas, confiando na celebração do
contrato incorre em determinadas despesas, estas serão tratadas como
perdas inerentes à actividade empresarial, pois inclusive já deveriam ser
previstas e por isso, terão que ser suportadas pela parte lesada que muito
provavelmente recuperará os prejuízos em futuras negociações bem-
sucedidas.

Não obstante essa regra geral, em certas circunstâncias excepcionais,


pode ser possível que uma parte seja indemnizada pelos danos provindos da
interrupção das negociações. Existem alguns institutos no direito inglês, que
são uma mistura do direito consuetudinário, dos actos legislativos e da
equidade, que podem ser utilizados como ferramentas para a persecução do
direito de ressarcimento. Dentre eles, os mais importantes para o tema da
ruptura das negociações, são o tort for fraudulent misstatement, o tort for
negligent misstatement.

A figura do fraudulent misstatement tem lugar quando, no decurso das


negociações preparatórias de um contrato, uma parte declara falsamente um
determinado facto à outra, com o único objectivo de fraudá-la e prejudicá-la.
É necessário que a falsa declaração tenha criado a convicção na contraparte,
de que o contrato realmente seria celebrado, fazendo com que esta incorresse
em gastos indispensáveis para a condução das negociações.

O negligent misstatement aparenta ser uma alternativa com a aplicação


ainda mais difícil do que a anterior. Aqui a parte negociante que requer uma

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 36


indemnização por responsabilidade pré-contratual, não precisará de provar
que a outra parte teve a intenção de fraudá-la, mas sim, que fez
negligentemente uma falsa declaração sobre um certo facto, que serviu de
fundamento para que se acreditasse que a negociação contratual teria êxito.

Conclui-se que no direito inglês, a aplicação da responsabilidade pré-


contratual apresenta uma grande restrição e dificuldade, sendo bem raros os
casos em que é admitida.

Pela grande importância que o princípio da autonomia privada das


partes na negociação contratual assume para esse ordenamento, segundo,
porque o instituto em causa resume-se às circunstâncias em que uma das
partes tenha declarado falsamente um facto ou excepcionalmente realiza
actos referentes a sua prestação contratual, acreditando que o contrato iria
ser verdadeiramente firmado.

Na CISG a exigência da boa fé nas negociações encontra-se plasmada


no n.° 1 do artigo 7, sendo, a nosso ver, o único dispositivo que versa
directamente sobre o tema da boa-fé.

No direito americano funciona a figura da promissory estoppel que se


aplica quando há uma promessa que foi razoavelmente invocada resultando
em danos no beneficiário da mesma, a justiça requer a execução da promessa.

Neste caso, uma parte no contrato, de forma intencional ou


premeditada promete algo em processo e negociações ciente que não poderá
cumprir, ou seja sem intenção de se vinculará a referida promessa, levando a
outra parte a assumir obrigações. A desistência dessa promessa levara que se
desencadeie a promissory estoppel.

Este instituto apesar de não ser semelhante a culpa in contrahendo,


chama a responsabilidade das partes em negociações obrigando-as que
primem pela boa fé.

a) Decisão sobre as negociações

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 37


A decisão da celebração do contrato é o momento mais significativo da
fase das negociações, pois é o momento conclusivo dos debates e do diálogo,
no qual, por pressuposto, todas as questões foram devidamente colocadas.

Contudo, no comércio internacional, nem sempre a definição do


compromissos recíprocos e do objecto negocial permitem a imediata
formulação do contrato final, pois é muito comum que ocorram
circunstâncias de natureza preparatória, em casos de negociações complexas,
compreendendo a formação de capitais, subcontratações, envolvimento de
pessoal técnico, preparação de projectos e planos sujeitos a aprovação
posterior, normalmente de longa duração.

Nestes casos, serão firmados acordos anteriores a celebração do


contrato decisivo, para que possam ser garantidos o envolvimento de pessoas
e empresas. Esses contratos ou acordos preliminares, só existiram se de facto
as partes forem concluir posteriormente o contrato definitivo e, terão ampla
eficácia jurídica.

b) Celebração do contrato

Concluído a definição do contrato preliminar, o contrato principal se


tornará definitivo.

Assim, o contrato definitivo é o acto pelo qual as partes se


comprometem definitivamente a assumir certas obrigações determinadas
estando apartir deste momento sujeitas ao princípio do pacta sunt sevanda.

O contrato tem força obrigatória e abre, a cada uma das partes, o direito
de interpor em juízo a execução forçada das prestações prometidas, contra a
parte não cumpridora das obrigações.

Após a fase de formação do contrato segue-se a fase da contratação –


assinatura do contrato e posteriormente a execução do mesmo.

Muitas vezes acontece que após a conclusão do contrato e a sua


celebração há situações de vantagem excessiva.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 38


Nos termos do artigo 3.2.7 dos Princípios de UNIDROIT, verificando-se
uma situação de vantagem excessiva a parte lesada tem a faculdade de uma
parte anular o contrato ou uma de suas cláusulas se, no momento da sua
conclusão, o contrato ou a cláusula concedia à outra parte uma vantagem
excessiva. Na figura da vantagem excessiva devem ser considerados, entre
outros factores, que a outra parte tenha obtido injusta vantagem por se
aproveitar do estado de dependência, de dificuldade económica, de
necessidade premente, de imperícia, de ignorância, de inexperiência ou de
falta de habilidade de negociar da primeira parte e a natureza e o fim do
contrato.

Os artigos 79 e seguintes do RJCC definem a figura do abuso que


corresponde a vantagem excessiva prevista no artigo 3.2.7 dos P.U.

6.3 Regime jurídico aplicável em Moçambique

Em Moçambique existem os contratos preparatórios, entendidos como


acordos escritos segundo o qual as partes intervenientes se obrigam a
concluir no futuro um contrato definitivo. O novo regime jurídico dos
contratos comerciais moçambicano, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 3/2022, de
25 de Maio introduziu a previsão expressa dos Contratos Preparatórios.

Assim sendo, nos termos do referido dispositivo legal são considerados


contratos preparatórios os seguintes:

• Contrato Promessa - convenção segundo a qual as partes promitentes se


obrigam a celebrar certo contrato definitivo dentro de determinado prazo
ou verificados certos pressupostos;
• Contrato de Preferência - convenção mediante a qual a parte preferente
concede prioridade ou primazia a parte preferida ou beneficiária, na
celebração de um contrato principal;
• Contrato de Opção - convenção mediante a qual, a parte concedente
emite a favor da parte optante uma proposta contratual irrevogável referida
a um certo contrato (principal), atribuindo-lhe o direito unilateral de
concluir ou não o mesmo.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 39


7. A Lei aplicável

7.1 Breve introdução a lei aplicável

A regulamentação das relações comerciais internacionais é um dos


temas que aborda inúmeros desafios em direito do comércio internacional.

Bartolo, conhecido como o pai do Direito Internacional, instituiu a lex


loci contractus, como primeira regra de conexão aplicável aos contratos
internacionais, que estabelece a lei do lugar em que o contrato foi concluído
como elemento de referência para as partes contratantes. Contudo, esta tese
veio mais tarde a ser contrariada por Savigny, civilista alemão, que séculos
mais tarde, coloca a lex loci obligationis, o lugar de execução das obrigações
como determinantes para as partes.

Neste caso, coloca-se então a questão de determinar qual deve ser a lei
que melhor regerá o contrato.

É importante ter em mente que nos interessam as operações comerciais


e financeiras legítimas, onde as partes são capazes, escolhem a lei que lhes
parece mais apropriada para regular sua relação contractual. Os motivos que
determinam tal escolha são igualmente legítimos.

Geralmente são escolhidas as leis consideradas mais sofisticadas para


o objecto do contrato, advindas do país onde o negócio em questão foi mais.

Os contratos internacionais não ficam subordinados a um único


regime, a não ser nos casos raros onde exista uniformidade do direito, nem
se submetem de forma espontânea e directa à norma de um único Estado.

Podem se considerar duas hipóteses em relação à lei aplicável num


contrato internacional. A 1ª trata se de um contrato em que as partes
estipularam a lei aplicável, aplicando-se aqui o princípio da autonomia da
vontade, a 2ª situação ocorre quando os contratos internacionais de comércio
não possuem cláusula referente à lei aplicável.

É comum que as partes usem a prerrogativa da escolha da lei aplicável.


No entanto, caso não haja a escolha, tais contratos estarão sujeitos aos

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 40


elementos de conexão vigentes nos ordenamentos do Direito Internacional
Privado. Nessa hipótese, a escolha vai depender não só da qualificação, como
dos critérios que o próprio contrato deseja adoptar.

7.2 Direito Internacional Privado

Com a divergência legislativa interna entre Estados, existem alguns


elementos normativos que permitem adaptar estas divergências a situações
específicas tendo em vista o possível conflito de leis.

Os mecanismos para a solução de conflitos legislativos de direito


estrangeiro encontram-se no campo do Direito Internacional Privado, que
procura indicar o direito aplicável em caso de ocorrência de um facto jurídico.

São reconhecidos três sistemas básicos quanto ao relacionamento entre


o Direito Internacional(DI)e o direito interno de um determinado Estado:

• dualismo (o DI e o direito interno são completamente independentes e


a validade da norma de um não depende do outro);

• monismo com supremacia do DI (a ordem jurídica é uma só, mas as


normas de direito interno devem ajustar-se ao DI); e

• monismo com supremacia do direito interno (a ordem jurídica é uma só,


mas as normas do direito internacional são aplicáveis numa ordem
jurídica quando as mesmas são ajustadas ao direito interno).

No entanto, a autonomia na escolha da lei tem sido aceite tanto pelos


tribunais nacionais como pelos órgãos de arbitragem para que as partes
possam designar a lei que regerá o contrato. No caso de escolha, esta não
deverá ferir a ordem pública e às disposições imperativas.

No caso de Moçambique, o Artigo 582 RJCC - Lei aplicável em negócios


jurídicos celebrados com cidadãos estrangeiros, este preceito legal admite a
autonomia da vontade das partes na determinação da lei aplicável, remetendo
as mesmas a decisão da escolha do sistema que regerá o contrato.

Afastamento da regra da conexão nº5 do artigo 583 RJCC “não é


exigível qualquer conexão entre a lei aplicável e as partes ou com a transacção”.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 41


Princípio da liberdade formal na escolha da lei aplicável – artigo 586
RJCC.

Exclusão do reemvio – arti 589 RJCC

O preceito acima prevê que a escolha da referida lei deve considerar a


sua relação com o objecto do contrato/negócio jurídico que se celebra.

Caso as partes não determinam a lei aplicável – artigo 42 define o


critério a ser aplicado para determinar a mesma ou recorre-se a lei da
residência habitual comum das partes (nº1 artigo 42 CC) ou na falta de
residência comum, a lei do local da celebração do contrato.

O artigo 45 Código Civil Moçambicano refere-se a determinação da lei


em caso de responsabilidade extracontratual.

a) A Convenção de Roma de 1980 sobre a Lei aplicável as obrigações


contratuais

A Convenção de Roma é uma Convenção assinada a 19 de Junho de


1980 pelos Estados membros da Comunidade Económica Europeia, que
determina a lei aplicável às obrigações contratuais nas situações que
impliquem um conflito de leis - mesmo que a lei designada seja a de um
Estado não contratante, tendo entrado em vigor a 01 de Abril de 1991.

É um importante instrumento de direito internacional privado a nível


comunitário que ainda reveste a forma de um tratado internacional que
inspira a regulação desta matéria.

O artigo 3, prevê o princípio da autonomia da vontade das partes na


definição da lei aplicável, podendo a qualquer momento as partes alterarem a
lei aplicável ao contrato.

O artigo 4 refere-se a lei aplicável na falta de escolha, enfatizando que


se aplica a lei do país que o contrato apresentar uma conexão mais estreita,
tendo em conta o princípio da proximidade.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 42


Os elementos usados para determinar a conexão encontram-se previsto
no n°2 do artigo 4 da Convenção de Roma que prevê que presume-se que o
contrato apresenta uma conexão mais estreita com o país onde a parte que
está obrigada a fornecer a prestação (vendedor) característica do contrato tem,
no momento da celebração do contrato, a sua residência habitual.

O nº 4 do da mesma convenção aponta que quanto ao contrato de


transporte de mercadorias, presume-se que este contrato apresente uma
conexão mais estreita com o país em que, no momento da celebração do
contrato, o transportador tem o seu estabelecimento principal, se o referido
país coincidir com aquele em que se situa o lugar da carga ou da descarga ou
do estabelecimento principal do expedidor

Podem levantar-se críticas do elemento de conexão aqui apontado que


tende a favorecer ao vendador em detrimento do vendedor

As partes signatárias de um contrato podem escolher o direito aplicável


a totalidade ou a uma parte do contrato, bem como o tribunal competente,
em caso de litigio.

A Convenção não prejudica a aplicação das convenções internacionais


de que um Estado Contratante seja ou venha a ser Parte e a legislação a ser
adoptada pelos Estados signatários deve obedecer os princípios da
Convenção.

O artigo 15 exclui o reenvio ao limitar que tendo as partes escolhido um


direito para reger a sua relação deve entender-se que trata-se de normas de
direito em vigor nesse país, com exclusão das normas de direito internacional privado
que podem levar ao reenvio.

O artigo 16 salvaguarda a necessidade do direito escolhido pelas partes não


ofender a ordem pública.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 43


b) A Convenção Interamericana sobre o direito aplicável aos contratos
internacionais – Convenção de México

O artigo 7 da Convenção de México, prevê o princípio da autonomia da


vontade das partes na definição da lei aplicável, podendo a qualquer momento
as partes alterarem a lei aplicável ao contrato.

O artigo 8 prevê que as partes signatárias de um contrato podem


escolher o direito aplicável a totalidade ou a uma parte do contrato, bem como
o tribunal competente, em caso de litigio.

O artigo 9 refere-se a lei aplicável na falta de escolha, enfatizando que


se aplica a lei do Estado com o qual o contrato mantenha os vínculos mais
estreitos. Diferentemente da Convenção de Roma, esta convenção realça
ainda que serão considerados os elementos objectivos e subjetivos que se
depreendem do contrato.

O artigo 17 da Convenção interamericada proibe-se o reenvio e o artigo


18 define que se direito designado pelas partes for contrário a ordem pública do foro
o mesmo não será aplicado.

b) A Convenção de Haia de 1986 sobre a lei aplicável aos contratos de


compra e venda de mercadorias

Esta convenção das Nações Unidas, aprovada em Haia em 1986 visando


complementar a CISG, não colheu o número mínimo de Estados que a
ratificaram não tendo entrado em vigor.

Esta convenção tem, por um lado, algumas cláusulas que criam receios
e interpretacões difusas, é o caso por um lado, do n.º1 do artigo 8 que é
entendido como favorecendo o vendedor ao estipular que caso as partes nada
digam sobre a lei aplicável, aplica-se a lei do Estado onde o vendedor tem o
seu estabelecimento comercial.

Por outro lado, o artigo 17 impõe que a Convenção não obsta a aplicação
das disposições da lei do Estado do foro que devam aplicar-se
independentemente da lei que rege o contrato restringindo a aplicação do
princípio da autonomia da vontade.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 44


O artigo 7 prevê a liberdade das parte na escolha da lei aplicável e o
artigo 15 excluem situações de reenvio.

7.5 Ordem Pública e Fraude a Lei

a) Ordem Pública

Ė a situação e o estado de legalidade normal, em que as autoridades


exercem as suas atribuições e os cidadãos as respeitam e acatam. Constituir-
se-ia assim pelas condições mínimas necessárias a uma conveniente vida
social, a saber: segurança, salubridade pública e tranquilidade pública.

Formalmente, a ordem pública é o conjunto de valores, princípios e normas


que se pretende sejam observados em uma sociedade. São normas de ordem
pública as constitucionais, as processuais, as administrativas, as penais, as
de organização judiciária, as fiscais, as de polícia, as que protegem os
incapazes, as que tratam de organização de família, as que estabelecem
condições e formalidades para certos actos e as de organização económica.

A ordem pública é uma limitação a autonomia da vontade das partes,


ela é estabelecida por cada Estado, através de sua legislação interna, assim,
não é possível anexa-las, nem identificar e conhecer o conteúdo da ordem
pública interna e internacional, concernente ao contrato.

Todavia, não sendo determinável, a verdade é que cada Estado


estabelece a sua ordem pública, e os tratados internacionais, porventura
existentes, só terão força jurídica, em virtude da adesão dos Estados.

Em Moçambique no artigo 22 do CC conjugado com o artigo 592 RJCC afasta


a ofensa a ordem pública do foro.

b) Fraude a Lei

Para o Direito Internacional Privado a fraude à lei é quando os interessados


no instituto escapam à aplicação de um preceito material de certa legislação
“criam” um elemento de conexão que tornará aplicável uma outra ordem
jurídica mais favorável aos seus intentos, há assim uma norma instrumental
de fraude.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 45


A fraude à lei traduz-se em defraudar o imperativo de uma norma
material de certo ordenamento jurídico através da utilização como
instrumento de uma norma de conflitos, ou seja, fraude à lei em Direito
Internacional Privado, não é fraude de uma norma, a norma é apenas um
mecanismo de fraude.

As conexões das normas de conflitos são facilmente deslocáveis, logo as


partes podem aproveitar estas normas de conflito de maneira a obterem
soluções mais vantajosas.

Para o Direito Internacional Privado a fraude à lei é quando os


interessados no instituto escapam à aplicação de um preceito material de
certa legislação “criam” um elemento de conexão que tornará aplicável uma
outra ordem jurídica mais favorável aos seus intentos, há assim uma norma
instrumental de fraude.

A fraude à lei traduz-se em defraudar o imperativo de uma norma


material de certo ordenamento jurídico através da utilização como
instrumento de uma norma de conflitos, ou seja, fraude à lei em Direito
Internacional Privado, não é fraude de uma norma, a norma é apenas um
mecanismo de fraude.

As conexões das normas de conflitos são facilmente deslocáveis, logo as


partes podem aproveitar estas normas de conflito de maneira a obterem
soluções mais vantajosas.

Podem constituir fraude a lei: procedimento pelo qual o particular


utiliza um tipo legal em vez de outro a fim de provocar a consequência jurídica
pretendida; A pessoa manipula um tipo legal com vista a obter uma
consequência jurídica.

No Direito Internacional Privado há situações que são consideradas de


fraude à lei, surgindo quando os interessados no intuito de escapar à
aplicação de um preceito material de certa legislação “criam um elemento de
conexão que tornará aplicável na outra ordem jurídica mais favorável aos seus
intentos”. Norma meramente instrumental de fraude à lei: A, zambiano,
naturaliza-se moçambicano com vista a privar da legitima seu filho.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 46


A maior parte da doutrina aceita a fraude à lei no campo do Direito
Internacional Privado, mas há já três autores que aceitam a fraude à lei no
Direito Internacional Privado, razões:

– É o próprio legislador que indica às partes o caminho pelo qual pode


escapar;

– Muitas vezes é difícil determinar os casos de fraude à lei;

– Qualquer norma jurídica que venha estipular o conceito de fraude à lei


vem trazer muita segurança e incerteza jurídica.

O Artigo 21 CC moçambicano, afasta a fraude a lei na aplicação das


normas de conflito.

Pressupostos da fraude a lei:

Existe na doutrina os seguintes pressupostos, para a existência de fraude:

• Elemento objectivo: consubstancia-se na utilização de uma regra


jurídica com a finalidade de assegurar o resultado que a norma
defraudada não permite. Para a consumação do elemento objectivo as
partes terão que utilizar ou uma fraude relevante ou uma conexão
falhada.

• Elemento subjectivo: resulta da intenção das partes, é um elemento


psicológico e resume-se à mera intencionalidade que as partes
demonstravam.

Segundo Ferrer Correia, são os seguintes pressupostos da fraude à lei:

• a) O seu objecto é constituído pela norma de conflitos (ou parte


da norma) que manda aplicar o direito material a que o fraudante
pretende evadir-se, contanto que seja afectado o fim da norma
material a cuja aplicação o fraudante quis escapar;

• Utilização de uma regra jurídica, como instrumento na fraude, a fim


de assegurar o resultado que a norma fraudada não permite;

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 47


• Emprego de meios eficazes para a consecução do fim visado pelas
partes;

• Intenção fraudulenta.

A sanção da fraude à lei traduz-se na aplicação da norma cujo


imperativo a manobra fraudulenta procurou iludir, isto é, os actos jurídicos
realizados e os direitos adquiridos em fraude à lei do foro serão ineficazes (ou
inoperantes) no respectivo ordenamento jurídico, o que não significa que, por
vezes, as situações constituídas ou os actos jurídicos praticados como meios
de se fugir a uma lei e de se colocar ao abrigo de outra não devam ser
apreciados autonomamente, à luz da doutrina da fraude à lei, para o efeito de
eventualmente serem havidos como ineficazes com fundamento nela.

7.6 Tipos de clausulas do Contrato de CV Internacional de mercadorias

i. Cláusulas convencionais - Preâmbulo do contrato

A finalidade da negociação é minimizar diferenças, estabelecer um


acordo que seja bom para ambas as partes.

A concretização dessa finalidade é a definição de um projecto de


contrato que represente a vontade manifesta pelos contratantes, assim como
segurança para a transação que se realizará.

O factor mais importante de um contrato bem negociado é a satisfação


das partes, acompanhada pela capacidade das mesmas.

Sendo o preâmbulo a parte inicial do contrato, as partes se qualificam e


definem os termos que serão utilizados ao longo do documento.

É nesta fase que se define o uso dos INCOTERMS de modo a clarificar


as responsabilidades das partes no embarque, transporte e entrega das
mercadorias.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 48


Na formação do contrato, artigo 14 da Convenção de Viena refere que o
contrato final deve ser encaminhado para uma pessoa determinada, devendo
ser precisa e indicando a intenção do autor oferta;

As mercadorias devem ser descritas de forma precisa(quantidade, preço);

• A oferta será efectiva quando chegar ao destinatário;

• A oferta extingue-se quando a sua recusa chega ao proponente;

• A oferta e aceita quando for feita uma declaração nesse sentido;

• O silencio não vale como declaração de aceitação;

• Aditamentos que alteram a oferta inicial são contrapropostas.

ii. Cláusulas Típicas dos contratos internacionais

Consideramos como cláusulas típicas as que são determinantes para a


sustentabilidade do contrato.

a) Cláusula de Força Maior – Force Mejeure

Torna-se essencial a inserção de cláusulas em que fica prevista a


exoneração da responsabilidade das partes no caso da ocorrência de factos
imprevistos que elas não poderiam de alguma forma prever, nem poderiam
razoavelmente evitar, que se corporificam nos casos de força maior. Artigos
79 CISG, artigo 7.1.7 Princípios do UNIDROIT, artigo 115 do RJCC.

b) Cláusula Hardship

Permitem a adaptação do contrato face as circunstâncias imprevistas


que tornem excessivamente onerosa sua execução para uma das partes.
Artigos 6.2.1 a 6.2.3 dos Princípios do UNIDROIT.

O artigo 6.2.2 dos Princípios do UNIDROIT define que há hardship


quando sobrevêm fatos que alteram fundamentalmente o equilíbrio do
contrato, seja porque o custo do incumprimento da obrigação de uma parte
tenha aumentado, seja porque o valor da contra-prestação haja diminuído e:
a) os factos ocorrem ou se tornam conhecidos da parte em desvantagem
após a formação do contrato;

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 49


b) os factos não poderiam ter sido razoavelmente levados em conta pela
parte em desvantagem no momento da formação do contrato;
c) os factos estão fora da esfera de controle da parte em desvantagem; e
d) o risco pela superveniência dos factos não foi assumido pela parte em
desvantagem.
Em caso de hardship, a parte em desvantagem tem direito de propor a
renegociação do contrato. Contudo, a porposta de renegociação não dá direito
à parte em desvantagem de suspender a execução do contrato.

Na falta de acordo entre as partes, cada uma das partes poderá recorrer
ao Tribunal que caso considere a existência de hardship, poderá extinguir o
contrato, na data e condições a serem fixadas, ou adaptar o contrato com
vistas a restabelecer-lhe o equilíbrio entre as partes.
No caso de Moçambique as situações de hardship encontram-se
previstas nos artigos 108 a 110 do RJCC sendo denominadas cláusulas de
excessiva onerosidade.

c) Cláusula Penal

A cláusula pena visa impor sanções pecuniárias ao infractor de


condições contratualmente ajustadas. Esta cláusula desempenha três
principais funções indemnizatória, sancionatória e servir de limitante dos
limites de indemnização da parte lesada.

Em Moçambique há referências da importância desta cláusula no caso


de contratos de compra e venda, por exemplo, o artigo 935CC faz referência a
mesma. O artigo 21 do RJCC prevê a proibição de cláusulas abusivas. A alínea
e) do artigo 21 determina que é abusiva a cláusula que fixe o valor da
indemnização cujo montante exceda o valor do dano real.

d) Cláusula sobre a lei aplicável

Esta cláusula assume uma enorme importância quanto à segurança


jurídica do contrato, determinando qual será o direito que regula o contrato,
ou seja, o direito aplicável.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 50


Os modos de regulamentação ajudam a determinar o conhecimento da
lei aplicável. Remetemos as questões pertinentes a matéria sobre a lei
aplicável ressalvando que as partes têm a liberdade de determinar a lei que
regerá o contrato.

e) Cláusula de eleição de foro

A eleição do foro aplicável e muito mais importante nos contratos


internacionais pelo facto destes contratos envolverem mais do que um
ordenamento jurídico. A escolha do foro dever ser cautelosa, de modo a evitar-
se conflitos de leis ao longo da implementação do contrato.

A escolha do foro não deve configurar-se em fraude a Lei, e que tenha


uma conexão relevante com o contrato.

É importante: verificar as regras de competência internacional que


regeriam a situação, determinar a norma de conflito aplicável pelo juiz
competente a cada situação, verificar o direito aplicável.

iii. Cláusulas acecssórias

Cláusulas específicas que consistem em menções específicas em


relação a mercadoria, cuidados de manuseio, autorizações governamentais
para a exportação.

Cláusulas aleatórias (visam diminuir a ocorrência de aspectos


imprevistos que interfiram no objecto do contrato durante a sua vigência e
que até podem impedir a sua execução).

Cláusulas de Rescisão. Costuma-se inserir cláusulas que prevêem a


possibilidade de rescisão unilateral dos pactos, seja em carácter normal, sem
depender de qualquer circunstância, nos casos de contratos por prazo
indeterminado, em que qualquer das partes pode dá-lo como rescindido
avisando a outra com certa antecedência, seja em virtude da ocorrência de
eventos como a insolvência de uma das partes ou o descumprimento por ela
das obrigações contratuais

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 51


Cláusula sobre fixação de preços e comissões, visa estabelecer as
condições sobre o pagamento do preço e comissões em especical nos contratos
de distribuição.

Cláusula Compromissória. Podem os contratantes convencionar que


os conflitos sejam solucionados pela via Arbitral.

Tal escolha implica na exclusão da tutela jurisdicional interna dos


países, para que o conflito seja submetido à decisão de árbitros privados,
cujas sentenças, no entanto, deverão adquirir foro de coisa julgada e serem
assim passíveis de execução.

Cláusula Amiable Composition. Cláusula que permite estabelecer no


próprio contrato para que os árbitros internacionais, ou nacionais, possam
resolver os litigios podem usar a equidade, chegando a acordos que possam
por fim aos conflitos.

Cláusulas sobre tributação: Na negociação e execução dos contratos


internacionais uma matéria relevante é a do regime tributário-fiscal que se
submeterá o contrato.

Uma parte moçambicana, ao firmar um contrato com pessoas físicas


ou jurídicas domiciliadas no exterior e que envolvam a remessa de divisas a
título de rendimentos ou ganhos de capital, devem lembrar-se que tais
remessas se encontram sujeitas à incidência dos impostos aplicáveis a
matéria, como por exemplo, o IRPC.

Cláusulas Exoneratórias de responsabilidade nos contratos de


Adesão. As cláusulas de exclusão ou limitação de responsabilidade são
encontráveis com frequência nos contratos de adesão, que utilizam formas
padronizadas devido a sua feição de produção em série, pois é esta prática no
comércio internacional, principalmente nos negócios bancários, de seguros e
de importação/exportação.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 52


Cláusula de Fixação de Preço (estabilidade da moeda)

Reflexos das flutuações cambiais sobre os valores fixados nos


contratos. Tal cláusula é única, estabelecida pela Comissão Econômica para
a Europa da ONU.

Cláusula de Confidencialidade.

Em contratos que envolvem tecnologia, como os de utilização de


patentes, técnicas industriais e outras informações que as partes necessitam
manter sob regime confidencial, as partes costumam adoptar dispositivos
contratuais que submetam o contrato a esse regime, criando sanções para
casos de incumprimento.

Elaborado por: Elsa Roia Alfai 53

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